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URGÊNCIA E EMERGÊNCIA – PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA

SEBASTIAN BOUZADA, MED XIX

1) INTRODUÇÃO
 A “Peritonite Bacteriana Espontânea” (PBE) constitui infecção de LA previamente
estéril na ausência de foco intra-abdominal de infecção. Apresenta-se como uma das
infecções mais comuns nos pacientes cirróticos com ascite, causando grande morbidade
e mortalidade ao paciente.
 Estima-se uma prevalência de 10 a 30% em pacientes cirróticos com ascite admitidos no
hospital. A mortalidade dos pacientes que no início do tratamento não têm choque ou
disfunção renal varia de 0 a 10%, mas ultrapassa 60% em pacientes com IR severa no
diagnóstico. Além disso, dos casos internados nos hospitais, metade é oriunda da
comunidade e o restante desenvolve PBE durante a internação.
 Por fim, foi-se demonstrado que baixas concentrações de proteínas no LA são um fator
decisivo para o desenvolvimento de PBE, pois se correlacionam diretamente com a
concentração de moléculas de opsoninas. Dessa maneira, uma baixa concentração de
proteínas (especialmente abaixo de 1,0 g/dL) aumenta o risco de PBE.

2) FISIOPATOLOGIA E ETIOLOGIA
 A ascite se desenvolve devido as alterações circulatórias e renais associadas a cirrose. A
principal alteração é a vasodilatação esplâncnica devido a hipertensão portal e
produção local de vasodilatadores (especialmente oxido nítrico). A medida que a doença
progride, a vasodilatação se agrava, há redução do volume arterial efetivo e da pressão
arterial com ativação de fatores vasoconstritores e antinatriuréticos, retenção de sódio
e líquidos. A combinação da hipertensão portal e vasodilatação arterial esplâncnica leva
a acumulo de fluidos na cavidade peritoneal (ascite).
 A PBE resulta da colonização do liquido ascítico (com baixas concentrações proteicas)
como resultado de bacteremias espontâneas. Tais bacteremias são comuns nos
pacientes com doença hepática aguda severa ou crônica (no momento da infecção do
liquido, 54% dos pacientes apresentam hemocultura positiva). Apesar de migração
transmural de bactérias do intestino ser uma possível rota, aparentemente só e
importante na presença de lesão da mucosa ou após irritação química do peritônio.
 Em relação à etiologia, bactérias aeróbicas gram-negativas (Escherichia coli e Klebsiella
pneumoniae) e Streptococcus pneumoniae são os micro-organismos mais
frequentemente isolados. Acredita-se que tais bactérias entéricas atravessam a mucosa
intestinal até os linfonodos mesentéricos e caem na circulação diretamente ou via ducto
torácico, promovendo bacteremias transitórias que levam à infecção da ascite.
3) ACHADOS CLÍNICOS
 O quadro clínico costuma ser frusto e inespecífico. Cerca de 10 a 30% dos casos são
assintomáticos no momento do diagnóstico. Frequentemente, a PBE apresenta-se não
pelos sintomas abdominais, mas através de piora da função renal ou do início de
encefalopatia hepática. Sendo assim, devido à inespecificidade do quadro clinico, a
paracentese diagnóstica é recomendada sempre que houver deterioração clínica de
um cirrótico com ascite.
 Quando presentes, os sintomas mais comuns são: Febre (69%) e Dor Abdominal (59%).
Sinais clássicos de peritonite como Rigidez Abdominal são incomuns pela própria
presença da ascite. Outros sintomas e sinais comuns são: Encefalopatia Hepática (54%),
Diarreia (32%), Íleo Paralitico (30%), Choque (21%) e Hipotermia (17%).

4) FATORES PREDISPONENTES
 Dentre os principais fatores predisponentes de PBE, podemos mencionar:
1) Doença Hepática Avançada (Child-Pugh C);
2) Bilirrubina Total > 2,5 mg/dL;
3) Proteínas Totais no LA < 1 g/dL;
4) Sangramento Gastrointestinal Agudo;
5) Infecção Urinária;
6) Procedimentos Invasivos (Sondas Urinárias ou Cateteres Intravasculares);
7) Episódio Prévio de PBE;

5) EXAMES COMPLEMENTARES
 O diagnóstico de PBE é feito através da análise do LA. O procedimento é seguro, mesmo
na presença de coagulopatia, com taxas de complicações muito baixas. Assim, a
paracentese deve ser indicada nas seguintes situações:
1) Cirróticos com ascite admitidos no hospital por qualquer razão;

2) Chegada ao PS com encefalopatia hepática ou piora da função renal;

3) Pacientes com ascite que desenvolvem durante a hospitalização um dos seguintes


sintomas: (1) “Sintomas e Sinais locais sugestivos de peritonite”, (2) “Sepse” e (3)
“Encefalopatia Hepática ou piora progressiva da função renal sem um fator
predisponente claro”;

4) Todos os pacientes com ascite que apresentem sangramento gastrointestinal antes


de se administrar antibióticos profiláticos;

 Outros exames complementares incluem:


