APOSTILA
2017
Sumário
Unidade I
Unidade II
Unidade III
Unidade IV
Unidade V
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
UNIDADE VI
UNIDADE VII
UNIDADE VIII
UNIDADE IX
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
Apresentação Institucional
Esta apostila contém excertos de textos e pesquisa do Prof. Antonio Martins de Almeida Filho da
Faculdade Kuriós do Ceará-CE.
As políticas públicas, particularmente as de caráter social, são mediatizadas pelas lutas, pressões e confli-
tos entre elas. Assim, não são estáticas ou fruto de iniciativas abstratas, mas estrategicamente emprega-
das no decurso dos conflitos sociais expressando, em grande medida, a capacidade administrativa e
gerencial para implementar decisões de governo. (...)Ao longo da história, a educação redefine seu perfil
reprodutor/inovador da sociabilidade humana. Adapta-se aos modos de formação técnica e comporta-
mental adequados à produção e reprodução das formas particulares de organização do trabalho e da vida.
Eneida Shiroma
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
A conjuntura das políticas educacionais no Brasil ainda A compreensão de ideologia como expressão de interesses
demonstra sua centralidade na hegemonia das ideias e “falsificação da realidade” com vistas ao controle social,
liberais sobre a sociedade, como reflexo do forte avanço do permite a conclusão, do ponto de vista marxista, de que a
capital sobre a organização dos trabalhadores na década de estrutura social dominante constitui “aparelhos ideológi-
1990. A intervenção de mecanismos internacionais como o cos” em forma de superestrutura, mantendo a opressão.
FMI e o Banco Mundial, aliada à subserviência do governo Segundo Louís Althusser a escola é o principal aparelho
brasileiro à economia mundial, repercute de maneira ideológico da sociedade e, em seu entendimento, como a
decisiva sobre a educação. Em contrapartida, a crise do estrutura determina a superestrutura, não é possível
capitalismo em nível mundial, em especial do pensamento qualquer mudança social a partir da educação. Moacir
neoliberal, revela, cada vez mais, as contradições e limites Gadotti considera a posição de Althusser bastante equivo-
da estrutura dominante. A estratégia liberal continua a cada do ponto de vista da emancipação humana, pois gera
mesma: colocar a educação como prioridade, apresentan- uma situação de passividade e impotência, o que revela um
do-a como alternativa de “ascensão social” e de “democra- caráter ideológico de sua própria teoria, já que
tização das oportunidades”. Por outro lado, a escola conti-
nua sendo um espaço com grande potencial de reflexão “a subserviência da omissão interessa mais à dominação do
crítica da realidade, com incidência sobre a cultura das que o combate a favor dela”. Para Gadotti, “se aceitarmos a
pessoas. O ato educativo contribui na acumulação subjeti- análise de Althusser, certamente a educação enquanto
va de forças contrárias à dominação, apesar da exclusão sistema ou subsistema é um aparelho ideológico em
social, característica do descaso com as políticas públicas qualquer sistema político. Mas se aceitarmos que ela é
na maioria dos governos. também ato, práxis, então as coisas se complicam. Não
podemos reduzir a educação, a complexidade do fenômeno
O propósito do presente texto é apresentar, em síntese, as educativo apenas às suas ligações com o sistema”.
principais características da educação no contexto neolib-
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EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
a função do educador como intelectual comprometido com ta João Machado, a economia mundial que se mantinha
a transformação social? num crescimento de 4% na década de 1960, chegou ao
final da década de 1990 com apenas 1%. O custo social,
Gramsci afirma que o povo sente, mas nem sempre por sua vez, é catastrófico:
compreende e sabe; o intelectual sabe, mas nem sempre
compreende e muito menos sente. Por isso, o trabalho a) a diferença entre países ricos e pobres têm aumentado
intelectual é similar a um cimento, a partir do qual as em 110 vezes, desde a 2ª. Guerra Mundial até a década de
pessoas se unem em grupos e constroem alternativas de 1990;
mudança. Mas isso não é nada fácil: assumir a condição de b) aumenta consideravelmente a distância entre ricos e
intelectuais orgânicos dos trabalhadores significa lutar pobres dentro dos países;
contra o contexto dominante que se apresenta e visualizar c) a crise ecológica vem sendo agravada, com a poluição
perspectivas de superação coletiva sem exclusão. Entender das águas e diversos recursos naturais essenciais à
bem a realidade parece ser o primeiro passo no desafio da produção. Há uma clara incompatibilidade entre a ordem
construção de uma nova perspectiva social. Que realidade burguesa e a noção de progresso civilizatório.
é essa que se apresenta para a educação? De maneira mais conjuntural as principais características
são as seguintes:
1.2 A CRISE DO CAPITALISMO E DA IDEOLOGIA LIBERAL a) crise do trabalho assalariado, com acentuada precar-
ização nas relações de trabalho;
O atual contexto traz algumas novidades e um conjunto de b) mito da irreversibilidade da globalização, com forte
elementos já presentes há muito tempo no capitalismo, carga de fatalismo;
ambos tentando se articular coerentemente, embora as c) mundo unitário sem identidade, trazendo à tona a
contradições estejam cada vez mais explícitas. Em termos fragmentação, também no que se refere ao conhecimento;
de estrutura social, vigora a manutenção da sociedade d) retorno de “velhas utopias”, principalmente na política,
burguesa, com suas características básicas: economia e religião;
e) despolitização das relações sociais;
a) trabalho como mercadoria; f) acento na competitividade com a perspectiva de que
b) propriedade privada; alguns se salvam já que não dá para todos.
c) controle do excedente econômico;
d) mercado como centro da sociedade; Nessa realidade está inserida a educação, como um espaço
e) apartheid, exclusão da maioria; de disputa de projetos antagônicos: liberal X democráti-
f) escola dividida para cada tipo social. co-popular. Por um lado, o caos da ditadura do mercado
como regulador das relações humanas e, por outro, a tenta-
Porém, a novidade, em termos estruturais, é que a ordem tiva de manter a democracia como valor universal e a
burguesa está sem alternativa, ou seja, o capitalismo prova solidariedade como base da utopia socialista.
sua ineficácia generalizada e a crise apresentada revela seu
caráter endógeno, ou seja, o capitalismo demonstra explici- 1.3 A EDUCAÇÃO NEOLIBERAL
tamente ser o gerador de seus próprios problemas. Se o
mercado é a causa da crise e se boa parte das soluções Do ponto de vista liberal, a educação ocupa um lugar
apresentadas para enfrentar esta crise prevê a ampliação central na sociedade e, por isso, precisa ser incentivada. De
do espaço do mercado na sociedade, a tendência é que os acordo com o Banco Mundial são duas as tarefas relevantes
problemas sejam agravados. ao capital que estão colocadas para a educação:
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EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
É evidente que a preocupação do capital não é gratuita. 1- Menos recursos, por dois motivos principais:
Existe uma coerência do discurso liberal sobre a educação a) diminuição da arrecadação (através de isenções, incenti-
no sentido de entendê-la como “definidora da competitivi- vos, sonegação...);
dade entre as nações” e por se constituir numa condição de b) não aplicação dos recursos e descumprimento de leis;
empregabilidade em períodos de crise econômica. Como 2- Prioridade no Ensino Fundamental, como responsabili-
para os liberais está dado o fato de que todos não conse- dade dos Estados e Municípios (a Educação Infantil é
guirão “vencer”, importa então impregnar a cultura do delegada aos municípios);
povo com a ideologia da competição e valorizar os poucos 3 - O rápido e barato é apresentado como critério de
que conseguem se adaptar à lógica excludente, o que é eficiência;
considerado um “incentivo à livre iniciativa e ao desen- 4 - Formação menos abrangente e mais profissionalizante;
volvimento da criatividade”. Mas, e o que fazer com os 5 – A maior marca da subordinação profissionalizante é a
“perdedores”? Conforme o Prof. Roberto Lehrer (UFRJ), o reforma do ensino médio e profissionalizante; 6- Privat-
próprio Banco Mundial tem declarado explicitamente que ização do ensino;
“as pessoas pobres precisam ser ajudadas, senão ficarão 7- Municipalização e “escolarização” do ensino, com o
zangadas”. Estado repassando adiante sua responsabilidade (os custos
são repassados às Prefeituras e às próprias escolas);
Essa interpretação é precisa com o que o próprio Banco tem 8- Aceleração da aprovação para desocupar vagas, tendo o
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EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
ao sistema de qualidade total e a retirada do Estado. É • No caso das mudanças climáticas, é dever do Estado
importante recordar que os PCNs surgiram já no início do indicar alternativas que diminuam as consequências que
1º. mandato de FHC, quando foi reunido um grupo de elas trarão à população do Brasil, em especial para a mais
intelectuais da Espanha, Chile, Argentina, Bolívia e outros pobre, que será mais atingida;
países que já tinham realizado suas reformas neoliberais, • Com relação aos indicadores educacionais o estado tem
para iniciar esse processo no Brasil. A parte considerada desenvolvido diversas ações, ou políticas públicas, quais
progressista não funciona, já que a proposta não vem sejam: reduzir o índice de analfabetismo, melhorar a apren-
acompanhada de políticas que assegurem sua efetiva dizagem dos alunos, criar programas e projetos de capaci-
implantação, ficando na dependência das instâncias da tação e formação de professores, incentivo à frequência
sociedade civil e dos próprios professores. dos alunos, leis que favoreçam o cumprimento das metas,
17- Mudança do termo “igualdade social” para “equidade dentre outras
social”, ou seja, não há mais a preocupação com a igualdade • Com relação à violência e combate às drogas diversos
como direito de todos, mas somente a “amenização” da programas e projetos foram implementados: segundo
desigualdade; tempo na escola, escola de tempo integral, projetos e
18 - Privatização das Universidades; oficinas para alunos, Programa primeiro emprego, Projo-
19 – Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação vem, escolas profissionalizantes, dentre outros.
Nacional) determinando as competências da federação, • Com relação à saúde da população, temos: Programas de
transferindo responsabilidades aos Estados e Municípios; Vacinação em massa, Saúde da Mulher, Saúde do homem,
20 - Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e Programas para idosos, distribuição de medicamentos,
organizações sociais). Programas de aleitamento materno, doação de órgãos,
doação de sangue, programas preventivos, programas de
Diante da análise anterior, a atuação coerente e social- controle à natalidade, Programas de combate às doenças,
mente comprometida na educação parece cada vez mais pragas, epidemias, O SUS, PSF, Exames especializados,
difícil, tendo em vista que a causa dos problemas está ambulâncias, dentre outros;
longe e, ao mesmo tempo, dispersa em ações locais. A • Voltado para a agricultura: Agricultura Familiar, Programa
tarefa de educar, em nosso tempo, implica em conseguir Safra, Distribuição de sementes selecionadas, Vacinação
pensar e agir localmente e globalmente, o que carece da para combate às doenças, em especial à aftosa, dentre
interação coletiva dos educadores e, segundo Philippe outros.
Perrenoud, da Universidade de Genebra, “o professor que
não se preparar para intervir na discussão global, não é um Porém, não resta dúvida que diversas forças sociais
ator coletivo”. Além disso, a produção teórica só tem senti- integram o Estado. Elas representam agentes com posições
do se for feita sobre a prática, com vistas a transformá-la. muitas vezes antagônicas. Também é preciso ter claro que
Portanto, para que haja condições efetivas de construir as decisões acabam por privilegiar determinados setores,
uma escola transformadora, numa sociedade transforma- nem sempre voltadas à maioria da população brasileira.
dora, é necessária a predisposição dos educadores também Analisar ações em escalas diferentes de gestão permite
pela transformação de sua ação educativa e “a prática identificar oportunidades, prioridades e lacunas. Além
reflexiva deve deixar de ser um mero discurso ou tema de disso, ela possibilita ter uma visão ampla das ações gover-
seminário, ela objetiva a tomada de consciência e organi- namentais em situações distintas da realidade brasileira
zação da prática”. que, além de complexa, apresenta enorme diversidade
natural, social, política e econômica que gera pressões nos
diversos níveis de gestão. As forças políticas devem ser
UNIDADE II identificadas para compreender os reais objetivos das
medidas aplicadas relacionadas às mudanças climáticas no
Brasil
AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO – UM BREVE
CONCEITO A temática do aquecimento global ganhou corpo no mundo
desde a década de 1980. Na década seguinte, surgiram
Políticas públicas são definidas como o conjunto de ações convenções internacionais para regulamentar emissões de
desencadeadas pelo Estado, no caso brasileiro, nas escalas gases de efeito estufa e, principalmente, apontar causas e
federal, estadual e municipal, com vistas ao bem coletivo. efeitos das alterações climáticas. O Brasil teve um papel
Elas podem ser desenvolvidas em parcerias com organi- destacado nas negociações internacionais. Porém, interna-
zações não governamentais e, como se verifica mais recen- mente as políticas públicas relacionadas ao tema ainda
temente, com a iniciativa privada. deixam a desejar.
Cabe ao Estado propor ações preventivas diante de As Políticas Públicas podem ser compreendidas como um
situações de risco à sociedade por meio de políticas públi- sistema (conjunto de elementos que se interligam, com
cas. O contratualismo gera esta expectativa, ainda mais na vistas ao cumprimento de um fim: o bem-comum da popu-
América Latina, marcada por práticas populistas no século lação a quem se destinam), ou mesmo como um processo,
XX. Vejamos alguns exemplos: pois tem ritos e passos, encadeados, objetivando uma
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
finalidade. Estes normalmente estão associados à passos is? Que tipo de metodologias utiliza, segue o campo vasto
importantes como a sua concepção, a negociação de inter- das Ciências Humanas em geral, ou da Pedagogia, em
locutores úteis ao desenvolvimento (técnicos, patroci- particular? Qual é a bibliografia de base para seu estudo? A
nadores, associações da sociedade civil e demais parceiros resposta a esta ou a todas a perguntas é uma só: variada.
institucionais), a pesquisa de soluções aplicáveis, uma Partamos da última questão. Sua bibliografia comum
agenda de consultas públicas (que é uma fase importante envolve desde textos sobre gestão escolar (Paro,Veiga),
do processo de legitimação do programa no espaço público Currículo escolar (Cunha, Moreira), Profissionais da
democrático), a eleição de opções razoáveis e aptas para o Educação (Alves, Codo), ou seja, todos os estudos do campo
atingimento da finalidade, a orçamentação e busca de de investigação pedagógica necessários para dar conta da
meios ou parceiros para o suporte dos programas, realidade escolar. Nesse processo, também utiliza os
oportunidade em que se fixam os objetivos e as metas de principais estudos no campo da política ao marxismo. De
avaliação. Finalmente, a implementação direta e/ou fato, como outras disciplinas, a disciplina de Políticas
associada, durante o prazo estimado e combinado com os Educacionais não é uma disciplina tradicional: é frequente-
gestores e financiadores, o monitoramento (acompanham- mente interdisciplinar, o que é de certa forma,
ento e reajustamento de linhas - refinamento) e a sua desagradável no campo da Pedagogia.
avaliação final, com dados objetivamente mensuráveis. Qual é a metodologia da disciplina de Políticas Educaciona-
Os atores políticos são as partes envolvidas nos conflitos. is? Tenho certo desconforto para defini-la, pois aparente-
Esses atores ao atuarem em conjunto após o estabeleci- mente, não parece ter nenhuma metodologia distinta ou
mento de um projeto a ser desenvolvido onde as estão forma ou análise que reivindique como sua. Estatística?
claras as necessidade e obrigações das partes chegam a um Etnometodológica? Antropológica? Política propriamente
estágio de harmonia que viabiliza a política pública. dita? Receio que a disciplina de Políticas Educacionais não
passe de uma bricolage, (O termo bricolagem (português
brasileiro) ou bricolage/bricolagem (português europeu)
UNIDADE III [1] têm ambas origens que vem do francês bricolage, é
usado nas atividades em que você mesmo realiza para seu
próprio uso ou consumo, evitando deste modo, o emprego
1. AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS COMO CAMPO DE SABER - de um serviço profissional.) uma prática fragmentária a
Por Jorge Barcellos partir de questões que são colocadas de diversos contextos
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
afinal, o poder? Com certeza um efeito do poder político a disciplina de Políticas Educacionais visa reconstruir o
repercussão da legislação no interior da escola, mas as projeto educacional do Estado e os possíveis diálogos/con-
formas de organização e resistência escolar (Paul Willis, frontos com a sociedade civil no desempenho das tarefas
Peter MacLaren), as maneiras pelas quais na vida cotidiana educacionais. Ao investigar as relações entre política e
administra seus afazeres (Paula Carvalho), as formas das educação no Brasil, recupera a dinâmica histórica, a análise
relações subjetivas impostas aos alunos, professores e de conjuntura, priorizando os dilemas que envolvem a
direção (Wanderley Codo), tudo enfim não pode ser consid- centralização e descentralização das políticas educaciona-
erado efeito do poder no campo das Políticas Educacionais is, as condições da escola pública e da escola privada, até,
(Foucault)? Nós, professores e professoras da disciplina de se possível, as condições para a emergência de uma
Políticas Educacionais precisamos fazer uma autorreflexão educação politicamente orientada no contexto da democ-
a respeito, para compreendermos as razões de sua ratização do acesso à educação. Portanto, mais do que uma
expansão na Universidade seu significado na necessária análise pormenorizada da Lei 9.394, de 20 de dezembro de
busca conjunta da construção de uma ciência (ciência?). 1996, a disciplina discute os problemas da educação, a
Para iniciar o processo de discussão, parto da afirmação um responsabilidade do governo, da sociedade, dos profes-
tanto óbvia de que a disciplina de Políticas Educacionais é sores numa abordagem crítica, envolvendo uma experiên-
um campo interdisciplinar que atua na tensão da Política e cia de trabalho de campo.
da Educação. Naturalmente, por ser interdisciplinar, não é Portanto, coloca em segundo plano toda uma discussão
uma coisa nem outra, é uma terceira, o que envolve um dominante das disciplinas de Estrutura, como o que as leis
trabalho sério sobre as condições que uma modifica a aponta para os “fins da educação brasileira”, ou “a
outra. Envolve uma concepção política de escola, por que a educação nas constituições federal e estadual”, para se
concebe como o lugar privilegiado de ação de um projeto dedicar aos elementos que caracterizam os diversos proje-
político governamental no poder; por outro, envolve uma tos políticos em confronto no sistema de ensino.
concepção antropológica da escola, por que a concebe 1.2 AS QUESTÓES FUNDAMENTAIS DO PROCESSO DE
como lugar de apropriação, ressignificação e resistência PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO CAMPO DE ANÁLISE
constante. Portanto, seu compromisso é com as práticas DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
políticas e culturais no interior da escola. 1.2.1 Métodos, técnicas e teoria
Por outro lado, envolve uma prioritariamente a abordagem Para iniciar um estudo qualquer de Políticas Educacionais,
da ação governamental no campo da educação. Não existe é preciso determinar o tipo de objeto ou campo teórico que
política educacional isolada das ações de Brasília e das o constitui. No campo da Ciência Política e da Educação, a
decisões da Secretaria Estadual de Educação. O que o partir do qual nasce o objeto das Políticas Educacionais,
governo faz modifica em muito a realidade educacional. temos campos mais ou menos sistemáticos, construídos
Não apenas o governo federal, mas os governos estaduais e pela aproximação das duas Ciências, cujos métodos e técni-
municipais, em suas decisões sobre recursos e em suas cas moldam-se para dar ao Analista de Políticas Educacio-
políticas de pessoal que faz com que o Estado seja um lugar nais indicadores através dos quais possa interrogar os fatos
de investigação constante. Portanto, seu compromisso da realidade que deseja investigar, procurando por suas
também é com o desvelamento dos diversos projetos características e regularidade, desnudando as aparências
políticos destinados a escola, não apenas de nível federal, que tomam ao observador direto. No objeto teórico, ou
mas também a nível local. simplesmente, campo teórico das Políticas Educacionais,
Quanto a distinção das congêneres Estrutura e Funciona- encontramos as relações sociais básicas que servem de
mento de Ensino Fundamental e Médio, é preciso lembrar referência para que se situe as diversas ações das esferas
que a última foi oriunda da obrigatoriedade instalada pela de governo.
Resolução 9, de 10 de outubro de 1969, do Conselho Toda análise de Políticas Educacionais exige também um
Federal de Educação, onde a disciplina de Estrutura e método. O pesquisador, ao ler nos jornais as diversas
Funcionamento de Ensino fez parte de um conjunto de notícias sobre a educação (municipal, estadual ou federal),
disciplinas pedagógicas que, junto com Psicologia da ou qualquer outra forma de acesso a informação das ações
Educação, Didática e Prática de Ensino - ou Estágio Supervi- governamentais, necessita de um modo concreto de inves-
sionado – ainda vigoram nos cursos de Pedagogia. Sua tigar os fatos políticos. É a mesma exigência que se faz nas
perspectiva era a de garantir a formação pedagógica demais ciências e que permite que seja utilizada de forma
necessária a todos os cursos de licenciatura, e deveria ter correta um determinado conjunto de conceitos (global-
ao menos 1/8 de horas do curso. Conforme Strehl&Réquia, ização, educação integral, etc). A clareza do método de
“dedica-se ao estudo da organicidade estrutural e funcion- investigação é necessária por que permite avançar em
al do ensino fundamental e médio, em nível macro e profundidade de análise das práticas educacionais que se
microssociológico, a partir de fundamentos filosóficos, pretende explicar, os interesses subterrâneos contidos nas
legais, técnicos e administrativos”. diversas ações governamentais. Da mesma forma, o
16 método é necessário na exposição dos resultados de uma
16 investigação. É, portanto, o momento intermediário exigido
A diferença entre uma e outra, está no fato de que enquan- para a compreensão de um fenômeno de ordem da política
to aquela realizava o estudo dos documentos legais, de sua educacional.
operacionalização no sistema de ensino e nas escolas, a Se a investigação de temas de políticas educacionais exige
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
um método, o saber o que fazer a cada investida frente à e “teoria” no campo de análise das políticas educacionais, é
realidade (documentos, discursos, dados de pesquisa), uma divisão artificial e didática que tem o mérito de
também exige técnicas adequadas. Como deve se compor- permitir iniciar o aluno nos procedimentos de construção
tar o analista de políticas educacionais frente aos dados da do conhecimento de um campo que supere a fragmentação
realidade? A resposta ao como fazer é dada pelo domínio da realidade. De qualquer forma, sempre é preciso lembrar
das técnicas, ou seja, a forma mais correta de investigar um a dificuldade de reconstruir um processo, o da produção do
determinado problema. Por exemplo, a investigação sobre conhecimento das políticas educacionais, que é indivisível.
políticas de adoção do livro didático, podem envolver 1.2.2 A construção do conhecimento em Políticas Educacio-
como técnica de pesquisa, uma avaliação qualitativa e nais
quantitativa dos diversos livros didáticos possíveis a serem A tarefa do Analista de Políticas Educacionais consiste em
adotados. De fato, esta técnica foi utilizada pelo MEC no dar sentido as ações governamentais no campo educativo,
momento da avaliação dos defeitos de vários livros didáti- pois sem isto seria impossível uma visão crítica da ação do
cos que Estado. A primeira etapa do conhecimento de Políticas
17 Educacionais está na recepção das informações que nos
17 chegam pelos mais diferentes veículos e das mais difer-
estavam sendo oferecidos pelos professores. Após a entes formas de comunicação, seja pelo jornal, rádio,
utilização desta técnica pelo Ministério da Educação, vários televisão, ou mesmo, se somos professores, diretamente
livros foram retirados de catálogo. Obedecendo as etapas pelo contato cotidiano com a realidade de ensino. Estas
de um método de investigação, melhor chance teremos de informações retiradas da experiência prática da vida, das
alcançar um objetivo, de acordo com as técnicas empregas. percepções iniciais sobre as ações governamentais no
Enquanto que o método implica ao Analista de Políticas campo da educação, são o material a partir do qual a
Educacionais debruçar-se sobre o modo concreto de disciplina de Políticas Educacionais aproveita-se para
conduzir uma investigação, a metodologia implica um levantar seu edifício teórico. Acaso poderíamos definir o
conjunto de instrumentos e operações metódicas caráter neoliberal do governo FHC, se não houvéssemos
necessárias a produção do conhecimento científico do observado, pelo período de seis anos, suas ações no campo
campo das Políticas Educacionais. É, portanto, parte do das políticas sociais, educacionais e econômicas? Para
processo que corresponde a produção e aplicação de uma poder definir o governo FHC dentro de uma política mais
explicação (teoria) a um determinado fato de política geral a sua visão particular do lugar da educação, é
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
ações governamentais no campo educativo, é necessário (negação dos direitos individuais do cidadão,
que o pensamento se mova pelo raciocínio até um outro 19
nível capaz de apreender as características fundamentais 19
do processo educativo. Que caminho deve fazer o Analista apagamento das obrigações do Estado), pouco compreen-
de Políticas Educacionais para alcançar este nível de deremos do significado das atitudes do governo.
conhecimento? Vejamos um exemplo. Os jornais inicial- O preço deste entendimento em profundidade é a simplifi-
mente louvaram a decisão do MEC em dotar alunos das cação da realidade. De fato, quando acompanhamos a
escolas de dicionários. Em qualquer disciplina, o dicionário distância o que se passa nos corredores do Palácio do
é um instrumento de trabalho indispensável, assinalam os Planalto, ou no interior do Ministério da Educação – pois de
educadores. Aparentemente, MEC e o magistério estão de fato, não estamos lá – estamos tendo um contato aproxima-
pleno acordo com a medida. Exceto pelo fato que, recente- tivo com a realidade. Em qualquer discussão de Política
mente, foi descoberto que dicionários de qualidade Educacional, os argumentos em avaliação e os interesses
duvidosa estavam na lista dos oferecidos pelo MEC. A em conflito são bem mais complexos que nossos conceitos
análise crítica decorre de um trabalho intelectual de que podem compreender, mas apenas pelo nosso esforço teóri-
exige que seja analisado em detalhe as condições reais de co poderemos dar uma resposta satisfatória, não ao gover-
efetivação de uma política educacional, ou, para assim no, mas a sociedade que tem sido sujeitada a tais ações. A
dizer, suas condições materiais de execução. importância de concentrarmo-nos na busca de palavras
É lógico que uma crítica como este, produto do trabalho chaves conceituais, que permitam investigar uma série de
intelectual, não esgota as possibilidades da ação política; fenômenos, é que através deles podemos apreender os
antes, realiza-se a crítica a partir de um distanciamento nexos e as relações num determinado campo político.
exigido durante o processo de produção do conhecimento. Através dos conceitos que utiliza o Analista de Políticas
Ao depararmo-nos com uma medida política, o problema Educacionais, um conjunto de ações governamentais deixa
ulterior consiste em conhecer seus efeitos e o modo real de de aparecer como algo caótico e sem interesse, para
sua execução. Só este conhecimento permite ao Analista de revelar-se como uma ação intencional.
