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ARTIGO

FORDISMO, TOYOTISMO E VOLVISMO:


'"
OS CAMINHOS DA INDUSTRIA
EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO
• Thomaz Wood, Jr. * PALAVRAS·CHAVE: Reestruturação da indústria, organi-
Engenheiro Químico pela UNICAMP, Mestrando em zação do trabalho, métodos de produção.
Administração de Empresas da EAESP/FGV e
Profissional do Setor Fibras e Polímeros da Rhodia S.A. .,f(- ABSTRACT: After the 70's, the american-european
supremacy in the industrial world has been chalenged by the
Japan rising economy. It is said that this fact is dose linked
* RESUMO: A partir dos anos setenta, a supremacia euro- to the production methods and work organization dominant
americana no mundo industrial tem sido desafiada pela cres- in the companies of industrialized western countries. This
cente economia japonesa. Liga-se este fato aos métodos de paper will investigate tree aspects of the question: the rise and
produção e à forma de organização do trabalho dominante nas fall of the mass production - the "Fordist System"; the birth
companhias dos países industrializados ocidentais. Este tra- and caractheristics of the "Toyota System" and the emergence
balho investigará três pontos da questão: a ascensão e queda of the "Volvo System". It is intended, at the end of the work,
da produção em massa - o "Sistema Fordista"; o nascimen- to produce a general view of the transformation process and
to e as características do "Sistema Toyota" e o surgimento do the restructuring of industry over this century.
"Sistema Volvo". Pretende-se, ao final do trabalho, ter pro-
duzido uma visão geral sobre o processo de transformação e * KEY WORDS: Restructuring of industry, work organ-
reestruturação da indústria neste século. ization, methods of production.

6 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 32(4): 6-18 Set,/Out. 1992


FORDISMO, TOYOTISMO E VOLVISMG...

A nous la liberté é o título de um filme do Este trabalho abordará este tema a par-
diretor francês René (Jair. tir de três metáforas desenvolvidas por
A estória mostra dois companheiros de Garet Morgan no livro Images of Organ-
fuga da prisão; um só deles bem-sucedido, izatíon.' Para criar um campo analítico,
assinale-se que em detrimento do outro. estas metáforas serão contrapostas a três
Eles são os protagonistas de uma sátira à diferentes sistemas gerenciais.
indústria - sociedade - que reduz o ho- Assim, na primeira parte, será descrita a
mem a uma máquina. imagem da organização como máquina e,
O bem-sucedido na fuga, interpretado em seguida, abordado o tema da produção
por Raymond Cordy, sobe rápida e habil- em massa a partir do caso da Ford.
mente no mundo industrial, tornando-se Na segunda parte a empresa analisada
um importante empresário. O outro, Henri será a Toyota e a imagem escolhida, a da
Marchand, após cumprir sua pena, organização como organismo.
perambula inocentemente pela narrativa, Na terceira parte, finalmente, será to-
conservando o ar alegre e um desapego mada a metáfora do cérebro e abordado o
sincero, tentando sempre aceitar o inespe- caso da Volvo.
rado.
O reencontro dos dois amigos, agora ORGANIZAÇÕES COMO MÁQUINAS:
habitando mundos diametralmente opos- FORO E A PRODUÇÃO EM MASSA
tos, dá início a uma reviravolta na estória.
Henri vai trabalhar na fábrica de Raymond As origens da organização mecânica 2
e suas ações vão potencializar a recon-
versão do amigo. A palavra organização vem do grego
Na seqüência final, a fábrica - um organon, que significa instrumento. Orga-
quase personagem - é entregue por Ray- nizações são, portanto, uma forma de as-
mond aos operários, que não têm outras sociação humana destinada a viabilizar a
atividades que não sejam pescar ou dis- consecução de objetivos predeterminados.
trair-se em jogos. Enquanto isso, a produ- Mas este conceito perdeu força prática
ção é feita por autômatos. em algum ponto do desenvolvimento ca-
Os dois amigos seguem seu caminho, pitalista, quando as organizações passaram
pela estrada, com uma trouxa de roupas a ser fins em si mesmas. Pode-se afirmar
nas costas e cantarolando a canção que dá que esta transformação está de alguma
título ao filme. forma ligada à mecanização do trabalho e
O diretor usa o vasto complexo indus- suas conseqüências.
trial como moldura para uma crítica bem Passamos, a partir de um certo estágio
humorada aos processos desumaniza- do processo de industrialização, a usar 1. MORGAN, Gareth. Images of
dores. Em essência, defendem-se, de ma- máquinas como metáforas para nós mes- Organization. Beverly Hills, Sage,
neira por vezes ingênua, mas sempre poé- mos e a moldar o mundo de acordo com 1986. Além das imagens utilizadas
tica, os valores básicos do ser humano. princípios mecânicos. O trabalho nas fá- no presente trabalho, Morgan tam-
O filme é de 1931. bricas passou a exigir horários rígidos, bém desenvolve as seguintes ima-
rotinas predefinidas, tarefas repetitivas e gens para organizações: culturas,
INTRODUÇÃO: OS SISTEMAS GERENCIAIS estreito controle. sistemaspolíticos,prisõespsíquicas,
E SUAS IMAGENS fluxo e transformação e instrumen-
A vida humana sofreu profunda trans-
tos de dominação.
formação. A produção manual deu lugar à
A partir da década de setenta, a lide- produção em massa; a sociedade rural deu 2. Idem, ibidem, capo2, pp. 19-37.
rança industrial até então incontestável dos lugar à urbana e o humanismo cedeu ao
Estados Unidos e da Europa Ocidental racionalismo. Todo o sistema de valores e 3. A frase original é de Karl Marx:
passou a ser desafiada pelo Japão. crenças foi afetado. "...Tudo que era sólido "Tudo que é sólido desmancha no ar,
Advoga-se que este fato está estreita- desmanchou no ar... "3 tudo que é sagrado éprofanado, e os
mente ligado ao declínio da forma de or- Max Weber observou o paralelo entre a homens são finalmente forçados a
ganização do trabalho dominante nas em- mecanização da indústria e a proliferação enfrentar com sentidos mais sóbrios
presas ocidentais. suas reais condições de vida e sua
das formas burocráticas de organização.
relação com outros homens". Citado
O modelo de produção fordista estaria, Segundo ele, a burocracia rotiniza a ad- em BERMAN, Marshal. Tudo que é
por isso, sendo substituído na indústria ministração como as máquinas rotinizam a sólido desmancha no ar -a aventura
manufatureira em todo o mundo por no- produção. da modernidade. São Paulo,
vos conceitos e princípios. Weber definiu a organização burocráti- Schwarcs, 1990, p. 93.

