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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

SIMONE MICHELLE SILVESTRE GUILHERME PICO

ESPAÇO DE ENUNCIAÇÃO E PROCESSO DE


GRAMATIZAÇÃO DAS LÍNGUAS DE TIMOR-LESTE: A
CONFIGURAÇÃO DISCURSIVA DE UMA POLÍTICA DE
LÍNGUA DE ESTADO

CAMPINAS,
2016
SIMONE MICHELLE SILVESTRE GUILHERME PICO

ESPAÇO DE ENUNCIAÇÃO E PROCESSO DE GRAMATIZAÇÃO DAS


LÍNGUAS DE TIMOR-LESTE: A CONFIGURAÇÃO DISCURSIVA DE
UMA POLÍTICA DE LÍNGUA DE ESTADO

Tese de doutorado apresentada ao Instituto


de Estudos da Linguagem da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do título
de Doutora em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Monica Graciela Zoppi Fontana

Este exemplar corresponde à versão


final da Tese apresentada pela
aluna Simone Michelle Silvestre Guilherme Pico e orientada
pela Profa. Dra. Monica Graciela Zoppi Fontana

CAMPINAS,
2016
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 2012-6/140281; CAPES, 6347-13-4

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624

Silvestre, Simone Michelle, 1978-


Si39e SilEspaço de enunciação e processo de gramatização das línguas de Timor-
Leste : a configuração discursiva de uma política de língua de Estado / Simone
Michelle Silvestre Guilherme Pico. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

SilOrientador: Monica Graciela Zoppi Fontana.


SilTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.

Sil1. Língua portuguesa - Timor Leste. 2. Língua tétum. 3. Língua indonésia -


Timor Leste. 4. Gramática comparada e geral - Gramatização. 5. Enunciação
(Linguística). 6. Política linguística - Timor Leste. 7. Ideias linguísticas - História.
8 . Análise do Discurso. I. Zoppi-Fontana, Monica,1961-. II. Universidade
Estadual de Campinas.Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Enunciation space and grammatization process of East Timor
languages : the discursive configuration of a language policy
Palavras-chave em inglês:
Portuguese language - East Timor
Tetum language
Indonesian language - East Timor
Grammar, Comparative and general - Grammatisation
Enunciation (Linguistics)
Language policy - East Timor
Linguistic ideas - History
Discourse Analysis
Área de concentração: Linguística
Titulação: Doutora em Linguística
Banca examinadora:
Monica Graciela Zoppi Fontana [Orientador]
José Simão da Silva Sobrinho
Luiza Kátia Andrade Castello Branco
José Horta Nunes
Ana Cláudia Fernandes Ferreira
Data de defesa: 16-12-2016
Programa de Pós-Graduação: Linguística
BANCA EXAMINADORA:

Monica Graciela Zoppi Fontana

José Simão da Silva Sobrinho

Luiza Kátia Andrade Castello Branco

José Horta Nunes

Ana Cláudia Fernandes Ferreira

Guilherme Adorno de Oliveira

Suzy Maria Lagazzi

Fernando Augusto de Figueiredo

IEL/UNICAMP
2016

Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no


processo de vida acadêmica do aluno.
Dedico esta tese a todos os timorenses que lutaram não apenas pela sua
sobrevivência e a dos seus pares nas diversas situações de dominação pelas quais
o país passou, mas também por aqueles que, até hoje, resistem para que, além do
tétum, outras línguas de Timor-Leste sejam reconhecidas. Situações de intensa
resistência para que o tétum, o português, o inglês e o indonésio não sejam as
únicas línguas consideradas pelas autoridades políticas do país. Dedico, com
carinho, à Cátia, menina-mulher, símbolo de persistência e de resistência na vida.
AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Mónica Graciela Zoppi Fontana, minha orientadora, pelo


encaminhamento tranquilo que soube conferir em cada momento da pesquisa e pelo
apoio nos percursos em que precisei de uma conversa, não apenas para resolver
questões teóricas e de escrita da tese, mas, especialmente, pelo amparo pessoal e
por me ouvir, com toda paciência e generosidade, características que lhes são muito
próprias. Para sempre muito grata por tudo!
Ao Prof. Dr. Fernando Augusto de Figueiredo, historiador e pesquisador,
que atendeu a todas as nossas solicitações prontamente, sempre com muito boa
disposição, generosidade, competência e seriedade. Agradeço-lhe pela amizade
sincera, pelo cuidado em todos os momentos e pelo carinho com que me acolheu e
me orientou em Lisboa. Muitíssimo obrigada pelo apoio incondicional e por viabilizar
o desenvolvimento do nosso trabalho! Este estudo deixaria de existir se o professor
não tivesse dito “sim” ao nosso pedido de acolhimento da pesquisa em terras
portuguesas.
À esposa do Prof. Fernando Figueiredo, Dona Georgina, pela mesa de
café da tarde repleta de guloseimas caseiras, tudo preparado por ela. Grata pelos
mimos!
À mãe do Prof. Fernando, pela simpatia, pelo entusiasmo e pela conversa
sobre “as primas do Rio de Janeiro”, em uma tarde de dezembro de 2013, em Mem
Martins, Lisboa, Portugal.
Ao amigo Luís Costa, pesquisador timorense radicado em Lisboa.
Primeira pessoa a me receber no aeroporto e a ter o cuidado e a paciência para me
explicar como funcionava o sistema de transporte na capital do país, a se interessar
pela pesquisa, e, principalmente, a me indicar como chegar a alguns locais que teria
de ir, inclusive, levando-me, pessoalmente, aos mesmos. Foi também na companhia
do amigo timorense que, pela primeira vez, conheci e me encontrei com o Prof. Dr.
Fernando A. de Figueiredo, meu orientador em Portugal. Obrigada, ótimo amigo e
conselheiro!
Ao Sr. Carlos Boavida, pelas traduções das expressões e das palavras
em línguas indonésia e tétum, e à minha querida amiga Isabel Boavida, pelas idas e
vindas por lugares de Lisboa e pelas palavras de otimismo e pelo incentivo de
sempre.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior), pela concessão da Bolsa PDSE (Programa de Doutorado Sanduíche no
Exterior - Processo nº. 6347-13-4 ), junto à Universidade Nova de Lisboa, em
Portugal. Este trabalho não teria sido possível sem o apoio financeiro que me
permitiu pesquisar em arquivos, em bibliotecas, em centros de documentação, em
universidades de Portugal e a dialogar com outros pesquisadores que também se
interessavam e tinham como objeto de pesquisa Timor-Leste.
Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico), pelo financiamento da bolsa de doutorado (Processo nº. 2012-
6/140281), aqui no Brasil, sem a qual não conseguiria realizar toda a trajetória
acadêmica, mantendo-me em Barão Geraldo, Campinas, São Paulo.
À Profa. Dra. Kelly Silva, docente na UnB, pelas conversas sobre Timor-
Leste e pelas informações a respeito dos professores-pesquisadores portugueses
que trabalhavam com questões ligadas ao país. Obrigada pela indicação de
caminhos possíveis!
Ao Prof. Dr. Alan Silvio Ribeiro Carneiro, amigo do coração e parceiro
engajado no trabalho que realizamos como docentes no Curso de Especialização
Lato Sensu em Ensino da Língua Portuguesa na Universidade Nacional Timor
Lorosa´e, em Timor-Leste, nos anos de 2008 e 2009. Saudades dos nossos
momentos de crescimento intelectual, pessoal e profissional!
Ao Prof. Dr. Fernando Spagnolo, coordenador do Programa de
Qualificação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa no Timor-Leste (PQLP),
da CAPES, pela oportunidade que me foi concedida para atuar como docente, nos
anos de 2008 e 2009, na Universidade Nacional Timor Lorosa’e. Uma outra
realidade foi-me apontada e que era possível ser professora com praticamente
quase nada: poucos livros, um pedaço de lousa e uma cadeira, poucas carteiras e
cadeiras escolares, às vezes, nem mesmo água. Muito trabalho, dedicação e
persistência foram necessários. Valeu a pena, pois, foi possível recomeçar ... fazer
diferente em uma terra repleta de pessoas motivadas e integrantes de uma cultura
contagiante e envolvente. Obrigada pela oportunidade única!
As(os) minhas(meus) queridas(os) e dedicadas(as) alunas(os) do Curso
de Especialização Lato Sensu em Ensino da Língua Portuguesa oferecido pela
Capes em cooperação com o Ministério da Educação e da Cultura do Governo da
República Democrática de Timor-Leste. Muitas saudades de todos e de Timor-Leste!
À amiga portuguesa e a melhor profissional da área de Documentação e
Arquivo que tive o prazer e a honra de conhecer em Lisboa, Filomena Rosa, da
Biblioteca Ultramarina do Gabinete de Património Histórico da Caixa Geral de
Depósitos de Lisboa. Sinto saudades da sua recepção sempre muito carinhosa e
generosa, das nossas conversas e do acolhimento nos dias mais difíceis, em que
me encontrava longe do meu país, da minha família e dos meus amigos. Agradeço
pelos momentos agradabilíssimos que passei no Gabinete em meio a tanta
documentação e muita leitura, para que, no dia seguinte, encontrasse tudo
fotocopiado e organizado. Obrigada por tudo, pois, sem o seu empenho, a sua
dedicação e o seu profissionalismo, esta pesquisa não contaria com muitos dos
materiais disponíveis no acervo. Imensa saudade e gratidão sempre!
Aos inesquecíveis funcionários do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU),
especialmente, à Sra. Manuela Portugal, aos Srs. Jorge Nascimento e José Sintra
Martinheira e aos Srs. Mário e Helder. Obrigada pela gentileza e pela paciência!
À Profa. Dra. Claudia Regina Castellanos Pfeiffer, pelos diversos
encontros e pela leitura atenta e cuidadosa do trabalho da qualificação de área e ao
Prof. Dr. Leandro Diniz e à Profa. Dra. Vanise Medeiros pelas contribuições
oferecidas para a qualificação da tese. Obrigada pelas valiosíssimas orientações e
pelos comentários!
Aos professores Fernando Augusto de Figueiredo, Guilherme Adorno de
Oliveira e a professora Suzi Maria Lagazzi, pelo interesse e pela disponibilidade em
comporem a suplência na defesa da tese.
Aos funcionários da Comissão de Pós-Graduação (CPG) do Instituto de
Estudos da Linguagem – IEL – UNICAMP, Claudio, Rose e Miguel, pelo
profissionalismo e pela gentileza de sempre prestados durante o meu doutorado.
Aos funcionários da Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem –
IEL – UNICAMP, pela simpatia e pela atenção que sempre demonstraram no
atendimento ou quando algum tipo de ajuda lhes era solicitado.
Aos funcionários do Audiovisual e aos da Informática do IEL em poder
contar com os mesmos sempre que me foi necessário.
Aos funcionários e aos colegas do Centro de Documentação Lucas
Gamboa, do Instituto de Economia – Unicamp, pela gentileza e pelo ambiente
sempre receptivo, tranquilo e acolhedor, onde uma palavra amiga e bem-humorada
foi sempre possível.
A todos os colegas de Graduação e aos de Pós-Graduação no Brasil e
em Portugal (Hélio, Daiane, Guilherme, Ana Paula, Valquíria, Luciana, Alan, Gabino,
Alexandre, Isabel, Elza, Jéssica e Santa Maria) que de alguma forma fizeram parte
da minha vida, fosse para a realização de algum trabalho, fosse para momentos de
estudo em conjunto, fosse para compartilhar projetos ou ideias, fosse para
conversar, fosse para passear, fosse para dar boas risadas ou para assuntos mais
sérios. Meu muito obrigada e saudades!
Aos meus pais e irmãos, representantes do amor incondicional de longa
data, por me ensinarem que devemos ser perseverantes e dedicados e que auxiliar
o próximo é sempre possível. Continuamos ligados à Cátia e amo muito todos vocês.
Ao tio José Luiz, pelas acolhidas em São Paulo e pelas conversas de
otimismo quando o cansaço e o desânimo me invadiam em Barão Geraldo.
Obrigada, tio!
Aos meus familiares, especialmente aqueles que sempre torceram pelas
minhas conquistas e por mim, ainda que não soubessem ao certo o que eu estava
fazendo. Obrigada família!
À Ana Margarida, irmã do meu esposo, por ter me ajudado a carregar
malas pesadíssimas com a documentação da pesquisa e pela sua generosidade e
capacidade de compreensão do próximo. Obrigada, querida Ana!
Aos pais, aos irmãos e namorados, às avós, aos tios e tias, aos primos e
primas, aos amigos da família, do meu esposo, que sempre me trataram muito bem
e me receberam, com carinho e atenção, desde o início de tudo.
E por fim, agradeço, com todo carinho e gratidão, ao amoroso, generoso e
compreensivo Nuno Alexandre Pico, meu esposo, amigo e companheiro, deste lado
de cá da vida e do Atlântico.
RESUMO

O objetivo desta pesquisa de doutorado é apresentar e analisar as condições de


produção envolvidas no processo de gramatização das línguas de Timor-Leste,
principalmente nos séculos XIX e XX, e os efeitos ideológicos produzidos pela
gramatização no país, este, desde sempre, afetado pelas divisões entre as línguas e
os sujeitos. Para isso, detemos-nos em dois períodos históricos conflitantes na
formação do território timorense: o da colonização portuguesa no Timor Português,
do século XVI ao XX, e o do controle indonésio, entre 1976 a 1999. Sob a
perspectiva da Análise Materialista do Discurso (AD), na sua relação com a História
das Ideias Linguísticas (HIL), analisamos sequências discursivas produzidas, entre o
século XVI ao XX, por viajantes, missionários católicos, governadores portugueses,
guerrilheiros timorenses e discursos sobre as línguas dos prólogos de instrumentos
linguísticos escritos pelos padres católicos nos últimos dois séculos. As análises
realizadas apontaram que as divisões entre línguas e sujeitos em Timor existiram
desde sempre. O malaio assumiu, por muitos séculos, o lugar da língua de comércio,
inclusive, disputando espaço com o português. Este foi língua da catequese dos
primeiros missionários e da administração colonial portuguesa nas capitais do país,
Lifau e Díli. O tétum era a língua dos chefes timorenses, detentores do poder político
e militar, católicos, falantes da língua do colonizador e subordinados a ele. Desse
modo, foi a primeira língua descrita pelos missionários e aquela que as autoridades
locais e portuguesa pretendiam para todo o Timor Português. Quanto às línguas dos
espaços não falantes do tétum, do ponto de vista do colonizador, apontou-nas como
as responsáveis pela falta de unidade linguística na ilha e que as mesmas não eram
línguas. Como efeito do projeto colonial de política de línguas para Timor-Leste, que
compreendia a diversidade linguística como um problema, foi que o processo de
gramatização, no fim do século XIX, produziu e significou outros sentidos. A
gramatização (re)dividiu o tétum e as demais línguas do território, já que aquele foi a
única língua timorense promovida ao estatuto de língua e a única com instrumentos
linguísticos para o ensino nas escolas oficiais. Na construção imaginária de uma
aparente unidade linguística, a gramatização determinou uma norma de correção
para as variedades de tétum do Timor Português. Ou seja, pela gramatização houve
um tétum “correto” que apagou as variedades e uma aparente regularidade foi
instaurada. Já entre o português e o tétum do ensino, estabeleceu-se uma parceria
bastante desigual, uma vez que o tétum era língua de apoio para que o timorense
aprendesse o português. Com a gramatização para o ensino, aqueles se tornaram
línguas “parceiras”, mas com estatutos de poder diferentes. No período da
dominação indonésia, entre 1976 a 1999, a língua do Estado em Timor era a bahasa
(língua) indonésia e o português foi proibido. Na interdição das línguas em Timor-
Leste, o português e o tétum foram as línguas que resistiram pelo fato de serem as
duas únicas com gramática, o que, de certo modo, permitiu aos timorenses
garantirem pela língua algo que os diferenciassem dos indonésios.

Palavras-chave: processo de gramatização; espaço de enunciação timorense;


política de língua em Timor-Leste; História das Ideias Linguísticas; Análise
Materialista do Discurso
ABSTRACT

This doctoral research presents and analyzes the conditions of production related to
the grammatization process of the languages of East Timor, mainly in the 19th and
20th centuries, and also the ideological effects produced by grammatization process
in the country, this one affected by the divisions between languages and subjects
since always. To do so, we focus on two historical periods crowded of conflicts
concerning the formation of the Timorese territory: the Portuguese colonization in
Portuguese Timor, from the 16th to the 20th century; and the Indonesian control,
from 1976 to 1999. From the perspective of Materialist Discourse Analysis (AD), in its
relation with the History of Linguistic Ideas (HIL), we analyze discursive sequences
produced by travelers, Catholic missionaries, Portuguese governing authorities,
Timorese guerrillas and speeches about languages of the prologues of linguistic
instruments written by Catholic priests in the last two centuries. The analyzes pointed
out that the divisions between languages and subjects in Timor have always existed.
For many centuries, Malay has taken the place of the language of commerce, even
disputing space with Portuguese. This one was the language of the catechesis of the
first missionaries and the Portuguese colonial administration in the capitals of the
country, Lifau and Dili. Tetum was the language of Timorese chiefs, holders of
political and military power, Catholics, speakers of the colonizer language and his
subordinates. In this way, tetum was the first language described by the missionaries
and the one that the local and Portuguese authorities intended for the whole
Portuguese Timor. With regard to the languages of the non-Tetum-speaking spaces,
what we know from the colonizer point of view has pointed these unofficial languages
as responsible for the lack of linguistic unity on the island, and the affirmation that
they were not languages. As an effect of the East Timor colonial language policy
project – which considered the linguistic diversity as a problem – the process of
grammatization in the end of the nineteenth century produced other meanings and
senses. The grammatization (re)divided the Tetum and other languages of the
territory, since Tetum was the only Timorese language promoted to the status of
language and the only one with linguistic instruments for official educational sistem.
In the imaginary construction of an apparent linguistic unit, the grammatization
determined a standard pattern of correction for the Tetum varieties of Portuguese
Timor. It means that by grammatization there was a “correct” Tetum that obliterated
the other linguistic varieties and then an apparent regularity took place. In the other
hands, a very uneven partnership was established between Portuguese and Tetum
in teaching, since Tetum works as a language of support for the Timorese to learn
Portuguese. With grammatization, those have become "partner" languages, but with
different power statutes. In the period of Indonesian domination, between 1976 and
1999, the state language in Timor was Indonesian Bahasa (language) and
Portuguese was banished. In the interdiction of languages in East Timor, Portuguese
and Tetum were the languages that resisted because they were the only two
languages with grammar, which somehow allowed the Timorese to guarantee by
language something that make them different from the Indonesians.

Keywords: process of grammar; timorese enunciation space; language policy in East


Timor; History of Linguistic Ideas; Materialist Discourse Analysis
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa dos Distritos de Timor-Leste .................................... 222

Figura 2 – Distribuição das Línguas de Timor-Leste por Distrito ........ 223


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Quadro sinóptico da língua Tétum e seus respectivos


instrumentos linguísticos ......................................................................151
Quadro 2 – Quadro sinóptico da língua Galóli e seus respectivos
instrumentos linguísticos ......................................................................152
Quadro 3 – Quadro sinóptico da língua Baiqueno e seus respectivos
instrumentos linguísticos ......................................................................152
Quadro 4 – Quadro sinóptico da língua Mambai e seu respectivo
instrumento linguístico .........................................................................152
Quadro 5 – Quadro sinóptico da língua Macassai e seus respectivos
instrumentos linguísticos ......................................................................152
Quadro 6 – Quadro sinóptico da língua Uaima´a e seu respectivo
instrumento linguístico .........................................................................153
Quadro 7 – Quadro sinóptico da língua Tokodede e seus respectivos
instrumentos linguísticos.......................................................................153
Quadro 8 – Quadro sinóptico das línguas Búnac e Quémac e seus
respectivos instrumentos linguísticos....................................................153

Quadro 1 – Relação dos Instrumentos Linguísticos com Prólogos


analisados ........................................................................................... 154
LISTA DE ABREVIATURAS

AD Análise Materialista do Discurso ou Análise do Discurso

APODETI Associação Popular Democrática Timorense

ASDT Associação Social-Democrata Timorense

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNRT Conselho Nacional de Resistência Timorense

CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

CPN Comissão Política Nacional

FALINTIL Forças Armadas de Libertação e Independência de Timor-Leste

FRETILIN Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente

HIL História das Ideias Linguísticas

IACDETL Comitê Acadêmico Internacional para o Desenvolvimento das Línguas


Leste Timorenses

INL Instituto Nacional de Linguística

ONU Organização das Nações Unidas

RDTL República Democrática de Timor-Leste

UDT União Democrática Timorense

UNTAET United Nations Transitional Administration in East Timor (Administração


Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste)

UNTL Universidade Nacional Timor Lorosa'e


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................18
ESTRUTURA DO TRABALHO ............................................................................... 29

CAPÍTULO 1 – Aspectos teórico-metodológicos e definição de corpus .......... 33

1.1 Discurso, Condições de Produção e ideologia ................................................... 33


1.2 O conceito de Gramatização, segundo Sylvain Auroux ..................................... 36
1.3 A configuração da História das Ideias Linguísticas no Brasil ............................ 40
1.4 O conceito de Política Linguística ...................................................................... 42
1.5 O conceito de Espaço de Enunciação ................................................................ 46
1.6 Metodologia e a definição do corpus da pesquisa ............................................ 49

CAPÍTULO 2 – Condições de produção entre as línguas e os sujeitos em Timor-


Leste ........................................................................................................................ 52

2.1 A ilha de Timor: povos organizados, com línguas diferentes e poderes


locais......................................................................................................................... 52
2.2 Os primeiros missionários, o português e as línguas de Timor ......................... 54
2.3 A colonização administrativa e linguística tardia dos governadores portugueses
no Timor Português .................................................................................................. 61
2.4 A transferência da capital do país de Lifau para Díli e o declínio das missões
dominicanas em Timor-Leste ................................................................................. 64
2.5 As missões de Timor-Leste: a instrução e as línguas no Timor Português ...... 73
2.6 Lei de Separação entre a Igreja e o Estado no período da República, de 1910 a
1926 ......................................................................................................................... 81
2.7 Os primórdios da ditadura militar em Portugal e os desdobramentos nas ações
das missões católicas de Timor-Leste .................................................................... 91
2.8 O Acto Colonial de 1930 e o reconhecimento das missões católicas nas questões
do ensino e da língua de instrução no Timor Português ......................................... 95
2.9 A assinatura do Acordo Missionário de 1940 e o Estatuto Missionário de 1941
..................................................................................................................................105
2.10 A Política Colonial do Estado Novo para o português e as línguas de Timor-
Leste ....................................................................................................................... 107
2.11 A intervenção do Estado indonésio sobre as línguas no Timor Português ... 115
2.12 As língua de Timor-Leste, após o referendo de 1999 .................................. 116

CAPÍTULO 3 – O espaço de enunciação das línguas e dos sujeitos em Timor-


Leste ...................................................................................................................... 118

CAPÍTULO 4 – O processo de gramatização das línguas de Timor-Leste ...... 138

4.1 A gramatização das línguas de Timor-Leste: um processo histórico


................................................................................................................................. 139
4.2 As condições de produção na gramatização das línguas para a catequese e para
o ensino em Timor-Leste ........................................................................................ 146
4.2.1. Na gramatização para a catequese: a produção de instrumentos
linguísticos em diferentes línguas de Timor-Leste ................................................. 155
4.2.2 Na gramatização para o ensino oficial: o tétum e a língua
portuguesa............................................................................................................... 157
4.2.3 Em se tratando de análise ... a gramatização produzindo divisões entre as
línguas e os sujeitos na ilha de Timor-Leste .......................................................... 163
1. A divisão entre as línguas em Timor-Leste ........................................ 163
2. Sob a norma de correção gramatical, a divisão na língua tétum ...... 172
3. A língua tétum e a sua relação com o português na gramatização para
o ensino oficial ....................................................................................................... 177

CAPÍTULO 5 – Lugares ocupados pelas línguas no período de controle dos


indonésios em Timor-Leste ................................................................................. 184

5.1 A atuação do governo indonésio em Timor-Leste ............................................ 184


5.1.1 No programa da Fretilin ... reconhecer-se como timorense falando o tétum
................................................................................................................................. 186
5.1.2 No ensino … o domínio da língua oficial indonésia ................................. 192
5.1.3 Na igreja católica ... a preservação da cultura e da língua portuguesas e o
desenvolvimento do tétum entre os timorenses ..................................................... 194

5.2 Políticas de línguas da resistência timorense frente à efetiva dominação


indonésia ............................................................................................................ 195

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 205

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 213

ANEXOS ............................................................................................................. 221


Anexo 1 - Mapa dos Distritos de Timor-Leste ....................................................... 222
Anexo 2 - Distribuição das Línguas de Timor-Leste por Distrito ............................ 223
Anexo 3 - Relação dos instrumentos linguísticos elaborados no período da
dominação indonésia em Timor-Leste e algumas produções publicadas no governo
de transição até a independência do país ............................................................ 224
Anexo 4 - “Corpo” da língua de Instrumentos Linguísticos Variados ..................... 232
18

INTRODUÇÃO

Timor-Leste é uma ex-colônia portuguesa localizada no Sudeste Asiático,


entre a Austrália e a Indonésia, e que, a 20 de maio de 2002, pôs o mundo a assistir
ao reconhecimento da sua independência e à oficialização de uma única língua
timorense, no caso, o tétum, em parceria com a língua do colonizador europeu, o
português1, sendo conferido o estatuto de línguas nacionais2 às demais línguas do
país e o de língua de trabalho ao inglês e à língua indonésia3. Contudo, há de se
compreender que os estatutos conferidos às línguas4 do Timor Português, na
atualidade, pelos diferentes legisladores da Constituição da República Democrática
do território, não foram fortuitos, nem mesmo produtos das próprias vontades, e,
muito menos, resultados da relação recente entre as línguas e os seus sujeitos.
Esse estatuto político-administrativo diferenciado foi fruto das relações conflituosas
de longa data entre línguas e sujeitos de diferentes espaços territoriais, no caso, os
nativos dos diferentes reinos5 da ilha de Timor6 e os colonizadores7 que

1
O Art. 13º. da Constituinte (Parte I – Princípios Fundamentais), p. 11, prevê que “o tétum e o
português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste”.
2
O mesmo artigo define que o tétum e as outras línguas nacionais devem ser “valorizadas e
desenvolvidas pelo Estado” (p. 12).
3
A Constituição, Parte VII – Disposições Finais e Transitórias, em seu Artigo 159º., estabelece que a
língua indonésia e a inglesa são línguas de trabalho em uso na administração pública a par das
línguas oficiais, enquanto tal se mostrar necessário.
4
De acordo com o último Censos Populacional e Habitacional realizado em Timor-Leste, no ano de
2010, são faladas mais de vinte e duas línguas, conforme Anexo 2, p. 223.
5
A designação “reino” foi empregada conforme os trabalhos dos historiadores portugueses (Thomaz,
1994, e Figueiredo, 2008) e a mesma também recebeu a denominação de suco e povoação, de
acordo com pesquisa de Figueiredo (2011). Os “reinos”, hoje, encontram-se divididos em inúmeros
distritos. Segundo dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2011, os
distritos em Timor-Leste encontravam-se organizados conforme o que nos aponta o Anexo 1, p. 222.
6
É relevante esclarecermos que nos capítulos da tese, a denominação “ilha de Timor” refere-se ao
espaço de Timor sem a divisão em duas partes promovida pelo colonizador europeu, dando origem,
respectivamente, ao Timor Oriental (Timor Português ou Timor-Leste), que se tornou aliado dos
portugueses, e ao Timor Ocidental (Timor Holandês/Indonésio ou Timor Oeste) ligado aos holandeses
e indonésios. Em todas as situações de análise em que for necessário, nos referiremos sobre qual
porção da ilha estaremos tratando, no caso, ao Timor Português ou ao Timor Ocidental.
7
A história de formação de Timor-Leste teve a presença majoritária de dois colonizadores, no caso,
os portugueses e os indonésios. A denominação “colonização” não é empregada na nossa tese para
se referir às praticas de dominação dos indonésios, uma vez que os historiadores portugueses, com
os quais trabalhamos, não adotam em seus trabalhos a designação em questão para se referir ao
período em que o governo indonésio esteve no controle de Timor-Leste, nos anos de 1976 a 1999. A
historiografia portuguesa emprega as denominações “ocupação” e/ou “invasão” para se referir aquilo
que os indonésios fizeram no Timor Português. Em nosso trabalho, não empregamos “colonização
19

estabeleceram relações de dominação linguística, política e econômica com aqueles.


Os conflitos entre línguas e sujeitos tão diferentes afetou o espaço de
enunciação (Guimarães, 2002) timorense e produziu divisões entre as línguas e os
seus falantes. Tais divisões no espaço-tempo de Timor-Leste não foi algo que se
concretizou de modo a não produzir seus efeitos regulatórios, a promover a disputa
entre as línguas e a produzir aquilo que era dito e o que era não dito. Desse modo,
segundo Guimarães (idem), línguas e falantes se configurariam em um espaço
político que historicamente marcaria o pertencimento, ou não, dos sujeitos,
mobilizando a divisão entre os mesmos no espaço de enunciação.
A partir deste cenário marcado pelas relações de disputa entre línguas e
sujeitos de localidades muito diferentes, constituindo o múltiplo espaço de
enunciação timorense, foram produzidos discursos que apontaram para a
diversidade linguística presente em Timor-Leste, para as divisões entre as línguas e
os seus falantes, para os estatutos conferidos aos mesmos etc., em diferentes
momentos históricos da ilha. Tais discursos sobre as línguas, produzidos entre os
séculos XVI e XX, foram realizados por viajantes, padres católicos, governadores
portugueses e guerrilheiros timorenses. Entre o fim do século XIX e por todo o
século XX, houve um momento particular na história do país em que a relação entre
línguas e sujeitos foi afetada pelo o que ficou conhecido como processo de
gramatização das línguas de Timor-Leste pelos missionários católicos. Por meio
deste processo, algumas línguas timorenses foram descritas e vários discursos
sobre elas foram produzidos de modo a ressignificar a relação entre línguas e
falantes. Tal processo, conforme veremos, configurou posições às línguas e aos
sujeitos em Timor e determinou a configuração da política de língua de Estado da
atualidade no país. Porém, sob a perspectiva da Análise Materialista do Discurso
(AD), entendemos que tais discursos não se encontravam deslocados de suas
condições de produção marcadas pelo imaginário de disputa e poder da colonização

e/ou ocupação/invasão indonésia” e optamos pela designação “dominação e/ou controle indonésio”
sabendo que a colonização portuguesa, de certo modo, ainda que de maneira diferente da dos
indonésios, também “ocupou” e/ou “invadiu” a vida e a forma de organização política, econômica e
social dos timorenses em diferentes épocas. Sabemos que as designações “ocupação” e/ou “invasão”
carregam sentidos marcados pela história, assim como a denominação “colonização”. Nenhuma delas
é destituída de menos/mais tensões e conflitos entre as partes que fizeram parte de tais processos e
todas significam e produzem sentidos diversos no real das relações entre colonizadores e
colonizados.
20

portuguesa católica. Além disso, sob a posição da AD, tais discursos produzidos
pelos diferentes sujeitos são políticos (ideológicos) e não expressão de percepções
e observações naturais dos sujeitos.
De acordo com Orlandi (2009), a partir de uma abordagem psicológica, os
sujeitos do discurso acreditam que produzem os discursos como se aquilo que foi
dito tivesse se originado nele próprio. Desse modo, sujeitos em “seus” discursos se
encontram afetados pela “subjetividade”, por aquilo que creem ser “seu” e que
representa a realidade a respeito do que dizem sobre as coisas etc. É aqui que se
define a importância da AD, perspectiva teórica a qual o nosso trabalho assume, na
indagação da questão de uma subjetividade psicológica como princípio norteador
para as explicações, para o que é dito, reconhecendo a importância da ideologia no
funcionamento da linguagem e da constituição do sujeito.
Filiando-se a definição de ideologia a uma tendência discursiva, de
acordo com Orlandi (2009, p. 48), aquela não deve ser jamais compreendida como
“visão de mundo, como um conjunto de representações ou como ocultação da
realidade”. A ideologia, segundo a autora (ibidem), enquanto “prática significante”, é
posta “como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história
para que haja sentido”. Não existe “uma relação termo-a-termo entre
linguagem/mundo/pensamento”. Tal relação somente é possível “porque a ideologia
intervém com seu modo de funcionamento imaginário”. Desse modo, conforme a
analista (ibidem), são “as imagens que permitem que as palavras ‘colem’ com as
coisas” e é, também, pela ideologia que os indivíduos são interpelados em sujeitos,
inaugurando, desse modo, a discursividade. Segundo a analista do discurso
(ibidem):

(...), a interpelação do indivíduo em sujeito pela ideologia traz


necessariamente o apagamento da inscrição da língua na história para que
ela signifique produzindo o efeito de evidência do sentido (o sentido lá) e a
impressão do sujeito ser a origem do que diz. Efeitos que trabalham, ambos,
a ilusão da transparência da linguagem. No entanto nem a linguagem, nem
os sentidos nem os sujeitos são transparentes: eles têm sua materialidade e
se constituem em processos em que a língua, a história e a ideologia
concorrem conjuntamente.

Além disso, sob o olhar da AD, conforme Orlandi (2009, p. 32), “as
21

palavras não são só nossas”, estas “significam pela história e pela língua”, ou seja,
“o que é dito em outro lugar também significa nas ‘nossas’ palavras”. Desse modo,
na prática discursiva, para Orlandi (ibidem), há sempre um “já-dito” – o interdiscurso
– que é o que confere sustentação à existência de todo dizer, e esse já-dito é
essencial para a compreensão do funcionamento do discurso, “a sua relação com os
sujeitos e com a ideologia”.
Mariani (2007) dialoga com Orlandi (2009) no sentido de que os
discursos, sejam eles de qual natureza for, estão atravessados por outros dizeres,
ditos em outros lugares e por outros sujeitos, sendo que o sujeito não tem controle
sobre isso quando toma a palavra. Segundo Mariani (idem, p. 86), embora a prática
discursiva funcione desse modo, não é possível que haja “garantias de uma
estabilização permanente na política de sentidos que se organiza nas línguas”. Nada
impede que no processo do que pode e deve ser dito sejam produzidos sentidos
outros capazes, ou não, de promover movimentos reatualizando sentidos
aparentemente já cristalizados, a migração de sentidos outros e rupturas na
produção discursiva.
A partir dos pressupostos teóricos assumidos, interessa-nos descrever as
condições de produção do processo de gramatização na ilha e os efeitos ideológicos
produzidos pelo mesmo sobre as línguas e os sujeitos. Além disso, de que maneira
os sentidos produzidos por esse processo impactaram na configuração de um
espaço de enunciação marcado pela relação sempre desigual entre todos os
envolvidos na colonização linguística (MARIANI, 2004) praticada em Timor-Leste. O
conceito de espaço de enunciação, definido pelo semanticista Eduardo Guimarães
(2002), no interior da Semântica do Acontecimento, marca a relação entre as línguas
e os falantes. Embora, nosso trabalho esteja no domínio da AD, o conceito em
questão é bastante produtivo ao propor que as relações entre as línguas e os
falantes não aconteceram em um espaço-tempo qualquer marcado por uma relação
transparente entre línguas e falantes, mas, segundo Guimarães (2002, p.18), em
“um espaço regulado e de disputas pelo dizer e pelas línguas”, ou seja, em um
espaço político.
Vale a pena destacarmos que até o processo de gramatização promovido
pelos missionários católicos, discursos diversos envolvendo as línguas de Timor-
22

Leste sempre foram produzidos. Divisões entre as línguas e os sujeitos existiram


desde sempre e os discursos sobre os mesmos apontaram para os conflitos, para as
contradições e para as disputas pelo poder que sempre aconteceram entre todos os
envolvidos. A ilha de Timor configurou-se como um espaço-tempo colônia com as
suas próprias particularidades e com algumas semelhanças quando comparado com
outros espaços também colonizados. Porém, para a análise dos discursos que
marcaram o que foi dito antes e depois do processo de gramatização, buscou-se
descrever sob quais condições aqueles foram produzidos e a partir de qual(is)
posição(ões); qual era a possível relação desses com outros discursos e quais eram
estes outros; e quais os sentidos que produziram para podermos compreender o que
significavam.
Para que a gramatização das línguas de Timor acontecesse, a relação
entre línguas e sujeitos, em diferentes momentos históricos, foi marcada por
determinadas condições de produção. No caso timorense, a gramatização das
línguas do país, por exemplo, foi marcada pela elaboração de instrumentos
linguísticos variados e para finalidades diversas (catequese e ensino) pelos
representantes do colonizador português, no caso, os missionários católicos
europeus que se encontravam totalmente ligados à tradição gramatical latina.
Descrever e compreender o funcionamento daquele processo nos permitiu não
apenas verificar como a gramatização foi imprescindível para a determinação de
uma única língua timorense na configuração da política de língua do Estado, como
foi o processo que produziu efeitos permitindo a cristalização do discurso entre as
autoridades timorenses de que o tétum era a língua de todo o Timor e esta junto do
português europeu eram as línguas da unidade nacional em todo o território.
Mediante a experiência como docente na Universidade Nacional Timor
Lorosa´e (UNTL), a diversidade de documentação encontrada e frente a um trabalho
de formação de professores em Timor-Leste que deu certo, decidi investir em uma
pesquisa de doutorado que me permitisse analisar nos documentos, oficiais ou não,
que marcaram a história da relação entre europeus, indonésios e timorenses,
assuntos relacionados com a questão das línguas nesse país do sudeste asiático.
Já no tocante ao objeto da nossa pesquisa de doutorado e o primeiro
contato para a constituição de um corpus preliminar, foram-nos possíveis durante a
23

atuação no Programa de Qualificação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa


no Timor-Leste (PQLP-TL), financiado pela CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), edição 2008-2009, como professora
cooperante no Programa de Pós-Graduação Lato-Sensu em Ensino de Língua
Portuguesa da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade Nacional Timor
Lorosa’e (UNTL), em Díli, capital do país.
No dia a dia, na posição de docente no Curso de Especialização em
Ensino de Língua Portuguesa do Programa de Pós-Graduação, chamava-me a
atenção o fato de minhas alunas pós-graduandas terem vivenciado os períodos da
política colonial portuguesa e indonésia e todas falarem a língua portuguesa; porém,
nem todas sabiam (algumas diziam que tinham esquecido) o indonésio. Elas
queriam saber sobre a história do português em Timor-Leste e como foi construída a
relação do português europeu com as línguas timorenses ao longo dos séculos,
queriam entender as razões da tomada de posição das autoridades timorenses na
escolha do tétum e da língua colonial europeia (português) como línguas oficiais do
país etc., ou seja, almejavam compreender como havia se configurado todo um
processo que sempre fora apagado dos materiais didáticos e de formação oferecidos
pelas cooperações portuguesa e brasileira.
Como o Brasil também tinha sido colônia portuguesa, perguntavam-me a
respeito da história do português do Brasil na sua relação com o português europeu
e com as outras línguas faladas em meu país; quais eram as línguas indígenas, se
nós, brasileiros, as falávamos, e a nossa relação com os índios; se esses falavam o
português e quais outras línguas, se eles iam às mesmas escolas que
frequentávamos ou se essas eram diferenciadas para aqueles etc. Desejavam
também compartilhar suas angústias e estranhamentos no tocante ao ensino
exclusivo da língua portuguesa em detrimento das línguas de Timor; sobre as
dificuldades que enfrentavam ao terem de obrigar jovens e crianças a aprenderem o
português e como fariam para amenizar os problemas na aprendizagem de uma
língua que fora silenciada no país durante os 24 anos do domínio das autoridades
indonésias na ilha.
Frente ao que me foram colocando, como não tinha praticamente
conhecimento algum a respeito da realidade das línguas timorenses e do português
24

em Timor, comecei o meu levantamento preliminar a respeito da situação linguística,


recolhendo materiais que apontavam para a história da língua portuguesa e dos
portugueses na ilha. Aproveitava para discutirmos as produções acadêmicas do
professor e pesquisador Wilmar da Rocha D’Angelis (1998, 2003 e 2008) que
sinalizavam para questões relacionadas à formação do professor de línguas, à
leitura e à escrita em espaços onde o português era “segunda língua” num contexto
bilíngue /multilíngue, assim como o espaço de Timor, realidade do país desde a
fixação dos primeiros missionários católicos no território. Realizava, também, a
discussão de textos que nos permitiram refletir a respeito da negação da formação
na/e pela língua do timorense pelos “cooperantes” estrangeiros, considerando como
textos motivadores para tal questão as produções8 do educador pernambucano
Paulo Freire. Seus escritos descreviam contextos de ensino e de aprendizagem em
que a oralidade se encontrava em conflito/tensão com a escrita, como era o caso de
Timor, que contava com mais de vinte línguas ágrafas em oposição ao português
europeu, estruturado pela escrita, pela convenção ortográfica e representado por
gramáticas, dicionários e uma literatura própria.
Naquela época e a partir do acervo disponível nas bibliotecas públicas do
país, no caso, no Instituto Camões de Timor, na Fundação Oriente e na biblioteca da
Faculdade de Educação na UNTL, tomei conhecimento, inicialmente, dos trabalhos
de dois pesquisadores que apontaram com detalhes para a questão da língua
portuguesa na ex-colônia portuguesa, sendo eles o historiador português Luis Felipe
Ferreira Reis Thomaz9 e o linguista australiano Geoffrey Hull10. Este último, além de
destacar aspectos históricos e políticos ligados à presença da língua portuguesa em
8
No caso, a leitura e a reflexão de capítulos e trechos das seguintes obras de Paulo Freire:
Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa (Paz e Terra, 1996); A
importância do ato de ler: em três artigos que se completam (Autores Associados, Cortez, 1989) e
Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo (Paz e Terra, 1978).
9
As publicações de Thomaz as quais tive acesso em Timor-Leste foram: De Ceuta a Timor, 2ª
Edição, Lisboa: Difel, 1998 e Babel Loro Sa’e - O Problema Linguístico de Timor-Leste, Colecção
Cadernos Camões. Lisboa: Instituto Camões, 2002.
10
Quanto aos trabalhos de Hull, foi-me possível encontrar: Timor-Leste: Identidade, Língua e Política
Educacional. Lisboa: Instituto Camões, 2001, tratando-se esta da Conferência proferida no
Parlamento Nacional em 25 de Agosto de 2000; A Língua Portuguesa em Timor: uma perspectiva
australiana. Conferência apresentada em: Identidade e Língua: desafios e prioridades para a
Educação em Timor-Leste, Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral, Díli e Baucau,
2001; Língua, Identidade e Resistência. Entrevista a Geoffrey Hull. Timor Lorosa’e. Camões, Revista
de Letras e Culturas Lusófonas, 14, p. 80-92, 2001; The Languages of East Timor: Some Basic Facts,
2002; e Gramática da Língua Tétum, Lisboa: Lidel, 2005.
25

Timor, dedicou-se à descrição do funcionamento linguístico de várias línguas de


Timor, conferindo número maior de trabalhos ao tétum. Já com relação às
publicações de autoria de timorenses, foi-me possível encontrar o dicionário e o guia
da língua tétum de Luís Costa11 e artigos políticos que versavam a respeito da
escolha das línguas oficiais (o português e o tétum) no processo da independência
do país, da autoria do primeiro ministro de Timor, Sr. Mari Alkatiri 12, nos anos de
2002, II Governo de Transição, e de 2006, com o país já independente, e do Bispo
D. Carlos Filipe Ximenes Belo13.
A partir da experiência na docência universitária e dos diálogos possíveis
com os timorenses, as primeiras referências e leituras realizadas em Timor-Leste
foram ampliadas aqui no Brasil com a pesquisa de arquivo realizada no Real
Gabinete Português de Leitura e na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,
no mês de julho de 2012.
No Real Gabinete Português de Leitura, encontrei as primeiras cartas de
viajantes14 noticiando sobre a descoberta de Timor e o que encontraram por lá: o
sândalo, sua gente e suas línguas. Deparei-me com a referência bibliográfica
intitulada Subsídio para a bibliografia de Timor Lorosa’e que se tratava de uma
listagem cronológica de livros, revistas, ensaios, documentos e artigos, datados de
1515 a 2000, da autoria de Dom Carlos Filipe Ximenes Belo (2001). Desse modo,
tomei conhecimento da produção de alguns instrumentos linguísticos, especialmente
dicionários e gramáticas, elaborados, em grande número, por missionários
europeus. Na listagem foram mencionados os trabalhos do Pe. Sebastião Maria
Aparício da Silva, com o Dicionário Português-Tétum, de 1889; o do Pe. Manuel

11
Os trabalhos de Costa: Dicionário de Tétum-Português, Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, 2000; Guia de Conversação Tétum-Português. Lisboa, Edições Colibri, 2001; e artigo O
Tétum, factor de identidade nacional. Timor Lorosa’e. Camões, Revista de Letras e Culturas
Lusófonas, 14, p. 59-64, 2001.
12
Há investidas contra a língua portuguesa. Cf. Timor Online – Em directo de Timor-Leste, 10 de
Dezembro de 2008. Disponível em: http://timor-online.blogspot.com.br/2008/12/h-investidas-contra-
lngua-portuguesa.html. Acesso em 09 set. 2015.
13
A língua portuguesa em Timor-Leste. Cf. Agência Ecclesia, 27 de Maio de 2008. Disponível em:
<https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/lusofonias/a-lingua-portuguesa-em-timor-leste/1758>.
Acesso em 09 set. 2015.
14
Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente: Insulíndia (1506-
1549). 1°. volume. Compilação e notas de Pe. Artur Basílio de Sá. Lisboa: Agência Geral do Ultramar,
1954.
26

Maria Alves da Silva, com Noções de gramática Galóli, dialecto de Timor, de 1900, e
o Diccionario Portuguez-Galoli, de 1905; em 1916, o Pe. Manuel Mendes Laranjeira
publicou a Cartilha-Tétum; o Pe. Manuel Patrício Mendes publica Dicionário Tétum-
Português, de 1935; o do Pe. Abílio José Fernandes, com Pequeno método prático
para aprender o Tétum, de 1937 e o Vocabulário Atauro-Português, Português-
Atauro, de Jorge Barros Duarte, de 1990. Já entre os que não eram missionários,
estavam as produções do Dicionário de Tétum-Português, de Luís Costa, 2000, e
Portugal, Conhecer Timor Lorosa’e – Koalia (Conversar) Tetun. Dicionário
Português-Tétum, de 2000, autoria de Martim Ferreira.
Além dos instrumentos acima, encontrei indicações de orações e
narrativas sagradas, como Pequeno Catecismo e orações para todos os dias, de
1907, sem autoria; como a do Pe. Manuel Fernandes Ferreira, com Resumo da
História Sagrada em Português e em Tétum para uso das crianças de Timor-Leste,
de 1908; o Evangelho de São Marcos em Tétum, sem autoria, de 1990; o Katekismo
Sarani Diocese Díli Niam, de 1991, do Pe. Manuel Fraille; o Evangelho de São João
em Tétum, de 1992; e a do Pe. Rolando Fernandes, Novo Testamento em Tétum, de
2000. Procurei-as na base de dados do Real Gabinete Português de Leitura,
todavia, tais publicações não compunham o acervo da instituição.
Tive acesso a informações importantes a respeito do que os portugueses
nomearam como política linguística de Portugal para Timor na obra Textos em Teto
da Literatura Oral Timorense, de 1961, da autoria do Pe. Artur Basílio de Sá. Há o
capítulo intitulado “Política Inicial Portuguesa em Línguística Ultramarina” que narra
sobre a expansão da língua portuguesa quando comparada ao ensino do tétum, a
produção de dicionários e gramáticas das línguas de Timor, sobre a escassez de
recursos e de professores no ensino das línguas etc. e a presença dos Durubasas
(intérpretes) entre os nativos timorenses e as autoridades políticas e missionárias
portuguesas que recorriam aos trabalhos dos mesmos para questões de campos
diversos.
Na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, foi-me possível ler e
manuscrever trechos das impressões de viajantes e historiadores portugueses a
respeito do tétum e das demais línguas de Timor e sobre o ensino praticado pelos
primeiros missionários na ilha, especialmente os dominicanos. Algumas referências
27

importantes para a pesquisa foram: Timor português: contribuições para o seu


estudo antropológico, de Antonio Augusto Mendes Corrêia, de 1944; Timor
português, de Hélio Augusto Esteves Felgas, de 1956 e Timor, pequena monografia,
de 1965, da Agência Geral do Ultramar Português. Com a pesquisa de arquivo,
realizada, posteriormente, em Portugal, consegui as cópias dos capítulos de tais
livros e de outros, todos com informações relevantes para o desenvolvimento do
trabalho.
A última etapa da pesquisa de arquivo, entre outubro de 2013 a maio de
2014, foi realizada por meio de bolsa concedida pelo Programa de Doutorado
Sanduíche no Exterior (PDSE), financiada pela Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), junto da Universidade Nova de
Lisboa, sob a orientação do Prof. Dr. Fernando Augusto de Figueiredo. Durante a
minha permanência em Lisboa, foi-me facilitado e orientado o acesso a diferentes
arquivos, bibliotecas e centros de documentação localizados em Lisboa 15, no Porto16
e em Cernache do Bonjardim17, lugares imprescindíveis para o levantamento de
documentação de natureza diversa a respeito da presença portuguesa em Timor-
Leste. Buscava, mais especificamente, textos que versassem sobre a questão das
línguas em Timor, sobre os seus falantes e as políticas de línguas praticadas pelo
colonizador português em diferentes momentos da sua presença no território. Foi-me
possível também encontrar alguma documentação e informações de autoria

15
Em Lisboa, recolhi documentação no acervo pessoal do Prof. Dr. Fernando Augusto de Figueiredo,
no Arquivo Histórico Ultramarino do Palácio dos Condes da Ega e no Centro de Documentação e
Informação do Palácio dos Condes da Calheta, ambos integrados ao Instituto de Investigação
Científica Tropical (IICT); na Biblioteca Nacional de Portugal; no Centro de Documentação António
Alçada Batista da Fundação Oriente Museu; no acervo da Biblioteca Ultramarina do Gabinete de
Pesquisa Histórica (GPH) da Caixa Geral de Depósito; na Biblioteca da Sociedade de Geografia de
Lisboa; nas bibliotecas das Faculdades de Letras e de Direito e do Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa; nas Bibliotecas Municipais Palácio Galveias, Belém,
Por Timor e Anjos; no Camões – Instituto da Cooperação e da Língua; na Biblioteca do Instituto de
Estudos Superiores Militares; na Biblioteca do Centro Científico e Cultural de Macau, IP e na
Biblioteca da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).
16
Durante a minha permanência no Porto, recolhi documentos sobre Timor-Leste no espólio pessoal
do Prof. Dr. António Pinto Barbedo de Magalhães disponível pela a biblioteca da Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto; encontrei material no acervo da Biblioteca Pública Municipal do
Porto e realizei pesquisa nas publicações editadas pela a Fundação Engenheiro António de Almeida.
17
Em Cernache do Bonjardim, mediante contato do Prof. Dr. Fernando A. de Figueiredo com Pe.
Castro, conseguimos autorização para conhecer o acervo do antigo Colégio das Missões
Ultramarinas, hoje conhecido como Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim. Encontramos
alguns artefatos linguísticos sobre as línguas de Timor, mas não nos foi autorizado nenhum tipo de
reprodução dos materiais.
28

portuguesa, timorense e australiana sobre as línguas de Timor no período em que o


país esteve sob o controle do governo indonésio, de 1976 a 1999, e documentos da
fase de transição de governo, de 2000 a 2002, até a independência do país em 20
de maio de 2002.
Durante a pesquisa de arquivo em Portugal, consegui encontrar as
referências bibliográficas completas as quais tive conhecimento no Real Gabinete
Português de Leitura e na Fundação Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.
Especialmente, boa parte dos instrumentos linguísticos sobre as línguas timorenses
descritas pelos missionários católicos que estiveram em diferentes épocas na ilha.
Além disso, textos históricos e políticos recolhidos apontaram para outras
referências que me levaram ao encontro de relatos de viajantes não portugueses,
entre os séculos XVII ao XIX, que versavam sobre as línguas de Timor.
Vale a pena ainda destacarmos que, pelo fato de boa parte da
documentação existente em Timor a respeito da atuação das autoridades
indonésias, incluindo as decisões envolvendo as línguas, ter sido queimada durante
os intensos momentos de guerrilha interna contra o invasor indonésio, ou encontrar-
se inacessível para consulta em arquivos da Indonésia, foi nos diálogos travados
com timorenses, entre 2008 e 2009, enquanto docente na universidade, que tomei
conhecimento das correspondências do acervo digital do Arquivo & Museu da
Resistência Timorense (http://amrtimor.org/). Este faz parte do Projeto
casacomum.org (http://casacomum.org/cc/), plataforma de arquivos, em língua
portuguesa, desenvolvida pela Fundação Mário Soares, em articulação com diversos
outros centros de documentação de países onde uma das línguas de Estado é o
português. Dentre as inúmeras correspondências trocadas entre guerrilheiros e
simpatizantes da causa timorense, foi-me possível encontrar as que estavam ligadas
às políticas de línguas, ou seja, que tratavam da questão das línguas no país e
sobre o futuro político-linguístico da ilha.
Foi-me possível encontrar excertos dos manuais dos programas
partidários dos principais partidos políticos (FRETILIN, UDT e APODETI), formados
na época da independência de Timor de Portugal, e o que os mesmos propuseram
para a questão das línguas em Timor-Leste.
29