Políticas Educacionais atuar sobre as ações governamen- No campo de definição das Políticas Educacionais como
tais, bem como modifica o conhecimento preliminar que se campo de saber, os conceitos tornam-se fundamentais para
tem destas mesmas ações através dos veículos de comuni- revelar a estrutura interna das ações do Estado, ou aquilo
cação. Esse movimento, comum no conhecimento de que funciona com sua causa ou natureza. Se pudermos
qualquer objeto em geral, presente no campo de análise compreender as causas que geram determinada ação
das políticas educacionais em particular, chama-se governamental, estaremos dando um passo adiante para
abstração de um fenômeno. compreender as regularidades da ação política, conheci-
“Abstração é o esforço lógico para destacar as característi- mento que permite, ao mesmo tempo uma crítica, e a possi-
cas essenciais de um objeto”(Petersen). Não se trata de bilidade de construção de um novo discurso (Marilena
incentivar ao Analista de Políticas Educacionais especular Chauí). Frente a um determinado problema, como por
sobre determinadas ações do Estado. exemplo, a Bolsa-Escola, todo analista terá uma teoria, ou
Antes, é sugerir a importância de seguir rigorosamente o seja, uma articulação de conceitos que permite explicar sua
concreto, extrair dele os atributos, as características essen- função e que dá uma explicação correta, ainda que
ciais que definem o caráter de determinadas ações do provisória, do fenômeno. Pode ser uma teoria que
Estado. O resultado desse processo é a criação de justifique sua existência, do ponto de vista de uma política
conceitos, expressões verbais que caracterizam determina- eficaz de combate a ignorância. Ou pode ser uma teoria que
da ação política, que permite o estabelecimento de víncu- critique sua existência, por acreditar que outras formas de
los entre diversas práticas políticas entre si. O conceito, ou atuação sobre a infância são necessárias e prioritárias. Não
uma interpretação conceitual, atravessa as ações políticas importa neste momento seu valor. É obvio do ponto de
em seu amplo espectro. Por exemplo, a discussão sobre o vista de uma analista comprometido com a mudança social
papel que deve ter o Governo Federal na manutenção das que esta posição é importante. Mas o ponto que queremos
universidades públicas, e sua aceitação, e até mesmo aqui salientar é que nesse momento, o que está sendo
incentivo, de um sistema privado de ensino, pode revelar destacado é a mediação que fazemos com determinado
uma política mais ampla de privatização do ensino público. fato da realidade. É preciso usar conceitos para representar
No caso, privatização do ensino é o conceito. Nele, estariam e apreender os tipos de relações básicas (não apenas políti-
em segundo plano os detalhes da discussão sobre esta ou cas, mas sociais) presentes na realidade onde a ação gover-
aquela universidade que cobra ou não taxas de seus alunos, namental interfere. Ao final dessa interferência na
fixando-se no que é essencial de determinada política. Os realidade, a explicação do Analista só esgota seu poder
conceitos que usamos para explicar determinadas ações do explicativo quando se choca com algum aspecto desconhe-
Estado são formas puras, quer dizer, permitem uma visão cido. O Analista teoriza sobre as ações que vê o governo
abrangente dos processos políticos aos quais se referem. empreender. Ele as simplifica para dar sentido, e por isso,
No caso, podemos encontrar elementos do processo de em suas especificidades, o novo pode surpreender.
privatização do ensino em tempos tão diferentes quanto o Com certeza, não se quer que por exemplo, o aluno saia por
governo FHC ou a ala conservadora da Igreja Católica da aí utilizando, por exemplo, o jargão marxista ou qualquer
década de 60. Sem compreender os efeitos desse processo outro jargão para analisar as políticas de FHC, por exemplo.
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
A utilização mecânica é condenável, por que nega a Humanas no conhecimento da realidade político-educacio-
referência ao concreto, ao particular, as ações de um gover- nal que se propõe a investigar? Há procedimentos genéri-
no específico. O pesquisador estará enganado se, por cos que são auxiliares importantes na aproximação da
algum motivo, distanciar-se da realidade. Ele não pode análise das políticas públicas e que devem ter a especifici-
dar-se esse privilegio, por que a realidade política está em dade da investigação concreta. Primeiro, qualquer ação
permanente transformação. Inclusive do ponto de vista dos política no campo educacional deve ser remetida ao campo
gestores das políticas públicas no campo educativo. das totalidade das ações sociais; qualquer ação política no
Observe por exemplo, a evolução do conceito de pré-esco- campo educacional deve caber no campo de um marco
la nos documentos legais. Inexistente até os anos 50, passa teórico especifico, qual seja, da Teoria Educacional Critica,
a ser considerado nos anos 80 e 90. Ou seja, mesmo que o tal como aponta Tomaz Tadeu da Silva, em vários estudos;
campo teórico de um determinado fenômeno possa ser qualquer ação política no campo educacional deve ser
circunscrito pelo pesquisador, de fato o método de investi- capaz de ser explicado por hipóteses do pesquisador. Por
gação exige que nossas teóricas enfrentem a realidade exemplo, a problemática do Plano Nacional de Educação,
para descobrir o conteúdo objetivo da ação política. Precis- recentemente aprovado pelo Congresso Nacional e publi-
amos estar atentos por que é frequente agirmos mecanica- cado pelo Presidente da República, aponta para a
mente, quer por que transforma-nos em oposição ao gover- problemática da definição de uma linha de ação governa-
no, quer em seu defensor. mental de longo prazo no campo educativo. Este objeto,
1.2.3 O método do Analista de Políticas educacionais como que parece isolado, produto deste governo, quando inves-
atividade de utilização da Teoria Pedagógica Crítica para tigado, revela-se como algo ligado a projetos anteriores de
descobrir o conteúdo objetivo das ações governamentais. educação, ainda da década de 50, e que na verdade
Talvez por que, após anos de exclusão pelo governo, os constituem elementos orgânicos de uma totalidade políti-
cientistas sociais acostumaram-se a “ficar com um pé atrás” ca. Assim, o objeto Plano Nacional de Educação (a Lei) vai se
a toda medida do Estado, há sempre o risco de que definindo, vai se tornando compreensível, na medida em
esqueçamos de que cada que o Analista de Políticas Educacionais consegue desco-
20 brir a sua relação com problemas fundamentais que
20 constituem a forma como a política educacional se
problema ou campo específico de atuação do governo na estabeleceu em nosso pais e a forma como o atual projeto
educação exige, para ser investigado, um conjunto de se vincula a projetos anteriores, parte do esforço que deve-
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
cias do Banco Mundial na Educação Brasileira leva a Investigar Políticas Educacionais é caminhar no conheci-
construção de um marco teórico novo no qual o conceito de mento da ação política dirigido por nossas hipóteses.
subordinação política da educação nacional pode ser 1.3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: UMA DISCIPLINA A PROCU-
central à análise. É o ponto de enlace entre o objeto teórico RA DE SEU CONCEITO E SUA METODOLOGIA
das políticas educacionais e o material de estudo. A defesa da existência da disciplina de Políticas Educacio-
Permanentemente em desenvolvimento, a adequação nais como um ramo autônomo da Pedagogia exige um
teoria-realidade, que permite sua construção é constante e trabalho de reflexão teórica e sistematização. Devemos
resultado das exigências explicativas do objeto em estudo. levar em conta além das questões teóricas, metodológicas
No caso, o conceito de subordinação política expressa as e técnicas, que ela deve começar pela definição de alguns
relações fundamentais de nosso processo de dependência conceitos fundamentais inspirados na realidade escolar,
educacional, deve ser completado por conceitos de menor princípios pedagógicos e dispositivos legais
alcance por meio dos quais vai ser expressa as característi- 22
cas específicas do processo de intervenção do Banco 22
Mundial na educação. que inspiram não apenas documentos legais como a Lei de
A lógica desta investigação de Políticas Educacionais deve Diretrizes e bases da Educação Nacional, mas toda uma
servir tanto para as micropolíticas, quanto para as micropo- abordagem da área.
líticas (Foucault). Ou seja, tanto para os procedimentos a 1.3.1 O conceito de política:
nível governamental geral, quanto para aqueles que se O conceito moderno de política não se detém apenas no
efetuam no cotidiano escolar. Por exemplo, no caso do sentido objetivo, “ciência do governo dos povos; direção
trabalho de campo solicitado pela disciplina, faltando um de um estado e determinação das formas de sua organi-
marco teórico, um campo de investigação conceitual, os zação; conjunto dos negócios do estado, maneira de os
dados que a investigação, consubstanciados no Relatório conduzir” (Koogan Larousse). Sua origem relaciona-se aos
da Realidade Escolar, consistirão em amplas generalidades, clássicos da política, como Montesquieu, e antes dele,
quando não assistemáticos, aparentes e ecléticos. No caso Aristóteles, que detiveram-se na análise dos regimes políti-
da investigação proposta pela disciplina, o diário de campo cos e constituíram a tradição de estudos políticos moder-
é o método que permite o registro ao longo do tempo e nos. A partir dos anos 60 recebeu uma contribuição dos
suas anotações, a técnica que permite reunir as infor- estudos de Michel Foucault, que apontaram novas
mações aparentemente desconexas da realidade. A leitura dimensões para o exercício do poder e foram utilizadas
dos textos indicados em aula, e principalmente, os relativos pelos educadores em suas pesquisas, a partir dos anos 80.
ao projeto político-pedagógico, permitirá a construção de No campo da educação, trata-se de incluir as análises do
um campo teórico no qual esses dados farão algum sentido conceito de poder, central na Sociologia Critica da
– o marco teórico. Com o material selecionado, redigir será Educação e na Teoria Educacional Crítica. Trata-se da
nada menos do que fazer o esforço de abstração que vai evolução da própria análise que permite o conceito de
buscar as relações que fazem com que a escola seja o que poder, que passa do Estado, como apontam não apenas os
ela é, quer dizer, quais as relações essenciais que permitem clássicos, mas também os estudos marxistas, para análises
sua existência. Elas podem ser no campo da teoria política onde o poder é concebido como descentralizado, horizon-
(Reis), da lógica do cotidiano (Mafessoli ou Lefebvre) e tal e difuso. Nessa perspectiva, estudos pós-estruturalistas
permite ver conexões da política educacional que antes de em educação inspiram-se em Foucault para analisar os
um aprofundamento não seriam percebidas. diferentes poderes disciplinares na escola, onde a lei é
Assim, a pesquisa em Políticas Educacionais exige a apenas um deles.
construção, ao mesmo tempo, de seu marco teórico de Para Mafessoli, em A transfiguração do político, “o político
análise, o mapa de seu objeto, as relações que o vinculam pertence a categoria das coisas que perduram em todas as
com a totalidade social. Finalmente, ele permite também épocas sendo, ao mesmo tempo, sempre diferentes“.
que sejam elaboradas as hipóteses de trabalho, que sejam Concebendo a maneira de Simmel a política como uma
especificadas as relações da teoria com as políticas educa- forma, uma instância na sua acepção mais forte, que deter-
cionais em estudo. mina a vida social, ou seja, limita- a, constrange-a e
Em Políticas Educacionais, hipótese é uma formulação que permite-lhe existir”. Sua preocupação é revelar a dimensão
explica uma ação política. Implica afirmar a existência de imaginal do político, enquanto dimensão mental, que vive
uma relação entre fenômenos políticos diversos ou seus um drama de um lado do social, em sua vitalidade e desor-
componentes, e que esta relação é importante para a expli- dem fundadora, e de outro, o Estado, em suas diversas
cação da ação política. É uma suposição do Analista de formas de organização e razões.
Políticas Educacionais, referido a um conjunto de fatos Nessa concepção de política, não estão incluídas apenas as
concretos e suposições explicativas fundadas numa teoria. leis: estão também as formas como os homens relacio-
Seja tomando a ação governamental como foco, ou a nam-se entre si no seu cumprimento. Coações cotidianas,
atitude de um diretor de escola noutro, o que se vê é uma hostilidades, animosidades, litanias, agregações sociais,
tentativa de explicação a ser verificada sobre um tema já tudo enfim que ocorre no dia a dia da escola compõem um
existente. Contribui para os rumos da investigação, pois plano político, antes chamado apenas de política das
encaminha a seleção dos dados, evitando perda de rumos relações humanas, que interessa ao educador. Julien
na pesquisa, permitindo uma análise dos dados orientada. Freund, em Sociologia do Conflito definiu o político como
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
“instância por excelência do desdobramento, da gestão e campo educativo ou ainda, como a disciplina que se propõe
da solução dos conflitos.” Na educação, na escola, nas a analisar e dar sentido ao conjunto de normas reguladoras
relações entre professores e alunos, nada escapa da inter- entre o Estado e a sociedade no campo educacional. A
mediação política, pois o poder, está, em maior ou menor Política Educacional gesta-se de “cima “para baixo” quando
grau, presidindo as relações sociais. No momento em que a é objetivo explícito de governo, base constitucional e
política parece perder todo o sentido específico, é preciso corresponde a um projeto de gestão do Estado brasileiro.
lembrar que é devido a própria sociabilidade, que Por outro, professores, diretores e alunos são também
conforme o momento, se rege por regras explícitas (o que agentes de realização de Políticas Educacionais. A defesa e
diz a Lei) e implícitas (o que pensam os indivíduos). explicitação de determinadas correntes de educação, a
1.3.2 O conceito de educação dominância de determinadas perspectivas de ensino, a
De uma forma geral, a educação é vista como “ação de posição de organizações não governamentais frente as
desenvolver as faculdades psíquicas, intelectuais e morais: ações do Estado, tudo enfim faz parte do campo de análise
a educação da juventude. Resultado dessa ação. Conheci- das Políticas Educacionais. Elas realizam-se plenamente no
mento e prática dos hábitos sociais” (Koogan- Laurosse). cotidiano da escola, nos diferentes graus de ensino.
J.J.Rousseau, em Emílio, defendia uma educação suave Diríamos, assim, que há duas políticas educacionais: uma,
“não combatas seus desejos com dureza, não sufoques sua de “cima para baixo”, que faz com que um corpo de leis seja
imaginação, guia-a para que ela não crie monstros”. Incluí- assimilado, discutido e incorporado no meio escolar, e
da nos dispositivos constitucionais brasileiro, é “ direito de outro, “de baixo para cima” e que corresponde a uma
todos e dever do Estado e da família, promovida e incen- reapropriação, uma elaboração especifica, de cada institu-
tivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno ição e dos profissionais da escola. Entre ambos, um movi-
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e mento circular e em espiral: não é pouco comum o governo
sua qualificação para o trabalho. “O caminho que vai da ter de ceder ou realizar contraofensiva às iniciativas e
educação como direito a sua regulamentação nos diversos desejos da sociedade civil no campo educativo.
regimes políticos tem importância por que “as leis da Como disciplina autônoma dos cursos de Pedagogia de
educação são as que recebemos em primeiro lugar. E como nossas universidades, Políticas Educacionais é uma
elas nos preparam para a condição de cidadãos. ” A disciplina em construção. Introduzida pelas sucessivas
definição, dada por Montesquieu, diferenciava-as apenas reformas dos currículos de nossas universidades, corre-
quanto a espécie de governo. Nas monarquias, tem como sponde a um estágio avançado de análise e interpretação
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com o respeito a individualidade humana. O indivíduo tem, A Constituinte de 1934 atribuiu ao Conselho Nacional de
portanto, direito a educação, função pública por excelên- Educação a tarefa de elaborar o Plano Nacional de
cia. Educação. A proposta dura pouco. A repressão generalizada
Nasce a ideia de escola única, escola comum para todos, da ditadura varguistas faz com que os ideais liberais sejam
acessível em todos os seus graus para todos os cidadãos. combatidos. Para Rocha, é difícil estabelecer as regras e as
Deve ser uma função única, onde suas partes apresen- especificidades do debate de 33-34, pois os posicionamen-
tam-se integradas. Precisa ser autônoma o suficiente para tos, em geral, são carentes de visão de conjunto ou as
não depender em suas funções dos diversos governos, e os vezes, até incoerentes. A Constituinte, por exemplo,
bens oriundos da sua organização devem pertencer aos discute a questão da participação da União nos diversos
próprios sujeitos (descentralização). Uma escola adaptada ramos e níveis de ensino, que do anteprojeto governamen-
as necessidades dos alunos, reorganizada de forma dinâmi- tal, sofre um Substitutivo na Comissão Constitucional. A
ca em contato com a comunidade. Para os pioneiros, crítica paulista, principalmente, era de que era um projeto
somente um "Plano de Reconstrução Nacional", é capaz de centralista para a educação, permitindo a interferência da
possibilitar a construção de uma educação unitária, da União em toda as esferas de ensino. Rio Grande do Sul e
escola primária a universidade. Como aponta Rocha "para Minas Gerais, ao contrário, se posicionam junto ao governo:
os pioneiros, a educação é fonte de energia criadora, de o ensino secundário, por exemplo, deve continuar submis-
solidariedade social e de cooperação". Os educadores, so ao governo central.
portanto, situam-se politicamente fazendo a crítica da A Constituinte também discute o tema do direito à
escola tradicional, trazendo dois princípios modernos: o da educação. Primeiro, sobre o aspecto da afirmação jurídica
universalidade do acesso educacional e o princípio da do direito do cidadão. Em segundo lugar, pela previsão de
individualização pedagógica. Seu significado foi impor- recursos para a garantia desse direito e, finalmente, o da
tante (1932-1937), no período que antecede a imposição obrigatoriedade escolar, que define, de quem é o dever
do regime autoritário que se seguirá, pois, frente a um público. Nasce a ideia da educação como "direito público
estado que se faz interventor social, reconhece o princípio subjetivo" um avanço, se considerarmos o fato de que
liberal de preservar autonomia da individualidade. Rocha menciona que o anteprojeto governamental nada
O ideário reformista superestimava a importância da refor- falava – exceto em "favorecer o desenvolvimento das artes,
ma da educação para reforma da sociedade. Típico do ciência e ensino" o Substitutivo Constitucional, somente
espírito salvacionista, origina-se quando em 1930 foi dizia que "a todos facilitará o Estado a educação necessária
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comercial. Contemplando todos os níveis de ensino, entre- Entre as razões, está o fato da nova conjuntura política dos
tanto, havia dualismos que fazia com que não houvesse anos 40. O Governo Vargas busca mobilização social em
diretrizes comuns gerais a todos os ramos e níveis de apoio ao governo, consolidando em 1945, quando é edita-
ensino, as camadas mais favorecidas buscavam o ensino do o Ato Adicional, uma portaria ministerial concede
secundário e superior e as mais pobres, as escolas aumento de 25% para os professores da rede privada, ato
primárias e uma rápida formação para o trabalho. O SENAI inédito, para os profissionais sujeitos a CLT, através de
foi um sistema paralelo ao oficial, o estado reconhecia sua portaria. Gustavo Capanema revelava o comprometimento
incapacidade em prover a formação profissional em larga de sua atuação com medidas de apoio popular. O patronato
escala. Para os empresários, era o luar ideal para a de ensino reage, buscando compensações e os alunos, o
formação dos valores do industrialismo e por isso foi não repasse as mensalidades. Daí o financiamento indireto,
mantido pelos fiados da Confederação Nacional da através da suspensão de impostos e da concessão de
Industria. Aos poucos, já em 1948, o SENAI desiste da tarefa empréstimos, que colaboram no déficit orçamentário a
que lhe é proposta, reivindicando para a escola primaria a longo prazo.
tarefa de formação do operariado. É por isso que ao longo Segundo Rocha:
dos anos abandona os cursos e atividades vinculados a "Abriu-se, dessa forma, a nível de educação média, espe-
formação de mão de obra para dedicar-se a formação espe- cialmente a de tipo secundário, o processo que aqui chama-
cializada de nível técnico. A remodelação sofrida no pós 64 mos de cartorização do ensino privado. Ele é decorrente
devolverá ao Estado a tarefa. das opções fundas do Estado corporativo-autoritário,
Com a Constituição de 1946, do Estado Novo, é defendida a aliadas que foram da preservação conservadora de uma
liberdade e educação dos brasileiros. Conforme Shiroma, política de investimento educacional do Estado, que fora
"era assegurada como direito de todos e os poderes públi- apanágio dos anos anteriores a 1940"
cos foram obrigados a garantir, na forma da lei, educação Os anos 40 encerram-se com o surgimento de um novo
em todos os níveis". Clemente Mariano nomeia uma sujeito civil na realidade educacional, o empresariado de
comissão de especialistas com o objetivo de propor uma ensino. Seu vínculo estatal está marcado pela sua origem,
reforma geral da educação nacional, que em 1948 é no momento em que foi dada ao ensino privado a dimensão
apresentado ao Congresso Nacional e levará a promul- de ensino público. A intervenção do estado na educação
gação, em 1961, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação privada se dará pela possibilidade de financiamento e
nacional (Lei 4024/61). Segundo Shiroma, será a vitória das gestão escolar sob critérios públicos. Contudo, nos gover-
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Germano, em "Estado Militar e Educação no educação pública e gratuita, negando, na prática, o discurso
Brasil"(1964-1985). Para Germano, o estado militar preci- de valorização da educação escolar e concorrendo decisiv-
sou da adesão de uma parte dos intelectuais, camadas amente para a corrupção e privatização do ensino, transfor-
médias e massas populares. A ambiguidade de seu discurso mando em negócio redondo e subsidiado pelo Estado.