©1992, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 7


i1!1D ARTIGO

ca pela ênfase na precisão, velocidade, • segundo, um maior reconhecimento do


clareza, regularidade, confiabilidade e lado humano, ainda que o princípio seja
eficiência atingidas através da criação de o de adaptar o homem às necessidades da
uma divisão rígida de tarefas, supervisão organização, e não o contrário.
hierárquica e regras e regulamentos deta-
lhados. A idéia central continua sendo que as
As organizações burocráticas são capa- organizações são sistemas racionais que
zes de rotinizar e mecanizar cada aspecto devem operar da forma mais eficiente
da vida humana, minando a capacidade de possível.
uma ação criadora. Um engenheiro americano, dotado de
A origem da Teoria Clássica da Admi- um caráter obsessivo, que ganhou a repu-
nistração está ligada à combinação de tação de "inimigo do trabalho humano", é
princípios militares e de engenharia. O tido como o grande mentor do geren-
gerenciamento, sob este prisma, é visto ciamento científico. Seu nome: Frederick
como um processo de planejamento, orga- Taylor.'
nização, comando, coordenação e controle. Taylor desenvolveu uma série de prin-
cípios práticos baseados na separação entre
••••••••••••••••••••••• trabalho mental e físico e na fragmentação
das tarefas. Estes princípios são aplicados
Ainda hoje muitas indústrias, ou até hoje tanto nas fábricas como nos escri-
mesmo unidades ou departamentos tórios.
dentro de empresas, encontram na O efeito direto da aplicação desses
administração científica uma resposta princípios foi a configuração de uma nova
força de trabalho marcada pela perda das
para os seus problemas. Mas isto habilidades genéricas manuais e um au-
pressupõe condições ambientais mento brutal da produtividade. Por outro
estáveis, produtos com poucas lado, passaram a surgir problemas crônicos
mudanças ao longo do tempo e como absenteísmo e elevado turnover.
previsibilidade do fator humano. A utilização desses princípios marcou a
expansão industrial americana e foi uma
••••••••••••••••••••••• das suas chaves de sucesso durante muito
tempo.
O desenvolvimento conceitual foi mar- Enfocar e administrar as organizações
cado pelos trabalhos do francês Fayol, do como máquinas significam fixar metas e
americano Mooney e do inglês Urwick. estabelecer formas de atingi-las; organizar
Eles interessaram-se pelos problemas tudo de forma racional, clara e eficiente;
práticos de gerenciamento e codificaram as detalhar todas as tarefas e, principalmen-
experiências de organizações de sucesso te, controlar, controlar, controlar ...
para que servissem de exemplo. Após dois séculos de industrialização e
Princípios como unidade de comando, desenvolvimento capitalista, temos estes
divisão detalhada do trabalho, definição valores já interiorizados. Quando do seu
clara de responsabilidade, disciplina e surgimento, o gerenciamento científico foi
autoridade passaram a ser chaves para o visto como solução para todos os proble-
êxito das organizações. mas. Ainda hoje muitas indústrias, ou
O respectivo projeto organizacional mesmo unidades ou departamentos dentro
considera a empresa como uma rede de de empresas, encontram na administração
partes interdependentes, arranjadas numa científica uma resposta para os seus pro-
seqüência específica, e apoiada em pontos blemas. Mas isto pressupõe condições
definidos de rigidez e resistência. ambientais estáveis, produtos com poucas
A modernização dos conceitos originais mudanças ao longo do tempo e previsi-
inclui dois pontos-chave: bilidade do fator humano.
Ocorre que a aceleração das mudanças
• primeiro, uma flexibilização do princípio sócioculturais e econômicas tem levado ao
de centralização, visando a dotar as orga- desaparecimento dessas condições. Além
nizações de maior capacidade de ação em disso, as organizações orientadas pelo
4. MORGAN, Gareth. Op cit, p. 204. ambientes complexos; enfoque gerencial mecanicista tendem a

8
FORDlSMO, TOYOTlSMO E VOL VISMo. ..

gerar um comportamento caracterizado rencial e das escolas administrativas. Se


pela acefalia, falta de visão crítica, apatia e hoje este vínculo é menos evidente, não é
passividade. O foco do controle sobre as menos verdade que o seu estudo e a sua
partes inibe o autocontrole e o controle análise ainda podem fornecer valiosos
entre as partes, resultando num baixo grau subsídios para compreensão dos fenôme-
de envolvimento e responsabilidade e nos organizacionais.
provocando nessas organizações uma O início do ciclo de produção capitalis-
fragilização diante do ambiente. ta caracterizou-se fundamentalmente pela
O mecanicismo baseia-se na racio- separação do trabalhador dos meios de
nalidade funcional ou instrumental, que produção. Mas foi o surgimento das
indica o ajuste das pessoas e funções ao grandes fábricas e das linhas contínuas que
método de trabalho ou a um projeto aceleraram as mudanças, alterando radi-
organizacional predefinido. Uma racio- calmente os sistemas organizacionais.
nalidade substantiva, ao contrário, enco- Na indústria automobilística, durante o
rajaria as pessoas a julgar e adequar seus período de produção manual, as organi-
atos às situações, incentivando a reflexão e zações eram descentralizadas, ainda que
a auto-organização." localizadas numa única cidade. O sistema
Uma outra limitação das organizações era coordenado diretamente pelo dono,
mecanicistas reside no seu princípio de que tinha contato com todos os envolvidos:
assumir uma racionalidade individual que, clientes, operários, fornecedores etc,"
associada à competitividade, leva a um O volume de produção era baixo, o
todo de eficiência duvidosa. projeto variava quase que de veículo a
Por outro lado, a mobilização das pes- veículo e as máquinas-ferramenta eram de
soas ao redor da organização, e não o in- uso geral.
verso, leva a uma limitação da utilização A força de trabalho era altamente espe-
das capacidades humanas, com conse- cializada e muitos empregados tendiam a
qüências negativas para a organização. abrir sua própria empresa após alguns
Concluindo, pode-se dizer que o anos de experiência.
enfoque mecanicista tomou-se muito po- Os custos de produção eram altos e não
pular por razões justas. Ele foi, e ainda é, a caiam com o aumento do volume. Só os ri-
chave do sucesso de muitas organizações. cos podiam comprar carros que, em geral,
Sua influência ultrapassou as fronteiras eram pouco confiáveis e de baixa quali-
culturais e ideológicas, afetando todo o dade.
mundo. Nossa maneira de entender a rea- No final do século XIX,a indústria esta-
lidade e nossos comportamentos ficaram va atingindo um patamar tecnológico e
definitivamente marcados. Os princípios econômico, quando Henry Ford introduziu
articulados por esta visão passaram a in- seus conceitos de produção, conseguindo
tegrar os modelos de poder e controle com isto reduzir dramaticamente custos e
existentes. melhorar substancialmente a qualidade.
Vivemos, entretanto, um novo período, O conceito-chave da produção em
caracterizado pela alteração acelerada do massa não é a idéia de linha contínua,
ambiente. Tanto do ponto de vista do como muitos pensam, mas a completa e
mercado de trabalho, quanto sob o aspec- consistente intercambiabilidade de partes,
to organização, a realidade é diferente e a simplicidade de montagem. Antes da
daquela que gerou a visão mecanicista. introdução da linha contínua, Ford já tinha 5. Uma discussão aprofundada so-
reduzido o ciclo de tarefa de 514 para 2 bre estes conceitos pode ser vista
Henry Ford e a produção em massa minutos; a linha contínua diminuiu este em GUERREIRO RAMOS, Alberto.
número à metade. Modelos de homem e teoria admi·
Será abordado, a seguir, o surgimento As mudanças implantadas permitiram nistrativa. Revista de Administração
do conceito de produção - e consumo - reduzir o esforço humano na montagem, Pública, Rio de Janeiro, 18(2):3·12,
em massa, focalizando a indústria auto- abr./jun. 1984.
aumentar a produtividade e diminuir os
mobilística. custos proporcionalmente à elevação do
6. WOMACK, James P; JONES,
Poucas como ela espelham tão bem os volume produzido. Além disso, os carros Daniel T. & ROOS, Daniel. The
processos de mudança ocorridos neste sé- Ford foram projetados para uma facilidade machíne Ihal changed lhe world.
culo. Sua evolução está diretamente ligada de operação e manutenção sem preceden- Nova Iorque, Rawson Associated,
ao desenvolvimento do pensamento ge- tes na indústria. 1990, cap 2.