ESTRUTURA DO TRABALHO

Além da introdução, em que apresentamos nossa pesquisa, a tese de


doutorado em questão é composta por cinco capítulos, seguidos das considerações
finais.
No primeiro deles, apresentaremos os aspectos teórico-metodológicos
que fundamentaram a pesquisa e a noção de corpus que adotamos. A base teórica
e metodológica que sustentou o nosso trabalho, encontra-se no domínio de saberes
da Análise Materialista do Discurso (AD), na sua relação com a História das Ideias
Linguísticas (HIL). Alguns conceitos fundamentais para o nosso trabalho foram as
noções de discurso (Zoppi-Fontana, 1997), condições de produção e ideologia
(Orlandi, 2009) da AD; os conceitos de gramatização (Auroux, 1992) e de política
linguística (Diniz, 2012) da HIL e o de espaço de enunciação (Guimarães, 2002 e
Zoppi-Fontana, 2010) da Semântica do Acontecimento. Tais conceitos serão
definidos neste primeiro capítulo e retomados em outros, auxiliando-nos nas análises
do corpus. Outros conceitos relevantes produzidos pelos pesquisadores da AD, na
sua articulação com a HIL, como, por exemplo, heterogeneidade linguística (Orlandi,
2005) e colonização linguística (Mariani, 2004), serão extremamente produtivos nas
situações de análise. Ainda no primeiro capítulo, apresentaremos a metodologia
adotada, a definição de corpus a qual nos filiamos e o tipo de corpus, no caso de
nossa pesquisa, o de arquivo e de natureza heterogênea, formado por discursos de
viajantes europeus e governadores portugueses e pelos prólogos dos dispositivos
linguísticos da autoria dos missionários católicos.
O segundo capítulo aponta para as condições de produção sob as quais
as línguas e os sujeitos em diferentes momentos na constituição de Timor-Leste
estiveram submetidos e apresentamos a história de formação do território timorense,
sempre marcada pelos conflitos, na sua relação com os portugueses e os
indonésios. Destacamos a presença dos primeiros negociantes portugueses na ilha
do Timor do século XVI e o encontro entre línguas e sujeitos com modos de vida e
valores muito diferentes. Na companhia das línguas e dos falantes, viera também o
catolicismo europeu e a fixação definitiva dos missionários católicos empenhados na
conversão dos primeiros timorenses, a partir do século XVII. Foram os padres
30

católicos, na sua grande maioria, os responsáveis por promover a relação de


subordinação entre uma elite timorense falante do português com as autoridades
administrativas portuguesas. Apenas no século XVIII, a coroa portuguesa indicou o
primeiro governador português para a ilha e a relação entre a língua portuguesa, o
malaio e as línguas do Timor Português e os seus falantes se intensificaram e
produziram posições diferentes a cada uma delas. A igreja católica em Timor-Leste,
em diversas situações, controlou não apenas a situação política e as relações entre
timorenses e portugueses do Timor Oriental, como também deteve sob seu controle
o ensino, o estudo das línguas e a produção de instrumentos linguísticos, como
catecismos, manuais escolares, dicionários e gramáticas nas línguas de Timor-
Leste. Pelo processo de gramatização, iniciado, no fim do século XIX, pelos
missionários católicos, e que se estendeu até 1975, algumas línguas timorenses, em
maior medida, a língua tétum, foram descritas e instrumentalizadas. A gramatização
do tétum foi extremamente crucial para que, num futuro não muito distante, esta
mesma língua, em parceria com o português, ocupasse o estatuto de língua oficial
de Timor-Leste, com a independência do país em 2002. Com a tomada de Timor-
Leste pelos indonésios, de 1976 a 1999, a bahasa (língua) indonésia foi imposta
como língua de Estado, a língua portuguesa proibida e as línguas timorenses não
contaram com auxílio expressivo para o seu desenvolvimento. Com a saída do
governo indonésio, após o referendo de 1999, Timor-Leste é praticamente dizimado
pelas tropas indonésias. Diante do descontrole indonésio, a Organização das
Nações Unidas (ONU) intervém e o país passa a ser governado pelo governo da
Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (UNTAET), criado em
outubro de 1999 e extinto em maio de 2002. Este capítulo é extremamente relevante
para que o leitor compreenda as condições de produção entre os falantes e as
línguas e entre as instituições participantes do processo de constituição linguística,
social, econômica e política do Timor-Leste.
No terceiro capítulo, a partir da noção de espaço de enunciação, definido
por Guimarães (2002), descrevemos como o espaço-tempo de Timor-Leste foi
marcado pela divisão entre as línguas e os falantes de diferentes territórios, pois,
havia o tétum “oficial” dos Belos, o tétum falado no Timor indonésio, o tétum da
porção mais oriental, o tétum de Lifau e o tétum dos reinos aliados aos Belos , onde
31

o tétum não era língua local; o malaio e as suas divisões, as demais línguas
timorenses, o português europeu e o das colônias ultramarinas.
Tamanha diversidade linguística e frente a falantes de espaços tão
diferentes, sob os efeitos da colonização portuguesa, as línguas faladas em Timor-
Leste e a língua do colonizador concorriam entre si e encontravam-se afetadas pelo
que Orlandi (2005) definiu como heterogeneidade linguística. Outro conceito
trabalhado no terceiro capítulo conhecido como colonização linguística, proposto por
Mariani (2004), foi relevante, uma vez que os efeitos ideológicos sobre as línguas e
os sujeitos, produzidos pela colonização linguística exercida pelos portugueses em
diferentes momentos no espaço de enunciação timorense, fizeram-se conhecidos e
produziram efeitos que afetariam o processo de gramatização das línguas de Timor-
Leste pelos missionários católicos no fim do século XIX. Um dentre os efeitos
produzidos pela colonização e seu projeto colonial de política de língua foi o da
unidade linguística em todo o Timor Português. Porém, esta era imaginária, pois, no
real da relação entre as línguas e os falantes, aquela nunca existiu. O real
materializava-se na diversidade de línguas do país e os seus falantes.
Diante de um quadro de relação entre línguas e falantes tão diversos, a
política de língua do colonizador europeu, sustentada no trabalho do missionário
católico, somente tomou forma e força com o processo de gramatização das línguas
do país, no fim do século XIX, conforme analisado no capítulo quatro. Neste
capítulo, também apresentamos quais foram as línguas timorenses que passaram
pelo processo de gramatização, os instrumentos linguísticos produzidos para as
mesmas, a relação dos missionários responsáveis pela elaboração dos mesmos, as
condições de produção envolvidas na gramatização das línguas para a catequese e
para o ensino oficial no Timor Português e quais foram as divisões entre as línguas e
os sujeitos produzidas pelo processo de gramatização, entre o fim do século XIX até
1975.
Já no capítulo cinco, apontamos para os lugares ocupados pelas línguas
em Timor-Leste quando este se encontrava sob o domínio dos indonésios. Neste
período, a língua portuguesa foi substituída pela língua indonésia e esta passou a
ser a língua do Estado; o tétum era usado pelos indonésios na comunicação diária
com o timorense, era a língua oficial da igreja católica e língua usada na escola. Sob
32

a governança dos indonésios, a língua inglesa foi introduzida nas escolas oficiais e
na única universidade do país. A língua portuguesa, ainda que proibida, foi
empregada pela frente de resistência timorense e falar o português diferenciava o
timorense do indonésio em uma época marcada pelos conflitos e pela resistência
frente ao outro que governava o país de forma ilegítima e de modo violento e
autoritário.
E por fim, nas considerações finais, retomaremos os aspectos mais
importantes dos capítulos das análises (três, quatro e cinco), destacando,
principalmente, como o processo de gramatização das línguas de Timor-Leste
estabeleceu divisões entre as línguas e os falantes no país, quais foram as divisões
produzidas e os estatutos conferidos a cada uma delas e de que modo este
processo contribuiu para a oficialização de uma única língua timorense, em parceria
com a língua portuguesa, na política de língua do Timor-Leste independente de
2002.
33

CAPÍTULO 1
ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS E O CORPUS DA
PESQUISA

É relevante destacarmos que além das noções diretamente relacionadas


com a AD, o conceito de política linguística trabalhado por Diniz (2012), no interior
da História das Ideias Linguística (HIL), na sua articulação com a AD; a noção de
gramatização proposta por Auroux (1992) e o conceito de espaço de enunciação
definido por Guimarães (2002), no interior da Semântica do Acontecimento, na sua
relação com a AD, ajudaram-nos a esclarecer e a compreender alguns fatos
linguísticos envolvendo as línguas e os sujeitos na ilha de Timor. Uma das principais
particularidades dos trabalhos brasileiros em HIL vinculados à Análise do Discurso,
que também aparece em nossa pesquisa, diz respeito ao fato, conforme define Diniz
(ibidem, p. 11), “de que o político é estruturante das formas do saber
metalinguístico”.
Desse modo, afastamo-nos de enquadramentos teóricos que reduzem a
política linguística a situações de planejamento linguístico, geralmente,
compreendidas como ações “planejadas” e “executadas” exclusivamente pelo o
Estado, pelo fato de o político (o ideológico) encontrar-se inscrito na própria língua,
não existindo prática linguística cuja natureza não seja (intrinsecamente) política.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Discurso, Condições de Produção e ideologia

Antes da apresentação das condições históricas envolvendo as línguas


em Timor-Leste, da análise das sequências discursivas - recortes discursivos18 -
sobre as mesmas e os sujeitos envolvidos, e os efeitos ideológicos que o processo

18
Sob a definição de recorte discursivo, proposto por Orlandi (1984), deparando-se com um corpus,
segundo Grigoletto, 2002, p. 65, o analista do discurso recortará “fragmentos da situação discursiva
(em forma de sequências discursivas) que dêem conta de revelar uma determinada configuração do
discurso analisado. Os recortes não se apresentam na forma do linear e cronológico porque o
discurso não se constrói dessa maneira”.
34

de gramatização produziu, vale a pena definirmos como compreendemos o que é


discurso.
A principal característica dos trabalhos que se filiam à Análise Materialista
do Discurso (AD) está em reconhecer, de acordo com Zoppi-Fontana (1997, p. 34), o
discurso enquanto o espaço teórico em que é possível compreender a relação entre
a língua e a ideologia, sendo esta compreendida “como determinação histórica do
sentido pelas relações de forças em uma dada formação social e aquela como
sistema de signos lingüísticos”.
Para a compreensão dos sentidos produzidos no discurso, segundo
Orlandi (2009), é preciso que aquele esteja posto em relação com a sua
exterioridade, ou seja, com as suas condições de produção. Conforme a analista de
discurso, as condições de produção compreendem a história, o sujeito e a ideologia.
De acordo com a autora (idem, p. 31), a história é “a produção de acontecimentos
que significam” no que se passa com as coisas e os sujeitos.
Na produção do discurso, para Orlandi (idem, p. 30), “a maneira como a
memória faz ‘fazer valer’ as condições de produção” é imprescindível. Desse modo,
as noções sujeito e ideologia não estão desvinculadas com a questão da memória.
Esta, segundo a analista, quando compreendida em relação aos discursos recebe o
nome de interdiscurso. Conforme a analista de discurso (idem, p. 31), o
interdiscurso:

Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar,


independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória discursiva: o
saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do
pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada
tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo
como o sujeito significa em uma situação discursiva dada.

Da perspectiva da AD, além do sujeito e do ideológico que marcam as


condições de produção, há uma memória discursiva dos dizeres, “aquilo que fala
antes, em outro lugar, independentemente”, de acordo com Orlandi (2009, p. 31), o
interdiscurso. Além disso, sem a ideologia, segundo a autora (idem, p.46), não há a
constituição do sujeito e dos sentidos, pois, “para que se produza o dizer, o indivíduo
é interpelado em sujeito pela ideologia”.
35

Orlandi (idem, p. 32) defende que já que há um já-dito que garante a


possibilidade de todo dizer, para a compreensão do funcionamento do discurso é
imprescindível a relação daquele com os sujeitos e com a ideologia.
A ideologia, sob o olhar da linguagem, é um “mecanismo estruturante do
processo de significação” (ORLANDI, 2009, p.96) e “aparece como efeito da relação
necessária do sujeito com a língua e com a história” (idem, p.48). Por essa relação,
os sujeitos ao enunciarem algo sobre as coisas, nunca foram os donos daquilo que
disseram, ou seja, os dizeres jamais se originaram neles e o que foi dito já estava
em outro(s) lugare(s), significando e produzindo efeitos em outros tempos e por
outras pessoas. Porém, os sujeitos ao dizerem determinadas coisas e não outras, ao
ocuparem determinadas posições e não outras, ao se afirmarem sujeitos de um dizer
etc. estão sempre atravessados pela ideologia. Não há como escapar a mesma.
Desse modo, segundo a analista de discurso (idem), em AD, não há a
ideia psicológica de sujeito empírico coincidindo consigo mesmo. O sujeito na sua
relação necessária com a língua e com a história, sob a ação do imaginário, tem
acesso apenas a uma parte daquilo que diz. Conforme Orlandi (idem, p. 49), “aquele
é sujeito de e sujeito à”. O sujeito encontra-se subordinado “à língua e à história”
(ibidem), já que para a sua constituição enquanto sujeito e “para se produzir
sentidos” acaba sendo afetado pelas duas.
A analista de discurso (ibidem) ainda destaca que o sujeito do discurso
deve ser compreendido como uma “posição”, ou seja, ele não assume uma “forma
de subjetividade”, porém, um “lugar” que “deve e pode ocupar todo indivíduo para
ser sujeito do que diz”. E “o modo como o sujeito ocupar seu lugar, enquanto
posição, não lhe é acessível”. Desse modo, “o sujeito não tem acesso direto à
exterioridade que o constitui” (FOUCAULT, 1969, apud ORLANDI, ibidem).
Orlandi (ibidem) complementa, a partir das considerações de Pêcheux
(1975), que “a língua também não é transparente nem o mundo diretamente
apreensível quando se trata da significação pois o vivido dos sujeitos é informado,
constituído pela estrutura da ideologia”.
Desse modo, no caso de Timor-Leste, as divisões entre as línguas e os
sujeitos sempre existiram enquanto um processo que não era natural, não estava
dado, entre os falantes e as línguas. Discursos foram produzidos a respeito de tais
36

divisões e na produção discursiva, segundo Orlandi (idem, p. 34), acabamos


afetados por determinados sentidos e não por outros, pelo fato de por certamente
sermos “determinados por nossa relação com a língua e a história, por nossa
experiência simbólica e de mundo, através da ideologia”.
Sendo assim, o que foi dito a respeito das relações entre as línguas e os
sujeitos em Timor-Leste foi afetado pela ideologia. O processo de gramatização das
línguas foi um deles e a ideologia produziu efeitos sobre as mesmas, redividindo-as /
distribuindo-as entre lugares também marcados ideologicamente.
Na época do domínio das autoridades indonésias, outros estatutos foram
construídos para as línguas de Timor-Leste. Entretanto, a posição política de que
tétum e o português eram as duas línguas de Timor com as quais os timorenses se
identificavam, que o tétum era a “língua de todo o Timor” e era ele que os
diferenciava dos indonésios, foi efeito ideológico do processo de gramatização
promovido pelo colonizador português, desde o fim do século XIX. No que era real
na relação entre línguas e falantes, nem todos os timorenses se reconheciam e
falavam a língua tétum e apenas uma elite local ligada ao antigo colonizador
dominava o português europeu. A gramatização, envolvendo o tétum e o português,
contribuiu, conforme analisaremos, para a cristalização deste estatuto imaginário,
além de outros, entre os timorenses.

1.2 O conceito de Gramatização, segundo Sylvain Auroux

Gramáticas e dicionários são dispositivos linguísticos que integram a


política de línguas de qualquer país do mundo. Porém, nem sempre foi assim, pois,
de acordo com Sylvain Auroux (1992), apenas a partir da formação dos Estados
Nacionais Modernos Europeus foi que a gramática passou a ser empregada para
fins de aprendizagem da própria língua. Naquele momento histórico, uma grande
transformação das relações sociais ocorreu. O desenvolvimento econômico, político
e social entre as nações europeias desencadeou a competição entre elas não
apenas pelas conquistas entre nações fronteiriças, mas também pela busca de
outros povos e novos mundos, o que promoveu, de certo modo, uma concorrência
entre as línguas. Com as Nações na condição de Estados, estes farão da
37

aprendizagem e do uso de uma língua oficial uma obrigação para todos aqueles que
fazem parte da Nação.
De acordo com o filósofo da ciência da linguagem (Auroux, 1992), a
produção massiva de gramáticas e dicionários nos vernáculos europeus e nas
línguas dos mundos recém-descobertos, se intensificou no Renascimento e ficou
conhecido como processo de gramatização. Este, segundo o autor, é, depois da
invenção da escrita, a "segunda revolução técnico-lingüística" (idem, p. 35), e
estabeleceu, a partir da tradição linguística grego-latina, uma trama homogênea de
comunicação com início na Europa, onde cada nova língua integrada a esse
universo de saberes linguísticos aumentava o sucesso da trama e de seu desarranjo
em prol de uma só região do globo. Tudo isso foi possível uma vez que a
gramatização das línguas europeias aconteceu ao mesmo tempo da exploração de
outros continentes do planeta e da colonização e controle desses pelos europeus.
Segundo o autor, tratou-se de uma revolução tecnológica tão importante para a
história da humanidade quanto a revolução agrária do Neolítico ou a Revolução
Industrial do século XIX.
Auroux aponta quais foram as razões da propagação, sem precedentes,
da gramatização das línguas do mundo, a partir da Europa, e de modo tão tardio. O
autor destaca que, mesmo após o declínio do Império Romano do Ocidente, assistiu-
se à manutenção do latim na Europa Ocidental e ao desenvolvimento das línguas
neolatinas. Dessa forma, verificou-se que a conservação do latim nas atividades
envolvendo a administração, as atividades intelectuais e religiosas, mesmo em
localidades não latinas do indo-europeu, foi imprescindível enquanto fator de
unificação na Europa Ocidental. E é exatamente na persistência desse aspecto que
é preciso buscar as razões da mudança de orientação prática da gramática.
Sob o fator da unificação, todo europeu era obrigado a aprender o latim,
que já não era mais a sua língua materna, a partir da própria gramática latina, que,
conforme adiantou Auroux (idem, p. 42), sofreria mudanças de orientação prática de
uso da gramática:

Para um europeu do século IX, o latim é antes de tudo uma segunda língua
que ele deve aprender. A gramática latina existe e vai se tornar
prioritariamente uma técnica de aprendizagem da língua.
38

Desse modo, a gramática da língua latina servirá para aprendê-la,


enquanto segunda língua, e as línguas maternas, já que aquela era a única língua
com larga tradição gramatical no território europeu.
Conforme defende Auroux (ibidem), a gramática latina passará a ser
compreendida como “uma técnica geral de aprendizagem”. Portanto, nesse caso:

Foi necessário primeiro que a gramática de uma língua já gramaticalizada


fosse massivamente empregada para fins de pedagogia linguística, porque
essa língua se tornou progressivamente uma segunda língua, para que a
gramática se tornasse – o que tomará um tempo considerável – uma técnica
geral de aprendizagem, aplicável a toda língua, inclusive a língua materna.

Outra razão apontada por Auroux para explicar o movimento de


gramatização em massa das línguas do mundo, a partir do espaço europeu,
encontra-se naquilo que ele nomeia como “fundo latino”, sendo que este “constitui
um fator de unificação teórica que não tem equivalente na história das ciências da
linguagem” (ibidem). O autor propõe que é por meio desse fundo que a
metalinguagem de um vernáculo será sempre conferida nos moldes da gramática da
língua latina.
Para Auroux (idem, p. 43), como a metalinguagem das línguas dos
Estados Nacionais europeus, formadas no Renascimento até a época moderna,
conservará a mesma estrutura de qualquer outra língua elaborada nas mesmas
condições, haverá “uma certa equivalência entre as gramáticas das diferentes
línguas redigidas em qualquer dos vernáculos” empregados. Dessa forma, segundo
o autor, uma rede de conhecimento linguístico promovido pelo processo de
gramatização em massa das línguas seria a responsável pela eficácia no acúmulo
de conhecimentos. Na concepção do autor (ibidem):

a acessibilidade generalizada de todos os pontos da rede ao menor custo,


para os que se situam em alguns pontos (alemão, inglês, espanhol, francês,
italiano, português) que têm entre si uma relação fortemente conexa, ou,
mais simplesmente, para aqueles que conhecem o latim.

Ele ainda destaca que o processo de gramatização guarda o aspecto da


transitividade e, em seus primórdios, foi altamente reversível. E é por meio desses
39

dois traços que, de acordo com o autor, as gramáticas tornam-se traduções uma das
outras ou o fato da gramatização de uma língua determinada objetivar tornar
acessível aos locutores outra língua. Esse processo, segundo o autor, é um efeito
típico da constituição em rede e, além disso, na gramatização, à base do latim, de
um vernáculo europeu é possível esse servir de modelo à outra língua e lhe
transmitir a sua latinidade.
Segundo Auroux, como no processo de gramatização o que está em jogo
é a transferência de uma língua para outras línguas, é inevitável que ocorra também
uma transferência cultural. A transferência de tecnologias entre línguas pode ser de
dois tipos: a endotransferência ou a exotransferência. Estas são denominadas pelo
pesquisador francês como endogramatização e exogramatização, respectivamente.
Exemplos de endogramatização aconteceram quando os latinos
descreveram a língua latina a partir da estrutura gramatical da língua grega e
quando os vernáculos europeus passaram a ser descritos pelos europeus a partir do
funcionamento do latim. A exogramatização ocorreu, por exemplo, quando os
portugueses transferiram a tecnologia do português europeu para as línguas
indígenas, essas sem tradição escrita e seus falantes não dispunham de tecnologia
para descrevê-las.
De acordo com Auroux, a gramática não nasceu de uma necessidade
didática, pois, a criança grega ou latina já sabia a sua língua quando frequentava a
escola e a gramática era apenas um estágio do acesso à escrita.
Desse modo, no processo de gramatização em Timor-Leste estiveram
envolvidas as etapas de descrição e de instrumentalização, não apenas da língua
falada em Portugal, no caso, o português, mas das línguas de alguns reinos
subordinados aos portugueses, como foi o caso da língua tétum. No caso dos
colonizadores portugueses, havia o interesse de que os timorenses aprendessem a
língua do rei, desenvolvendo, assim, uma política linguística de uso da língua
portuguesa além-mar.
O processo de gramatização no país em questão teve propósitos
diversos, no caso, para a catequese e para o ensino, e os instrumentos linguísticos
produzidos, pela exogramatização, em consonância com a tradição gramatical latina,
pelos missionários católicos, para tais fins, institucionalizaram (re)divisões entre as
40

línguas e os sujeitos e, desse modo, lugares foram conferidos aos mesmos.

1.3 A configuração da História das Ideias Linguísticas no Brasil

De acordo com o que nos apresentou Diniz (ibidem, p. 12), a História das
Ideias Linguísticas no Brasil ganhou estatuto e se desenvolveu a partir do
conhecimento produzido nos projetos realizados na década de 1980; particularmente
aquele que recebeu o nome “Discurso, significação e brasilidade”, coordenado pela
Profa. Dra. Eni P. Orlandi, no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade
Estadual de Campinas (IEL/Unicamp). Diniz (ibidem, p. 12) apontou que, ao longo da
década de 1990, a HIL conquistou espaço no Brasil como área de conhecimento,
por meio de uma série de projetos, em especial, “História das Idéias Lingüísticas no
Brasil: a construção de um saber metalingüístico e a constituição da língua
nacional”19, “História das Idéias Lingüísticas: ética e política das línguas”20 e “O
Controle Político da Representação: uma História das Idéias”21, desenvolvidos por
pesquisadores vinculados a diferentes universidades brasileiras, em colaboração
com investigadores franceses22.
De modo geral, a História das Ideias Linguísticas prezou pelo estudo das
diferentes formas de constituição do saber metalinguístico ao longo do processo
sócio-histórico, não se limitando, portanto, àquelas desenvolvidas tradicionalmente
pela Linguística Moderna. Conforme fundamentou Auroux (ibidem, p. 14):

É preciso situar nosso objeto em relação só a um campo de fenômenos,


apreensíveis à altura da consciência cotidiana. Seja a linguagem humana,
tal como ela se realizou na diversidade das línguas; saberes se constituíram
a seu respeito; este é nosso objeto.

19
O projeto foi coordenado pelos Professores Doutores Eni Puccinelli Orlandi (Instituto de Estudos da
Linguagem/Unicamp – Campinas) e Sylvain Auroux (École Normale Supérieure – Lyon) e recebeu
apoio do acordo CAPES/COFECUB com a Universidade de Paris VII, tendo sido desenvolvido entre
1993 e 1998.
20
Projeto desenvolvido entre 1998 e 2004, coordenado pela Profª. Drª. Eni P. Orlandi (IEL/ Unicamp)
e pela Profª. Drª. Diana Luz Pessoa de Barros (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas –
Universidade de São Paulo), no Brasil, e pelo Prof. Dr. Sylvain Auroux, na França.
21
O projeto CAPES/COFECUB foi iniciado em 2005, coordenado, no Brasil, pelo Prof. Dr. Eduardo
Roberto Junqueira Guimarães (IEL/Unicamp) e, na França, pelo Prof. Dr. Jean-Claude Zancarini
(École Normale Supérieure - Lyon).
22
Outras informações sobre a institucionalização do campo da HIL no Brasíl podem ser obtidas em
<http://www.unicamp.br/iel/hil/historico.html>. Acesso em: 26 jul. 2015.
41

Para Diniz (ibidem, p. 13), outro conceito chave em HIL e proposto por
Auroux (ibidem, p. 65) foi o da gramatização, “o processo que conduz a descrever e
a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os
pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário”.
A partir das considerações de Diniz (ibidem, p. 13), o filósofo da
linguagem francês defendia que a gramática e o dicionário, longe de serem uma
mera descrição ou representação das línguas naturais, eram instrumentos
linguísticos, “do mesmo modo que um martelo prolonga o gesto da mão,
transformando-o” (ibidem, p. 70), e que modificavam os espaços-tempos de
comunicação: “... como as estradas, os canais, […] e os meios de transporte, a
gramatização modificou profundamente a ecologia da comunicação e o estudo do
patrimônio linguístico da humanidade”, mencionou Auroux (ibidem, p. 71). Esse
ainda argumentou, por exemplo, que as línguas pouco, menos, ou não,
instrumentalizadas, estiveram mais expostas ao “linguicídio”, fosse esse voluntário
ou não.
Diniz (ibidem, p. 13) argumenta que a HIL brasileira, embora assumisse
essa diretriz de trabalho proposta por Auroux, bem como o conceito de
gramatização, soube preservar as suas especificidades em relação à maneira como
a área se configurou na França23, conforme foi possível observar com base nas
afirmações de Guimarães e Orlandi (1996, p. 14 apud DINIZ, ibidem, p. 13):

Além da produção de um conhecimento específico necessário ao domínio


lingüístico, importa conhecer o modo de formulação da língua nacional e o
de constituição de um saber metalinguístico para melhor compreender a
variada natureza dos objetos simbólicos que estão envolvidos na formação
de um país como o Brasil. É da produção desses objetos e da relação
estabelecida pelos sujeitos com essa produção que resultam os sentidos
atribuídos ao país, assim como aqueles que dão sentidos a esses sujeitos
enquanto eles se definem em relação ao seu país, nas formas que a política
das relações sociais significar nessa sua história, seja como súditos, seja
como escravos, seja como cidadãos.

23
Cf. site do Laboratoire d’histoire des théories linguistiques, que congrega as principais pesquisas
nesse campo desenvolvidas na França: <http://htl.linguist.univ-paris-diderot.fr/>. Acesso em: 27 jul.
2015.
42

Desse modo, conforme defende Diniz (ibidem, p. 13-14), as pesquisas


brasileiras de domínio do saber da HIL compreenderam a história da construção e
da circulação de um saber metalinguístico como inseparáveis da história da
constituição da língua nacional24 brasileira. Com o propósito de compreender o
modo como o processo de instrumentalização do português atuou na constituição
dos Estados e identidades nacionais, as pesquisas em HIL se interessaram não
apenas pelas gramáticas e dicionários, mas também pelos currículos, pelos
programas de ensino, pelos vocabulários, pelos acordos ortográficos, dentre outros
instrumentos (cf. ORLANDI, 2001 apud DINIZ, p. 13).
Segundo o pesquisador brasileiro (ibidem, p. 14), assiste-se, portanto, a
um alargamento do conceito de gramatização, que começou a compreender
diversas instâncias de instrumentalização de uma língua, não estando entre elas
apenas a gramática e o dicionário. Além disso, a HIL, no Brasil, passou a querer
entender a relação desse processo de gramatização com as instituições
responsáveis pela sua elaboração e/ou divulgação: organizações literárias, centros
de pesquisa, escolas, academias, associações científicas, imprensa, dentre outras.
Esse redimensionamento da HIL brasileira tem sido possível a partir da
relação que o campo desenvolveu, no Brasil, com a Análise do Discurso materialista.

1.4 O conceito de Política Linguística

Agora apontaremos, a partir dos estudos de Diniz (2012), para


particularidades importantes na definição do conceito de política linguística. Este
amplamente debatido no domínio da História das Ideias Linguísticas (HIL), na sua
relação com a Análise Materialista do Discurso (AD), auxiliou-nos a compreender
que o processo de gramatização envolvendo as línguas de Timor e as decisões das
autoridades colonizadoras sobre as línguas no território timorense não devem ser
analisadas como práticas deliberadas ao bel prazer e exercidas exclusivamente
pelos agentes do Estado.

24
A língua nacional, a partir dos trabalhos de Payer (1999, 2007), não coincide, empírica ou
teoricamente, com a língua materna. Já, sob a perspectiva de Gadet e Pêcheux (1994), Orlandi
(2001; 2002) e Guimarães (2002), a língua nacional é aquela em que os Estados nacionais modernos
estabelecem o seu ideal de “unidade” política entre os membros da Nação.
43

De acordo com Diniz (idem), a HIL, enquanto domínio de conhecimento


sobre a linguagem, toma como constitutiva a relação entre a história da língua e a
história do saber sobre essa língua, ou seja, o saber metalinguístico, instaurado pelo
processo de gramatização (Auroux, 1992). Desse modo, concentrando-se a HIL no
estudo das distintas maneiras de constituição desse processo em suas diferentes
formas - acordos e leis, saberes e instrumentos linguísticos etc. - ao longo da
história.
Uma das principais particularidades dos trabalhos brasileiros em HIL
vinculados à Análise Materialista do Discurso diz respeito ao fato, conforme define o
pesquisador (idem, p. 11), “de que o político é estruturante das formas do saber
metalinguístico”.
Assumindo tal posição, segundo Diniz (ibidem), a noção de política
linguística, tomada pela HIL, na sua relação com a AD, toma sentido outro,
totalmente diferente daquele assumido pelos estudos da Sociolinguística, a partir
dos trabalhos de Calvet (2002, 2007).
A política linguística nos trabalhos de Calvet é compreendida segundo “a
determinação das grandes decisões referentes às relações entre as línguas e a
sociedade” (2007, p. 11) e como “um conjunto de escolhas conscientes referentes às
relações entre língua(s) e vida social” (2002, p. 145), em oposição ao conceito de
planejamento linguístico, que seria a “implementação prática de uma política
lingüística, em suma, a passagem ao ato” (loc. cit.). Uma vez estabelecida a
inseparabilidade entre o par “política linguística/planejamento linguístico”, o
sociolinguista francês defende que, embora os distintos grupos sejam capazes de
elaborar uma política linguística, “só o Estado tem o poder e os meios de passar ao
estágio do planejamento, de pôr em prática suas escolhas políticas” (idem, 2002, p.
146). Para complementar as suas discussões, Calvet acrescenta ainda que a
questão do plurilinguismo, no domínio das políticas linguísticas, pode se concretizar
de duas maneiras: uma que acontece a partir das próprias práticas sociais e a outra
que provém da intervenção sobre essas práticas. A primeira, nomeada pelo
estudioso como gestão in vivo, corresponde ao modo pelo qual os falantes
solucionam os problemas de comunicação nas práticas cotidianas, independente de
decisões, decretos ou de leis oficiais. A segunda forma equivale ao que Calvet
44

(2002, p. 147) nomeia gestão in vitro:

... em seus laboratórios, linguistas analisam as situações e as línguas,


descrevem-nas, constroem hipóteses sobre o futuro das situações,
proposições para regular os problemas; depois, os políticos estudam as
hipóteses e as proposições, fazem escolhas, aplicam-nas.

A partir de tais considerações, já é possível destacar algumas diferenças


relevantes entre a posição dos estudos calvetianos e a que orienta os trabalhos
realizados no campo da HIL no Brasil.
Conforme propõe Diniz (idem, p. 16), Calvet ao compreender a política
linguística como algo que determina grandes decisões na relação entre línguas e
sociedade, e que é capaz de se realizar através de escolhas conscientes,
envolvendo língua(s) e vida social, põe:

em segundo plano o fato de que diferentes processos de instrumentalização


e institucionalização de uma língua têm seus efeitos em termos de política
linguística - mesmo quando não guardam uma relação direta com ações do
Estado, e mesmo quando não são levados a cabo a partir de decisões
conscientes que visem à intervenção explícita em determinadas práticas
linguísticas.

Do ponto de vista discursivo, de acordo com o pesquisador brasileiro


(idem, p. 17), Orlandi (1998, p. 9) realiza algumas reflexões importantes a esse
respeito:

Haverá sempre diferentes sentidos a atribuir ao que é a política lingüística,


indo-se da tematização formal de uma política lingüística explícita assumida
claramente como organizacional, até a observação de processos
institucionais menos evidentes, presentes de forma implícita nos usos
diferenciados (e que produzem diferenças) das línguas.

Complementando a sua argumentação, Diniz (idem, p.17) afirma que a


própria elaboração de um determinado saber metalinguístico pode ser compreendida
como um processo que atua nas formas da política linguística. Este é um dos
fundamentos norteadores das pesquisas brasileiras no campo da HIL que se
caracterizam por conceber a história do saber metalinguístico no país em relação à
45

constituição da língua – e, portanto, da identidade – nacional. Desse modo,


pesquisas da HIL, no Brasil, trabalham a hipótese de que a gramatização (AUROUX,
1992), além de corroborar para a formação de um saber metalinguístico, resulta na
construção de espaços imaginários de identificação, trazendo efeitos sobre a
composição dos modos das sociedades.
Segundo propõe Diniz (idem, p. 17-18), compreende-se que o conceito de
gestão in vitro, proposto pelo sociolinguista francês, além de seguir uma direção
outra à das pesquisas da HIL brasileira, faz desaparecer, de certo modo, o fato de
que todo o conhecimento se inscreve em condições de produção25 específicas.
Outro aspecto relevante destacado pelo pesquisador brasileiro (idem, p.
21), refere-se ao fato de que, na base das diferenças entre a perspectiva de Calvet e
a dos trabalhos em HIL, está a definição de política.
Sob o ponto de vista da Sociolinguística, de modo mais geral, e também
do de Calvet, a palavra “política” refere-se a atos administrativos levados a cabo pelo
poder público, como foi possível observar na definição do binômio in vitro / in vivo:

Se a política lingüística é, em última análise, da alçada dos decisores,


nenhuma decisão pode ser tomada sem uma descrição precisa das
situações, do sistema fonológico, lexical e sintático das línguas em contato
etc., […]. A política tem sido definida como a arte do possível. […].Toda a
arte da política e do planejamento lingüístico está nessa complementaridade
necessária entre os cientistas e os decisores, nesse equilíbrio estável entre
as técnicas de intervenção e as escolhas da sociedade (CALVET, 2007, p.
86).

Desse modo, Diniz (idem, p. 21) aponta que Orlandi (2007), propondo
trabalhar o domínio das políticas linguísticas sem apagar da língua aquilo que lhe é
próprio – o político –, realiza um deslocamento que é bastante produtivo para os
trabalhos em HIL filiados à AD materialista. A analista de discurso concebe a política
linguística enquanto política de línguas, que corresponde ao fato de que:

25
Segundo Pêcheux (1997a, p. 78), “os fenômenos lingüísticos de dimensão superior à frase podem
efetivamente ser concebidos como um funcionamento, mas com a condição de acrescentar
imediatamente que este funcionamento não é integralmente lingüístico, no sentido atual desse termo,
e que não podemos defini-lo senão em referência ao mecanismo de colocação dos protagonistas do
discurso e do objeto de discurso, mecanismo que chamamos ‘condições de produção’ do discurso”
[itálicos do original].
46

Não há possibilidade de se ter a língua que não esteja já afetada desde


sempre pelo político. Uma língua é um corpo simbólico político que faz parte
das relações entre sujeitos na sua vida social e histórica. Assim, quando
pensamos em políticas de línguas, já pensamos de imediato nas formas
sociais sendo significadas por e para sujeitos históricos e simbólicos, em
suas formas de existência, de experiência, no espaço político de seus
sentidos (idem, p. 8).

1.5 O conceito de Espaço de Enunciação

A definição de espaço de enunciação, proposto por Guimarães (2002),


como um espaço de funcionamento ampliado e marcado pela divisão entre línguas e
falantes, todos formados pelo embate mútuo e ininterrupto, é bastante interessante.
Encontrando-se, desse modo, os falantes e as línguas atravessados pelo
o político, compreendido, segundo Guimarães (idem, p. 17), a partir “do
pertencimento do povo ao povo, em conflito com a divisão desigual do real, para
redividi-lo, para refazê-lo incessantemente em nome do pertencimento de todos no
todo”. Pelo o procedimento metodológico que marca a relação entre línguas e
falantes, Guimarães (idem, p.18) defende que:

Esta relação entre falantes e línguas interessa enquanto um espaço


regulado e de disputas pela palavra e pelas línguas, enquanto espaço
político, portanto. A língua é dividida no sentido de que ela é
necessariamente atravessada pelo político: ela é normativamente dividida e
é também a condição para se afirmar o pertencimento dos não incluídos, a
igualdade dos desigualmente divididos.
Os falantes não são os indivíduos, as pessoas que falam esta ou aquela
língua. Os falantes são estas pessoas enquanto determinadas pelas línguas
que falam. Neste sentido falantes não são as pessoas na atividade físico-
fisiológica, ou psíquica, de falar. São sujeitos da língua enquanto
constituídos por este espaço de línguas e falantes que chamo espaço de
enunciação.
(...).
... o falante não é esta figura empírica, mas uma figura política constituída
pelos espaços de enunciação.

Adotando essa posição, o espaço de enunciação é compreendido como


espaço político, constitutivamente marcado por disputas pelas palavras e pelas
línguas entre os falantes. Já por “político”, Guimarães entende o “conflito entre uma
divisão normativa e desigual do real e uma redivisão pela qual os desiguais afirmam
47

seu pertencimento” (ibidem, p. 16); aquele não é, dessa maneira, algo exterior à
língua, que lhe é acrescido por razões sociais – como é percebido no conceito de
política linguística com que trabalha Calvet –; ao contrário, o político é constitutivo de
seu funcionamento. Por ser necessariamente atravessada pelo político, a língua é,
para Guimarães, marcada por uma divisão, pela qual os falantes se identificam.
Dessa forma, Diniz (2012, p. 23) defende que o conceito de espaço de
enunciação estabelece um significativo deslocamento no modo de se definir a figura
do falante. Não se trata de um indivíduo formado antes e autonomamente dos
espaços de enunciação, mas de um sujeito constituído por e em um espaço
atravessado pelos conflitos entre as línguas.
De acordo com o que nos apresenta Diniz (ibidem), o espaço de
enunciação permite tornar a visitar o conceito de “atores” da política linguística,
geralmente, mobilizado na Sociolinguística. Nessa área de saber, a política
linguística é compreendida por processos que acontecem a partir de ações
conscientes e planejadas por diferentes agentes objetivando a intervir na relação
que um dado grupo estabelece com certa(s) língua(s) falada(s) em um espaço de
enunciação. A formação de um saber metalinguístico é um exemplo a esse respeito,
já que produz sentidos que interferem nessa relação. Contudo, mais do que isso, é
importante levar em conta que, embora se trate de gestos de planejamento
linguístico, a vontade e a reflexão estratégica não devem ser analisadas como os
elementos estruturantes da política linguística. Segundo Diniz (idem, p. 23-24), se o
falante é considerado como uma função enunciativa que, para Zoppi-Fontana
(2010), se constitui em um espaço de enunciação “metaforizado pelo jogo
contraditório entre diferentes memórias da língua”, desse modo sua vontade e sua
reflexão estratégica, que determinariam certos gestos de política linguística, não têm
origem nele próprio, mas são efeito do interdiscurso26. Defender o contrário seria
aceitar a ilusão da evidência subjetiva rebatida por Pêcheux (1997b), ou seja, a
pressuposição – que se deslocou, por “filosofia espontânea”, para certas pesquisas

26
Pêcheux (1997b, p. 162) propõe que “… toda formação discursiva dissimula, pela transparência de
sentido que nela se constitui, sua dependência com relação ao ‘todo complexo com dominante’ das
formações discursivas, intrincado no complexo das formações ideológicas...”, ou seja, que se pode
chamar interdiscurso a esse ‘todo complexo com dominante’ das formações discursivas,
esclarecendo que também ele é submetido à lei de desigualdade-contradição-subordinação que (...)
caracteriza o complexo das formações ideológicas”.
48

linguísticas – de que o sujeito é origem de si próprio e que, enquanto tal, tem pleno
controle sobre o que diz e o que faz.
Desse modo, compreendemos que para qualquer relação histórica entre
línguas e sujeitos tão diferentes, divisões entre todos os envolvidos são produzidas,
significados diversos para todos são construídos e estatutos para as línguas e os
sujeitos são distribuídos na configuração do que Guimarães, 2002, definiu como
espaço de enunciação.
O lugar compreendido como espaço de enunciação, de acordo com
Guimarães (idem), é onde as línguas funcionam entre si, onde elas se relacionam de
modo a se dividirem, a se redividirem, a se misturarem, a se desfazerem, e a se
transformarem em um espaço marcado por uma disputa ininterrupta. E enquanto
espaços de línguas divididas em funcionamento são habitados por falantes que
também se encontram na situação de divisão pelos “seus direitos ao dizer e às
maneiras de dizer”. Na concepção de Guimarães (idem), é o modo de distribuição
para os falantes que regula o funcionamento das línguas, encontrando-se o espaço
de enunciação, de acordo com Zoppi-Fontana (2010, p.131-132), na posição de “o
lugar dessa atribuição/distribuição que se dá como efeito dos processos históricos
que configuram as relações de poder que regulam esse espaço”. Dessa forma, de
acordo com a autora (idem), os falantes se constituem em ‘sujeitos da língua’ pelo
espaço de enunciação.
Na perspectiva de Zoppi-Fontana (idem, p.132), a definição de espaço de
enunciação é extremamente produtiva, uma vez que possibilita conceber
“politicamente a diversidade linguística como divisão da(s) língua(s)” e, desse modo,
compreender “os falantes dessa(s) língua(s) como constituídos enunciativamente
pelo conflito entre modos e direitos de dizer desigualmente distribuídos”.
Neste espaço, de acordo com Guimarães (idem), falar uma língua é
encontrar-se afetado pelas divisões que caracterizam o espaço de enunciação desta
língua onde ela é sempre uma (a definida pelo Estado), mas é também diferente
dessa (diversa e constituída nas relações cotidianas entre os falantes). Os falantes
se identificam pelas divisões, sendo que as tais apontam exatamente para a relação
dos falantes com a língua. Porém, segundo o autor (idem, p. 21), tal “divisão é
marcada por uma hierarquia de identidades”, sendo que essa divisão produz a
49

distribuição desigual dos falantes de acordo com os valores próprios dessa


hierarquia. Além disso, o falante identificado pela divisão da língua encontra-se
afetado por uma hierarquia global da língua a poder dizer de alguns lugares, certos
dizeres e de determinadas maneiras.
Na distribuição sempre desigual das línguas entre os falantes, é
interessante atentar para o fato de Guimarães (idem) apontar a Escola, entre outras
instituições e instrumentos (os linguísticos, por exemplo), como imprescindível na
configuração do espaço de enunciação da língua de Estado em um país. Segundo o
autor (idem, p. 21), sob essa perspectiva, “a Escola é fundamental no modo de
dividir os falantes e sua relação com a língua”.
Sendo assim, é possível afirmar que na relação entre línguas e sujeitos,
no caso de Timor-Leste, a produção de saberes a respeito das línguas, como
gramáticas, dicionários, catecismos, manuais etc., aparece também atravessada
pelo político e produz divisões. Os instrumentos linguísticos para uma língua
timorense, de certo modo, produziram efeitos ideológicos sobre as línguas e os
sujeitos e foram também afetados pelas relações, normalmente, marcadas por
contradições diversas. Essas atingiram as políticas de línguas dos portugueses e as
dos indonésios durante o processo histórico e ideológico de exposição e de
resistência das línguas e dos sujeitos timorenses às línguas dos colonizadores e os
seus diversos aparelhos e modos de repressão, inclusive, com a proibição do uso do
português no período do governo indonésio e com o silenciamento das línguas
timorenses pelos colonizadores europeu e indonésio.

1.6 Metodologia e a definição do corpus da pesquisa

Para a descrição da metodologia que norteia as pesquisas que dialogam


com a Análise Materialista do Discurso, é imprescindível levar em conta que o ponto
principal desse domínio de saber é o aspecto político (ideológico) da linguagem, de
modo a contribuir para a elaboração de uma perspectiva histórica das práticas
sociais e linguageiras, de maneira geral. Desse modo, os diferentes discursos sobre
as línguas e os sujeitos produzidos antes e depois do processo de gramatização das
línguas de Timor-Leste devem ser compreendidos como práticas fundamentalmente
50

políticas (ideológicas) capazes de apontar para as relações historicamente


determinadas dos sujeitos com as línguas no espaço-tempo do Timor Português.
Nos diversos discursos que integraram as narrativas dos viajantes europeus e dos
governadores portugueses e os prólogos que compunham os materiais linguísticos
elaborados pelos missionários católicos, as divisões entre as línguas e os diferentes
sujeitos sempre existiram. Contudo, o processo de gramatização, promovido pelos
padres católicos, mobilizou re(divisões) entre as línguas de Timor-Leste, entre o
próprio tétum e entre o tétum e a língua do colonizador europeu, de modo que
projetou posições às línguas. Posições ideológicas marcadas, geralmente, por um
discurso relacionado à concepção evolucionista do que era língua e o que não era;
por aspectos ligados à tradição da norma de correção gramatical e à tradição escrita
e escolar; e por aspectos ligados a relações de poder entre uma língua timorense e
a língua do colonizador. Todos esses lugares foram produzidos não como fatos
naturais e atemporais, mas como acontecimentos históricos, ideologicamente
marcados.
É relevante também elucidar sob qual noção de corpus nossa pesquisa se
apoiou, o tipo de corpus e onde realizamos os levantamentos.
Nosso trabalho adota a noção de corpus a partir do que Courtine (2009, p.
24) propõe para a constituição do corpus discursivo: “um conjunto de sequências
discursivas estruturado segundo um plano definido com referência a um certo estado
de condições de produção do discurso”.
Desta forma, um corpus discursivo não consiste em uma reunião aleatória
de textos que circulam de maneira estruturada previamente à ação do analista de
discurso sobre ele, pelo contrário, é o trabalho do analista, com base nas suas
hipóteses de pesquisa, que constitui o corpus. Além disso, Pêcheux (1997a, p. 160)
destaca a natureza imperativa da composição do corpus em combinação com a
análise linguística das sequências discursivas como a forma de abarcar, de um lado,
o papel do interdiscurso no intradiscurso e, de outro, a importância da análise léxico
sintática e enunciativa na apreensão do interdiscurso “como corpo de traços
formando memória”.
O corpus de nossa pesquisa se caracteriza como corpus de arquivo
(conforme classificação proposta por Courtine, 1981) e foi constituído ao longo do
51

trabalho da pesquisadora como professora na Faculdade de Ciências da Educação


da Universidade Nacional Timor Lorosa’e, entre 2008 e 2009, da pesquisa de
arquivo realizada na Fundação Biblioteca Nacional e no Real Gabinete Português de
Leitura, no Rio de Janeiro, no ano de 2012, e dos documentos, textos e instrumentos
linguísticos recolhidos em diferentes arquivos e bibliotecas de Portugal durante o
Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), realizado de 2013 a 2014, e
financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
CAPES.
Sabemos que o arquivo, contudo, não é dado; ele deve ser analisado
através de leituras que apontem para seus dispositivos e suas configurações
(Guilhaumou e Maldidier, 1986, p. 43 apud Grigoletto, 2002, p. 64), leituras que
estabeleçam, segundo Pêcheux (1982, p. 44 apud Grigoletto, 2002, p. 64), a relação
entre a “língua como sistema sintático intrinsecamente capaz de jogo, e a
discursividade como inscrição de efeitos linguísticos materiais na história”. Além
disso, o corpus do trabalho é do tipo complexo, constituído por diferentes
sequências discursivas produzidas por vários locutores e em diacronia.
Conforme propõe Grigoletto (2002), as condições de produção do corpus
são marcadas pela heterogeneidade, uma vez que se trata de produções formuladas
em situações enunciativas diversas, o que inclui diferentes sujeitos, instituições e
posições e a diversidade nos contextos de enunciação.
Entretanto, tais produções devem constituir um conjunto analisável do
ponto de vista do discurso, ao apontar indícios da configuração discursiva possível,
que se define por permitir coexistirem sentidos contrários e que se contradizem,
“oriundos de diferentes regiões do interdiscurso” (Grigoletto, idem, p. 67), em relação
a uma dada região do sudeste asiático, no caso Timor-Leste, em diversos momentos
que marcaram a relação entre as línguas e os falantes.
Antes de iniciarmos a análise do material discursivo do qual dispomos, é
imprescindível descrevermos o contexto histórico que marcou as relações entre as
línguas e os sujeitos em Timor-Leste nos períodos da colonização portuguesa e do
controle dos indonésios e algumas informações mais pontuais sobre o processo de
gramatização das línguas no território timorense.
52

CAPÍTULO 2
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO ENTRE AS LÍNGUAS E OS
SUJEITOS EM TIMOR-LESTE

Apresentamos a seguir a contextualização histórica a respeito das


línguas, dos sujeitos e do ensino nas diferentes situações temporais e espaciais que
envolveram o país.

2.1 A ilha de Timor: povos organizados com línguas diferentes e


poderes locais

De acordo com o historiador português Luís Filipe F. R. Thomaz (2002),


as primeiras expedições portuguesas realizadas na ilha de Timor não chegaram a
promover a fixação de europeus no território.
Todavia, os primeiros exploradores que falavam o português se
deparariam com línguas muito diferentes daquelas que estavam acostumados a
empregar na Europa do século XVI, e, certamente, divisões entre as línguas e os
falantes começaram já nestas primeiras relações.
Conforme propõe o historiador português Ivo Carneiro de Souza (1998),
em uma das primeiras passagens de navegadores europeus pelos territórios
próximos a Timor, a ilha já se encontrava organizada em reinos27 menores, com
falantes de línguas diferentes e governada por chefes locais que estabeleciam, com
o emprego do malaio, relações comerciais com os espaços vizinhos.
A posição do malaio28 como língua de negócio, muito antes do português

27
Conforme já dito no capítulo introdutório, a designação “reino” é empregada pelos historiadores
portugueses. Estes compreendem a ilha de Timor a partir do modo organizacional e político que se
assemelhou aos antigos feudos europeus. Porém, sob a perspectiva da análise materialista do
discurso, a denominação “reino” significa e produz sentidos outros e muito do que foi e é dito, até
hoje, a respeito da estrutura do funcionamento e da organização da ilha e seus habitantes, desde a
chegada dos primeiros colonizadores, reproduz a posição do colonizador. Sabe-se que a organização
política e administrativa da ilha possa ter vindo a ser outra, ter recebido outro nome, segundo a língua
de cada localidade etc., e que a estrutura feudal descrita pelo colonizador europeu faz parte do
estatuto imaginário deste no tocante ao funcionamento dos territórios recém-descobertos.
28
Segundo Thomaz (2002, p. 81-82), “o malaio, vernáculo, ‘língua própria’ de uma população,
53

europeu, nas proximidades de Timor, é confirmada pelo navegador e escritor italiano


António Pigafetta29, que passou pela ilha na primeira viagem ao redor do mundo
realizada, entre 1519 a 1522, por Fernão de Magalhães, a serviço da Coroa
Espanhola:

[...] as costas de Timor eram muito demandadas pelos navios de Java e


Malaca, que adquiriram a quase totalidade do sândalo e da cera da nossa
ilha; e sabemos que ao longo dos séculos nunca as suas praias deixaram
de ser frequentadas por navios das ilhas circunvizinhas – utilizando, com
toda a probabilidade, como língua de comércio, o malaio.