- Hemoculturas: Hemoculturas de sangue periférico;
- Hematológico: Hemograma e Coagulograma;
- Bioquímica: Sódio, Potássio, Ureia e Creatinina;
- Exames de Suspeição: EAS, RX de Tórax, Amilase, Lipase, Enzimas Hepáticas, etc;
- Imagem de Abdome: USG, Tomografia, Laparoscopia, etc;

6) CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE PBE


 A infecção do LA promove uma intensa reação inflamatória local, com aumento
dramático da concentração de PMN e citocinas inflamatórias na ascite. Apesar disso, a
concentração de bactérias é muito baixa e cerca de 10 a 30% dos pacientes
apresentam culturas negativas do LA. No entanto, o melhor critério diagnóstico de PBE
é a presença de contagem de PMN ≥ 250/mm³.
 Com base no resultado das culturas e da contagem de PMN, a infecção do LA pode ser
dividida em algumas variantes:

7) DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
 Os quadros de PBE são geralmente oligossintomático e pouco específicos. Sendo assim,
sua diferenciação de outros quadros infecciosos que podem ocorrer no hepatopata
deve ser sempre feita. Nesses casos, a paracentese diagnóstica é de suma importância.
 Um cuidado importante é procurar diferenciar a PBE de PBS, Neoplasias Abdominais
(Carcinomatose Peritoneal e Hepatocarcinoma), Ascite Pancreática, Tuberculose
Peritoneal ou Ascite Causada por Fungos.
 Em algumas vezes, ainda persistindo a dúvida (se PBE ou PBS), deve-se coletar o LA após
48h. Na PBS, a contagem de PMN aumenta, enquanto na PBE, diminui.

8) TRATAMENTO
 Seguindo-se ao diagnóstico de PBE pela contagem de PMN na ascite, Antibioticoterapia
empírica deve ser instituída. Dessa forma, os principais pontos relacionados ao
tratamento da PBE incluem:
1) ANTIBIOTICOTERAPIA EMPÍRICA: Dentre os principais exemplos, temos:
- Amoxicilina-Clavulanato: Iniciada por via EV e depois trocada pela VO, se houver
melhora clínica.
- Quinolonas: Apesar do tratamento inicial de eleição ser o EV, alguns estudos
demonstraram eficácia semelhante da VO. No entanto, não devem ser usadas
empiricamente nos pacientes que fazem profilaxia de PBE com Norfloxacino ou
Ciprofloxacino.
- Cefalosporinas: Geralmente consiste na primeira escolha. Seus principais
exemplos incluem: Ceftriaxona e Cefotaxima.
2) ALBUMINA: A disfunção renal ocorre em aproximadamente um terço dos pacientes
com PBE. Aparentemente, ela se desenvolve devido a uma maior redução do
volume arterial efetivo desencadeado pela infecção, com aumento da ativação do
SRAA. Estudos comprovaram a eficácia da albumina no tratamento da PBE quando
associada à Antibioticoterapia.
- Posologia: 1,5 g/kg no 1º dia e 1,0 g/kg no 3º dia.
- Grupos Beneficiados: Apenas um subgrupo dos pacientes com PBE realmente se
beneficia da utilização da Albumina. São eles: (1) “Creatinina Sérica > 1 mg/dL”, (2)
“Ureia > 60 mg/dL” e/ou (3) “Bilirrubina Total > 4 mg/dL”;

9) RESPOSTA AO TRATAMENTO
 A resolução da PBE é obtida em aproximadamente 90% dos casos com suporte clínico,
antibioticoterapia e albumina. A resolução da infecção é acompanhada de melhora
rápida e progressiva das condições gerais do paciente, com desaparecimento dos
sintomas e sinais sistêmicos de infecção.
 Conforme descrito, o tratamento atual tem duração de 5 dias e não há necessidade de
paracentese de controle após 48 horas, conforme era preconizado antigamente, exceto
em algumas circunstâncias específicas, como pacientes que não melhoram com o
tratamento ou pioram apesar do tratamento. Nesses casos, uma paracentese deve ser
feita após 48 horas de tratamento e uma queda da contagem de PMN do liquido ascítico
maior que 25% sugere terapia apropriada.

10) PROFILAXIA PARA PBE


 A profilaxia para PBE deve ser realizada nos seguintes contextos:
I) Pacientes Cirróticos com uma PBE prévia: Devem receber profilaxia por tempo
indeterminado. As opções de escolha são: Norfloxacino (400 mg, 1x/dia) ou
Ciprofloxacino (750mg, 1x/semana).
II) Pacientes Cirróticos e Ascíticos com Hemorragia Digestiva: Se houver PBE, tratar
conforme descrito. Se não houver PBE, deve ser instituída profilaxia, pois até 50% desses
pacientes podem evoluir com PBE. A escolha é com Norfloxacino Oral (400mg de
12/12h por 7 dias) ou Norfloxacino Endovenoso (200 mg de 12/12h por 7 dias) ou
Ceftriaxona (1-2g, 1x/dia).
III) Pacientes em que não há LA puncionável: É importante lembrar que se não houver
LA “puncionável”, deve também ser prescrita profilaxia para PBE.

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