9
1}!1f] ARTIGO

Ford também conseguiu reduzir drasti- tudo de que necessitava. Mas ele mesmo
camente o tempo de preparação das má- não tinha idéia de como gerenciar global-
quinas fazendo com que elas executassem mente a empresa sem ser centralizando
apenas uma tarefa por vez. Além disso, todas as decisões. Esta é uma das princi-
elas eram colocadas em seqüência lógica. O pais raízes do declínio da empresa nos
único problema era a falta de flexibilidade. anos 30.
Esta combinação de vantagens compe- Foi Alfred Sloan, da General Motors/,
titivas elevou a Ford à condição de maior que resolveu o impasse que vitimou Ford.
indústria automobilística do mundo e vir- Sloan divisionalizou a empresa implan-
tualmente sepultou a produção manual. tando um rígido sistema de controle. Além
Em contraste com o que ocorria no sis- disso, criou uma linha de cinco modelos
tema de produção manual, o trabalhador básicos de veículos para atender melhor o
da linha de montagem tinha apenas uma mercado (a Ford tinha apenas o modelo T)
tarefa. Ele não comandava componentes, e criou funções na área de finanças e
não preparava ou reparava equipamentos, marketing. Desta maneira, ele conseguiu
nem inspecionava a qualidade. Ele nem estabelecer uma forma de convivência do
mesmo entendia o que o seu vizinho fazia. sistema de produção em massa com a ne-
Para pensar em tudo isto, planejar e con- cessidade de gerenciar uma organização
trolar as tarefas, surgiu a figura do enge- gigantesca e multifacetada.
nheiro industrial. Por décadas, o sistema criado por Ford
e aperfeiçoado por Sloan funcionou per-
.n •••••••••••••••••••••
feitamente e as empresas americanas
Um aspecto complicador do uso da dominaram o mercado de automóveis.
Mas, a partir de 1955,a tendência começou
imagem de organizações como a se inverter. O modelo começava a dar
organismos é o pressuposto implícito sinais de esgotamento.
da utilização de um modelo Na Europa, grandes fabricantes surgi-
discreto, no qual as espécies e suas ram aplicando os mesmos princípios, mas
características são bem definidas. desenvolvendo veículos mais adaptados às
condições do continente. Paralelamente, a
As organizações, por sua vez, força de trabalho tornou-se cada vez mais
tendem a ter características com reivindicativa em torno de questões como
variação contínua. salários e jornadas de trabalho.
A crise do petróleo dos anos 70 encon-
••••••••••••••••••••••• trou as indústrias européias e americana
Neste novo sistema, o operário não tinha num patamar de estagnação. A ascensão
perspectivas de carreira e tendia a uma de novos concorrentes, vindos do Japão,
desabilitação total. Além disso, com o colocou definitivamente em cheque o mo-
tempo, a tendência de superespecialização delo de produção em massa.
e perda das habilidades genéricas passou Estaria o declínio da indústria em geral,
a atingir também os demais níveis hierár- e da americana em particular, ligado ao
quicos. paradigma taylorista-fordista?
A Ford procurou verticalizar-se total- Taylor publicou o seu livro Principies of
mente, produzindo todos os componentes Scientific Management em 1911. Seus prin-
dentro da própria empresa. Isto se deu pela cípios influenciaram rapidamente fábricas,
necessidade de peças com tolerâncias mais escolas, lares e até mesmo igrejas.
estreitas e prazos de entrega mais rígidos, Quinze anos mais tarde, em 1926, Ford
que os fornecedores, ainda num estágio publicou o artigo "Mass Production". O
pré-produção em massa, não conseguiam impacto dos conceitos relatados moldou as .
atender. organizações ao longo de décadas e a sua
A conseqüência direta foi a introdução influência atravessou fronteiras geográfi-
em larga escala de um sistema de controle cas e ideológicas.
altamente burocratizado, com seus pro- Vários pesquisadores agora se detêm no
blemas próprios e sem soluções óbvias. estudo da mensuração do grau em que a
Depois de algum tempo, Ford estava permanência deste paradigma impediu, ou
7. Idem, ibidem, p. 39. apto a produzir em massa praticamente dificultou, a evolução da indústria oci-

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FORD/SMO, TOYOTlSMO E VOLV/SMO...

dental e sua perda de competitividade re- maiores níveis de criatividade e inovação.