Entretanto, ainda segundo Souza (idem), internamente, esses mesmos


reinos de Timor já respondiam a dois outros grandes comandos organizados
militarmente, nomeados como: o dos Belos, autoridades timorenses que falavam o
tétum e dominavam a porção leste da ilha (Timor Oriental), e o do Servião 30, falantes
de baiqueno e integrantes da porção à oeste (Timor Ocidental), conhecidos como
povo baiqueno.
Por outro lado, Thomaz (2002), em seu trabalho de pesquisa, defende
que antes de os Belos exercerem seu poder na parte leste da ilha, eram os Loros,
autoridades locais com poder religioso e civil, falantes não se sabe de qual(is)
língua(s), que detinham o controle daquela localidade. No entanto, os Belos, já antes
da chegada dos portugueses, contando como aliados dois outros reinos de língua

estendia-se da costa oriental de Samatra, excluindo as duas extremidades, norte e sul da ilha; ilhas
situadas entre Samatra, Java e Bornéu (Riau, Linga, Banca, Bilitão etc.), costas ocidental e oriental
da Península de Malaca e núcleos dispersos pelas costas ocidental e meridional de Bornéu,
sobretudo, na foz dos grandes rios e na confluência destes com os seus principais afluentes. Esses
estabelecimentos permitiram aos malaios controlar o acesso ao interior da ilha e a quase totalidade
do comércio de médio e longo curso por via fluvial. Os malaios desempenhavam, na região, um papel
semelhante ao que os fenícios, gregos e cartagineses desempenharam no Mediterrâneo antes da
unificação romana: compravam às populações do interior, com que mantinham laços de vizinhança,
os seus produtos e vendiam-lhes os que importavam de outras partes, obtidos através de malaios de
outros estabelecimentos, que, por sua vez, os obtinham das gentes dos seus sertões”.
29
The First Voyage Around the World, 1519-1522: An Account of Magellan's Expedition. Por Antonio
Pigafetta. University of Toronto Press, 2007.
Livro original: Navigation et découvert de la Inde Superieure et Illes de Maluques ou naissent les cloux
de Girofle fait le par Anthoine Pigaphete. Gifty of Edwin J. Beinecke. Yale, Yale University Library,
1907. p.188-189.
30
De acordo com o historiador português Fernando A. de Figueiredo (2011, p. 33): “O reino do
Servião ou Survião (Surviang, mais conforme com a língua malaia) ou Terra dos Vaiquenos,
destacava-se dos outros pela sua preponderância sobre eles, quando os portugueses chegaram a
Timor. Esta designação acabaria por abranger toda a parte ocidental da ilha em contraposição à outra
parte: Belos”.
54

tétum, o de Luca, próximo à região de Viqueque - região central do Timor Oriental - e


o de Bé-Hali - Wehali ou Behale - localizado no Timor Ocidental, em uma região
muito próxima ao Timor Oriental, expandiram rapidamente os seus domínios na
porção Oriental da ilha e se instalaram definitivamente, marcando o fim do domínio
da aristocracia anterior e a expansão do tétum como língua de comunicação entre os
falantes de diferentes reinos.
Possivelmente, este tenha sido um dos cenários político-administrativos e
linguísticos em movimento na ilha de Timor antes da presença portuguesa no
território, e, certamente, houvera outros.
Entretanto, é possível mencionarmos que foi em meio a disputas de poder
e interesses diversos, a conflitos variados entre línguas e falantes de uma mesma ou
entre diferentes línguas, que os primeiros missionários portugueses deram início,
pela via da conquista missionária, à propagação da fé cristã. Esta sempre esteve
associada à expansão da língua e da cultura portuguesas, o que, posteriormente,
facilitaria a fixação definitiva do primeiro governador português, em 1702, na baía de
Lifau, parte do Timor Ocidental, Reino do Servião, hoje Enclave de Oé-Cússi-
Ambeno31.

2.2 Os primeiros missionários, o português e as línguas de Timor

Em um território marcado por relações entre línguas, visões de mundo


muito diversas e falantes originários de espaços bastante diferentes, de acordo com
Martins32 (1933) e Fontoura33 (1934), enquanto os viajantes europeus circulavam por

31
Foi a capital de Solor e Timor durante cerca de um século, entre os finais do XVII e 1769. Segundo
Figueiredo (2011, p. 33), a escolha parece dever-se ao facto de ser um bom ancoradouro para os
navios, ter boa água, não ser insalubre e encontrar-se rodeado de montanhas, facilitando a defesa.
Com o tempo, acentuaram-se-lhe as vantagens: o porto era aberto a todos os ventos, não atraindo ali
a navegação; e encontrava-se quase no centro da província do Servião, cada vez mais, portanto,
encravado no domínio holandês. Cf. Afonso de Castro, ob.cit., p. 50-86.
32
Capítulo XXXI: A Primitiva Vida de Timor Colonial. Os teocratas – Os Governadores militares –
Lutas e desmandos. Cf. Historia das Colónias Portuguesas. Obra Patriótica Sob o Patrocínio do
‘Diário de Notícias’, da autoria de Rocha Martins (Da Academia das Ciências de Lisboa). Lisboa, Tip.
da Emprêsa Nacional de Publicidade, 1933.
33
Capítulo II: Notícia Histórica sôbre a obra missionária e as influências desnacionalizadoras nas
colónias portuguesas: Timor. Cf. Missões religiosas nacionais e estrangeiras. Influências
desnacionalizadoras nas Colónias Portuguesas. Boletim Geral das Colónias, ano X, Lisboa, Agência
Geral das Colónias, n.° 112, Outubro, 1934, p. 111-196.
55

diferentes regiões do mundo e enviavam notícias ao rei de Portugal sobre os novos


mercados e os territórios recém-conquistados, como foi o caso de Timor e das ilhas
vizinhas, coube aos missionários católicos estabelecerem os primeiros contatos com
os reinos dos belos e dos baiquenos.
Segundo Martins (idem), enquanto na primeira metade do século XVI, os
primeiros missionários fixaram-se em Solor, ilha próxima a Timor, local onde se
realizava a troca do sândalo branco por outros objetos, e em Larantuka, na Ilha de
Flores, sede da administração eclesiástica até 1745, foi na segunda metade do
século XVI, aproximando-se de comerciantes timorenses que faziam trocas em
Sólor, que Frei António da Cruz, acompanhado de um amigo comerciante de
sândalo branco, consegue com que alguns frades dominicanos fossem recebidos
por chefes locais em Lifau, Timor Ocidental. Era dado o primeiro passo para que o
franciscano Frei António Taveira, em 1556, se tornasse o primeiro missionário a
divulgar a fé católica entre alguns reinos de Timor, mais especificamente em Lifau.
Efetivada a primeira aproximação, deu-se prosseguimento à fundação do
primeiro convento dominicano em Solor, em 1562, e ao envio dos primeiros filhos de
chefes locais timorenses ao Colégio de São Paulo, em Goa, e a outros colégios
religiosos para que aprendessem a ler, a escrever e a contar em língua portuguesa e
a receber as primeiras noções do latim. Com a entrada dos primeiros missionários
católicos na ilha, foi construída, em 1590, no reino de Mena, próximo à Lifau, sob a
orientação do Frei Belchior da Luz, a primeira igreja em Timor.
Segundo Martins (idem), o Seminário de Larantuka, na ilha de Flores,
fundado em 1606, sofria ataques constantes dos holandeses34 e dos reinos de Solor,
mas os missionários resistiam e continuavam suas atividades de missionação e de
formação, para onde alguns filhos de liurais timorenses eram enviados para estudar.
Por volta de 1629, a ilha de Timor passa a assistir à fixação definitiva de
vários missionários dominicanos no território. Em 1633, o dominicano Frei Cristóvão
Rangel chega ao reino do Servião e, após várias negociações, converte ao
cristianismo o primeiro régulo timorense e seus familiares, pessoas do povo e alguns
aliados. Deve-se, em 1641, ao Frei António de S. Jacinto, que já se encontrava junto
de outros missionários, desde 1629, o processo de conversão de autoridades locais
34
Os holandeses passaram a circular na região no fim do século XVI, por volta de 1595.
56

de alguns reinos importantes do Timor Ocidental, como Mena, Lifau e Manubão ao


Cristianismo, o que facilitou, posteriormente, a fixação definitiva da administração
portuguesa em Lifau. Naquele mesmo ano, segundo Martins (ibidem), a rainha de
Mena, após ter sofrido saques pelo rei malaio Toló, filia-se ao cristianismo, pede
proteção à Coroa Portuguesa e sela pacto de vassalagem com os portugueses, por
intermédio do frei dominicano. Tal aliança desagradou aos régulos dos reinos de
Behali e do Servião que, com o apoio do rei de Toló, declararam guerra à Mena.
Neste confronto, os chefes dos dois reinos foram derrotados pelas ações militares
portuguesas e as de outros aliados, em 1642. O episódio envolvendo a rainha de
Mena e os outros dois reis timorenses apontam não apenas para as antigas e
recorrentes disputas entre os diversos reinos de Timor, mas marca o fato de que a
qualquer momento, se os chefes timorenses não concordassem com novas alianças
etc., estouraria uma rebelião contra os missionários e os reinos aliados.
A partir de tais acontecimentos, já outros chefes locais, liurais,
acompanhando o que havia se passado entre os reinos em guerra, protegeram-se e
resistiram em seus espaços aos conhecimentos importados e impostos por uma
Europa desconhecida e distante, que contava com os ensinamentos da religião
católica, as noções de civilidade e as línguas europeias, no caso, a língua
portuguesa e o latim. A essas autoridades timorenses nada disso interessava.
Os dogmas católicos, os ensinamentos cristãos e a civilidade europeia
representavam outro modo de estar no mundo, com valores vindos de outra parte do
planeta e estranhos ao estilo de vida, aos valores, à cultura e às línguas dos reinos
da ilha. Neste caso, para os chefes locais e a sua população, o português europeu
era uma língua estranha e desconhecida, era a língua do colonizador, aquele que
vinha em nome do rei e da Igreja explorar material e imaterialmente os timorenses e
inculcar valores cristãos e de civilidade em locais onde, segundo as autoridades
europeias, imperava a barbárie e o pecado, dificultando, na concepção do
colonizador, o seu empreendimento “civilizador”.
Mediante a tamanha diversidade e a heterogeneidade linguística entre as
línguas de Timor e na relação estabelecida entre as mesmas e os seus falantes, os
missionários católicos encontraram um cenário linguístico com muito mais afinidade
para o uso do malaio, do tétum e das línguas de Timor, do que para o emprego de
57

uma língua europeia que se pretendia impor, em um primeiro momento, como língua
de domínio da catequese e da administração portuguesa.
Para Thomaz (1985), a partir da segunda metade do século XVI até o
início do século XVIII, em Timor, praticamente apenas os missionários, no caso,
portugueses, goeses e alguns macaenses, empregavam a língua da coroa
portuguesa nas atividades desempenhadas por eles e dominavam-na com fluidez.
Já o malaio circulava há muito mais tempo do que o português e era a língua das
relações comerciais, cabendo às línguas de Timor tornarem possíveis as relações de
natureza interna entre os diversos reinos e os seus povos.
De acordo com o que se passava na ilha de Timor, a questão da língua
portuguesa demandaria a atenção dos missionários na dilatação da fé cristã e na
permanência e atuação desses em Lifau. Afinal, como atrair o maior número de
adeptos ao catolicismo se o timorense não compreendia o português e muito menos
o latim?
Conforme propõe Sousa (1998), uma das primeiras iniciativas dos
missionários no sentido de promover o desenvolvimento da língua portuguesa entre
os nativos foi o envio dos filhos dos ainda poucos liurais que se deixaram converter
na fé cristã aos seminários de Solor e Larantuka para que aprendessem a língua
portuguesa. Desse modo, assim que voltassem aos seus respectivos reinos, teriam
de ser capazes de estabelecer relações nessa língua com os missionários e os
poucos administradores portugueses; em outras situações, no contato diário com os
padres, alguns liurais aprenderiam a língua europeia, já outros chegariam a se
deslocar até a Europa para aprender o português. Geralmente, os chefes e os
familiares que aprendiam, com desembaraço, a língua europeia tornavam-se, muitas
vezes, intérpretes dos religiosos; porém, a Igreja não desejava ficar na dependência
dos mesmos, que, além de não serem muitos, nem sempre eram considerados
confiáveis.
Em contrapartida, à medida que a conversão nos reinos avançava, o
número de línguas conhecidas também aumentava e, de certo modo, o
conhecimento sobre elas acontecia para que o missionário fosse capaz de converter
o maior número possível de reinos.
Dessa forma, como aprender a língua do reino facilitava o trabalho de
58

conversão dos timorenses, segundo Rego (1961), alguns padres, seguindo o que
propunha a Propaganda Fide35, de 1659, puseram-se a aprender a língua local
contando, especialmente, com os nativos que tinham aprendido o português nas
situações já apontadas anteriormente.
Nesse sentido, verificou-se que, com o passar dos séculos, os
missionários portugueses, envolvidos diretamente com as ações de conversão e de
catequização da população timorense, eram veementemente orientados pelos seus
superiores a aprender a língua do local para onde seriam enviados à missionação.
Se estes primeiros missionários que atuaram em Lifau e em outros reinos, até o
início do século XVIII, chegaram a elaborar listas de palavras e / ou a descrever
alguma língua, essas produções não chegaram até os nossos dias.
Contudo, conforme veremos, o conhecimento das línguas da ilha
promovido por essa e outras iniciativas foi imprescindível, no fim do século XIX, para
a gramatização de várias línguas timorenses por padres de diferentes ordens das
missões católicas em Timor, sendo que a instrumentalização das mesmas foi para
usos diferentes e produziu divisões diversas entre as línguas e os falantes.
De acordo com Thomaz (1994), com o passar dos séculos, a persistência
e o trabalho dos primeiros missionários dominicanos nas ilhas de Flores, Solor e
Timor, especialmente Lifau, associados às práticas de conversão, de
reconhecimento e aprendizagem da língua timorense e de apaziguamento das
reações de alguns liurais mais exaltados com a colonização portuguesa nos reinos
de Timor, foram algumas das estratégias tomadas no preparo do terreno para o que
estava prestes a suceder: a fixação definitiva, em 1702, do poder central português
em Lifau. Além de poder controlar mais de perto o trabalho dos missionários em
Timor, tal tomada de decisão, por parte da Coroa Portuguesa, ganhou força com a
presença cada vez mais frequente e intensa dos holandeses na porção ocidental da
ilha e a ameaça que a aliança destes com os chefes locais representava à atuação

35
Propaganda Fide, ligada à Santa Sé, determinou aos primeiros vigários apostólicos a necessidade
de aprender as línguas nativas dos territórios ocupados pela ação católica missionária. Sob o
argumento de que a Igreja pertencia a todas as nações, não deveria subordinar os povos a uma única
língua, à exceção da Liturgia que era compreendida como o elo de união de todo cristão em uma
única oração e manifestação de culto. Tal tomada de posição obrigou aos institutos formadores de
missionários a oferecer aos seus frequentadores a preparação linguística mínima no desempenho da
função no local para onde o missionário seria enviado.
59

de qualquer missionário e das autoridades lusas em Timor.


Por outro lado, com o aumento do número de reinos que aderira ao
catolicismo e a circulação de indianos falantes de língua portuguesa em Lifau, a
administração da Coroa Portuguesa compreendeu a necessidade de se instalar
definitivamente em Lifau e conseguir a adesão e o auxílio militar da metade oriental
da ilha, a parte administrada pelos Belos; já que grande parte dos reinos sob o
comando dos do Servião, à exceção de Lifau que se manteve aliada ao comando
português, oferecia maior resistência à penetração da influência católica, e,
sobretudo, ao domínio da língua e das decisões administrativas de Portugal,
apoiando, desse modo, os holandeses.
A respeito de como se encontrava organizado o espaço de Lifau, antes da
nomeação e da fixação do primeiro governador português, a citação da autoria do
navegador inglês William Dampier, que esteve em Timor pela primeira vez em 1687
e retornou à ilha durante os meses de setembro a dezembro de 1699, incluindo-a
em sua obra A Voyage to New Holland36, permite-nos verificar que os chefes locais
nativos na Baía de Lifau, na condição de vassalos da metrópole portuguesa,
encontravam-se sob a sujeição de representantes do império português na Índia, no
caso autoridades indianas falantes da língua portuguesa, católicos, provenientes de
Goa, e que não conheciam a nenhuma das línguas de Timor.
De acordo com o relato de Dampier, as situações de missionação iniciais
foram marcadas pela presença de autoridades timorenses que falavam suas
próprias línguas, mas não o português da administração local, visto que essa língua
era apenas de domínio dos indianos, originários de Goa37, representantes da
administração central portuguesa em Timor:

36
A Continuation of a Voyage to New Holland. William Dampier. London, printed for James and John
Knapton at the Crown in St. Paul's Churchyard, 1729. Capítulo 2: A description of Timor. Laphao, a
Portuguese settlement, described and Its original natives described. Parte do Project Gutenberg
License included with this e-Book or online at www.gutenberg.net. April 22, 2005. Disponível em
http://www.gutenberg.org/files/15685/15685-h/15685-h.htm. Acesso em: 02 maio 2015.
Trecho Original: [...].
... Laphao. It is a Portuguese settlement ...
There are in it about forty or fifty houses and one church. The houses are mean and low ... [...]. The
church also is very small ... [...]. The inhabitants of the town are chiefly a sort of Indians ...: they speak
Portuguese and are of the Romish religion; [...]. ... descent from the Portuguese; ... [...].
37
De acordo com Figueiredo (2011), nessa época, colônia portuguesa responsável pelas questões
políticas, administrativas e religiosas envolvendo Timor, depois da tomada de Malaca dos
portugueses, em 1640, pelos holandeses.
60

[...].
[...] Lifau. É uma colônia portuguesa [...]
Há nela cerca de quarenta ou cinquenta casas e uma igreja. As casas são
medianas e baixas [...] [...]. A igreja também é muito pequena [...] [...]. Os
habitantes da cidade são principalmente uma espécie de Indianos [...]: eles
falam Português e são da religião católica romana; [...]. [...] linhagem dos
Portugueses; [...] [...].

Até o período anterior aos dos governadores portugueses na ilha,


segundo estudo de Figueiredo (2011), os chefes nativos, em acordo com os
missionários, eram os que controlavam o poder político e administrativo nos
diferentes reinos de Timor e a língua portuguesa não era uma imposição, inclusive,
dividindo espaço com as línguas locais dos moradores e das autoridades
timorenses. Entretanto, com a vinda de autoridades nomeadas pela coroa
portuguesa, várias originárias de Goa, os chefes locais assistiriam à diminuição de
seu poder no território. Tal evento, em alguns casos, desencadeou a revolta de
vários liurais e a língua portuguesa assumiria o estatuto de língua da administração
central em Lifau, o que forçava os chefes nativos, subordinados à administração
portuguesa, a aprendê-la.
De acordo com a citação abaixo, a autoridade indicada pela
administração central não era um nativo e residia em Lifau. Dispunha de grande
poder militar para a defesa da baía, contando sempre com outros indianos no
combate aos reinos que não se submetiam aos domínios do império português. Já a
outra autoridade estava abaixo do primeiro e também falava o português e a língua
indiana, era católico e morava nas proximidades de Lifau. Os reinos subordinados à
coroa portuguesa deveriam seguir as orientações determinadas pela mesma e os
chefes locais precisavam se converter ao catolicismo e aprender a língua
portuguesa. Lifau estava organizada na estrutura de feudo onde os vários chefes
locais prestavam vassalagem aos representantes da coroa portuguesa38:

38
A Continuation of a Voyage to New Holland. William Dampier. London, printed for James and John
Knapton at the Crown in St. Paul's Churchyard, 1729. Capítulo 2: A description of Timor. Laphao, a
Portuguese settlement, described and Its original natives described. Parte do Project Gutenberg
License included with this e-Book or online at www.gutenberg.net. April 22, 2005. Disponível em
http://www.gutenberg.org/files/15685/15685-h/15685-h.htm. Acesso em: 02 maio 2015.
Trecho Original: The chief person they have on the island is named Antonio Henriquez; they call him
61

A autoridade principal que eles têm na ilha é chamado Antonio Henriquez;


eles chamam-no usualmente de Capitão-Mor ou Maior. Eles dizem que ele é
um homem branco, e que ele foi enviado para cá pelo o vice-rei de Goa. [...];
... eles dizem que o seu Capitão-Mor vai com frequência para as guerras em
companhia com os Indianos que são vizinhos e amigos dele, contra outros
indianos que são seus inimigos. A outra autoridade abaixo dele é Alexis
Mendosa; ele é um tenente, e mora seis ou sete milhas daqui, e governa
esta parte do país. Ele é um homem pequeno da raça Indiana, .... Ele fala
as línguas Indiana e Portuguesa; é um católico romano, e parece ser um
homem civil ativo [...].

Línguas diferentes faladas por uma elite estrangeira, religião católica


praticada por indianos e patentes militares distribuídas pelo rei português conferiram
poder e divisões que produziram hierarquias e posições entre os representantes do
governo português e as autoridades timorenses e também, de certo modo, entre as
diferentes línguas faladas pelos estrangeiros e entre as faladas pelos nativos nesse
espaço que se configurou Lifau.
Elementos político-ideológicos com o propósito de homogeneizar, de
civilizar, de aglutinar, mas que, na realidade, promoveram o apagamento das
diferenças culturais, religiosas e linguísticas entre os povos dos diferentes reinos de
Timor.

2.3 A colonização administrativa e linguística tardia dos


governadores portugueses no Timor Português

Sob a ameaça dos holandeses e com a influência cada vez maior dos
missionários sobre as línguas, a religião e o poder dos liurais timorenses e o de seus
grupos, por volta de 1702, em Lifau, o controle da coroa e da língua do rei foram
exercidos diretamente a partir da nomeação de António Coelho Guerreiro (1702-
1705), primeiro governador português para o Timor Português.

usually by the title of Captain More or Maior. They say he is a white man, and that he was sent hither
by the viceroy of Goa. (...); ... they say that this Captain More goes frequently to wars in company with
the Indians that are his neighbours and friends, against other Indians that are their enemies. The next
man to him is Alexis Mendosa; he is a lieutenant, and lives six or seven miles from hence, and rules
this part of the country. He is a little man of the Indian race, (...). He speaks both the Indian and
Portuguese languages; is a Roman Catholic, and seems to be a civil brisk (ativo) man. (…).
62

Conforme afirma Thomaz (2001b), Guerreiro procedeu com a organização


do território, distribuindo patentes militares aos chefes tradicionais e organizando o
“Arraial de Leais Moradores”, que se tratava de um exército composto por nativos
incumbidos de ajudar no controle de reinos rebeldes. Desse modo, pela primeira vez
na história de Timor, o rei de Portugal, oficialmente representado pelo seu
governador, assumiu a posição de suserano dos chefes locais timorenses que, até
1642, deveriam obediência à autoridade máxima do reino de Behali, aliado dos
Belos, representante do topo da estrutura do comando hierarquizado timorense.
Sendo assim, a ilha passou a condição de Protetorado Português, o que produziu
nas capitais estabelecidas ao longo do processo, primeiro Lifau, e depois, de 1769,
até os dias atuais, Díli, a organização de um esboço de administração central
portuguesa com desdobramentos, além de políticos e econômicos, linguísticos e
educacionais.
Para Thomaz (idem), um dos primeiros desdobramentos da condição de
Protetorado Português conferida a Timor foi que a língua portuguesa passou a
ocupar, pela primeira vez, a posição de língua da administração central em Lifau.
Aquela era empregada por uma minoria, geralmente, de origem portuguesa e / ou
mestiça e algumas famílias nativas timorenses, que, sob a orientação dos
missionários, caso não falassem o português, precisariam aprender a língua
europeia. Nota-se que as ações da igreja nos reinos de Timor foram imprescindíveis
para o domínio do império português no país e tiveram o propósito de perpetuar,
entre outros aspectos, a formação de sacerdotes nativos 39 e a manutenção da
política de língua que somente autorizava o uso do português na ilha. Desse modo,
ações concretas sob a responsabilidade dessas duas instituições viriam a afetar a
questão das línguas no país, pois, segundo Figueiredo (2011), em 1734, foi
construído o primeiro seminário próximo à Lifau, no enclave de Oé-Cússi, entre os
falantes nativos do baiqueno e conhecedores do português e do malaio, e depois
outro, em 174740, em Manatuto41, reduto da língua Galóli, falantes de tétum-térik e

39
A formação destes homens era considerada crucial para a aproximação com o habitante local e
para facilitar a compreensão dos aspectos culturais e míticos dos timorenses e suas línguas, pois, na
história da evangelização católica em Timor, há vários episódios que ilustram desconhecimento de
tais aspectos pelo padre europeu e situações pouco profícuas envolvendo a língua portuguesa no
processo de conversão/catequização daqueles.
40
De acordo com Figueiredo (2011, p. 451-452), “Em 1747, os dominicanos dirigiam um seminário
63

do português; tais lugares, de certo modo, foram centros de difusão e de


aprendizagem da língua e da cultura portuguesas aos que por lá passaram.
Conforme Menezes (2005), na história das relações entre as línguas em
Timor, não há como negar que, com o passar dos séculos, a presença dos
missionários e o ensino praticado nesses espaços de ação catequética e de
produção de saberes, sem abandonar o ensino da língua portuguesa, foram fatores
que contribuíram fortemente para o desenvolvimento do tétum falado e de alguma
outra língua local entre missionários e timorenses. O uso frequente da língua de
Timor nas ações de catequese, de ensino e de orientação do nativo nos trabalhos do
dia a dia foi importante para as primeiras descrições, que, em momento oportuno,
passariam a contar com espaços de produção de saberes metalinguísticos que
circulariam através de gramáticas, de dicionários, de manuais, de catecismos e de
livros de orações etc. elaborados pelos missionários católicos.
Portanto, a partir de tais saberes envolvendo as línguas e os seus
falantes, os missionários passaram a produzir conhecimentos sobre o funcionamento
das línguas da ilha, o que acabou resultando na produção de instrumentos
linguísticos diversos, no fim do século XIX.
Com o processo de gramatização das línguas de Timor, apoiado pela
Igreja e pelo Estado, (re)divisões entre as línguas e os falantes passaram a ser
produzidas e posições diversas foram sendo configuradas.
Veremos em outro momento42, com mais detalhes, quais foram as línguas

em Manatuto pago com a finta real, destinado a educar, para o sacerdócio, jovens naturais da ilha.
[…]. Faltavam outras condições: não havia famílias cristãs suficientes onde o recrutamento pudesse
ser efectuado e os próprios padres não vinham de Goa convenientemente preparados para exercer
as funções de professores e educadores”. [Cf. A. Faria de Morais. Subsídios para a História de Timor,
p. 42-45]. “Com o enfraquecimento da presença dominicana, diminuíra a presença deles em
determinados reinos, levando também, consequentemente, à redução do número de adolescentes-
candidatos ao sacerdócio. Por outro lado, a perda de influência política e a baixa do preço do
sândalo, de cujos ganhos saíam no passado as rendas necessárias à manutenção dos religiosos e
das suas instituições, não foram indiferentes às dificuldades sentidas para os manter”.
41
Nessa época, enquanto Lifau foi o centro do poder administrativo da Coroa Portuguesa no Timor do
Reino do Servião, Manatuto ocupou a posição de centro principal da evangelização no Timor dos
Belos, contando com boa parte da população convertida ao catolicismo e seguidora dos costumes
portugueses, e de reforço militar com os “Leais Moradores de Manatuto” divididos em companhias
comandadas por chefes ligados à aristocracia local e aliados dos portugueses no combate aos reinos
não aliados.
42
No Capítulo 3, há a apresentação das produções linguísticas dos missionários que atuaram em
Timor no fim do século XIX até o século XX. Nem todas as publicações resistiram até aos dias atuais,
outras nem chegaram a receber impressão; todavia, foi possível ter acesso ao prefácio de algumas
64

instrumentalizadas, os instrumentos linguísticos produzidos, quem os elaborou, e


sob quais propósitos etc. Afinal, sob quais formas e de que modo a gramatização
produziu efeitos e participou das diferentes políticas de línguas para Timor-Leste?

2.4 A transferência da capital do país de Lifau para Díli e o declínio


das missões dominicanas em Timor-Leste

Ainda que os missionários e os representantes da Coroa Portuguesa se


mantivessem em Lifau e o ensino praticado nos seminários e no cotidiano
desenvolvesse não apenas a língua portuguesa, mas o tétum e as línguas
timorenses entre missionários e a população, segundo Thomaz (1994), o ano de
1769, sob o governo de António José Teles de Meneses (1768 a 1776), foi marcado
pela transferência da capital político-administrativa de Timor de Lifau para Díli, essa
localizada no Timor Oriental dos Belos.
Lifau se encontrava administrativamente ligada à coroa e aos missionários
portugueses, mas as constantes rebeliões entre os reinos do Servião e o intenso
apoio bélico holandês contra católicos portugueses e seus aliados no Timor
Ocidental contribuíram para a mudança da capital.
Com a transferência de Lifau para Díli, os moradores do Servião, aliados
aos holandeses, passaram a dominar a porção ocidental de Timor, à exceção dos do
enclave de Oé-Cússi, onde estava localizado Lifau, que mantiveram alianças com os
missionários católicos e a população dos reinos da província dos Belos. Tal
alteração do eixo político-administrativo da ilha de Timor, de Lifau para Díli, produziu
alguns efeitos nos funcionamentos linguístico e missionário vigentes até então.
De acordo com Thomaz (2002), estiveram entre alguns deles: a) uma vez
que a capital da ilha tinha sido Lifau, até então, situações de uso do baiqueno, do
malaio e do português eram muito mais frequentes na porção ocidental do que na
parte oriental, já que o tétum e as suas variedades eram as línguas dos Belos,
fixados no Timor do lado leste.
Desse modo, em Díli, situações de interação entre diversas línguas foram

dessas obras e, em outros casos, à obra na íntegra.


65

dinamizadas a ponto de contribuir para o aparecimento da variedade do tétum-


praça; b) a proximidade entre a capital de Timor, Díli, com o Seminário de Manatuto,
região da língua Galóli, o que, possivelmente, ocasionou a dinamização do uso
dessa outra língua no Timor Português, inclusive, com a descrição e a produção de
material linguístico e litúrgico em Galóli, segunda língua de Timor mais descrita; c) a
disseminação da língua portuguesa entre os liurais dos reinos ligados aos Belos e
nas regiões vizinhas; e d) maior aproximação dos reinos sob a proteção dos Belos
da administração portuguesa e a tentativa de torná-los aliados dos missionários e
funcionários portugueses, uma vez que a extensa zona sob o domínio do reino do
Servião estava entregue ao controle dos holandeses, a confrontos internos nos
reinos vizinhos e a decisões da administração portuguesa, geralmente, envolvendo a
cobrança de elevados impostos.
Sob o aspecto político e administrativo, o poder central português na ilha
se encontrava centralizado e, minimamente, organizado na estrutura de feudo, o que
é possível verificar a partir do que o navegador francês F. E. Rosily 43, em viagem a
Timor, por volta de 1772, nos apresenta:

Memória sobre a Ilha de Timor.


Habitantes. Governo. Religião. Povos. Língua.

A ilha de Timor está dividida em 30 pequenos reinos que obedecem cada


um a seu rei [...], sem compreender os povos que vivem sob o alto da
montanha, onde cada uma das aldeias tem seu chefe. [...].
[...].
O governador português reside em Díli com cerca de 40 indianos brancos e
muitos sipaios, cuja a grande maioria provém de Goa e Moçambique; eles
têm uma Fortaleza e um bispo. [...]. Todos os chefes são cristãos católicos e
uma parte dos moradores; grande parte dos moradores é gentil,

43
Mémoire sur L’isle de Timor. Habitans. Gouvernement. Religion. Peuples. Langage. (p. 233, no
original, e p. 93, online). Apud Lombard-Jourdan Anne. Un mémoire inédit de F.E. de Rosily sur l'île
de Timor (1772). Cf. Archipel. Volume 23, 1982. p. 75-104.
Trecho Original: L’isle de Timor est divisée en 30 petits royaumes qui obéissent chacun à leur roi (…),
sans y comprendre les peoples qui vivent sur le haut des montagens, don’t chaque village a son chef.
(…). (…).
Le gouverneur portugais réside à Dhély avec environ 40 blancs indiens et beaucoup de sipaies, dont
la plus grande partie viennent de Goa et Mozambique; ils y ont une citadelle et un évêque. Le
commandant et un religieux commissaire résident à Manoutoutou avec quelques blancs et des
sipaies; ils y ont un fort. Il y a un missionaire par royaume et deux dans les grands; touts les chefs
sont chrétiens catholiques et une partie des habitans; la plus grande partie sont gentils, surtout cuex
des terres. Il y a des églises dans tous les villages sur la côte.
(…).
66

especialmente os da terra. Há igrejas em todas as aldeias sob a costa.


[...].

Ou seja, a presença portuguesa em Lifau, de 1702 a 1769, aliada ao


trabalho dos missionários católicos, preparou chefes nativos obedientes ao rei de
Portugal, católicos e conhecedores da língua do império português.
Na produção de Rosily, é possível afirmar que a estrutura de pequenos
reinos com reis ou chefes locais, a presença do governador português na capital do
país, Díli, sob a companhia de funcionários indianos e forças militares goesas e
moçambicanas, responsáveis por assegurar o controle da coroa portuguesa na ilha,
era a estrutura esperada para o funcionamento de um pequeno feudo organizado e
comandado pela administração da coroa.
Essa configuração de Timor foi possível com a centralização do poder em
uma região distante dos focos de rebelião, com o apoio administrativo e militar de
funcionários de outras possessões ultramarinas (Goa e Moçambique) que falavam a
língua portuguesa e com o trabalho dos missionários católicos, responsáveis pelas
conversões dos gentios em todo o território.
Já sob a perspectiva missionária, a nova sede do governo português na
ilha assistiria à redução da presença de missionários da ordem dominicana, pois,
segundo Figueiredo (2011, p. 428), “de facto, depois da 2ª metade da década de
1770, nunca mais os dominicanos atingiram o número de frades anteriormente
existentes no território”.
Assim como outros domínios ultramarinos, Timor sentiria as
consequências do enfraquecimento e do esvaziamento de poder e de pessoal na
formação das ordens regulares.
De acordo com Figueiredo (2011), tais ordens, além dos problemas
ligados à própria imagem institucional, como o estilo de vida pouco regrado de
alguns membros com os princípios da ordem a que estavam ligados, tiveram que se
adequar às mudanças propostas pelo regime liberal, que vigorou de 1769 a 1844.
Mesmo antes de tais modificações, as ordens eclesiásticas já vinham sofrendo
abalos em suas estruturas com as decisões e as ações anticlericais do primeiro
ministro do rei português D. José I (1750 a 1777), Marquês de Pombal, contra o
67

clero regular.
Segundo Figueiredo (idem), a aliança entre a coroa absolutista e as
ordens religiosas na expansão da fé católica e dos domínios portugueses às novas
terras conquistadas encontrava-se abalada e caminhava, pouco a pouco, para a
extinção daquelas em Portugal e das missões ultramarinas: a começar pela tomada
de bens da Igreja, pelo encerramento dos seminários e pela expulsão dos
missionários do Ultramar.
O historiador português (idem) propõe que, mesmo com o término do
mandato de Pombal, os domínios ultramarinos continuavam a sentir os efeitos das
decisões do mesmo; contudo, a má administração e os gastos abusivos praticados
no funcionamento das ordens regulares, muitas vezes, pelos próprios
administradores superiores, eram pretextos para que o poder real absolutista lhes
retirasse seu apoio, o que acabava refletindo na diminuição da ação dos
missionários em determinadas áreas, tanto na esfera eclesiástica quanto na civil.
A péssima condição em que o clero regular se encontrava em Timor, no ano de
1770, e que se estenderia até o início do século XIX, fora resultado das decisões
tomadas na metrópole pelo Marquês, sendo estas agravadas pelo pouco controle
que as ordens eclesiásticas, muitas vezes, estavam acostumadas a ter de enfrentar:

[...]. [...] a partir de 1800, ficou a dever-se ao facto do vigário-geral da


congregação dos dominicanos ter exaurido os fundos da mesma e assim
haver impedido que fossem noviços de Portugal, embora o dinheiro
remetido a isso se destinasse. Com efeito, para Timor, não foi enviado um
único religioso durante os doze anos em que frei Joaquim de Santa Ana
44
desempenhou o cargo de vigário-geral (1799-1811)

Como consequência das atitudes de pouco comprometimento, como a


relatada anteriormente, em 1800, o arcebispo de Goa, a partir das informações
repassadas pelo governador da Diocese de Malaca, comunicou ao governo central
qual era a realidade das missões em Timor:

[...]. [...] escassez de missionários; falta de apoio pecuniário do Estado, que

44
Cf. AHU, Índia, maço 157 (147), carta do arcebispo primaz do Oriente ao conde Galveias, Goa 26
de Abril de 1811, Anexo: relatório do vigário-geral, 1811. Apud Figueiredo, 2011, p. 429-430.
68

os religiosos tentavam compensar com a actividade do comércio; e disputa


entre as mais altas entidades secular e religiosas [governador secular,
45
governador do bispado e comissário das missões]

Para Figueiredo (2011), a política de Pombal corroborou para o


fortalecimento do espírito anticlerical que se instalaria em Portugal da segunda
metade do século XVIII e o Liberalismo de 1820 prosseguiu em defesa da política
contra tudo o que os missionários das ordens regulares desenvolveram no Ultramar.
Tal anticlericalismo, segundo o historiador português, enquadrou-se, possivelmente,
entre as ações mais desestruturantes às atividades das missões no Ultramar, pois
resultou na extinção das ordens religiosas, em 1834, e, também, no fechamento do
Colégio das Missões de Sernache do Bonjardim (fundado por decreto, em 1791, por
D. João VI), reduto importantíssimo na formação dos missionários ultramarinos,
encontrando-se, inclusive, entre vários deles, os primeiros descritores das línguas
locais do Ultramar, incluindo as de Timor. Dessa maneira, as línguas de Timor
deixariam de contar com missionários engajados na aprendizagem e na descrição
das mesmas.
Conforme Figueiredo (idem), as ações pombalinas diminuíram a presença
missionária na ilha e os dominicanos atuantes foram expulsos, o que fez com que,
pela primeira vez, a Igreja Católica em Timor se encontrasse sem o apoio dos seus
fundadores e principais disseminadores da fé católica. Os anos de abandono aos
quais ficaram as missões de Timor produziriam efeitos comprometedores às
atividades de ensino, de catequização e de uso da língua portuguesa.
De acordo com Thomaz (2002), as decisões dos liberais, no caso de
Timor, foram suficientes para o fechamento dos seminários e dos conventos na ilha
prejudicando o ensino e o emprego da língua portuguesa, principalmente nos
espaços rurais. Nesse período, a ilha de Timor, que sempre contou com as ações
dos dominicanos, ficou praticamente esquecida pelo governo central, encontrando-
se ora sob a superintendência de Macau, ora sob a de Goa; e tal abandono fez com
que, inclusive, a Holanda questionasse a presença portuguesa na ilha, o que veio a
ser resolvido no ano de 1860, com o Tratado de Lisboa. O historiador português

45
Cf. AHU, Padroado, maço 2 (1784-1819), carta do arcebispo primaz do Oriente para o Secretário
de Estado, Goa, 8 de Maio de 1800. Apud Figueiredo, 2011, p. 429.
69

(ibidem) esclarece que apenas o espaço urbano de Díli conseguiu manter algum uso
corrente do português, em contraste com o que se passava nos domínios
holandeses onde era o malaio a língua empregada e nos espaços rurais onde as
línguas de Timor circulavam sem a interferência do português.
Segundo Figueiredo (2011), a situação não poderia continuar como
estava e, desse modo, em 1844, com o fim da atuação dos liberais no poder central,
outra estrutura de organização eclesiástica e missionária se configurava para o
exercício das missões no Ultramar. As relações diplomáticas entre Portugal e a
Santa Sé foram retomadas e os problemas com as missões nos territórios sob a
administração portuguesa estiveram, de certo modo, em negociação por meio de
Concordatas46.
Dessa forma, era esperado pelo Estado Português que os missionários no
Ultramar cumprissem com as obrigações estabelecidas pelas Concordatas e aqueles
e suas respectivas ordens contassem com o apoio do Estado para o desempenho
das atividades missionárias.
Para que se tenha uma ideia do que se passava em Timor quando, em
Portugal, decide-se pela extinção das ordens religiosas e depois com a
reaproximação de Portugal e a Santa Sé, em 1835 e 1846, respectivamente,
segundo Figueiredo (idem, p. 433):

Desde 1835, nesta colônia da Oceania, raramente o governador do bispado


tinha mais do que um ou dois colaboradores, não havendo, praticamente,
missionação e acção religiosa na grande maioria do território.
Perante este panorama, em 1846, o Governo da Nação fazia saber ao
governador da Província de Macau, Solor e Timor que não pouparia
nenhum meio para tentar corresponder ao que este lhe havia solicitado:
envio de ‘tres ou quatro Eccleziasticos de bons costumes, e intrucção’, para
47
promover a civilização e a melhoria daquelas possessões .

46
Através de duas Concordatas, a primeira assinada, em 1857, entre Pio IX e D. Pedro V (1855 -
1861) reconhecendo “o exercicio do Padroado da Coroa Portuguesa”, apesar das dificuldades pelas
quais Portugal enfrentava para manter os territórios ultramarinos e diante da necessidade de dispor
de pessoal missionário em tais localidades; e com a segunda Concordata, assinada, em 1886, entre
Leão XIII e D. Luís I (1861 – 1889), fora mantido o direito ao Padroado conferido a Portugal; contudo,
com alguma restrição, já que o país deixara de administrar algumas dioceses localizadas na Índia
(Figueiredo, 2011, p. 431).
47
Cf. AHU, SEMU/DGU, Saída de Correspondência para Macau e Timor, livro n°. 3 (1844-1851),
ofício n°. 439, para o governador da Província de Macau e Timor, Mafra, 11 de Setembro de 1846, fl.
109.
70

De acordo com Figueiredo (idem, p. 453), com a extinção das ordens


religiosas em Portugal e no Ultramar, e sem poder contar com as ações dos
missionários nos territórios ultramarinos, a coroa portuguesa aprovou o Decreto de
14 de agosto de 184548. Por meio dele se organizaria o ensino primário nas
Províncias Ultramarinas o que previa o ensino da leitura e da escrita das primeiras
letras e de rudimentos matemáticos; exercícios gramaticais em português; noções
gerais de moral e de doutrina cristã e história sagrada do antigo e do novo
testamento; e conhecimentos introdutórios de geografia, especialmente a das
diversas províncias da monarquia portuguesa, e de história portuguesa.
Diante da situação de dificuldade para a atuação dos eclesiásticos em
Timor, no mesmo ano49, segundo Figueiredo (idem, p. 453), a coroa portuguesa
ordenou ao governador da Província de Macau, Solor e Timor que as orientações do
referido decreto fossem executadas o mais breve possível. Porém, como acontecia
com todas as decisões envolvendo as possessões ultramarinas, Timor ficaria para
segundo plano, não sendo possível verificar os resultados do tal decreto, pois,
conforme Figueiredo (ibidem, p. 453):

Com efeito, em fins de 1854, o governador de Timor desabafava: ‘Na escola


Primaria temos muitos alumnos, mas não temos um professor capaz, nem
livros’.

A partir de orientações previstas pelo decreto de 1845, segundo


Figueiredo (idem, p. 455), a educação pública no Ultramar passaria novamente por
mudanças, no ano de 1869, com a aprovação do Decreto de 30 de Novembro 50.

48
Decreto organisando a Instrucção Primaria das Provincias Ultramarinas. Cf. COLP, Collecção
Official da Legislação Portugueza [Redigida pelo Desembargador António Delgado da Silva],
Legislação de 1843 em Diante. Lisboa, Imprensa Nacional, 1845, p. 722-724. Disponível em:
<https://books.google.com.br/books?id=AZIvAQAAMAAJ&pg=PA722&lpg=PA722&dq=Decreto+organ
izando+a+Instruc%C3%A7%C3%A3o+Primaria+das+Provincias+Ultramarinas&source=bl&ots=tG8kP
zput2&sig=qQnQ0pjlosVw51O6WyXtDGj6vHM&hl=pt
BR&sa=X&ei=tXkQVYyXKcWvyATC34DgAQ&ved=0CCAQ6AEwAA#v=onepage&q=Decreto%20orga
nizando%20a%20Instruc%C3%A7%C3%A3o%20Primaria%20das%20Provincias%20Ultramarinas&f=
false>. Acesso em: 15 jan. 2015.
49
Cf. AHU, SEMU/DGU, Saída de Correspondência para Macau e Timor, livro n°. 3 (1844-1851),
ofício n°. 336, para o governador de Macau. Sintra, 29 de Agosto de 1845, fl. 54.
50
Cf. COLP, Collecção Official da Legislação Portugueza, Anno de 1869. Decreto de 30 de Novembro
de 1869, 1870, p. 600-603.
71

Dentre a mudança mais significativa do referido decreto, encontrava-se a


descentralização do ensino público exercido por parte do Estado ou de instituições
particulares, de modo que cada província ultramarina contasse com o número de
matérias do ensino primário elementar ajustado a sua população e a outras
exigências locais51. Esse nível era obrigatório a todas as crianças de nove a doze
anos e pais e tutores tinham de cumprir com a responsabilidade de enviar os filhos à
escola. Além disso, a formação primária elementar no Ultramar, destinada ao sexo
masculino, era composta pela 1ª. e 2ª. classes52 e com a possibilidade de
oferecimento da 1ª. classe ao sexo feminino53, o que não previa o decreto de 1845.
Sendo assim, para Figueiredo (idem), sob as condições descritas
anteriormente, e enquanto as decisões da coroa portuguesa, envolvendo o ensino
no Ultramar, não eram colocadas em prática, em Timor, os trabalhos de instrução e
de evangelização desenvolvidos pelo clero, até a primeira metade do século XIX,
foram praticamente inexpressivos.
Para além da carência de missionários, da necessidade de pessoal bem
preparado e da ausência de uma liderança eclesiástica capaz de organizar os
eclesiásticos para o exercício da fé cristã e da instrução entre os timorenses, a
situação se agravava no tocante a pouca atenção que fora dada, até aquele
momento, à produção de textos da doutrina cristã nas línguas de Timor pelos padres
que receberiam apoio financeiro dos governadores portugueses que administravam
a ilha até então. A despreocupação que vinha há séculos foi apontada no relatório

51
Pelo Art. 15°.: “Em cada uma das provincias ultramarinas haverá o aumento de cadeiras de ensino
primário elementar, que a sua população e circumstancias exigirem” (p. 602).
52
Pelo Art. 16°., Parágrafo 1°., “A primeira classe comprehende: I. Leitura; II. Escripta; III. As quatro
operações arithmeticas em numeros inteiros e fraccionarios; IV. Explicação e exercicios sobre o
systema de pesos e medidas; V. Explicação de Catechismo e doutrina Christã um dia na semana
para os alumnos da religião catholica.
Parágrafo 2°. A 2a. classe abrange: I. Rudimentos de Grammatica Portugueza; II. Rudimentos de
Historia e de chorografia portugueza; III. Arithmetica e elementos de geometria com applicação à
industria; IV. Primeiras noções de agricultura e de economia rural.
Além disso, o Art°. 21 prevê que nas aulas das escolas primárias de 2a. classe haverá exercicios
publicos oraes e escriptos todos os trimestres” (p. 602-603).
53
O Art. 23°. determina que “Em todas as capitaes de provincia, e nas dos governos subalternos, ou
districtos, aonde a sua creação for compatível, e as circumstancias a exigirem, haverá uma escola de
instrucção primaria elementar para o sexo feminino. Pelo Art. 24°. O ensino primario elementar para o
sexo feminino comprehende: 1°. Leitura; 2°. Escripta; 3° As quatro operações arithmeticas em
numeros inteiros e fraccionarios; 4°. Explicação de Catechismo e doutrina Christã para as alumnas da
religião catholica; 5°. Todos os trabalhos proprios do sexo feminino e applicaveis ao uso das classes
menos abastadas” (p. 603).
72

elaborado, em 1856, pelo Superior da Missão de Timor e Solor, o Reverendo goês


Gregorio Maria Barreto, como um dos fatores que, infelizmente, agravava o
desconhecimento dos dogmas e dos ensinamentos da religião católica entre os
nativos que continuavam “as práticas torpes do fetichismo, tanto a miudo e tão
publicamente, como se fossem cultos do Estado” (p. 479). Desse modo, o superior
solicitou que o catecismo da doutrina cristã fosse traduzido para as línguas teten
(tétum) e vaiquino (baiqueno) de modo a tornar as orientações e os ensinamentos
do catolicismo conhecidos e praticados pelos cristãos em Timor:

Os christãos d'estas Ilhas não conhecem a nossa santa religião, e ainda


menos as vantagens que ella indica, por isso a não amam. Toda a
difficuldade está em lh'a fazer conhecer radicalmente, mas para se
conseguir satisfatoriamente este importante fim, é urgentemente necessário:
1.°, verter em a língua teten (a universal de Timor) e em vaiquino (a
peculiar de Sorobiam) o nosso Cathecismo da doutrina christã,
ajuntando-se-lhe uma breve refutação do fetichismo, e outras superstições
54
ridículas que reinam n'estas Ilhas [...] [grifos nossos].

Na sequência discursiva, nota-se que as divisões entre as línguas e os


falantes timorenses aconteciam. Apenas duas línguas da ilha seriam descritas e
instrumentalizadas para a catequese silenciando as línguas e os falantes de outros
reinos e estatutos imaginários a essas duas línguas em questão e entre os seus
falantes eram configurados. Em Timor-Leste, o tétum não era a língua falada em
todo o território, mas era a língua dos reinos convertidos ao catolicismo, do reino dos
belos e dos que se subordinaram aos portugueses e das autoridades timorenses
que falavam a língua portuguesa. Já o baiqueno representava a língua do primeiro
reino convertido ao catolicismo e que estabeleceu relações de submissão à Coroa
Portuguesa. Portanto, os dois estatutos configurados às línguas e aos falantes,
encontravam-se imaginariamente divididos.
Assim, foi em meio a essas divisões entre línguas e povos e estatutos
imaginários que a Coroa Portuguesa acataria o pedido do superior das missões de
Timor e Solor na propagação do catolicismo, sendo dada a autorização necessária

54
Cf. Annaes do Conselho Ultramarino. Parte Não Official, série I (1854-1858), 1867, p.447.
Disponível em:
<https://play.google.com/books/reader?id=XFYMAQAAMAAJ&printsec=frontcover&output=reader&hl=
pt_BR&pg=GBS.PA477>. Acesso em: 15 jan. 2015.
73

para tal empreendimento, logo que fosse possível:

Vendo-se pelo paragrapho, junto por copia do relatorio do Superior das


Missões de Timor e Solor, o reverendo Gregorio Maria Barreto, relatorio que
acompanhava o Officio do Governador das referidas Ilhas de 17 de Abril
d’este anno (n°. 2), quanto util e importante será para a propagação da Fé
Catholica e da civilisação christã entre os povos das mesmas ilhas, que se
faça uma versão em língua Teton (a universal de Timor), e em Vaqueno (a
peculiar de Sorobiam) do catechismo da doutrina christã; Manda Sua
Majestade El-Rei, pela Secretaria d’Estado dos Negócios da Marinha e do
Ultramar, que o Governador d’aquellas Ilhas procure realisar aquella versão
pelos meios indicados pelo sobredito Superior das Missões, a quem fará
saber que Sua Majestade Viu com muita satisfação o zelo com que elle se
empenha em catechisar e moralisar os povos sujeitos á sua jurisdicção
espiritual; e que as providências que solicita para tão salutar missão, serão
55
adoptadas e levadas a effeito, como as circumstancias o permittirem .

