Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
5 tecnologias avançadas da O céu não é o limite: Milênios atrás, um gato deixou Em imagens: Vikings em
Era Napoleônica Bartolomeu de Gusmão sua marca nesta telha ataque
Lira Neto
Em seu aparato de guerra | Crédito: Reprodução
gado.
Quase 80 anos após a morte do principal líder do cangaço, Virgulino Ferreira da Silva,
o Lampião, a aura de heroísmo que durante algum tempo tentou-se atribuir aos
Uma série de livros, teses e dissertações acadêmicas lançados nos últimos anos
defende que não faz sentido cultuar o mito de um Lampião idealista, um revolucionário
ao dos traficantes de drogas que hoje sequestram, matam e corrompem nas grandes
metrópoles do país.
Cangaceiros e traficantes
reféns em troca de dinheiro para financiar novos crimes. Caso não recebessem o
fonte de renda. Mandavam cartas, nas quais exigiam quantias astronômicas para não
invadir cidades, atear fogo em casas e derramar sangue inocente. Ofereciam salvo-
condutos, com os quais garantiam proteção a quem lhes desse abrigo e cobertura, os
chamados coiteiros. Sempre foram implacáveis com quem atravessava seu caminho:
civis, de quem recebiam armas e munição. Um arsenal bélico sempre mais moderno e
com maior poder de fogo que aquele utilizado pelas tropas que os combatiam.
“A maioria dos moradores das favelas de hoje não é composta por marginais. No
sertão, os cangaceiros também eram minoria. Mas, nos dois casos, a população
honesta e trabalhadora se vê submetida ao regime de terror imposto pelos bandidos,
aventuras e perigos. Era uma via de acesso ao dinheiro rápido e sujo de sangue,
Homem e lenda
Virgulino Ferreira da Silva reinou na caatinga entre 1920 e 1938. A origem do cangaço,
porém, perde-se no tempo. Muito antes dele, desde o século 18, já existiam bandos
Nordeste, território onde campeava a violência, a lei dos coronéis, a miséria e a seca.
madeira colocada sobre o pescoço dos bois de carga. Assim como o gado, os
que aterrorizou as terras pernambucanas por volta de 1775. Outro que marcou época
foi o potiguar Jesuíno Alves de Melo Calado, o Jesuíno Brilhante (1844-1879), famoso
por distribuir entre os pobres os alimentos que saqueava dos comboios do governo.
Mas o primeiro a merecer o título de Rei do Cangaço, pela ousadia de suas ações, foi
Lampião sempre afirmou que entrou na vida de bandido para vingar o assassinato do
Talhada (PE), foi morto em 1920 pelo sargento de polícia José Lucena, após uma
daquele tempo, a vingança e a honra ofendida caminhavam lado a lado. Fazer justiça
entendida como sintoma de frouxidão moral. “Na minha terra,/ o cangaceiro é leal e
valente:/ jura que vai matar e mata”, diz o poema “Terra Bárbara”, do cearense Jáder
de Carvalho (1901-1985).
No mesmo ano de 1920, Virgulino Ferreira entrou para o grupo de outro cangaceiro
célebre, Sebastião Pereira e Silva, o Sinhô Pereira – segundo alguns autores, quem o
motivo do codinome. Há quem diga que o batismo se deveu ao fato de ele manejar o
rifle com tanta rapidez e destreza que os tiros sucessivos iluminavam a noite. O olho
atribuída a Sinhô Pereira, segundo a qual Virgulino teria usado o clarão de um disparo
preso após um combate com a polícia. Só a partir de 1922, após assumir o bando de
estrategista, Lampião distinguiu-se pela valentia nas pelejas com a polícia, como em
1927, em Riacho de Sangue, durante um embate com os homens liderados pelo major
policiais. O tiroteio corria solto e a vitória da polícia era iminente. Lampião ordenou o
bateram em retirada.
mesmo mês da tocaia de Riacho de Sangue, Lampião e seu bando caíram em nova
conta da tramóia e tentou fugir, mas viu-se acuado por um incêndio proposital na mata.