lativa. Através desta análise pretendem Surgiu daí a idéia de Gerenciamento dos
construir planos para superar o impasse. Recursos Humanos, trazendo conceitos
Parece óbvio que a existência do para- como autonomia, autocontrole, envol-
digma não é suficiente para tudo explicar. vimento e reconhecimento.
Questões como a falta de políticas indus- Os membros do Instituto Tavistock, da
triais melhor definidas e orientadas, o Inglaterra, foram os iniciadores da Abor-
declínio da qualidade da educação em dagem Sociotécnica, procurando traçar
vários níveis, o fenômeno do capitalismo uma correlação de interdependência entre
de papel e os movimentos sociais em geral as necessidades técnicas e humanas nas
podem e devem ser considerados se qui- organizações."
sermos estabelecer um quadro referencial Outra contribuição, a Teoria dos Siste-
mais amplo," mas, considera que as organizações são
Mas é igualmente verdade, e facilmen- sistemas abertos e devem encontrar uma
te observável, que os princípios adminis- relação apropriada com o ambiente para
trativos próprios deste paradigma tendem garantir sua sobrevivência.
a se tornar anacrônicos e impraticáveis Dentro dessa visão, três questões colo-
diante do quadro de mudanças que hoje cam-se para as organizações:
ocorrem. O que é importante notar é que
esta afirmação tende a ser validada pela • ênfase no ambiente, aí incluindo compe-
prática, mas ainda não o é em toda a sua tidores, sindicatos, clientes, governo, co-
amplitude. Isto equivale a dizer que parte munidade etc.;
dos princípios tayloristas-fordistas ainda • compreender-se como inter-relação de
são válidos em muitas condições específi- subsistemas;
cas de empresas, meio ambiente, tecno- • estabelecer congruências entre os dife-
logia, países, etc," rentes sistemas e subsistemas, num pro-
cesso contínuo de identificação e correção
ORGANIZAÇÕES COMO ORGANISMOS: de disfunções.
lOVOlA· ASCENSÃO DA PRODUÇÃO 8. Sobre a questão da educação e
FLEXíVEL Ainda outra corrente dentro deste das líticas industriais, ver
campo conceitual, a Teoria da Contingên- THUhJW, Lester C. The zero sumo
cia, teve seus primeiros trabalhos desen- Nova Iorque, Simon & Schuster,
A descoberta das necessidades or- t 985. Sobre a questão do capitalis-
ganizacionais e dos imperativos do meio volvidos nas décadas de 50 e 60 por Burns
mo de papel, REICH, Robert B. A
ambiente'? e Stalker, correlacionando o ambiente e as próxima fronteira americana. Rio de
características das organizações, e por Joan Janeiro, Record, 1983.
No início do século, a idéia de que em- Woodward, enfocando a questão do im-
pregados são pessoas com necessidades pacto da tecnologia na estrutura. 9. Ver HOUNSHELL, David A. The
complexas, que precisam ser preenchidas, A moderna teoria contingencial tem tido same old principies in the new
para que possam ter uma performance contribuições dos trabalhos de Lawrence e manufacturing. Harvard Business
Lorsch. Eles enfocam essencialmente a Review, Boston, pp.54-61, nov./dec.
adequada no trabalho, não era nada óbvia.
necessidade de diferenciação das organi- 1988. O autor considera que os ja-
Elton Mayo foi um dos primeiros a co-
poneses,naverdade,nãoquebraram
dificar as necessidades sociais no local de zações para fazer frente aos diferentes tipos
o paradigma de Taylor e Ford, mas o
trabalho, a identificar a existência e im- de mercado e o imperativo da flexibilidade. levaram a um outro nível de refina-
portância dos grupos informais e a enfocar Mintzberg, por sua vez, desenvolveu mento. A segunda parte do trabalho
o lado humano da organização. uma tipologia das organizações na relação discutirá mais amplamente a ques-
Outra contribuição notável foi dada por com o meio ambiente. Para ele, a organi- tão.
Abrahan Maslow. Ele conceituou o ser zação efetiva depende de uma série de
humano como organismo psicológico que inter-relações entre estrutura, porte, idade, 10. MORGAN, Gareth. Op cil., capo
tecnologia e as condições da indústria na 3, pp. 39-76.
procura satisfazer suas necessidades de
crescimento e desenvolvimento, motivado qual ela opera.
11. Ver JAQUES, Elliol./ntervention
por uma hierarquia de necessidades fisio- Num extremo, Mintzberg coloca a Bu-
et changement dans /'entreprise.
lógicas, sociais e psicológicas. rocracia Mecânica, que só é eficiente em Paris, Dunod, 1972e GARCIA, R.M.
Herzberg e McGregor, por sua vez, ambientes estáveis e executando tarefas Abordagem sócio-técnica: uma rá-
abordaram a questão da integração dos simples. No outro extremo, está a adhocra- pida avaliação. Revista de Adminis·
indivíduos nas organizações através de cia, capaz de sobreviver em ambientes tração de Empresas, 2~3):71-7, jul.!
funções mais enriquecedoras. Isto levaria a instáveis e executar tarefas complexas. A seI. 1980.

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1J!1D ARTIGO

forma de estrutura matricial é freqüen- Além disso, um organismo representa uma


temente observada entre essas organiza- visão exageradamente concreta, enquanto
ções. que as organizações são fenômenos soci-
Sob a visão contingencialista, a questão almente construídos.
que se coloca são a identificação dos fato- Mas, vencidas essas dificuldades, pode-
res de sucesso para a sobrevivência num se dizer que essa visão tem uma série de
ambiente dinâmico e a adequação prática pontos positivos: permite compreender as
das características organizacionais. O ob- relações entre organização e meio; enfoca
jetivo é aproveitar as oportunidades e a sobrevivência como objetivo central; va-
vencer os desafios colocados pelo meio. loriza a inovação e, finalmente, depreende
Uma crítica que pode ser feita à visão uma busca de harmonia entre estratégia,
contíngencíalísta é que ela superestima o estrutura, tecnologia e as dimensões hu-
poder e flexibilidade das organizações e manas.
subestima o poder do meio ambiente.
Tomando emprestada a Teoria da Evo- Toyola· a ascensão da produção flexível12
lução de Darwin, a visão da Ecologia
Populacional diz que o ambiente é o fator Será abordado, a seguir, o surgimento do
crítico na definição de quais organizações conceito de produção flexível, mais uma vez
têm sucesso e quais falham. focalizando a indústria automobilística.
O ciclo de variação, seleção, retenção e De uma certa forma, esta estória tem seu
modificação das características das espé- início na anterior. Na primavera de 1950, o
cies é então visto como a chave para a so- jovem engenheiro Eiji Toyoda empreendeu
brevivência. Este enfoque de alguma forma uma visita de três meses às instalações da
complementa a visão contingencialista. Ford em Detroit. Após este período, ele
As duas teorias anteriores enfocam a escreveu uma carta para a sede de sua
organização e o ambiente como fenômenos empresa, no Japão, dizendo singelamente
separados. A Ecologia Organizacional, que acreditar que "havia algumas possibilidades
se pode considerar como uma síntese, de melhorar o sistema de produção".
toma o ecossistema total, considerando a De volta ao seu país, Toyoda e o seu
evolução contínua dos modelos de intera- especialista em produção, Taiichi Ohno,
ção envolvendo os organismos e seu am- refletiram sobre o observado na Ford e
biente. concluíram que a produção em massa não
Kenneth Boulding cunhou a expressão poderia funcionar bem no Japão. Desta
"sobrevivência da adequação, não sobrevivên- reflexão, nasceu o que ficou conhecido por
cia do mais adequado". Organização e meio Sistema Toyota de Produção - ou Pro-
estão engajados num modelo de co-criação, dução Flexível. Junto com ele também
onde um produz continuamente o outro. nasceu a mais eficiente empresa automo-
Uma conseqüência prática desse en- bilística conhecida até hoje.
foque é contrapor o princípio de competi- Na década de 50, a fábrica da Toyota era
ção ao de colaboração. No primeiro, o foco localizada em Nagoya e sua força de tra-
está na sobrevivência do mais apto. Mas a balho era composta essencialmente por
atitude competitiva significa uma ameaça trabalhadores agrícolas.
à gerenciabilidade do mundo social. Já no Após o término da Segunda Guerra, a
segundo, o foco está na sobrevivência da Toyota estava determinada a partir para a
adaptação. Isto leva ao aparecimento de produção em larga escala ..Mas, para isso,
valores comuns e à solução partilhada de ela deveria encarar alguns problemas:
problemas. É o caminho das associações
profissionais, das joint-ventures e outros • o mercado doméstico era pequeno e exi-
tipos de alianças. gia uma gama muito grande de tipos de
Um aspecto complicador do uso da produtos;
imagem de organizações como organismos • a força de trabalho local não se adapta-
é o pressuposto implícito da utilização de ria ao conceito taylorista;
um modelo discreto, no qual as espécies e • a compra de tecnologia no exterior era
12. WOMACK, James P; JONES, suas características são bem definidas. As impossível; e
Daniel T. & ROOS, Daniel. Op cit. organizações, por sua vez, tendem a ter • a possibilidade de exportações era remo-
cap 3. características com variação contínua. ta.