e prática é que enquanto apelava a democracia e a Dessa forma, o Regime delega e incentiva a participação do
liberdade, a golpeava, enquanto declarava-se a favor da setor privado na expansão do sistema educacional e
erradicação da miséria, colabora para aumentar os índices desqualifica a escola pública de 1o. e 2o. graus, sobretudo"
de pobreza pela concentração de renda. Nesse sentido, Boa parte das reformas de ensino militares foram balizadas
insere-se o discurso favorável a erradicação do analfabetis- por recomendações de agências internacionais e relatórios
mo e a expansão da educação escolar, proposto pelos vinculados aos estados unidos, como o Relatório Atcon e o
militares, enquanto reprimiam severamente professores e Relatório Meira Mattos do Ministério da Educação Nacional.
diminuíam as verbas do Orçamento para a educação. A Incorporava-se compromissos da Carta de Punta Del Leste
política educacional faz parte do contexto em que o Estado (1961) e do Plano Decenal da Educação da Aliança para o
assume cunho ditatorial voltado para os interesses do Progresso. Eram os acordos MEC-USAID que tinham nos
capital. intelectuais orgânicos do regime, como o Instituto de
As reformas do ensino superior (1968) e ensino primário e Pesquisas E Estudos Sociais e o Instituto Brasileiro de Ação
médio (1971) são realizadas sem a participação da socie- Democrática, as bases de apoio para o regime. Suas reflex-
dade civil, com a intenção de desmobilizar os eventuais ões serviram também para uma perspectiva economicista
movimentos sociais. A política educacional se transforma em educação, confirmada pelo Plano Decenal de 1967. O
em "estratégia de hegemonia", veículo necessário para a planejamento da educação torna-se coisa de economistas.
obtenção do consenso. O Estado militar esbarra no limite Em 1964, várias leis são aprovadas entre elas a regulação a
de escassez de verbas para a educa’[cão publica, já que está participação estudantil e o salário educação. Dois anos
empregando os recursos disponíveis para a acumulação do depois, é suspensa as atividades da UNE e a representação
capital. Seu interesse pela educação se manifesta pela estudantil nas universidades federais. Entre 1967 e 69, é
repressão aos professores e alunos indesejáveis ao regime, organizado o funcionamento do ensino superior: reitores
pelo controle político e ideológico do ensino, eliminan- podem enquadram o movimento estudantil na legislação
do-se a crítica. O regime tinha como princípios um antico- pertinente, organiza-se o funcionamento universitário e
munismo exacerbado, anti-intelectuais que levava a proíbe-se a manifestação política na universidade. No
negação da razão e o campo do ensino fundamental e médio, é criado o Mobral
36 em 1967, Movimento Brasileiro de Alfabetização e as
36 diretrizes e bases para o ensino de 1o. e 20 graus (Lei
terrorismo cultural. 5692/71) que será reformada pela lei7044, em 1982. A
Finalmente Germano, a política educacional do Regime Constituição de 1967 faz um retrocesso, não prevento
Militar vai se pautar pela economia da educação de cunho percentuais mínimos a serem despendidos pelo poder
liberal. É elaborada a "teoria do capital humano", subordi- público. Segundo Shiroma, havia dois objetivos básicos do
nando diretamente educação a produção – é o êxtase da governo militar durante o milagre econômico brasileiro:
aplicação de princípios da economia à educação. O II Plano "O primeiro era o de assegurar a ampliação da oferta do
Setorial da Educação, Cultura e Desporto (1974-1979), é ensino fundamental para garantir a formação e qualificação
exemplo disso. Germano assinala que em síntese, foram os mínimas a inserção e amplos setores das classes
seguintes os eixos de sua política educacional: trabalhadoras em um processo produtivo ainda pouco
" 1) Controle político e ideológico da educação escolar em exigente. O segundo, o de criar as condições para a
todos os níveis. Tal controle, no entanto, não ocorre da formação de uma mão de obra qualificada para os escalões
forma linear, porém, é estabelecido conforme a correlação mais altos da administração pública e da indústria e que
de forças existentes nas diferentes conjunturas históricas viesse a favorecer o processo de importação tecnológica e
da época. Em decorrência, o Estado militar e ditatorial não de modernização que se pretendia para o país"
consegue exercer o controle total e completo da educação. Formulada no auge do regime militar, a reforma do ensino
A perda de controle acontece, sobretudo, em conjunturas superior visou conter as mobilizações estudantis e a
em que as forças oposicionistas conseguem ampliar o seu resistência à ditadura existem nas universidades. De fato,
espaço de atuação política. Daí os elementos de "restau- lideranças estudantis, intelectuais haviam se engajado na
ração" e de "renovação" contidos nas reformas educaciona- luta armada contra a ditadura... A ditadura visava restaurar
is; a passagem da centralização das decisões e do planeja- a ordem e ambiguamente, nos termos de Germano,
mento, com base no saber da tecnocracia, aos apelos "emprego desmedido da repressão política, mas, igual-
"participacionistas" das classes subalternas. 2) Estabeleci- mente, da assimilação (desfigurada) de princípios avança-
mento de uma relação direta e imediata, segundo a "teoria dos que haviam sido colocados por segmentos e experiên-
do capital humano" entre educação e produção capitalista cias de caráter reformador". Por exemplo, a lei 5540/68
e que aparece de forma mais evidente na reforma do extingue a cátedra, introduz o regime de tempo integração
ensino de 2o. grau, através da pretensa profissionalização e de dedicação exclusiva aos professores, cria a estrutura
.3) incentivo a pesquisa vinculada a acumulação de capital. departamental, divide o curso de graduação em duas
4) Descomprometimento com o financiamento da partes, básico e profissional, e cria o sistema de crédito por
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Educação, assume Murilo Hingel, que acreditava na univer- das grandes inovações dos revolucionários ingleses de
sidade pública e preocupava-se com o professor e a 1640. Entre tais direitos estava o de não ser obrigado a
educação das crianças. Grandes mobilizações surgem com acusar a si próprio, o de não pagar impostos que não
os debates para a elaboração do Plano Decenal de fossem votados por seus deputados, o de ter voz na políti-
Educação para todos (1993), que se desdobrará em planos ca.
educacionais de estados e municípios, e a realização da O arremate da revolução inglesa iniciada em 1640 se dá em
Conferencia Nacional de Educação para Todos, (1994). 1688, quando é deposto o rei Jaime II. Guilherme e Maria,
Abre-se o governo para ouvir a sociedade, somente. O resto que sucedem a ele, aceitam o 'Bill of Rights', que é o nome
continua a velha estrutura tradicional de planejamento inglês do que conhecemos, nas línguas latinas, como
governamental. 'declaração de direitos'.
A grande novidade é que o MEC passa a prestar contas de 'Bill', em inglês, é mais ou menos o que chamamos um
suas ações. Seus relatórios apontam que o foco principal é projeto de lei - antes, portanto, de ser sancionado pelo
o ensino fundamental, principalmente com o Programa poder executivo. No caso, recebe esse nome por ser um
nacional de Atenção Integral a criança e adolescente texto legal plenamente válido, mas cuja validade não
(PRONAICA), que junto com as ações de assistência ao deriva da assinatura do rei. Isso quer dizer que os direitos
estudante, que junto com a Fundação de Assistência ao existem e vigoram, não porque um rei (ou mesmo uma
Estudante, será central na nova estratégia. O governo assembleia) assim o quis, mas porque naturalmente todos
afirma-se com compromissos com o Plano Decenal, a os humanos têm tais direitos. A assembleia seja ela à
questão do magistério. Plano Decenal, menina dos olhos do francesa de 1789 ou a da ONU de 1948, apenas declara os
governo Itamar, enfrentou os mesmos problemas de direitos, ela não os cria.
descontinuidade administrativa dos governos anteriores. A Constituição brasileira de 1988, tão difamada pelos
Para Vieira autoritários, segue essa (boa) lição: pela primeira vez em
"Nos tempos de transição, a política educacional coloca nossa história, os direitos humanos precedem o funciona-
todas as suas energias sobre o ensino fundamental. Trata- mento dos poderes de Estado. Ela ensina que o Estado está
se de uma opção dura que a médio e longo prazos compro- a serviço dos cidadãos, que nas Cartas anteriores apareci-
mete o ingresso do país na direção da sociedade do conhe- am depois dos três poderes, como um acréscimo, detalhe
cimento" ou mesmo estorvo. E também por isso a Constituição deu
caráter pétreo aos artigos sobre os direitos: se a Constitu-
UNIDADE V inte apenas os declarou, se não os criou (porque estão
1. PAPEL DO ESTADO E A EDUCAÇÃO COMO DIREITO - Por acima da vontade humana), isto implica que eles não
Jorge Barcellos podem ser abolidos.
A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, Mas voltemos à história. Em 1689, a Inglaterra promulga
implica sempre a existência de um sistema normativo, seu 'Bill of Rights'. Vai passar um século antes de surgirem
onde por ”existência” devem entender-se tanto o mero dois outros. Em 1789, a Assembleia que acaba de se
fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o declarar constituinte, na França, vota a Declaração dos
reconhecimento de um conjunto de normas como guia da Direitos do Homem e do Cidadão - não mais, porém, de um
própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura único povo, mas agora da humanidade inteira.
da obrigação. Norberto Bobbio 40
1.1 Direitos Humanos: uma ideia que nasceu há 300 anos 40
Segundo Renato Janine Ribeiro, não havia direitos 1.2 Direitos passam a universais
humanos na Grécia. Isso pode soar estranho, até porque Esta, aliás, é a grande característica da Revolução Francesa
Atenas ainda hoje aparece como um momento alto, de 1789, nisso mais audaz que a Inglesa de 1688 ou mesmo
insuperado, do regime político democrático. Mas o fato é a Americana de 1776: nenhum direito é invocado pelos
que a democracia, pelo menos entre os Antigos, não incluía franceses como sendo apenas nacional. Todos os direitos
o que chamamos direitos humanos - e que são uma são do cidadão e do homem como universais. Valem para
invenção moderna. qualquer povo. E mesmo que a própria França demore em
A Inglaterra, hoje sinônima de calma resolução dos confli- estendê-los, por exemplo, aos negros escravos, uma
tos, já se viu tomada por guerras civis; e foi por ocasião de dinâmica se instaura que terminará suscitando suas revol-
uma delas, entre 1640 e 1660, que se tornou comum à tas (por exemplo, no Haiti) e sua liberdade.
alusão aos direitos do 'freeborn Englishman', o inglês Em 1791, os Estados Unidos aprovam sua declaração. Os
nascido livre ou livre por nascença. Haveria uma série de constituintes de 1787, liderados pelos federalistas, deram
direitos que todo inglês teria, só por nascer. maior importância à mecânica dos três poderes que aos
Insistamos na questão do nascimento: é o que explica o direitos humanos. Mas Thomas Jefferson, mais democrático
termo 'direitos naturais'. Natural é o que temos por que eles, propôs que a adesão à Carta viesse junto com uma
nascença. Direitos naturais são os que temos antes de série de emendas reconhecendo direitos aos indivíduos.
qualquer decisão governamental ou política - sem precisar- São as dez primeiras emendas à Constituição americana,
mos da boa vontade do Estado ou de quem quer que seja. conhecidas como Bill of Rights.
Os direitos humanos surgem, na modernidade, como direit- Quando estudamos os direitos humanos, são estes os três
os naturais. Basta o inglês nascer, para tê- los. Essa é uma textos-chaves iniciais, aos quais se soma, em 1948, a
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
Declaração da Assembleia Geral da ONU. Vemos que eles E assim pode ser que o arremate dos direitos humanos seja,
se foram expandindo, a partir, porém, de uma ideia inicial e para além do homem, uma declaração de direitos dos
decisiva. Esta era (e é) que os direitos humanos estão acima animais e até da natureza. Haverá melhor sinal de que essa
de qualquer poder de Estado. Por isso, é uma ideia antiposi- ideia, 300 anos depois de irromper, continua fecunda
tivista. 1.3 O direito à educação como uma obrigação do Estado
Positivismo, em direito, não significa a mesma coisa que No capítulo 3 de Educação, Estado e Poder (Brasiliense,
nas ciências. Chama-se de 'positivismo jurídico' a tese de 1987), Fábio Konder Comparato refere-se a importância de
que uma lei vale porque foi decretada (ou posta, ou afirma- retornarmos as origens do pensamento político para
da) pela autoridade legítima. Só haveria direitos ou compreendermos o lugar das leis em educação. Comparato
obrigações com base num poder. Mas a tese dos direitos retoma o argumento de Montesquieu, para quem havia
humanos supõe, justamente, que acima de qualquer poder basicamente três tipos de regimes políticos: o republicano,
existente já vigem direitos inegáveis, irredutíveis. o monárquico e o despótico. No primeiro, a soberania,
Este é o cerne da ideia de direitos humanos, e vê-se qual a poder político supremo, pertence ao povo; no monárquico,
sua conclusão lógica: que os governos não podem violar a quem governa, com base em leis fixas e estáveis, e no
tais direitos impunemente, e - se o fizerem - devem pagar ultimo, apenas um governo, sem leis, seguindo apenas a
por isso. Cedo ou tarde, precisaremos assim ter uma sua vontade.
jurisdição supranacional que julgue e puna criminosos que Para Montesquieu, o elemento chave do regime republica-
só têm em seu favor, como Pinochet ou Saddam Hussein, o no é a virtude, qualidade política que significa amor à igual-
fato de terem cometido crimes em tão larga escala que dade. É o amor a igualdade de todos, universal, completa.
escapam - por um tempo - ao castigo merecido. Logo após a exposição sobre os regimes políticos, Montes-
As declarações clássicas são, porém, acusadas frequente- quieu trata das leis da educação, fundamentais em
mente de dar força demais aos direitos do indivíduo - e do qualquer regime político “as leis da educação são as que
proprietário - e de desprezar os grupos de trabalhadores recebemos em primeiro lugar. E como elas nos preparam
sem propriedade. É verdade. Nelas, a ênfase está na defesa, para a condição de cidadãos, cada família em particular
contra o poder estatal, da propriedade, numa definição de deve ser governada em consonância com a grande família
direitos civis e políticos que nem sempre pretende abrang- que engloba todas. Se o povo em geral tem um princípio, as
er toda a humanidade. A declaração inglesa exclui dos partes que o compõem, ou seja, as famílias tê-la-ão
direitos os estrangeiros, a americana os escravos, à france- também. As leis da educação serão, pois, diferentes em
22
POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
Longe de uma concepção neutra da educação, nesse a possibilidade de intervenção foi introduzida pela Consti-
processo ela tem um conteúdo político, determinado pelos tuição de 1969, mas agora, seu objetivo é garantir que o
direitos fundamentais que deve reencarnar. Ela tem caráter percentual mínimo exigido pela Constituição de receita de
político por que, nos termos do artigo 1o, expressa a sober- cada município seja gasto com educação. Como a Constitu-
ania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores ição não previa intervenção nos estados, a Emenda 14, de
sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo 1996, resolveu o problema.
político. A educação é política por que permite a Estabelecer e manter programas de educação infantil e
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garan- ensino fundamental é a missão primordial das municipali-
tindo o desenvolvimento nacional, e tem como objetivo dades brasileiras, segundo a Constituição. Instituições
colaborar na erradicação da pobreza e na redução das educacionais não podem sofrer com a imposição de impos-
desigualdades sociais. São princípios válidos para todas as tos sobre o patrimônio, renda e serviços, quando sem fins
áreas, definidos na Constituição, e que devem ser aplicados lucrativos desde a Constituição de 1934. O objetivo é
na Educação. incentivar a iniciativa privada a prestar serviços na área
educacional ainda que várias instituições usem essa
1.5 A educação como direito social estratégia para aumentar os ganhos de seus mantenedores.
A Constituição de 1988 estabelece, em seu artigo 6o a O que falta é uma rígida fiscalização por parte do Estado.
Educação como um direito social. É uma herança das modi- O apoio da lei ao investimento em pesquisa, criação de
ficações introduzidas nos dispositivos constitucionais dos tecnologia é uma das novidades da atual constituição,
Estados liberais ao longo do tempo, que sofreram a influên- ainda que não tenha melhorado o investimento geral em
cia da divulgação da Declaração Universal dos Direitos do termos percentuais, que corresponde a apenas 0,7 % do
Homem. Sofrendo pressões populares, os políticos de cada PIB brasileiro, enquanto que outros países desenvolvidos
pais começaram a incluir dispositivos voltados para a investem cerca de 3,0%.
questão social, buscando garantir a igualdade de todos Nesse aspecto, considerando que uma das metas do
perante a lei. A educação é valorizada no campo dos direit- Ministério da Educação é colocar um aparelho de televisão,
os sociais, decorrência direta dos direitos de igualdade e de com antena especial videocassete, mais um computador
liberdade, prestações do Estado proporcionada para os ligado em rede em cada escola com mais de cem alunos,
cidadãos com o objetivo de diminuir as desigualdades percebe-se que a necessidade de investimento em tecno-
sociais. logia por parte do estado. A esse respeito, na própria
No Brasil, a instrução pública foi objeto de garantia individ- constituição refere-se a importância de que redes de
ual desde a Constituição do Império (1824), que previa televisão, que envolvem alta tecnologia, dedicarem-se a
gratuidade no nível primário para todos só cidadãos, o que tarefas e finalidades educativas.
veio a se manter nas diversas constituições brasileiras até a 43
Constituição de 1988. Ao assegurarem a educação como 43
um direito de todos, os Constituintes geraram um dever Desde a Emenda Constitucional número 1, de 1969, a
correspondente ao Estado de prove-la, sem descartar, educação’ é conceituada como direito de todos e dever do
contudo, a família e a colaboração da sociedade. O Estado estado e da família. Reconhecida sua importância na
toma a si o direito de legislar sobre matéria educacional, e constituição do Estado Brasileiro, revelou o reconhecimen-
os pais de escolher o tipo de educação que desejam para to já consolidado nas Constituições de países mais adianta-
seus filhos. dos do mundo. De certa forma, também corresponderão
1.6 Competências para legislar em Educação atendimento das sugestões da Organização das Nações
Como o Brasil é uma federação de Estado, somente a União Unidas, relativas a Declaração dos Direitos do Homem, de
cabe fazer leis gerais para a Educação. Isso permite 1948. Este era o projeto de Anísio Teixeira, reafirmar os
estabelecer uma hierarquia entre as leis, definidas pelo princípios escolanovistas que conceituam a educação
Congresso Nacional e pelo Ministério da Educação. Aos como atributo fundamental na formação da pessoa
estados e municípios cabe legislar de forma complementar, humana. É, portanto, aceitação da tendência mundial de
derivada e supletiva, desde que respeitadas as leis nacio- valorização do ensino regular e da educação permanente,
nais. transformada em serviço publica essencial sob a respons-
É obrigação de todos às esferas de organização do Estado abilidade do Estado.
(federal, estadual e municipal) proporcionar os meios de O direito a educação evoluiu nas Constituições brasileiras,
acesso à educação, como assegura o Art. 23. Competência mas os diversos governos brasileiros foram ineficientes
comum, dividida entre os poderes da seguinte forma: a para sua eficiente execução. Evoluiu por que já em termos
federação organiza o sistema federal de ensino superior e internacionais, constava da Declaração de 1948, ratificada
colabora técnica e financeiramente com os demais na Conferência Mundial de Educação para todos, de 1990.
sistemas, os estados administram o ensino médio e funda- Em 1994, na Declaração de Salamanca, novamente foi
mental e os municípios o ensino fundamental e a educação reafirmado esse direito. NO Brasil, como dever do estado e
infantil. Leis estaduais não poderão contrariar leis federais da família, deve ser dada no lar e na escola. NO lar não cabe
na organização do ensino, podendo a federação intervir intromissão do Estado, exceto nos termos previstos no
(como expresso no artigo 34da Constituição) nos diversos Estatuto da Criança e do Adolescente ou na legislação
estados que não satisfazerem esta prerrogativa. É claro que posterior de proteção à criança. A ideia da importância dos
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
pais na educação dos filhos é também reforçada pelo psicológicos, filosóficos, antropológicos e sociais, o
Código Civil. Segundo Alceu Amoroso Lima “A educação da trabalho também é visado por que envolve o desenvolvi-
prole é dever primordial da família e seu direito natural. mento integral do homem.
A vida social, porém, pelas suas dificuldades, exige que a A constituição, especialmente nos artigos 205 e 206,
família seja auxiliada em sua tarefa formadora das novas estabelece finalidades e princípios para a educação que
gerações. Daí nasce a escola como instituição necessária, constituem a base das políticas educacionais de Estado em
que tem a sua importância como grupo autônomo, assegu- nosso pais. São sete princípios:
rada pelas exigências da vida em comum. A escola é o 1) o direito de aprender mediante o acesso e permanência
grupo natural, por acidente, podemos dizer, pois nasce não na escola em igualdade de condições, é regido pelo
naturalmente, como a família ou o Estado, mas como princípio maior da igualdade, presente no artigo 5o. da
instituição voluntária especializada, se bem que exigida, Constituição. Ninguém pode sofrer discriminação de
pela finalidade natural da família. A escola, portanto, qualquer espécie, em sofrer nada que posa prejudicar sua
completa a família e é a segunda célula social, pois via a permanência nos estudos. Permanência significa, segundo
propagação natural dela. Tudo o que separa, portanto, Pinto Pereira, em Curso de Direito Constitucional, que
essas duas instituições e nocivo ao bem comum. E tudo o “ninguém será excluído da escola, a não ser por motivo
que tornar cada vez mais solidária as suas atividades grave, apurado em sindicância ou processo administrativo,
distintas, mas nunca separadas, é benéfico e necessário ao com ampla defesa. Aos portadores de deficiências também
bem comum “ não se vedará o acesso, nem se interrompera a permanên-
O papel do estado na ação educativa inicia-se com sua cia”. A exceção desta regra é somente para os portadores
obrigação de construir, organizar e manter escolas, propor- de moléstias transmissíveis, para os quais se impõe
cionando a democratização e a gratuidade do ensino, espe- isolamento, para preservar a saúde dos demais. Aids, no
cialmente no nível constitucional da obrigatoriedade, bem entanto, não é motivo de isolamento.
como zelar pelo respeito às leis do ensino, pela avaliação 2) a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamen-
das instituições e pelo desenvolvimento do nível de quali- to, a arte e o saber, como princípios a uma continuidade e
dade do ensino. A colaboração da sociedade é prevista para complementação dos direitos humanos, são consequência
suprir as deficiências do estado. A livre iniciativa tem do direito à liberdade. Liberdade de ensinar, autonomia da
importância para garantir vagas e oferecer alternativas as escola, liberdade de categoria e livre atuação para empre-
famílias para escola das escolas. sas privadas respeitam, totalmente, o principio inalienável
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
cas, consolida na lei algumas experiências de gestão a 17anos nunca frequentam a escola, e que de cada cinco
democrática já existente em muitos municípios brasileiros, crianças que entram na primeira série, apenas uma chega
cujas secretarias municipais de educação já possuíam, quer ao final do primeiro grau, porcentagem igual a de
conselhos consultivos, quer conselhos deliberativos, para Blangadesh”.
avaliar e discutir questões referentes a qualidade de Portanto, estamos diante de um projeto democrático de
ensino. Na década de 70 tornaram-se conhecidas as educação que não foi acompanhado de políticas de finan-
experiências de Maranguape (CE), Piracicaba (SP) e Lages ciamento na área de educação infantil, nem de recursos
(SC). humanos especializados para atuar na área. Partindo-se do
7) Ainda que o padrão de qualidade seja uma garantia e pressuposto que o direito constitucional, há a possibili-
princípio constitucional, pouco se fez em vários municípios dade de exigir-se, de maneira garantido, aquilo que as
para efetivá-lo, em virtude do corte de verbas e arrochos normas de direito atribuem a alguém como próprio, o não
salariais. A qualidade de ensino depende diretamente de oferecimento do ensino obrigatório e gratuidade, importa a
bons salários e treinamento. responsabilidade da autoridade competente, nas esferas
1.7 O dever do estado com a educação de poder competentes. O próprio Código Penal Brasileiro,
no seu artigo 246, estabelece pena de detenção, de quinze
No artigo 208, são garantidas uma série de responsabili- dias a um mês, ou multa, a quem “deixar, sem justa causa,
dades do estado com a educação que resumem os serviços de prover a instrução primaria de filho em idade escolar”.