O que era para ser uma arapuca terminou por salvar a pele dos cangaceiros:
Mas o maior trunfo de Lampião foi o de cultivar uma grande rede de coiteiros. Isso
bando estendeu-se por Alagoas, Ceará, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do
a ação da polícia. Em 1926, em tom de desafio e zombaria, chegou a enviar uma carta
ao governador de Pernambuco, Júlio de Melo, propondo a divisão do estado em duas
demônio nem um herói. Era um cangaceiro. Muitas das crueldades imputadas a ele
Artimanhas do cangaço
Embora seja inadequado referir-se aos cangaceiros como guerrilheiros – eles não
tinham nenhum propósito político –, é inegável que lançaram mão de táticas típicas da
guerrilha. Habituados a viver na caatinga, não eram presa fácil para a polícia,
no sertão. Uma das maiores dificuldades de enfrentá-los era a de que preferiam ataques
cerimônia em fugir quando se viam acuados. Houve quem confundisse isso com
corpo. Como não se podia carregar muita bagagem, dinheiro e comida eram colocados
truques: usar as sandálias ao contrário nos pés. Pelas pegadas, a polícia achava que eles
iam na direção contrária (detalhe); andar em fila indiana, de costas, pisando sobre as
mesmas pegadas, apagadas com folhagens; pular sobre um lajedo, dando a impressão
de sumir no ar.
combate, pois isso dificultaria a capacidade de se mover com rapidez. Também não
coiteiro e agia em troca de dinheiro, de proteção armada ou mesmo por medo. Coiteiros
estaduais. Em caso de perseguição, eles podiam cruzá-las para ficar a salvo do ataque
da polícia local.
caso de retirada, nunca deixar armas para o inimigo; nas vitórias, apoderar-se do
arsenal dele.
jornais da época, que geralmente tinham a polícia como principal fonte. Com tantas
lenda. “Acho que está justamente aí, nessa multiplicidade de olhares e versões, a
grande força do personagem que ele foi. É isso que nos ajuda inclusive a entender sua
“Lampião VP”
escritor Jack de Witte, Lampião VP, compara a trajetória do Rei do Cangaço com a do
“bandido social”, expressão criada pelo historiador inglês Eric Hobsbawm para definir
dos oprimidos.
Libertadora citou Virgulino como um de seus inspiradores políticos. A tese foi reforçada
qual o autor, Rui Facó, justifica a violência física do cangaço como uma resposta à
das Ligas Camponesas e militante político pela reforma agrária, declarava que
arbitrariedade”.
“Lampião não era um revolucionário. Sua vontade não era agir sobre o mundo para lhe
impor mais justiça, mas usar o mundo em seu proveito”, afirma a também a
Brasileiro, Mello diz que o cangaceiro e o coronel não eram rivais. Os coronéis
Marqueteiro da caatinga
A ideia de que Lampião fosse um vingador também é contestada por Mello. Ele
assassinato de seu pai. De acordo com um dos homens de Virgulino, Miguel Feitosa, o
objetivo de selar a paz entre eles. Um portador teria agradecido por Lampião. O
mesmo Medalha dizia que o ex-soldado Pedro Barbosa da Cruz propôs matar Lucena
por dinheiro. “Deixe disso, essas são questões velhas”, teria respondido Lampião.
banditismo.