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FORDISMO, TOYOTISMO E VOLVISMo. ..

Para contornar parte das dificuldades, o deveria evitar o procedimento, observado


Ministério da Indústria e Comércio japonês na Ford, relacionado à detecção de pro-
(MITI) propôs uma série de planos prote- blemas apenas no final da linha, que ge-
gendo o mercado interno e forçando a fu- rava grandes quantidades de retrabalho e
são das indústrias locais, dando assim aumentava os custos. É claro que, no início,
origem a três grandes grupos. A visão, ob- a linha parava a todo instante; mas com o
viamente, era de longo prazo. . tempo, os problemas foram sendo corrigi-
Trabalhando na reformulação da linha dos e não só a quantidade de defeitos caiu,
de produção e premidos pelas limitações como a qualidade geral dos produtos me-
ambientais, Toyoda e Ohno desenvolve- lhorou significativamente.
ram uma série de inovações técnicas que
possibilitavam uma dramática redução no •••••••••••••••••••••••
tempo necessário para alteração dos equi-
pamentos de moldagem. Assim, modifi- Sob O aspecto distribuição, os
cações nas características dos produtos japoneses também inovaram,
tornaram-se mais simples e rápidas. Isso transferindo para a rede de vendas o
levou a uma inesperada descoberta: tor- conceito de parceria utilizado com os
nou-se mais barato fabricar pequenos lotes
de peças estampadas, diferentes entre si, fornecedores e construindo, com isso,
que enormes lotes homogêneos. uma relação de longo termo.
As conseqüências foram a redução dos Conseguiu-se, assim, integrar toda a
custos de inventário e, mais importante, a cadeia produtiva, num sistema
possibilidade quase instantânea de obser- funcional e ágil.
vação dos problemas de qualidade, que
podiam ser rapidamente eliminados. • ••••••••••••••••••••••
É claro que tudo isto exigia a presença
de operários bem treinados e motivados. Um outro aspecto importante, equa-
Cabe mencionar brevemente as condi- cionado, foi o da rede de suprimentos. A
ções das relações da Toyota com seus em- montagem final de um veículo responde
pregados: após a Segunda Guerra, pres- por apenas 15% do trabalho total de pro-
sionada pela depressão, a Toyota demitiu dução. Os processos precedentes incluem
um quarto da sua força de trabalho, ge- a montagem de aproximadamente 10.000
rando uma enorme crise. Esta atitude teve peças em 100 conjuntos principais. Coor-
duas conseqüências: o afastamento do denar e sincronizar este sistema é um de-
presidente da empresa e a construção de safio.
um novo modelo de relação capital-traba- A Ford e a General Motors tentaram
lho que acabou se tornando a fórmula ja- integrar todas as etapas num sistema úni-
ponesa, com seus elementos característicos co de comando burocrático. Além disso,
como emprego vitalício; promoções por uma política de vários fornecedores por
critérios de antigüidade e participação nos peça e escolha por critério de custo era
lucros. praticada. A questão é como fazer com que
Trabalhando com esta mão-de-obra di- todos os subsistemas funcionem eficiente-
ferenciada, Ohno realizou uma série de mente com baixo custo e alta qualidade.
implementações nas fábricas. A primeira A Toyota respondeu a essa questão or-
foi agrupar os trabalhadores em torno de ganizando seus fornecedores principais em
um líder e dar-lhes responsabilidade sobre grupos funcionais que, por sua vez, ado-
uma série de tarefas. Com o tempo, isto tavam o mesmo critério com os seus res-
passou a incluir conservação da área, pe- pectivos subfornecedores formando, as-
quenos reparos e inspeção da qualidade. sim, uma estrutura piramidal. A relação
Finalmente, quando os grupos estavam cliente-fornecedor era de parceria e visava
funcionando bem, passaram a ser marca- ao longo prazo.
dos encontros para discussão de melhorias Os fornecedores da Toyota eram com-
nos processos de produção. panhias independentes, reais centros de
Outra idéia interessante de Ohno foi lucro. Por outro lado, eram intimamente
possibilitar a qualquer operário parar a li- envolvidos no desenvolvimento dos pro-
nha caso detectasse algum problema. Isto dutos da empresa.