que devem ser prestados a sociedade e que o cidadão tem Para isso, diversos promotores de justiça já sugeriram a
o direito de exigir do poder público. Como deveres do importância de efetuar recenseamento sobre alunos evadi-
Estado, possibilitam maior eficácia aos direitos públicos dos para o Ministério público, para que possam serem
subjetivo. Uma formula encontrada, por exemplo, para instaurados inquéritos policiais.
assegurar a efetiva obrigação do Estado para com o ensino 1.8 A fragilidade do direito a educação: 1 milhão de
fundamental foi assegurar” inclusive, sua oferta gratuita crianças está fora da escola
para os que a ele não tiverem acesso na própria idade”. Cerca de 130 milhões de crianças em idade escolar (21%
Para os demais níveis, especialmente o superior, a lei do total) estão sem estudar hoje em todo o mundo. No
estabelece “progressiva extensão da obrigatoriedade e Brasil, elas chegam a 1,12 milhão, cerca de 5% das crianças
gratuidade”, principalmente, no caso de nível superior, entre 7 anos e 14 anos. Esses dados fazem parte do
aqueles que comprovarem capacidade, pela aprovação em relatório "Situação Mundial da Infância 1999", que será
processos seletivos, tais como vestibulares. divulgado hoje pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para
A questão do ensino pago x ensino gratuito vem desde o a Infância).
império, ainda que a primeira constituição republica O relatório de 1999 dá ênfase à educação e faz uma
tenha-se omitido nessa matéria, ela retorna na Constitu- avaliação de como os países vêm cumprindo as seis metas
ição de 1934, 37, e 46 como “o ensino oficial ulterior ao traçadas durante a Conferência Mundial sobre Educação
primário sê-lo-á (gratuito) para quantos provarem a falta ou para Todos, realizada em março de 90, na Tailândia. Segun-
insuficiência de recursos”. Esse conflito aparentemente do o UNICEF, a meta em que o Brasil se saiu melhor foi a de
recebeu uma nova ênfase na Constituição de 1988, pró-en- universalizar o acesso ao ensino. O fortalecimento das
sino gratuito. Luiz Alberto David Araújo, em A proteção parcerias entre governo e sociedade
constitucional das pessoas portadoras de Deficiência, 46
assinalou que “a educação é direito de todos, portadores 46
ou não de eficiência. As pessoas portadoras de deficiência civil para aperfeiçoar a educação no país também foi
têm direito a educação, a cultura, como forma de aprimora- elogiado pelo UNICEF.
mento intelectual, por se tratar de um bem derivado do Mas o relatório alerta para a necessidade de o Brasil ainda
direito à vida” E continua: “O dever do Estado de prestar ter de melhorar muito a qualidade do ensino nas escolas
educação, portanto, passa, obrigatoriamente, pelo forneci- públicas. Dados do censo escolar de 98 apontam que
mento de educação especial as pessoas portadoras de 96,5% das crianças brasileiras entre 7 anos e 14 anos estão
deficiência”. matriculadas regularmente. Essa meta só precisaria ser
A renovação também se deu no campo da educação infan- alcançada em 2003.De 94 a 98, o total de crianças matricu-
til, por que o que era até o momento era previsto no campo ladas no ensino fundamental cresceu 11,8%, atingindo
da assistência médica e alimentar, e somente com a Consti- 35,8 milhões de alunos neste ano.
tuição de 1988, juntamente com o Estatuto da Criança e do A redução no número de crianças entre 7 anos e 14 anos
Adolescente, deu condições de cidadania a criança neste que estavam fora da escola no Brasil ocorreu sobretudo a
pais, portanto, um princípio norteador para as novas políti- partir de 1996. Naquele ano, ainda havia 3,5 milhões de
cas educacionais. Entretanto, Para Sônia Kramer, em Políti- crianças fora da escola. O crescimento das matrículas no
cas de atendimento a criança de 0 a 6 anos no Brasil, ensino médio foi ainda maior do que no fundamental. Nos
“embora sejamos a oitava economia do mundo ocidental, últimos quatro anos, houve um aumento de 37,3%. De
nossa taxa de mortalidade de menores de 5 anos é mais acordo com o UNICEF, o desafio de aumentar o número de
alta do que a da Mongólia e do Paraguai, e mais do que o crianças matriculadas em escolas -até chegar a 100% do
dobro da Argentina, Guiana ou Panamá. No que diz respeito total- vai ficar mais difícil para o Brasil a partir de agora.
a educação, sabemos que mais de 7 milhões e crianças de 5 Isso porque as crianças e adolescentes que continuam sem
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
estudar fazem parte de grupos mais difíceis de serem aprendem apenas o essencial. Além disso, as turmas são
trabalhados. São crianças portadoras de deficiências, que menores (com no máximo 25 alunos) para que o professor
vivem nas ruas, que trabalham ou que estão detidas em possa dar atendimento individualizado.
instituições por terem cometido infrações. Para que voltem As primeiras classes de aceleração foram implantadas no
à escola é preciso que o governo desenvolva ações volta- Maranhão em 1996, antes mesmo da aprovação da LDB (Lei
das especificamente para esses grupos -programas de de Diretrizes e Bases da Educação), que tornou legal a
erradicação do trabalho infantil, por exemplo. possibilidade de aceleração de estudos para alunos atrasa-
Dos cerca de 6 milhões de brasileiros até 19 anos que são dos. Hoje, o número de alunos do ensino fundamental
portadores de deficiência, apenas 5% (334,5 mil) estão matriculados em classes de aceleração no país já ultrapassa
matriculados em escolas que oferecem atendimento espe- 1,18 milhão, e só o Rio Grande do Sul não implantou
cializado. Os demais estão sem estudar ou frequentando mecanismos que permitem aos alunos atrasados recuperar
escolas que não atendem a suas necessidades. o tempo perdido.
1.9 Os excluídos da educação: repetência, interrupção, e Os gaúchos ficaram de fora porque têm a menor taxa de
atraso escolar defasagem entre a idade e a série dos alunos no país. Os
Para Daniela Falcão, da Sucursal de Brasília do Jornal Folha mineiros são os campeões: 39% dos 1,18 milhão de
de dos 35,8 milhões de alunos matriculados no ensino estudantes matriculados em classe de aceleração neste
fundamental do Brasil este ano, 16,7 milhões (46,6%) já ano são de Minas Gerais. Além dos Estados, a Secretaria de
repetiram o ano pelo menos uma vez, segundo dados do Educação Fundamental do Ministério da Educação assinou
MEC (Ministério da Educação) obtidos pela Folha. Os convênios para a implantação das classes de aceleração em
números incluem as redes de ensino público e privado. 787 municípios, gastando R$ 40 milhões de seu orçamento.
Desse total de repetentes, 8,5 milhões já deveriam estar no A verba repassada pelo ministério serve para treinar os
ensino médio (antigo 2º grau) porque completaram 14 professores que vão dar aulas nas classes de aceleração e
anos -idade com que, em tese, deve-se concluir a 8ª série. para confeccionar material didático próprio.
Esses alunos, chamados de "fora da idade", não estão nas
séries que deveriam por três motivos: reprovações sucessi- UNIDADE VI
vas, interrupção nos estudos e demora em entrar na escola. 1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO NO BRASIL
As altas taxas de reprovação no ensino fundamental têm o 1.1 Aspectos Históricos da Implantação do Plano Nacional
efeito de uma bomba-relógio, fazendo com que o número de Educação – No Brasil
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
do com a criação dos cursos superiores, não se alterou alterou o quadro existente no final do Império.
significativamente, entretanto, quanto aos estudos primári- É verdade que a República, nos seus inícios, foi pródiga em
os e médios, algumas escolas de primeiras letras e um reformas – Benjamin Constant (1890), Epitácio Pessoa
punhado de aulas avulsas no velho estilo das aulas régias (1901), Rivadávia Correia (1911), Carlos Maximiliano
constituíram todo o saldo positivo do período que sucedeu (1915) –, mas foi preciso esperar até a década de 20 para
à Independência e que precedeu à reforma constitucional que, realmente, o debate educacional ganhasse um espaço
de 1834. social mais amplo. Foi nesse período que a questão educa-
Essa reforma (Ato Adicional de 1834) descentralizou as cional deixou de ser apenas tema de reflexões isoladas e de
responsabilidades da educação popular, deixando-as às discussões parlamentares para ser percebida como proble-
províncias e reservando à Corte a competência sobre os ma nacional, isto é, como problema afeto ao próprio desti-
ensinos médio e superior. Mas as províncias, pouco aquin- no da nacionalidade. Foi o que disse J. Nagle quando escre-
hoadas na arrecadação de impostos, quase nada puderam veu: “O que distingue a última década da Primeira Repúbli-
fazer em matéria de educação popular; e durante a segun- ca das que a antecederam foi justamente isso: a preocu-
da fase do Império, o que permaneceu foi um completo pação bastante rigorosa em pensar e modificar os padrões
descaso nessa área: ainda que tenham havido algumas de ensino e cultura das instituições escolares, nas difer-
iniciativas interessantes, como a da criação das escolas entes modalidades e nos diferentes níveis.
normais, elas acabaram perecendo. Os quadros social, político e econômico dessa década, com
Nesse período, o quadro geral foi sempre o mesmo: escas- a continuidade significativa das correntes imigratórias, a
sez de escolas e de mestres no ensino primário. Com urbanização, as insatisfações políticas represadas desde a
relação ao ensino médio, exclusivamente propedêutico ao Proclamação da República e a intensificação das tensões
ensino superior, prevaleceram as aulas avulsas apenas entre a industrialização nascente e as crises do comércio
acessíveis às classes abastadas. É verdade que houve cafeeiro foram altamente propícios para que a questão
tentativas notáveis de estruturação de cursos regulares educacional se impusesse como de interesse coletivo e de
com propósitos amplamente formativos e não apenas salvação nacional. Aliás, foi nesses termos que os diversos
preparatórios. O Colégio Pedro II, os liceus da Bahia e de movimentos sociais que então apareceram – ligados ou não
Pernambuco e algumas outras poucas escolas são exemplo aos partidos políticos – passaram a se preocupar com a
desse esforço, mas isso não foi suficiente para alteração do escola popular, a sua reforma e a sua disseminação. Várias
quadro geral. Mais para o final do Império, até mesmo as tentativas reformistas ocorreram em diferentes estados;
escolas acabaram afetadas pela mentalidade vigente, que foi nesse período que se iniciou uma efetiva profissional-
via nos estudos de grau médio apenas uma preparação para ização do magistério e que novos métodos e modelos
o ensino superior. Não faltaram, contudo, principalmente pedagógicos começaram a ser mais amplamente discutidos
na segunda metade do século, tentativas de e introduzidos nas escolas. Essa efervescência dos assun-
49 tos educacionais, esse “entusiasmo pela educação”,
49 conforme a expressão usada por J. Nagle, gerou uma
reforma, mas a tendência de multiplicação das aulas “atitude que se desenvolveu nas correntes de ideias e
avulsas e dos exames parcelados prevaleceu e apenas nas movimentos político-sociais e que consistia em atribuir
vésperas da República houve esforços no sentido de modi- importância cada vez maior ao tema da instrução, nos seus
ficação desse quadro. diversos níveis e tipos”.
É preciso evitar, porém, que essa sumaríssima descrição 1.2 A Ideia de um Plano de Educação
induza a ideia de que, durante o Império, não tenham Segundo Celso Lafer, a primeira experiência de planeja-
havido alguns homens notáveis capazes de perceber e mento governamental no Brasil foi a executada pelo gover-
denunciar a situação de penúria e descaminho dos ensinos no Kubitschek com o seu Plano de Metas (1956/61). Antes
primário e secundário. Entretanto, essa efervescência do disso, os chamados planos que se sucederam desde 1940
pensamento educacional muito pouco ultrapassou o terre- foram, segundo Lafer, “antes propostas, diagnósticos e
no das ideias e dos debates parlamentares. tentativas de racionalização do orçamento”.
A Proclamação da República, embora tenha alterado, em O mesmo autor sugere que na análise do processo de
alguns pontos, substantivamente a ordenação legal da planejamento convém distinguir “três fases: a decisão de
educação brasileira, pouco modificou o quadro vigente. planejar, o plano em si e a implantação do plano: A primeira
Conforme disse Fernando de Azevedo: “À parte do laicismo, e a última são essencialmente políticas. Apenas a segunda
a infiltração das ideias positivistas e o movimento renova- é um assunto estritamente técnico”.
dor de São Paulo, limitado ao ensino primário e normal e 50
sob a influência das técnicas pedagógicas americanas, 50
todos os outros fatos relativos à educação e à cultura No caso do planejamento educacional, essa distinção é
acusavam, no último decênio do século XIX, a sobrevivên- interessante, porque, como veremos, a ideia de um plano
cia das tradições do regime imperial. nacional de educação antecedeu, em muito, as primeiras
O positivismo de Benjamin Constant, embora radical nas tentativas de formulação de um plano. Foi preciso um
reformulações propostas, teve pouca duração em seus longo período de maturação para que se formulasse
efeitos. Nem mesmo a ampla autonomia concedida aos explicitamente a necessidade nacional de uma política de
estados em matéria de ensino secundário e superior educação e de um plano para implementá-la. Como vimos,
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
brevemente, na década de 1920 a questão educacional indivíduo à sua educação integral, cabe evidentemente ao
amadureceu e chegou à percepção coletiva da educação Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um
como um problema nacional. plano geral de educação...’
1.2.1 Manifesto dos Pioneiros ‘A estrutura do plano educacional corresponde, na
A Revolução de 1930 foi o desfecho “natural” das crises hierarquia de suas instituições escolares (...) aos quatro
políticas e econômicas que agitaram com intensidade grandes períodos que apresenta o desenvolvimento
crescente a década de 1920. Compôs-se, então, o quadro natural do ser humano. É uma reforma integral da organi-
histórico propício à transformação da educação no Brasil zação e dos métodos de toda educação nacional (...)’
em um efetivo problema nacional. Além da profunda crise ‘Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades
internacional que afetara também o Brasil, a urbanização de toda a ordem que apresenta um plano de reconstrução
crescente foi um elemento decisivo para a percepção educacional de tão grande alcance e de tão vastas
coletiva da educação como meio importante para uma proporções. (...) O próprio espirito que o informa de uma
ascensão social cada vez mais difícil. Em 1932, um grupo de nova política educacional, com sentido unitário e de bases
educadores e homens de cultura conseguiu captar na sua científicas (...) tornará esse plano suspeito aos olhos dos
inteireza esse anseio coletivo e lançou um manifesto ao que, sob o pretexto e em nome do nacionalismo, persistem
povo e ao governo que ficou conhecido como “Manifesto em manter a educação, no terreno de uma política empíri-
dos Pioneiros da Educação Nova”, com redação de Fernan- ca, à margem das correntes renovadoras de seu tempo".
do de Azevedo e a assinatura de 25 homens e mulheres da Esses trechos mostram claramente que o “Manifesto” era
elite intelectual brasileira. Trata-se de um documento que ao mesmo tempo uma denúncia, a formulação de uma
extravasa o “entusiasmo pela educação” e o “otimismo política educacional e a exigência de um “plano científico”
pedagógico” que J. Nagle detectara na década de 1920. para executá-la, livrando a ação educativa do empirismo e
A importância do “Manifesto” tem sido, algumas vezes, da descontinuidade. O documento teve grande reper-
minimizada pela arrogância dos patrulheiros ideológicos, cussão e motivou uma campanha que repercutiu na Assem-
mas é fora de dúvida que se trata de um documento que bleia Constituinte de 1934, que “... acolheu a ideia de um
constitui marco histórico na educação brasileira, por várias plano nacional de educação, a ser fixado pela União,
razões. Dentre elas, sobreleva o fato de que se trata da atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a competência
mais nítida e expressiva tomada de consciência da para organizar e manter sistemas educativos nos territórios
educação como um problema nacional. Além disso, o “Man- respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
dades e níveis. Os currículos todos eram estabelecidos e do R. Moreira, pode-se dizer “...que o setor de educação
até mesmo o número de provas, os critérios de avaliação, entrou no conjunto do Plano de Metas pressionado pela
etc. compreensão de que a falta de recursos humanos qualifica-
Contudo, para os objetivos deste trabalho, é importante dos poderia ser um dos pontos de estrangulamento do
chamar a atenção para os dois primeiros artigos dos 504 desenvolvimento industrial previsto".
que compuseram o Plano de 1937: Mesmo que a Constituição de 1946 não tivesse feito
• Art. 1o – O Plano Nacional de Educação, código da referência expressa à formulação de um Plano Nacional de
educação nacional, é o conjunto de princípios e normas Educação, essa exigência acabou surgindo na Lei no 4.024
adotados por esta lei para servirem de base à organização e de 1961 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A
funcionamento das instituições educativas, escolares e propósito desta lei, é interessante notar que o anteprojeto
extraescolares, mantidas no território nacional pelos pode- original, preparado por uma comissão especial, que teve
res públicos ou por particulares. como relator o professor Almeida Jr., um dos signatários do
• Art. 2o – Este Plano só poderá ser revisto após vigência de “Manifesto” de 1932, não fez menção a planos de
dez anos. 11 educação. Mais ainda, na sua resposta ao Parecer Capane-
Nesses artigos, há três pontos que convém destacar porque ma, Almeida Jr. fez referência elogiosa ao fato de que na
eles revelam uma concepção de plano que persistiu, pelo Constituinte de 46 tivesse sido abandonada a ideia de um
menos em parte, em iniciativas e leis posteriores: plano nacional. Mas, embora não constasse do anteprojeto
a. O Plano de educação identifica-se com as diretrizes da original, a exigência de um plano foi incluída no terceiro
educação nacional. substitutivo da Comissão de Educação e Cultura, que afinal
b. O Plano deve ser fixado por lei. transformou-se na Lei no 4.024/61. Nesse ponto, convém
c. O Plano só pode ser revisto após uma vigência prolonga- observar que, com relação a vários aspectos, o substitutivo
da. transformado em lei era muito menos interessante do que
O primeiro ponto foi abandonado pela Constituição de o anteprojeto original.
1946, que nem mesmo se referiu ao Atente-se, por exemplo, para a própria concepção do que
52 deveria ser uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação
52 Nacional. Segundo o Relatório Geral da Comissão que
plano de educação, mas estabeleceu a necessidade de elaborou o anteprojeto: “Diretriz” é linha de orientação,
fixação de diretrizes e bases da educação nacional. Essa norma de conduta, “Base” é a superfície de apoio, funda-
fixação, em 1961, pela Lei no 4.024, incumbiu o Conselho mento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as
Federal de Educação de elaborar o Plano de Educação para minudências do caminho. Esta significa o alicerce do
os recursos dos ensinos primário, médio e superior agrupa- edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce está
dos nos respectivos fundos nacionais. Houve aí uma impor- construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretrizes
tante modificação na ideia do Plano de 1937: diretrizes não e Bases conterá tão-só os preceitos genéricos e fundamen-
são planos e, nessas condições, plano vem a ser simples tais".
esquema distributivo de recursos. Esse entendimento de Se essa concepção tivesse prevalecido, a LDB seria
plano prevaleceu em todos os planos nacionais posteri- somente uma fixação de princípios gerais de educação
ores. brasileira. E, por serem gerais, esses princípios permitiriam
A ideia de que o plano devia ser fixado por lei prosperou de a elaboração, em níveis estaduais, de políticas de educação
certo modo e nunca mais foi inteiramente abandonada. O também de “rumos gerais” e, por isso mesmo, capazes de
seu primeiro retorno ocorreu em 1967, quando o Ministério se afeiçoarem às características de cada estado sem deixar
da Educação promoveu os Encontros Nacionais de Planeja- de integrar-se numa política nacional. Aliás, a obediência
mento da Educação, cujo objetivo era discutir um antepro- ao princípio federativo era o propósito da comissão relato-
jeto de lei fixando o Plano Nacional de Educação. ra do anteprojeto, quando disse que “... o que fica claro é
Houve outras resistências, além da de São Paulo, e a inicia- que a função de organizar o respectivo sistema de ensino
tiva não teve seguimento. Porém, a Constituição Federal de cabe privativamente a cada Estado, e que a lei federal de
1988 retomou a ideia de que o Plano de Educação deve ser Diretrizes e Bases, se interferir
estabelecido por lei (art. 53
214) e a de São Paulo (1989) seguiu lhe os passos (art. 53
241). nessa matéria, violará a Constituição".
1.3 Diretrizes e Bases da Educação Nacional No quadro dessa concepção, que lamentavelmente não
Após o anteprojeto de plano de 1937, a ideia de um Plano prevaleceu, as relações entre os conceitos de política
Nacional de Educação permaneceu sem efeito até 1962, educacional e de plano de educação seriam conciliáveis
quando foi elaborado e efetivamente instituído o primeiro não apenas de um ponto de vista lógico, como também
plano nacional governamental. Embora Lafer entenda que numa perspectiva de integração da ação governamental na
o governo Kubitschek empreendeu, pela primeira vez, um área da educação.
planejamento global de governo, com relação à educação Porém, se a LDB afinal aprovada (Lei no 4.024/61) distan-
não houve nada, nesse período, que correspondesse aos ciou-se muito da clareza e da sensatez do anteprojeto
reclamos anteriores de um Plano Nacional de Educação. No original, a lei que a sucedeu e substituiu em parte (Lei no
Plano de Metas, a educação era a meta número 30 e, segun- 5.692/71) agravou sobremodo a situação eliminando
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
qualquer possibilidade de instituição de políticas e planos elaborados, parcialmente executados, revistos e abando-
de educação como instrumentos efetivos de um desen- nados reflete não apenas os males gerais da administração
volvimento desejável da educação brasileira. A Lei no pública brasileira, como também o fato de que na
5.692 aproximou-se muito, nas suas minudências regimen- educação, pela razão de ela nunca ter sido realmente
tais, do natimorto Plano de Educação Nacional de 1937. prioritária para os governos, as coordenadas da ação gover-
Nada tem a ver com uma Lei de Diretrizes e Bases concebi- namental no setor ficavam bloqueadas ou dificultadas pela
da em termos de princípios gerais e consagrou novamente falta de uma integração ministerial.
a ideia de plano como distribuição de recursos. Em consequência disso e de outras razões, sobretudo
1.4 Plano Nacional de Educação de 1962 e suas Revisões políticas, o panorama da experiência brasileira de planeja-
Como já vimos, a exigência de um plano foi afinal incluída mento educacional é, na opinião de Moreira e de outros
no texto da Lei no 4.024, mas, na fórmula aprovada, suprim- autores, um quadro claro de descontinuidade administrati-
iu-se o termo “nacional” porque ele “não se coadunaria, va, que, no fundo, fez dessa experiência um conjunto
certamente, com as teses de descentralização e liberdade fragmentário e algumas vezes incoerente de iniciativas
do ensino que acabaram por se impor, em larga medida, na governamentais que nunca foram mais do que esquemas
referida lei". Contudo, o primeiro plano feito na sua vigên- distributivos de recursos. É claro que distribuição de recur-
cia estabeleceu o adjetivo. Esse foi, de fato, o primeiro sos pressupõe opções e, portanto, de certo modo, uma
Plano Nacional de Educação, porque o de 1937 não política de educação. Mas não no sentido das aspirações do
ultrapassou a fase de anteprojeto. A comparação entre os “Manifesto dos Pioneiros”, isto é, de estabelecimento claro
dois é interessante porque exibe uma alteração conceitual de princípios e rumos da educação nacional.
importante. O Plano de 1937 pretendia ser uma ordenação 1.6 A Crença numa “Ciência” do Planejamento
legal da educação brasileira e não apenas uma operação Essa crença se funda na ideia de que o desenvolvimento da
distributiva dos recursos a serem aplicados à educação. ciência é um simples resultado da aplicação na investi-
Aliás, nele a distribuição de recursos ficava fora do que se gação de métodos adequados. Todavia, hoje, historiadores
chamou Plano de Educação Nacional e era atribuição do e filósofos da ciência veem com extrema cautela e até
órgão que seria o Conselho Nacional de Educação. desconfiança a afirmação de que o desenvolvimento da
O Plano de 1962, elaborado já na vigência da primeira Lei ciência seja simples efeito da aplicação de métodos gerais
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tinha outro identificáveis, codificáveis e por isso mesmo trans-
caráter. Era basicamente um conjunto de metas quantitati- missíveis. É claro que há muitos métodos para fazer muitas
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
parcelas do trabalho científico. Mas entre isso e a admissão planos devem servir. A propósito, convém lembrar que, já
de que há um saber geral sobre planejamento e que o em 1968, dizíamos que “O estabelecimento de um plano de
domínio desse saber torna indivíduos aptos a “planejar em educação implica, preliminarmente, a definição de uma
geral” há uma grande distância. política educacional (...) Nesses termos, um plano de
1.7 A Autonomia do Conceito de Plano de Educação educação se define como um conjunto de medidas de
Ao longo desta exposição, ainda não fizemos uma tentativa natureza técnica, administrativa e financeira – a serem
maior de clarificação dos significados de termos como executadas num certo prazo – e selecionadas e escalona-
política de educação e plano de educação. das a partir de uma política educacional. Esse conceito de
Mas nas rápidas descrições já feitas, percebe-se que houve plano tem a sua principal vantagem no fato de pôr em
uma variação conceitual deles desde o “Manifesto”. Neste relevo o que é realmente imprescindível: a definição de
preconizava-se uma política de educação para os diversos uma política educacional.".
níveis de ensino e um planejamento científico que conduz- Essa manifestação foi feita a propósito do esforço que
isse a educação brasileira nos rumos assinalados. estava sendo desenvolvido, à época, pelo Ministério da
No Plano de 1937, essa concepção se alterou e a ideia de Educação para fixar, por lei, um novo plano de educação.
plano compreendeu uma política de educação que se Iniciativas nesse sentido pressupõem a autonomia da ideia
traduzia numa ordenação legal de toda a educação brasilei- de plano com relação à ideia de política educacional. Tal
ra. pressuposição é falsa e essa falsidade é expressão da
A comissão que preparou o anteprojeto da primeira Lei de crença de que há uma ciência do planejamento e que por
Diretrizes e Bases nem mesmo isso a boa condução dos negócios públicos deve se fundar
55 na sua aplicação.