Apesar da vida árdua, quem entrava no cangaço dificilmente conseguia (ou queria)
sair dele. Havia um notório orgulho de pertencer aos bandos, revelado também na
bordados coloridos foram típicos dos momentos finais do cangaço. Lampião era um
homem bem preocupado com sua imagem pública, o que colaborou para que
Pernambucano de Mello. ➽
cangaceiros
Uma sertaneja amoleceu o coração de pedra do Rei do Cangaço. Foi Maria Gomes de
Oliveira, a Maria Déa, também conhecida como Maria Bonita. Separada do antigo
marido, o sapateiro José Miguel da Silva, o Zé de Neném, foi a primeira mulher a entrar
no cangaço. Antes dela, outros bandoleiros chegaram a ter mulher e filhos, mas
nenhuma esposa até então havia ousado seguir o companheiro na vida errante no meio
da caatinga. O primeiro encontro entre os dois foi em 1929, em Malhada de Caiçara
(BA), na casa dos pais de Maria, então com 17 anos e sobrinha de um coiteiro de
Virgulino. No ano seguinte, a moça largou a família e aderiu ao cangaço, para viver ao
lado do homem amado. Quando soube da notícia, o velho mestre de Lampião, Sinhô
que elas só trariam a discórdia e o ciúme entre seus “cabras”. Mas, depois da chegada de
Maria Déa, em 1930, muitos outros cangaceiros seguiram o exemplo do chefe. Mulher
cangaceira não cozinhava, não lavava roupa e, como ninguém no cangaço possuía casa,
também não tinha outras obrigações domésticas. No acampamento, cozinhar e lavar era
tarefa reservada aos homens. Elas também só faziam amor, não faziam a guerra: à
com Maria Bonita não foi diferente. O papel que lhes cabia era o de fazer companhia a
seus homens. Os filhos que iam nascendo eram entregues para ser criados por coiteiros.
Lampião e Maria tiveram uma filha, Expedita, nascida em 1932. Dois anos antes, aquele
que seria o primogênito do casal nascera morto, em 1930. Entre os casais, a infidelidade
mulher, Lídia, a golpes de cacete, quando descobriu que ela o traíra com o colega Bem-
Te-Vi. Outro companheiro de bando, Moita Brava, pegou a companheira Lili em amores
com o cabra Pó Corante. Assassinou-a com seis tiros à queima-roupa. A chegada das
mulheres coincidiu com o período de decadência do cangaço. Desde que passou a ter
Maria Bonita a seu lado, Lampião alterou a vida de eterno nômade por momentos cada
sobre o cangaceiro era visível. “Lampião mostrava-se bem mudado. Sua agressividade
se diluía nos braços de Maria Déa”, afirma o pesquisador Pernambucano de Mello. Foi
contra as tropas do tenente José Bezerra. Conta-se que, quando lhe deceparam a
cabeça, a mais célebre de todas as cangaceiras estava ferida, mas ainda viva.
tatuagens de caveiras espalhadas pelo corpo”. A violência policial é outro aspecto que
aproxima o universo de Lampião do mundo do tráfico. Como ocorre hoje nas favelas
cangaço, não havia grandes diferenças entre a ação de bandidos e soldados. Não
raro, eles se trajavam do mesmo modo – o que chegava a provocar confusões – e uns
se bandeavam para o lado dos outros. Cangaceiros como Clementino José Furtado, o
Mormaço fez o movimento contrário. Havia sido corneteiro da polícia antes de aderir a
Lampião.
Como é comum à história da maioria dos criminosos, uma morte trágica e violenta
marcou o fim dos dias de Virgulino. Traído por um de seus coiteiros de confiança,
Pedro de Cândida, que foi torturado pela polícia para denunciar o paradeiro do bando,
mais de 30 anos, as cabeças dos dois permaneceram insepultas. Em 1969, elas ainda
atual Serra Talhada, Pernambuco. É o terceiro dos nove filhos de José Ferreira e
Maria Lopes.
➽1920: José Ferreira é morto. Virgulino e três irmãos (Ezequiel, Levino e Antônio)
entram para o cangaço. Durante um tiroteio em Piancó (PB), ele é ferido no ombro e
Torres, em Alagoas.
➽1925: Fica cego do olho direito e passa a usar óculos para disfarçar o problema.
bala na omoplata.
➽1927: Ataque do bando a Mossoró (RN). A cidade resiste. É uma das maiores
➽1928: A ação da polícia de Pernambuco faz com que atravesse o rio São Francisco
➽ 1929: Primeiro encontro com Maria Bonita, na fazenda do pai dela, em Malhada do
Caiçara (BA).
➽1930: Maria Bonita torna-se sua mulher e ingressa no bando. O governo da Bahia
oferece uma recompensa de 50 contos de réis para quem o entregar vivo ou morto.
governador de Sergipe.
Novo.
Saiba mais
Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste Brasileiro, Frederico Pernambucano de Mello,
2004
Recomendado por
0 comentários Classificar por Mais antigos
Adicionar um comentário...