2.5 As missões de Timor-Leste: a instrução e as línguas no Timor


Português

Diante do quadro de carência de missionários, do déficit de pessoal bem


qualificado para as ações católicas e da inexistência de autoridade representante do
catolicismo com capacidade para organizar o terreno para o exercício da fé cristã, da
instrução e para o desenvolvimento das línguas no país, decisões foram necessárias
para o reestabelecimento das ações missionárias em Timor.
De acordo com Figueiredo (2011), em 1856, a Diocese de Malaca deixou
de ser responsável pela administração eclesiástica de Timor que ficou sob os
cuidados da Diocese de Goa, até 07 de julho de 1874, ano em que começou a
responder às exigências da Diocese de Macau, o que produziria resultados
significativos às Missões de Timor.
Segundo Teixeira (1905), de modo a reverter o cenário constrangedor das
ações missionárias em Timor, o Governador do Bispado de Macau, Padre Manuel
Lourenço de Gouveia, precisava de informações mais concretas a respeito de qual
era a real situação das Missões na ilha. Em 1875, enviou para o território, na

55
Cf. Annaes do Conselho Ultramarino, série I (1854-1858), 1867, p. 344 e p. 266. Disponível em:
<https://play.google.com/books/reader?printsec=frontcover&output=reader&id=T5s2AQAAMAAJ&pg=
GBS.PA344>. Acesso em: 15 jan. 2015.
74

qualidade de observador e visitador, Padre António Joaquim de Medeiros, reitor do


Seminário de São José de Macau e missionário de grande expressividade, formado
no, já mencionado, Colégio das Missões de Sernache do Bonjardim.
Diante da situação pouco animadora em que as missões se encontravam,
em seu primeiro relatório, de 187656, Pe. Medeiros considerou que o melhor a ser
feito era fundar novas missões, com padres europeus, de modo a conseguir
organizar escolas e colégios de educação junto daqueles povos. Sendo assim, os
missionários indianos em serviço retornariam à Goa e seriam substituídos por outros
vindos da Europa e de Macau.
Conforme aponta Teixeira (idem), para colocar em andamento o seu
projeto, o religioso, já nomeado, em 1º de Março de 1877, Vigário-Geral e Superior
das Missões de Timor, retornou, em junho, deste mesmo ano, a Timor acompanhado
de sete missionários europeus, um chinês e um timorense, padre Jacob dos Reis e
Cunha, padre ambulante na Costa Sul57. Entre os primeiros missionários europeus
que acompanharam o Superior das Missões de Timor, encontrava-se o padre
Sebastião Maria Aparício da Silva, também com formação no Colégio das Missões, e
que, em 1885 e 1889, respectivamente, recebeu apoio do Bispo Medeiros para a
publicação do primeiro catecismo da doutrina cristã em língua tétum e do primeiro
dicionário português-tétum da história de Timor. O Pe. Sebastião foi responsável
pela missionação nos reinos de Lacluta, Dilor, Barique, Luca, Viqueque, Bibiluto,
Samoro, Dotie, Alas e Bubuçuço. Além da construção de igrejas 58, o Bispo Medeiros
determinou que as missões tivessem tantas escolas quanto os missionários as
pudessem administrar.
Conforme aponta Pe. Teixeira (1974), os primeiros eclesiásticos que
chegaram às missões não tinham conhecimento das línguas locais. Desse modo, a

56
Segundo o Pe. Manuel Teixeira (1974, p. 58): “Fala em seguida dos dialectos, dizendo que a
‘pronúncia (do tétum) é muito doce e se adapta bem ao Portuguez’. Não há arquivo, nem livros de
baptismo, nem registo de paroquianos, nem biblioteca, nem casa de missão. Expõe depois o modo
como se deve estabelecer uma casa de missão e colégio em Díli; para isso, espraia-se em
considerações quanto ao terreno, local, higiente etc”.
57
Teixeira, Cândido da Silva. O Collegio das Missões em Sernache do Bonjardim (Traços
Monográficos). Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, p. 47.
58
Segundo Pe. Teixeira (p. 113): “À conta do governo, construiu-se a matriz de Díli, inaugurada a 15
de Agosto de 1879. […]. Foi reconstruída a igreja de Ocussi; foi feita outra em Lacluta e adornadas as
de Manatuto, Montael e Lacló e todas as outras postas em condições de servir ao culto. Construíram-
se ainda as igrejas de Batugadé e Manatuto e fez-se uma capela em Bidau”.
75

organização e a fundação de escolas, em um primeiro momento, foram


fundamentais à aprendizagem daquelas pelos missionários e à reaproximação dos
timorenses dos ensinamentos da tão pouco presente religião católica. Nos primeiros
anos das missões, tais espaços eram vistos pelas autoridades timorenses com certa
ressalva, mas, com o passar dos anos, o número de matriculados aumentou.
A partir da política de conversão e de instrução, além da escola que
funcionava em Díli, foram abertas outras em Manatuto, em Lacluta, em Oé-Cússi e
em Batugadé. O governador de Timor, na época, Hugo de Lacerda (1874-1876 e
1878-1880), apoiou o trabalho dos missionários em Timor.
De acordo com Figueiredo (2011, p. 435), o plano59 do Superior das
Missões de Timor, desenrolou-se do seguinte modo:

Dispondo, inicialmente, de uma pequena casa com quintal para residência


missionária, em Lahane, e da possibilidade de adquirir alguns bens
essenciais à custa do ‘Cofre dos Bens das Missões Portuguezas na China’,
o vigário-geral começou a distribuir os novos missionários pelos pontos mais
importantes da parte da ilha sob domínio português: Oé-Cússi, Batugadé,
Manatuto, Laleia, Díli, Bidau e Motael. O missionário desta última localidade
era também professor em Díli. Por seu lado, o sacerdote chinês ficou
encarregado de catequizar os seus compatriotas e de lhes ministrar o
ensino; enquanto o padre indígena foi considerado missionário ambulante
da costa sul, residindo ora em Luca ora em Alas. Em 1877, estavam
estabelecidas as cinco missões referidas. Com os meios indispensáveis e
instruídos para estudar as línguas do território e dar aulas de instrução
primária, começaram estes missionários a levar por diante um trabalho de
60
regularidade a que em Timor havia muito se não assistia” .

Segundo Figueiredo (idem), em Lahane, sede da missão central e


residência oficial do superior das missões, era inaugurado o primeiro colégio para
alunos internos, onde os filhos dos chefes de Timor começavam, desde cedo, a
receber formação gratuita pelos missionários católicos de modo que aqueles quando
voltassem aos seus locais de origem pudessem exercer o controle sobre os seus

59
Padre Teixeira (p. 60-61), em sua obra, menciona que: “[…]. Depois de nomeados os padres para
as suas diferentes ocupações, dirigiu a todos umas instruções concedendo certas faculdades, e
impondo obrigações especiais a cumprir para com êle, e exigiu a todos estudarem a língua indígena,
e aos párochos missionários, o juntarem ao trabalho do ensino pastoral e ensino primário.
Estabeleceu em Timor algumas escolas, e fundou dois colégios com internato, sendo o mais
importante delles o das meninas, regido pelas irmãs de caridade canossianas; a igreja em Dilly é
reputada a melhor de todo aquele archipelago. Resume em dois os deveres dos missionários: o
estudo da língua indígena e o ensino nas escolas, sendo este o melhor meio de regenerar as almas”.
60
Idem, p. 48.
76

povos. Nos respectivos colégios, o ensino da língua portuguesa e dos valores


cristãos passaram a ser primordiais a quem frequentasse o colégio. Por volta de
1877, Bispo Medeiros iniciou o ensino generalizado em Timor. A partir da exemplar
revitalização conferida às missões, a coroa portuguesa passou, gradualmente, a
demonstrar certo interesse no assunto, entendendo que o ensino, sob a
responsabilidade das missões católicas em Timor, era um fator de suma importância
para a promoção humana e cultural dos timorenses. Desse modo, almejava-se o
propósito de torná-los portugueses, uma vez que em tais escolas se ensinava a
língua de Portugal, os valores cristãos e os princípios de civilidade e de respeito ao
nacionalismo português.
Por outro lado, de acordo com Pe. Teixeira (idem), ao ser constatado que
os alunos formados pelas primeiras escolas das missões de Díli, Manatuto, Lacluta,
Batugadé e Oé-Cússi sabiam ler e escrever muito mal uma simples carta em língua
portuguesa, Padre Medeiros fundou, em 1879, dois colégios em Díli, um masculino e
outro feminino, ficando o masculino sob a direção dos padres missionários e o outro
sob o das Filhas de Caridade Canossianas.
Enquanto em Timor Bispo Medeiros reestruturava o modelo de ensino
oferecido pelas Missões, em Portugal, o ano de 1880 foi marcado por debates
acirrados a respeito da situação em que se encontrava a organização do Estado
Eclesiástico no Ultramar. Tais discussões trouxeram como resultado a produção de
dois relatórios - Primeiro Relatório Apresentado à Comissão de Missões do Ultramar
Sôbre os documentos enviados pela direcção geral do ultramar de 9 a 18 de
Outubro de 1880 - que denunciavam a situação precária em que se encontrava a
igreja ultramarina, para Figueiredo (idem), “em relação a pessoal, instrução, dotação,
recursos e relações com o poder civil, ser perfeitamente desgraçada, vergonhosa,
insustentável”.61
Já o segundo relatório apresentado à Comissão de Missões do Ultramar
apontava para a questão do estudo das línguas locais “gentílicas” praticado pelos
missionários das missões católicas. Embora os relatores do documento
reconhecessem que o ensino e o estudo científico das línguas de Timor eram meios
61
Primeiro Relatório Apresentado à Comissão de Missões do Ultramar. Cf. Luciano Cordeiro (Obras
de), Questões Coloniais I, Documenta Histórica 6, Lisboa, Editorial Vega, s/d, p. 109 (Apud
Figueiredo, p. 432).
77

de aproximação dos missionários dos nativos timorenses e de difusão de


conhecimento e dos valores cristãos em meio aos naturais, era tarefa indiscutível da
coroa portuguesa promover o ensino, em larga escala, do português. Compreendia-
se que era através deste que Portugal conseguiria ‘civilizar, nacionalizando,
assimilando, e a língua era um dos primeiros elementos de assimilação social e
política’.62
O legado63 do Bispo Medeiros, em terras de Timor, conforme Pe. Teixeira
(1974), permitiu com que outros missionários dessem continuidade às atividades de
evangelização e de ensino em diversas missões que se configuraram pela ilha. Na
região de Soibada, no reino de Samoro, por exemplo, aproveitando-se da
infraestrutura da missão coordenada pelo Pe. António Antunes, desde 1897, dois
padres jesuítas, Sebastião Maria Aparício da Silva, que já havia administrado outras
missões no tempo do Bispo Medeiros, e Manuel Fernandes Ferreira, em 1898,
fundaram o Colégio de Soibada e puseram-se a trabalhar ao lado dos padres
seculares. Em Soibada, os alunos passaram a aprender um ofício, a contabilidade, a
doutrina cristã, os princípios da moral e da educação cívica. Aprenderam a ler, a
escrever, a contar e a falar, exclusivamente, em língua portuguesa, sendo proibido o
uso das línguas de Timor. Com tal estrutura de ensino, a missão de Soibada foi
amplamente apoiada pelo governador de Timor José Celestino da Silva, entre 1894
a 1908, e pelas autoridades eclesiásticas portuguesas no Ultramar. Estas passaram
a reconhecer a importância do Colégio da Missão na promoção e na divulgação da
língua do colonizador, da religião católica e do nacionalismo português entre os
timorenses sob a formação dos missionários de Soibada.
De acordo com Figueiredo (2011), em 1903, foi construído o colégio
feminino de Soibada, conhecido como Colégio da Imaculada Conceição, e entregue

62
Segundo Relatório Apresentado à Comissão de Missões do Ultramar. Cf. Luciano Cordeiro (Obras
de), Questões Coloniais I, Documenta Histórica 6, Lisboa, Editorial Vega, s/d, p. 137 (Apud
Figueiredo, p. 433).
63
Até o falecimento de D. António Joaquim de Medeiros, em 07 de Janeiro de 1897, em Lahane, os
missionários administravam escolas em Dare (Posto Experimental Agrícola e de Arboricultura de
Dare), em Lahane; em Díli; em Oé-Cússi; em Batugadé; em Maubara; em Liquiça; em Bazar-Tete; em
Lacló; em Manatuto; em Laleia; em Baucau; em Lacluta; em Soibada; em Alas; em Barique e
Bubuçuço. A escolarização e a assimilação dos timorenses sempre estiveram sob a responsabilidade
dos missionários das missões católicas em Timor, que permaneceriam, até 1974, atuantes na ação
apostólica e civilizacional dos povos dos diferentes reinos da ilha.
78

o seu comando às Irmãs Canossianas64. Nesse estabelecimento de ensino, as


alunas recebiam a instrução primária (leitura, escrita, aritmética e música),
aprendiam serviços domésticos (a coser, a confeccionar meia e rendas, a bordar, a
talhar, a lavar e a engomar roupa) e a trabalhar na fabricação de vestimentas para
as internas e para os rapazes do colégio vizinho.
Além das iniciativas de Soibada, segundo Figueiredo (idem), José
Celestino da Silva, durante todos os anos de seu governo, investiu na ampliação e
no aperfeiçoamento da instrução destinada aos timorenses; contudo, não deixando
de realizar as mudanças de orientação e de diretrizes às escolas das Missões:

No princípio da sua administração, o governador pretendia que o ensino


primário fosse entregue aos missionários e religiosas, parecendo-lhe ser
essa a maior garantia da transmissão aos indígenas dos valores assumidos
pela civilização cristã, também a solução mais barata para o Estado e, em
termos territoriais, a mais abrangente. Mas, não era essa a orientação
política vigente e ele próprio foi evoluindo noutra direcção, pelo que as
escolas missionárias, embora em número crescente, tiveram de coexistir,
até a implantação da República no País, com algumas régias e
65
municipais .

Uma das primeiras intervenções propostas pelo governador português


Celestino da Silva refere-se à língua de instrução empregada pelos missionários
envolvidos com o ensino primário nas escolas das Missões, de modo que o ensino
primário em Timor já se encontrava sob o comando das Missões.
No ano de 1900, o bispo da Diocese de Macau, responsável pelas
Missões em Timor, o sucessor do Bispo Medeiros, D. José Manuel de Carvalho,
propõe ao governador Celestino da Silva, o Regulamento das Escholas de
Instrucção Primaria para o Sexo Masculino no Districto Autonomo de Timor. O
mesmo regularia não apenas as atividades do ensino primário no Colégio de
Soibada, mas em qualquer outra escola onde houvesse o ensino para rapazes, e
recebeu a aprovação do governador pela Portaria Distrital nº. 61-A de 03 de Julho de
190066. Desse modo, segundo o Art. 13º. da Portaria em questão, ficava

64
Estas também mantinham sob sua reponsabilidade escolas em Díli, Liquiça e Manatuto, p. 439.
65
Cf. AHU, SEMU/DGU/1R, Correspondência, cx. 9 (1895-1896), “Instrucção”, ofício nº. 19, Díli, 19
de Maio de 1896, ofício nº. 19, do governador de Timor para o Ministério da Marinha e Ultramar, Díli,
19 de Maio de 1896 (Apud Figueiredo, 2011, p. 457).
66
Cf. Boletim Official do Districto Autonomo de Timor, I Anno, nº. 29, 21 de Julho de 1900, p.121-123.
79

determinado que o ensino primário elementar e complementar para rapazes estaria


totalmente entregue às missões e que os professores das escolas de cada uma das
Missões seriam os respectivos missionários, cabendo a responsabilidade pelo
ensino complementar ao missionário superior da missão e ao seu subordinado o
nível elementar.
Apesar dos conteúdos previstos para as duas classes em cada um dos
níveis envolverem saberes para o nível elementar, compreendendo desde o
aprender a ler, a escrever e as quatro operações elementares até algumas noções
do catecismo e da doutrina cristã para os alunos de pais católicos e lições sobre as
coisas, para as classes do complementar ficavam reservados princípios de
gramática portuguesa, de conhecimento da natureza gramatical das palavras, de
noções gerais de História de Portugal e Sagrada etc. Contudo, para o ensino dos
conteúdos nesses dois níveis, não fora dada qualquer orientação no sentido de
propor, única e exclusivamente, a língua portuguesa como a língua de instrução a
todas as escolas das Missões. Desse modo, os professores missionários ficariam
livres para empregarem as línguas dos reinos no ensino dos conteúdos fixados, já
que nada fora dito a respeito do uso exclusivo da língua portuguesa nas escolas
missionárias.
Dois anos mais tarde67, em 1902, o mesmo governador, alegando que
não houvera o devido cuidado entre os missionários das missões de Timor no
emprego da língua portuguesa nas aulas ministradas nas escolas do sexo masculino
e feminino, decretou uma nova Portaria Distrital e passou a exigir o uso exclusivo da
língua portuguesa em todas as escolas68, proibindo, por completo, o uso das línguas
de Timor. A mesma portaria também determinou o ensino obrigatório para os filhos
primogênitos, com mais de sete anos e com menos de quinze, dos chefes locais,
com o objetivo de prepará-los para que aprendessem a lidar, no futuro, com o poder
e a responsabilidade que lhes estavam reservados69.

67
Pela Portaria Distrital nº. 92, de 03 de Setembro de 1902. Cf. Boletim Official do Districto Autonomo
de Timor, nº. 36, 06 de Setembro de 1902, p. 221-222.
68
“Hei por conveniente determinar: 1º. - Em todos os Institutos de educação e escholas tanto do sexo
masculino como do feminino será adoptada exclusivamente a lingua portugueza, banindo-se por
completo o uso de qualquer outra das falladas n’esta colonia, tanto no ensino como nas relações dos
dirigentes e professores com os alumnos, e nas d’estes uns com os outros” (p.221).
69
“2º. - Que os commandantes militares com exercicio de funcções administrativas, e o administrador
80

Para desempenhar com autoridade aquilo que lhes era determinado, seria
imprescindível que as futuras lideranças timorenses compreendessem a língua
portuguesa e que através do ensino se tornassem civilizados e pudessem
desenvolver o sentimento de justiça e de respeito pelo colonizador português
europeu.
De acordo com Pe. Teixeira (1994), quanto à organização das missões
católicas de Timor, dando continuidade ao trabalho que vinha sendo feito por
Medeiros, ainda em 1900, D. José Manuel de Carvalho dividiu, inicialmente, as
missões de Timor em dois vicariatos gerais: o do Norte, com sede em Lahane e
jurisdição sob todas as missões de Oé-Cússi, Batugadé, Maubara, Liquiça, Lacló,
Manatuto, Laleia, Vemasse e Baucau; e o do Sul, com sede em Soibada, e
abrangendo as missões de Bobonaro, Suro, Manufai, Ermera, Alas Dotic, Barique,
Luca, Viqueque e Laclúbar. Ambos responderiam ao Prelado de Macau, mas o
primeiro estava sob a responsabilidade dos missionários seculares e o segundo sob
a dos jesuítas70.
Com o afastamento do Bispo Carvalho por motivo de saúde, assumiu
Dom João Paulino de Azevedo e Castro, em 1902, que redefiniu os dois vicariatos
em Missões da Contra-Costa, com sede em Soibada, no reino de Samoro, e a outra
Missão, com sede em Lahane71.
Todavia, com a implantação da Lei de Separação da Igreja do Estado 72,
em 1911, aprovada pelo governo da Primeira República, o Estado Português
continuaria acompanhando o crescimento da escolarização promovida pelos
missionários no Timor Português, contudo a administração central portuguesa

do concelho de Dilly, providenceiem sem demora para que todos os chefes indigenas mandem pelos
seus filhos varões de mais de 7 annos e de menos de 15 frequentar as escholas do sexo masculino
se as houver nas sédes dos commandos ou administração, ou nas sédes das missões proximas, e as
do sexo feminino por suas filhas maiores de 7 annos e menores de 14, e não havendo as citadas
escholas os mandem para os Institutos de Dilly, Lahane, Manatuto, ou Soibada, entendendo-se as
mesmas auctoridades com os dirigentes de taes Institutos ácerca do pagamento de sustento e
vestuario, e não podendo chegar a accordo assim o participarão para a Secretaria do Governo” (p.
221-222).
70
Divisão das Missões. Cf. Teixeira, Manuel. Macau e a Sua Diocese - Vol. X. As Missões de Timor.
Macau, Tipografia da Missão do Padroado, 1974, p. 124.
71
Limites da Missão da Contra-Costa de Timor. Idem, p. 127.
72
Lei de Separação da Igreja do Estado (20 de Abril de 1911). Cf. República&Laicidade. Associação
Cívica. Disponível em: http://www.laicidade.org/documentacao/legislacao-
portuguesa/portugal/republica-1910-1926/lei-da-separacao-da-igreja-do-estado/. Acesso em: 03 fev.
2015.
81

passaria a controlar e a legislar cada vez mais sob as ações da obra missionária.
Segundo Figueiredo (idem), o governo republicano português legislaria e
fiscalizaria, na figura dos governadores das colônias, o trabalho civilizacional e
educacional desenvolvido pelos missionários no Ultramar, assumindo, desse modo,
uma atitude de maior controle e de menor aceitação da liberdade do que os
eclesiásticos gozavam nas ações missionárias de épocas passadas, algo que o
governador português José Celestino da Silva, conforme já visto, vinha executando
veementemente em sua administração.

2.6 Lei de Separação entre a Igreja e o Estado no período da


República, de 1910 a 1926

Sob um maior controle por parte da administração portuguesa com


relação ao trabalho dos missionários no Ultramar, a Lei de Separação entre a Igreja
e o Estado, aprovada em 20 de abril de 1911, determinou o princípio do Estado laico
como um dos pilares do pensamento republicano da época em Portugal. Por esse
princípio, portugueses e estrangeiros, fixados em território português, poderiam
seguir outra religião que não fosse, necessariamente, a católica.
Para Figueiredo (idem), desse modo, reacendeu-se o espírito anticlerical
vivenciado em 1759 com as expulsões dos jesuítas de Portugal e das colônias por
Pombal; em 1797, com o comando do governo dos liberais e com a extinção das
ordens religiosas, e em 1834 na metrópole e nos espaços ultramarinos.
Dentre as decisões estipuladas por tal Lei, nos mais dos 190 artigos que a
constituem, de acordo com Figueiredo (idem, p. 443), as que de certo modo
afetariam diretamente as colônias estavam àquelas relacionadas com a
reformulação dos serviços do Colégio das Missões Ultramarinas de Sernache do
Bonjardim. Esse passaria a “instituto estatal para a formação exclusiva de
sacerdotes seculares portugueses que civilizariam as colônias portuguesas em
nome de Portugal” (Art. 189º.) e haveria a permanência do que era conhecido como
“direitos de soberania da República Portuguesa sob o Padroado Português do
Extremo Oriente, inclusive, preservando-se as leis até ali vigentes como as mesmas
das de antes da Lei da Separação nas Colônias” (Art. 190º.).
82

Porém, segundo Figueiredo (idem), na prática, o que se passou foi a


completa desestruturação da principal instituição formadora de capital humano para
o Ultramar, visto que o Colégio das Missões deixou de preparar missionários para os
territórios ultramarinos e as diferentes ordens religiosas viram-se obrigadas a
abandonar as áreas onde atuavam. No caso do Timor Português, sacerdotes não
puderam ser substituídos, sendo obrigados a regressar à Metrópole; e os jesuítas e
as irmãs Canossianas foram obrigados a abandonar os colégios que dirigiam em
Soibada.
Figueiredo (idem, p. 443) aponta-nos quais foram alguns dos impactos
produzidos em Timor pelas decisões anticlericais tomadas em Portugal:

A interrupção do trabalho dos jesuítas e daquelas Freiras teve repercussões


sobre centenas de jovens, que assim interromperam os estudos e a
preparação para a vida activa que efectuavam. Esta foi a consequência
mais directa e profunda em Timor da secularização encetada após a
implantação da República.

Pe. Teixeira (1974, p. 125) fornece um panorama mais detalhado do que


significou esse período para o trabalho das missões de Timor:

O tufão revolucionário de 1910, arrebatando os religiosos e as religiosas na


sua passagem funesta, destruiu a tão florescente missão de Soibada, que
eles dirigiram, ficando assim abandonadas e privadas de instrução e
educação, em Timor, 356 meninas. [...]. Os missionários seculares,
reduzidos em número, fizeram prodígios, multiplicando-se para não deixar
morrer todas as obras de Soibada. O colégio de meninas esteve fechado
até 1923, ano em que festejou o regresso das suas antigas professoras e
educadoras, as Canossianas; o colégio de rapazes pode continuar mantido
pelos padres seculares, mas com o sectarismo republicano, os padres
seculares pouco mais puderam fazer do que não deixar morrer essa Missão.

Conforme Figueiredo (idem), não passou muito tempo para que as


autoridades republicanas efetivassem a Lei de Separação entre Estado e Igrejas, de
20 de abril de 1911, nas colônias, estando entre elas Timor, com a aprovação do
Decreto nº. 23373, de 22 de novembro de 1913. Este previa, para além da plena

73
Decreto nº. 233, de 22 de novembro de 1913. 2ª. Repartição. Cf. Boletim Oficial do Governo da
Provincia de Timor. 1º. Suplemento do Boletim Oficial - nº. 3. Lisboa, 22 de Novembro de 1913. p.
18H-18K.
83

liberdade religiosa a “todos os cidadãos e súditos das colônias, inclusive os


estrangeiros” (Art. 1º., p. 18H) e “com o direito de erigir edifícios religiosos e
organizar missões desses cultos” (Art. 2º., p. 18H), a redefinição e a regulação das
missões religiosas nos domínios do Ultramar e a instituição de missões laicas nas
Províncias de África e de Timor.
De acordo com o Decreto aplicável ao Ultramar, o culto público, o ensino
de qualquer religião aos indígenas e a preparação religiosa à formação de
missionários não estavam proibidos em edifícios públicos, desde que a
administração, os encargos e a sustentação estivessem inteiramente sob a
responsabilidade de alguma corporação administrativa, associação civil ou qualquer
missão religiosa integrada, exclusivamente, por portugueses. Já na condição de
missões religiosas, previsto em Decreto, enquadravam-se os institutos com um ou
mais ministros, não mais do que três, de qualquer religião, com sede em
determinado local e que já tivessem alguma experiência com o ensino primário,
agrícola ou profissional para populações indígenas, desde que contribuíssem
“prestando-lhes educação e assistência, e contribuindo assim para o seu
melhoramento material e moral” (Art. 18º, p. 18I). O Art. 16º. definiu que os
governadores das províncias da Guiné, Angola, Moçambique e Timor estavam
autorizados a conceder gratuitamente terrenos vagos a missões religiosas que
pretendessem se estabelecer em local designado pelos governadores e que se
colocassem a ministrar o ensino na língua portuguesa. Havia a liberdade de culto e
dos dogmas religiosos, mas não com relação à língua de instrução. Além disso, o
Art. 17º. previa a concessão de subsídios e abonos às missões religiosas
compostas, exclusivamente, por portugueses europeus e que, mediante a
autorização do governador, submetessem à aprovação deste os seus programas de
ensino e ação civilizadora, comprometendo-se a adequá-los às alterações propostas
por essa autoridade.
Mediante a atuação mais intensa dos governadores nas possessões
ultramarinas, pode-se afirmar que o Decreto nº. 233, de 1913, foi o primeiro
documento do governo da República de Portugal a regular oficialmente todo e
qualquer tipo de ensino missionário no Ultramar português.
No tocante ao que vinha sendo previsto para as missões civilizadoras,
84

estas deveriam ser compostas apenas por leigos e criadas pelo governo português,
ou pelo governador da respectiva província, com a nomeação de indivíduo que
atendesse a alguns requisitos, como, entre alguns deles, ter frequentado o curso da
Escola Colonial e o conhecimento da língua ou línguas da colônia a que fosse
nomeado. Estavam autorizadas a desenvolver as mesmas ações das missões
religiosas, porém, não poderiam estar vinculadas a qualquer ensino ou propaganda
de caráter religioso. Os nomeados pelos governadores seriam chamados de
professores das missões civilizadoras e cada missão seria constituída por um
professor habilitado nos termos dos artigos precedentes e três auxiliares que
exercessem algum ofício: o de pedreiro, carpinteiro, serralheiro ou agricultor.
De acordo com Figueiredo (idem), em Timor não aconteceram missões
civilizadoras, porém, as missões religiosas no país tiveram que se adequar a
algumas determinações estabelecidas às civilizadoras, como veremos em momento
oportuno.
Diante de inúmeras mudanças propostas pela República Portuguesa para
as atividades das missões religiosas no Ultramar e com a entrada de missões
estrangeiras ligadas a outros cultos nas colônias, no caso de Timor, segundo Pe.
Duarte (1987), uma das primeiras medidas tomadas pelos vigários gerais, junto do
governador português de Timor, na época Filomeno da Câmara, foi manifestar
interesse em adequar as duas únicas missões religiosas de Lahane e Soibada aos
termos do Decreto nº. 233. Sendo assim, de alguma maneira, garantiria-se o mínimo
para que as missões católicas de Timor não fossem extintas.
Uma vez que em Timor não houve missões civilizadoras, mas a presença
e a atuação dos missionários católicos sempre foram extremamente significativas e
representaram, quase sempre, os interesses do governo português, as autoridades
das duas únicas missões de Timor foram atendidas pelo governo da República
Portuguesa.
Nesse sentido, a partir do decreto nº. 233, de 22 de novembro de 1913,
duas portarias foram aprovadas para atender às necessidades das missões
religiosas de Timor, sendo elas: a Portaria Provincial nº. 7574, de 28 de março de

74
Portaria Provincial nº. 75, de 28 de março de 1914. 2ª. Parte Oficial. Governo da Provincia. Cf.
Boletim Oficial do Governo da Provincia de Timor, n°. 13, 28 de Março de 1914, s.p.
85

1914, e a Portaria nº. 16575, de 27 de junho de 1914, as duas assinadas por


Filomeno da Câmara.
Ficou determinado pela Portaria nº. 75, art. 1º., a concessão aos
missionários em serviço, do direito de uso dos meios de transporte do Estado dentro
da Província. No preâmbulo da Portaria nº. 165, p. 171, o pedido de submissão feito
pelos superiores das duas únicas missões religiosas de Timor, com base no Decreto
nº. 233, é confirmado e o reconhecimento do Governador é dado:

Tendo-me oficiado os Superiores das Missões Religiosas de Lahane e


Soibada, declarando desejarem as missões religiosas de Timor constituir-se
nos termos do Decreto nº. 233 de 22 de Novembro de 1913 e gosar as
vantagens concedidas pelo mesmo Decreto.

Uma vez que as missões religiosas de Timor foram quase que


exclusivamente compostas por portugueses europeus e demonstravam condições
para o desenvolvimento dos ensinos literário, agrícola e profissional, aquelas se
enquadrariam perfeitamente nos termos propostos pelo Decreto nº. 233. Desse
modo, tais missões foram, portanto, acolhidas pelo governo português, que, sob o
seu ponto de vista, compreendia que as mesmas em Timor “há tudo a lucrar com a
sua integração completa na obra administrativa e civilisadôra do Estado”, segundo
Preâmbulo da Portaria nº. 165, p. 171.
Pela Portaria nº. 165, Art. 1º., ficou determinado que as missões católicas
de Timor se sujeitariam ao que estabelecia o Decreto nº. 233 para as atividades
missionárias nas colônias: “As missões católicas existentes em Timor, ficarão
constituídas nos termos do Decreto nº. 233 de 22 de Novembro de 1913” (p. 171).
Além disso, pela mesma portaria, foram mencionadas as atribuições relacionadas à
instrução e à formação do indígena, estando entre elas: pelo Art. 7º., “A cargo das
missões ficam o ensino primário segundo os programas oficiais e bem assim o
serviço agrícola e profissional” (p. 171); pelo Art. 12º., “Às missões compete o estudo
das línguas, usos e costumes dos indígenas e de todos os elementos que

75
Portaria nº. 165, de 27 de junho de 1914. Suplemento ao Boletim Oficial, n°. 26. Cf. Boletim Oficial
do Governo da Provincia de Timor, n°. 16, 27 de Junho de 1914, p. 171-172.
86

interessam à etnografia, organisando monografias destinadas à publicação oficial”


(p. 172); pelo Art. 14º., “As missões devem esforçar-se por crear ainda que
modestamente escolas de ofícios a fim de preparar operários” (p. 172).
Estas e outras ações desenvolvidas pelos missionários, possíveis gastos
com materiais e formação de missionários etc., seriam subsidiadas pelo cofre
público da Província de Timor; pois, pelo Art. 11º., e seus parágrafos, os
missionários teriam direito a vencimentos, a benefícios e a subsídios; e pelo Art. 20º.
(p. 172), da mesma portaria, prevê-se que para o sucesso da empreitada missionária
em Timor:

No orçamento da Província será inscrita, depois de apresentação de


proposta, uma verba destinada a mandar completar em Macau a educação
literária dos alunos de excepcional aptidão e entre os quais se possam
recrutar professores auxiliares e os empregados públicos de nomeação
provincial.

De modo a orientar e a controlar a relação entre missões católicas e


governo da República Portuguesa nas ações envolvendo a instrução primária em
Timor, as duas primeiras portarias aprovadas pelo governador Filomeno da Câmara
foram pensadas com o propósito de organizar a estrutura da instrução pública de
Timor e estabelecer quais línguas seriam usadas no ensino. A Portaria nº. 451, de
13 de Novembro de 1915, determinava a nomeação de uma comissão responsável
por estudar a situação da instrução primária gratuita e obrigatória em Timor e
também em organizar um projeto de regulamentação para o nível de instrução em
questão76.

76
O que estava previsto para a Portaria nº. 451 acabou se concretizando na Portaria nº. 98, de 29 de
Junho de 1916, (Cf. Boletim Oficial do Governo da Província de Timor, número 26, XVII Ano, Sábado
1 de Julho de 1916, p. 146-150), aprovada pelo mesmo governador de Timor. Este considerou
conveniente aprovar, ainda que provisoriamente, e até a resolução do Governo da Metrópole, o
Regulamento para as Escolas de Instrução Primária em Timor. De certo modo, nesse sentido, a
portaria foi a primeira tentativa de construção de um sistema de ensino adaptado às condições e às
necessidades locais. Dentre os Artigos previstos pelo Capítulo I estão:
“Art. 1º. São mantidas na Província de Timor as escolas actualmente estabelecidas nas missões
centrais de Lahane e Soibada e as situadas nas sédes dos Comandos Militares, podendo o Govêrno
Provincial estabelecê-las naqueles onde ainda as não houver. Art. 2 º. O ensino de instrução primária
em Timor aproveitará tanto aos europeus como aos indígenas sendo para uns e outros igualmente
gratuito e obrigatório. Art. 3 º. O ensino da instrução primária em Timor compreende dois graus,
elementar e complementar. Art. 4 º. O primeiro grau compreende o seguinte: saber relativamente bem
a língua portuguêsa, leitura e escrita regular, saber contar e conhecimento perfeito das quatro
87

Já a Portaria nº. 45277, de 15 de novembro de 1915, encarregava o


missionário Pe. Manuel Mendes da Laranjeira, exímio conhecedor da língua tétum e
representante das Missões Católicas de Timor, a organizar as cartilhas e os
exercícios de leitura das línguas Tetum-Português que, futuramente, seriam
oficialmente adotadas nas escolas do país. Pela mesma portaria 78 (1915, p. 436),
em questão, o governador esclareceu que esta seria adotada, todavia:

... sem prejuízo das outras cartilhas especiais por cada língua ou dialecto
timorense que serão publicados á medida que apareçam pessoas idôneas e
de boa vontade para prestarem este serviço ao ensino e civilisação do povo
timorense.

Pelas Portarias de nº. 12179 e 6180, de 19 de julho de 1916 e 07 de abril


de 1917, respectivamente, Filomeno da Câmara aprovou a adoção das 1ª. e 2ª.

operações aritméticas em números inteiros, noções elementares de cousas. Parágrafo 1º. No ensino
do grau elementar ministrado aos indígenas observar-se há a risca o determinado na P. P. n º. 452,
de 15 de Novembro último. Art. 5 º. O ensino de instrução primária no 2º. Grau compreende as
seguintes matérias: aperfeiçoamento da leitura e escrita, gramática, análise lógica e gramatical,
resolução de temas de tetun para português e de português para tetun, história de Portugal,
princípios de geografia e corografia portuguesa; sistema métrico de pesos e medidas, as quatro
operações em números inteiros e decimais; noções de civilidade; instrução cívica, princípios de
desenho, noções de higiene, exercício de ginástica, noções de agricultura e tudo o mais que fizer
parte do programa de ensino adoptado nas escolas da Metrópole. Art. 7º. Os professores que tiverem
a seu cargo a instrução dos indígenas de Timor esforçar-se hão por todos os meios ao seu alcance
em lhes incutir amôr ao trabalho e particularmente à agricultura fazendo-lhes vêr que a agricultura é
em toda a parte mas especialmente em Timor a base de toda a riqueza e bem geral. Art. 8 º. Em
todas as escolas que disponham de meios poderão acompanhar o ensino literário com o ensino
agrícola, artes e ofícios”. Do artigo 1º. ao 8º, p. 147.
Capítulo III – Exames – Art. 15º. “A prova escrita constará de um trecho de português dictado por um
dos examinadores e escrito em papel comum e rubricado pelo presidente, e dum problema de fácil
resolução sobre o uso das quatro operações aritméticas em números inteiros e decimais, e cópia em
papel quadriculado ou pautado duma das figuras dos exemplares adoptados para ensino de desenho”
(p.148). Capítulo IV – Professores e ajudantes – Art.21º. “Segundo o estabelecido na portaria
provincial n º. 165 (Art. 7º.), de 27 de Junho de 1914, são encarregados da regencia das escolas de
instrução primária de Timor os missionários católicos que existirem em Timor” (p.148). Capítulo VI –
Fiscalização – Art. 37º. “A fiscalização de ensino nas escolas de instrução primária de Timor,
pertence ao Gôverno da Província. Parágrafo 1º. A fiscalização de ensino será exercida por um
Inspector Geral e pelos seus delegados Comandantes Militares e Administrador do Concelho” (p.149).
77
“Sendo portanto mais racional, alêm de outras vantagens, que as crianças aprendam primeiro a
conhecer o que é ler e escrever a sua lingua ou uma das linguas de Timor geralmente conhecida
como é o tétum e depois aprendam o português e a sua escrita e leitura em cartilhas e exercícios
apropriados em que as duas linguas apareçam combinadas lado a lado” (p. 436).
78
Cf. Boletim Oficial do Governo da Provincia de Timor, XVI ano, n°. 47, 20 de Novembro de 1915, p.
436.
79
Cf. Boletim Oficial do Governo da Provincia de Timor, XVII Ano, n° 29, 22 de Julho de 1916, p. 199-
200.
80
Cf. Boletim Oficial do Governo da Provincia de Timor, XVIII Ano, n° 14, 07 de Abril de 1917, p. X.
88

partes da Cartilha Tetun – Exercicios de versão de Tetun em Português da autoria


do Revmo. Missionário Manuel Mendes Laranjeira, nas escolas oficiais: “Hei por
conveniente, determinar a sua adopção nas escolas oficiais como método obrigatório
e preparatório do ensino da leitura e escrita da língua portuguesa” (p. 200).
Entre os anos de 1913 a 1919, segundo Figueiredo81 (idem), as missões
católicas de Timor adequaram-se às constantes decisões envolvendo o processo de
secularização das missões no Ultramar.
Em 08 de setembro 1917, pelo Decreto nº. 335282, os missionários de
Timor e do Ultramar assistiram à transformação do Colégio das Missões
Ultramarinas em Instituto de Missões Coloniais. Este com o objetivo de preparar
agentes de civilização destinados às missões civilizadoras no Ultramar passou a
seguir orientações e princípios totalmente outros daqueles propostos na formação
dos missionários das missões católicas. Em 1919, foram publicados dois outros
decretos que ditavam novas diretrizes para o funcionamento das missões religiosas
e civilizadoras nas colônias.
Se, por um lado, o Decreto nº. 233 autorizava às missões de todas as
religiões e de diferentes nacionalidades (missionárias e civilizadoras), que não
apenas as portuguesas, o exercício das suas atividades junto dos indígenas de
territórios ultramarinos portugueses, por outro, a atuação de missões estrangeiras no
Ultramar trouxe ameaça à soberania portuguesa, uma vez que exerceu forte
influência, especialmente, sob as colônias africanas portuguesas e por dispor,
muitas vezes, de infraestrutura muito superior às missões portuguesas que
mantinham uma “organização antiquada, exclusivamente religiosa” e “sem dotação
suficiente”, de acordo com o Preâmbulo do Decreto nº. 5.77883, p. 277.
Desse modo, o Decreto nº. 5.23984, conhecido como Carlos da Maia, ao
tentar encontrar uma solução para o problema das missões estrangeiras,
especialmente em África, tinha como objetivo a nacionalização e o financiamento de
todas as missões (institutos) do Ultramar, desde que elas submetessem à aprovação

81
Figueiredo, 2011, conforme orientações das páginas 444 a 446.
82
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, nº. 2, de 12 de Janeiro de 1918, p. 6-9.
83
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, XX Ano, n° 34, 23 de Agosto de 1919, p. 276-
281.
84
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, XX Ano, n° 23, 07 de Junho de 1919, p. 160-
161.
89

do governo de cada província os seus estatutos, fossem comandadas por um


director português europeu e ministrassem o ensino em língua portuguesa ou
indígena, para além de outras exigências; já o Decreto 5.778, de João Lopes
Soares, estabeleceu orientações para o funcionamento das designadas missões
civilizadoras, obrigando as missões religiosas a se adequarem às diretrizes
aprovadas para aquelas.
No caso do Timor Português, conforme Figueiredo (idem), de acordo com
o estabelecido pelo segundo decreto, ficou determinado que seria criada, nesse
domínio ultramarino, uma missão civilizadora “em local escolhido pelo governador da
província” (Art. 1º., p. 160). Tal ação não chegou a se concretizar.
Todavia, as missões católicas de Timor, na condição de missão religiosa,
para continuarem funcionando na ilha, teriam de se adequar e se (re)organizar, “sem
demora”, às “condições expressas” pelo Decreto 5.778 “na parte não alterada pelo
decreto nº. 233, que lhes são inteiramente aplicáveis, com as modificações dos
artigos seguintes” (Art. 14º. p. 280). Tornou-se obrigatório, pelo Art. 17º., que todas
as missões e as suas sucursais ensinassem a língua portuguesa e a história de
Portugal aos indígenas e somente os portugueses estavam autorizados a ministrar
tais conhecimentos. Já de acordo com o Art. 20º., os membros das missões
religiosas portuguesas eram considerados funcionários públicos da colônia com
direito à aposentadoria.
De acordo com Figueiredo (idem), em 1919, já era possível notar maior
aproximação entre o Estado e a Igreja Católica e, a partir da futura revogação do
Decreto nº. 233, de 1913, abriu-se, novamente, o caminho para que o Estado
pudesse, oficialmente, apoiar as Missões Católicas em África e Timor.
A partir de tais decisões, em 1920, D. José da Costa Nunes, que havia
desenvolvido atividades missionárias no Timor Português, de 1913 a 1920, ao ser
nomeado, em 23 de dezembro de 1920, Bispo de Macau, aprovou os Estatutos das
Missões Civilisadoras Religiosas de Timor85. Estes previam que as únicas missões,
o que impedia que as de outras religiões participassem, autorizadas a se
enquadrarem sob tal estatuto, em Timor, eram a de Lahane e a de Soibada. Elas
85
Estatutos das Missões Civilizadoras Religiosas de Timor. In: Boletim do Governo Eclesiástico da
Diocese de Macau, ano XVIII. Macau, Tipografia do Orfanato da Imaculada Conceição, n°. 206,
Agosto de 1920, p. 41-44.
90

passariam a constituir “um dos seis grupos de missões religiosas portuguesas nas
colónias”, conforme o artigo 8º., alínea f, do Decreto nº. 6.322 86 de 1919, p.447. As
duas missões continuariam a ser formadas pelos padres católicos e as auxiliares do
sexo feminino eram aceitas. Manteve-se um colégio para rapazes em cada uma das
missões e foram abertas escolas profissionais de arte e ofício para os alunos
internos. Fazia parte do programa de civilização das duas missões civilizadoras
religiosas de Timor, segundo Figueiredo (idem), o ensino da língua portuguesa e da
História Pátria aos timorenses, o desenvolvimento de conhecimentos ligados às
artes e ofícios, a aquisição de noções teóricas e práticas sobre agricultura e
indústria, a construção do hábito do trabalho, a dedicação de amor à nacionalidade
portuguesa e respeito e lealdade às autoridades legitimamente constituídas, a
manutenção de obras de beneficência para os desvalidos de ambos os sexos,
prestar auxílio às autoridades portuguesas na pacificação dos povos, além de outras
atribuições.
De acordo com Figueiredo (idem), em 1924, um novo período iniciou-se
para as missões católicas de Timor, porque, na visita pastoral que D. José da Costa
Nunes, já ordenado Bispo de Macau, fez às missões, foi autorizada a construção da
primeira escola de formação de professores primários e catequistas e as missões
centrais de Lahane e Soibada foram unificadas, fazendo com que, inclusive, Soibada
e todas as outras missões, antes ligadas às duas centrais, passassem a responder a
uma única direção missionária, a de Lahane.
Segundo Duarte (1987), no ano de 1927, no Colégio de Soibada, foram
abertas as portas da conhecida Escola de São Francisco Xavier de Professores-
Catequistas para homens e mulheres. Os professores formados pela instituição
assumiriam o ensino primário, das primeiras letras até a 3ª. classe da formação
primária, nas escolas espalhadas por Timor. O ingresso à escola de formação era
dado apenas a timorenses e portugueses que tivessem concluído o 2º grau da
formação primária, fossem previamente escolhidos nas escolas existentes na
colônia, além de indicados pelos missionários das áreas ou diretores das escolas
primárias. O programa da Escola de Professores-Catequistas incluía, dentre outras

86
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, XXI Ano, n°. 12, Suplemento de 20 de Março
de 1920.
91

opções, o curso de Língua Portuguesa, Geografia e História, Física e Ciências


Naturais, correspondentes às primeiras classes do Liceu; desenvolvimento da língua
Tétum (na catequese dos indígenas analfabetos); noções de Pedagogia e Liturgia; e
assistência aos Sacramentos. O curso tinha a duração de três anos, com exames
finais presididos, a partir dos anos 30, por um delegado do governo da colônia87.

2.7 Os primórdios da ditadura militar em Portugal e os


desdobramentos nas ações das missões católicas de Timor-Leste

Se, por um lado, a Lei de Separação entre Igreja e Estado em Portugal


trouxe o fortalecimento das missões religiosas no Ultramar, produzindo, no caso de
Timor, impactos sobre a instrução, o fortalecimento do desenvolvimento da língua
portuguesa nas escolas e a produção de dispositivos linguísticos em tétum e em
outras línguas do país, o ano de 1926, em Portugal, acabaria marcado pela
interrupção da primeira República e o início do governo da Ditadura Militar com
sinais de mudanças também para as possessões ultramarinas.
As autoridades militares, logo em seu primeiro ano de mandato,
reconheceram o papel imprescindível que as missões católicas tiveram no espaço
ultramarino. As autoridades do Estado Novo não repetiriam o erro que o governo
republicano havia cometido com a permissão da ação de missões exclusivamente
estrangeiras88 na África Portuguesa, pois estas foram consideradas prejudiciais à
política expansionista, civilizatória e nacionalista do colonialismo português. Na visão
dos estadistas, apenas as missões religiosas portuguesas estariam autorizadas na
promoção da política colonial arraigada em princípios civilizatórios e em valores
nacionais propostos pelo Estado Novo Português junto dos povos do Ultramar na

87
Duarte, Jorge Barros. Esboço Histórico. Cf. Em Terras de Timor. Lisboa, TIPOSET, 1987. p.13- 14.
88
Sobre a autorização das missões exclusivamente estrangeiras e o que elas significaram na África
Portuguesa: “Da tolerância que vinha de longe e de outros compromissos internacionais resultou que
se formaram e se espalharam na África portuguesa missões exclusivamente estrangeiras, hoje
numerosíssimas em Angola e, sobretudo, em Moçambique, com numerosas sucursais e estações
dependentes e as suas escolas e centros de catequese. [...]. Promovidas e estabelecidas fora de todo
o espírito de nossas tradições nacionais e religiosas e de todas as relações com o povo, o Govêrno e
a economia de Portugal, estão infinitamente longe de ser, por si mesmas, padrões do nosso domínio,
centros de radiação da nossa língua, das nossas ideias, dos nossos usos e costumes e pontos de
apoio dos nossos emigrantes e colonos. Não têm a alma portuguesa e chegam a ter em muitos casos
outra oposta a ela e ao amor de Portugal e ao seu prestígio” (Preâmbulo, p. 462).
92

África e no Oriente.
Conforme afirma Figueiredo (idem), a partir de experiências do passado,
das ameaças de outros países colonialistas e da fragilidade econômica e financeira
em que se encontrava Portugal, a primeira iniciativa tomada pelo Ministro das
Colônias do Estado Novo, João Belo, via Decreto nº. 12.485, de 13 de outubro de
1926, sob o governo de Teófilo Duarte em Timor, foi a promulgação do Estatuto
Orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e de Timor 89. Este em seu
Art. 21º. previa como princípio norteador do programa geral, a ser seguido pelas
missões nacionais, “sustentar os interesses do império colonial português e
desenvolver o seu progresso moral, intelectual e material, em toda a possível
extensão do seu significado, conforme o permitirem as circunstâncias de cada
missão”90. Dentre as ações contempladas pelo programa geral e que deveriam ser
executadas pelos missionários das missões estavam: educar e ensinar o nativo
português, homem e mulher, procurando civilizá-lo de modo que viesse a adquirir
bons hábitos e que abandonasse suas crenças e práticas consideradas não
civilizadas; que a mulher fosse reconhecida moral e socialmente e que o trabalho
fosse encarado pelo nativo como algo digno. Além disso, era imprescindível que “o
ensino da língua portuguesa, coadjuvado, provisòriamente, pela língua indígena,
com exclusão absoluta de qualquer outra, fosse obrigatório em todas as escolas
indígenas, e nelas, com o ensino da moral e das letras, se devem dar lições das
grandezas e glórias de Portugal”, segundo o programa do estatuto, 1926, p. 467.
De acordo com a pesquisa de Duarte (1987), a aprovação do Estatuto
Orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e de Timor e a experiência
com as províncias ultramarinas, de épocas anteriores, puseram para debate entre as
autoridades portuguesas se a escolha do português seria a mais adequada na
formação educacional dos povos do Ultramar. O primeiro ano do governo do Estado
Novo, iniciado em 28 de Maio de 1926, foi marcado pelas demonstrações de duas
posições divergentes em relação à questão das línguas de instrução nos territórios
ultramarinos.