55 Nessas condições, a maneira pela qual o assunto foi tratado
se referiu a planos e a preocupação foi a indicação de nas Constituições federal e estadual sugere uma aceitação
rumos para a educação, isto é, a fixação de uma política ingênua de autonomia do conceito de plano que pode gerar
geral de educação. Na discussão do anteprojeto, a ideia de confusões antes do que favorecer uma racionalização de
plano se introduziu, mas a própria lei não tratou maior- esforços, que é o propósito básico de todo o planejamento.
mente do assunto e deixou a sua elaboração para o Consel- 1.8 A Eliminação de Obstáculos ao Planejamento
ho Federal de Educação. Como já vimos, a descontinuidade administrativa tem sido
O primeiro plano – o de 1962 – e suas revisões foram apontada como a causa principal do malogro parcial ou
planos de metas distributivas de recursos coerentes com os total de planos de educação no Brasil. Já o “Manifesto”
rumos estabelecidos na Lei no 4.024. Nos demais planos denunciava o caráter fragmentário da ação governamental,
que se sucederam permaneceu essa característica do plano atribuindo-o à inexistência de planos. Mas é claro que a
como esforço distributivo de recursos e, vez por outra, este simples existência de planos, por si só, não assegura a
esforço vinculou-se a estímulos para uma alteração de continuidade da ação governamental, que fica na
rumos em alguns aspectos da política educacional de certo dependência de condições de estabilidade política e
modo implicada pelos dispositivos da LDB vigente. administrativa. Ora, às vezes, nem no âmbito de um mesmo
Com a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases governo é possível reunir essas condições de estabilidade.
em 1971, houve alterações radicais na política educacion- Em 1962, em trabalho apresentado numa Conferência
al. As mais profundas foram a fusão dos antigos ensinos Internacional das Nações Unidas, na Suíça, Jayme Abreu,
primário e ginasial num curso único de oito anos e a reorga- numa comunicação sobre os obstáculos ao planejamento
nização de todo o ensino de 2º grau (antigo colegial) para educacional, apontou, dentre outros, os seguintes: “...
dar-lhe feição terminal profissionalizante. Não é aqui dificuldades resultantes de instabilidade política” e “...
oportuno avaliar essas mudanças de rumo da política dificuldades da parte dos staffs administrativos tradiciona-
educacional, mas apenas assinalar que os planos de is e da opinião pública".
educação subsequentes se ajustaram em maior ou menor 56
grau a essas mudanças. 56
O ponto a que queremos chegar é o seguinte: em todas as É interessante observar que, nesse trabalho, as afirmações
experiências brasileiras de planejamento, os planos, bem de Abreu não se fundavam na experiência brasileira de
ou mal, ligavam-se à política de educação expressa ou planejamento educacional (o primeiro plano estava sendo
pressuposta nos textos das Leis de Diretrizes e Bases. Nas proposto), mas deviam refletir alegações que vinham
atuais Constituições federal e estadual, a obrigatoriedade sendo repetidas em encontros internacionais de especial-
do plano – a ser instituído por lei – ganha uma autonomia istas em planejamento. Numa outra reunião internacional,
que sugere uma nova alteração conceitual do termo. A Gabriel Betancur Mejia disse que “... uma das causas que
Constituição federal faz referência a alguns rumos gerais mais influem na lentidão do avanço educativo é a instabili-
da ação pública em educação e a estadual diz que na elabo- dade pessoal, dos planos e dos programas".
ração do plano devem ser “considerados diagnósticos e De outra parte, não devemos simplificar excessivamente as
necessidades apontados nos Planos Municipais de coisas e considerar, invariavelmente, a descontinuidade
Educação”. administrativa como um mal a ser eliminado. Eventual-
Contudo, essas vagas referências não chegam a se constitu- mente, o prejuízo maior poderia estar na continuidade.
ir numa indicação clara da política de educação a que esses Além disso, é necessário lembrar que o anseio de racionali-
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
dade, que motiva as tentativas de supressão da descon- democrática apenas poderá fixar diretrizes gerais, deixan-
tinuidade e de outros obstáculos ao planejamento, pode do tudo o mais, que é a vida das escolas, ser decidido por
ter o seu preço no estabelecimento de restrições a elas próprias, respeitada a orientação contida nas diretriz-
mecanismos ou condições essenciais da própria vida es. Quando o problema é posto nesses termos evita-se o
democrática. A instabilidade da hegemonia dos agrupa- dilema antes referido. A autonomia das escolas tem seu
mentos políticos é uma dessas condições essenciais e a fundamento na exigência ética de que a ação educativa não
descontinuidade da ação administrativa pode ser, muitas se reduza ao mero cumprimento de horários e de execução
vezes, simples decorrência inevitável das vicissitudes da de tarefas determinadas por órgãos exteriores à institu-
prática da democracia. Nessas condições, a eliminação da ição. A ação educativa, tanto na sua dimensão individual
descontinuidade pode ser não-desejável, porque implicar- como coletiva, requer uma consciência clara dos objetivos
ia restrições políticas indesejáveis. educacionais e dos valores a eles ligados. Sem essa
Aliás, F. Hayeck, já em 1944, fazia uma advertência nesse consciência não é possível definir responsabilidades num
sentido, quando disse que “cresce a convicção de que, para sentido ético e social. Analogias entre escolas e empresas
se realizar um planejamento eficaz, a gestão econômica poderão obscurecer esse aspecto fundamental da
deve ser afastada da área política e confiada a especialistas educação.
– funcionários permanentes ou organismos autônomos e Eventualmente, escolas às quais se permita a autonomia de
independentes". decisão e de ação poderão encontrar dificuldades para
Ao fazer essa advertência, Hayeck tinha diante dos olhos a atingir níveis de desempenho exteriormente fixados. Isso
ascensão nazifascista como também opiniões de pensa- não tem maior importância. Hipotéticos níveis de eficiência
dores políticos de esquerda, como Harold Laski, que, alguns que seriam alcançáveis se houvesse uma orientação rígida
anos antes, dissera, a respeito da situação inglesa: “É e centralizada não podem justificar, da parte de órgãos
sabido que o atual mecanismo parlamentar é bastante centrais, tentativas de intervenção e de correção. Já dizia
inadequado à aprovação de um volumoso corpo de leis Bacon que a verdade brotará mais facilmente do erro do
complexas. O Governo, na verdade, basicamente admitiu que da confusão. É preciso deixar que as escolas corrijam
isto ao implementar suas medidas econômicas e tarifárias, os seus próprios erros, quando for o caso, mas não convém
não por meio de um debate pormenorizado na Câmara dos que aqueles que educam fiquem confundidos e inseguros a
Comuns, mas por um sistema de delegação de função legis- respeito de suas intransferíveis responsabilidades na ação
lativa". educativa.
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
ou, mais especificamente, num determinado país”. Como uma reavaliação estratégica do Ministério da Educação na
nas demais políticas sociais, trata-se da aplicação da racio- organização dos poderes, e que passa a ser subordinado ao
nalidade científica no campo da educação, reforçada pela Ministério do Planejamento. Ora, como se sabe, este
Constituição Brasileira de 1934 e cuja responsabilidade de ministério não é rico em educadores, e sim em economistas
sua elaboração caberia ao Conselho Nacional de Educação. para os quais, nem sempre os objetivos da educação são
Criado em 1931, reorganizado em 1937 sob a orientação considerados prioritários em termos de planejamento
do Ministro Gustavo Capanema para elaborar o Plano global. Esta tendência é clara na Lei 5.692/71, ao definir em
Nacional de Educação, chamado “Código da Educação seu artigo 53 que “O planejamento setorial da educação
Nacional”, o Conselho Nacional de Educação sofreu com a deverá atender as diretrizes e normas do plano-geral do
ação do Estado Novo que encerra a pretensão do governo governo, de modo que a programação dos órgãos da
em criar um Plano Nacional. Para Dermeval Savianni: educação superior do Ministério da Educação e Cultura se
“enquanto para os educadores alinhados com o movimento integre harmonicamente nesse plano geral”
de introdução da racionalidade cientifica na Política Educa- No campo da educação, os planos correspondentes aos
cional, para Getúlio Vargas e Gustavo Capanema o Plano se Planos Nacionais de Desenvolvimento denominavam-se
convertia em instrumento destinado a revestir de racionali- Planos Setoriais de Educação e Cultura. Ora o plano é o
dade o controle político-ideológico exercido através da instrumento para introduzir a racionalidade cientifica na
política educacional”. educação, ora é um instrumento da racionalidade
A ambição de Capanema era redefinir o arcabouço da tecnocrática. Com a nova República, elaborou-se o Plano
educação nacional através da promulgação de uma lei geral Educação Para Todos, projeto que o Governo Tancredo
de ensino – um Código de Educação Nacional – que Neves pretendia pôr em ação. Substituído pelo I Plano
construísse a base da ação de governo no âmbito educacio- Nacional de Desenvolvimento da Nova República
nal. Isto envolveria promulgar um Código Nacional de (1986-1989), terminou por repassar aos estados recursos
59 de forma clientelista. Para Acácia Kunzer
59 “Passou-se desta forma, de uma estratégia de formulação
Educação, Leis Orgânicas do Ensino (Municípios), e estraté- de políticas, planejamento e gestão tecnocrática, concen-
gias de orientação e controle das atividades de ensino, nas trada no topo da pirâmide no governo autoritário, para o
instituições particulares e públicas. Entretanto, nenhuma polo oposto, da fragmentação e descontrole, justificado
das reformulações legais foi implementada. No período pela descentralização, mais imposto e mantido por
que se seguiu, entre 1946 e 1964, a contradição de base do mecanismos autoritários”
processo educativo centrou-se entre A entrada na década de 1990 é marcada pela elaboração
“as forças que se aglutinaram sob a bandeira do nacionalis- pelo MEC do Plano Decenal de Educação para Todos.
mo desenvolvimentista que atribuíam ao Estado a tarefa de Elaborado em 1993 destinou-se a diagnosticar a situação
planejar o desenvolvimento do país libertando-o da do ensino fundamental no Brasil e delinear estratégias para
dependência externa, e aquelas que defendiam a iniciativa “universalização da Educação fundamental e erradicação
privada se contrapondo a ingerência do Estado na econo- do analfabetismo”. O documento tomou como base a
mia e aquilo que taxavam de monopólio estatal do ensino” Declaração Mundial sobre Educação para Todos, proclama-
Santiago Dantas era o porta-voz da primeira tendência na da na reunião de março de 1990 na Tailândia. Como outros
Câmara dos Deputados, defendendo no debate que se projetos do governo, ao longo do tempo, não saiu do papel.
travou por ocasião da primeira LDB a necessidade de criar A apresentação de dois planos ao Congresso Nacional, um
um sistema de ensino voltado para as necessidades nacio- do governo e outro da sociedade civil, evidenciou o acirra-
nais. Entretanto, ao longo dos debates, prevaleceu a mento do conflito entre duas propostas de educação – a
tendência privatiza, que defendia a liberdade de ensino e o proposta liberal corporativa e a proposta democrática de
direito da família de escolher a educação dos filhos e não a massas. Assinala Neves
obrigação do estado em oferecer educação nacional “nossa ”Esses embates sucessivos, quer no âmbito da tramitação
primeira LDB ficou reduzida a instrumento de distribuição no Congresso da nova LDB, quer na definição da política
de recursos para diferentes níveis de ensino. De fato, educacional na aparelhagem estatal e na sociedade civil
pretendia-se que o plano garantisse acesso das escolas neste final de século, podem ser divididos em dois momen-
particulares, em especial, as católicas, aos recursos públi- tos: um que vai da promulgação da Constituição de
cos destinados à educação”, assinalam Dermerval Savianni. 60
A primeira referência a ideia de Plano Nacional no contexto 60
do autoritarismo aparece na primeira LDB, em seu art. 92, 1988 até a eleição do sociólogo Fernando Henrique Cardo-
que determina que o Conselho Federal de Educação so para a Presidência da República em 1994 e outro que vai
elabore o Plano de Educação referente a cada fundo de da sua posse até o envio ao Congresso Nacional desses dois
financiamento de ensino. “Nesse caso o conceito de Planos”. De fato, a Constituição previa a necessidade de um
“Plano” já assume o significado estrito de forma de plano Nacional de Educação que fosse plurianual e
aplicação de determinado montante de recursos finan- promovesse a articulação do ensino em todos os seus
ceiros, assinala Saviani. Para o autor, é importante acom- níveis. O projeto deveria possibilitar a articulação das três
panhar que o planejamento educacional aos poucos será esferas de poder para a erradicação do analfabetismo, a
transferido dos educadores para os tecnocratas e será feita universalização do atendimento escolar e melhoria da
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
qualidade de ensino. Não era uma solução muito viável, por jaquetões da política. Seu estandarte de auto divulgação,
que deixava para um futuro impreciso a definição de um fincado mais no solo da indignação moral que no da racio-
projeto global de educação. Durante a Constituinte, o nalidade política, era o do combate aos servidores públicos
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública construiu um com proventos faustosos. Prometia acabar com os salários
projeto educacional e democrático de massas, que foi robustecidos por manhas burocráticas. Acabar com o nepo-
encaminhado pela primeira vez pelo Deputado Otávio tismo que pendurava apaziguados de políticos na máquina
Elísio (PMDB/MG), o projeto de lei 1258. Nesse projeto de do estado. Ele ia botar relógio de ponto e fazer todo mundo
diretrizes e bases, o deputado dizia em seu artigo 80, que trabalhar. Fernando Collor de Mello foi eleito governador
seria privativo do Congresso Nacional a elaboração do aos 37 anos por que construiria essa mensagem contra uma
PNE.”A escolha do congresso procurava, certamente, garan- casta de privilegiados, os marajás. E por que soube
tirão processo da elaboração do PNE, ao menos, o mesmo propagá-la na campanha eleitoral e, antes dela, no jornal,
nível de participação política conquistado pela sociedade nas rádios e na televisão de sua família”.
no decorrer do processo constituinte, no momento em que Com sua eleição, e as medidas e estratégias que tomou nos
este Congresso teve ampliada suas prerrogativas consti- anos iniciais de seu governo, colaborou na formação da
tucionais” Ou seja, em suas origens, a proposta de um PNE base política na qual Itamar, e principalmente, Fernando
na década de noventa estava ligada a ampla participação Collor de Mello irão se apoiar: o prussianismo, governo
da sociedade, educadores e responsáveis pela gestão forte em detrimento do parlamento, a tendência a
pública da educação, por meio da Câmara de Educação da 61
Câmara Federal. De fato, á época, existia um amplo censo 61
sobre o patamar mínimo de escolarização, reivindicação provocar um desequilíbrio de poder em favor do Estado; a
não apenas do campo liberal corporativo, como também do instalação de mecanismos transformistas, tentando obter
campo democrático de massas. cooperação e favores clientelistas para o governo e formas
O fórum em defesa da escola pública, consolidado a partir de populismo na qual o presidente tenta um vínculo entre
do encaminhamento da LDB, mas também preocupado com o líder e a massa atomizada, sem os partidos. A herança
os princípios a serem definidos para o PNE, foi assimilado será plenamente adotada por FHC: a adoção de mecanis-
pelo Fórum Nacional de Educação, criado como instancia mos para aprovação junto ao poder legislativo de suas
obrigatória do Sistema Nacional de Educação para a formu- medidas, fará do governo Collor de Mello o grande profes-
lação da política educacional. “O fórum seria promovido e sor dos governos neoliberais. Collor inicia, portanto, um
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
projeto de Darcy Ribeiro já inclui, entre suas prerrogativas, ideia de um projeto geral perde espaço para soluções
a determinação a União, Estados e municípios na elabo- tópicas para a educação do trabalhador, desvinculadas de
ração do PNE, que deve ser feito em sintonia com a uma política educacional abrangente quanto as condições
Declaração Mundial sobre Educação para Todos, redirecio- de ensino da população, contribuindo para diluir o poder
nando as prioridades do PNE estabelecidas pela constitu- de mobilização do conjunto dos trabalhadores em
ição, reforçada pela versão final da LDB. Ou seja, para educação. Fez parte desse processo, a submissão do novo
Neves, “a redefinição de prioridades educacionais na Conselho Nacional de Educação as prerrogativas de FHC,
direção dos objetivos dos organismos internacionais só se através da lei 9.131, de 24 de novembro de 1995, quando
efetiva sistematicamente no governo FHC.” De fato, o perdeu toda sua autonomia e transformou-se “em órgão
Plano Decenal de Educação para Todos do Governo Itamar colaborador do Ministério da Educação na formulação e na
Franco, representou um acordo entre as instancias ‘dos avaliação da política nacional de educação”, condição que
trabalhadores em educação e o mercado. A ampla partici- lhe caberá na execução do novo PNE.
pação popular não significou o abandono da natureza O estreitamento do espaço de negociação pelo PNE dá-se
neoliberal do plano, apenas o sucesso, num primeiro quando FHC desconsidera a discussão travada no Congres-
momento, do pacto social, concomitante a discussão da so Nacional sobre o PNE. O governo, ao conquistar a
LDB. Não era um programa suficiente: sua pretensão era submissão do CNE, revela-se dotado de amplos poderes na
apenas com a educação básica, prioridade de Itamar Franco definição da política educacional. A nova LDB faz o golpe
naquele momento. A respeito conclui Neves de misericórdia, ao eliminar o Fórum Nacional de Educação,
“De fato, o Plano Decenal de Educação para todos não se órgão de articulação da sociedade, transformando o MEC
constituiu em mais uma etapa da discussão que vinha se no único autor da PNE. Para Horta:
travando na sociedade brasileira desde meados dos anos “O Plano Nacional de Educação previsto na LDB não se
1980. Ele se consubstanciou, na verdade, no resultado de confunde com o Plano Nacional de Educação previsto na
um acordo selado pelo Brasil em nível internacional, sob a Constituição de 1988. A constituição prevê o estabeleci-
orientação da ONU. Suas diretrizes fazem parte de uma mento de um plano de educação visando a articulação e ao
estratégia global de educação com a finalidade de satisfaz- desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis,
er as necessidades básicas de aprendizagem dirigidas a enquanto que o Plano de Educação previsto na LDB se
nova fase de desenvolvimento mundial, dos povos dos refere, sem dúvida, a educação básica, como se pode dedu-
países subdesenvolvidos, e principalmente, das popu- zir da referência a Declaração Mundial sobre Educação para
lações que vivem em situação de pobreza e de pobreza Todos. Nesta perspectiva, o Congresso Nacional continua
extrema”. com o dever constitucional de aprovar um Plano Nacional
Lucia Neves critica o apoio dado pela CUT e CNTE ao Plano de Educação e, por conseguinte, com a competência legal
Decenal por que revelam o desconhecimento da ideia de desencadear o processo de sua elaboração”
subjacente de Pacto Social como estratégia de negociação, Enquanto que o MEC elabora sua proposta de Plano Nacion-
a prioridade da educação básica e a luta pela defesa de um al de Educação e encaminhou ao Congresso Nacional, incor-
piso salarial nacional para as categorias. O acordo foi porando contribuições do Plano Decenal de Educação, o
selado durante a realização da Conferencia Nacional de Congresso Nacional acolheu uma proposta de Plano Nacio-
Educação para Todos, em Brasília, em 1994, “portanto, a nal elaborada pela sociedade civil. É o último suspiro
dois meses da sucessão presidencial, quando as pesquisas contra a deslegitimação, por parte do governo, da proposta
de opinião já definiam claramente a preferência do eleito- dos trabalhadores autônomos para o PNE. Mas o contexto é
rado em relação ao candidato continuísta e sua proposta frágil para as organizações de trabalhadores em educação.
neoliberal de governo”. No dia 15 de outubro de 1994, dia O governo FHC conta com um consentimento maior da
dos professores, é firmado o Pacto pela Valorização do população em geral, e amplo espaço de divulgação de suas
Magistério e Qualidade de Educação, que fixou o piso políticas nos meios de comunicação de massa.
salarial do magistério em R$ 300,00, a ser implementado A primeira diferença, aponta Neves, reside na forma de
gradualmente em todo o país, assinado no dia 19, pelo participação da sociedade civil. O governo consulta a socie-
ministro da Educação Murilo Hingel. Um ano após o Pacto, dade civil, enquanto o da sociedade civil é referendado
FHC firma em 2 de setembro de 1995, um novo acordo, que pelos participantes do II Congresso Nacional de Educação,
resulta no Manifesto pela Educação, que defende a criação que define coletivamente, diretrizes e metas da educação
de um fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental escolar. A segunda diferença está nos objetivos. O plano do
e Valorização do Magistério, e numa tacada, exclui a possib- governo é um “instrumento capaz de fortalecer e impul-
ilidade de criação de um piso nacional unificado. A sionar as mudanças já desenhadas pelas atuais políticas
mudança nas regras agrava a desmobilização, como assina- educacionais. Na proposta do PNE da sociedade, esse plano
la Neves, e permite a FHC a redirecionar os objetivos para a se constitui em referencial de atuação política que tenha
constituição de um Plano Nacional de Educação. A estraté- como pressupostos: Educação, Democracia e Qualidade. “
gia é utilizar mecanismos autoritários para a gestão de Para Neves, finalmente, a principal diferença está no fato
iniciativas educacionais junto a iniciativa privada, e, garan- de que no plano da sociedade, as entidades empresariais
tir mecanismos de consentimento popular, através dos que só participaram efetivamente do plano do governo
programas Comunidade Solidária e, recentemente, com estiveram excluídas, cedendo espaço as organizações de
Amigos da Escola, parceria com as Organizações Globo. A trabalhadores em educação.