13
l1~DARTIGO
o fluxo de componentes era coordena- adotar os mesmos princípios, embora não
do com base num sistema que ficou co- se possa falar que isso tenha ocorrido, ou
nhecido como Just-in- Time. Esse sistema, ocorra, de forma completa.
que opera com a redução dos estoques in- O mesmo fenômeno ocorrido com os
termediários, remove, por isso, as segu- princípios fordistas-tayloristas está agora
ranças, e obriga cada membro do processo ocorrendo com os princípios toyotistas.
produtivo a antecipar os problemas e evi- Nos anos 80, o mundo estava no mesmo
tar que ocorram. ponto de difusão da idéia de produção
Outros aspectos da organização, a en- flexível.dos anos 20, em relação à idéia de
genharia e o desenvolvimento de produ- produção em massa.
tos, também foram influenciados pelos Mas criar uma analogia desse tipo e
princípios adotados na produção. En- concluir que a influência dos dois concei-
quanto nas companhias de produção em tos sobre as organizações terá grau seme-
massa o problema da complexidade téc- lhante pode ser perigosamente simples. O
nica teve como resposta uma divisão mi- próprio toyotismo talvez não se reconheça
nuciosa de especialidades, na Toyota op- quando aplicado fora das suas fronteiras
tou-se pela formação de grupos sob uma originais. Ao contrário, os transplantes
liderança forte, integrando as áreas de geográficos parecem levar a caminhos di-
processo, produto e engenharia industrial. ferentes, ainda que mantenham alguns
Toyoda e Ohno levaram mais de 20 anos princípios originais intactos.
para implementar completamente essas Ainda que não se possa duvidar da
idéias, mas o impacto foi enorme, com evolução e do impacto causado pelas mu-
conseqüências positivas para a produtivi- danças implantadas por Toyoda e Ohno,
dade, qualidade e velocidade de resposta também não é possível dissociá-las do
às demandas do mercado. quadro mais amplo que as gerou e as sus-
O sistema flexível da Toyota foi espe- tenta.
cialmente bem-sucedido em capitalizar as Por outro lado, um olhar mais crítico
necessidades do mercado consumidor e se para este quadro talvez revele algumas
adaptar às mudanças tecnológicas. sutilezas e fraquezas corriqueiramente
Ao mesmo tempo que os veículos foram ignoradas.
adquirindo maior complexidade, o mer- Kuniyasu Sakai ", um empresário
cado foi exigindo maior confiabilidade e nipônico, advoga que a organização pira-
maior oferta de modelos. midal, base dos grandes grupos japoneses,
A Toyota necessita hoje de quase me- guarda estreita semelhança com o mundo
tade do tempo e investimento de um pro- feudal. Para ele, a base da pirâmide, cons-
dutor convencional para lançar um novo tituída por milhares de pequenas empresas
veículo. Por outro lado, enquanto as fábri- e empregando a maior parte da mão-de-
cas da Ford e General Motors procuram obra existente, faz o papel do servo, conti-
produzir um modelo por planta, as da nuamente submetido a pressões para re-
Toyota fazem dois ou três. dução de custos, trabalhando com margens
O tempo médio de permanência dos de lucro insuficientes e praticamente im-
modelos no mercado também é diferente: pedido de abandonar o seu clã.
os carros japoneses têm um ciclo de vida Sakai considera que começam a aparecer
inferior à metade do ciclo de vida dos rachaduras ameaçadoras para a sobrevi-
carros americanos. vência desse sistema. As mais importantes
Sob o aspecto distribuição, os japoneses estariam ligadas à queda relativa do pa-
também inovaram, transferindo para a drão de devoção dos empregados às em-
rede de vendas o conceito de parceria uti- presas. Uma mudança sensível dos pa-
lizado com os fornecedores e construindo, drões comportamentais e culturais, o
com isso, uma relação de longo termo. surgimento de novas atitudes e expectati-
Conseguiu-se, assim, integrar toda a cadeia vas em relação à vida e ao trabalho com-
produtiva, num sistema funcional e ágil. plementariam um quadro potencialmente
13. SAKAI, Kuniyasu. The leudal No fim dos anos 60, a Toyota já traba- perigoso.
world 01 japanese manufacturing. lhava totalmente dentro do conceito de Talvez isso seja insuficiente para abalar
HaNard Business Review, Boston, produção flexível.Os outros fabricantes de o sistema inaugurado pela Toyota, princi-
68(6):38-42+,nov./dez. 1990. veículos japoneses também passaram a palmente se contraposto aos sucessos já

14
FORDISMO, TOYOT/SMO E VOLVISMO ...

alcançados e amplamente estudados e di- Existe, além disso, uma ligação entre a
vulgados." capacidade de processamento e análise de
. Segundo uma visão mais ampla, o informações, e o modelo organizacional
toyotismo, em essência, não seria mais que adotado.
uma evolução do fordismo." Este ponto de Uma questão pertinente é a avaliação do
vista encontra respaldo na análise do seu impacto da informatização sobre a socie-
surgimento e equivale a dizer que o siste- dade em geral e sobre as organizações em
ma estaria exposto às mesmas contradições particular. Tornar-se-ão as organizações
básicas do seu antecessor. Sua vantagem mais inteligentes? Tudo dependerá da sua
competitiva, na comparação com o fordis- capacidade de aprender.
mo, seria uma maior adaptabilidade às
condições ambientais. Mas mesmo esta •••••••••••••••••••••••
adaptabilidade talvez esteja se aproxi-
No projeto da planta de Uddevalla, a
mando de um limite de ruptura.
O conjunto de fatores da dinâmica social Volvo combinou aspectos de produção
acabaria por catalisar as contradições in- manual com o auto grau de
ternas da pirâmide, minando-a por dentro. automação. Isto permitiu imensa
Simultaneamente, este mesmo conjunto de flexibilidade tanto de produto como de
fatores atuaria sobre o meio, enfraquecen-
processo, além de possibilitar uma
do a capacidade adaptativa e a flexibilida-
de do sistema." redução da intensidade de capital.
•••••••••••••••••••••••
ORGANIZAÇÕES COMO CÉREBROS - VOLVO:
O CAMINHO DA FLEXIBILIDADE CRIATIVA Então, a questão a ser colocada é: como
um sistema pode ser projetado para
O rumo da auto-organizaçãol7 aprender como o cérebro? A cibernética
enfoca esta questão através do estudo da
O modelo mecanicista enfocava a orga- informação, comunicação e controle. O
nização como um conjunto de partes liga- ponto central é a capacidade de auto-
das por uma rede de comando e controle. regulação.
O modelo organicista/ contingencialista Quatro princípios foram desenvolvidos
a partir dos conceitos de single-loop 14. Um panorama relativamente atu-
trouxe os conceitos de integração ao am-
alizado da indústria automobilística
biente, estrutura matricial, flexibilidade e (aprendizado) e double-loop (aprendizado
no mundo e o avanço dosfabrican-
motivação. Mas nenhum modelo ou siste- do aprendizado). São os seguintes:
tes japoneses podem ser vistos na
ma supera o cérebro como vetor de ação série de reportagens publicadas em
inteligente. • capacidade de sentir ou monitorar o Business Week, 3147(477), abr.
A seguir serão abordadas duas imagens ambiente; 1990.
do cérebro como forma de estabelecer uma • relacionamento das informações colhidas
ponte entre suas características e a aplica- com normas predefinidas; 15. Para uma descrição instrumental
ção dos princípios decorrentes ao mundo • detecção das variações; detalhada do sistema de controle e
organizacional. • início da correção. comando "à japonesa', ver KING,
Bob. Hoshin Planning: the
A primeira é a imagem da organização
development approach. EUA, Goal/
como sistema de processamento de infor- Numa organização mecanicista, ou bu-
QPC, 1989.
mações. A segunda é a da organização rocrática, a fragmentação do trabalho e da
como sistema holográfico. estrutura desencoraja a autonomia. Adicio- 16. Ver POLLERT, Anna. The
Segundo Simon, as organizações não são nalmente, os sistemas de avaliação, re- "flexible firm': fixation or fact? Work,
totalmente racionais, pois seus membros compensa e punição representam um em- Employementand Society, Durham,
têm acesso a redes limitadas de informa- pecilho ao double-loop, ou ciclo de 2(3):281-316, seI. 1988. A autora
ção. Esta limitação é contornada pela cria- melhoria. discute o conceito de flexibilidade no
ção de planos, normas e procedimentos, Certas ações podem, entretanto, levar ao contexto mais amplo da economia,
como interação entre '1Iexibilidades'
que visam a simplificar a realidade desenvolvimento dessas características.
na legislação, política, economia,
organizacional. Enquanto que as organi- Por exemplo: encorajar posturas abertas, estratégia, produção e estrutura do
zações de caráter mecanicista possuem novas visões e riscos; evitar estruturas rí- mercado de trabalho.
sistemas decisórios rígidos, as organiza- gidas; descentralizar a tomada de decisão
ções de caráter organicista utilizam pro- e dar autonomia aos grupos ou departa- 17. MORGAN, Gareth. Op cil., capo
cessos mais flexíveis. mentos. 4, pp. 77-109.