89
Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, XXVII Ano, nº. 50, 11 de Dezembro de 1926, p.
461-469.
90
Decreto nº. 12.485, de 13 de Outubro de 1926. Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de
Timor, XXVII Ano, nº. 50, 11 de Dezembro de 1926, p. 467.
93

Duarte (idem) aponta que, no caso de Timor, os missionários das missões


católicas defendiam que a ação catequética e a educação para a alfabetização no
país deveriam se desenvolver sob a prática e o ensino da(s) língua(s) falada(s) nos
locais onde as missões aconteciam. Por outro, entre as autoridades portuguesas91,
da Assembleia Nacional e do Conselho Ultramarino, não havia dúvidas de que o uso
obrigatório do Português, desde os primeiros anos de ensino, cabendo em algumas
situações o emprego da língua local como língua suporte para aprender a língua
europeia, era imprescindível para os nativos de qualquer uma das colônias.
Defendia-se a importância da língua do colonizador para a formação humana e
civilizacional do nativo e para a afirmação da unidade nacional. Argumentava-se que
esta seria colocada em risco caso a língua portuguesa não fosse determinada como
obrigatória nas escolas, na catequese, nos catecumenatos para adultos e na
pregação missionária.
Por fim, decidiu-se que o ensino e o uso do português estariam a cargo
dos missionários e apareceria em todas as atividades desenvolvidas junto da
população. Sob a perspectiva política das autoridades portuguesas, a língua local
deveria ser apagada de qualquer atividade. Tal questão seria resolvida em 1940
com a aprovação de outros dois documentos firmados entre o Estado e a Santa Sé,
como veremos mais adiante.
No campo da instrução primária, em 1927, o Governo da Província
publicou a Proposta Legislativa nº. 11092, de 08 de novembro, que determinava a
entrega da direção de diferentes modalidades da instrução pública de Timor à
Missão Católica Portuguesa de Timor e ao seu Superior93. O programa desse nível

91
Padre Jorge Barros Duarte (1987, p. 139) nos aponta como era pensada a política de língua do
governo ditatorial para o Ultramar: “Durante a administração portuguesa no regime de 28 de Maio de
1926, [...], procurava-se uma afirmação sólida e inequívoca da unidade nacional, mediante a difusão
rápida e o uso obrigatório do Português nos territórios ultramarinos. Subjacente a esta última
preocupação, mormente nas esferas oficiais, havia um forte convencimento de que, a não se impor o
uso exclusivo do Português nas escolas, mesmo nos escalões mais baixos do ensino rudimentar, se
colocaria em risco um sério e eficaz esforço para a consolidação daquela unidade nacional”.
92
Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor. Suplemento, XXVIII Ano, nº. 45, 08 de Novembro
de 1927, p. 1-7.
93
Segundo o Art. 35º. do documento: “A Direcção do ensino primário elementar e complementar, e
bem assim do Ensino Profissional e Agrícola nesta Colónia, é exclusivamente confiada à Missão
Católica Portuguesa de Timor, a qual fica encarregada da sua organização nos termos dêste
Diploma. Parágrafo Único: A Missão mandará publicar no Boletim Oficial os programas e
regulamentos necessários a esta organização, depois de aprovados pelo Govêrno” (p. 5) e o Art. 37º.
determina que: O Gôverno reservando para si o direito de inspecção geral do Ensino, reconhece
94

de ensino era obrigatório a indígenas e a não-indígenas, dos sete a catorze anos de


idade, era flexível94, com conteúdos literários e práticos, incluindo conhecimentos de
agricultura ou de indústrias, nas escolas voltadas ao sexo masculino; já para as
escolas femininas previa o ensino de lavores e costuras. Era possível obter um
diploma na quarta classe do ensino primário elementar após a aprovação no
exame95: o diploma de conclusão da quarta classe permitia o acesso ao ensino
primário complementar96, a ser realizado em Díli, ou nos arredores da capital.
Através do mesmo documento foram definidas orientações para os
ensinos profissional e agrícola. Os dois tipos de ensino previam conteúdos literários,
sendo que, no profissional, os alunos, além de obterem os ofícios de serralheiro,
carpinteiro, alfaiate e sapateiro, eram preparados para ler e escrever. Já as alunas
do ensino profissional aprendiam a ler, a escrever, assim como a costurar e a
desempenhar outros afazeres domésticos. O ensino profissional e agrícola era feito
em dois internatos, um masculino e outro feminino, onde os princípios da moral se
encontravam assegurados pelas regras do catolicismo97. O programa do ensino
agrícola98 previa duas partes: os conteúdos literários que tinham o propósito de
assimilar os timorenses na cultura portuguesa99 e eram destinados apenas aos

como Director Oficial das Escolas, o Superior das Missões Católicas de Timor, o qual dirigirá o ensino
por si ou por intermédio dos missionários, e com o qual o Gôverno tratará todos os assuntos
referentes a instrução” (p. 5).
94
Proposta Legislativa nº. 110, de 08 de novembro de 1927, Art. 41º: “O Ensino Primário Elementar
abrange as quatro primeiras classes em harmonia com os programas da Metrópole. Pode, porém, a
Missão, sobretudo nas escolas do interior, modificar este programa de modo a torná-lo mais fácil,
prático e aplicável às circunstâncias locais e necessidades dos povos timorenses.
Parágrafo Único: Nas escolas do interior, o ensino deverá ser inicialmente ministrado em TÉTUM” (p.
6).
95
O Art. 51º. definia que o “Exame da 4ª. classe do ensino elementar fica correspondendo ao actual
exame de segundo grau de Instrução Primária e produz em todo o território da Metrópole e Colónias
os efeitos do exame a que se refere o artigo 8º. do Decreto 13:619. Parágrafo único. Os alunos
aprovados neste êxame têm direito a um diploma que lhes servirá de certidão para todos os efeitos”
(p. 6).
96
Segundo o Art. 54º., “[…] haverá nesta escola três professores que dividirão entre si as matérias; e,
para que os exames dêem direito à matricula nos terceiros anos dos liceus, haverá também uma
cadeira de Inglês regida por um outro professor” (p. 6).
97
Proposta Legislativa nº. 110, de 08 de Novembro de 1927, Art. 61º.: “A educação moral, será
baseada no conhecimento e na prática dos princípios católicos” (p. 7).
98
O Art. 64º. determinava que “Este ensino é ministrado a alunos do sexo masculino com a idade
minima de 14 anos de preferência escolhidos entre filhos de chefes, num internato gratuito instalado
numa propriedade, e com uma frequência minima de 50 alunos” (p. 7).
99
Proposta Legislativa n.º 110, de 08 de Novembro de 1927, Art. 65º.: “O programa de ensino
constará de duas partes: 1ª Leitura, escrita, e rudimentos da história portuguesa, principalmente na
parte correlacionada com as descobertas e conquistas e noções gerais dos deveres dos chefes e
95

rapazes que aprendiam noções teóricas e as práticas sobre o cultivo e o tratamento


de várias culturas, como o café, a borracha, o arroz e o milho etc., manejo de
utensílios agrícolas e sobre pecuária.
Entretanto, conforme ocorreu com a Portaria nº. 98 de 1916, aprovada por
Filomeno da Câmara, os objetivos do Diploma Legislativo de 1927 não foram
alcançados por falta de investimento financeiro do Estado português.

2.8 O Acto Colonial de 1930 e o reconhecimento das missões


católicas nas questões do ensino e da língua de instrução no Timor
Português

Os quatro primeiros anos do período da Ditadura Militar, em Portugal,


produziram mudanças na estrutura e na maneira como a instrução era oferecida
pelas missões católicas no Ultramar, o que incluía Timor, conforme nos foi possível
verificar.
Os acontecimentos políticos que se sucederiam em Portugal e no
Ultramar ficaram conhecidos como o período do Estado Novo e foi liderado por
António de Oliveira Salazar, anos de governo que resultaram do golpe militar que
interrompeu a Primeira República em Portugal, no ano de 1926.
De modo geral, segundo Silva (2010), o governo da primeira metade do
século XX amparou-se no modelo de descentralização da administração dos
territórios ultramarinos, conferindo ampla autonomia aos governos dos espaços
coloniais, permitindo, desse modo, que os mesmos contraíssem dívidas, passassem
a ter inflação com a desvalorização da moeda local e se encontrassem sem
condições de transferirem os fundos à metrópole.
Conforme Silva (idem) propõe, o período da administração, levado pelo
regime republicano até os anos 20, significou graves consequências para os
negócios internos e externos de Portugal da década de 30.
Diante de tal cenário nada promissor, as autoridades do Estado Novo
compreenderam que a recuperação financeira do país e a reconstrução do status

povos para com as autoridades” (p. 7).


96

econômico da elite portuguesa dependeriam do controle e da exploração dos


territórios ultramarinos portugueses.
De acordo com Silva (idem), para isso, o Estado português precisaria
estreitar as relações com as possessões ultramarinas, de modo a constituir um
sistema econômico capaz de atingir algum índice de autossuficiência. Contudo, as
condições externas sob as quais Portugal estava exposto não eram nada favoráveis
para a manutenção dos espaços ultramarinos, tendo em vista que, para agravar os
problemas internos do país, nesse período, aconteceu a grande crise mundial do
café, de 1929, com a retração dos principais mercados internacionais, o que obrigou
o governo português a reorientar o seu comércio externo para as colônias. Portugal
sofria com as pretensões expansionistas da África do Sul com relação a
Moçambique e Angola e com a divulgação de relatórios de retaliação feitos pela
Sociedade das Nações a respeito da mão de obra escrava. Tudo isso fragilizava as
posições de Portugal no continente africano, tornando-se motivo de discussão
internacional para uma possível intervenção externa. O novo projeto colonizador
proposto pelo Estado Novo salazarista apontava explicitamente para as outras
potências coloniais que Portugal não abriria mão de suas possessões.
Conforme Silva (idem), diante de um cenário tão pouco animador, de crise
financeira e de pressão internacional sobre Portugal e as suas possessões, o
Governo do Estado Novo não apenas criou leis, mas elaborou um plano de governo
ideologicamente marcado pela ideia de que o país seria capaz de retomar seu
crescimento econômico e financeiro do tempo em que ocupara a posição de Império
Colonial. Sob esse aspecto, o discurso100 da celebração de uma função histórica
portuguesa de atuação nas possessões ultramarinas capaz de torná-las integrantes
do novo império colonial português foi retomado no governo de Salazar. E a

100
“Portugal, diz-se aí, tem a função histórica e essencial de possuir, civilizar e colonizar domínios
ultramarinos e de exercer a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente.
Denominam-se colónias êsses domínios e cada um deles é indivizível, devendo manter a
indispensável unidade pela existência de um só capital e de um só govêrno geral ou de colónia,
contrariando-se as ideias de desmembramento. Os domínios de Portugal constituem o Império
Colonial Português. Uma solidariedade moral e política existe substancialmente nas suas partes
componentes e com a Mãe-Pátria. Envolve essa solidariedade em especial o dever de contribuir o
Império para que sejam garantidos os fins de cada um dos seus membros e a integridade e defesa da
Nação”. Cf. Garantias Gerais do Decreto nº. 18.570, de 8 de julho de 1930, p. 168. Cf. Boletim Geral
das Colónias. Portugal, Agência Geral das Colónias, Vol. VI – 062-063, 1930.
97

legitimação institucional do Estado Novo deu-se através do Acto Colonial101, de


1930, e da Carta Orgânica do Império Colonial Português, promulgada pelo Decreto-
Lei nº. 23.228, de 15 de novembro de 1933.
Segundo Silva (idem), para além da base legal, a circulação da ideologia
de que existia uma ‘Mística Imperial’, essencialmente portuguesa, foi um dos pilares
do governo de Salazar. Esta se encontrava amparada em um governo ditatorial e
sob a aliança com a Santa Sé, em Roma, e a Igreja Católica de Portugal,
concretizada, especialmente, na ação das missões católicas no Ultramar. A ideologia
da Mística Imperial, junto de uma política econômica controladora, pretendia-se
capaz de não apenas livrar Portugal das ameaças internas e externas, como,
também, de superar a crise econômica pela qual o país passava e preservar os seus
domínios ultramarinos.
De acordo com o que nos foi possível compreender, no caso da Colónia
de Timor, o Estado Novo se faria presença, manutenção e controle através das
atividades educativa e evangelizadora desenvolvidas pelas missões católicas
portuguesas.
Desse modo, no Acto Colonial de 1930, conforme já havia sido declarado
no Estatuto Orgânico das Missões Católicas Portuguesas de Africa e Timor, de
1926, reconhece-se a importância das missões católicas no Ultramar, justamente
pela atuação dos missionários católicos enquanto sujeitos civilizadores e
representantes nacionais da soberania portuguesa. Para a concretização desse
projeto, o ensino em Timor ficaria sob a responsabilidade das missões católicas no
período do Estado Novo, de 1930 a 1945; entretanto, não sem tensões entre o
Estado Novo Português e os representantes das missões em Timor.
Sendo assim, algumas orientações, outros regulamentos e decretos
reorientariam as ações dos missionários nas atividades de educação e de instrução
primária entre os nativos. Após as orientações do Acto Colonial de 1930, uma das
primeiras ações reguladoras das missões católicas em Timor, nesse sentido, fora
tomada pelo Governador português Raul de Antas Manso Preto Mendes Cruz (1933

101
Cf. Boletim Geral das Colónias, 1930, Volume VI – 062-063. O Acto Colonial foi aprovado em 28
de julho de 1930, pelo decreto 18.570, de 08 de julho de 1930.
98

a 1936). Em 1934, esse mesmo governador, através do Diploma Legislativo nº. 7 102,
de 03 de fevereiro de 1934, encarregou as missões católicas da administração do
ensino primário elementar, cujo objetivo máximo era a difusão da língua portuguesa,
Art. 8º., parágrafo primeiro, e o complementar, ambos gratuitos e obrigatórios, e do
ensino agrícola e profissional. Estava previsto que, para as duas modalidades de
ensino primário, haveria duas classes sucessivas a cada uma e que, ao final da 2ª.
classe, os alunos das missões falariam, com apropriação, a língua portuguesa. Além
disso, pretendia-se que adquirissem os conhecimentos necessários para a leitura e a
escrita, a aritmética, o desenho, a geografia de Timor, o lugar da ilha no Império
português e a moral frente às outras colônias, além da cultura física, das práticas de
higiene, do canto coral e dos trabalhos agrícolas. Os alunos que cumprissem todas
as cadeiras seriam submetidos ao exame de aptidão para o ensino complementar,
segundo os Arts. 3º. e 5º. Já de acordo com o Art. 10º., os professores do ensino
elementar deveriam falar corretamente a língua portuguesa e qualquer língua
indígena quando contratados pelas Missões. O ensino primário complementar seria
ministrado em dois anos e compreenderia, para o programa de ensino, além da
cultura física, práticas de higiene, o canto coral e os trabalhos agrícolas, o que
também estava previsto para as 3ª. e 4ª. classes das escolas primárias da
metrópole.
Quanto às escolas profissionais, pretendia-se uma instituição de prática
agrícola e outra de artes e ofícios, sendo que as mesmas seriam criadas e mantidas
pelo governo e entregues à direção das missões católicas portuguesas, Art. 43º e
parágrafo único; e a outra, com sede em Díli, nomeada Liceu Nacional Doutor
Armindo Monteiro, que funcionaria segundo o regime jurídico dos liceus
metropolitanos, pelo Art. 44º. Contudo, nada do que havia sido proposto no
documento pelo Governador Raul Manso Preto recebeu qualquer tipo de auxílio das
autoridades coloniais o que inviabilizou a execução do Diploma Legislativo nº. 78.
No ano seguinte, pelo Diploma Legislativo nº. 41103, de 09 de fevereiro de
1935, iniciou-se a entrega dos ensinos primário elementar e complementar, agrícola
e profissional às missões católicas portuguesas, sendo que essas deveriam prestar

102
Cf. Boletim Oficial da Colónia de Timor, nº 5, 3 de Fevereiro de 1934, p. 43-44 e p. 46.
103
Cf. Boletim Oficial da Colónia de Timor, XXXVI Ano, nº 6, 09 de Fevereiro de 1935, p. 37 a 41.
99

contas ao governador de Timor e se submeteriam às ordens do mesmo. De modo


geral, o ensino primário elementar seria ministrado em três classes sucessivas e o
complementar compreenderia apenas a 4ª. classe, já os programas de ensino
seriam os mesmos dos de 1934, respeitando os conteúdos previstos para as
respectivas classes.
No tocante à questão da língua, pelo Art. 3º. , p. 37, ficou determinado
que:

As Missões tomam sobre si o encargo de diligenciar que o ensino que lhes é


entregue atinja o desenvolvimento que se impõe no texto e espírito deste
Diploma tendo sempre como preocupação máxima o desenvolvimento da
língua e da cultura portuguesa. Parágrafo único. Como língua intermediária
e simplesmente para facilitar o ensino, é permitido o uso do tetum, no
período dedicado ao ensino primário elementar.

Nesse caso, o timorense deveria aprender o português europeu, os


valores portugueses e a língua de Timor-Leste ocuparia o lugar de língua auxiliar na
aprendizagem dos conhecimentos portugueses. Em nenhum momento, foi dito que o
Tétum seria objeto de ensino e muito menos desenvolvido a ponto de contar com
uma convenção ortográfica, uma literatura própria e/ou leis escritas nessa língua, de
acordo com as orientações do diploma em questão.
Segundo o Art. 4º., p. 37, a partir das três modalidades de ensino
oferecidas pelas autoridades portuguesas aos timorenses, pretendia-se formar
nativos preparados para o trabalho braçal e não pessoas críticas e intelectualmente
capazes de refletir e contestar as situações de exploração às quais estavam sendo
submetidas:

Os educadores terão sempre em vista que não se pretende a criação de


literatos nem a de pretendentes crônicos aos lugares do Gôverno, mas sim
de indivíduos que venham a ser úteis à colônia onde nasceram. Devem
olhar, com especial carinho, ao lado da cultura do espírito, pela educação
física e trabalhos agrícolas, pois, nos devemos preocupar de maneira eficaz
com o revigoramento da raça e a preparação adequada da mesma para o
meio ambiente.

De acordo com o Diploma Legislativo nº. 41, para o recrutamento de


100

professores e monitores para o ensino primário elementar, segundo o Art. 17º, as


línguas avaliadas seriam o português e o tétum, a partir de competências linguísticas
diferentes, pois, era necessário que o professor avaliado soubesse “falar
correctamente o português” e fosse capaz de “compreender o tétum” (p. 38). Os
alunos seriam avaliados no final da 3ª. classe do ensino primário elementar, desde
que falassem o português com alguma fluência, de acordo com o Art. 34º. Já o Art.
47º. previa que os alunos que permanecessem na escola no período de férias, sob a
condição de internos, estariam “sujeitos a regime especial de trabalho ao ar livre,
acompanhado de prelecções feitas pelos professores e prática da língua
portuguesa” (p. 40).
Em 26 de fevereiro de 1935, foi aprovado, pelo então governador Raul
Manso Preto, o Programa das Escolas Elementares de Timor104 proposto pelo
Superior Geral das Missões Católicas Portuguesas de Timor, em Lahane, Abílio
José Fernandes, em conformidade com as orientações do Diploma Legislativo nº. 41
de 09 de fevereiro de 1935.
Em consonância com o programa aprovado, o ensino de língua
portuguesa determinava para a primeira classe a aquisição da leitura e da escrita, o
que significava aprender o alfabeto, as sílabas e as palavras. Para isso, o material
utilizado seria a Cartilha Tétum, da autoria do já conhecido Pe. Laranjeira, aprovada
pela Portaria Provincial nº. 121105 de 19 de julho de 1916. Além disso, o aluno
aprenderia a contar e a se exprimir em língua tétum, seriam-lhe ensinados os
primeiros conhecimentos do alfabeto maiúsculo e minúsculo e algumas palavras.
O ensino da língua portuguesa para a 2ª. classe determinava que o aluno
que já soubesse ler a cartilha em questão poderia passar para o primeiro livro de
leitura. A partir daqui, iniciava-se a aquisição do vocabulário português, como, por
exemplo, nomes das partes principais do corpo humano, dos objetos e mobiliários
escolares, do vestuário, dos animais domésticos e selvagens de Timor e as
respectivas palavras equivalentes em tétum. Era o momento para a iniciação da
escrita através da cópia, para a reprodução por escrito de frases ouvidas e para a
tradução de frases simples do tétum para o português e do português para o tétum.
104
Cf. Boletim Oficial da Colónia de Timor, XXXVI Ano, nº. 13, 30 de Março de 1935, p. 99-100.
105
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Província de Timor. XVII Ano, nº. 29, 22 de julho de 1916, p.
199-200.
101

As primeiras noções gramaticais sobre substantivo, verbos regulares, pronomes,


adjetivos, números e gêneros e a memorização de uma a duas quadras de poesia
escritas na lousa.
Já para a 3ª., esperava-se a leitura corrente em língua portuguesa e a
escrita fluente. Previa-se o trabalho com o ditado e as noções gramaticais
envolvendo advérbios, preposições, conjunções, interjeições, verbos irregulares e
verbos reflexivos na voz ativa e passiva. A prática do resumo, a tradução de uma
carta de assunto cotidiano do tétum para o português, visando o trabalho com a
gramática, e o exercício da produção textual através de um relato e da reprodução
de uma história curta e simples narrada pelo professor. O trabalho com a ampliação
do vocabulário em língua portuguesa, a partir dos nomes das partes das plantas, de
partes da casa, dos instrumentos usados na lavoura e das partes que os compõem e
as noções de comprimento, largura, altura e espessura, seria contemplado pelo
programa.
Em 30 de março de 1935, em Díli, foi publicada, pelo Inspector Geral das
Escolas, António Augusto de Sousa, a Portaria nº. 282 que tratava do Regulamento
dos Professores e Monitores das Escolas de Timor sob a Direcção das Missões 106,
que, de certo modo, deveria orientar o “comportamento e os deveres gerais, os
deveres com os alunos e aspectos relacionados com a higiene da escola e dos
alunos”, p. 95, dos professores e dos monitores nas escolas entregues às missões.
Dentre as várias orientações conferidas aos professores e monitores das
Escolas de Timor, segundo o Art. 11º. propunha-se que os professores deveriam se
esforçar ao máximo para que os alunos falassem apenas o português, tanto nas
aulas quanto fora delas; já o Art. 12º. impunha que todos os professores e monitores
falassem corretamente a língua portuguesa e compreendessem o tétum.
Foi sob o governo de Alvaro Eugénio Neves da Fontoura (1937 a 1940),
em Timor de 1938, que aconteceu a entrega definitiva do ensino às missões
católicas portuguesas de Timor, sendo que estas estariam sujeitas à
superintendência e à fiscalização do governo da Colônia. Tal ação se tornou oficial

106
Cf. Regulamento dos Professores e Monitores das Escolas de Timor sob a Direcção das Missões,
publicado no Boletim Oficial da Colónia de Timor, XXXVI Ano, nº. 13, 30 de Março de 1935, p. 95-
100.
102

com a aprovação do Diploma Legislativo nº. 154107, de 19 de novembro de 1938,


que legislaria a respeito do ensino oferecido aos indígenas e sobre o ensino de
instrução primária ministrado tanto a indígenas quanto a europeus e assimilados na
Colônia de Timor. O documento foi antecedido de um relatório sobre a situação da
instrução primária no governo de Filomeno da Câmara, a respeito do impulso dado
no comando de Teófilo Duarte ao ensino agrícola na colônia de Timor e sobre as
decisões preliminares tomadas no governo de Raul Manso Preto e que preparariam
o terreno para a entrega definitiva da instrução pública às missões católicas
portuguesas.
De acordo com o Diploma Legislativo em questão, a colônia de Timor
passaria a contar com dois tipos de ensino oficial: um dedicado aos indígenas e
outro a europeus e assimilados, Art. 1º. O ensino ministrado ao indígena seria
oferecido no regime das escolas-internatos, exclusivamente, rurais; e no das
escolas-internatos rurais com classes de ensino elementar; e no complementar e
curso de regente de postos escolares. Já no regime de classe externato, de ensino
primário elementar e complementar oferecido na Escola de Díli, Art. 2º., o ensino
seria voltado aos europeus e aos assimilados e poderia também ser ministrado pelas
escolas criadas para tal propósito. Os responsáveis pelo ensino oficial voltado aos
indígenas seriam os representantes, missionários ou auxiliares, das missões
católicas portuguesas que responderiam ao governo da colônia, Art. 4º. Para todas
as escolas indígenas ficou determinado que os ensinos da leitura e da escrita
deveriam começar com o auxílio da Cartilha Tétum da autoria do Rev. Padre
Laranjeira, e esta seria dispensada à medida que o progresso dos alunos no

107
O Diploma Legislativo passou por várias alterações ao longo do mandato do governador de Timor
Alvaro da Fontoura. A versão final do documento foi publicada no Boletim Oficial da Colônia de Timor,
XLI Ano, nº. 15, de 13 de Abril de 1940, p. 177-187, depois das mudanças propostas pelo Diploma
Legislativo nº. 166, de 21 de Março de 1939; do Decreto nº. 30.115, de 08 de Dezembro de 1939; e
do Diploma Legislativo nº. 183, de 30 de Dezembro de 1939. Não foram previstas alterações para a
questão das línguas de ensino etc., mas pelo Diploma Legislativo nº. 166, de 21 de Março de 1939,
acrescentou-se ao Art. 2º. do Diploma Legislativo nº. 154 que a instrução oficial ministrada aos
indígenas poderia ser oferecida nos colégios das Missões mantidos por fundos próprios (p.183);
também ao Art. 3º., do Diploma Legislativo nº. 154, que poderiam atender ao público europeu e aos
assimilados o ensino oferecido pelos colégios das Missões que o Superior das mesmas informar
oficialmente à Direcção dos Serviços da Administração Civil. Já pelo Diploma Legislativo nº. 183, de
30 de Dezembro de 1939, alterou-se o Art. 36º. do Diploma Legislativo nº. 154, de 1938, no que diz
respeito ao fato de os professores e as professoras de instrução primária destinada aos europeus e
assimilados, agora, serem também contratados pelo Governador da Colônia e não apenas nomeados
por este, conforme estava previsto pelo Diploma anterior (p. 185).
103

conhecimento da língua portuguesa fosse verificado, Art. 10º. Tanto os programas


curriculares e os exames do ensino primário elementar e do primário complementar,
destinados a indígenas como aos europeus e aos assimilados, seriam submetidos à
legislação metropolitana, Art. 13º.
Quanto aos aspectos relevantes ligados às escolas-internatos,
exclusivamente rurais, e aqueles que contemplavam a instrução primária e
complementar indígena e a dos europeus e assimilados, era importante apontar as
principais particularidades que determinavam o funcionamento de cada uma e o que
era proposto no tocante ao trabalho com a língua, quando isso é dito:

- Escolas-internatos rurais indígenas: escolas que não concediam


diplomas, eram dedicadas ao sexo masculino, pretendiam desenvolver hábitos de
trabalho no indígena e formar proprietários e trabalhadores rurais que se fixassem a
terra cultivada e fossem capazes de produzirem o necessário para a sua
alimentação, para a sua vestimenta e os seus encargos sociais, de acordo com o
Art. 21º. Já nas escolas voltadas para as mulheres, o trabalho no campo precisava
ser aprendido de acordo com as possibilidades femininas, mas a atenção seria dada
aos afazeres domésticos tornando a mulher indígena “cuidadosa dona de casa e
boa mãe de família”, Art. 22º, p. 185. A instrução nos internatos rurais indígenas
seria dividida entre a formação prática e a teórica que compreenderia noções de
“leitura e escrita, na aprendizagem da língua portuguesa, taboada, noções de
história pátria e lição de coisas e moral”, Art. 24º. p 185.

- Escolas-internatos rurais indígenas de ensino primário elementar: a


organização dos trabalhos era a mesma da dos internatos rurais indígenas com a
diferença de contar com uma classe de ensino primário elementar reservada,
exclusivamente, para os alunos que revelassem boas aptidões literárias, Art. 26º. O
ensino nessas escolas seria ministrado por regentes de postos escolares nomeados
depois da aprovação nas provas de admissão, Art. 28º. O exame obrigatório para a
matrícula na terceira classe de instrução primária elementar previa que era
necessário verificar se o indígena falava o português, Art. 32º., p. 185:
104

Antes de ensinar a ler e escrever, a escola ‘deve ensinar a falar’. Entende-


se que em Timor será nas escolas rurais e nas primeiras classes do ensino
elementar que se ensina a falar português. Dez minutos a um quarto de
hora de conversação para cada aluno; diálogos simples em que se procure
suscitar a atenção e o interesse da criança seria o suficiente para o júri
apreciar se a criança sabe a língua portuguesa em condições de seguir o
ensino elementar segundo as regras em que é ministrado na metrópole.

- Escolas-internatos rurais indígenas de ensino complementar e curso de


regentes de postos escolares: com organização e programa especial proposto pelo
superior das missões católicas à aprovação do governo, tendo sempre em vista o
ensino agrícola pecuário, Art. 27º. O ensino seria ministrado ou por professores
missionários ou por auxiliares das missões católicas autorizados a lecionar no
ensino de instrução primária nos termos da legislação metropolitana, Art. 29º.

- Ensino de Instrução Primária Elementar e Complementar a Europeus e a


Assimilados: não foram definidos os programas e a organização. O ensino seria
ministrado na Escola de Dilly em classes especiais, segundo o Art. 35º. Os
professores seriam nomeados pelo governador da colônia, devendo a indicação,
sempre que possível, ser de pessoas habilitadas, de acordo com o que definia a
legislação metropolitana, Art. 36º.

O Diploma Legislativo nº. 154 preconizava o ensino do “Canto Coral e


Cultura Nacionalista” que determinava a obrigatoriedade do ensino da chamada
Portuguesa (Hino Nacional) e a da Marcha da Mocidade Portuguesa, música que
deveria ser cantada durante as apresentações dos exercícios físicos e das canções
regionais portuguesas, segundo o Art. 45º. Não deveria ser descuidada a educação
sob o aspecto nacionalista, o que significava aproveitar todas as datas festivas de
caráter nacional. Sobretudo, era necessário inculcar no indígena de Timor a noção
de que Portugal considerava igualmente portugueses todos os componentes dos
territórios sob o seu domínio. Assim convinha que em todas as escolas houvesse
dísticos escritos em português, em tétum e no “dialecto local” com a seguinte frase:
“Nasci Português, quero morrer Português”, ou outras que, pelo seu significado
patriótico e nacionalista, merecessem a aprovação da Direcção Superior do Ensino
105

na Colónia. Nas classes dos europeus e dos assimilados as frases deveriam ser
escritas em língua portuguesa, exortando-se: “Tudo pela Nação, nada contra a
Nação” e “Nasci Português, quero morrer Português”, Art. 46 º, p. 186.

2.9 A assinatura do Acordo Missionário de 1940 e o Estatuto


Missionário de 1941

Se a partir de toda a década de 30, do século XX, foi possível assistir aos
movimentos de (re)aproximação e (re)negociação entre o Estado Português e as
Missões Católicas no Ultramar e aos desdobramentos das movimentações entre
essas duas Instituições e o que eles produziram no caso do Timor Português, 1940
foi celebrado, por Portugal e a Santa Sé, como o ano da oficialização das relações
entre Estado e Igreja por meio de dois acordos: a Concordata e o Acordo
Missionário. Esses dois documentos, de certo modo, criaram o enquadramento
institucional necessário à institucionalização do controle que o governo ditatorial
português exerceria sob as missões católicas no Ultramar.
Enquanto a Concordata108, assinada em 07 de Maio de 1940, regularia a
situação jurídica da igreja católica em Portugal109, na mesma data, o Governo
Português e a Santa Sé assinaram o Acordo Missionário110. Esse seria responsável
por determinar, de modo específico e detalhado, a organização e o funcionamento
das atividades missionárias no Ultramar Português, permanecendo o que havia sido
convencionado para o Padroado do Oriente. No mesmo ano da assinatura da
Concordata e do Acordo Missionário entre Portugal e a Santa Sé, através da Bula
Solemnibus Conventionibus111, foi possível oficializar a separação do território de

108
Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa (07 de Maio de 1940). Cf.
República&Laicidade. Associação Cívica. Disponível em: <http://www.laicidade.org/wp-
content/uploads/2007/07/concordata-1940.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2015.
109
Nesse documento, os artigos 26 a 28 são determinações direcionadas, exclusivamente, para as
atividades missionárias no Ultramar e levou o nome de “Regime das Missões e Dioceses no
Ultramar”.
110
Acordo Missionário entre a Santa Sé e a República Portuguesa (07 de Maio de 1940). In:
República&Laicidade. Associação Cívica. Disponível em:
<http://www.laicidade.org/documentacao/legislacao-portuguesa/portugal/estado-novo-1926-
1974/acordo-missionario/> Acesso em: 03 fev. 2015.
111
Cf. “Bula ‘Solemnibus Conventionibus’”, publicada no Boletim Geral das Colónias, nº. 188,
Fevereiro, 1941. p. 82-86.
106

Timor da administração portuguesa da Diocese de Macau e a criação da nova


Diocese de Díli.
No tocante à questão das responsabilidades das missões católicas
portuguesas com o ensino, o Acordo Missionário previa que as missões podiam
expandir-se livremente, de modo a exercerem as formas de atividades que lhes
eram próprias estando, inclusive, autorizadas a fundar e a dirigir escolas, de
diferentes níveis, para os indígenas e os europeus, segundo Art. 15º, desde que, nas
escolas indígenas missionárias, o português fosse ensinado, ficando plenamente
livre, em sintonia com os princípios da igreja, o uso da língua indígena no ensino da
fé católica, de acordo com o Art. 16º.
Já com a promulgação do Estatuto Missionário112, em 05 de abril de 1941,
haveria o reforço do Acordo Missionário de 1940 ao aspecto que se refere ao fato de
apenas as missões católicas portuguesas serem compreendidas como “instituições
de utilidade imperial e sentido eminentemente civilizador”, pelo Art. 2º., p. 319; de “o
ensino especialmente destinado aos nativos ser inteiramente confiado ao pessoal
missionário e aos auxiliares”, Art. 66º. e seu parágrafo único, p. 323; e remodelou o
que estava previsto no Acordo Missionário de 1940 naquilo que se referia à
obrigatoriedade do ensino e ao emprego do português não permanecer restrito
apenas à escola; mas determinando que ainda que fora do muro da escola, os
missionários e auxiliares eram obrigados a falarem a língua portuguesa, segundo o
Art. 69º.
Embora o processo de aliança e de negociação entre o governo
português e a igreja católica em Portugal e no Ultramar, representado pelas missões
católicas, viesse de longa data e se intensificaria na década de 40, com a assinatura
dos documentos em questão, a relação entre essas duas instituições, porém,
continuaria marcada por contradições e conflitos de natureza diversa, encontrando-
se a questão das línguas de instrução nas atividades de educação oferecidas pelos
missionários como uma delas.
De acordo com Pe. Duarte (1987), professor na escola da Missão de
Soibada, as posições que deveriam ocupar a língua portuguesa e a local nas

112
Decreto-Lei nº. 31.207. Estatuto Missionário (05 de Abril de 1941). Cf. Legislação.org. Disponível
em: <http://www.legislacao.org/diario-primeira-serie/1941-04-05>. Acesso em: 03 fev. 2015.
107

escolas das missões era algo que gerava desacordo, entre missionários e
administradores portugueses, desde a aprovação do Estatuto Orgânico das Missões
Católicas Portuguesas da África e de Timor113.
Desse modo, as atribuições conferidas ao uso das línguas variaram entre
as autoridades, segundo as situações já vistas; contudo, com a aprovação do
Acordo Missionário de 1940, ficou determinado que a língua local seria empregada
na prática da conversão ao cristianismo entre os nativos, o que fez com que “nas
escolas indígenas missionárias fosse obrigatório o ensino da língua portuguesa,
ficando plenamente livre, em harmonia com os princípios da Igreja, o uso da língua
indígena no ensino da religião católica”, segundo o Art. 16º, s.p.
Como as decisões tomadas estavam em aberto, as atribuições foram
fixadas oficialmente segundo as diretrizes estabelecidas pelo Estatuto Missionário de
1941, Art. 69º., que estabelecia que o português era a língua da administração e a
do ensino oficial na ilha, cabendo a local o estatuto de língua da catequese e da fé
cristã em Timor, conforme já mencionado anteriormente.

2.10 A Política Colonial do Estado Novo para o português e as


línguas de Timor-Leste

Apesar das diversas mudanças promovidas em Timor pelos acordos e


estatutos dos anos de 1940 e 1941, entre 1942 a 1945, os japoneses dominaram o
Timor Português. Além de impedirem o trabalho dos missionários católicos,
destruírem igrejas e promoveram o fechamento de colégios e da escola de formação
de professores, interromperam a ampliação da infraestrutura e da construção de
estabelecimentos escolares pelo governo do Estado Novo português.
Nesse período, de acordo com Geoffrey Gunn (1999, p. 250), Timor sob o
domínio nipônico teve “o sistema colonial de educação desmantelado e foi
introduzido o ensino em língua japonesa”.
Encerrada essa fase, em 28 de outubro de 1945, pós-dominação

113
Pelo decreto n°. 12.485, de 13 de Outubro de 1926. Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de
Timor, n°. 50, 11 de Dezembro de 1926, p. 461-469.
108

nipônica, de acordo com Figueiredo (2011), D. Jaime Garcia Goulart 114 foi ordenado
Bispo da Diocese de Díli e recomeçava o trabalho das Missões Católicas em Timor.
Para isso, ordenou a construção de novas igrejas, reabriu colégios, reconstruiu
igrejas, fundou quatro novos colégios, um para moças e outro para rapazes, em
Ossu, Distrito de Viqueque, um terceiro, para rapazes, em Maliana, e outro, em
Fuiloro, confiado aos Salesianos, chegados a Timor em 1946.
No caso da colônia de Timor, a política de ensino destinada aos
timorenses, ao longo dos séculos, conforme já visto, mostrou-se totalmente entregue
aos missionários das missões católicas portuguesas, ainda que responsabilidades
tivessem sido atribuídas aos diferentes governadores que administraram a ilha,
porém, quase sempre, com pouco êxito naquilo que compreendiam por “civilizar” e,
consequentemente, “instruir” os diferentes grupos da ilha.
Diante de uma situação que se alongou por séculos, de acordo com
Figueiredo (2008, p. 507), a partir dos anos sessenta, o Estado Português teve de
assumir com maior responsabilidade o ensino oferecido às suas colônias, de
maneira a “atenuar as exigências internacionais resultantes de uma colonização
deficiente e para além do tempo”. Segundo Figueiredo (2008), assistia-se a uma
igreja amplamente dedicada não apenas às questões da fé cristã, mas,
especialmente, à ação educativa na colônia de Timor.
Com a retirada das tropas japonesas do território timorense, as
autoridades do Estado Novo, sob a representação do governador em Timor Oscar
Freire de Vasconcelos Ruas (1945-1950), retomaram a proposição de mudanças ao
sistema de instrução da ilha com a publicação do Diploma Legislativo nº. 254115, de
02 de dezembro de 1946.

114
Na data de 20 de janeiro de 1941, Padre Jaime Garcia Goulart, sobrinho de D. José da Costa
Nunes, antigo Bispo de Macau e Patriarca das Índias Orientais, assumiu o cargo de Administrador
Apostólico da Diocese de Díli. Padre Goulart já havia estado em Timor. A primeira vez, em 1933, foi
secretário particular de D. José da Costa Nunes e, nos anos de 1936 e 1937, foi professor e Superior
da Missão de Soibada, onde fundou o Seminário Menor de Nossa Senhora de Fátima. Em 1937,
retornou à Macau e, em 1940, à Timor como Vigário-Geral das Missões Católicas na ilha com o
propósito de fortalecer o projeto de missionação através dos programas de catequese e de ensino.
Durante a dominação japonesa, padre Jaime Garcia Goulart e outros padres que trabalhavam na ilha,
refugiaram-se na Austrália para que a missão de Timor não fosse colocada em risco, já que a mesma
contava com pouquíssimos missionários, no período entre e pós-guerra.
115
Diploma Legislativo nº. 254 – Regulamento do Ensino Primário, de 02 de Dezembro de 1946. Cf.
Boletim Oficial da Colónia de Timor, XLVII Ano, Suplemento ao número 6, 02 de Dezembro de 1946,
p. 35-38.
109

No tocante à língua de instrução, estava previsto que era obrigatório o


ensino e o uso da língua portuguesa. Fora do ambiente escolar, os missionários e os
auxiliares das missões também usariam a língua portuguesa. No ensino da religião,
era livre o estudo da língua indígena.
Com o passar dos anos, o Diploma Legislativo nº. 254, em vigor até
então, mostrou-se insuficiente e perdeu a sua força de aplicação com a pressão
internacional para a extinção116 do sistema de indigenato nas colônias e com a
aprovação, em Portugal, do Decreto-Lei nº. 41.472117, de 23 de dezembro de 1957.
Este reorganizou os serviços de instrução pública no Ultramar e pôs a necessidade
de adaptar as decisões das colônias ultramarinas às novas diretrizes e à legislação
de outras demandas.
Desse modo, no ano seguinte, foi publicado o Diploma Legislativo nº.
528118, de 19 de Abril de 1958, para o ensino público primário oficial. O documento é
descrito a partir de duas questões que, até então, não haviam sido postas: a criação
de um conselho de instrução pública119 e o recenseamento120 da população escolar
para efeito da localização e da dispersão geográficas das escolas.
Possivelmente, com o propósito de mostrar à comunidade internacional
que o ensino de uma parcela da população timorense estava, pouco a pouco, sendo
planejado, com a aprovação do Diploma Legislativo nº. 528, de 19 de Abril de 1958,
ainda que não viesse a funcionar plenamente, era sinalizada a primeira tentativa do
116
Pela base LXXXIV da Lei Orgânica do Ultramar Português, promulgada em 1955. Com a extinção
do indigenato todos os habitantes do Império Português, em idade escolar, colocariam-se perante a
obrigatoriedade do ensino primário oficial. No caso do Timor Português, haveria o aumento
significativo de timorenses frequentando as escolas da província.
117
Disponível em: <http://dre.tretas.org/pdfs/1957/12/23/dre-205278.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2015.
118
Regulamento do Ensino Primário. Cf. Boletim Oficial de Timor, LIX Ano, nº. 16, 19 de Abril de
1958, p. 227-240.
119
Pelo Capítulo II (Do funcionamento dos Serviços), Secção II (Do Conselho de Instrução Pública),
Art.10., ficou determinado que “tal conselho, com sede em Díli, teria como representantes o chefe dos
Serviços de Administração Civil, missionário das Missões Católicas, delegado da Saúde de Díli, do
vogal do Conselho de Governo da Província e outro vogal escolhido entre moradores idóneos de Díli”
(p. 228). Cf. Boletim Oficial de Timor, LIX Ano, nº. 16, 19 de Abril de 1958, p. 227-240.
120
De acordo com o previsto no Capítulo II (Do funcionamento dos Serviços), na Secção III (Do
recenseamento e do plano de ocupação escolar), Art. 13., previa-se que, para o mês de agosto de
cada ano, seria realizado o recenseamento da população escolar de ambos os sexos, entre 7 a 12
anos, residente nas localidades em que funcionarem escolas oficiais. O Art. 17. menciona quais são
os procedimentos para o recenseamento: “O recenseamento escolar consistirá numa relação com o
nome, naturalidade, filiação, profissão dos pais e data de nascimento dos menores, discriminados por
sexos, que tenham completado ou venham a completar em 31 de Dezembro de cada ano civil idade
igual ou superior a 7 e inferior a 13 anos (p. 228). Cf. Boletim Oficial de Timor, LIX Ano, nº. 16, 19 de
Abril de 1958, p. 227-240.
110

governo português em assumir publicamente a responsabilidade pelo ensino público


primário oficial na ilha, já que, até então, eram os missionários que ocupavam a
posição dos verdadeiros responsáveis pela educação em Timor.
Em 1960, o governo de Lisboa, através do Diploma Legislativo nº.
121
42.994 , de 28 de maio, alterou a obrigatoriedade do ensino de três para quatro
anos. Essa medida era aplicável apenas ao Estado Português. Foi através da
Portaria Ministerial nº. 20.380, de 19 de fevereiro de 1964122, que as modificações
necessárias para que o ensino obrigatório de quatro123 anos fosse estendido
também às províncias ultramarinas se concretizassem.
Em Timor, existiram esforços conjuntos do Estado e das missões
religiosas católicas para cumprir os objetivos da portaria, tanto nas escolas primárias
oficiais quanto nas das missões. Por outro lado, as novas demandas da Portaria
Ministerial nº. 20.380 estabeleceram ao governo local o desafio de programar
escolas na colônia de Timor voltadas à preparação e à atualização de professores
para o ensino primário elementar através da formação oferecida aos que já estavam
em exercício e na qualificação de futuros professores de postos escolares.
A necessidade de professores capacitados no desempenho de sua
função na colônia de Timor adquiriria outra importância a partir do Decreto-Lei nº.
45.810, de 9 de julho de 1964124. Através do mencionado decreto, o ensino primário
público125 em Portugal passou a ser composto por dois ciclos: o primeiro ciclo, de

121
Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/240108/>. Acesso em: 28 jan. 2015.
122
Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/270918/>. Acesso em: 28 jan. 2015. Portaria Ministerial
nº. 20.380, de 19 de Fevereiro de 1964, s.p.: “Manda o Governo da República Portuguesa […], que o
Diploma Legislativo nº. 42.994, de 28 de Maio de 1960, seja aplicado em todas as províncias
ultramarinas, […]”.
123
“1º - O artigo 1º. passa a ter a seguinte redacção: Artigo 1º. O ensino primário é constituído por
quatro classes, precedidas de uma classe preparatória e formando um só ciclo, terminando com a
aprovação no exame da 4ª. classe”, s.p.
§ único. A classe preparatória visa a prática do uso oral corrente da língua nacional e actividades
preparatórias da receptividade para o ensino escolarizado.
124
Decreto-Lei nº. 45.810, de 9 de Julho de 1964, s.p.: Art. 1º. “O ensino primário é ampliado,
passando a compreender dois ciclos, um elementar, correspondente às actuais quatro classes, e
outro complementar, constituído por duas novas classes”. Disponível em:
<http://dre.tretas.org/dre/241079/>. Acesso em: 28 jan. 2015.
125
“Artigo 1º. O ensino primário é ampliado, passando a compreender dois ciclos, um elementar,
correspondente às actuais quatro classes, e outro complementar, constituído por duas novas classes.
Art. 2º. O ciclo complementar do ensino primário terminará com a aprovação no exame da 6.ª Classe
ou no de admissão ao 2º. ciclo do ensino liceal ou a algum dos cursos de formação do ensino técnico
profissional.
Art. 3º. - 1. O referido ciclo complementar terá carácter obrigatório e gratuito, como o elementar”, s.p.
111

quatro anos, e o segundo, com o quinto e o sexto ano. Esse mesmo decreto também
previa, para breve, o alargamento do ensino primário de seis anos ao Ultramar 126.
Em 10 de Setembro de 1964, era publicado, no Diário do Governo de Portugal, o
Decreto-Lei nº. 45.908127 que estendia às províncias ultramarinas a reforma na
estrutura do ensino primário elementar em vigor até então.
Até 1964, na Colônia de Timor, o ensino primário elementar, adequando-
se às condições locais de ensino que vigorava na Metrópole, pelo Art. 1º.,
compreendia quatro classes128, no caso, as três primeiras voltadas ao ensino
elementar e a 4ª. classe para o complementar, antecedidas de uma pré-primária129,
sendo o mesmo autorizado nas escolas primárias, oficiais, particulares e nos postos
escolares da colônia, segundo o Art. 2º. De acordo com a reforma em Portugal, a
educação no Ultramar teria de se adequar à estrutura de ensino primário elementar
de seis anos de escolaridade, obrigatório e gratuito, para as crianças de seis aos
doze anos de idade, completos ou a completar até 31 de dezembro do ano em que
se efetuasse a matrícula, conforme o Art. 9º.
As escolas primárias ficariam nos centros urbanos e os postos escolares,
subsidiários das escolas primárias, seriam instalados nos demais núcleos
populacionais, geralmente em ambientes rurais, pelo Art. 5º. As classes em
funcionamento e o número de alunos matriculados eram os critérios empregados
para diferenciar as escolas primárias urbanas e aquelas do posto escolar.

126
Idem: Art.º 11º. “O Ministério do Ultramar, em colaboração com o Ministério da Educação Nacional,
estudará, quando for julgado oportuno, a adaptação do regime previsto neste decreto-lei às
províncias ultramarinas”.
127
Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/258393/>. Acesso em: 28 jan. 2015.
128
Os parágrafos 2º. e 3º. do Art. 2º. determinavam que para a 1ª. classe era necessário dar
continuidade ao trabalho já iniciado na classe pré-primária, porém, iniciando-se, nessa fase, os
primeiros ensinamentos no aprendizado da leitura, da escrita e do cálculo na língua nacional e nas
classes seguintes os conhecimentos que complementarão os iniciados anteriormente, acompanhados
do processo de desenvolvimento da criança e sua integração no ambiente.
129
No caso das possessões ultramarinas, o que incluia a Colônia de Timor, de acordo com o Decreto-
Lei em questão, reconhecia-se que essa modalidade de ensino era de lenta expansão, deste modo,
para suprir a sua insuficiência, admitia-se a criança do Ultramar mais cedo à escola de modo a
ensinar-lhes o uso oral do português do dia a dia e acelerar o processo de desenvolvimento psíquico
necessário para o ensino escolarizado. O parágrafo 1º. do Art. 2º. previa para “a classe pré-primária a
aquisição do uso corrente da língua nacional e actividades preparatórias da receptividade para o
ensino escolarizado. O ensino será oral, basear-se-á em actividades lúdicas e terá como principal
finalidade despertar racionalmente na criança as suas faculdades específicas e integrá-la no
ambiente mais directo e imediato do seu desenvolvimento”, s.p. Por outro lado, há de se reconhecer
que o programa oficial de educação de 1958 já previa a criação do ensino pré-primário que viria a
entrar em funcionamento alguns anos depois.
112

Pelo mesmo documento, tornou-se público que o reconhecimento da


cooperação que as missões católicas portuguesas prestaram ao Estado ao longo
dos séculos deveria ser expresso na oficialização do ensino primário elementar
ministrado por elas. Para que a parceria continuasse a gerar resultados, propôs-se
que o Estado contribuiria na formação de professores realizada pelas missões,
cedendo para as escolas dos missionários os docentes dos quadros do Estado, bem
como o auxílio na construção e na reforma das escolas, segundo o Art. 7º. Às
missões católicas portuguesas fora garantido o apoio financeiro e a plena liberdade
de ministrar a catequese em todos os postos escolares e nas escolas primárias, pelo
Art. 7º., Parágrafo 4º. Conferiria ainda o decreto em questão importante destaque à
preparação de professores para os meios rurais, abrangendo aspectos dominantes
relacionados à saúde e à higiene, à agricultura e à pecuária e às atividades de ação
cívica.
Outra questão que demandaria cuidado por parte das autoridades
coloniais estava relacionada com a habilitação de professores de posto escolar. De
acordo com o Decreto-Lei nº. 45.908130, de 10 de setembro de 1964, segundo o Art.
27º., as escolas de habilitação de professores de posto escolar estavam autorizadas
a formar professores para os do ensino primário elementar, para os de posto escolar
e os monitores escolares. A duração do curso seria de quatro anos e, em
conformidade com os programas do ciclo preparatório do ensino técnico profissional,
aprovados pela Portaria do Ministério da Educação Nacional nº. 13.800, de 12 de
janeiro de 1952, em obediência às regras 1ª. e 2 ª. da Portaria Ministerial nº. 13.887,
de 15 de março de 1952.
Com o propósito de cumprir o que previa o Decreto-Lei de 1964, para a
formação de professores de posto escolar na colônia de Timor, o governador José
Alberty Correia (1963) aprovou o Decreto-Lei nº. 45.908131, de 10 de Setembro de
1964. Este, inicialmente, tinha dois propósitos: a fundação da Escola de Habilitação
de Professores de Posto Escolar Engenheiro Canto Resende, sob a direção da
Diocese de Díli, e a integração das atividades da antiga Escola de Professores

130
Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/258393/>. Acesso em: 05 fev. 2015.
131
Reforma do Ensino Primário Elementar a ministrar nas Províncias Ultramarinas. Cf. Boletim Oficial
de Timor, Ano LXV, nº. 42, 20 de Outubro de 1964, p. 925-947.
113

Catequistas de Díli132 à nova instituição. Antes da criação da Escola de Habilitação


de Professores de Posto Escolar, apenas a igreja católica dispunha de instituição
envolvida com a formação de professores do ensino primário, com capacidade para
educar um número considerável de docentes, no caso, a Escola de Professores-
Catequistas do Colégio de Soibada.
O curso de formação de professores de posto escolar estava previsto
para durar quatro anos, mas, em Timor, ele teria duração de dois anos para que
fossem respondidas mais rapidamente as exigências de escolarização da população
no território.
Os procedimentos tomados para a formação de monitores escolares
visavam à escolarização das crianças em um curto período de tempo. Nos últimos
anos da administração portuguesa em Timor, os monitores escolares e os
professores-catequistas estavam autorizados a ocuparem a posição de professor de
posto escolar. Contudo, o cargo de professor do ensino primário continuou a ser
concedido apenas aos docentes formados nas escolas de formação de professores
para o ensino primário. Ainda no ano de 1964, foi autorizado o curso de
alfabetização de adultos, não existindo, contudo, até o fim do período colonial,
qualquer plano de trabalho para a diminuição do analfabetismo entre a população
adulta.
De acordo com Figueiredo (2008, p. 512), após a aprovação da lei de
1964 que autorizou a reforma do ensino básico no ultramar, com o aval do governo
da província, os missionários se empenharam para o desenvolvimento de uma
verdadeira “escolarização doméstica”, que se tratava da divulgação da alfabetização
entre os nativos e a concretização desse trabalho se apoiou na produção de material
didático de fácil acesso e aprendizagem, entregue “gratuitamente às famílias
timorenses”.
Conforme Figueiredo (2008), esta iniciativa exigiu a determinação e o
esforço de alguns missionários e envolveu, também, a elaboração de um vocabulário
básico Tétum-Português, com 1000 verbetes, destinado, sobretudo, a uma maior
expansão da língua portuguesa entre os locais.
132
Pelo Decreto-Lei nº. 45.908, de 10 de Setembro de 1964, Art. 30º., a escola de preparação de
professores-catequistas da Diocese de Díli passou a ser legalmente reconhecida como Escola de
Habilitação de Professores de Posto Escolar.
114

A partir das orientações da Portaria nº. 278133, de 16 de Abril de 1974, do


Ministério do Ultramar - Direçcão-Geral de Educação, o ensino básico obrigatório no
Ultramar duraria oito anos, encontrando-se dividido em duas partes: o ensino
primário, com a duração de quatro anos, e sendo precedido de uma classe pré-
primária, obrigatoriedade de um ano; e o ensino secundário, com também quatro
anos de duração. Para a pré-escola era obrigatório o uso recorrente da língua
portuguesa para o desenvolvimento da capacidade oral na criança e para o ensino
primário, esperava-se o desenvolvimento da língua portuguesa, da escrita e da
oralidade, da aritmética e da geografia e da história das pátrias, atendendo-se a
aspectos de ordem local. Já para o ensino secundário o domínio da língua
portuguesa era esperado para poder incluir outras disciplinas necessárias ao
aprofundamento dos conhecimentos de áreas diversas, levando-se em conta as
realidades e os interesses de cada região e as condições e as possibilidades de
cada localidade.
No caso de Timor-Leste, de acordo com o Plano de Trabalhos para
1974134, previsto pelo Ministério do Ultramar - Direcção-Geral de Educação,
pretendia-se que houvesse um investimento relevante na difusão da língua
portuguesa em todos os níveis de ensino, incluindo a alfabetização de adultos, e que
o ensino da língua portuguesa nas escolas de Timor fosse elemento de unidade
nacional entre os timorenses de diferentes localidades e aqueles que falavam o
português nas províncias da África portuguesa. Apregoava-se que apenas o
português era a única língua capaz de acabar com as diferenças entre os grupos e
as inúmeras línguas faladas no Timor Oriental e na África portuguesa.
Sob este aspecto, vejamos o que foi proposto no Plano de Trabalhos para
1974 que compunha o documento principal elaborado em 1973, p. 47:

1.2. Difusão da língua portuguesa. Nas províncias portuguesas de África


como em Timor nenhum dos numerosos dialectos falados localmente tem
expressão escrita ou possui força cultural que de longe se compare com a

133
Portaria que estende ao Ultramar a Reforma do Sistema Educativo em Portugal. Disponível em:
<https://dre.tretas.org/dre/235168/>. Acesso em: 16 mai. 2016.
134
II. Plano de Trabalhos para 1974, p. 45-63. Resumo das Actividades de 1973 e Plano de
Trabalhos para 1974. Dezembro de 1973, p.1-63. Cf. AHU/MU/DGEDU/RE/P016/Cx.164 – (Arquivo
Histórico Ultramarino/Ministério do Ultramar/Direcção-Geral da Educação/Repartição do Ensino/Pasta
016/Caixa164). Relatório e Plano de Actividades.
115

língua portuguesa, nem seria possível eleger de entre eles um que a todas
etnias em presença pudesse servir de simples meio de conversão.