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
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EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
fora foi uma proposta vencida no interior do congresso 5. acompanhamento da execução do PNE pelo Poder Legis-
nacional. A razão é a forma de intromissão do lativo: como o artigo 49, X, em seus
Executivo nos assuntos legislativos, a partir de sua base artigos 70 e 74 determina o papel fiscalizador da Câmara e
aliada. As características da proposta do do Senado, o PNE aplica a
governo, aprovada, são o objeto da próxima aula. determinação a sua execução. O que significa um papel
A divergência de interpretações entre os diferentes planos ativo para as Comissões de
pode ser observada pelos Educação do Senado e da Câmara Federal.
argumentos de defesa e crítica. Na defesa realizada por 6. Envolve a sociedade como um todo: para Didonet, o fato
Para Vidal Didonet, Assessor Especial da de que a educação é uma
Comissão de Educação da Câmara Federal para o Plano responsabilidade do estado e da sociedade, convém para
Nacional de Educação, seu autor dar liberdade a iniciativa privada,
enumera seis características que marcam a relevância do “respeitada certas condições”. Prevê, portanto, “a partici-
plano. Elas são o que o distinguem pação e no acompanhamento e na
de todos os outros planos já elaborados e podem ser avaliação, entre outras, das entidades da comunidade
sintetizados no que segue: educacional”.
1. aprovação pelo poder legislativo: Para Didonet, o fato de A caracterização realiza Ivan Valente em “Para um balanço
ser aprovado pelo Poder Legislativo do PNE” é totalmente
(Câmara dos Deputados e Senado Federal) amplia seu grau distinta. Professor, deputado federal pelo PT de são Paulo,
de legitimidade social. encabeçou a apresentação do PL
Reconhece a bem da verdade que, “embora o produto final 4155/98, que apresentou o PNE da Sociedade Brasileira a
das propostas ali discutidas Câmara dos Deputados. A posição de
dependa da correlação de forças existentes nas duas Casas Valente é a da critica ao atual plano. Para ele, o Plano
Legislativas, em que grupos reduziu-se de uma tarefa de Estado às razões
hegemônicos logram aprovar o que desejam, a experiência de governo, submisso as exigências do OMC, FMI e Banco
tem demonstrado que a Mundial. A proposta da sociedade havia
negociação possibilita avanços”. sido elaborada coletivamente em II Congressos nacionais
2. cumpre um mandato constitucional legal: ainda que de Educação, entre 1996 e 1997, em Belo Horizonte, com
desde a Constituição de 1934 cerca de cinco mil pessoas, cada um, de todo o país. Ele
previsse o PNE, somente após 66 anos ele é cumprindo, entrou em tramitação no dia 10 de fevereiro de 1998. No
atendendo os preceitos da dia seguinte, o governo desengaveta seu projeto e
Constituição Federal e LDB, que determinaram a aprovação apresenta-o ao plano, sendo anexado ao PNE em discussão.
do PNE por lei. Assim, o PNE “A proposta governamental foi elaborada à moda
aprovado pressupõe que a iniciativa deva ser fundada na tecnocrática, com restrita audiência social e política, de
iniciativa social, e não da modo a garantir o essencial da política do Banco Mundial,
criatividade dos políticos. Sob este aspecto, observar, agência que, como foi anteriormente assinalado em dando
adiante, argumento de Ivan Valente. a tônica do elenco de medidas implementadas, para todos
3. vigência por uma década: Para Didonet, é importe o fato os níveis em modalidades e ensino, nestes anos de
de que o PNE coloca o compromisso predomínio no MEC da coligação (PSDB, PFL, PMDB e outras
para uma década. A razão é o fato da descontinuidade dos siglas), que sustenta o Executivo Federal”
projetos e programas nos Para Ivan Valente, o problema do projeto governamental
sucessivos governos. ”Dez anos é um horizonte de tempo era manter a política educacional caracterizada no central-
equilibrado para fixar metas e ismo exacerbado da esfera federal, que assume para si a
garantir resultados capazes de mudar um quadro educacio- formulação e gestão da política educacional e a política de
nal Isso não significa que no empurrar para a sociedade, aquilo que deveria ser sua
fim dos dez anos todos os problemas tenham sido resolvi- prerrogativa, a manutenção e desenvolvimento do ensino.
dos” assinala Didonet. 1. Um dos problemas que o PNE da sociedade enfrentou é
4. abrangência dos níveis e modalidades de ensino e das que o governo contava com ampla maioria na Câmara dos
áreas da administração educacional. Deputados e no Senado. Foi então mobilizado a base
Contra o tratamento da educação em segmentos governista na discussão do PNE, foi indicado Nelson
estanques, como o feito durante Marchesan (PSDB/RS) que elaborou o substitutivo à
décadas, seguindo a Constituição, o PNE determina a proposta da sociedade. Segundo Valente, “tratou-se de
harmonização das políticas, no abreviar a participação social no debate no Congresso,
campo de ‘planejamento, na destinação de recursos e fazendo preponderar nas audiências públicas os convites
definição de prioridades. “Ter em um para autoridades e técnicos vinculados a posições oficiais”.
único documento a visão diagnóstica da educação, do Ao contrário da posição otimista de Didonet, Valente
nascimento à pós-graduação, aponta uma série de características do PNE que o identifi-
permite uma analise compreensiva da problemática educa- cam a proposta neoliberal em educação:
cional brasileira, das 2. o PNE é uma proposta Frankenstein: ela simula uma
interrelações entre os níveis de ensino”. tentativa de diálogo entre o projeto produzido no interior
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
do movimento social, no que se refere à extensa parte de Quanto à educação básica, o PNE afirma a política atual do
diagnóstico da situação da educação nacional, com a as MEC. Sua tônica é, segundo Valente, “a centralização da
metas impostas pela política neoliberal de FHC. gestão da educação e “obstaculização” das possibilidades
3. detalhismo nas prerrogativas governamentais e general- de exercício da autonomia das escolas”. O exemplo disso é
ismo ambíguo nas medidas de interesse social: para a atuação de Paulo Renato de Souza com relação ao Bolsa
Valente, o governo é preciso na centralização da política, Escola. O referido programa, exemplo de atuação no campo
como salienta na meta 8, onde prevê prazos para formu- do ensino fundamental, oferecendo míseros R$ 15,00, é
lação de projetos pedagógicos embasados nas diretrizes e totalmente capitalizado como batalha no processo de
nos parâmetros curriculares nacionais. Ao mesmo tempo, disputa do candidato à Presidência, passando ao largo da
não define prazos na meta 20, que prevê a eliminação dos discussão de ampliar o volume de recursos.
dois turnos diurnos das escolas. O ensino médio também é vítima da tensão da central-
4. retrocesso frente à Constituição Federal: na adoção dos ização e proposta de gestão não democrática. Sorrateira-
comandos dos objetivos gerais do PNE, onde não faz mente estimula a privatização disfarçada do ensino públi-
referência a erradicação do analfabetismo e universal- co, como na meta 13 “criar mecanismos, como conselhos
ização do atendimento escola, previstas na Constituição, ou equivalentes, para incentivar a participação da comuni-
que ou não são referidas, ou passam a ser tomadas como dade na gestão, manutenção e melhoria das condições de
“elevação geral do nível de escolaridade” tornando, como funcionamento da escola”, que pode incluir desde iniciati-
assinala o autor, “opaco o conteúdo do comando institucio- vas como “amigos da escola”, a propriamente, sua privat-
nal”. ização. O PNE enuncia, mas não tem como assegurar univer-
5. adoção da estratégia de ajuste estrutural imposto pelo salização do atendimento do ensino em todos os níveis.
FMI: utilizando o argumento o MEC e dos representantes do O ensino superior foi à seção que mais recebeu vetos
Banco Mundial de que “o Brasil não gasta pouco em diretos do presidente, o que transforma o projeto de
educação, ele gasta mal”, o projeto trabalha com a lógica de “metas” em lista de intenções. A política em curso é intervir
contenção ou corte dos gastos públicos na prestação dos diretamente nas universidades, como o que ocorreu no
serviços educacionais. Esmagador número de vetos do Caso da UFRJ, e assumir uma política de privatização no
presidente foi, justamente, na questão dos recursos finan- ensino superior. São estabelecidas umas séries de medidas
ceiros. sem a correspondente indicação de meios que fazem ser
6. Toma a política realizada pelo MEC como PNE: o substitu- “letra morta” as políticas para o nível superior, tanto no que
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
pesquisa. Foi vetada a meta que definia a implantação de Mundial, a privatização é um complemento, que deve finan-
planos de carreira e novos níveis de remuneração para ciar a educação profissional e o
profissionais de educação básica e finalmente, foram treinamento. Para o nível superior, a privatização é a regra,
vetados metas de financiamento: aumento do PIB investido a fim de assegurar, "em todas as
em educação, aumento dos valores mínimos por regiões", a sustentação fiscal da educação superior.
67 É o Banco Mundial que impõe a política de monitoramento
67 de insumos e resultados da
aluno e a polêmica questão da exclusão do pagamento de educação, buscando o cumprimento de "Padrões e rendi-
aposentados e pensionistas do ensino, que seriam pagãos mento" e "resultados" na educação. O
com recursos do Tesouro Nacional. Como assinala Valente, autor aponta que, no mesmo documento, "a educação
FHC “vetou tudo o que o aproximava de um plano”. básica deve ser fornecida gratuitamente,
A argumentação de base dos vetos é a submissão a Lei de mas a educação secundária e a educação superior devem
Responsabilidade Fiscal. Como se sabe, ela estabelece ser sujeitas ao pagamento de taxas.
como primeiro objetivo da administração pública a Se as taxas da educação superior são conservadas baixas,
contensão de gastos para pagar a dívida. Ela proíbe os há possibilidade do estabelecimento
governantes de planejarem seu futuro, já que planos para de um i posto de educação para graduados", diz o autor. A
dez anos (como o PNE) devem se submeter a as Leis de política do banco mundial para
Diretrizes Orçamentárias, e Plano Plurianual de Investi- educação e clara: paulatinamente incluir a educação paga,
mentos de duração de até quatro anos. Como assinala através de esquemas de empréstimos aos
Valente, “é uma lei feita para criminalizar governantes que beneficiados.
contrariem os interesses do capital financeiro(...) fiel aos De fato, a justificativa do banco para exigir políticas para a
cânones do neoliberalismo, [que] não admite outros planos educação nos diversos países
que não sejam aqueles elaborados pelas grandes corpo- do terceiro mundo, está no fato de que sua participação
rações e grupos econômicos, tratados como “mercado”. como fonte de recursos elevou-se na última
A comparação, portanto, do PNE atualmente em vigor, com década. Participando do financiamento de 2,2% dos gastos
o PNE vencido, o da sociedade brasileira, ‘’e importante mundiais de educação, o Banco subiu sua
para revelar o espírito do legislador, o lugar da questão participação de 10%, em 1980, para 27% e em 1990 corre-
educacional nas políticas de governo. Ela não contempla, spondeu a 62% do financiamento total
apesar de seus méritos, reivindicações de setores sociais. concedido por todas as agências multilaterais de educação.
“É uma espécie de” salvo conduto para que o governo Os países dependem do suporte que o
continue implementando a política que já vinha praticando banco dá para os gastos de educação e por essa razão, é
“. muito influente junto a governantes e outros
financiadores.
UNIDADE VIII 1.2 O perfil atual do financiamento da educação no Brasil
1. FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO - O problema da A principal fonte do financiamento da educação no Brasil
corrupção dada pela Constituição Federal de
Eu estaria disposto a tentar entender a economia se 1988 é a receita de impostos. No artigo 212 , a redação é
me convencessem de que alguém entende. Luis clara: "A União aplicará, anualmente, nunca
Fernando Veríssimo menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
1.1 O banco mundial e o financiamento da educação no Municípios, 25% - vinte e cinco por cento, no
Brasil mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a
Lauglo aponta que o Relatório sobre políticas do Banco proveniente de transferências, na
Mundial para o ano de 1995, manutenção e desenvolvimento de ensino". Cada nível de
intitulado "Prioridades e Estratégias para a Educação", governo deve deduzir aquela parcela da
revela que, a par uma série de elevados receita que transfere para outro nível e acrescer aquela que
objetivos contidos no documento, como a defesa da recebe.
educação como um direito e meio para A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional assinala
melhorar as condições de vida, para o autor , a inclusão da em seu art. 69 que os índices
expressão "orientação ao cliente" é mínimos são aqueles assinalados pelas respectivas Leis
expressão chave. Para o autor, "todo o processo tenderá orgânicas dos Estados ou municípios,
para o tipo de abordagem e para as ou seja, possibilita a ampliação do percentual mínimo para
prioridades que o banco quer que prevaleçam(...) a estraté- a Educação. Poderão se contabilizados
gias é induzi-lo a desenvolver os para efeito de cumprimento dos índices constitucionais os
projetos na direção que o banco, em sua sabedoria, recursos públicos destinados a escolas
estabeleceu". Entre as prerrogativas do 69
banco, estão a educação básica fornecidas para escolas de 69
ensino básico, onde devem ser privadas, comunitárias, confessionais ou filantrópicas,
destacadas disciplinas como matemática, ciências e habili- desde que comprovadamente não lucrativas e que
dades em comunicação. Para o Banco apliquem seus excedentes em educação. Elas ficam obriga-
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
das a prestar contas ao poder público, e não podem gerada no interior do Ministério da Educação devido ao
distribuir resultados, dividendos, bonificações, partici- desvio das verbas do Fundo e seus efeitos nas políticas
pações ou parcela de seu patrimônio sob nenhuma forma. educacionais. O tema foi escolhido por que permite
Como a LDB entende de forma ampla o que seja escola explorar o grau de responsabilidade das diversas instâncias
comunitária – aquela entidade que tem na direção repre- na construção da corrupção em prática no campo educacio-
sentantes da comunidade – confessionais, que além de nal. Este estudo reconstrói a história dos esquemas de
representantes da comunidade, professam ideologia corrupção que vieram à tona em 1999 e que envolveram
religiosa, e filantrópicas, as definidas por lei, na verdade governo, estados e municípios. Sua principal constatação é
adotou conceitos amplos que permitirem diversas institu- a dificuldade do ministério público em encontrar, identifi-
ições pleitearem verbas públicas. Não pouco comum a car e punir os responsáveis pela corrupção. A pergunta
existências de instituições privadas que colocam de forma central é: estaria o Fundef colaborando na formação de
inócua, representantes da comunidade, já que a lei não uma nova estrutura educacional corrupta?
define seu peso na participação nem sua forma de escolha. Sustento que para conhecermos o campo das políticas
Pelo Artigo 213 da Constituição, ainda há mais duas possib- educacionais recentes, os educadores, ou os professores da
ilidades de uso de recursos vinculados a educação, em respectiva disciplina, devem conhecer o fenômeno da
atividades universitárias de pesquisa e extensão e nos corrupção. Aliás, um tema tão importante quanto o do
gastos com bolsas de estudo para o ensino fundamental e Plano Nacional de Educação, ou a própria Lei de
médio, para aqueles que demonstrem insuficiência de 70
recursos, desde que haja vagas nos cursos 70
1.3 A corrupção na educação: o caso do FUNDEF, 1999 Diretrizes e Bases da Educação Nacional, presentes no
Cresce no meio educacional a tendência a considerar a programa da disciplina de Políticas Educacionais da Unisi-
insuficiência de atendimento do estado na educação um nos, deveria ser o da Corrupção em Educação. Um simples
problema devido a corrupção. O efeito das políticas educa- levantamento das notícias de jornal, como a que fazemos
cionais em nosso país passaria pela corrupção na aplicação neste estudo, nos mostra que a corrupção é a questão de
dos recursos. O esquema de corrupção consiste em emitir política educacional por excelência, discuti-la deveria ser
notas fiscais frias para justificar gastos, permite que o tema de nossas aulas por que somente desta forma, aban-
dinheiro dos contribuintes, repassado pela União aos donaríamos a visão que apenas a crítica e constata de
municípios, financie campanhas eleitorais ou acabe sendo forma episódica, para enfrentar conceitualmente o proble-
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
rede de canais de poder, influência e tráfico. "Se a educativas. Utilizando fragmentos coletados em jornais,
corrupção não ameaça a ditadura, mas, ao contrário, até a nossa preocupação é expor de uma forma rigorosa, mas não
alimenta, quando ministrada a democracia ela pode ser rígida, a realidade social da corrupção na educação, e como
fatal". se aparecem as primeiras reconstruções sobre desvio de
1.4 As estratégias da corrupção do FUNDEF dinheiro na educação. São, numa palavra, estratégias, ou
O Fundef tem a finalidade de redistribuir entre cada Estado dispositivos que permitem a possibilidade de construção
e seus municípios recursos para o ensino fundamental. As de um saber sobre o fluxo do fundo, e a possibilidade de
origens das receitas provém do Fundo de Participação dos transformação, por cada sujeito, estrutura ou poder, para
Municípios (13,2%), Fundo de Participação dos Estados ( extrair dele, aumento da sua força. Dispositivo, para
11,6%), ICMS ( 63,8%), IPI exportação ( 1,7%) e Ressarci- Foucault, é:
mento pela desoneração das exportações -lei Kandir ( "através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar,
3,7%). O caminho do dinheiro é complexo, mas merece um conjunto decididamente heterogêneo que engloba
também atenção. A cada mês, 15% do que os Estados e discursos, instituições, organizações arquitetônicas,
municípios arrecadam com as cinco fontes de receita que decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
compõem o Fundef é automaticamente repassado para o enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,
fundo único. A partir do total arrecadado, o dinheiro é filantrópicas. Dispositivo é a rede que se pode estabelecer
dividido entre o Estado e os municípios com base no entre esses elementos. Em segundo lugar, entre esses
número de alunos matriculados no ensino fundamental. elementos, discursivos ou não, existe um tipo de jogo, ou
Cada Estado e município tem uma conta corrente no Banco seja, mudanças de posição, modificações de funções, que
do Brasil específica para receber os depósitos referentes também podem ser muito diferentes. Em terceiro lugar,
ao fundo. Os depósitos são feitos três vezes ao mês (dias entendo dispositivo como um tipo de formação que, em um
10, 20 e 30) determinado momento histórico, teve como função princi-
Feito o depósito, o dinheiro pode ser usado segundo os pal responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto,
critérios estabelecidos na lei: 1) 60% para pagamento de uma função estratégica dominante"
salário dos professores. Desse total, uma parte pode ser Podemos encontrar na sociedade brasileira uma rede de
aplicada, até 2001, para capacitar professores leigos e 2) dispositivos políticos responsáveis pela estruturação da
40% em ações para manutenção e desenvolvimento do corrupção, que perpassam a estrutura social. Tomando de
ensino fundamental (construção e reforma de escolas, empréstimo a conceituação de poder de Foucault,
compra de material didático e equipamentos, capacitação compreendemos a corrupção na educação como a forma
de professores, serviços diversos e pagamento de que perpassam a estrutura social, numa rede de dispositi-
inativos). A prestação de contas deve ser feita periodica- vos (estratégias) de poder que se exercem cotidianamente.
mente. Os Estados e municípios enviam, aos tribunais de Se a corrupção for, como pensamos, um efeito de poder
conta, relatórios detalhando como o dinheiro foi aplicado. poderemos pensar junto com Foucault que "há possibili-
A fiscalização é feita pelos tribunais de conta. Também dade de resistência. Jamais somos aprisionados elo poder;
existem, nos municípios, nos Estados e em nível federal, podemos sempre modificar sua dominação segundo uma
conselhos para acompanhar se os recursos estão sendo estratégia precisa" De uma certa maneira, a corrupção
aplicados corretamente. exemplificaria esse jogo de saber, poder e verdade
O sistema serve para garantir dinheiro para a educação. Os institucionais. Vejamos algumas estratégias utilizadas.
recursos saem diretamente de fundos a que Estados e 1.5 A estratégia das diferentes interpretações da lei
municípios teriam direito - tirados do bolo geral do ICMS e As primeiras notícias a darem conta de corrupção nas
do IPI, por exemplo - e são redistribuídos para uso exclu- contas da educação começaram a surgir em março de 1999,
sivo no ensino. O problema é que a verba do fundo repre- quando Marta Avancini, publicou na Folha de São Paulo,
senta uma enxurrada de recursos para muitas prefeituras uma matéria onde revelava que as contas de 98 incluíam
vem sendo desviada por uma infinidade de pequenos ralos despesas "ilegais". O caso era o seguinte. A Prefeitura de
municipais que só agora começam a ser descobertos. Por São Paulo incluiu, em sua prestação de contas na área de
enquanto, o quanto dos R$ 14 bilhões anuais do Fundef educação de 98, despesas com itens que não poderiam ser
que deixam de ser aplicado como se deve, é uma incógnita. incluídos como gastos no setor. A Lei Orgânica do
Só no segundo semestre de 1999, o MEC recebeu 271 Município de São Paulo determina que a prefeitura tem de
denúncias de desvio ou mau uso dos recursos, envolvendo aplicar 30% do que arrecada com educação. Como a prefei-
173 municípios. Em Santa Brígida (BA), por exemplo, há tura declarou ter gasto, em 98, R$ 1,4 milhão com
professoras que dão aulas ao ar livre por falta de escolas educação, teria contribuído com 30,26% da arrecadação.
adequadas. A prefeitura diz que o dinheiro do Fundef é Mas esse percentual inclui despesas com "assistência" e
insuficiente, mas há suspeita de irregularidades na folha de "cultura", o que é irregular, segundo a Constituição Federal.
pagamento da educação na cidade. Isso significa que o dinheiro tinha de ser aplicado, por
Como é possível que recursos dessa ordem possam ser exemplo, em construção de escolas, no pagamento dos
desviados de sua finalidade? Existe uma infinidade de salários dos professores, capacitação e treinamento foi
fatores envolvidos, mas indicamos alguns que levantamos desviado. Primeira estratégia: a malversação da verba
a partir da imprensa e que nos parecem indicar estratégias pública surge do conflito de interpretações da lei. Vejamos
de poder e subjetividade presentes nas organizações como ocorreu neste caso. À época, para os especialistas da
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
área "é claro que assistência social e cultura colaboram na panhamento mais próximo dos municípios", segundo Maria
educação, mas elas não podem ser incluídas na prestação Helena Guimarães, presidente do Inep (Instituto Nacional
de contas do setor. A inclusão desses gastos na prestação de Estudos e Pesquisas Educacionais).
de contas é irregular", defendia o advogado Adib Os Estados tinham interesse em colaborar com o MEC na
72 fiscalização porque, com o Fundef, eles são obrigados a
72 transferir dinheiro para os municípios em que o gasto por
Salomão, especializado em educação. A conclusão é clara: a aluno é inferior a R$ 315. Se essas prefeituras informam ter
prefeitura aplicou em educação menos que os 30% previs- mais alunos do que o real, a "perda" dos Estados é maior.
tos na lei. Por outro lado, o secretário das Finanças do Em 1998, por exemplo, a descoberta das 148,3 mil matrícu-
município, José Antônio de Freitas interpretou a lei a sua las fantasmas evitou que os cinco Estados auditados repas-
maneira. Para ele, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação sassem R$ 30 milhões aos municípios que fraudaram infor-
Nacional permitem que ele use os recursos como descrito mações.
na prestação de contas. Seriam gastos com cultura, mas O MEC economizou R$ 16 milhões - parte da complemen-
dinheiro repassado ao departamento de Bibliotecas Infan- tação federal que iria para essas cidades – naquele ano
to-Juvenis e Bibliotecas Públicas, que têm grande número onde só houve fiscalização "in loco" (diretamente nas
de estudantes entre seus frequentadores. A verba para escolas) em 70 dos 385 municípios auditados. Nos demais,
assistência se refere a "convênios de cunho sócioeducacio- o controle foi feito com a apresentação dos diários de
nal, que abrangem crianças na faixa de 7 a 14 anos, portan- classe e das fichas de matrícula. Em que pese as justificati-
to, a mesma do 1º grau". Assim, os administradores, nas vas do MEC, deliberadamente o governo opta por atuar em
brechas da lei, fazem prestações de contas que mascaram outra frente de trabalho, desviando-se claramente do que a
as origens de recursos, fonte de confusão nos tetos sociedade civil apontava como malversação de verbas.