15
:O~DARTIGO
A visão da organização corno sistema O desafio de projetar sistemas que te-
holográfico pode ser descrita da seguinte nham a capacidade de inovar é o desafio de
forma: no cérebro, cada neurônio é projetar sistemas capazes de auto-organi-
conectado a milhares de outros, num sis- zação.
tema ao mesmo tempo especialista - cada Visualizar a organização corno cérebro,
componente tem funções específicas - e ou holograma, permite estabelecer urna
generalista - com grande possibilidade de nova fronteira além da racionalidade ins-
intercambiabilidade. O controle e execução trumental que permeia as análises mais
não são centralizados. O córtex, o cerebelo comuns hoje praticadas e redirecionar a
e o mesencéfalo são simultaneamente in- ação gerencial."
dependentes e intersubstituíveis em ter-
mos de função. O grau de conectividade é
Volvo: O caminho da flexibilidade criativa19
alto, geralmente maior que o necessário,
mais fundamental em momentos específi-
cos. É esta redundância o vetor de flexibi- Mais urna vez será tornado um exemplo
lidade que possibilita ações probabilísticas da indústria automobilística. Desta vez
e a capacidadede inovação. será utilizado o produtor sueco Volvo.
Um projeto organizacional com essas Apesar do seu grande porte - respon-
características, que poderíamos chamar de de por 15% do produto nacional bruto e
holográfico, deve adotar quatro princípios: 12.5%das exportações suecas" - a Volvo
tem-se caracterizado por um alto grau de
• fazer o todo em cada parte; experimentalismo.
Seus experimentos, se assim os podemos
• criar conectividade e redundância;
denominar, chamam a atenção por desafia-
• criar simultaneamente especialização e rem os princípios fordistas e toyotistas,
generalização; e embora muitas vezes sejam confundidos
com um simples retorno à produção ma-
• criar capacidade de auto organização.
nual.
A introdução gradativa de inovações
Sem a redundância, não há reflexão e tecnológicas e conceituais nas plantas de
evolução. Na prática, isto significa dotar de Kalmar, 1974, Torslanda, 1980/81, e
funções extras cada parte operacional, e Uddevalla, 1989, representam um valioso
implica numa ociosidade de capacidades campo empírico para a análise organi-
em dados momentos. O grau de redun- zacional.
dância é função da complexidade do meio Uddevalla, a mais nova planta, combina
ambiente. flexibilidade funcional na organização do
O gerenciamento deve se pautar por trabalho com um alto grau de automação
urna postura de maestro e criar condições e informatização. É também um excelente
para que o sistema se amolde. As especi- exemplo do conceito de produção diver-
18. GUERREIRO RAMOS, Alberto. ficações e procedimentos devem ser os sificada de qualidade.
Opcn. mínimos necessários para que urna ativi- Sua estratégia parece combinar os re-
dade ocorra. O objetivo é dotar a organi- quisitos e demandas do mercado, os as-
19.CLARK, TOM; MORRIS,J. et alii.
Imaginative flexibility in production
zação do máximo de flexibilidade e capa- pectos tecnológicos, os imperativos do di-
engineering: the volvo uddevalla cidade de inovação. nâmico processo de transformação da or-
plant. Apostila divulgada no curso O aprendizado do aprendizado é um ganização do trabalho e as instáveis con-
The reestructuring 01 industry and ponto fundamental, pois evita que um dições da reestruturação da indústria.
work organization in the 90's. São excesso de flexibilidade leve ao caos. Per- Operando num mercado de trabalho
Paulo, EAESP/FGV, jul. 1991. mite, igualmente, ao sistema, guiar-se em complexo, a Volvo adequou sua estratégia
relação às normas e valores existentes. a dois fatores fundamentais: a interna-
20. Os dados são relerentes a 1986/ Pode parecer que a organização holo- cionalização da produção e a democrati-
87. Ver JANNIC, Hervé. Peher
gráfica seja um sonho, mas as característi- zação da vida no trabalho.
Gylienhammar: un patron moraliste.
L'Expansion, 6/19Iev.1987, pp. 89-
cas descritas podem ser observadas em Uddevalla foi concebida e construída
93 e BOURDOIS, Jacques-Henri. muitas áreas, departamentos e até empre- levando em consideração a presença hu-
Peher Gylienhammar: vice-roi el sas inteiras, especialmente quando estas mana. O nível de ruído é baixo, a ergo-
employé. Dynasteur, 1987, pp.4-9, operam num ambiente altamente compe- nomia está presente em todos os detalhes
1987. titivo e onde a inovação é um fator-chave. e o ar é respirável.

16
FORDISMO, TOYOTlSMO E VOLVISMO ...

Um armazém de materiais, no centro da participando dos grupos de definição e


fábrica, alimenta seis oficinas de monta- projeto. De partida, foram estabelecidas
gem totalmente independentes. A capaci- quatro condições para a planta":
dade de produção é de 40.000 carros por • a montagem deveria ser estacionária;
ano, para um único turno de trabalho. • os ciclos de trabalho deveriam ter no
A planta combina centralização e auto- máximo 20 minutos;
mação do sistema de manuseio de materi-
• as máquinas não poderiam fixar o ritmo;
ais, com a utilização de mão-de-obra alta-
e
mente especializada num sistema total-
mente informatizado e de tecnologia flexível. • a montagem não deveria exceder 60% do
A organização do trabalho é baseada em tempo total de trabalho dos operários.
grupos. Os operários foram transformados
de montadores de partes em construtores O projeto atendeu todos os pedidos do
de veículos. Assim, cada grupo consegue sindicato exceto o último. Uma observação
montar um carro completo num ciclo de importante é que o gerenciamento da
duas horas. Volvo se dividia, em relação ao projeto de
Altas taxas de iurnooer, absenteísmo Uddevalla, entre "inovadores" e "tradicio-
crônico e utilização de mão-de-obra es- nalistas". Os sindicatos alterararam o ba-
trangeira são de muito tempo marcas do lanço em favor dos "inovadores". Esta
mercado de trabalho sueco. Desde a me- posição comprometeu-os ainda mais com
tade dos anos 80, os jovens suecos passa- o sucesso do projeto.
ram a rejeitar empregos que refletissem
conceitos tayloristas. Isto está ligado não só
•••••••••••••••••••••••
aos constantes esforços de reestruturação A organização do futuro talvez
do trabalho como ao fato de a Suécia ter o
mais alto índice de uso de robôs entre todos
esteja ainda mais próxima de uma
os países industrializados. banda de jazz, onde a música
Por outro lado, o país tem uma longa resulta da mescla de harmonias
tradição socialdemocrata e os sindicatos européias com escalas africanas, o
têm posição extremamente forte. Assim, o maestro é substituído pelo senso
processo de inovações na Volvo tem sido
dirigido pela empresa, mas com partici-
comum e a produção é marcada pela
pação ou acordo dos sindicatos. improvisação individual e coletiva,
Nos anos 70, o aumento da competi- e pelo prazer da execução.
tividade dos produtores a nível mundial, a •••••••••••••••••••••••
necessidade de maior variedade de mo-
delos para atender o mercado e a crescen- A planta iniciou suas operações na pri-
te pressão da mão-de-obra potencializaram mavera de 1988 e ficou totalmente
a racionalização da produção de veículos operacional, com cerca de mil empregados,
baseada em automação e flexibilidade. no final de 1989. Está dividida em três
Nos anos 80, estas tendências foram áreas: oficinas de materiais, oficinas de
acentuadas e acrescidas de maiores exi- montagem e prédio administrativo.
gências relacionadas à qualidade dos pro- Todo o transporte de materiais é auto-
dutos. A rigidez e limitações das linhas de matizado. Em cada uma das seis oficinas
montagem ficaram expostas. de montagem trabalham 80 a 100 operári-
Na Volvo, o caminho em direção à au- os divididos em grupos de oito a dez, sob
tomação e ao aumento da flexibilidade a supervisão de um único gerente. Cada
ocorreu num cenário de compromisso com grupo tem todos os elementos para mon-
os conceitos de grupo autônomo de traba- tar três veículos simultaneamente. As ta-
lho e enriquecimento das funções. refas são distribuídas de acordo com as
Uddevalla situa-se numa região em competências, que são constantemente
processo de declínio econômico. O gover- aperfeiçoadas. O planejamento dos recur-
no sueco ofereceu ajuda financeira à Volvo sos humanos é parte integral da estratégia
para que sua nova planta fosse ali locali- de produção.
zada. O objetivo da Volvo é projetar um tra- 21. CLARK, Tom; MORRIS, J. el alii.
O sindicato foi envolvido desde o início, balho tão ergonomicamente perfeito, que Op cn., p.12.