Para além da questão do ensino oficial em língua portuguesa às colônias


do Ultramar, a política de língua praticada pelos colonialistas do Estado Novo
português previra o estudo das principais línguas de suas colônias para a formação
do quadro administrativo e militar português e para a facilitação de algumas
questões de ordem prática do dia a dia envolvendo as línguas de tais espaços.
Geralmente, religiosos, militares, antropólogos e ex-alunos dos institutos de
formação colonial, como, por exemplo, a Escola Colonial Portuguesa, mantida pelo
regime salazarista, eram os encarregados na produção de conhecimentos
linguísticos a respeito das línguas do Ultramar, em uma área de estudo que passou
a ser nomeada como linguística ultramarina, e, geralmente, os conhecimentos
produzidos ficavam entre os próprios europeus.

2.11 A intervenção do Estado indonésio sobre as línguas no Timor


Português

Após a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, Portugal teve de


reconhecer a independência de suas ex-colônias.
No caso de Timor-Leste, a libertação fora conferida, mas o governo
indonésio, com o apoio da Austrália, do Reino Unido e dos Estados Unidos, ocupou
a ilha, anexando-a como sua na condição da 27ª Província Indonésia de Timor Timur
(Timor Leste), dando início a uma política de Estado marcada por perseguições,
proibições e assassinatos.
De acordo com Ruak (2001), uma das primeiras decisões políticas
tomada pelo governo indonésio foi a proibição do emprego e o ensino da língua
portuguesa em território timorense e a institucionalização do indonésio como língua
de Estado e do ensino. O tétum era a língua de comunicação entre os membros da
população e a resistência timorense e não recebeu tratamento diferenciado pelas
autoridades políticas indonésias. O mesmo se passou com as outras línguas de
Timor. Com a proibição do uso em público da língua portuguesa, em 1981, pelas
116

autoridades indonésias, os padres deixaram de usá-la nas pregações e no


catecismo e passaram a empregar em todas as celebrações o Tétum.
Além disso, o ensino e o uso do português sofreram restrições, tanto nas
escolas quanto nas casas, e a única língua autorizada no ensino, a par do indonésio,
era o inglês, ministrado como língua estrangeira. Apesar da interdição na língua, os
timorenses mais velhos, falantes do português, continuaram a usar, secretamente,
entre os seus familiares, a língua portuguesa como elemento de união, de
resistência ao invasor e como instrumento de identidade com Portugal. Também os
membros da resistência timorense empregavam a língua portuguesa nas
correspondências trocadas entre eles, uma vez que o português contava com escrita
bem desenvolvida e o ocupante indonésio não tinha domínio da língua. O tétum
gramatizado foi usado na comunicação escrita entre os resistentes que não tinham o
domínio do português e o tétum oral empregado nas conversas com a população
local.
Para as autoridades da resistência timorense, falar a língua portuguesa,
estranha aos indonésios e a língua do antigo Estado português, seria negar qualquer
aproximação de Timor-Leste com o invasor, ofuscar a presença do ‘elemento
estranho’, indesejado no território timorense, e garantir a manutenção das atividades
da frente clandestina dentro e fora do país.

2.12 As língua de Timor-Leste, após o referendo de 1999

De acordo com Gunn (1999), após a consulta popular, realizada em 30 de


agosto de 1999, em que a população votou pela saída do governo indonésio de
Timor, ganharam projeção as divergências quanto à escolha da futura língua oficial
do país.
Na época, a população votou pela autodeterminação, mas não foi
convocada para opinar a respeito de qual seria a língua oficial, cabendo à
Assembleia Constituinte do país decidir. Aconteceram desacordo e divergências
entre os grupos locais no poder no tocante à escolha da língua oficial do Estado,
uma vez que alguns apostavam apenas no Tétum para tal posição entre as línguas
da nova nação, já outros pretendiam ter o português como língua oficial, restando ao
117

tétum o estatuto de língua nacional. Uma questão que precisava ser decidida, uma
vez que o país estava prestes a se projetar ao mundo como a mais nova nação
independente do início do século XXI.
Diante de tal acontecimento e temendo crises internas entre as
autoridades e os grupos populares locais, o presidente do Conselho Nacional da
Resistência Timorense (CNRT), Kay Rala Xanana Gusmão, e outras autoridades
timorenses, aconselhados pelo linguista australiano Geoffrey Hull, firmaram um
acordo que posicionou as línguas tétum e portuguesa como oficiais.
Desse modo, tomadas as devidas providências, e sem levar em conta a
diversidade linguística de Timor-Leste e a real situação educacional do país, onde
muitos timorenses não sabiam ler, escrever e nem mesmo compreendiam o
português, até os dias atuais, a escolha tem gerado desacordos e polêmicas entre
autoridades timorenses e, principalmente, entre setores da sociedade local e órgãos
estrangeiros de língua inglesa. Estes últimos, na posição de “colaboradores”
internacionais para o “desenvolvimento” de Timor-Leste, questionam a manutenção
do português como língua oficial em diferentes setores envolvendo os integrantes da
área da justiça, das repartições públicas e das escolas no país.
Entre os questionamentos dos internacionais estão a falta de professores
preparados para ensinar o português nas instituições públicas e privadas de ensino
no país, de que há a ausência de materiais e situações para o uso da língua
portuguesa e a insuficiência de capital financeiro para a promoção e o investimento
em recursos humanos capazes do desenvolvimento em língua portuguesa.
Muitos timorenses também se indagam a respeito da falta de
investimentos do governo na promoção das línguas faladas nos espaços rurais do
país, os quais são conferidos, majoritariamente, ao tétum.
118

CAPÍTULO 3
O ESPAÇO DE ENUNCIAÇÃO DAS LÍNGUAS E DOS
SUJEITOS EM TIMOR-LESTE

Desde os primórdios, o espaço de enunciação de Timor-Leste foi marcado


por relações muito diferentes e complexas entre línguas e sujeitos de diferentes
partes do mundo.
No encontro entre sujeitos e línguas muito diversos afetados pela divisão,
essa produzida pelos lugares (oficialmente) atribuídos, ou pelas diferenças que
regulavam as relações e o funcionamento das línguas pelos sujeitos, foi que se
estabeleceu a produção de significações que marcariam, ao longo de diferentes
espaços e tempos, a ilha de Timor.
Desse modo, levando-se em conta o funcionamento das línguas no
espaço de pesquisa em questão, os discursos, produzidos sobre aquelas pelos
primeiros viajantes, missionários e administradores portugueses, retomou, sob
diferentes condições de produção, e, às vezes, de modo repetitivo, aspectos
relacionados com a diversidade entre as línguas na ilha e os seus falantes. No caso
de Timor-Leste, tratou-se da relação das línguas timorenses entre si, da relação
entre o tétum e o português e a unidade imaginária que recobria o tétum e
silenciava, em certa medida, as diferentes línguas do país.
O que marcou a relação entre as línguas e os sujeitos não FOI apenas a
diversidade, recorrentemente apontada, entre as línguas timorenses que significava
e produzia efeitos, mas, também, as diferentes divisões que o domínio de línguas de
outros espaços, como o português europeu, o português de Timor, o português das
outras colônias do Ultramar e o malaio, foram capazes de produzir e de significar no
espaço de enunciação timorense.
Sendo assim, os discursos produzidos pelos primeiros exploradores
versavam a respeito de um número bem reduzido de línguas e era quase sempre
sobre as mesmas, uma vez que nos contatos preliminares e exploratórios realizados,
geralmente, na extensão litorânea da ilha de Timor, não era ainda possível o
conhecimento da diversidade linguística que recobria todo o território.
119

Em uma das divisões produzidas, como será possível verificar, quando da


chegada dos primeiros portugueses na ilha, o tétum dos primeiros contatos com os
falantes da língua era o do grupo com maior prestígio político e militar entre os
reinos da época. Contudo, a língua timorense não era homogênea, pois, tratava-se
de uma língua muito dividida, o que marcava a sua heterogeneidade. Havia o tétum
falado pelo grupo do poder local, ou seja, o “tétum oficial dos belos”, o tétum dos
espaços do Timor indonésio, o tétum falado pelos reinos da porção oriental e no
Lifau, onde se falava o malaio, e também o tétum falado no reino aliado dos belos e
que ocupava a porção ocidental da ilha, onde o tétum não era “língua própria”.
Desde os primórdios da presença portuguesa em Timor, para concorrer
com o tétum e as suas divisões, havia o malaio dividido, as demais línguas
timorenses, também marcadas pelas suas divisões, o português europeu que era
um, porém, também, era outro, o português falado nas colônias ultramarinas etc.
A língua portuguesa adentrava o espaço da divisão entre as línguas da
ilha de Timor. Porém, com a conquista de outras terras, África, Ásia e América, e
com o fortalecimento da dominação portuguesa nestes continentes, o português
falado nos territórios explorados também se encontrava dividido, era outro, diferente
do português europeu.
O funcionamento das línguas das colônias e da metrópole se encontrava
afetado ideologicamente pelo o que Orlandi (2005) define como heterogeneidade
linguística. Através desse conceito, entende-se que as línguas portuguesas da Ásia,
da África, da América e da Europa, embora fossem apontadas, pelos exploradores
europeus, como as mesmas, não eram, pois, conforme propõe Orlandi (idem, p. 30),
essas “se historicizaram de maneiras totalmente distintas em suas relações com a
história de formação dos países”.
No caso da ilha de Timor, com o passar do tempo, assistiu-se à entrada
do português da coroa portuguesa (do rei), dos missionários católicos oriundos de
diferentes pontos de Portugal e da Espanha e dos padres e funcionários
administrativos de Goa, de Macau e de Moçambique e Angola.
Todas essas línguas imaginariamente colocadas como as mesmas,
entretanto, eram faladas de maneiras diferentes e se encontravam atravessadas
pela noção de “fundo falso”, definida por Orlandi (ibidem), e que se traduziria em:
120

[...] ‘o mesmo’ abriga, no entanto, ‘um outro’, um diferente histórico que o


constitui ainda que na aparência ‘do mesmo’, [...] se recobrem como se
fossem a mesma língua mas não são, pois, produzem discursos distintos,
significam diferentemente.

Em momento posterior, a partir de sequências discursivas do explorador


europeu, analisaremos como a heterogeneidade linguística funcionou em relação à
língua portuguesa falada em Timor e a de outros países, quais foram os sentidos
produzidos e os possíveis efeitos ideológicos em questão.
De certo modo, escrever sobre as línguas e os sujeitos de territórios tão
distantes foi um processo que se encontrou fortemente vinculado às condições de
produção daquele momento, que, no caso do estudo em questão, tratou-se do
imaginário da Europa como centro do mundo. Esse foi disseminado pelos europeus
com a conquista de outros territórios fora da Europa. Tal processo de dominação de
povos oriundos de territórios tão diferentes e com histórias e culturas tão díspares,
ficou conhecido como colonização.
De acordo com Mariani (2004), o conceito de colonização refere-se à
“coexistência de povos com histórias e línguas distintas” (p. 23), uma vez que o
gesto de colonizar envolve o “contato entre as diferenças” (ibidem), normalmente,
pelo emprego da força, não sendo possível a relação entre povos e línguas ocorrer
sem embates e conflitos.
Entretanto, segundo a pesquisadora (idem, p. 23-24), é possível afirmar
que o processo histórico da colonização apresenta mais de um sentido, a depender
do seu uso no discurso do colonizador ou no do colonizado. Geralmente, quando
construída pela ótica do colonizador em suas narrativas históricas, a colonização:

nem dialetiza os diferentes sentidos produzidos na tensão resultante dos


povos em contato, nem admite que as resistências das terras, dos povos
suas línguas possa criar raízes no seu próprio discurso de colonizador,
levando-o a ressignificar seu imaginário de forma a manter uma hegemonia.
(…), justifica e valoriza suas próprias ações visando ao povoamento e à
defesa de uma terra conquistada, ao mesmo tempo em que silencia sobre as
lutas pela imposição e/ou preservação das identidades. É um discurso que se
impõe pela força e pela escrita, ou melhor, impõe-se com a força
institucionalizadora de uma língua escrita gramatizada que traz consigo uma
121

memória, a memória do colonizador sobre a sua própria história e sobre a


sua própria língua.

No processo de colonização, uma das tensões mais comuns era a


imposição da língua do colonizador entre os povos conquistados e o aniquilamento
da língua do colonizado, o que inaugurava, de certo modo, o que Mariani (idem)
designa por “colonização linguística”.
A pesquisadora afirma que a relação entre as línguas e os falantes na
colonização linguística portuguesa foi, geralmente, tratada como um elemento a
mais na caracterização da falta de civilização entre os sujeitos do mundo descoberto
frente àquela construída pelo imaginário europeu. Aspectos ligados à língua do outro
quase sempre estavam relacionados à teoria do déficit, ou seja, que se tratava da
ausência de tudo, até mesmo do que era retratado, segundo o europeu, como
língua.
Sob esse aspecto, podemos mencionar que, de acordo com Mariani
(idem, p. 25), não há como negar que “os efeitos ideológicos” de qualquer projeto
colonizador tomam forma e ganham força “em consonância com um processo de
colonização linguística”, que é afetado pela exigência de saberes linguísticos da
metrópole e pelo “imaginário colonizador” entrelaçando “língua e nação em um
projeto único”. Investidos do espírito da cruzada pelos mares, da conquista de novas
terras e outros povos, os portugueses, segundo Mariani (ibidem), com seu
imaginário “de coletividade política nacional, defensora da expansão do catolicismo,
e associada à unidade imaginária do português como língua de Estado”, lançaram-
se ao Atlântico e dominaram diferentes continentes.
Desse modo, a colonização linguística praticada pela coroa portuguesa foi
construída com base no que Mariani (ibidem) intitula “ideologia do déficit, que, ao
mesmo tempo, é tanto já existente e prévia ao contato propriamente dito, quanto
serve para legitimar a forma como a dominação se processa”.
O espaço das línguas e dos sujeitos timorenses foi afetado pela
colonização linguística exercida primeiramente pelos portugueses sobre uma dada
região na ilha, no caso Lifau, no enclave de Oé-Cússi, e os efeitos ideológicos dessa
colonização foram conhecidos.
122

Nos contatos linguísticos preliminares estabelecidos entre colonizados e


colonizadores, seja envolvendo as línguas de Timor, seja entre o português europeu
e o malaio, ou desses com as línguas timorenses, seja entre as variantes do
português das colônias portuguesas com o português da ilha, o que nos interessou,
neste capítulo, foi compreender os efeitos políticos (ideológicos) produzidos entre as
línguas e os sujeitos no espaço de enunciação da ilha de Timor e as suas tensões
iniciais que, de certo modo, produziram significações que afetariam o processo de
gramatização das línguas que viria posteriormente.
Em um dos primeiros discursos sobre a ilha, produzido por Duarte
Barbosa135, navegador português na expedição de Fernão de Magalhães, e datado
de 1516, foi dada a notícia à Coroa Portuguesa de que o território descoberto tinha
“língua” e “rei”, diferentemente do que se passava em outras ilhas que não tinham
religião, língua e poder central. A sequência discursiva não silencia a noção da
“ideologia do déficit”, ideia constitutiva do discurso colonizador:

[...].
Indo mais a diante, deixando estas ilhas de Jaoa maior e menor, ao mar
dela estão outras muitas, grandes e pequenas, povoadas de gentios e
mouros alguns, entre as quais está uma que chamam Timor, que tem rei
e língua sobre si.
[...] [grifos nossos].

Sobre povos e línguas em situação de contato preliminar, ao afirmar que


Timor era a única ilha que contava com “língua” e “rei”, entre povos sem religião e
não-católicos, uma primeira divisão entre as ilhas, segundo a “ideologia do déficit”,
não deixa de ser constitutiva do discurso do colonizador e de se fazer carregada de
sentidos produzidos sob os efeitos da colonização com relação aos territórios recém-
descobertos.
Nesta primeira divisão, o navegador português anunciou que havia uma
ilha, em meio a inúmeras outras habitadas por “gentios” e “mouros”, conhecida como
Timor, que tinha “língua sobre si”, ou seja, uma língua timorense, que, no caso, não
era o malaio falado em outras ilhas, e nem qualquer outra língua de outros espaços,

135
Ilha de Timor. Cf. Barbosa, Duarte. Livro em que dá relação do que viu e ouviu no Oriente.
Introdução e notas de Augusto Reis Machado. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1946, p. 211.
123

e autoridade local, o que significava um poder central com quem os exploradores


portugueses poderiam se aproximar.
De acordo com a sequência discursiva, apoiando-se na pesquisa de
Mariani (idem, p. 25-26), entre as ilhas vizinhas a Timor, era possível comprovar que
linguisticamente havia o “sentido para a falta que já se presumia encontrar: o F, o R
e o L inexistem na língua indígena e materializam a ausência de um poder religioso,
de um poder real central e de uma administração jurídica”.
Na descrição do que se passava entre as línguas, o poder central e a
língua inexistiam nas ilhas próximas ao espaço de Timor. Foi o mesmo o que se
passou nos relatos enviados ao rei de Portugal quando da chegada dos primeiros
portugueses no Brasil, pois, estes diziam que os habitantes da terra recém-
descoberta não tinham Fé, nem Rei e nem Lei.
No gesto de definir e compreender o que significava uma Nação, a coroa
portuguesa concebeu as três instituições nucleares do aparelho de Estado Moderno:
a religião (Fé), o poder central (Rei) e a escrita (Lei). Estas estavam carregadas de
sentido a partir do que se compreendia como estágio avançado de civilização que,
no discurso do colonizador, significava contar com uma única língua nacional que
dispunha de escrita, de gramática e de literatura. Argumenta Mariani (idem, p. 26)
que, “desse ponto de vista, a língua portuguesa é também uma instituição que faz
parte do funcionamento social geral da nação, ao mesmo tempo em que dá
legitimação escrita às outras instituições do reino”. Segundo a pesquisadora
(ibidem), trata-se do imaginário sobre o português europeu sustentado na tradição
gramatical e “em uma memória linguística de diferenciação da língua portuguesa
frente ao galego e, ao mesmo tempo, de nobre filiação ao latim”.
Quando se trata da ideologia que constitui o sentido de língua na
metrópole, Língua e Nação, conforme Mariani (ibidem), “estão conjugadas em
termos da formação de uma comunidade linguístico-jurídica distintiva de um povo,
ou seja, a língua portuguesa é uma instituição nacional”.
No século XVI, o português era já a língua da coroa portuguesa (im)posta
e ensinada aos povos conquistados pelos padres católicos como língua de tradição
europeia da administração e das autoridades jurídicas e eclesiásticas, instituições de
poder que contavam com escrita e literatura, o que, de certo modo aniquilava, pouco
124

a pouco, com as divisões que existiam no vernáculo português falado e escrito em


Portugal.
Em outras palavras, segundo Hélène Merlin-kajman (2003, p. 79), o
estatuto do português seria o da “língua companheira do império”, ou seja:

Trata-se de uma relação para a necessidade, onde estão os sujeitos a tratar


com seus príncipes, senhores e superiores. Em territórios onde todos os
habitantes são subjugados e reduzidos por seus conquistadores, ‘aqueles’
aprendem a língua do conquistador e começam a redigir suas leis nessa
língua. Fora o que acontecera com o latim dos conquistadores romanos
diante dos povos conquistados e dos vernáculos europeus: ‘O uso do Latim
nos atos administrativos resultava, portanto, da conquista romana e
assinalava a dominação do povo conquistador’.

No caso de Timor-Leste, nos contatos preliminares com a ilha, foi a língua


da coroa portuguesa que passou a tensionar e a ser tensionada pelo malaio, língua
de comércio e do conhecimento dos timorenses que faziam negócios com os
exploradores das ilhas na Insulíndia.
O português europeu estava historicamente marcado pela tradição da
escrita e da gramática latina do velho mundo e isso lhe conferia poder e status na
sua relação com as línguas de Timor, todas ágrafas e faladas por povos “incultos”, e
com o malaio que, embora contasse com gramática e literatura, não fazia parte do
rol de línguas do mundo ocidental civilizado.
Levando-se em conta o contexto de reconhecimento exploratório de
novos espaços da época, o nome da língua de Timor não foi possível de ser dito,
qual(is) o(s) grupo(s) que a representava(m), se existiam outras línguas, quais reinos
as falavam, como se organizavam etc., ou seja, nada mais detalhado foi apontado.
Contudo, divisões entre línguas e sujeitos foram produzidas, uma vez que havia uma
língua de Timor, que não se tratava do malaio, e a ilha era administrada por um
poder local. No encontro entre povos tão diferentes e desconhecidos, a diversidade
linguística, até aquele momento, era reconhecida apenas para as ilhas de Java. A
multiplicidade de línguas e de povos em Timor-Leste era desconhecida do europeu
durante os contatos exploratórios preliminares estabelecidos com o novo território,
porém, as primeiras divisões linguísticas entre territórios vizinhos já eram apontadas.
Nas situações de primeiros contatos travados, no século XVI, entre
125

portugueses e povos do novo mundo, as diretrizes da coroa portuguesa eram para


que os missionários católicos catequizassem os nativos empregando o português
europeu, excluindo a(s) língua(s) da localidade. Desse modo, cumpria-se com o
projeto colonial português que consistia em civilizar o nativo com a língua, com a
religião e com a cultura do rei de Portugal.
Contudo, à medida que os missionários católicos falantes da língua
portuguesa estabeleciam relações de proximidade com os habitantes da faixa
litorânea da ilha, o aspecto da diferença entre os reinos e as línguas do país, pouco
a pouco, era posto em evidência e a diversidade de línguas no território era
apontada e produzia divisões entre as línguas e os sujeitos em Timor. Além disso, os
possíveis sentidos produzidos sobre estes afetados pelas diferentes línguas e a
necessidade dos missionários em aprendê-las para civilizá-los, segundo os
princípios e os valores do catolicismo, eram configurados.
De acordo com a sequência discursiva136 produzida, por volta de 1568 a
1579, pelos dominicanos que fizeram parte da obra de conversão dos primeiros
reinos de Timor, o traço da diversidade no espaço de enunciação da ilha foi
mencionado sob a presença de duas línguas diferentes entre si, que, segundo as
palavras do missionário, receberam a denominação “Vaiqueno” e “Bellos”:

[...].
Há tambem nesta ilha de Timor cantidade de ouro [...]; de sorte que
todas estas riquezas postas oje nas mãos destes gentios, de que
muitos se tem já convertido á nossa santa fee catholica, e vão
convertendo, [...].
[...].
Nesta ilha há duas lingoas somentes, distintas huma da outra que
chamão Vaiquenos e Bellos; [...) [...] [grifos nossos].

Conforme o que Souza (1998) aponta em seu trabalho, é possível afirmar


que a denominação “Bellos” era o nome conferido pelo europeu ao reino das
autoridades timorenses com maior poder na ilha, falantes de tétum, fixadas à porção
leste da ilha (Timor Oriental), convertidos ao catolicismo e falantes da língua

136
É essa intitulada Fundação das Primeiras Cristandades nas Ilhas de Solor e Timor (s.d.) –
Discripção da ilha de Thimor. Cf. Sá, Artur Basílio de. Documentação para a História das Missões do
Padroado Português do Oriente: Insulíndia. Volume 4 - 1568-1579. Lisboa: Agência Geral do
Ultramar, 1956, p. 491-492.
126

portuguesa, do que com o nome das línguas dos diferentes reinos, vários deles,
inclusive, sob o domínio dos Belos. Já os reinos que não se (as)sujeitaram a
qualquer tipo de subordinação econômica e/ou política e militar, e que se negaram a
se submeter etc. à exploração do império português, tiveram suas identidades e os
nomes das suas línguas totalmente apagados.
É importante destacar que a designação “bello” será conferida, mais
tarde, ao tétum falado em Bé-Háli, região localizada no Timor Indonésio (Ocidental),
mas muito próxima do Timor Oriental. Esse aspecto, de certo modo, marcaria a
região de Bé-Háli, território de domínio dos Belos, reduto do catolicismo e com
falantes da língua tétum. Portanto, pelo nome da língua, as autoridades dos belos
marcariam que Bé-Háli era um reino subordinado a eles, com influência católica e
portuguesa, ainda que o mesmo se encontrasse localizado entre mouros e malaios
do Timor indonésio.
O mesmo se passou com a designação “Vaiqueno” empregada como
referência à língua e ao povo de Lifau, localizado no Reino do Servião, o primeiro
lugar onde os missionários dominicanos iniciaram a obra de catequização na ilha de
Timor e local onde também era falado o malaio.
Desse modo, o que foi dito sobre os nomes das línguas de Timor, na
segunda metade do século XVI, eram os nomes conferidos pelo europeu aos povos
dos dois principais reinos do território com os quais estabeleceram relações de
poder, no caso, o Reino do Servião, no Timor Ocidental, e o Reino dos Belos, no
Timor Oriental. Esses dois espaços de poder mantinham relações de vassalagem
com reinos menores, encontravam-se convertidos ao catolicismo, com chefes locais
falantes do português e estavam subordinados às autoridades portuguesas.
Em meio a todas essas configurações marcadas pelos conflitos e pelas
divisões, a hierarquia entre os reinos e as suas respectivas línguas era apontada e,
pouco a pouco, eram definidos diferentes estatutos às línguas de Timor. Ou seja, o
estatuto de língua, em um primeiro momento, foi conferido apenas àquelas que
pertenciam aos territórios convertidos ao cristianismo, e que, de algum modo,
estavam subordinados aos dois grandes reinos católicos da época, o dos “Bellos” e
o dos “Vaiquenos”.
127

Foi a partir do fim do século XVI137, com o fortalecimento da presença


missionária dos padres dominicanos em diferentes espaços de Timor, que o número
de línguas faladas na ilha foi ampliado, ainda que não fosse dito quais eram os seus
respectivos nomes, em quais reinos as línguas eram faladas e as posições
ocupadas pelas mesmas:

[...].
A chamada Thimor, tem quatro línguas differentes em si, nella ha o pão
de Sandalo, mercancia muito estimada naquellas partes, dizem aver nella
ouro [...] [grifos nossos].

A partir da sequência discursiva em questão, sabe-se que havia outras


línguas, além das que eram faladas nos reinos dos belos e dos baiquenos, e todas
diferentes entre si.
Desse modo, o português europeu teria de conviver com a diversidade de
línguas em Timor. E cada vez que o colonizador adentrava mais e mais o território
timorense, diferentes línguas eram descobertas. Não haveria uma convivência
harmoniosa entre línguas e sujeitos tão diferentes, uma vez que para o
desenvolvimento do projeto colonial linguístico português, o número de línguas
faladas na ilha, na visão do colonizador, era um complicador que dificultava o
domínio da língua portuguesa pelo colonizado. Porém, as línguas timorenses
resistiriam à língua do conquistador português.
Em séculos mais a frente, o traço da diversidade que envolvia múltiplas
línguas e falantes diversos foi novamente retomado, porém, aquele, sob o olhar do
colonizador que analisa o número de línguas como um problema, estaria marcado
pelas divisões diversas que afetariam os sujeitos e as suas línguas em Timor.
A sequência discursiva produzida pelo navegador inglês William Dampier,
oferece-nos um panorama da complexidade que envolvia a relação de poder e
status entre línguas diferentes e falantes diversos por toda a ilha. Dampier viu Timor,
pela primeira vez, em 1687, e retornou à ilha durante os meses de setembro a

137
Parte do documento designado Relaçam do Principio da Christandade das Ilhas de Solor, e da
Segunda Restauração Della, Feita pellos Riligiosos da Ordem dos Prégadores. Cf. Sá, Artur Basílio
de. Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente: Insulíndia.
Volume 5 - 1580-1595. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1958, p. 308.
128

dezembro de 1699, incluindo-a em sua obra A Voyage to New Holland138.


Havia também o “problema” que as inúmeras línguas faladas nos diversos
reinos, em oposição ao português europeu das autoridades indianas, significavam
para a constituição de uma colônia que a coroa portuguesa pretendia configurada a
partir de uma única língua, de uma mesma religião e das leis de um mesmo rei, ou
seja, onde tudo se organizasse a partir da aparente unidade. A multiplicidade de
línguas, de crenças e de poderes entre os nativos era compreendida como elemento
que produzia as divisões e dificultava o entendimento entre os falantes.
Desse modo, o caos e a desordem, sob a ótica do colonizador, marcavam
diferentes espaços de Timor em oposição à região de Lifau, lugar da organização,
símbolo do espaço urbano:

[...].
[...]. Lifau. É uma colônia portuguesa [...].
[...]. Os habitantes da cidade são principalmente uma espécie de
Indianos [...]: eles falam Português e são da religião católica romana;
[...]. [...] linhagem dos Portugueses; [...]. [...]. [...].
[...].
Os verdadeiros nativos da ilha [...] [...]. Eu perguntei sobre a religião
deles e foi me dito que eles não tinham. [...]. [...]; esta ilha está agora
dividida em muitos reinos, e todos de diferentes línguas; [...].
A autoridade principal que eles têm na ilha é chamado Antonio Henriquez;
[...].
Há outro tenente em Lifau; que é também um Indiano; fala tanto a sua
própria como a língua portuguesa muito bem; [...] [grifos nossos].

138
A Continuation of a Voyage to New Holland. William Dampier. London, printed for James and John
Knapton at the Crown in St. Paul's Churchyard, 1729.
Cf. Capítulo 2 - A description of Timor. Laphao, a Portuguese settlement, described and Its original
natives described. Parte do Project Gutenberg License included with this e-Book or online at
www.gutenberg.net. April 22, 2005. Disponível em http://www.gutenberg.org/files/15685/15685-
h/15685-h.htm. Acesso em mai. 2015.
Trecho Original: (...).
... Laphao. It is a Portuguese settlement ...
(...). The inhabitants of the town are chiefly a sort of Indians ...: they speak Portuguese and are of the
Romish religion; (...). ... descent from the Portuguese; ... (...).
The original natives of this island .... […]. I enquired about their religion and was told they had none.
[...] ....; for this island is now divided into many kingdoms, and all of different languages; though in their
customs and manner of living, as well as shape and colour, they seem to be of one stock.
[…].
The chief person they have on the island is named Antonio Henriquez; […].There is another lieutenant
(tenente) at Laphao; who is also an Indian; speaks both his own and the Portuguese language very
well; […].
129

A oposição entre os sujeitos que simbolizavam a ordem e o caos estava


estabelecida, encontrando-se a ordem entre os que falavam “muito bem” a língua
portuguesa, eram habitantes da cidade e ocupavam a posição de representantes da
administração central europeia, e o caos estava entre os falantes das diferentes
línguas de Timor, sujeitos que moravam no espaço rural e eram os nativos da ilha.
Da perspectiva do europeu, a representação da ordem se fazia em Lifau,
reduto da língua baiqueno, espaço citadino timorense sob a administração de
Portugal através de indianos de origem portuguesa, todos católicos convertidos e
falantes do “bom” português e do indiano, mas não do baiqueno. Já aquilo que
apontava para o caos simbolizava os muitos reinos do interior, com sujeitos não
falantes do português, mas das línguas de Timor-Leste. Ou seja, havia a presença
de elementos que hierarquizavam os sujeitos, com alguns valendo mais e tendo
mais poderes do que outros.
No interior do território timorense, de acordo com a sequência discursiva,
a hierarquia entre as línguas e os sujeitos, entre as diferentes religiões e os seus
adeptos e entre as culturas e os povos estava configurada pelo processo de
colonização linguística. Tal processo foi responsável pelas hierarquias que
dicotomizavam, pois, a partir do que nos foi dito, valores, como a ordem versus o
caos, a unidade versus a diversidade, a civilidade versus a barbárie, passaram a ser
produzidos. Ou seja, aspectos que marcavam a oposição entre o europeu e o nativo
de Timor e tudo o que os representassem, no caso, a língua, a religião, os valores, a
lei etc. faziam parte dos dizeres daqueles que conheceram a ilha. Todos esses
traços eram elementos que constituíram o processo de colonização linguística e
produziram efeitos ao longo do espaço-tempo de constituição da ilha e das línguas
em Timor.
À proporção que contatos diversos entre povos de tradições e línguas tão
diferentes se fortaleciam e a fixação de missionários e administradores portugueses
se intensificavam em Timor, a diversidade linguística entre as línguas timorenses era
apagada em nome de uma unidade imaginária, que, no real da história entre as
línguas, nunca existiu.
Na sequência discursiva analisada a seguir, foi apontado o resultado do
projeto colonial de política de língua para Timor promovido pela coroa portuguesa
130

através dos missionários católicos. Aquele se encontrava formulado a partir de


decisões político-administrativas e pedagógicas que se filiavam à aparente
estabilidade linguística imaginária, ou seja, a de que era possível uma única língua
timorense em todo o Timor, confirmando, desse modo, o que se pretendia: uma
mesma memória de língua, um mesmo sentido, um mesmo efeito, o que silenciava a
diversidade entre as línguas da ilha. Por outro lado, veremos que a heterogeneidade
linguística estava apenas para o português falado em Timor, já que o mesmo se
encontrava dividido e era língua diferente daquela falada na Índia e em Portugal. A
heterogeneidade no português da Índia e no português europeu foi apagada. Na
relação entre línguas, foi à língua do colonizador que se conferiu status, pois, era a
língua de comunicação entre os poderes locais e a metrópole portuguesa.
Desse modo, no fim do século XVIII, depois que a capital do Timor
Português é transferida, em 1769, da Baía de Lifau para Díli, capital do país,
localizada no Timor Oriental, reino dos Belos, o navegador francês F. E. Rosily, em
1772, noticia que, por toda a ilha, havia uma língua timorense que era compreendida
por quase todos os reinos e um português bastante particular.

Memória sobre a Ilha de Timor.


Habitantes. Governo. Religião. Povos. Língua.

A ilha de Timor está dividida em 30 pequenos reinos que obedecem


cada um a seu rei [...], sem compreender os povos que vivem sob o alto
da montanha, onde cada uma das aldeias tem seu chefe. [...].
[...].
O governador português reside em Díli [...]. [...]. Todos os chefes são
cristãos católicos [...].
Eles têm por toda a ilha quase a mesma língua. O malaio se faz ouvir e
tem muito de relação/de proximidade. Quase todos os chefes falam
português e, nos reinos vizinhos dos Portugueses, é a língua geral. O
Português é um pouco diferente daquele falado na Índia e é misturado
com aquele da Europa, e um e outro se faz entender. A língua timorense
é bastante doce. Eu adiciono aqui um dicionário onde se poderá observar
[grifos nossos].

Para o Timor Português, embora a plural realidade linguística local fosse


algo que marcasse o real na relação entre os sujeitos dos diferentes espaços
territoriais, seja entre os trinta pequenos reinos, os povos sob o alto da montanha e
os habitantes da capital do país, Díli, ao ser dito que havia “por toda a ilha quase a
131

mesma língua”, produz-se a construção imaginária da unidade linguística para toda a


porção leste da ilha.
Sendo assim, as hierarquias conferidas às línguas e aos falantes, de
acordo com a sequência discursiva produzida pelo europeu, funcionaram dividindo
segundo a aparente realidade linguística de Díli, capital do país, sede da
administração central portuguesa na ilha, a partir de 1769, espaço urbano e lugar da
ordem, e não a partir da babel linguística que era Timor, no tocante às reais
complexidades territorial e linguística da ilha.
De acordo com aquilo que marcava a relação de poder entre línguas e
sujeitos, uma única língua timorense, a do grupo com maior expressão política e
econômica, garantiria a unidade linguística em todo o Timor, anulando, desse modo,
os traços da diversidade e da pluralidade linguística, que era o real no Timor
Português. Em uma relação marcada pela hierarquia, não foi dito qual era o nome
da língua de Timor, a qual(is) grupo(s) essa pertencia, em quais reinos ela era falada
etc. Apenas foi mencionado que era uma língua “bastante doce” e que o malaio tinha
“muito de relação/de proximidade” com a mesma. Ao atribuir esses dois aspectos à
língua timorense não foi conferido qualquer estatuto de poder e de legitimidade a
mesma, diferentemente do que se passava com a língua portuguesa.
Sobre o português do Timor Oriental, na sua relação de hierarquia com as
outras línguas faladas na ilha, foi mencionado quem o falava, no caso, os chefes
timorenses sob o comando dos missionários e dos administradores portugueses e os
reinos menores subordinados aos chefes convertidos. Além disso, foi conferido ao
português o estatuto aparente de “língua geral” entre os reinos que falavam
diferentes línguas, o que promoveria, imaginariamente, aproximações entre os
diferentes reinos da ilha, inclusive com a possibilidade de novos acordos e negócios
entre os mesmos.
Por outro lado, porém, a língua portuguesa de Timor encontrava-se
dividida pela heterogeneidade linguística, pois, o português falado em Timor era
diferente daquele falado na Índia, mantinha certa proximidade com o português
europeu, mas também se distanciava desse, e não funcionava segundo a língua do
colonizador europeu.
De acordo com o que defende Orlandi (2005, p. 30), no tocante ao
132

português do Brasil não ser o português de Portugal, podemos traçar a mesma


relação entre a língua portuguesa de Timor e a das outras colônias e a de Portugal
também não serem as mesmas línguas:

(…): o português brasileiro e o português português se recobrem como se


fossem a mesma língua mas não são. Produzem discursos distintos,
significam diferentemente. Discursivamente é possível se vislumbrar esse
jogo, pelo qual no mesmo lugar há uma presença dupla, de pelo menos dois
discursos distintos, efeitos de uma clivagem de duas histórias na relação
com a língua portuguesa: a de Portugal e a do Brasil. Ao falarmos o
português, nós, brasileiros, estamos sempre nesse ponto de disjunção
obrigada: nossa língua significa em uma filiação de memória heterogênea.
Essas línguas, o português e o brasileiro, filiam-se a discursividades
distintas.

Assim como aconteceu com o português do Brasil, na sua relação com o


português de Portugal, o português de Timor era outro, diferente do de Portugal e
das demais colônias portuguesas, pois, o de Timor adquiriu sentido e se tornou
diferente quando se filiou à memória de outras línguas, no caso, a do malaio e às
das próprias línguas timorenses. A aparente homogeneidade entre a língua
portuguesa de Timor e a das colônias e a da metrópole portuguesa não era o real
histórico, mas, conforme afirma Orlandi (idem), “o efeito de homogeneidade é o
efeito produzido pela história da colonização”.
Com a ilha de Timor não foi diferente, pois, a língua portuguesa, assim
como se passou com as línguas timorenses, porém que os discursos em questão
silenciavam, em nome das supostas unidade e homogeneidade linguística, era
também uma língua múltipla, dividida e diferente da que era falada nas diversas
colônias portuguesas e pelo próprio rei europeu. Fora-lhe conferido o estatuto da
língua símbolo do poder local em diferentes reinos de Timor, da língua da
administração central portuguesa e da língua de negociação entre reinos vizinhos,
como em espaços de diferentes continentes, contudo, não era a mesma língua.
Para o português falado na ilha, segundo a sequência discursiva em
questão, construiu-se o imaginário de que, até aquele momento, era a única língua
da comunicação entre todos e de que se tratava da mesma língua para todos,
apagando as diferenças sócio-históricas e linguísticas entre falantes indianos,
portugueses e timorenses. Ocultou-se que se tratava de uma língua heterogênea,
133

com sentidos diferentes entre um português e outro e que se historicizaram sob


condições de produção distintas. Segundo Orlandi (idem), as diversas línguas
portuguesas sempre foram “línguas materialmente diferentes”, que significaram e
significavam os seus espaços e os seus sujeitos de maneiras diversas.
Desse modo, o português em Timor foi imaginariamente apontado como
língua da ordem colonial, da unidade e da relação de proximidade entre as
autoridades diante da alegada ausência de uma única língua timorense que, até
aquele momento, fosse capaz de ocupar a mesma posição.
Sob outra condição de produção, aquilo que representava a multiplicidade
linguística no espaço de Timor-Leste foi retomado, porém, a partir da divisão entre o
que era língua e o que não era. E, em meio à separação produzida, apenas o “teto”,
a língua de um único grupo de falantes, no caso, o dos chefes locais católicos e
falantes da língua portuguesa, receberia o estatuto de língua. O “teto” passaria a ser
identificado e nomeado pela coroa portuguesa como “geral” em diferentes partes da
ilha, conforme veremos em momentos mais a frente.
De acordo com a sequência discursiva destacada do relatório oficial 139, de
1863, elaborado pelo governador português Affonso de Castro (1859 a 1863),
produziu-se a divisão entre língua e não-língua140, e foi conferido ao teto, e a
nenhuma outra língua timorense, o estatuto de língua, uma vez que,
imaginariamente, afirmava-se que era o teto “geral em toda a ilha”:

IDIOMAS
Ha em Timor um grande número de dialectos, mas a língua que fallam
os indigenas que habitam a praça de Dilly e uma boa parte dos reinos
do nascente, chama-se teto. Esta língua, sendo pobrissima, é com tudo a
mais abundante de termos de quantas se fallam em Timor. E se não é ella
geral em toda a ilha como seria para desejar, nós os portuguezes somos
talvez os mais culpados; assim como é nossa culpa se o teto esta uma
lingua imperfeitissima, uma lingua de selvagens, á qual faltam termos para
as cousas do uso o mais quotidiano [...]
[...].

139
Timor. Notícia dos usos e costumes dos povos de Timor, extrahida do relatório do sr. Affonso de
Castro, Governador d’aquella possessão portugueza. Seção Idioma. Cf. Annaes do Conselho
Ultramarino. Parte Não Official, série IV (1963), p. 37.
140
É relevante ressaltarmos que o modo de significar as línguas é fruto do que se produz na teoria
linguística. Sob essa perspectiva, podemos afirmar que De Castro se encontrava filiado aos
ensinamentos da escola evolucionista, vigente no século XIX, que enquadrava as culturas humanas
em estágios, ou seja, de que toda forma de expressão e/ou representação simbólica passaria por
progressões e alcançaria uma posição superior.
134

Se nós tivessemos tido o bom juizo de fazer um diccionario da lingua


teto, e obrigassemos os empregados que vem para Timor a aprender
aquella lingua, e se creassemos algumas escolas n’esta ilha, onde se
ensinasse o teto, o que não obstava a que se ensinasse o portuguez, a
lingua teto havia de ir aperfeiçoando-se, e se generalizaria; [...] [grifos
nossos].

Na busca incessante pela unidade imaginária frente à diversidade de


línguas no Timor Português, tensões entre as mesmas e os sujeitos foram
produzidas.
Pela sequência discursiva em questão, como já adiantamos, a divisão
entre as línguas e as não-línguas passou a ser produzida e hierarquias entre as
diferentes línguas distribuídas.
Através dessa divisão, a designação “dialecto” foi empregada para se
referir ao que não era língua, à exceção do “teto” (tétum), que, embora, “pobrissima”,
“lingua imperfeitissima” e “língua de selvagem”, era a língua falada na capital do
país, do espaço urbano, e língua dos chefes convertidos ao catolicismo e donos do
poder em diferentes reinos da ilha.
O tétum, na sequência discursiva, receberia o estatuto de língua, seria
falado por “gente civilizada”, os missionários sistematizariam o seu funcionamento,
passando a normatizá-lo e a publicá-lo em instrumentos linguísticos. Através desses,
o tétum seria ensinado nas escolas, ou seja, todos os esforços para a gramatização
e para a sua institucionalização voltavam-se a ele.
Todos os “dialectos” timorenses eram ágrafos. Porém, de acordo com o
colonizador, havia uma língua timorense, falada pela elite detentora do poder local,
que receberia condições para ser gramatizada, no caso a língua tétum.
Gramatizar uma língua de Timor, no fim do século XIX, língua sem
alfabeto, mas com falantes donos do poder local, promoveria o fortalecimento desse
grupo de poder e conferiria ao tétum a sua normatização em termos de padrão da
escrita. Desse modo, efetivaria-se a descrição de sua estrutura, descrição esta
preconizada por um modelo de gramática do português, cujos moldes originais eram
os mesmos empregados na descrição da língua latina. O tétum seria descrito a partir
de duas línguas com tradição e representantes das duas instituições ocidentais mais
importantes, no caso o latim da Igreja Católica e a língua portuguesa do Rei
135

português.
Por outro lado, as línguas que eram denominadas como “dialectos”, todas
ágrafas, não contavam com gramática ou dicionário e não eram línguas dos donos
do poder na ilha, ou seja, sob a ótica do colonizador, elas não significavam nada,
indicavam o “caos” e a “selvageria”.
A nomeação “língua” simbolizaria a unidade linguística e apontaria para o
que era sinal de estabilidade e de homogeneidade entre as línguas, representando,
sob essa perspectiva, a “ordem” e a “civilidade”, aspectos que o europeu impunha a
um povo que se encontrava em formação, segundo aquele, sem algo que o
constituísse enquanto Nação.
A sequência discursiva que propõe que no Timor Português havia uma
“língua” em oposição a muitos outros “dialectos” produziu o efeito da unidade
imaginária que, segundo o modo como foi apontado, seria garantida pelo
instrumento linguístico, no caso um dicionário. Esse controlaria e uniformizaria pela
letra e pela palavra o funcionamento do tétum, pois, esse se encontrava em
instabilidade e em funcionamento com muitas variações. O estatuto de língua era
conferido imaginariamente a algo que viria a ser composto de palavras e que, num
futuro próximo, se estabilizaria representando, assim, a civilidade.
O instrumento linguístico e a escola, de certo modo, interfeririam na
configuração do espaço imaginário de uma língua dita “geral” para toda a ilha, de
modo que distribuiriam a maneira como os falantes se encontrariam divididos e
regulando a relação dos falantes com a língua. Sendo assim, através da escola e do
dispositivo linguístico, o colonizador apontava ser necessário investir na
generalização e no aperfeiçoamento do tétum para todo o território. Desse modo,
seria possível atribuir o estatuto de língua “geral” que, até então, estava apenas no
plano imaginário do europeu, pois, para o real histórico que marcava a relação entre
as línguas, não havia uma única língua timorense que fosse falada em todo o Timor.
De acordo com o discurso em questão, podemos afirmar que em busca
de uma política de línguas com planejamento linguístico que a contemplasse de
forma bem sucedida, ou, em outras palavras, segundo Mariani (idem, p. 44), para
que fosse possível “existir unidade, clareza e entendimento na comunicação”
exercida pela(s) língua(s), produz-se o apagamento, exatamente, da “política de
136

sentidos das línguas” (ibidem), como foi o caso das línguas de Timor, e formula-se
uma “política de sentidos” (ibidem) a uma das línguas do país, o tétum, silenciando
as línguas dos demais grupos.
Orlandi (1998, p. 10-11) e Mariani (idem, p. 44-45) apontam para três
diferentes posições com relação à elaboração das políticas das línguas.
De acordo com as pesquisadoras, há a política das línguas que funciona
de acordo com o Estado e as Instituições sendo que estes determinam o aspecto da
unidade como valor. Esta se materializa quando é pretendida a construção de uma
identidade nacional, sendo necessária para isso a produção de uma unidade
linguística aparente frente à diversidade de línguas de uma dada região e às
influências produzidas na relação com outras línguas, configurando a primeira
posição. Já a segunda posição envolve aspectos que contemplam as relações entre
grupos de diferentes etnias, nações e Estados e tem como ponto principal a
dominação de um sobre o outro. É o caso da colonização e das conquistas entre
povos, sendo que o que está em jogo é a imposição da língua do outro, seja “pelo
contato, pela lei ou pela força” (MARIANI, ibidem). E a terceira posição que leva em
conta os que falam a língua, contemplando a questão da diversidade em oposição à
unidade.
Segundo Orlandi (idem, p.12), a última posição intervém na primeira
posição e unidade e diversidade são noções inseparáveis que devem ser analisadas
conjuntamente, pois, não se pode apagar essa relação, mas sim “trabalhar a
contradição unidade/diversidade”.
No caso do Timor Português, a política de línguas da coroa portuguesa
para a ilha funcionou amparada veementemente nas duas primeiras posições,
buscando, a todo e qualquer custo, acabar com toda iniciativa que primasse pela
diversidade. Porém, a diversidade resistiu e produziu efeitos sobre a unidade e a
homogeneidade imposta pelo colonizador naquela época, e, ainda hoje, resiste entre
os que falam as diferentes línguas de Timor-Leste frente ao poder capitalista do
inglês, do português e da bahasa indonésia. Não será abordado em nossa pesquisa,
mas, atualmente, há projetos de política linguística que buscam trabalhar com a
contradição unidade/diversidade, apontada por Orlandi (1998).
Para o próximo capítulo, apresentaremos e analisaremos, com os corpora
137

que acessamos em Timor-Leste, no Rio de Janeiro e em Portugal, como ocorreu o


processo de gramatização entre as línguas timorenses, realizado pelos missionários
católicos, no fim do século XIX até a primeira metade da década de 70 do século XX,
no espaço de enunciação timorense.
Os primeiros instrumentos linguísticos – catecismo, gramáticas e
dicionários – foram produtos do processo de gramatização das línguas e diferentes
usos foram conferidos aos mesmos. Pela gramatização, (re)divisões entre as línguas
foram produzidas a ponto de serem definidos certos efeitos ideológicos e outros
lugares para as que foram descritas. Além disso, tal processo interferiu na política de
língua do colonizador português produzindo “unidade” e movimentando a dominação
de certas línguas em detrimento de outras faladas em Timor-Leste.
O processo de gramatização em Timor-Leste foi marcado por iniciativas
que visaram à catequese e ao ensino oficial e os seus efeitos foram sentidos entre
as línguas e os seus sujeitos, conforme analisaremos.
138

CAPÍTULO 4
O PROCESSO DE GRAMATIZAÇÃO DAS LÍNGUAS DE
TIMOR-LESTE

De acordo com o que foi apresentado e analisado no capítulo anterior, o


espaço de enunciação timorense sempre foi muito diverso e marcado pelas divisões
entre as línguas e os sujeitos.
Com a chegada do europeu, a diversidade linguística, as relações de
poder e de disputa entre as línguas em Timor e o português europeu, as hierarquias
atribuídas às mesmas e seus sujeitos etc. ganharam outras configurações e
produziram sentidos e efeitos também outros.
Todavia, filiados ao que defende Orlandi (2009), sob a perspectiva
materialista, para o discurso, é importante reforçarmos que os sujeitos não são a
origem e não têm o controle sobre o que dizem. Do ponto de vista discursivo, tudo o
que é dito se encontra já inserido e relacionado a outros dizeres, falados já em
outros lugares, por diferentes sujeitos etc., porém, tudo isso não fica acessível ao
sujeito do dizer. Esse não tem domínio sobre esse processo.
Segundo Mariani (2007, p. 86), não há nada que garanta qualquer tipo de
estabilização na “política de sentidos” que toma forma nas línguas “e que, impondo-
se historicamente”, aparece “como natural para as práticas sociais que regulam os
usos lingüísticos”. Entretanto, ainda assim, de acordo com Mariani (ibidem),
geralmente, sem o controle das “instituições gerenciadoras” do que pode e deve ser
dito, outros sentidos podem ser instaurados, causando ou não rupturas,
movimentando sentidos de um “domínio de significação para outro”, ou, até mesmo,
“resignificando sentidos aparentemente já estabilizados”.
Desse modo, para a nossa pesquisa, ainda que não tenha sido possível
chegar até nós discursos a respeito das primeiras produções141 dos missionários
dominicanos e dos alunos das escolas das missões, anteriores aos instrumentos
linguísticos do fim do século XIX, o que foi produzido, posteriormente, já nos permite
141
Possivelmente, uma lista de palavra, ou alguma outra noção gramatical sobre determinada língua,
a descrição de algum fenômeno linguístico etc., mas nada parecido com o que o início do processo
de gramatização das línguas de Timor pelos missionários produziria.
139

um possível entendimento de como aconteceu o processo de gramatização das


línguas timorenses, o que a gramatização significou e produziu, enquanto sentidos,
para as línguas e os sujeitos no Timor Oriental.
A partir do processo de gramatização, promovido pelos missionários
católicos, houve a elaboração de instrumentos linguísticos para algumas línguas de
Timor-Leste, o que, de certo modo, institucionalizou significados e conferiu estatutos
para as línguas, afetando também os sujeitos.
Como o processo de gramatização das línguas timorenses se traduziu na
produção de instrumentos linguísticos para a catequese e para o ensino, o modo
como as (re)divisões entre os sujeitos e a relação com a língua aconteceram
também foram afetados. Ou seja, os dispositivos linguísticos passaram a apontar
sob quais divisões as línguas timorenses estariam sujeitas no espaço de
funcionamento das línguas e dos sujeitos em Timor-Leste.