mínimos de aplicação. Também na época, o estudo realiza- 1.6 A estratégia da morosidade
do pelo vereador Nelson Proença (PSDB-SP) mostrou que Observando as notícias de jornal, a segunda estratégia da
as irregularidades da prestação de contas se deram porque corrupção se baseia na morosidade do Estado, que diz lento
não incluiu receitas adicionais, como a cota do salário para cumprir as exigências necessárias para o repasse de
educação (algo em torno de R$ 34 milhões). verbas. Nada mais indica a corrupção de um Estado do que
1.6 A estratégia do "por outra coisa no lugar" a aparente tranquilidade com que aceita
Apesar de as fraudes do FUNDEF começarem a aparecer por 73
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
quase prontos do governador anterior, mas pediram prazo ra e remuneração do magistério, conforme determina a
para fazer modificações', registram as reportagens publica- legislação. O relatório do TCM constatou, ainda, segundo
das na Folha de São Paulo. Landim, que as prefeituras desrespeitaram uma norma do
Como os US$ 500 milhões do Proep poderiam ser gastos Fundef, a qual determina que 60% dos recursos de cada
em seis anos, Valle afirmava que mesmo os Estados mais município devem ser gastos na remuneração do magistério.
lentos poderiam receber recursos. "Mas quem for eficiente A prefeitura de Pacajus (46 km ao sul de Fortaleza), por
vai receber mais. "Os governos estaduais podiam perder exemplo, foi acusada de gastar verbas do Fundef na
dinheiro para escolas técnicas federais e organizações contratação de bandas de forró e de superfaturar contratos
comunitárias que lidam com ensino profissionalizante, que com uma firma que fazia a reciclagem de professores do
também têm direito à verba "Distribuiremos as verbas de município. O prefeito de Pacajus, José Wilson Chaves (PPB),
acordo com a demanda de cada Estado e com os projetos negou as acusações. A época, Bruno disse que havia fortes
apresentados. Se as organizações comunitárias forem mais indícios da existência de uma "máfia" de entidades de
eficientes que os governos estaduais, pode haver remane- qualificação de professores, as quais são contratadas a
jamento de recursos." "peso de ouro" pelas prefeituras. A repercussão é imediata,
Além dos US$ 500 milhões do Proep, os Estados tinham a e em vários estados, emergem comissões de inquérito para
partir de agosto de 1999 mais US$ 500 milhões do Promed investigar os desvios de verbas. O Estado, num primeiro
(Programa de Reforma do Ensino Médio) para melhorar a momento, exime-se de investigar.
qualidade da educação e ampliar a oferta de vagas. O valor 1.8 A estratégia do uso de brechas
total do Promed era de US$ 1 bilhão. Mas, ao contrário do A razão da corrupção: os prefeitos driblam a questão fiscal
Proep, o Promed exigia a contrapartida financeira dos e acham brechas na lei. No calhamaço de denúncias relati-
Estados. O BID emprestava à União US$ 500 milhões e os vas ao Fundef recebidas pelo MEC, a mais comum é de
Estados tinham de arcar com o restante. atraso do salário dos professores (27%). É um bom indício
A falta de dinheiro para investir no ensino médio sempre de que há problemas no uso do dinheiro, pois o fundo tem
foi uma das principais reclamações feitas pelos governos um sistema de depósito automático que torna todo atraso
estaduais ao MEC. Como têm de destinar 15% de suas inexplicável. O dinheiro cai na conta de prefeituras e
receitas para o Fundef (fundo de valorização do Estados três vezes por mês; se não vai parar na mão do
magistério), os secretários da Educação se queixavam de professor é porque foi desviado para outro fim.
que não sobrava quase nada para o antigo 2º grau. Só que, Outra queixa recorrente: o uso indevido do dinheiro.
até então, apenas Bahia, São Paulo, Ceará e Distrito Federal Também nesse caso, há exemplo _mau exemplo_ na cidade
apresentavam seus planos iniciais, que ainda precisavam baiana de Santa Brígida. O município está sendo investiga-
ser revisados e aprovados pelo MEC para que o dinheiro do por ter incluído, de modo aparentemente irregular, pelo
pudesse ser repassado a partir de agosto. Para Estados que menos cinco funcionários na folha de pagamento da área
necessitavam de recursos, a morosidade na administração da educação. É o caso de Josilene do Carmo dos Anjos, que
só é concebível quando, paradoxalmente, e numa estraté- é registrada como professora, com salário líquido de R$
gia corrupta, não interessa o acesso aos recursos. 217,24, mas trabalha na delegacia de polícia.
1.7 A estratégia de "deixar os Estados investigar" A administração de Santa Brígida atribui as irregularidades
Como o governo é moroso em iniciar suas investigações, e a enganos. "A funcionária da delegacia pode ter sido trans-
não raro, substitui e ocupa o espaço com outras atividades, ferida de outra área e acabou sendo mantida na folha da
termina que os Estados tomem a iniciativa. Em abril, a educação", diz a prefeita Rosália Rodrigues França (PTB).
notícia de que o Ceará instaurou CPI para apurar "fundão" Ela admite que não foi gasta verba alguma na casa da
inicia uma série de iniciativas semelhantes em vários professora Valmira. "Na hora de fazer a prestação de
estados. NO caso, a Assembleia Legislativa do Ceará instau- contas, o contador deve ter atribuído a essa escola uma
rou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para verba aplicada em outra. Mas garanto que o material foi
apurar supostas irregularidades na aplicação de verbas do usado em alguma escola", diz.
Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Para a escola de Juazeirão, outro bairro rural do município,
Educação e Valorização do Magistério) no Estado. o dinheiro não foi. Ali, 32 alunos assistem aulas embaixo de
No ano de 1988, o Fundef investiu R$ 864 milhões no uma árvore, com a lousa enganchada no tronco, por falta de
sistema educacional público do Ceará. A instauração da CPI espaço na "classe" de 9 metros quadrados. "Não me impor-
foi pedida pelo deputado Artur Bruno (PT), que se baseou to com as galinhas e os cachorros que circulam durante a
em denúncias enviadas ao seu gabinete. aula. As crianças estão aprendendo", afirma a professora
Evaneide Cordeiro da Silva.
O presidente da Assembleia, Wellington Landim (PSDB), No Ceará, a principal irregularidade já detectada pela CPI
solicitou que o Tribunal de Contas dos Municípios fizesse foi a contratação de cursos que deveriam habilitar profes-
uma auditoria nos municípios denunciados e constatou sores _mas não habilitam. Nas palavras do relator da CPI,
irregularidades nas contas de 16 prefeituras. Segundo deputado Artur Bruno (PT), foi criada no Estado uma "máfia
Landim, o relatório do TCM constatou que as prefeituras da capacitação". A partir de 2001, o MEC não vai mais toler-
aplicaram recursos do Fundef em outras áreas da adminis- ar que professores leigos continuem dando aulas. A lei
tração que não a educacional, pagaram despesas sem a autoriza o gasto de parte do fundo na habilitação desses
necessária licitação e não implantaram um plano de carrei- profissionais, mas o dinheiro acaba indo para outro tipo de
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
curso. A Prefeitura de Cascavel (53 km ao sul de Fortaleza) cionais, mas o endereço da nota fiscal não existe. Também
gastou no ano passado R$ 714 mil da verba do Fundef em ninguém atendeu, em dois dias diferentes, em outro
três cursos que, legalmente, não servem para habilitar. endereço da empresa que aparece na lista telefônica. A
Segundo a Secretaria da Educação do Estado, o município Capacity levou R$ 157.200 pela elaboração de projetos
tinha 42 professores leigos, o que significa que a pseudo- educacionais. A empresa funciona em uma sala de 10
habilitação custou R$ 17 mil por profissional. metros quadrados, localizada na garagem da residência de
A prefeitura tem estatística diferente. O secretário interino Péricles Lessa, diretor da empresa, em Fortaleza. Quando a
da Educação, João Bosco Nesres, diz que não há mais Agência Folha esteve na sede da Capacity, uma mulher
professores leigos na rede de ensino de Cascavel e que os atendeu e disse que iria chamar o diretor. Ninguém mais
cursos não deveriam "habilitar", mas "capacitar". Aí começa apareceu ou telefonou à reportagem em resposta aos
uma discussão que pode acabar numa irregularidade de R$ recados deixados. A empresa Fácil, que ganhou R$
20 milhões. Para Artur Bruno, relator da CPI, há uma impre- 13.704,00 para capacitar secretárias de escolas, diz que
cisão na lei do emitiu nota com endereço do motel Ideal, no centro de
75 Fortaleza, por um problema de impresso. "Já funcionamos
75 naquele endereço", explica Reinaldo Teixeira, diretor da
Fundef _um artigo permite gastar em habilitação de profes- empresa. "Foi um erro grave não ter feito bloco de notas
sores leigos e outro em capacitação de forma genérica. A novo."
CPI já apurou que há pelo menos 13 empresas especializa- 1.9 A estratégia da fiscalização deficiente
das nesse filão, e seu relator estima em R$ 20 milhões o Com frequência as irregularidades envolvendo o Fundef
possível desvio. têm uma parceira comum: a fiscalização deficiente da
Para o secretário da Educação do Ceará, Antenor Naspolini, prestação de contas. A lei do Fundef previu conselhos para
a legislação é dúbia, mas a maioria dos erros ocorre por acompanhar como os recursos são gastos, mas o controle
simples má-fé. A secretaria fez cursos ensinando prefeitos tem patinado neste momento de implantação. Pesquisa do
a usar os recursos do fundo e criou programa para habilitar MEC indica que só 80% dos municípios têm conselhos
leigos, mas constatou que muitos preferiram contratar constituídos, o que transforma os outros 20% em fonte de
empresas não autorizadas. No caso de Cascavel, as carac- preocupação. Basta dizer que um deles era a cidade de São
terísticas de um dos cursos contratados mostram que, Paulo, onde a prefeitura há anos é acusada de não aplicar o
mesmo que o objetivo fosse capacitar, o dinheiro estaria que deve em educação. A cidade recebeu recursos desde o
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
dinheiro do fundo, mas que "essa é uma questão velha". tinham piso abaixo do limite mínimo
"Fizemos concurso para corrigir as nacional atual de R$ 315. Os municípios também
distorções e exoneramos 700 não-concursados. Esse receberam uma injeção de recursos:
menino deve ter sido incluído no grupo", 2.73 cidades tiveram acréscimo de receitas da ordem de R$
acredita Lima. 2 bilhões _46% desse total foram para
Esse caso está sendo investigado pelo Ministério Público as cidades do Nordeste.
Federal, como tantos outros que O ministro diz ainda que o próprio MEC está criando
conseguem driblar a fiscalização do município, mas caem condições para receber as denúncias e
na malha fina da promotoria ou dos para que elas sejam analisadas _depois de passarem por
Tribunais de Contas. No Rio Grande do Norte, o prefeito de uma avaliação prévia, são encaminhadasao Ministério
Alexandria, José Bernardino de Sena Público ou aos tribunais de contas.
(PMDB), foi denunciado pelo Ministério Público e afastado Ele considera ainda que as investigações sobre as suspeitas
pela Justiça na quinta-feira acusado de de desvios de dinheiro do Fundef são consequência de um
colocar recursos do Fundef em sua própria conta corrente. novo espírito que está se criando no Brasil: o de fiscal-
Outro prefeito afastado, Túlio de Paiva ização da aplicação dos recursos públicos. "Implantamos
(PMDB), de Rio do Fogo, foi denunciado duas vezes pelo MP, políticas que permitem que o livro didático e a merenda
sob acusação de pagar contas normais cheguem às escolas. Com isso, as pessoas percebem que
do município com recursos do fundo. algo está sendo feito e que há uma mudança, uma preocu-
Em Minas, é o próprio governo do Estado que deve expli- pação maior com a educação. Em cima disso, veio o Fundef
cações. O Executivo é acusado de, e uma grande campanha de divulgação e conscientização.
no final do ano passado, não ter repassado R$ 43 milhões a As pessoas começam a querer saber o que está acontecen-
741 municípios do Estado que do no seu município e se mobilizam."
municipalizaram o ensino fundamental. 1.11 A sociedade indignada: inicia a disseminação das CPIs
Os municípios ganharam os alunos, mas não a verba corre- As CPIs chamam a atenção para o fato de que os Estados
spondente. CPI que investiga o uso de fazem uso irregular do fundão. Depois do Ceará, Espírito
recursos de fundos estatais apurou que o dinheiro do Santo e Mato Grosso do Sul têm problemas de uso indevido
Fundef foi para o caixa único da Secretaria de recursos do Fundef em 98 para pagar funcionários não
Estadual da Fazenda e acabou sendo utilizado para outras ligados ao ensino fundamental, o que é proibido por lei. As
finalidades. Azeredo diz que, em seu denúncias foram feitas Brasília por representantes dos
governo, foram investidos 46% da receita estadual em Conselhos Estaduais de Acompanhamento e Controle
educação. E sustenta que o repasse para as Social do Fundef, responsáveis por fiscalizar a aplicação
prefeituras não era obrigatório por lei. dos recursos do fundo.
1.10 A estratégia da minimização da importância É proibido usar recursos do Fundef para pagar servidores
Novamente, a reação do governo é minimizar os efeitos dos públicos ou mesmo para pagar servidores da Educação não
casos de corrupção. Os casos de ligados ao ensino fundamental. Não foi o que aconteceu no
supostos desvios de recursos do Fundef são isolados e não Espírito Santo. Cerca de R$ 27 milhões dos R$ 209 milhões
invalidam seus efeitos positivos, que deveriam ter sido aplicados no ensino fundamental em
avalia o ministro Paulo Renato Souza (Educação)."A 98 "desapareceram" das contas do Fundef. A rede de
apreciação geral do fundo, baseada em corrupção é tamanha que os R$ 27 milhões foram desvia-
estudos feitos pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas dos para pagar servidores de outras secretarias, com aval
Econômicas), é positiva. Na maioria dos do Tribunal de Contas do Estado.
Estados os recursos estão sendo bem aplicados. Mas é claro Em Mato Grosso do Sul ocorreu problema semelhante:
que não se pode esperar que não 98% dos R$ 82 milhões de recursos do Fundef que deveri-
haja casos de mau uso ou desvio", diz ele, que baseia sua am ter sido aplicados na rede estadual de ensino funda-
avaliação nas denúncias que vêm mental em 98 foram usados para pagar pessoal. "Só
chegando à Diretoria de Acompanhamento do Fundef. "São sobraram 2% para investir na capacitação de professores e
271 denúncias em um universo de 5.506 na melhoria das condições físicas das escolas", reclama
municípios." Francineide Alves Pereira, representante dos funcionários
O ministro diz esperar que, se as denúncias de irregulari- da Secretaria da Educação no conselho de fiscalização, em
dades em fase de matéria do Jornal Folha de São Paulo. Em Mato Grosso do
investigação se comprovarem, os responsáveis sejam Sul, o dinheiro do Fundef não foi desviado para outras
punidos. "O Fundef é um grande êxito áreas, mas o problema é que foi usado para pagar servi-
como política para melhorar a qualidade do ensino. Se as dores técnico- administrativos da Secretaria da Educação
denúncias forem comprovadas, é preciso não ligados ao ensino fundamental.
que haja punição. "O balanço do primeiro ano de vigência Outro problema grave é que toda a folha de pagamento de
do Fundef, divulgado em março, revela professores aposentados também foi paga com recursos
que houve aumento da remuneração dos professores provenientes do Fundef. Nem a emenda constitucional 14
(12,9% em média no país) e do valor per nem a lei que regulamentou o Fundef vedam o uso de
capita gasto por aluno _39% dos municípios brasileiros recursos do fundo para pagar aposentados, mas TCES de
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
vários Estados têm dado recomendação contrária e o fato MEC iria questionar na Justiça a liminar obtida por Diade-
começa a ser investigado pelas CPIs. ma. "A assessoria jurídica do ministério já está estudando
1.12 A reação dos municípios e estados com a Advocacia Geral da União a melhor maneira de
Da mesma forma, o município de Santo André (SP) conse- derrubar a liminar." Declarou aos jornais na época. Diade-
guiu uma liminar desobrigando a prefeitura de repassar ma perdia dinheiro para o Estado porque tem arrecadação
15% de sua arrecadação com impostos para o Fundef alta e poucos alunos matriculados na rede municipal. Dos
(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino 67.688 alunos da rede pública de ensino fundamental de
Fundamental e de Valorização do Magistério). A decisão Diadema, apenas 866 estudavam em escolas municipais
elevou para quatro o número de municípios que estiveram em 98, contra 66.688 matriculados na rede estadual.
isentos do repasse em 1999: Santo André (SP), Diadema Como o dinheiro do Fundef é distribuído a Estados e
(SP), Ribeirão Pires (SP) e Recife (PE). Rio Grande da Serra municípios de acordo com o número de alunos matricula-
(SP), que também entrou com pedido, ainda aguardava dos no ensino fundamental, Diadema recebia muito menos
parecer da Justiça. do que contribui. Mesmo com a obrigação de destinar ao
Segundo Selma Rocha, secretária de Educação e Formação Fundef parte de seus recursos, a prefeitura dispõe de sete
Profissional de Santo André, o argumento utilizado pela vezes mais verba para gastar com cada aluno do ensino
prefeitura do município foi o mesmo dos outros: a inconsti- fundamental do que o Estado. Enquanto cada aluno da rede
tucionalidade da emenda 14, que criou o fundo. Ficou claro municipal teve à disposição em 98 R$ 7.000, cada um da
a toda a nação que as Prefeituras de São Paulo não usam rede estadual ficou com R$ 900.Com a desobrigação do
toda a verba do Fundef. Em pelo menos três municípios de Fundef, a Prefeitura de Diadema terá R$ 22,5 mil anuais
São Paulo, parte dos recursos do Fundef (Fundo de para gastar com cada um de seus 866 alunos do ensino
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e fundamental. "Isso não faz sentido, estão querendo criar
de Valorização do Magistério) está sendo guardada em um apartheid na rede de ensino de Diadema. Em vez de
contas bancárias. Como o gasto com a remuneração dos questionar o Fundef na Justiça, o prefeito deveria assumir
professores não atinge os 60% dos recursos repassados, as escolas estaduais, já que a educação fundamental é
como determina a lei que criou o fundo, há uma sobra de obrigação do município", diz Ulysses Semeghini, coorde-
dinheiro. Em Adamantina são cerca de R$ 450 mil parados. nador do Fundef a imprensa na época. Com a liminar obtida
Em Junqueirópolis são R$ 300 mil. As duas prefeituras por Diadema, já são duas as prefeituras que conseguiram
alegam que o dinheiro está depositado em uma conta na Justiça a suspensão da contribuição ao Fundef. Em abril,
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
decisão, segundo a assessoria de imprensa. A Folha tentou de acompanhamento do Fundef, do Ministério da Educação
contatar o diretor de Acompanhamento do Fundef, Ulysses (MEC), até ontem ele não havia sido notificado da liminar.
Cidade Semeghini, mas ele não foi encontrado. "O MEC vai analisar e ver que atitude tomará", disse. Hoje,
A decisão foi tomada a partir de uma contestação apresen- oito Estados recebem complemento da União para alcançar
tada ao tribunal pela prefeitura de Bariri (342 km de São o valor de R$ 315.E outros oito Estados, de acordo com
Paulo), cujo caso ilustra o que pode estar ocorrendo em Semeghini, devem ter valor mínimo entre R$ 315 e R$ 400,
outras cidades do país. O município tem 565 alunos matric- e exigiram complemento da União se o valor fosse o estipu-
ulados na rede municipal, mas recebe repasses sobre 474 lado pela lei.
matrículas _ou seja, o cálculo não leva em conta 91 O grande número de ‘denúncias levou a Comissão de
matrículas e por isso a cidade perde receita. Souto também Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados
determinou a revisão da portaria que fixou o coeficiente de instala hoje uma subcomissão para apurar denúncias de
participação no Fundef para este ano o que significa, na irregularidades envolvendo mau uso e desvio de recursos
prática, que o governo poderá ter de compensar eventuais do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
perdas dos Estados e municípios. Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) em
Nos estados, a reação continua. A Assembleia Legislativa todos os Estados. O pedido para a constituição da
aprovou a criação de uma CPI para investigar as contas do subcomissão foi feito pelos deputados Gilmar Machado
governo estadual na área da Educação. Segundo estudos do (PT-MG) Walter Pinheiro (PT-BA), com base em denúncias
deputado Cesar Callegari (PSB), que foi o autor do pedido, contidas em reportagens publicadas pela Folha em setem-
mais de R$ 5,5 bilhões deixaram de ser aplicados pela bro, que apontavam irregularidades em São Paulo, Ceará e
secretaria desde 1995.Se isso ficar comprovado, o governo Bahia.
estaria deixando de cumprir a legislação, que obriga o Reportagem da Folha mostrou que, de julho para cá, o
Estado a aplicar pelo menos 30% da arrecadação em Ministério da Educação recebeu 487 denúncias de irregu-
Educação. Callegari afirma que três pontos serão os princi- laridades envolvendo o Fundef em 24 Estados, em um total
pais alvos da investigação. O primeiro seria a inclusão do de 266 cidades. A primeira providência da subcomissão
gasto com profissionais inativos no Orçamento que, segun- será levar ao TCU (Tribunal de Contas da União) um plano
do o parlamentar, só em 1999 foi de R$ 1,9 bilhão. O outro para a realização de auditorias. O deputado Machado
ponto é que o governo deixaria de considerar a parte do sugere que, a cada três meses e sem aviso prévio aos
ICMS, relacionada a juros, multas e atrasos, como verbas municípios, os tribunais de contas dos Estados realizem por
que devem ser repartidas. Por último, o deputado aponta as amostragem devassas nas contas do Fundef.
transferências de impostos pelo governo federal, de 95, 96 A Câmara dos Deputados vai investigar o desvio de verbas
e 97, que não entraram nas contas da Educação. públicas em cidades de todo o país por meio da emissão de
Callegari alega também que, na prestação de contas, não notas fiscais frias. Levantamento feito pela Agência Folha
estão sendo colocados os recursos do Fundef (Fundo de em 20 Estados, publicado em 28 de novembro, mostrou
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e como funciona a indústria de fraudes que sustenta a
de Valorização do Magistério) e do salário-educação como corrupção nas prefeituras. As investigações ficarão a cargo
valores adicionais. De acordo com o deputado Lobbe Neto da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC)
(PMDB), presidente da Comissão de Educação na Assem- da Câmara. O presidente da comissão, deputado Delfim
bleia, a CPI deverá ser instalada já na próxima semana. O Netto (PPB-SP), disse que o assunto entra em pauta nesta
secretário do Planejamento de São Paulo, André Franco semana. Na reunião de hoje da CFFC, o deputado João Paulo
Montoro Filho, disse que os recursos estão sendo devida- Cunha (PT-SP) apresentará um requerimento solicitando a
mente aplicados e que os inativos, de fato, têm sido coloca- documentação das prefeituras citadas pela reportagem da
dos na conta da Educação. "Entendo que esse é um gasto da Agência Folha.