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~11 ARTIGO
tome os operários mais saudáveis. Finalmente, tratou-se do que parece ser
Além desses aspectos, existe toda uma a mais avançada tentativa de superar al-
infra-estrutura de apoio. Cada grupo de gumas contradições básicas da adaptação
trabalho possui salas espaçosas equipadas do homem ao ambiente de trabalho in-
com cozinha, banheiro, chuveiros e até um dustrial. Para contraponto do caso da Vol-
computador. A planta é iluminada com luz vo utilizou-se a imagem do cérebro.
natural e os ambientes são extremamente A intenção foi tentar encontrar uma li-
limpos. nha evolutiva que cruzasse os três "ismos"
Antes de iniciar o trabalho, cada novo - Fordismo, Toyotismo e Volvismo - e
operário passa por um período de treina- fornecesse uma visão do processo de
mento de quatro meses seguidos posterior- transformação da indústria neste século,
mente de mais três períodos de aperfeiço- apontando para a organização do futuro."
amento. Espera-se que, ao final de dezes- Este tema, de como seria a organização
seis meses, ele seja capaz de montar total- do futuro, tem estado presente no mercado
mente um automóvel. editorial especializado em literatura em-
Uma característica interessante é que presarial há pelo menos duas décadas. Os
45% da mão-de-obra é feminina, o que é lançamentos têm se sucedido com razoável
causa e conseqüência de várias alterações sucesso, de onde se conclui ser, com cer-
no sistema de produção. teza, um negócio rentável.
O objetivo de tudo isto é, obviamente, Alguns autores, entretanto, têm se des-
aumentar a produtividade, reduzir custos tacado em meio ao turbilhão de títulos por
e produzir com a mais alta qualidade. apresentar visões consistentes e sensíveis.
A Volvo, especialmente na planta de Num artigo publicado pela Harvard
Uddevalla, combinou aspectos da produ- Business Reuieio"; por exemplo, Peter
ção manual com alto grau de automação. Drucker fala da "vinda da nova organiza-
Isto permitiu imensa flexibilidade tanto de ção". Ele prevê estruturas mais simples,
produto quanto de processo. Comple- menor número de níveis hierárquicos,
mentarmente, a reprofissionalização dos utilização em larga escala da informática,
operários ajustou-se à necessidade de en- alta flexibilidade e uma nova organização
22. Ver GUERREIRO RAMOS, frentar a demanda por produtos variados, do trabalho.
Alberto. A nova ciência das organi· competitivos e de alta qualidade. Como modelo organizacional, ele cita,
zações, capo 4, FGV, 1989, p.71. A combinação de alta tecnologia com entre outros, o da orquestra sinfônica. Uma
Investigandoa questão da colocação um Criativo projeto sociotécnico também combinação de alta especialização indivi-
inapropriada de conceitos na Teoria
possibilitou uma redução da intensidade dual com coordenação e sincronismo
das Organizações, o autor menciona
o seguinte: "Emboraa deslocaçãode de capital. temperados por um caráter artístico.
conceitos possa constituir um meio Além de provar-se uma alternativa Em realidade, Drucker apenas capta al-
valioso ... e legítimo de formulação economicamente viável, Uddevalla provou gumas tendências já observáveis em em-
teórica, pode muito facilmente de· que isto é possível de se atingir através de presas do presente. Utilizando os casos
generar numa colocação inapro· uma organização flexível e criativa. analisados no decorrer deste trabalho,
priada ... Assim, na tentativa de poder-se-ia dizer que o futuro de Drucker
deslocarum conceito,pode·se estar está a 70 anos do Fordismo, a 30 do
incorrendo numa cilada intelec·
CONCLUSÃO
Toyotismo e a alguns meses do Volvismo.
tual ...'. Ao se utilizar as imagens de
Na primeira parte do trabalho investi- Mas talvez o modelo de organização do
máquina, organismo ou cérebro para
as organizaçõesse está, simultanea· gou-se o que seriam organizações tipo futuro esteja ainda mais próximo de uma
mente, criando uma forma de ver e máquina. O exemplo da Ford foi abordado banda de jazz. Uma forma musical surgida
de distorcer a realidade. Vale o aler· para ilustrar as razões da ascensão e que- no nosso século, caracterizada pela utili-
ta. da deste modelo administrativo. zação de escalas africanas com harmonias
Em seguida, foi visto o modelo que tem européias, pela pequena ou quase nenhu-
23. DRUCKER, Peter. The coming of atraído as maiores atenções no momento: ma importância do maestro - substituído
the new organization. Harvard o chamado sistema japonês de geren- pela primazia do senso comum, pelo pe-
Business Review, Boston, 68(6):45· ciamento, representado pela Toyota. A queno porte, pela produção de uma músi-
53, jan./fev. 1988.
imagem da organização como organismo ca marcada pela existência de padrões mas
24. HOBSBAWM, Eric J. História foi utilizada para ressaltar o grande trun- com enorme espaço para a improvisação
social do jazz. São Paulo, Paz e fo do modelo, a adaptabilidade ao meio. individual e coletiva, pela valorização dos
Terra, 1989. Ver especialmente Ao final, algumas nuvens negras foram músicos e, principalmente, pelo prazer da
pp.41·48: como reconhecer o jazz. lançadas sobre o futuro do sistema. execução." Q

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