4.1 A gramatização das línguas de Timor-Leste: um processo


histórico

O processo de gramatização das línguas de Timor foi tardio e se iniciou


com os missionários católicos, no fim do século XIX, durante a administração dos
governadores portugueses, de modo que diferentes instrumentos linguísticos com
propósitos específicos foram elaborados, no caso, para a catequese e para o ensino
oficial nas escolas do país.
Os primeiros instrumentos linguísticos elaborados em uma língua de
Timor-Leste estiveram ligados à catequese, foram escritos em tétum e eram
destinados aos missionários que precisavam aprender a língua para a conversão
nos espaços onde essa era falada.
Com a intensificação das missões católicas por todo o Timor, línguas de
diferentes localidades da ilha passaram a ser descritas e instrumentalizadas, a fim
de que diferentes territórios timorenses fossem subordinados aos ensinamentos e
aos dogmas do catolicismo.
O estratégico trabalho com as línguas, promovido pelos missionários em
diferentes pontos de Timor-Leste, despertou o interesse da administração central
140

portuguesa.
Sendo assim, organizando o ensino oficial, que estaria sob a
responsabilidade dos padres e seria subsidiado pelo Estado português, os
governadores solicitaram, a partir de 1916, esforços dos missionários na elaboração
dos primeiros instrumentos linguísticos bilíngues (tétum-português) para a educação
formal, no caso uma cartilha142 e um dicionário143, respectivamente.
Para a composição dos materiais mencionados, uma única língua
timorense, no caso, o tétum, fora descrita em parceria com a língua do colonizador.
Através dos dois dispositivos linguísticos, as autoridades portuguesas pretendiam
que o tétum fosse língua de apoio na aprendizagem da língua portuguesa pelos de
Timor, cumprindo com os propósitos da política de língua preconizada pelo
colonizador europeu para a ilha.
De modo que seja possível conhecer quais foram as línguas que
receberam instrumentos linguísticos para a catequese e para o ensino, durante a
administração colonial portuguesa no território, e sobre o contexto de produção
conferido a cada uma delas, apresentaremos aqui o que nos foi possível tomar
conhecimento a partir do material de arquivo ao qual tivemos acesso.
No processo de gramatização que envolveu as línguas de Timor-Leste, a
primeira publicação impressa em uma língua do território foi o Catecismo da
Doutrina Christã em Tétum, da autoria do Pe. jesuíta Sebastião Maria Apparicio da
Silva, no ano de 1885. O Pe. da Silva foi um dos missionários que acompanhou D.
António Joaquim de Medeiros na ação que compreendeu o reflorescimento das
Missões Católicas em Timor, no ano de 1877.
Em 1920, sob o bispado de D. José da Costa Nunes, foi publicada a 2ª.
edição do mesmo catecismo. O jesuíta teve também editada, em 1889, a primeira
gramática de Timor em língua tétum; entretanto, dada como perdida. Já o primeiro

142
Cartilha-Tetun. Pelo Missionário Pe. Manuel Mendes de Laranjeira. 1ª. Parte. (Mandada adoptar
nas escolas oficiais de Timor por P.P. n°. 121, de 19-7-1916). 3ª. Edição. Macau, Tipografia Mercantil,
1932 e CartilhaTetun. 2ª.Parte. (Exercícios de Versão de Tétun em Português). Pelo Missionário Pe.
Manuel Mendes de Laranjeira. 1ª. Parte. (Mandada adoptar nas escolas oficiais de Timor por P.P. n°.
121, de 19-7-1916, e P.P. n°. 61, de 07-04-1917). 2ª. Edição. Macau, Tipografia Mercantil, 1932.
143
Dicionário Tétum-Português. Impresso em Macau sob direcção do Cônego Manuel Patrício
Mendes. (Segundo os trabalhos do Rev. Manuel Mendes Laranjeira e do mesmo Rev. Manuel Patrício
Mendes, ex missionários de Timor. Macau, Tipografia Mercantil de N.T. Fernandes & Filhos Ltda,
1935).
141

Diccionario de Portuguez-Tétum, de que se tem notícia, foi elaborado pelo Padre


Apparício da Silva, no mesmo ano da gramática.
Um segundo dicionário, agora, porém, do tétum para o português,
Dicionário Tetum-Português, da autoria dos Padres Manuel Mendes Laranjeira e
Manuel Patrício Mendes, publicado em 1935144, foi apresentado como resultado de
vinte anos de trabalho. Para a elaboração do dispositivo linguístico, segundo os
missionários, a colaboração de influentes chefes locais e falantes da língua
portuguesa, representantes de oito reinos diferentes, fora imprescindível para a
revisão crítica das 8.000 palavras do dicionário.
Da autoria do padre jesuíta Manuel Fernandes Ferreira145, foi publicado o
Resumo da História Sagrada em português e em tétum para uso das crianças de
Timor, de 1908, sendo que o apêndice é a História da Paixão de Nosso Senhor
Jesus Cristo escrita nas línguas portuguesa e tétum. Esse foi publicado pela
Imprensa Nacional de Lisboa e teve os exemplares financiados146 pelo governo
português. Outra publicação do mesmo missionário foi o Catecismo Badac nò
oração ba Loro-Lóron (Pequeno catecismo para oração diária), com três edições, a
primeira, de 1907, escrita em tétum e em português, a segunda, de 1928, também

144
Época do mandato de Raul Manso Preto (1934 - 1936), segundo Duarte (1987), um dos
governadores portugueses que mais apoio ofereceu ao ensino ministrado pelas escolas das missões
e idealizador da construção de escolas de ensino rural nas áreas de difícil acesso e as mais
afastadas da capital do país. O dicionário, em questão, foi especialmente concebido para o uso nas
escolas de Timor onde o português era a língua oficial do ensino e o tétum ocuparia a posição de
língua auxiliar na aprendizagem do português do colonizador.
145
Alguns dos missionários que se dedicaram ao estudo e à instrumentalização das línguas de Timor
tiveram momentos de intensa produção material e intelectual com as línguas das missões para onde
eram enviados. Foi o caso do Padre Manuel Fernandes Ferreira que, em carta enviada ao Diretor
Geral do Ultramar em Portugal, pedia o financiamento, em 1907, de seis obras da sua autoria, todas
elas escritas em língua tétum e destinadas ao uso nas escolas e entre os novos missionários de
Timor que se encontravam a serviço da Religião e da Pátria. Na época, recebeu o apoio das
autoridades portuguesas para a publicação de duas dessas obras, sendo elas, o Resumo da História
Sagrada, em portuguez e tétum, e a História da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. As outras
quatro eram: Compendio de Civilidade, em portuguez e tétum; Evangelhos dos domingos e festas
principaes, com sua explicação; Devocionario do Christão de Timor e Pequeno Guia de Conversação,
em tétum e portuguez. Não sabemos se foram aprovados decretos ou portarias pelos governadores
portugueses autorizando oficialmente o uso dos dispositivos nas escolas da ilha. (Impressão de
Opúsculos sobre Temas de Religião, em português e Tetum, para uso nas Escolas das Missões e
Carta do missionário ao Director Geral do Ultramar. Cf. AHU - Arquivo Histórico Ultramarino, Macau -
Timor, Pasta 13 – 1907-1911 – Administração Eclesiástica).
146
Ofício do Gov. de Timor, n°. 56, de 12/04/1909, acusa a “recepção do conhecimento relativo a 750
exemplares da obra intitulada ‘Resumo da História Sagrada em portuguez e tetum’, [...], os quaes
conforme no mesmo officio da Direcção Geral do Ultramar é determinado foram postos à disposição
do Rev. Bispo de Macau, a quem n’esta data é feita a devida communicação. [...].” Cf. AHU - Arquivo
Histórico Ultramarino, Macau -Timor, Pasta 13 – 1907-1911 – Administração Eclesiástica.
142

nessas duas línguas, e uma terceira edição, de 1939, escrita apenas em tétum. A
confecção desse catecismo contou com o auxílio dos falantes da língua na
“redacção do tétum e escolha de muitos termos que tiveram de ser substituídos, por
se apurar que ou eram desconhecidos na maior parte dos reinos ou empregados em
sentido mui diverso e até às vezes obsceno!”147.
Com o processo de gramatização das línguas de Timor, no fim do século
XIX, o catecismo em questão fora escrito segundo o que os missionários produtores
dos instrumentos linguísticos, na época, nomearam como “tétum puro”.
Segundo Thomaz (2001a), entre o tétum de Timor havia três
denominações, a saber: o tétum-Soibada, o tétum-belo e o tétum-praça (ou tétum de
Díli). Essas determinações marcavam divisões entre o tétum e conferiam posições
diferentes à língua que passou a ser descrita.
O tétum-Soibada, falado no reino de Samoro, era o tétum dos jesuítas das
missões de 1898, o tétum acurado, o tétum dos textos litúrgicos, da catequese e dos
cânticos, ou seja, o tétum que quando descrito foi muito bem cuidado pelos
missionários. Recebeu a designação “tétum puro”, pelo fato ser o tétum que se
encontrava mais afastado da costa litorânea e, portanto, aquele que teve menos
contato com as línguas de outras nações, como a europeia e a malaia, mantendo-
se, desse modo, segundo o descritor da língua, “castiço”, não “deturpado”.
Já o tétum-belo era a língua dos Belos, primeiro grupo com o qual os
primeiros missionários que vieram até a ilha tiveram contato, com falantes na porção
do Timor Indonésio e o mais antigo entre os tétuns. E o tétum-praça, falado em Díli,
desde a transferência da administração portuguesa de Lifau para Díli, em 1769, era
a língua da capital do país, espaço urbano da ilha. Foi o tétum que manteve intenso
contato com a língua portuguesa de Portugal e das colônias e com o malaio, sendo,
imaginariamente, portanto, naquela época, apontada como língua “deturpada” e
“corrompida”.
Durante o intensivo processo de gramatização das línguas do Timor
Português, as Missões foram nomeadas Missão Central do Sul ou Contra-Costa148.

147
Cf. Padre Sebastião Maria Aparício da Silva, S. J. – Timor. Memórias do P. Silva, M.S., p. IV da 1ª.
ed. e p. 6 da 2ª. edição. Apud Domingues, Pe. Ernesto. Línguas de Timor (nótulas bibliográficas).
Portugal em África. 2ª. série, ano IV, Maio-Junho, Lisboa, 1947, p. 142-151.
148
A missão compreendia as regiões de Bobonaro, Suro, Manufahi, Ermera, Alas, Dotic, Barique,
143

Para as cristandades, onde não se falava o tétum, ou era empregado o tétum de Díli,
foram elaborados, pelo Pe. Manuel Patrício Mendes, o Catecismo ho Oração Ruma
(Catecismo com algumas Orações), com duas edições. A primeira em 1929 e a
segunda em 1952, e o Sarâni sira nia súrat (Livro dos Cristãos), escrito em tétum de
Díli e tétum-Soibada, e que contou com duas edições, uma datada de 1929 e a outra
de 1936, respectivamente, e que a Doutrina Badac (Doutrina Resumida), em tétum
de Díli e tétum-Soibada, também da autoria do mesmo padre, impressa em 1930 e
1936, resume com fidelidade.
Já a Cartilha-Tetun (1ª. e 2ª. partes) do Padre Manuel Mendes Laranjeira,
elaborada para o ensino nas escolas, foi o primeiro material do gênero a ser
publicado, em 1916, sob a autorização do governador português Filomeno da
Câmara. Composta de duas partes, a primeira tinha como propósito pôr a criança a
ler primeiro em tétum-praça para que a partir da segunda parte, através de
exercícios de versão de tétum para o português, o aluno pudesse ser capaz de
traduzir palavras e frases do tétum para o português. Recebeu diversas publicações,
sendo três edições para a primeira parte, 1916, e os anos de 1925 e 1932
reservados para os da segunda e terceira edições, respectivamente; já a segunda
parte constou da primeira edição, sem data, e a segunda de 1932. Padre Manuel
Mendes Laranjeira também publicou o Catecismo Tétum, litografado, mas que não
chegou até os nossos dias. Fora publicado o Método Prático para aprender o tétum,
em 1937, da autoria do Padre Abílio José Fernandes, Vigário Geral e Superior das
Missões de Timor. Na época, foi confeccionado na língua tétum de Díli e com o
propósito de auxiliar os missionários e os funcionários da administração portuguesa
que precisavam aprender o tétum da capital de Timor.
Em 1945, após o fim do controle japonês sob Timor, o exército
português149 desembarcou em Díli com material intitulado Vocabulário português-
tétum, sem autoria e data de publicação, elaborado a partir do método do Pe. Abílio
José Fernandes. Já Regras elementares de Tetum. Ano lectivo de 1974-1975.

Luca, Viqueque, Laclubar, Bibiçucu, Turiscain, Mahubo, Atabae, Cotubaba, Balibó, Batugadé,
Raimean, Camanasa, Suai, Marobo, Atsabe, Leimean e Cailaco. Limites da Missão da Contra-Costa
de Timor. Cf. Teixeira, Manuel. Macau e a Sua Diocese. Vol. X - As Missões de Timor. Macau,
Tipografia da Missão do Padroado, 1974, p. 127.
149
Esperança, João Paulo T. Estudos de Linguística Timorense. Aveiro: Sul-Associação de
Cooperação para o Desenvolvimento, 2001, p. 158.
144

Lahane, Externato de São José em Bispo Medeiros, são publicadas em 1975, ano
da tomada de Timor-Leste pelos indonésios150. São editados, em 1961, em tétum-
los, com a tradução para o português, os primeiros textos da literatura oral e antiga
timorense, sob o título de Textos em Teto da Literatura Oral Timorense, da autoria
do Pe. Artur Basílio de Sá.
A língua tétum falada em diferentes espaços timorenses também circulou
em versões manuscritas151 escritas por missionários; porém, as mesmas são dadas
como desaparecidas, não sendo possível precisar as datas de elaboração das
mesmas. Estão entre elas: Tradução e Explicação do Catecismo de Dianda, em
Tétum de Díli, do Pe. Manuel Mendes Laranjeira; O Mês do Sagrado Coração de
Jesus, do Pe. Vanutelli, e traduzida para o tétum-Soibada pelo Pe. Manuel
Fernandes Ferreira; Homilias dos domingos e festas do ano, O Mês de Maria em
Tétum e Várias Vidas de Santos, todas traduzidas para o tétum-Soibada pelo
também Manuel Fernandes Ferreira; Evangelho yha domingo (Evangelho ao
domingo), escrito em tétum de Díli, pelos Padres Alberto Gonçalves e Porfírio
Campos e revisado pelo timorense Tomás dos Reis Amaral; Jesus fútar fúan nia
fúlan (Mês do Sagrado Coração de Jesus) e Mês de Maria, ambas do Pe.
Gonçalves, traduzidas para o tétum-Soibada.
O processo de gramatização iniciado pelos missionários instrumentalizou
o Galóli, língua da catequese em Manatuto e em territórios vizinhos, como Baucau,
reinos de Vemase e Venilale, e Viqueque, reino de Lacluta. A língua galóli, depois do
tétum, foi a que recebeu maior atenção por parte dos missionários no tocante à
produção de dispositivos linguísticos diversos.
Padre Manuel Maria Alves da Silva, nos seus 23 anos de trabalho
missionário em Timor, dedicou-se, exclusivamente, à produção de materiais em
galóli e teve a impressão, em Macau, dos seguintes trabalhos: Método para Assistir
à Missa em Galóli, de 1888; Noções de gramática galóli, com edição em 1900;
Compêndio (em Galóli) de Orações Cotidianas, de 1902; Catecismo da Doutrina
Christã em portuguez e galóli, de 1903; Evangelhos das Domingas e Outras Festas

150
A relação dos principais instrumentos linguísticos publicados durante a época da resistência
timorense encontra-se no Anexo 3 da tese, p. 220.
151
Domingues, Pe. Ernesto. Cf. Línguas de Timor (nótulas bibliográficas). Portugal em África. 2ª.
série, ano IV, Maio - Junho, Lisboa, 1947, p. 142-151.
145

do Ano em Portuguez e Galoli, de 1904; Diccionario portuguez-galoli, de 1905;


Método para assistir à missa em Galóli e Homilías dos Domingos em Galóli, estes
dois sem data definida. Ele também aprendeu o tétum falado em Soibada, o
macassae e o midíc, línguas faladas nos territórios vizinhos a Manatuto, no caso,
Soibada, Baucau e Viqueque.
Entre outras línguas do Timor Português que passaram pelo processo de
gramatização estão o Baiqueno, também conhecido como Vaiqueno, biqueno ou
naleco, língua do Oé-Cússi. Padre Manuel Calisto Duarte Neto foi quem elaborou um
Dicionário da Língua Uaima’a, o Dicionário da língua d’Ocussi e um Catecismo
nessa língua. O dicionário da língua d’Ocussi foi atualizado pela professora
timorense D. Natália Maria da Conceição, por volta de 1946-1947. Em baiqueno
foram publicados, também, vários textos litúrgicos como o Mês do Sagrado Coração
de Jesus, o Mês de Nossa Senhora, Via-Sacra, Novenas e versos religiosos. Em
1956, o Pe. Norberto Augusto Parada, durante dezoito anos responsável pela Missão
de Oé-Cússi, teve publicado o seu Lasi Sarani (Ainda não Batizado/Gentio), o
correspondente ao catecismo da doutrina cristã, escrito em língua baiqueno, e
elaborou o Vocabulário Uaiqueno-Português que não chegou a ser editado.
A língua Mambai, da região de Ainaro, recebeu catecismo redigido pelo
Pe. Manuel Patrício Mendes, mas esse não chegou a ser publicado. Já para o
Macassai, falado em Baucau, Pe. Manuel Calisto Duarte Neto, que esteve em Timor
entre 1896 a 1902, escreveu Homilías em Macassai e elaborou o Dicionário da
língua Macassai, que também não foram impressos. Houve a publicação da
Pequena Gramática Macassai, sob a responsabilidade do Centro Juvenil Salesiano
de Baucau, em 1973.
A língua Uaima’a, falada em Ataúro, foi instrumentalizada pelo Pe. Manuel
Calisto Duarte Neto no Dicionário da língua Uaima’a. O Tokodede, por volta de 1903,
recebeu o Vocabulário Tokodede-Português, “Vocabulário em Tokodede”, pelo Pe.
Manuel Martins Pereira, contudo o mesmo permaneceu sem publicação.
Com a dominação japonesa de Timor152 pelos japoneses, entre 1942 a
1945, ocorreu o desaparecimento de dois trabalhos importantes: o Vocabulário

152
Domingues, Pe. Ernesto. Línguas de Timor (nótulas bibliográficas). Portugal em África. 2ª. série,
ano IV, Maio-Junho, Lisboa, 1947, p.149.
146

português-tétum-búnac-quémac que o Padre António Grebaldo da Conceição


Fernandes organizava para a conversão das “100.000 almas difíceis das regiões
fronteiriças” e o Dicionário ideológico universal das línguas de Timor, da autoria do
Padre Porfírio Campos.
A partir das condições de produção envolvendo as diferentes línguas do
país, assistimos à descrição das mesmas em instrumentos linguísticos diversos.
Conforme o processo sócio-histórico envolvendo as línguas e o processo
de gramatização massivo das línguas em Timor, a língua tétum foi a única língua
timorense autorizada pelo governo português a ocupar o estatuto de língua, lado a
lado com a língua do colonizador, para o ensino de conhecimentos linguísticos,
matemáticos e científicos nas escolas do país. Posição que não foi conferida a
nenhuma outra língua de Timor. Algumas acabaram sendo descritas e
instrumentalizadas pelos missionários com a finalidade de serem usadas na
catequese para a inculcação de valores e princípios do catolicismo.
Ou seja, na história que marcou a relação entre as línguas e os falantes,
divisões sempre existiram e a gramatização para a escola e para a catequese no
país ampliou o número de línguas descritas e instrumentalizadas no território.
Contudo, a gramatização para o ensino garantiu ao tétum o lugar da única língua
timorense autorizada na escola oficial de Timor, além de dispor de dois artefatos
linguísticos oficialmente reconhecidos pelo governo português, uma cartilha e um
dicionário escolar, ambos sistematizados pelos missionários católicos. Já na
gramatização para a catequese, geralmente, as línguas faladas nos reinos de maior
aderência ao catolicismo eram descritas e recebiam, em grande parte, recursos da
Igreja para serem publicadas.

4.2 As condições de produção na gramatização das línguas para a


catequese e para o ensino oficial em Timor-Leste

O processo de gramatização em Timor-Leste significou instrumentar uma


língua (Auroux, 1992), ou seja, elaborar instrumentos linguísticos – gramáticas,
dicionários, cartilhas, catecismos, missários, livros de cânticos – para que a mesma
147

pudesse atender aos interesses políticos153 e práticos154 da política de língua


portuguesa para o Timor Oriental.
No processo em jogo, de acordo com Nunes (2008), uma unidade para a
língua sempre é produzida. Porém, segundo o autor (idem, p.120), a construção
dessa unidade não é nunca neutra, já que a mesma se encontra “condicionada pelo
funcionamento da representação linguística, que é também uma representação
política”. A partir do que propõe Nunes (ibidem), podemos afirmar que tanto o
dicionário quanto a gramática representam “imaginariamente a língua para os
falantes”.
Desse modo, produz-se a língua imaginária dos dicionários e das
gramáticas que é produto da gramatização e provoca a divisão entre os falantes e as
línguas de um país.
Para o autor (idem), os instrumentos linguísticos são construídos a partir
de exemplos de funcionamento de língua que são verdadeiras representações de
certos tipos de falantes, excluindo outros. Geralmente, imagens de autoridades
literárias e políticas, de determinados falares cotidianos seletos, da cientificidade, do
jornalismo ou da história, e que se aproximam do modelo de língua “bem descrita”,
“perfeita”, que, na projeção do gramático caberia à língua latina e/ou ao português
europeu. Tais exemplos de línguas “ideais” cerceiam o funcionamento fluido da
língua e apagam o real histórico da língua.
Sobre estes aspectos, Orlandi (1988) analisa a relação entre o imaginário
e o real na língua e, desse modo, define e estabelece a oposição entre língua
imaginária e língua fluida.
De acordo com a analista de discurso (idem, p. 27), na descrição de uma
língua, “objeto e método se configuram mutuamente e a tal ponto que não

153
No caso em questão, o fato de aprender a língua portuguesa faria com que o timorense se
sentisse como integrante do movimento de pertencimento do modo de ser e de ter português,
inclusive, ocupando uma posição diferente do timorense que não sabia o português, ou seja, aquele
seria parte do grupo de poder. Porém, muitas vezes, a posição de integrante era apenas imaginária,
pois, o timorense falante da língua portuguesa não tinha os mesmos direitos que gozava o
colonizador europeu e a sua língua, geralmente, era silenciada.
154
Conforme define Auroux (1992), estes são aspectos propulsores para a gramatização de uma
língua estrangeira. Segundo o autor (idem, p. 47), possibilita o “acesso a uma língua de
administração, acesso a um corpus de textos sagrados, acesso a uma língua de cultura, relações
comerciais e políticas, viagens (expedições militares, explorações), implantação/exportação de uma
doutrina religiosa e colonização”.
148

distinguimos mais entre o instrumento e o objeto de observação. Um reflete o outro”.


Neste processo, artefatos linguísticos, “simulacros”, segundo Orlandi (ibidem), são
produzidos. Ela argumenta que são estes artefatos, verdadeiros “objetos-ficção”,
mas que não “por isso têm menos existência que o real”, que são as “línguas-
imaginárias”. Estas são construídas como se fossem sistemas organizados a partir
de normas coercitivas e representantes legítimas do que seriam “as línguas-
instituição” e “a-históricas” (idem, p. 28).
Segundo a pesquisadora, é exatamente pela sistematização entre as
línguas que essas perdem o movimento, enrijecem-se e se tornam línguas-
imaginárias (ibidem).
Além disso, Orlandi (idem, p. 30) propõe que a língua imaginária não é
ingênua, pois, ela exerce seus efeitos sobre o real e, segundo a analista de discurso,
em dois caminhos. São eles: “para a história da língua”, pois a língua imaginária
reprime, determina paradigmas e domina o emprego e a estrutura real da língua, e
no trabalho de quem a descreve, uma vez que a língua imaginária não deixa apontar
“qualquer fato da língua, de qualquer maneira, em qualquer perspectiva”.
No tocante à língua fluida, conforme o direcionamento teórico de Orlandi
(2008, p. 34), essa não é ajustável a nenhum “arcabouço de sistema e fórmulas”. O
seu funcionamento é feito no convívio de “processos muito diferentes” e cuja história
acontece repleta de abundância e dinamismo.
Nessa relação entre língua imaginária e língua fluida, há de lembrar-se de
que a língua imaginária e seus falantes foram afetados por uma divisão
institucionalizada que é representativa do funcionamento e do modelo de língua do
grupo de poder. A língua da unidade em um país, ou seja, a língua do Estado, a
língua homogênea, em detrimento da língua fluida, das outras divisões possíveis,
ou, até mesmo, de outras línguas.
Para a construção desse modelo de língua, a produção de instrumentos
linguísticos foi imprescindível, uma vez que são dispositivos empregados nas
instituições oficiais, na escola, principalmente, na garantia da manutenção da
regularidade e da hegemonia de uma língua. Tais dispositivos ajustam e controlam a
língua por meio de normas e medidas coercitivas e projetam a unidade, o que
parece ser o mesmo para todos, que, na verdade, é aparente, ficcional, imaginário,
149

constituindo uma língua fabricada para compor uma Nação. Essa mesma língua é a
de um grupo, geralmente, aquele com mais prestígio e poder e, nessa relação
conflituosa entre línguas e falantes diferentes, a maioria é obrigada a aprender a
língua da minoria, que é a Língua do Estado.
Nesse jogo de relações diversas, a gramatização da língua de um país
significa o rompimento com a diversidade entre as línguas e entre os seus falantes,
encontrando-se os mesmos divididos, em nome de uma única língua e de uma
unidade aparente que controla ou silencia a língua fluida, aquilo que é heterogêneo
e múltiplo.
No caso de Timor-Leste, o processo de gramatização realizado pelos
missionários católicos teve basicamente dois propósitos: a instrumentalização de
línguas (imaginárias) para a catequese e para o ensino. Sob tais condições, os
instrumentos linguísticos no Timor Oriental institucionalizaram hierarquicamente,
atendendo ao projeto colonial português, algumas poucas línguas
instrumentalizadas e silenciaram a grande maioria que não integrou o movimento de
gramatização das línguas do país.
O material de análise, além das sequências discursivas produzidas pelos
viajantes, pelos missionários, pelos governadores portugueses etc. consistiu em
textos de abertura, mais especificamente os prólogos155, dos instrumentos
linguísticos da autoria dos padres católicos para as línguas do Timor Português.
Com o processo de gramatização liderado pelos missionários, diferentes
línguas foram contempladas, mas a heterogeneidade entre as mesmas era sempre
apagada em nome da suposta unidade que não era neutra e a produção de divisões
de todas as ordens sobre as línguas, em seus diversos usos e entre os que as
usavam, foi produzida.
Tais divisões refletiam as condições de produção sob as quais as línguas
estavam submetidas ao longo das relações de séculos entre diferentes línguas e os
seus sujeitos, estando entre eles colonizados e colonizadores, na eterna luta entre
explorados e exploradores, entre os que “não tinham” língua e entre os que “tinham”,

155
Para a pesquisa de doutorado em questão, não analisaremos os prólogos na íntegra, mas sim
partes que apontam para a relação das línguas e dos falantes em Timor-Leste. Por outro lado, em
nossos anexos, apresentamos, de modo reduzido, o “corpo” da língua que integra os diferentes
instrumentos linguísticos de algumas línguas de Timor-Leste, conforme Anexo 4, p. 232.
150

entre os que eram “bárbaros” e entre os que eram apontados como “civilizados” etc.
Antes de darmos continuidade às condições de produção e às análises
envolvidas na gramatização das línguas de Timor-Leste, apresentamos abaixo os
quadros sinópticos com as principais línguas do Timor Português que receberam
instrumentos linguísticos no fim do século XIX até 1975 pelos missionários católicos
e a relação dos dispositivos linguísticos que, de algum modo, apontaram para a
relação entre as línguas e os falantes e que, sendo assim, tiveram seus prólogos
analisados.
151

Quadros sinópticos das línguas de Timor-Leste e seus respectivos


instrumentos linguísticos
(Final do século XIX até 1975)

Quadro 1
LínguaInstrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos
1. Catecismo da Doutrina Christã em Tétum (1885).
2. Gramática da língua tétum (1889).
3. Diccionario de Portuguez-Tétum (1889).
4. Catecismo Badac nò oração ba Loro-Lóron (Pequeno Catecismo para a
oração diária) (1907).
5. Resumo da Historia Sagrada em Português e em Tétum para uso das
crianças de Timor (1908).
6. História da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo (1908).
7. Compendio de Civilidade (1908).
8. Evangelhos dos domingos e festas principaes, com sua explicação
(1908).
9. Devocionario do Christão de Timor (1908).
10. Pequeno Guia de Conversação (1908).
11. Cartilha-Tetun (1ª. e 2ª. partes) (1916) e (1932), respectivamente.
12. Catecismo ho Oração Ruma (Catecismo com algumas Orações)
(1929).
TÉTUM 13. Sarâni sira nia súrat (Livro dos Cristãos) (1929).
14. Doutrina Badac (Doutrina Resumida) (1930).
15. Dicionário Tetum-Português (1935).
16. Método Prático para aprender o tétum (1937).
17. Textos em Teto da Literatura Oral Timorense (1961).
18. Regras elementares de Tetum (1975).
19. Catecismo Tétum (s/d).
20. Tradução e Explicação do Catecismo de Dianda (s/d).
21. O Mês do Sagrado Coração de Jesus (s/d).
22. Homilias dos domingos e festas do ano (s/d).
23. O Mês de Maria em Tétum (s/d).
24. Várias Vidas de Santos (s/d).
25. Evangelho yha domingo (Evangelho ao domingo) (s/d).
26. Jesus fútar fúan nia fúlan (Mês do Sagrado Coração de Jesus) (s/d).
27. Mês de Maria (s/d).
152

Quadro 2
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos

1. Método para Assistir à Missa em Galóli (1888).


2. Noções de gramática galóli (1900).
3. Compêndio (em Galóli) de Orações Cotidianas (1902).
4. Catecismo da Doutrina Christã em portuguez e galóli (1903).
GALÓLI 5. Evangelhos das Domingas e Outras Festas do Ano em Portuguez
e Galoli (1904).
6. Diccionario portuguez-galoli (1905).
7. Método para assistir à missa em Galóli (s/d).
8. Homilías dos Domingos em Galóli (s/d).

Quadro 3
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos

1. Dicionário da língua d’Ocussi (s/d).


2. Catecismo da língua d’Ocussi (s/d).
BAIQUENO 3. Mês do Sagrado Coração de Jesus (s/d).
4. Mês de Nossa Senhora (s/d).
5. Lasi Sarani Lasi Sarani (Ainda não Batizado/Gentio) (s/d).
6. Vocabulário Uaiqueno-Português (s/d).

Quadro 4
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos

MAMBAI 1. Catecismo da língua Mambai (s/d).

Quadro 5
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos

1. Homilías em Macassai (s/d).


MACASSAI 2. Dicionário da língua Macassai (s/d).
3. Pequena Gramática Macassai (1973).
153

Quadro 6
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos

1. Dicionário da língua Uaima’a (s/d).


UAIMA´A

Quadro 7
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários
católicos

TOKODEDE 1. Vocabulário Tokodede-Português (1903).

Quadro 8
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos

BÚNAC 1. Vocabulário português-tétum-búnac-quémac (s/d).

e 2. Dicionário ideológico universal das línguas de Timor (s/d).


QUÉMAC
154

Relação dos Instrumentos Linguísticos com Prólogos analisados

Quadro 1

1.1)Pe. Sebastião 1.1) 1885 – Catecismo da Doutrina Christã


Maria Apparicio da em Tétum e 1889 – Diccionario de
1.Tétum Silva; Portuguez-Tétum;
1.2) Pe. Manuel 1.2) 1908 – Resumo da Historia Sagrada
Fernandes Ferreira; em Português e em Tétum para uso das
1.3) Pe. Manuel crianças de Timor;
Mendes Laranjeira; 1.3) Cartilha Tetun (1ª. parte: três edições,
1.4) Pe. Manuel 1916 para a 1ª. edição; 1925 para a 2ª.
Patrício Mendes; edição e 1932 para a 3ª. edição; 2ª. parte:
1.5) Padres Manuel duas edições, 1ª. edição sem data e 1932
Mendes Laranjeira e para a 2ª. edição);
Manuel Patrício 1.4) 1929 – Catecismo Ho Oração Ruma;
Mendes; 1.5) 1935 – Dicionário Tetum-Português;
1.6) Pe. Abílio José 1.6) 1937 – Método prático para aprender o
Fernandes; e tétum; e
1.7) Pe. Artur Basílio 1.7) 1961 – Textos em Teto da Literatura
de Sá. Oral Timorense.

Pe. Manuel Maria 1900 – Noções da Gramática Galóli.


Alves da Silva; Dialecto de Timor; 1903 – Catecismo da
2. Galóli Doutrina Christã em Portuguez e Galoli; e
1905 – Dicionário Portuguez e Galoli.

3.Baiqueno Pe. Norberto 1956 – Lasi Sarani


Augusto Parada

4.Macassae Pe. Bruno Pistocchi e 1973 – Pequena Gramática Macassae


jovens timorenses
155

4.2.1. Na gramatização para a catequese: a produção de


instrumentos linguísticos nas diferentes línguas de Timor-Leste

Os primeiros movimentos de gramatização das línguas de Timor para a


catequese pelos missionários vieram marcados pela relação de status e hierarquia
entre as línguas, no caso, com a indicação de duas línguas (o tétum e o baiqueno)
faladas nos dois principais reinos do território, o dos belos e o dos baiquenos, reinos
convertidos ao catolicismo e onde os primeiros governadores portugueses
estabeleceram relações de poder com os chefes locais:

[...] é urgentemente necessário: 1.°, verter em a língua teten (a universal


de Timor) e em vaiquino (a peculiar de Sorobiam) o nosso Cathecismo
da doutrina christã [...]. Uma Commissão composta de dois indivíduos
grammaticos, com mais dois indígenas dos mais versados n'estas línguas,
e eu, servindo um dos dois primeiros de Secretario, seria bastante para a
versão tão necessária. Serviço, na verdade, que deixará na eterna benção a
156
memoria do Governo que o emprehender; [...] [grifos nossos].

Na sequência discursiva em questão, divisões entre as línguas de Timor


foram produzidas, uma vez que, meio à diversidade de línguas presente nesse
espaço, apenas às línguas faladas nos dois principais territórios onde os
missionários católicos fizeram as primeiras conversões e os chefes locais
estabeleceram relações de poder com o colonizador, aquelas línguas receberam
estatutos específicos.
No caso em questão, pretendia-se a língua tétum na posição de
“universal” (a que predominaria sobre todas as outras em todo o Timor) e o baiqueno
na situação de língua “peculiar”, muito particular de Oé-cússi, falada apenas nessa
região que, embora se encontrasse geograficamente localizada no Timor Ocidental,
mantinha relações de poder com Portugal. Já as posições conferidas
imaginariamente a essas duas línguas ganhariam legitimidade na divisão entre os

156
Pedido de atenção do Reverendo goês Gregorio Maria Barreto às autoridades portuguesas no
tocante aos investimentos financeiros para a produção do primeiro catecismo da doutrina cristã nas
línguas de dois reinos católicos na ilha, datado de 1856. Cf. Annaes do Conselho Ultramarino. Parte
Não Official, série I (1854-1858), 1867, p. 479/447. Disponível em:
<https://play.google.com/books/reader?id=XFYMAQAAMAAJ&printsec=frontcover&output=reader&hl=
pt_BR&pg=GBS.PA477>. Acesso em: 15 jan. 2015.
156

falantes e na relação desses com essas duas línguas, a partir dos usos de
instrumentos linguísticos para a catequese.
Para a descrição e a instrumentalização de duas línguas timorenses que
marcariam a divisão entre as línguas no país, estariam os missionários “gramáticos-
lexicógrafos” europeus com conhecimentos no funcionamento da língua europeia e
algum tipo de saber para a preparação de instrumentos linguísticos, como
dicionários, gramáticas e cartilhas, que estariam estruturados a partir da tradição
gramatical e lexicográfica do colonizador.
Desse modo, o tétum e o baiqueno contariam com provável modelo de
gramatização europeia que funcionaria de acordo com uma comissão de gramáticos
e lexicógrafos missionários que descreveriam a língua do outro tomados pelo
funcionamento - partes do discurso e categorias gramaticais - da própria língua
portuguesa e com o auxílio de nativos falantes da língua a ser descrita, os
intérpretes. Inclusive sendo necessário que esses conhecessem a língua do
colonizador e o missionário seria o responsável por regular e intermediar a relação
entre línguas e falantes tão diferentes, seja porque conhecia uma ou as duas línguas
de Timor e/ou pela relação de proximidade que estabelecera com os timorenses.
Nesse caso, o tétum e o baiqueno eram postos em situação de disputa pelo poder
com relação às outras línguas de Timor-Leste. Tudo isso intermediado pelo
colonizador.
Já em momento posterior que marcaria, de maneira institucionalizada, os
primórdios do processo de gramatização para a catequese, as relações de
hierarquia entre as línguas timorenses viriam marcadas pela instrumentalização em
massa do Tétum e do Galóli. Porém, como se tratava da gramatização para a
conversão de um número cada vez mais significativo de reinos, com falantes de
diferentes línguas, foi sugerido157 que a produção de instrumentos linguísticos para a
catequese não deveria se concentrar apenas no tétum e no galóli e que ao
missionário católico fossem oferecidas as melhores condições para o estudo e para
a produção linguística das línguas de Timor-Leste:

157
Relatório enviado ao Bispo de Macau em 1911, pelo Pe. José da Costa Nunes. Cf. Teixeira,
Manuel. Macau e a Sua Diocese - Vol. X. As Missões de Timor. Macau, Tipografia da Missão do
Padroado, 1974, p. 180.
157

[…]. Por ultimo desejo ainda chamar a attenção de V. Ex.cia Rev.ma para o
seguinte ponto: As línguas faladas em Timor são 19. Os missionários
luctam com enormes difficuldades na aprendisagem de uma língua
regional, pela razão de não haver cousa alguma escripta, que os oriente, a
não ser em Tetum e Galloli. Como ha-de ele ensinar catecismo a um
indigena, se não houver uma versao propria? Não seria, por ventura, uma
medida de vasto alcance impôr a um missionario, que revele habilidade e
conheça bem a lingua de uma região, a obrigação de traduzir o
catecismo e alguns hinos de piedade e fazer um pequeno vocabulario
ou um mettodo de ensino? Não seria isto auxiliar grandemente a obra dos
missionários futuros? Creio que sim. Ainda mesmo que esse missionario
tivesse de ser dispensado do exercicio do seu ministerio para somente se
ocupar em trabalhos d’este genero, a missão lucraria muito com tal medida
[grifos nossos].

Inicialmente, a descrição e a instrumentalização das línguas da ilha pelos


missionários contemplariam a diversidade linguística, que, até então, de acordo com
a gramatização promovida, encontrava-se restrita apenas ao tétum e ao galóli.
Contudo, segundo a instrumentalização realizada pelos padres, não era para o
timorense aprender a sua língua, o que significaria lê-la, escrevê-la e se apropriar da
mesma para a produção de conhecimentos e na divulgação da língua e da cultura
timorenses, mas para o missionário converter ao catolicismo a maior quantidade de
timorenses que conseguisse. Desse modo, as línguas dos diferentes reinos de Timor
– “línguas regionais” – precisavam ser descritas e contariam com instrumentos
linguísticos diversos. Para isso, era sugerido que o missionário pudesse se dedicar
apenas ao trabalho de gramatização do maior número possível de línguas.
A partir dessas duas situações, a gramatização para a catequese
produziu de maneira não neutra lugares de divisão e de poder entre as línguas
destinadas à conversão, no caso, o tétum, o galóli, o baiqueno, o macassae, o o
midíc, o uaimá, o mambae etc., e dividiu os seus falantes, uma vez que ao
missionário caberia descrever e empregá-las na catequização dos timorenses e a
esses apenas compreender e seguir os ensinamentos do catolicismo pregados no
que se pretendia como a sua língua.

4.2.2 Na gramatização para o ensino oficial: o tétum e a língua


portuguesa
158

Diferentemente do que ocorreu com a instrumentalização de línguas


diversas para a catequese, o processo de gramatização para o ensino oficial, antes
mesmo de iniciado pelos missionários católicos, já apontava para a descrição de
uma única língua de Timor, no caso o tétum.
De acordo com a política de língua das autoridades portuguesas, o
processo de ensino e aprendizagem do português deveria se desenvolver a partir da
elaboração de instrumento linguístico - dicionário em tétum - e da presença de uma
instituição (escola) que levassem em conta o ensino dessas duas línguas. Conforme
o que foi dito pelo governador português Affonso de Castro, de 1859 a 1863, em
relatório oficial158, datado de 1863:

Se nós tivessemos tido o bom juizo de fazer um diccionario da lingua


teto, e obrigassemos os empregados que vem para Timor a aprender
aquella lingua, e se creassemos algumas escolas n’esta ilha, onde se
ensinasse o teto, o que não obstava a que se ensinasse o portuguez, a
lingua teto havia de ir aperfeiçoando-se, e se generalisaria; [...] [grifos
nossos].

Uma vez que para o desenvolvimento do programa de catequese


praticado pelas missões católicas, o domínio das diferentes línguas de Timor pelo
missionário era uma questão imprescindível, no contexto do ensino, articulado pela
administração portuguesa aos timorenses, pretendia-se que a diversidade de línguas
fosse anulada em nome de uma única língua timorense. Dessa forma, uma unidade
linguística imaginária seria construída amparada na “parceria” entre a língua de
Timor e a do colonizador. Para isso, instrumentos linguísticos, como dicionários,
gramáticas, cartilhas, manuais para a educação formal do timorense seriam
imprescindíveis na configuração de um espaço que se encontrasse atravessado por
uma única língua falada em todo o país, lado a lado com a língua do colonizador,
dividindo, desse modo, os falantes de outras línguas nas suas relações com o tétum.
As primeiras iniciativas que acompanharam o processo de gramatização
das línguas de Timor para a catequese pelos padres católicos vieram marcadas não
158
Timor. Notícia dos usos e costumes dos povos de Timor, extrahida do relatório do sr. Affonso de
Castro, Governador d’aquella possessão portugueza. Seção Idioma. Cf. Annaes do Conselho
Ultramarino. Parte Não Official, série IV (1963), p. 37.
159

apenas pela descrição de diferentes línguas do país, mas também pelo uso prático,
sem restrição, das mesmas como línguas de instrução nas escolas das missões
católicas.
Todavia, com a aprovação da Portaria nº. 92159, em 1902, na
administração do governador português José Celestino da Silva (1894 a 1908), ficou
determinado que, nos institutos de educação e nas escolas do sexo feminino e
masculino, o português, segundo da Silva (idem, p. 221), seria a única língua de
instrução autorizada para o ensino formal, proibindo totalmente o uso de qualquer
outra língua de Timor, “tanto no ensino como nas relações dos dirigentes e
professores com os alumnos e nas d’estes uns com os outros”.
Desse modo, o movimento que teve vida efêmera e que poderíamos
nomear como “gramatização para o ensino das línguas de Timor”, nas escolas das
missões, foi interditado pelo governador português em favor do ensino e do
desenvolvimento único da língua do colonizador. A gramatização massiva das
línguas do país para catequese foi autorizada. Todavia, tudo o que envolvesse
aspectos ligados à administração portuguesa e aos saberes necessários para o
ensino oficial da língua portuguesa em Timor todo o controle seria imprescindível,
especialmente em se tratando de línguas faladas entre os de Timor e ininteligíveis
aos ouvidos do colonizador.
Por quase três décadas, após o início da descrição das línguas de Timor-
Leste pelos missionários, a instrumentalização das mesmas esteve, exclusivamente,
ligada à conversão.
No segundo mandato do governador português Filomeno da Câmara
(1910-1912 e 1914-1918), no ano de 1916, a gramatização de uma única língua
timorense foi autorizada e esta ocuparia o estatuto oficial de língua para o ensino
reconhecido pela metrópole portuguesa160:

Portaria nº. 121


Estando concluida a impressão da 1ª. parte da Cartilha Tetun de que é
autor o Rev.mo missonário Manuel Mendes Larangeira;

159
Pela Portaria Distrital nº. 92, de 03 de Setembro de 1902. Cf. Boletim Official do Districto
Autonomo de Timor, nº. 36, 06 de Setembro de 1902, p. 221-222.
160
Portaria nº. 121 (Adoção obrigatória nas escolas oficiais da Cartilha Tétum-Português). Cf. Boletim
Oficial do Governo da Província de Timor, nº. 29, XVII Ano, 22 de Julho de 1916, p. 199 e 200.
160

Hei por conveniente, determinar a sua adopção nas escolas oficiais


como metodo obrigatório ... do ensino da leitura e escrita da lingua
portuguesa.
As autoridades, e mais pessoas a quem o conhecimento e execução desta
competir, assim o tenham entendido o cumpram.
Palácio do Gôverno em Díli, 19 de Julho de 1916.
O Governador.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
[grifos nossos].

Portanto, com a gramatização para o ensino oficial, a primeira cartilha


escolar escrita em uma única língua timorense, no caso o tétum, língua que deveria
ser aprendida161 pelo timorense para apoiar na aprendizagem do português europeu,
mantendo-se as duas lado a lado162 (línguas “parceiras”) fora preparada por um
missionário católico e reconhecida por um representante da administração
portuguesa no país:

Portaria nº. 120


Estando concluida a Cartilha para o ensino da Leitura e escrita da
lingua tetun elaborada pelo Rev.mo missionário Manuel Mendes
Larangeira, encargo de que se desempenhou com muita dedicação e
competência;
Hei por conveniente, louvar o referido missionário Manuel Mendes
Larangeira pelo relevante serviço prestado á instrução do povo
timorense com a Cartilha Tetun de que é autor.
As autoridades, e mais pessoas a quem o conhecimento o e execução
desta competir, assim o tenham entendido e cumpram.
Palacio do Govêrno em Dili, 19 de Julho de 1916.
O Governador.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
[grifos nossos].

Portaria nº. 452


Sendo portanto mais racional, alêm de outras vantagens, que as crianças
aprendam primeiro a conhecer o que é ler e escrever a sua língua (...)
como é o tetum e para que aprendam o português e a sua escrita e
leitura em cartilhas e exercícios apropriados em que as duas linguas
apareçam combinadas lado a lado;
Palacio do Govêrno em Díli, 15 de Novembro de 1915.
O Governador.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
[grifos nossos].

161
Portaria nº. 120 (Louva o missionário, Pe. Manuel Mendes Laranjeira). Cf. Boletim Oficial do
Governo da Província de Timor, nº. 29, XVII Ano, 22 de Julho de 1916, p. 199.
162
Portaria nº. 452 (Encarrega, o missionário padre Manuel Mendes de Laranjeira, de organisar
cartilhas, e exercícios de leitura das línguas tetum e português). Cf. Boletim Oficial do Governo da
Província de Timor, nº. 47, XVI Ano, 20 de Novembro de 1915, p. 436.
161

Chamou-nos a atenção que no processo de gramatização para o ensino,


o tétum era a língua de passagem na alfabetização da língua do colonizador entre
os timorenses. A língua tétum dividiu espaço de saberes com a língua portuguesa,
todavia, as práticas de oralidade, de leitura e de escrita na escola eram todas
desenvolvidas com a finalidade de promover a língua do colonizador e não uma
dentre as muitas línguas do país, conforme analisaremos em outro momento.
Em um espaço marcado pelas divisões entre línguas e falantes tão
diversos, alguns anos mais a frente, a Cartilha-Tétun, enquanto único instrumento do
ensino oficial português em Timor, era re-editada como dispositivo estratégico na
alfabetização das crianças timorenses que deveriam aprender a ler e a escrever em
tétum para que a aquisição do português ocorresse; todavia, apontando que o tétum
deixaria de ser ensinado à medida que o português fosse aprendido pelo aluno.
Em diferentes momentos, o tétum de Timor ocuparia posição secundária,
de língua provisória, naquilo que marcaria a sua relação com a língua portuguesa. O
estatuto de língua de Estado era conferido pelas autoridades portuguesas
unicamente ao português.
Ou seja, por aquilo que marcaria a relação entre as línguas e os falantes,
o tétum ocuparia a posição de língua provisória, aquela que seria descartada e
esquecida, naquilo que compreendia a sua formalização gramatical e linguística, à
medida que o português padrão era aprendido pelo timorense.
No Prólogo163 da Cartilha-Tétun, o lugar do tétum como língua de
passagem na aprendizagem do português pelo timorense é apontado:

É de esperar além disso que o estudo dêstes exercícios facilite muito a


aprendizagem do português aos alunos [...].
Além do inconveniente que resulta de serem êstes exercícios um
aglomerado de frases sôltas, desligadas no sentido na sua maior parte, [...].
Não vejo porem, meio de evitar êstes inconvenientes, se quisermos utilizar
o tetun apenas como elemento para introduzir os alunos no estudo do
português [grifos nossos].

Em outra situação, com a aprovação do Diploma Legislativo nº. 154 -

163
Cf. Laranjeira, Manuel Mendes. Cartilha Tetun. 2ª. parte. Exercícios de Versão de Tétun em
Português. (Mandada adoptar nas escolas oficiais de Timor por P.P. nº. 121, de 19-07-1916 e P.P. nº.
61, de 07-04-1917). 2ª. Edição. Macau, Tipografia Mercantil, 1932, p. II- III.
162

Ensino aos Indígenas e Ensino da Instrução Primária em Timor - em 19 de


Novembro de 1938, o governador de Timor, Álvaro Eugénio Neves da Fontoura
(1937-1939), na alínea 5, do Relatório Preambular, reconhecia e oficializava a
transitoriedade que a língua tétum ocuparia em relação ao ensino e a aprendizagem
do português, língua que seria desenvolvida e promovida com a adoção da cartilha
no ensino primário da colônia portuguesa:

[...]. [...], pelo referido diploma legislativo, no item ‘Do Ensino em Geral’, é
disposto no seu Art. 10º. que: Em todas as escolas indígenas, o ensino
da leitura e da escrita deverá fazer-se, de início, com o auxílio da
cartilha de Tétum da autoria do Rev. Padre Laranjeira, a qual se irá
dispensando à medida que o progresso dos alunos no conhecimento
da língua portuguesa o aconselhe [grifos nossos].