Educação", disse. Ele afirma ainda que fará os devidos No município de Palmas (TO), procuradores investigam o
esclarecimentos, mas que não deverão ser comprovadas desaparecimento de R$ 1,1 milhão de dois convênios com
irregularidades. "Nós temos investidos os 30%, tanto que o os ministérios da Saúde e da Educação. O ex-prefeito
Tribunal de Contas e a própria Assembleia têm aprovado", Edwino Raimundo Schultz, da cidade de Chapadão do Sul
afirma. (MS), é acusado de usar empresas fantasmas para desviar
Liminar concedida na última quinta-feira, pela juíza federal R$ 500 mil (o equivalente à receita mensal do município)
Raquel Fernandez Perrini, proíbe que o valor mínimo per de 1997 a maio último. No Espírito Santo, a Procuradoria da
capita por aluno do ensino fundamental seja inferior ao República denuncia um esquema que ficou conhecido pelo
definido pela lei que criou o Fundef (Fundo de Desenvolvi- jargão "política da rapinagem". Nesta modalidade de
mento do Ensino Fundamental e de Valorização do fraude, prefeitos seriam eleitos e depois usariam notas
Magistério) em 2000.A ação civil pública, movida pelo frias para justificar gastos inexistentes e reembolsar os
Ministério Público Federal, tinha como objetivo evitar que financiadores da campanha. No Ceará, uma CPI instalada na
o governo descumprisse a lei, como ocorreu este ano. Pela Assembleia Legislativa apura o sumiço de cerca de R$ 800
lei, o valor per capita neste ano deveria ter ficado em torno mil do Fundef em quatro prefeituras.
de R$ 430. O valor efetivo, determinado por um decreto, foi 1.15 O que não é dito na política educacional: O MEC como
de R$ 315 - o mesmo de 1998. agente corruptor
Segundo Ulisses Semeghini, coordenador do departamento O MEC começou a enfrentar oposição e críticas na investi-
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EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
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prefeitos é mais um ingrediente das carências da educação Pelas contas da Prefeitura de Santa Brígida, a professora
infantil no país _creches e pré-escolas. Valmira não teria do que reclamar. Oficialmente, ela
82 trabalha em uma escola que recebeu reforma recente no
82 valor de R$ 1.640. Tudo ficção. Esse dinheiro jamais foi
Estima-se que, para uma população de 12 milhões de aplicado para melhorar a infraestrutura desse grupo de
pessoas de zero a três anos de idade, cerca de 800 mil alunos. A lousa continua apoiada sobre as duas vigas que
usufruam das creches, atualmente. Relatórios preparados sustentam a cobertura da varanda. As crianças continuam
pelo governo indicam que a situação é de carência geral. escrevendo sobre pedaços de compensado e sentadas em
Faltam professores qualificados, parques para brincadeira, cadeiras improvisadas. "O pior é o vento, que atrapalha e
bibliotecas e também água, esgoto e eletricidade. enche tudo de poeira", diz a professora Valmira.
Numa autocrítica, o documento do MEC a ser apresentado O caso de Santa Brígida serve para ilustrar os desvios que
em Paris afirma: "Embora municipalização tenha um senti- vêm ocorrendo com o dinheiro do Fundef (Fundo de Desen-
do positivo, indicando a tendência geral do sistema de se volvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e de
adaptar às recentes normas legais, é preciso reconhecer Valorização do Magistério), um fundo para educação criado
que o governo federal se ausentou mais do que devia da pelo governo federal para melhorar salários e infraestrutu-
área da pré-escola, que conta com poucos estímulos e ra do ensino fundamental (o antigo 1º grau) no país todo,
parcos recursos do poder central". AO final do ano o em funcionamento desde 1998.Na Bahia, 63 cidades são
Ministério da Educação já tinha recebido 487 denúncias de investigadas pelo Ministério Público Federal. No Ceará,
irregularidades com verbas municipalizadas em 266 Comissão Parlamentar de Inquérito apura suspeitas de
cidades brasileiras nos últimos cinco meses. O relatório irregularidade em 106 dos 184 municípios do Estado. No
sobre as fraudes no Fundef (Fundo de Manutenção e Rio Grande do Norte, quatro prefeitos foram afastados em
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização conexão com mau uso de verbas do Fundef e outros 21
do Magistério) _que começou a ser feito em julho último_ estão na mira. Já se comprovou irregularidades em Igaci e
mostra que elas atingem 24 Estados. Viçosa, em Alagoas, e outros oito municípios desse Estado
No Ceará, o Tribunal de Contas dos Municípios encontrou são investigados.
notas frias no valor de R$ 391 mil nas contas da Prefeitura 1.17 O prejuízo a moral e a ética social
de Parambu, R$ 318 mil nas de Quiterianópolis, R$ 71 mil A análise dos casos de corrupção no Fundef nos mostram
nas de Solonópolis e R$ 20 mil nas de Novo Oriente. As que a degradação da coisa pública no campo educacional é
notas haviam sido emitidas por empresas fantasmas do uma das características da política educacional. Mas, contu-
esquema do coronel reformado da Polícia Militar José do, a experiência do FUNDEF mostra que diferente dos
Viriato Correia Lima. Prefeituras do Piauí e Maranhão antigos, nossa corrupção não está na degradação da coisa
também se beneficiavam do esquema. Em Goiás, pelo pública pela usura dos costumes. Estamos nos acostuman-
menos 43 prefeituras são suspeitas de desviar recursos do a ver os casos de corrupção do Fundef como o mau trato
públicos usando notas frias das empresas fantasmas do dinheiro público. Evidentemente, o que queremos
Papelaria Papirus, Star-Med e Pro-Med _as duas últimas mostrar é que esquecemos que, esta malversação dos
usadas na fraude com recursos do SUS (Sistema Único de fundos da educação também é causada por uma
Saúde). Todas as 11 prefeituras de Tocantins sob investi- degradação moral, dos costumes. Ë preciso que funcionári-
gação da Procuradoria da República são suspeitas de desvi- os sejam subornados, sejam corrompidos. Se alguns dos
ar tanto verbas do Fundef como do SUS. Em São Paulo, a traços da democracia antiga servem para a atual, é o fato de
administração de Mirassol é acusada de sumir com R$ que nesta, é a que mais se exige dos cidadãos. Precisamos
135,8 mil destinados à educação. Técnicos dos tribunais de exigir das autoridades competentes um maior grau de
contas ouvidos pela Agência Folha afirmam que é pratica- autodisciplina, em uma palavra, precisamos mais de admin-
mente impossível descobrir o uso de notas fiscais frias na istradores virtuosos.
prestação de contas dos municípios relativa ao uso das Por outro lado, esperamos que o caso Fundef mostre como
verbas de saúde e educação. "Por força da lei, as prestações o desgaste também vem do fato de que a coisa pública é
de contas podem ser simplesmente feitas com um balan- vista como propriedade privada. Cada governante, apropri-
cete, sem as notas, que ficam no município, arquivadas em ando-se dos recursos educacionais para si, para os objeti-
local apropriado, por até cinco anos, para possibilitar uma vos que vê como prioritários, concebe o público como
checagem, caso haja suspeita de alguma coisa errada", privado. "A corrupção acaba identificada com uma
afirmou Jerônimo Leite, secretário-geral do Tribunal de desonestidade qualquer. Perde-se de vista seu sentido de
Contas do Maranhão. desagregação do espaço público, como coisa bem pior que
O problema é que ao minimizarem os efeitos, o governo o prejuízo causado ao particular. Esquece-se seu efeito
esquece os grandes prejudicados, as crianças. Todas as multiplicador do mal – melhor dizendo, seu efeito divisor
tardes, de terça a sábado, a professora Valmira Santana desse bem que seria ávida social"(Ribeiro, p. 177.).
Santos dá aulas para um grupo de 20 crianças baianas na A discussão assim colocada, onde a corrupção na educação
varanda da casa dela. São três cômodos de taipa, sem água se torna equivalente ao crime comum, onde o político é
nem luz, no meio da caatinga e a mais de 470 quilômetros equivalente do "ladrão", o deslocamento grave é que
de Salvador. "Como não tem escola, ensino os meninos perdemos o senso do público como algo superior ao priva-
aqui mesmo", conta Valmira. "A gente trabalha como pode". do. A corrupção nas contas do Fundef não é um assalto
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
comum. Precisamos dar-lhe o sentido político. Para além de Na LDB, a educação é concebida como processo de
um furto, é um ataque a coisa pública, que é mais do que formação abrangente, inclusive o de formação de cidadania
economia. A corrupção é um problema não pelo valo e o trabalho como princípio educativo, portanto, não restri-
monetário que desvia, mas pelo nível das relações sociais ta às instituições de ensino. Aqui, reside a possibilidade de
que revela. se contemplar a legislação educacional como a legislação
Ribeiro aponta que é preciso "recuperar o sentido próprio que recolhe todas os atos e fatos jurídicos que tratam da
da coisa pública. É preciso devolver aos costumes, aos educação como direito social do cidadão e direito público
mores, o lugar central que ocupam numa sociedade repub- subjetivo dos educandos do ensino fundamental.
licana ou democrática. Vencer a corrupção não é simples- Já nas suas raízes conceituais, etimológicas e históricas as
mente assegurar o bom trato do dinheiro público: é garantir palavras legislação e educação não tinham sentido unívo-
o respeito ao outro, a qualquer outro. (p.179). co, isto é, já traziam na sua formação histórica o caráter da
1.18 Conclusão polissemia.
Portanto, é preciso ampliar a noção que está por trás das Em Roma, legislação tanto podia significar o conjunto de
diversas investigações sobre o Fundef. De fato, não apenas leis específicas de uma matéria ou negócio como a lei no
uma boa política fiscal, parlamentar é necessária, por que seu sentido mais abrangente. Hoje, a situação não mudou
não é um problema que se resuma aos recursos educacio- muito: quando nos referimos à legislação tanto no sentido
nais. Não se trata apenas de introduzir punição e justiça, estreito como no sentido largo, por extensão.
mas em questionarmos como estão nossos costumes. Assim, a expressão legislação educacional me revela um
Como a sociedade se articula ao Estado. O erro é conjunto de normas legais sobre a matéria educacional. Se
priorizarmos de um lado, os funcionários públicos ou falo legislação educacional brasileira, refiro-me às leis que
administradores como Estado, de um lado, e o sistema de modo geral formam o ordenamento cultural do país
educacional, como contribuinte lesado, de outro. Os admin- Com a palavra educação, teremos situação semelhante. Ora
istradores desse patrimônio também são cidadãos. A a palavra educação refere-se aos processos de formação
corrupção na educação é mais do que do dinheiro, é dos escolar, dentro e fora dos estabelecimentos de ensino, ora
costumes. tem conceito restrito à educação escolar que se dá unica-
84 mente nos estabelecimentos de ensino. Daí, falar-se, em
84 outros tempos, em legislação de ensino e em legislação da
UNIDADE IX educação.
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POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE
EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR
ordenados, expedidos pelos magistrados em face da outor- dinheiro público. Evidentemente, o que queremos mostrar
ga popular. é que esquecemos que, esta malversação dos fundos da
A legislação educacional, como nos parece sugerir, é uma educação também é causada por uma degradação moral,
disciplina de imediato interesse do Direito ou mais precisa- dos costumes. Ë preciso que funcionários sejam suborna-
mente do Direito Educacional. Mas um olhar interdisciplin- dos, sejam corrompidos. Se alguns dos traços da democra-
ar dirá que ela é central na Pedagogia quando no estudo da cia antiga servem para a atual, é o fato de que nesta, é a que
organização escolar. mais se exige dos cidadãos. Precisamos exigir das autori-
Por não termos alcançado, ainda, uma fase de pleno gozo dades competentes um maior grau de autodisciplina, em
de equidade, diríamos que a legislação educacional é até uma palavra, precisamos mais de administradores virtuo-
final do século XX a única forma de Direito Educacional que sos.
conhecemos e vivenciamos na estrutura e funcionamento Por outro lado, esperamos que o caso Fundef mostre como
da educação brasileira. o desgaste também vem do fato de que a coisa pública é
Desta forma, a legislação educacional pode ser entendida vista como propriedade privada. Cada governante, apropri-
como a soma de regras instituídas regular e historicamente ando-se dos recursos educacionais para si, para os objeti-
a respeito da educação. Todas as normas educacionais, vos que vê como prioritários, concebe o público como
legais e infralegais, leis e regulamentos, com instrução privado. "A corrupção acaba identificada com uma
jurídica, relativas ao setor educacional, na contemporanei- desonestidade qualquer. Perde-se de vista seu sentido de
dade e no passado, são de interesse da legislação educacio- desagregação do espaço público, como coisa bem pior que
nal. o prejuízo causado ao particular. Esquece-se seu efeito
Vemos, deste modo, que a legislação educacional pode ter multiplicador do mal – melhor dizendo, seu efeito divisor
uma acepção ampla, isto é, pode significar as leis da desse bem que seria ávida social"(Ribeiro, p. 177.).
educação, que brotam das constituições nacionais, como a A discussão assim colocada, onde a corrupção na educação
Constituição Federal, considerada a Lei Maior do ordena- se torna equivalente ao crime comum, onde o político é
mento jurídico do país, às leis aprovadas pelo Congresso equivalente do "ladrão", o deslocamento grave é que
Nacional e sancionadas pelo Presidente da República. perdemos o senso do público como algo superior ao priva-
Pode, também, a legislação abranger os decretos presiden- do. A corrupção nas contas do Fundef não é um assalto
ciais, as portarias ministeriais e interministeriais, as comum. Precisamos dar-lhe o sentido político. Para além de
resoluções e pareceres dos órgãos ministeriais ou da um furto, é um ataque a coisa pública, que é mais do que
administração superior da educação brasileira. economia. A corrupção é um problema não pelo valo
Para este trabalho, vai nos interessar o sentido da Legis- monetário que desvia, mas pelo nível das relações sociais
lação Educacional como ação do Estado sobre a educação, que revela.
vista, pelo Estado-gestor, como política social. A legislação Ribeiro aponta que é preciso "recuperar o sentido próprio
educacional é, portanto, base da sustentação da estrutura da coisa pública. É preciso devolver aos costumes, aos
político-jurídica da educação. mores, o lugar central que ocupam numa sociedade repub-
1.1 As Duas Faces da Legislação Educacional licana ou democrática. Vencer a corrupção não é simples-
A legislação Educacional possui duas naturezas: uma mente assegurar o bom trato do dinheiro público: é garantir
reguladora e uma regulamentadora. o respeito ao outro, a qualquer outro. (p.179).
A partir de seu caráter, podemos derivar sua tipologia. 1.18 Conclusão
Dizemos que a legislação é reguladora, quando se manifes- Portanto, é preciso ampliar a noção que está por trás das
ta através de leis, sejam federais, estaduais ou municipais. diversas investigações sobre o Fundef. De fato, não apenas
As normas constitucionais que tratam da educação são as uma boa política fiscal, parlamentar é necessária, por que
fontes primárias da regulação e organização da educação não é um problema que se resuma aos recursos educacio-
nacional, pois, por elas, definem-se as competências nais. Não se trata apenas de introduzir punição e justiça,
constitucionais e atribuições administrativas da União, dos mas em questionarmos como estão nossos costumes.
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Abaixo das Como a sociedade se articula ao Estado. O erro é
normas constitucionais, temos as leis federais, ordinárias priorizarmos de um lado, os funcionários públicos ou
ou complementares, que regulam o sistema nacional de administradores como Estado, de um lado, e o sistema
educação. educacional, como contribuinte lesado, de outro. Os admin-
A legislação reguladora estabelece, pois, a regra geral, a istradores desse patrimônio também são cidadãos. A
norma jurídica fundamental. Daí, o processo regulatório corrupção na educação é mais do que do dinheiro, é dos
voltar-se sempre aos princípios gerais e à disposição da costumes.
educação como direito, seja social ou público subjetivo. 84
O principal traço da regulação é sua força de regular, isto é, 84
poder, regularmente, ou no campo educacional é uma das UNIDADE IX
características da política educacional. Mas, contudo, a 1. A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA
experiência do FUNDEF mostra que diferente dos antigos, O que é Legislação Educacional? Legislação da educação é
nossa corrupção não está na degradação da coisa pública a mesma coisa de legislação de ensino? A legislação educa-
pela usura dos costumes. Estamos nos acostumando a ver cional é disciplina da Pedagogia ou do Direito? Qual o lugar
os casos de corrupção do Fundef como o mau trato do da Legislação Educacional no âmbito das Ciências jurídi-
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mento que não se conhece uma lei ordinária sem uma base 88
jurídica. 88
No meu entender, as fontes legais citadas em boa parte das histórica, e à medida em que o Estado Federal, entendido
referências da historiografia educacional ou ensaios de como criação jurídico- positivo, torna-se mais interven-
legislação de ensino, na maioria das vezes, estão destituí- cionista e social e assume novas finalidades no campo da
das de uma exegese jurídica, o que torna a leitura da política social.
Educação no plano do ordenamento jurídico do país 1.4 Aspectos Jurídicos da LDB
bastante restrita. A análise de conteúdo é, assim, limitada. Em se tratando se sistematização normativa, o que pode ser
Não quero defender intransigentemente a abordagem aplicado à Constituição Federal pode-se, também, aplicar à
jurídica no estudo das normas educacional, mas julgo ser Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada
um procedimento metodológico bastante completo e em 1996.
capaz de oferecer suficientemente, para o estágio em que Para ilustrar, poderia usar do mesmo expediente para
se encontra o Direito Educacional, uma visão de totalidade descrever as normas educacionais na LDB, conforme tabela
dos fatos jurídicos de uma época ou regime político. abaixo:
O entendimento da LDB passa necessariamente pela a. Normas orgânicas - A Lei 9.394/96, a LDB na linguagem
compreensão do texto constitucional de 1988, sua matriz, e dos educadores, contém normas que regulam a organi-
da evolução constitucional no Brasil. zação e funcionamento do Estado. Estas normas concen-
Estou certo de que a estrutura é, efetivamente, “uma tram-se, predominante nos Títulos IV - (Da Organização da
ordenação reveladora do modo de ser dos elementos que a Educação Nacional, do art. 8o a 16), VI - (Dos Profissionais
integram” (HORTA: 1995, p. 219). Na medida que, por da Educação, Art. 61 a
exemplo, estruturo a educação como norma constitucional, 67) e VII - Dos Recursos Financeiros (Art. 68 a Art. 77);
este conhecimento permite fixar as características, as b. Normas limitativas - A LDB traz normas que consubstan-
formas e as modalidades com que a norma se apresenta no ciam o elenco dos direitos e garantias fundamentais,
ordenamento jurídico do País. limitando a ação dos poderes estatais e dão a tônica do
A Constituição de 1824, por exemplo, não se registrou Estado de Direito. É norma limitativa o Art. 7o, do Título III -
nenhuma norma educacional na categoria Elementos Do Direito à Educação e do Dever de Educar;
Sócioideológicos, concluímos que a estrutura normativa c. Normas sócio - ideológicas - A LDB consubstancia normas
reflete o modelo de constitucionalismo predominante no que revelam o caráter de compromisso liberal/neoliberal
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3. Ensino Médio, terceira etapa ou etapa final. Entre as lação do ensino estaria num plano a que chama de políticas
modalidades, podemos citar: educacionais, que, segundo o autor, envolve a relação
a. educação especial (destaque-se que esta é a única entre Estado, educação e sociedade.
modalidade de ensino que perpassa todos Entende-se o plano de políticas educacionais como o plano
os níveis e etapas da educação Básica); que diz respeito aos projetos educacionais das diversas
b. educação profissional e educação de jovens e adultos, classes sociais, com destaque para os projetos das classes
mas poderíamos lembrar, ainda, dominantes de diversas classes sociais, uma vez controla-
c. educação indígena e doras do estado, implementam tais projetos na medida em
d. educação a distância. que ditam as leis e as normas educacionais e, na medida em
A educação superior, por seu turno, dividida em cursos que negociam tais normas e leis com as classes não domi-
sequenciais, graduação, extensão e pós- graduação. nantes.
Como disse, anteriormente, no Brasil, o Direito Educacional Cremos que o principal referencial teórico para os estudos
ainda está na sua fase de Legislação do Ensino e, a rigor, de direto educacional está no âmbito do Direito Consti-
não chegou a fase de direito, isto é, sob a égide da tucional Positivo, especialmente nas formulações teóricas
Jurisprudência e da Doutrina. Pode-se constatar a assertiva de constitucionalizas como José Afonso da Silva e Raul
pelo próprio registro da legislação no âmbito da História da Machado Horta, especialmente o primeiro, por haver
Educação Brasileira. construído uma teorização de estruturação das normas
Tomemos, por exemplo, obras como historiográficas como constitucionais cujas categorias permitem, uma vez aplica-
as Otaíza romanelli, Maria Luísa Ribeiro, Chiridalli, que ao das à legislação do ensino, a análise e a sistematização das
relatarem sobre os fatos históricos da educação brasileira, normas
apresentam a legislação apenas como reflexo das 90
correlações de força política que dominam, em determina- 90
do momento da história nacional, a estrutura de poder. educacionais.
As normas ou determinantes jurídicos são atuantes no No Brasil, somente a partir dos anos 90 é que legislação
sistema escolar brasileiro e respondem pela maior parte da educacional passa ter mais eficácia e eficiência na adminis-
organização e funcionamento do sistema escolar brasileiro. tração pública. Acredito mesmo que não houve, a rigor, no
O êxito ou fracasso da organização escolar está condiciona- Brasil, até meados dos anos 90, uma sistematização mais
do aos determinantes jurídicos da sociedade. Se isso é rigorosa das normas educacionais, a menos que se entenda
verdade, as incursões dos educadores e historiógrafos da por sistematização apenas uma indexação da legislação do
educação brasileira pelo campo do Direito Educacional são ensino.
uma necessidade premente. A sistematização vai além da classificação normativa, impli-
No tocante ao Direito Constitucional, a maior contribuição ca em sinalizar princípios que regem o ordenamento
das obras de História da Educação Brasileira está na indexa- educacional do País, sem os quais não há como ultrapassar
ção das fontes legais e do registro de mudanças ocorridas a fase de legislação do ensino e alcançar a fase do direito
na estrutura do sistema educativo decorrentes das consti- educacional propriamente dita que, por sua vez, implica em
tuições, leis constitucionais e da legislação do ensino, um corpo doutrinário.
especialmente decretos, portarias e pareceres. A teorização de José Afonso da Silva traz a perspectiva de
No entanto, não se constrói o Direito Educacional, dentro não apenas mapear as normas educacionais no âmbito das
de uma perspectiva mais doutrinária, apenas com uma Constituições, das Leis Constitucionais, Leis Complementa-
indexação legislação, de caráter alfabético ou cronológico, res e Ordinárias, seja a nível da União ou dos Estados, mas
mas com a doutrina ou construção jurídica das fontes de mostrar como elas, no arcabouço jurídico, estão coorde-
legais, isto é, qualificando juridicamente as normas legais nadas entre si. Em substância, a sistematização das normas
para alcance prática efetivamente eficaz educacionais com fins de construção jurídica do Direito
Em substância, as leis não devem ser apenas registradas Educacional tem como maior exigência uma qualificação
como fatos políticos, mas interpretados à luz da técnica jurídica das normas.
jurídica capaz de revelar a virtualidade da regulação da Um dado importante e central na relação Estado e
sociedade. Educação, certamente é a definição de competências e
Entre as obras que organizam a legislação do ensino na incumbências dos entes federativos, inclusive, para fazer
medida em que as mudanças vão corrente na estrutura do valer o reordenamento do Estado Federal brasileiro que
sistema educativo, estão História da Educação no Brasil, de reconhece a União, os Estados, os Municípios e o Distrito
Otaíza de Oliveira Romaneli, que, inclusive, oferece, na Federal como entes federativos.
bibliografia de seu trabalho, um índex de documentos Ora, quanto mais qualificamos juridicamente as normas
legislativos seguindo um critério cronológico (1983, p. legais relativas à Educação, mas determinamos o grau de
265-267). A legislação, no decorrer da obra historiográfica, responsabilidade social das entidades intergovernamen-
é apontada pela autora como fator atuante na evolução do tais e sua capacidade de produção ou criação legislativa.
sistema educacional brasileiro, mas imposto pelas facções Daí a sistematização, sob a ótica do Direito Constitucional,
políticas à organização do ensino (ROMANELLI: 1983, contribuir para a definição das competências constitucio-
P.127). nais da Educação na medida em que vai definindo os
Na História da Educação, de Paulo Ghiraldelli Jr. a legis- atores-agentes ou coadjuvantes nos processos educativos
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