Nas diversas tomadas de posição que apagavam o tétum, a língua


portuguesa assumiria o estatuto de língua do Estado português em Timor. Se antes
da instrumentalização de uma única língua timorense para o ensino, as línguas
faladas no país eram empregadas livremente nas escolas das missões, embora o
tétum tenha sido indicado como língua de transição no ensino do português, a partir
das condições de produção favoráveis ao tétum, que o colocavam em “parceria” com
o português, aquele não era promovido, cabendo-lhe o estatuto de língua de
passagem, ou seja, o de língua intermediária, com estatuto provisório, e que nunca
ocuparia a posição de língua principal. Tal posição conferida ao tétum pelo processo
de gramatização seria mantida até o ano de 1975.
Apenas com a formação dos primeiros partidos políticos timorenses que
pretendiam a independência de Timor-Leste de Portugal, em 1975, foi que a questão
do tétum como língua de Timor a ser ensinada na escola, e não o português, passou
a ser debatida, conforme analisaremos em outro momento do trabalho.
Em 1935, alguns anos antes da re-edição da Cartilha do Pe. Laranjeira,
com a expansão do apoio no desenvolvimento do ensino na ilha, sob a
administração do governador Raul Manso Preto Mendes Cruz (1934-1936), foi
impresso outro instrumento linguístico dedicado ao ensino nas escolas do país, no
caso o Dicionário Tétum-Português. Embora não tenhamos encontrado
documentação que comprovasse se o mesmo fora oficialmente aprovado pelas
163

autoridades portuguesas e eclesiásticas para o uso nas escolas de Timor, a adoção


de um dicionário dessa natureza pelas instituições escolares em Timor sinalizava
que o ensino da língua portuguesa era o objetivo principal desse instrumento,
cabendo novamente ao tétum a posição de língua de apoio, assim como foi para o
funcionamento da cartilha.
A partir da sequência discursiva das primeiras páginas do prólogo do
dicionário em questão, sabemos que o mesmo foi organizado com o objetivo de ser
empregado nas escolas oficiais onde a língua de instrução era o português, pois,
segundo Laranjeira e Mendes (1935, p. II), “Êste dicionário destina-se sobretudo às
escolas de Timor, onde o ensino é ministrado em português”, o que lhe punha
alinhado com a política de língua do Estado Português para o território timorense.

4.2.3 Em se tratando de análise .... a gramatização produzindo


divisões entre as línguas e os sujeitos na ilha de Timor-Leste

Para o trabalho de análise, selecionamos sequências discursivas que são


parte integrante dos prólogos de diferentes instrumentos linguísticos para as línguas
de Timor. Estes foram elaborados em condições de produção diversas por
missionários católicos que assumiram a posição de “lexicógrafo e/ou gramático”, no
fim do século XIX e por todo o século XX, em diferentes pontos da ilha.
Conforme já apontado, divisões entre as línguas do território sempre
existiram, porém, nos interessou, para nossa pesquisa, analisar nas sequências
discursivas dos diferentes instrumentos linguísticos do processo de gramatização,
quais foram as (re)divisões entre as línguas, compreender os efeitos ideológicos de
tais (re)divisões sobre as mesmas e os sujeitos e os estatutos atribuídos aos
mesmos.

1. A divisão entre as línguas em Timor-Leste

Conforme já apontado (Orlandi, 2009 e Mariani, 2007), ainda que os


sujeitos não tenham o domínio total sobre o que dizem, possam ou não
164

reproduzirem o que pode e deve ser dito em uma determinada produção do


discurso, segundo Mariani (2007), há sempre a possibilidade de diferentes sentidos
serem produzidos, promovendo ou não rupturas, a permissão para que sentidos
migrem de uma significação para outra, ou, até mesmo, reatualizem sentidos
aparentemente cristalizados no espaço do que foi dito sobre as línguas.
Vimos que no espaço de enunciação de Timor-Leste que antecedeu o
processo de gramatização, a relação entre as línguas aconteceu de modo que o
português ocuparia nas capitais do país, Lifau e Díli, por séculos e séculos, o
estatuto de língua de comércio, da liturgia e da administração colonial. Para o tétum,
falado pela elite detentora do poder político e militar, convertida ao catolicismo e
subordinada aos portugueses, caberia o lugar da língua timorense que as
autoridades pretendiam compreendida em todo o território do Timor Português.
Já quanto às línguas faladas em diferentes reinos, pouco nos foi dito a
respeito de cada uma delas, o que, de certo modo, significou o apagamento
institucional de cada uma e o silenciamento da diversidade linguística entre as
línguas e os falantes da ilha. Desse modo, produziu-se uma unidade imaginária de
língua para todo o Timor-Leste, construída pela administração portuguesa e pelos
missionários católicos e, conforme veremos, em outro momento, mantida, em certa
medida, por uma elite timorense ligada ao colonialismo português.
O processo de gramatização envolvendo a descrição e a
instrumentalização das línguas de Timor-Leste, inicialmente relacionado com a
catequese, promovido no fim do século XIX, e depois associado ao ensino, na
primeira metade do século XX, modificou as relações entre os sujeitos e as línguas
de modo que (re)divisões entre as mesmas foram significadas, distribuindo posições
diferentes às mesmas.
Na relação entre as línguas e os sujeitos, movimentada pela
gramatização, foram produzidas divisões que mantiveram o português como língua
do comércio e do poder administrativo europeu na ilha e o tétum como língua da
catequese, junto de outras línguas de Timor. Porém, com a gramatização, o tétum foi
a única língua timorense promovida para ocupar a posição de língua do ensino na
aprendizagem da língua do colonizador nas escolas oficiais em funcionamento no
período.
165

O português e o tétum, conforme já apontado, silenciaram, no processo


de gramatização linguística, o galóli, o baiqueno, o macassae, o midic, línguas que
receberam instrumentos linguísticos, porém, apenas para o propósito de
catequização. Não ocuparam os lugares que foram conferidos ao tétum e ao
português, no que se refere ao estatuto de língua em um país, e não foram
promovidas a fazerem parte do rol de línguas indicadas para os saberes científicos e
escolares.
A partir de sequências discursivas destacadas dos prólogos de diferentes
instrumentos linguísticos, vejamos de que modo tais divisões entre as línguas se
configuraram frente às designações conferidas ao tétum e às línguas de Timor e
quais foram as determinações associadas aos mesmos, o que acabou conferindo
estatutos diversos a elas.
No primeiro instrumento linguístico – Catecismo em Tétum – que marcou o
início do processo de gramatização em Timor-Leste (1885), elaborado pelo
missionário católico, a língua portuguesa manteria o seu estatuto de língua da
liturgia e dividiria espaço com o tétum como a língua do colonizador que deveria ser
aprendida pelo timorense:

I. Vão no fim do catecismo dois cânticos em portuguez, porque em muitas


partes de Timor ainda os cantam assim mesmo os timores, ensinados
pelos religiosos, primeiros missionários que por felicidade tiveram os seus
antepassados (Catecismo da Doutrina Christã em Tétum – 1885 – pelo
missionário Pe. Sebastião Maria Apparicio da Silva, p. XII) [grifos nossos].

O Português ocupa, na situação para a catequese, o estatuto de língua da


liturgia, da conversão e dos cânticos da igreja católica para todo o Timor-Leste. O
mesmo deveria ser memorizado pelos timorenses na época dos primeiros
missionários na ilha e, até o início do século XX, era a única língua europeia, em
todo o Timor, que circularia em “parceria” com o Tétum através do instrumento
linguístico elaborado pelos missionários católicos. Como os cânticos não tinham sido
traduzidos para o tétum, a língua portuguesa continuou através da música na
tradição católica cantada nos diferentes reinos de Timor.
No primeiro dicionário português-tétum (1889) de que se tem notícia,
166

elaborado pelo mesmo missionário do já referido catecismo, a língua portuguesa


mantém-se na posição da língua da administração colonial a ser aprendida pela elite
timorense, falante de tétum e convertida ao catolicismo. O português europeu
dividiria espaço com a língua tétum de Timor, língua a ser aprendida pelos padres
missionários:

I.I Não sabendo eu lingua alguma de Timor, ... , nas circumstancias em


que me via, tive de valer-me de todos os timorenses com quem convivi
como meus mestres. [...]. Os que, ... , mais me auxiliaram, foram: Em
Lacluta, [...]; em Barique, [...] e D.Thomaz da Costa Hornay, Principal de
Barique, ... pelas explicações que me deram, principalmente o ultimo – meu
discipulo em portuguez e mestre em tétum (Dicionário de Portuguez-
Tétum – 1889 – pelo missionário Pe. Sebastião Maria Apparicio da Silva, p.
II) [grifos nossos].

Na sequência discursiva, o missionário assume a posição de aprendiz do


tétum falado pela elite de Timor, no caso autoridades locais no país. Para aquela
situação, o tétum ocupava a posição de língua da missão evangelizadora em Timor-
Leste e deveria ser descrito pelo missionário. A língua portuguesa era a língua do
colonizador e o missionário fazia uso da mesma para aprender o tétum empregado
para a conversão do timorense. Nessa relação entre línguas e sujeitos, enquanto o
padre católico aprendia o tétum da elite local, o chefe timorense aprendia o
português europeu. Esse deveria ser aprendido pelas autoridades locais convertidas
e aliadas à administração central portuguesa.
Nos primeiros momentos da gramatização, as divisões entre as línguas
não aconteceram apenas entre o tétum e o português europeu, que, de certo modo,
passaram a ocupar diferentes lugares de poder em Timor-Leste, mas também entre
o tétum e as demais línguas do país. Contudo, estas se relacionariam de forma que
a distribuição entre elas fosse bastante desigual.
Desde o primeiro catecismo (1885) elaborado em uma língua do país, no
caso, o tétum, esse mesmo foi nomeado como língua, diferentemente do que se
passava com as línguas timorenses designadas, geralmente, como dialectos.
Analisemos esse funcionamento nas sequências discursivas que
compõem os instrumentos linguísticos produzidos em diferentes condições de
produção:
167

II. ... por nada haver escripto em qualquer dos muitos dialectos que
n´aquella ilha ha, ... , que me podesse servir de guia para aprender bem a
lingua em que escrevi este catecismo ... (Catecismo da Doutrina Christã
em Tétum – 1885 – pelo missionário Pe. Sebastião Maria Apparicio da Silva,
p. III-IV) [grifos nossos].

Na relação entre as línguas, o Tétum foi nomeado como língua e


enquanto ocupante dessa posição ficou determinado que contaria com escrita e
diferentes instrumentos linguísticos o que o diferenciaria dos “muitos dialectos”, que,
segundo o missionário europeu, nem língua eram, pois, não contavam com escrita e
se encontravam dispersos pelo território. No funcionamento promovido pela
gramatização, o tétum seria significado como a “língua das mudanças”.

II.I ... para a civilisação dos povos malasios da nossa colonia de Timor,
sabendo por experiencia, ... recebem mais ideias d´uma pratica em
lingua do paiz, ... (Idem, p. VII) [grifos nossos].

Desse modo, sob a perspectiva do colonizador, o tétum nomeado como


língua, diferenciava-se das demais línguas timorenses e recebeu a determinação de
“lingua do paiz”. Através de tal determinação, ficou apagado que o tétum era língua
de uma localidade específica (assim como se passava com os “dialectos”) e lhe foi
atribuída a posição de língua de todo o Timor Português.
De acordo com o discurso produzido, pretendia-se o tétum como a língua
falada no país inteiro e ele seria empregado para civilizar, a partir de princípios
baseados na fé católica, todos os timorenses. Porém, esse lugar atribuído ao tétum
seria aparente, uma vez que o mesmo não era falado em muitos espaços da ilha.
Em outro momento, na sequência discursiva produzida pelo missionário
envolvido no processo de gramatização, o tétum descrito no instrumento linguístico
para a catequese era uma língua com estrutura de funcionamento regulada através
de regras que o tornavam compreensível.
Desse modo

III. Para ler e entender bem o tétum d’este opúsculo, e depressa


comprehender a estructura da lingua, .... . [...] ... reproduzimos aqui ...
168

as seguintes regras para ler o tétum (Resumo da Historia Sagrada em


Português e em Tétum para uso das crianças de Timor – 1908 –, pelo
missionário Pe. Manuel Fernandes Ferreira, p.3) [grifos nossos].

Ou seja, o tétum que ocupava o lugar de língua contava com regras que
definiam o seu funcionamento, e tais aspectos, segundo o missionário, permitiam
com que o tétum fosse lido e compreendido por todos.
Contudo, o tétum de Timor-Leste, língua fluida (Orlandi, 2005),
encontrava-se em movimento, língua marcada pelos diferentes sujeitos e pelas
divisões entre os mesmos, e, de acordo com o discurso do missionário em questão,
deveria sofrer ajustes e uniformizações:

IV. ... o tétun o que dia a dia se vai tornando conhecido em toda a parte.
[...].
[...]. No estado actual da língua tétun é impossível usar de frases
comuns a todos os lugares. Quando, pois, aparecer um modo de dizer
que em determinado lugar seria diverso, tenham os Rev. Missionários a
generosidade de optar sempre pelo que vem no catecismo (Catecismo
Ho Oração Ruma – 1929 –, pelo missionário Pe. Manuel Patrício Mendes, p.
III e p. V) [Grifos nossos].

À proporção que os instrumentos linguísticos em tétum eram publicados,


a essa mesma língua era conferido o lugar de língua de todo o Timor. Entretanto, as
divisões no tétum falado entre uma região e outra não tinham como ser apagadas,
mas aquelas poderiam ser controladas pela escrita, essa regulada por convenções
gramaticais e ortográficas. E os missionários que evangelizavam em diferentes
regiões onde o tétum era falado seriam os responsáveis pela execução do projeto
homogeneizante. Pelo processo de gramatização, pretendia-se para o tétum falado
em todo o território que apenas uma única variedade dessa língua fosse oficializada.
Para isso, o uso do instrumento linguístico seria imprescindível.
Na gramatização para o ensino oficial, conforme já dito, iniciado no
governo de Filomeno da Câmara, a divisão entre “dialectos” e “língua” foi feita de
modo a determinar que era na língua do país que o ensino em todo o território
deveria começar, sendo mencionado que:

V. [...], é necessário iniciar o método de ensino escolhendo entre os


169

dialectos de Timor aquele que melhor se recomenda para tal fim;


Considerando que a língua tetum por ser a mais geralmente conhecida
está naturalmente indicada;
Considerando que daí resultará também uma completa generalização de
um dos dialectos timorenses, o que será de indiscutível vantagem sob
mais de um ponto de vista (Portaria nº. 452 – Govêrno da Província –,
pelo governador Filomeno da Câmara Melo Cabral, s.p, 1915. Cf. Cartilha-
Tétun (Exercícios de Versão de Tétun em Português), da autoria do Pe.
Manuel Mendes Laranjeira. 2ª. parte, 1932, s.p.) [grifos nossos].

Com o processo de gramatização para o ensino oficial, o tétum recebeu o


estatuto de língua de apoio no ensino do português para todo o Timor-Leste.
Na sequência discursiva em questão, o tétum foi designado como língua,
entre os dialetos do país, e, desse modo, do lugar de língua que ele ocupou, foi
determinado como o mais conhecido, o único que da posição de língua, entre os
dialetos da ilha, pelo processo de gramatização para o ensino, generalizar-se-ia.
De acordo com a posição ocupada pelo administrador português, a
“indiscutível vantagem sob mais de um ponto de vista”, estaria, inicialmente,
relacionada ao projeto de política de língua que apontava para o desenvolvimento da
língua portuguesa em Timor-Leste por meio de uma língua timorense, no caso, o
tétum. Esta seria, pouco a pouco, desprezada e não receberia praticamente nenhum
apoio do colonizador para o desenvolvimento de sua escrita padronizada, para a
elaboração de documentos oficiais numa língua de Timor e para a aprendizagem do
tétum escrito pelo timorense. Portanto, futuramente, conforme analisaremos, haverá
a tentativa de promoção da unidade na língua através do tétum e do português, as
duas únicas línguas de Estado frente às inúmeras línguas faladas no país, porém
línguas parceiras, em situação de desigualdade, uma vez que não havia qualquer
interesse do colonizador pelo desenvolvimento do tétum.
Em outra condição de produção, quando a designação língua apareceu
determinada pelo espaço geográfico definido que se referiria ao que era falado em
diferentes localidades da ilha, o que excluiria o tétum, a nomeação “língua” foi
determinada de modo diferente. Ou seja:

VI. [...]. As autoridades administrativas, sem um elementar conhecimento da


língua da sua região, hão-de forçosamente cometer um sem número de
erros nos vários litígios que diàriamente têm de resolver .... [...].
..., se as autoridades puderem directamente comunicar as suas idéias na
170

língua local (Método prático para aprender o tétum – 1937 –, da autoria do


Pe. Abílio José Fernandes, p. 3-4) [grifos nossos].

A essa altura, outras línguas de Timor-Leste já tinham sido descritas e


recebido instrumentos linguísticos. Desse modo, aqui a divisão se dá entre o tétum e
as línguas de outros espaços da ilha, essas marcadas pela determinação do espaço
geográfico mais restrito, no caso, “da sua região” e “local”, o que já não acontecia
com o tétum, geralmente, determinado em um espaço mais amplo, quer como
“língua do país” e/ou “língua da colônia de Timor” etc. Era o tétum que continuaria
ocupando o lugar de língua de comunicação entre praticamente todas as
autoridades timorenses, falantes com prestígio político e social em diferentes partes
do país. Por isso, em VI.I, afirmou-se que ... o tétum é hoje compreendido por
todos ou por quási todos os chefes da Colónia (Método prático para aprender o
tétum –1937 –, da autoria do Pe. Abílio José Fernandes, p. 4) [grifo nosso].
À exceção do Tétum, com relação às línguas faladas em Timor-Leste e
que passaram pelo processo de gramatização, as nomeações divergiram entre
“dialecto”, “linguagem”, “idioma”, e quando a designação língua era empregada entre
as mesmas, encontrava-se sempre determinada pelo espaço geográfico onde
aquelas eram faladas. Analisemos os casos dos quais dispomos:

VII. ... no dialecto galoli, - um dos mais fallados pelos indígenas de


Timor, ... [...].; Até ao presente nada havia escripto sobre este dialecto,
nem europeu algum o fallava á minha chegada a Timor em 1877. [...].; [...].
No estado quasi primitivo d’aquelles povos, sem caracteres nem signal
algum de linguagem escripta, imagina-se facilmente o estado rudimentar
da sua linguagem falada e a difficuldade de se lhe dar ou descobrir regras
porque se exprimem ... (Noções da Grammatica Galoli. Dialecto de Timor –
1900 –, pelo missionário Pe. Manuel Maria Alves da Silva, s.p.) [grifos
nossos].

Nessa sequência, o Galóli não foi nomeado como língua, mas “dialecto” e
“linguagem”. Do lugar de dialecto que ocupa, ele é determinado como um dos mais
falados pelos indígenas de Timor, que não eram os chefes timorenses, falantes de
tétum e não eram representantes do poder central, localizado na capital do país, Díli.
Embora o galóli contasse com número expressivo de falantes era uma língua com
falantes sem poder político junto da administração central.
171

O galóli encontrava-se, até então, desprovido de qualquer instrumento


linguístico que descrevesse e conferisse estatuto de poder e de circulação e nenhum
estrangeiro, nenhum representante da administração portuguesa, no caso, os
primeiros padres que estiveram no espaço do galóli, havia-no aprendido até a
chegada do missionário em questão.
Já do lugar da linguagem, o galóli foi determinado como ágrafo e, na
sequência discursiva, encontrava-se em estado primitivo e de selvageria, pois, para
o galóli “faltavam sons e sobravam ruídos”:

No estado quasi primitivo d’aquelles povos, sem caracteres nem signal


algum de linguagem escripta, imagina-se facilmente o estado rudimentar
da sua linguagem falada e a difficuldade de se lhe dar ou descobrir
regras porque se exprimem, o que só pode obter a longa practica com
estes insulares e a constante e vigilante observação da sua maneira de se
expressarem (Noções Geraes da Grammatica Galoli – dialecto de Timor –
Preliminar. Cf. Noções da Grammatica Galoli. Dialecto de Timor – 1900 –,
pelo missionário Pe. Manuel Maria Alves da Silva, s.p.) [grifos nossos].

Não lhe foi conferido o estatuto de língua, diferentemente do que se


passava com o tétum:

VIII. [...]. ... galóli, dialecto mais usado e commum das christandades do
nordeste de Timor, que constituem a parte da Malasia mais obediente e
fiel á corôa portuguesa. [...]. (Dicionário Portuguez e Galoli – 1905 –, pelo
Pe. Manuel Maria Alves da Silva, s.p.) [grifos nossos].

O galóli recebeu a designação de “dialecto” e não foi nomeado como


língua, foi determinado o espaço geográfico em que o mesmo era falado e ocupava
o lugar da catequese entre os falantes das missões católicas, não em todo o Timor,
mas na porção nordeste da ilha, convertida ao catolicismo e ligada às autoridades
coloniais portuguesas.
Para a situação do baiqueno, língua falada em Lifau, região de Oé-cússi,
antiga sede da administração central do governo português na ilha até 1769, a
sequência discursiva aponta:

IX. O baikenu ou bikenu ... é o único idioma corrente na zona de Oe-


172

Kusi..., estendendo-se, depois, a uma grande área do território


timorense indonésico, ...
[...].
Vai para mais de quatrocentos anos que o Evangelho foi anunciado
nesta zona, e só agora aparece o primeiro catecismo composto na
língua local. [...] (Lasi Sarani – 1956 –, pelo Pe. Norberto Augusto Parada,
p. XXIII) [grifos nossos].

Na sequência discursiva em questão, diferentemente do que ficou


marcado para o galóli, o baiqueno não foi nomeado como “dialecto”, mas como
“idioma” e “língua local”, ou seja, falado em um determinado espaço de Timor
Português, no caso, Oé-Cússi, este localizado no espaço do Timor Indonésio. O
baiqueno foi significado como falado apenas naquele espaço do Timor e passou a
ocupar o lugar da língua da liturgia na igreja católica daquela localidade.

X. A região da Língua Macassae abrange muita parte do Conselho de


Baucau (Postos de Laga, Quelicai, Baguia, Venilale) e parte do Conselho
de Viqueque (Postos de Ossú, Uatu Larí) (Pequena Gramática Macassae –
1973 –, experiência dum grupo de jovens timorenses, do Centro Juvenil
Salesiano de Baucau, em 1973, sob a supervisão do Pe. Bruno Pistocchi, p.
3) [grifos nossos].

Já na sequência acima, o Macassae foi nomeado como língua, porém,


determinado pela expressão de uma dada região, ou seja, era língua de um espaço
restrito que abrangia os concelhos de Baucau e de Viqueque. Verificamos que não
foi o mesmo que se determinou para o tétum, língua de todo o Timor, e não de uma
única localidade, uma região específica.

2. Sob a norma de correção gramatical, a divisão na língua tétum

A partir das sequências discursivas dos prólogos dos primeiros


instrumentos linguísticos produzidos para a língua tétum, uma norma de correção
para a mesma foi defendida pela posição-sujeito164 (missionário) lexicógrafo. Este,

164
No quadro teórico proposto por Pêcheux (1969), a noção posição-sujeito é chamada para formular
o conceito de formação discursiva, uma vez que ambos estão extremamente imbricados para a
produção do sentido. Ou seja, é por meio da relação do sujeito com o que pode e deve ser dito, a
formação discursiva, que se chega ao funcionamento do sujeito do discurso. De acordo com Pêcheux
(1988, p.163), apud Indursky (2007, p. 79), “a interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se
173

no caso, estabeleceu um ajuste, uma correção para o tétum, encontrando-se a


língua tétum, a primeira língua de Timor a ser descrita, assegurada pelas regras de
funcionamento gramatical:

I. ... ter formulado as phrases e exemplos em tétum segundo a


construcção de Dilli, devendo ser segundo a do interior por ser a mais
correcta. ... não ter notado nos diversos synonymos as terras onde se
fallam, o que dará logar a alguem poder taxar de tétum mau ou errado
(Recortes do Dicionário de Portuguez-Tétum – 1889 – p. III-IV) [grifos
nossos]

Da posição-sujeito lexicógrafo foi defendida uma norma de correção para


o tétum, sendo que o tétum falado no interior do país ficou determinado como o mais
correto em oposição ao tétum falado na cidade, capital do país, Díli.
Conforme a posição assumida, as diferenças entre os falares do interior e
os da cidade não são descritos como particularidades específicas do funcionamento
de cada variedade e, desse modo, pela norma de correção gramatical, os falares de
Díli são predicados como casos de “mau” uso, de uso “errado” e “incorreto” da
língua.
Já sob o efeito da norma de correção, atribuída pela posição-sujeito
(missionário) gramático, foi determinado que era nos reinos do interior onde se
falava melhor o tétum, a partir do funcionamento de uma conjugação verbal, o que,
de certo modo, marcava a forte influência do aspecto gramatical na definição da
correção no tétum de Timor. Aquela característica gramatical não era realizada nos
falares da capital do país, Díli, onde os modos de estruturação do tétum eram outros
e não foram validados pela norma de correção defendida pelo missionário gramático:

I.I Nos reinos do interior, onde se falla melhor, de reino para reino ha
alguma differença, apezar de não ser tão grande como a que se nota entre
o de Dilli e o do interior da ilha, sendo o modo de construir outro,
principalmente quanto a uma espécie de conjugação de verbos, que só
no interior ha ... (Recorte do Dicionário de Portuguez-Tétum – 1889 – p. IV)
[grifos nossos].

efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na qual ele é
constituído como sujeito)”. Sendo que tal identificação dá-se pelo viés do que Pêcheux (idem, p.167)
denomina de forma-sujeito.
174

A posição-sujeito (missionário) lexicógrafo reconhece que para a


legitimidade da língua de um povo, o dicionário precisa de uma gramática capaz de
regular o funcionamento da língua. A todo o momento, os lexicógrafos, de um modo
ou de outro, apontavam para a imprescindibilidade de uma norma de correção para
o tétum que seria garantida pela gramática:

I.II De pouco serviria um diccionario, se não houvesse regra alguma


para coordenar essas palavras, ainda que dispostas por ordem
alphabetica, a fim de se poderem formar phrases, como ha para das
lettras se formarem as sylabas e d’estas as palavras (Recorte do
Dicionário de Portuguez-Tétum – 1889 – p.1) [grifos nossos].

De acordo com a posição-sujeito (missionário) gramático foi estabelecido


que em todo o Timor-Leste um tétum que não variava seria falado no território
inteiro. Para isso, da posição do gramático, a norma de correção determinaria que
havia um tétum “mais puro”, constituído de acordo com a redução da entrada de
palavras estranhas, provavelmente, empréstimos do português do colonizador e de
outras línguas faladas na ilha. Segundo a mesma posição, o “tétum puro” era falado
nos reinos subdivididos em vários pequenos territórios, mas que mantiveram as
mesmas alianças linguísticas e culturais, em oposição à capital do país, Díli, que
receberia influências de todas as culturas e línguas faladas nos reinos vizinhos e em
outros países, como Goa, Macau, Moçambique e Timor Ocidental.
Desse modo, conforme a posição assumida, a unidade e a
homogeneidade, tanto no funcionamento do tétum quanto nos espaços onde o
mesmo era falado, contribuiriam, segundo a norma de correção, para a unificação e
a regularidade na língua:

II. A fim de ir unificando o tétum (que tanto diverge de reino para reino!)
adoptou-se aqui o que parece ser mais puro; isto é, o que tem menor
mistura de termos estranhos, e que é falado em maior numero de
reinos ... (Resumo da Historia Sagrada em Português e em Tétum para uso
das crianças de Timor – 1908 – pelo missionário Pe. Manuel Fernandes
Ferreira, p.5) [grifos nossos].

De acordo com a posição-sujeito (missionário) gramático, e sob outra


175

condição de produção, o tétum do interior, da costa sul da ilha, afastado da capital


do país, segundo a norma de correção da gramática prescritiva e tradicional,
continuaria a ser o tétum “puro”, “homogêneo”; porém, não era mais a norma de
correção que determinaria a escolha do tétum que se generalizaria em todo o Timor,
mas sim o uso cada vez mais recorrente do tétum da capital. Portanto, a norma de
correção não perdeu a sua força, mas não seria o traço que determinaria qual o
tétum falado em todo o Timor-Leste, pois, a generalização do tétum se expandiria
devido ao uso – utilitário e prático – do mesmo na cidade e não devido a um critério
de pureza e da língua símbolo da tradição. Não houve o apagamento da norma de
correção, mas o que determinou a expansão do tétum foi o uso prático do mesmo na
comunicação entre os falantes e não o grau de pureza, não a norma regulando a
língua:

III. ... o tétum ... que na costa do sul da ilha é mais puro, conservando
melhor a sua estrutura peculiar do que em Díli onde se tem deixado
influenciar mais por elementos estranhos, não é menos verdade que o tétun
de Dili é o mais simples e facilmente entendido e que, se tem
espalhado, é pelo facto de ser falado na capital. [...] (Catecismo Ho Oração
Ruma – 1929 – pelo missionário Pe. Manuel Patrício Mendes, p. III-IV)
[grifos nossos].

Na tomada de posição-sujeito, que não era mais a do gramático e/ou a do


lexicógrafo, mas a do literato, não foi necessária a invenção de uma norma de
correção para o tetun-los (direito; correto), pois, da posição-sujeito do literato, esse
já contava com a organização social garantida pela literatura oral formada a partir do
que foi determinado como “puro”, falar dito na forma erudita pelo lia-na’in, “mestre da
palavra”. O tetun-los reunia todos os elementos necessários para o funcionamento
da língua a partir de organização social intrínseca, ou seja, o tétum erudito, falado
por um grupo seleto, onde seus falantes não eram sujeitos comuns, quaisquer, mas
cultos, mestres responsáveis pelo o que era tido como clássico, o que integrava a
tradição, o sagrado, na formação da literatura oral timorense:

IV. [...]. Os textos que publicamos vão escritos em tetun-los, o teto puro,
falado ... , na sua forma erudita, por um ou outro lia-na’in, os mestres da
palavra, os clássicos da sua literatura oral (Recorte de Sá, Artur Basílio
176

de. Zona do Tétum na Ilha de Timor. Cf. Textos em Teto da Literatura Oral
Timorense. Volume 1. Lisboa, 1961, p. XXV. Publicação da Junta de
o.
Investigações do Ultramar – Centro de Estudos Políticos e Sociais, n 45)
[grifos nossos].

Da posição-sujeito do literato, buscou-se compreender a origem científica


do tetun-los que foi apontado como diferente do tétum falado em Díli e o de outras
localidades, conforme já analisado. O tetun-los foi um falar autêntico, originário não
se sabe se de alguma língua morta e formadora de inúmeros outros dialetos, ou se o
próprio foi, no passado, algum dialeto que funcionou de modo embrionário, trazido
por falantes de fora e que, segundo a posição da gramática comparativa, evoluiu
para a língua em questão. A produção de conhecimento científico para o
entendimento do tetun-los surge determinada pelo traço do evolucionismo, ou seja, a
interpretação de que uma língua atual, que sofre ao longo do tempo transformações,
poderia ser considerada melhor e/ou mais correta do que a língua do passado.
Nesse caso, sob o efeito da teoria evolucionista imaginária do colonizador europeu,
buscou-se explicar o funcionamento das línguas no território explorado:

V. [...].
Este, quer o consideremos, por hipótese, um falar autóctone, derivado não
se sabe de que língua morta e ramificada em inúmeros dialectos, quer o
consideremos, segundo a tradição indígena, uma célula dialectal
embrionária, trazida para aqueles sítios no seio de lendária família ali
aportada, não se terá expandido mais por outras razões, que não pela
agressividade das montanhas que o circundam, nem pelo furor dos caudais
que o envolvem. Não nos parece, portanto, verossímel a suspeita que
estabeleça, como balizar da sua expansão, quaisquer óbices de
natureza geográfica (Recorte de Sá, Artur Basílio de. Zona do Tétum na
Ilha de Timor. Cf. Textos em Teto da Literatura Oral Timorense. Volume 1.
Lisboa, 1961, p. XXVI. Publicação da Junta de Investigações do Ultramar –
o.
Centro de Estudos Políticos e Sociais, n 45) [grifos nossos].

Na defesa de uma norma de correção para o tétum, não era qualquer tipo
de falante que estava autorizado a participar do trabalho de descrição do tétum,
pois, na sequência discursiva abaixo:

Não sabendo eu lingua alguma de Timor, ... , nas circumstancias em que


me via, .... . [...]. Os que, ... , mais me auxiliaram, foram: Em Lacluta, o Sr.
177

D. Francisco Victorino de Carvalho, Tenente Coronel de Lacluta e Dilor;


em Barique, o Sr. D. Hypolito dos Reis Cunha Hornay, Brigadeiro-Rei
de Barique e D.Thomaz da Costa Hornay, Principal de Barique, ... pelas
explicações que me deram, principalmente o ultimo – meu discipulo em
portuguez e mestre em tétum (Dicionário de Portuguez-Tétum – 1889 – pelo
missionário Pe. jesuíta Sebastião Maria Apparicio da Silva, p. II); e
[...], ... tetun-los ... cultivado, na sua forma erudita, por um ou outro lia-
na’in, os mestres da palavra ... Sá, Artur Basílio de. Zona do Tétum na
Ilha de Timor. Cf. Textos em Teto da Literatura Oral Timorense. Volume 1.
Lisboa, 1961, p. XXV. Publicação da Junta de Investigações do Ultramar –
o.
Centro de Estudos Políticos e Sociais, n 45) [grifos nossos].

A norma de correção era afirmada sempre entre os falantes que


pertenciam ao grupo das autoridades da ilha de Timor-Leste, ou seja, à elite
convertida ao catolicismo, aprendiz da língua do colonizador e falante do tétum
considerado “erudito”. Não era qualquer tipo de falante que estaria autorizado a
ocupar o lugar de informante modelo. Esse precisava falar e conhecer o tétum que
atendesse à norma de correção na língua, deter prestígio político e social, algum tipo
de erudição entre os locais da sua região e estar de acordo com a política colonial
portuguesa.

3. A língua tétum e a sua relação com o português na gramatização


para o ensino oficial

O processo de gramatização para o ensino oficial, promovido pelos


missionários católicos no século XX, encontrava-se marcado por contradições
diversas.
Ao mesmo tempo em que os instrumentos linguísticos em diferentes
línguas de Timor-Leste eram elaborados pelos padres católicos, os governadores
portugueses legislavam para que apenas o português e o tétum fossem
instrumentalizados como línguas “parceiras”.
De acordo com a sequência discursiva produzida pelo governador
Filomeno da Câmara, em 1915, segundo a Portaria n°. 452165:

165
Portaria nº. 452 (Govêrno da Província), pelo governador Filomeno da Câmara Melo Cabral. Cf.
Boletim Oficial do Governo da Província de Timor, nº. 47, XVI Ano, 20 de Novembro de 1915, p. 436.
178

Hei por conveniente, dada a especial competência e conhecimentos da


língua Tetum que possue o P. Manuel Mendes Laranjeira, encarregá-lo
de organisar as cartilhas e exercícios de leitura das línguas Tetum –
Português a-fim de serem impressos na Imprensa Nacional e adoptados
oficialmente em todas as escolas [...]. [grifos nossos].

No processo de gramatização para o ensino, caberia ao tétum a posição


de língua de apoio para a aprendizagem do português europeu pelo timorense.
Contudo, conforme será possível depreender, tal parceria era apenas imaginária,
uma vez que a hierarquia entre as línguas resistia. Nessa relação marcada pela
parceria sempre muito desigual, o português precisava ser aprendido pelo timorense
que contava com o apoio da língua tétum.
Conforme a sequência discursiva produzida pelo missionário Pe.
Laranjeira, autor da mencionada cartilha, em 1917, no Prólogo166 do instrumento
linguístico em questão:

[...] o estudo dêstes exercícios aos alunos e que êstes [...] fiquem depois
dêle, não digo aptos a falar o português correcta e
desembaraçadamente, o que só poderá conseguir-se com bastante tempo
e muita prática, mas ao menos com os princípios ou bases suficientes
para poderem aperfeiçoar-se, continuando a estudar.
[...] utilizar o tetun apenas como elemento para introduzir os alunos no
estudo do português [...] [grifos nossos].

É nos apontado que a mencionada “parceria” entre o tétum e o português


era apenas aparente e o que prevaleceria na educação oficial seria o apagamento e
a interdição do ensino contínuo e gradual do tétum. Prevaleceria o trabalho para o
desenvolvimento da língua portuguesa, cabendo, até mesmo, ao nativo “aperfeiçoar-
se”, ainda que sozinho, no estudo da língua do europeu.
Desse modo, institucionalizada pelo processo de gramatização para o
ensino a parceria desigual entre a língua tétum e o português, a relação entre essas
duas línguas seria marcada pelas divisões.
Sob tais condições, o tétum era uma língua desconhecida do europeu e o
processo de gramatização sistematizou-o de modo a institucionalizá-lo na condição

166
Cf. Laranjeira, Manuel Mendes. Cartilha Tetun. 2ª. parte. Exercícios de Versão de Tétun em
Português. (Mandada adoptar nas escolas oficiais de Timor por P.P. nº. 121, de 19-07-1916 e P.P. nº.
61, de 07-04-1917). 2ª. Edição. Macau, Tipografia Mercantil, 1932, p. II-III.
179

de língua, contando com escrita, porém, sem a definição de uma convenção


ortográfica167, e com a descrição do seu funcionamento, de acordo com os padrões
gramaticais da língua portuguesa.
Conforme a sequência discursiva presente no Prólogo da Cartilha - Tetun
- 1ª. Parte, do Pe. Laranjeira, p. IV:

Não tenho a pretensão de vir, com tão humilde trabalho, resolver as


dificuldades do ensino em Timor, a indivíduos cuja língua nos é
conhecida ainda apenas pela rama; desejo apenas concorrer para esse
fim com os poucos conhecimentos de que disponho [...] [grifos nossos].

Um dos traços que nos chamou a atenção foi o fato do tétum, quando
comparado com a língua portuguesa, ocupar a posição de língua deficitária e
incompleta no que se refere à capacidade de expressão de ideias e de pensamentos
presentes no funcionamento da língua do colonizador. Não apenas a língua,
segundo a posição do missionário gramático, mas os seus falantes, sujeitos
“selvagens”, falhavam e eram apontados como incapazes de aprender na língua do
colonizador.
De acordo com as sequências discursivas do Prólogo da Cartilha - Tetun -
1ª. Parte, da autoria do Pe. Laranjeira, p.II, III e VI:

[...] a dificuldade de traduzir nos dialectos indígenas muitas palavras


portuguesas e dificuldade, maior ainda, que terá o professor em fazer
entender e fixar a crianças rudes, quási selvagens às vezes, as suas
explicações, por muito claras que elas sejam, [...] os inconvenientes do
sistema de ensinar a ler por métodos numa língua que os alunos
desconhecem [grifos nossos].

Começamos a Cartilha empregando sómente palavras em tetun. [...].


[...].
No fim da primeira parte da Cartilha, vão todas as palavras do texto
com a significação respectiva em português.
[...] e passamos imediatamente ao ensino das letras do alfabeto latino
que não existem no tetun, as quais são: (g j p q v x z).
Temos, para isso, de empregar palavras da língua portuguesa, cujo
ensino começa própriamente aqui [grifos nossos].

167
A ortografia padrão do tétum foi reconhecida através do Decreto do Governo n°. 1/2004, de 14 de
Abril de 2004, no documento intitulado O Padrão Ortográfico da Língua Tétum. Disponível em:
<http://mj.gov.tl/jornal/public/docs/2002_2005/decreto_governo/1_2004.pdf>. Acesso em: 30 out.
2016.
180

Do lugar ocupado pelo missionário gramático, as línguas de Timor-Leste,


o que incluía o tétum, eram incompletas e deficitárias no sentido de não
apresentarem letras e palavras suficientes no atendimento de todas as ideias e
pensamentos em língua portuguesa. Por outro lado, sob a perspectiva do
colonizador, o português era uma língua completa, formada por letras e vocábulos
que corrigiriam as ausências e as lacunas que o tétum apresentava. Desse modo,
entre o português e o tétum, o traço da hierarquia entre os dois e o da redução
naquilo que caracterizava uma língua em relação à outra estavam postos.
Em outro momento, da posição assumida pelo missionário gramático,
assistiu-se à construção de uma uniformidade/equivalência (aparente) de sentidos
entre duas línguas completamente diferentes.
No Prólogo da Cartilha -Tetun - 1ª. Parte, da autoria do Pe. Laranjeira, p.
VI, foi mencionado que:

Ao lado de cada palavra portuguesa, encontra o aluno a sua significação em


tetun: e isto lhe fará ver um facto muito simples: que a cada palavra tetun
corresponde uma palavra portuguesa, e que as duas, embora diferentes
na forma, correspondem a uma mesma idea [grifos nossos].

Construções imaginárias produzidas pelo processo de gramatização para


o ensino oficial na ilha que não se deram conta de que nem todas as ideias, os
pensamentos e os nomes em tétum teriam as suas correspondentes em português,
ou seja, a de que a língua do colonizador não atenderia a todos os conhecimentos e
saberes em funcionamento na língua e na cultura timorenses. Esse efeito era fruto
do funcionamento da colonização linguística portuguesa que, no caso em questão,
apagou a falta de correspondência entre as duas línguas em nome da naturalização
da reciprocidade aparente, de modo a compor o projeto de valorização da língua
tétum, e apenas essa língua local, para todo o Timor-Leste, deslegitimando as
demais línguas da ilha.
De acordo com a sequência discursiva a seguir, no tocante à questão da
heterogeneidade do tétum que funcionava marcado pelas divisões na língua falada
em diferentes localidades da ilha, o processo de gramatização corrigiria o desvio e a
variação que “atrapalhava” o desenvolvimento da língua timorense. Já ao português
181

caberia o estatuto de língua homogênea, aquela que não variava nunca, exemplo de
língua perfeita, modelo de correção afastada de quaisquer espécies de deturpação e
incorreção.
Conforme sequência discursiva do Prólogo da Cartilha-Tetun - 1ª. Parte,
da autoria do Pe. Laranjeira, p. V:

O tetun, por ser uma língua sem escrita, transmitida só pelo ouvido e
falada por povos rudes e com poucas relações mútuas, tem muitas
variações provenientes da influência e mistura de palavras de outras
línguas [...] [grifos nossos].

A heterogeneidade presente nas palavras, na pronúncia e na acentuação


foi característica que marcou a língua “imperfeita” que era o tétum quando
comparado com o português europeu e com a qual o processo de gramatização
para o ensino necessitava extirpar, de acordo com o colonizador, corrigir tamanha
variabilidade e deformação. A língua castiça, símbolo de correção e da
homogeneidade, com tradição secular, era o português e esse deveria ser aprendido
pelos timorenses.
Na 2ª. Parte da Cartilha Tetun, p. IV, a relação entre as duas línguas foi
mencionada de modo bastante enfático e direto:

Algumas frases [...] resultaria um português que o não o seria bem, e o


nosso fim é ensinar o português tão correcto quanto possível, como êle
deve falar-se [...] [grifos nossos].

Já o tétum era uma língua ágrafa e por isso que variava muito, sendo que
tais “variações” precisavam ser controladas pela escrita. Na sequência discursiva,
era uma língua que apresentava, segundo o colonizador, estrutura bastante
“irregular” quando comparada com o português, língua “homogênea” regulada pela
escrita e modelo de organização e de correção.
De acordo com a sequência discursiva da 1ª. Parte da Cartilha - Tetun, p.
V:
182

Sem escrita, porém, que lhe permitisse tomar uma organização fixa, o
tetun ficou sujeito a inúmeras variações e irregularidades na sua
construção e na sua pronúncia [...] [grifos nossos].

O processo de gramatização garantiria a padronização e a


homogeneização do tétum. Tudo isso seria ajustado pela gramatização da língua.
Tratando-se da sequência discursiva do Prólogo do Dicionário Tétum-
Português, publicado em 1935, s.p., da autoria dos Revs. Manuel Mendes Laranjeira
e Manuel Patrício Mendes, as relações entre as línguas portuguesa e tétum
continuariam marcadas por contradições e divisões que assegurariam a “parceria”
sempre muito desigual entre as mesmas:

Em 1915, sendo eu missionário de Suro, numa das visitas do Superior, o


Rev. Pe. João Lopes, àquela missão, mostrei-lhe uns apontamentos feito
sôbre o tétum.
[...].
Acompanhava o Superior o Rev. Pe. Manuel Mendes Laranjeira, que, na
sua missão de Alas, começara também a organizar um dicionário tétum-
português, cuja necessidade todos nós, os que dirigíamos escolas em
Timor, de há muito reconhecíamos.
[...], resolvemos – o Pe. Laranjeira e eu – concluir cada um os trabalhos que
começara a revê-los depois juntos, perante uma comissão de naturais
das regiões onde o tétum se fala, fundindo-os numa obra só, que assim
ficara mais completa [...] [grifos nossos].

O propósito principal do instrumento linguístico era o ensino e a


aprendizagem da língua portuguesa nas escolas oficiais de Timor-Leste. Todas as
variações do tétum, na situação de língua provisória, seriam contempladas para que
nenhum timorense ficasse impossibilitado de aprender a língua do colonizador.
Em um espaço-tempo marcado pelo funcionamento de diversas línguas,
as diferenças entre o português e a língua tétum não deixariam de ser mencionadas,
a partir de conflitos, os mais diversos, a começar pelo modo de nomear as coisas,
explicar as ideias etc. entre uma língua e outra.
Nesse caso, a disputa entre o tétum e o português aconteceu na relação
instituída de que era na língua do colonizado que estava instalado o problema, pois,
nesta mesma língua, era impossível contemplar todas as ideias e/ou palavras da
língua do colonizador. Sendo assim, foi conferido ao tétum o estatuto de língua
vaga, lugar em que as “divagações” eram necessárias para que fosse dada conta da
183

completude (aparente) presente no português.


No mesmo Prólogo do Dicionário Tétum-Português, publicado em 1935, p.
II, da autoria dos Revs. Manuel Mendes Laranjeira e Manuel Patrício Mendes:

[...].
Ninguém se admire dos frequentes circumlóquios e significações que
parecerão à primeira vista difusas demais.
A índole do tétum é tão diferente da do português que, na maioria dos
casos, tais divagações são indispensáveis para dar uma idea do têrmo
[grifos nossos].

De acordo com a posição-sujeito dos missionários lexicógrafos, para uma


língua que passava pelo processo de gramatização recente, envolvendo questões
ligadas ao ensino, ainda em (con)formação e formulação, como era o caso do tétum,
as imperfeições, as variabilidades, os déficits e as limitações faziam parte do
funcionamento da língua tétum e de seus falantes, e não da organização no
funcionamento da língua do colonizador.
Segundo as análises realizadas, no processo de gramatização para o
ensino, à medida que o português era aprendido pelo timorense, o tétum era
abandonado o que marcava o seu lugar de língua sempre provisória. O português e
o tétum foram nomeados como línguas, mas com estatutos de poder diferentes.
Todavia, com a gramatização do tétum para o ensino e com o estatuto de
poder atribuído ao mesmo, em detrimento das demais línguas de Timor, foi possível
fazer do tétum a “língua parceira”, numa relação sempre desigual, para o
desenvolvimento da língua de Portugal no território ultramarino em questão.
184

CAPÍTULO 5
LUGARES OCUPADOS PELAS LÍNGUAS NO PERÍODO DE
CONTROLE DOS INDONÉSIOS EM TIMOR-LESTE

Embora não nos tenha sido possível encontrar propriamente os


instrumentos linguísticos produzidos pelos ocupantes indonésios e devido ao nosso
desconhecimento da língua indonésia, tivemos acesso aos trabalhos de
pesquisadores portugueses, timorenses e australianos que nos apontaram para
algumas situações envolvendo as questões das línguas e do ensino e a relação dos
sujeitos com esses dois aspectos, especificamente entre 1976 a 1999, período em
que Timor-Leste esteve sob o comando do governo indonésio.
Desse modo, como material de análise nos detivemos sobre algumas
sequências discursivas do manual político de um dos partidos que fez resistência
aos governos português e indonésio, a Frente Revolucionária de Timor-Leste
Independente (Fretilin), e correspondências pessoais de guerrilheiros timorenses no
tocante à questão das línguas em Timor-Leste no período da dominação indonésia.
Nas sequências discursivas produzidas pelos diferentes sujeitos e que
integram parte do nosso material de pesquisa, é possível analisar e compreender os
efeitos que a gramatização promovida pelo colonizador português produziu sobre as
línguas de Timor-Leste e os sentidos que se cristalizaram a respeito das mesmas.
Contextualizamos historicamente a retirada do colonizador português da
ilha e o que viria a promover o controle político, econômico e social realizado pelo
governo indonésio.

5.1 A atuação do governo indonésio em Timor-Leste

A Indonésia, assim como Timor, sempre foi constituída por povos muito
diferentes, com costumes e tradições diversas, vários cultos e mais de 250 línguas
muito diferentes, ou seja, um país onde a heterogeneidade, em diferentes aspectos,
sempre fez parte da sua formação. Porém, mesmo diante da real pluralidade
Indonésia, as suas autoridades logo trataram de anular a diversidade em nome da
185

unidade e, para isso, estabeleceram uma língua única (a bahasa indonésia), uma
autoridade governamental centralizadora e uma religião que conferiu uma direção à
vida dos indonésios, conforme os governantes pretendiam.
Tudo isso foi necessário para a construção da ideia de Nação que se
reconheceria enquanto tal a partir da coesão e da unidade linguística e cultural. Tal
unidade da Nação era imaginária e fazia parte da política dos que ocupavam o
poder. O que as autoridades indonésias almejavam realizar em Timor não era
diferente do que fizeram, em proporções ainda mais violentas, no território
Indonésio.
Em Timor-Leste, proibiram o uso e o ensino da língua portuguesa e
oficializaram a língua indonésia como língua do Estado. As línguas de Timor não
foram proibidas, contudo, também, não receberam apoio para o desenvolvimento
pleno das mesmas pelos representantes do governo indonésio, como, fora feito, por
exemplo, com o ensino do indonésio nas escolas oficiais da ilha; embora, as milícias
e os professores indonésios tratassem logo de compreender as línguas timorenses
para o controle dos habitantes do país.
Posição bem diferente da que fora ocupada pelo tétum, pois, esse, a
única língua timorense com escrita um pouco mais desenvolvida, com o passar dos
séculos entre os colonizadores europeus, foi primeiramente empregado como língua
auxiliar para a aprendizagem da língua indonésia e foi ensinado nas escolas oficiais.
Língua falada pelos muitos indonésios que se fixaram em Timor ocupou o lugar de
língua oficial da igreja católica na ilha e foi usada pela resistência timorense nas
correspondências trocadas entre os guerrilheiros e na comunicação diária com a
população.
Já a língua portuguesa, em meio à clandestinidade, foi empregada entre
os poucos guerrilheiros que sabiam o português e que sobreviveram ao massacre
promovido pelas milícias do ocupante. Além disso, era uma das línguas usadas
pelos timorenses e missionários que estiveram fora do país, seja na frente
diplomática, ou porque tiveram de fugir para países como Austrália, Portugal,
Inglaterra, Moçambique etc., no acontecimento que ficou conhecido como Diáspora
Timorense. O português em Timor-Leste também resistiu entre as famílias
timorenses que se negaram a empregar o indonésio em suas casas ou entre os
186

parentes que conheciam a língua portuguesa.


O inglês ganhou força como língua estrangeira nas escolas oficiais do
governo ocupante e na universidade, inclusive com a criação, em 1986, da
Universidade de Timor-Leste, em Díli, e que, a partir de 1992, passou a contar com o
curso superior de língua inglesa (GUNN, 1999).

5.1.1 No programa da Fretilin … reconhecer-se como timorense


falando o tétum

De acordo com Meneses (2008, p. 50), antes da Indonésia ocupar a ilha,


em 07 de dezembro de 1975, Portugal, após o 25 de abril de 1974, autorizou a
composição de partidos políticos timorenses autônomos para que os mesmos
decidissem sobre o futuro do país. Segundo Meneses (ibidem), um grupo de
militares portugueses comunicou às autoridades timorenses que o povo teria de
optar por uma das três condições determinadas: a separação total de Portugal, a
independência como Estado ainda ligado à Portugal ou a anexação à Indonésia.
Diante do quadro político de Timor-Leste, três partidos políticos se
configuraram: a FRETILIN (Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente), a
União Democrática Timorense (UDT) e a Associação Popular Democrática
Timorense (APODETI), cada um deles com programas de governo diferentes para
Timor, inclusive com relação às línguas. Afinal, as lideranças de cada partido se
perguntavam quais eram as línguas que representariam o povo de Timor na situação
de independência de Portugal.
A Fretilin se apresentava aos timorenses como um partido que defendia a
independência integral de Timor de Portugal e a alfabetização em língua tétum de
toda a população timorense das diferentes faixas etárias. A Udt preconizava a
integração de Timor-Leste em uma comunidade de língua portuguesa, ou seja, ainda
que independente, o país manteria relações com Portugal. Para isso, propunha-se a
manutenção do português em todas as disciplinas e que o ensino do português
fosse obrigatório no nível secundário, o que incluiria a formação liceal e o técnico.
Também se almejava o ensino do inglês e do francês no secundário, além de outras
línguas da região consideradas importantes diante das novas demandas colocadas
187

para Timor-Leste. Já a Apodeti pretendia a integração do Timor Oriental à República


da Indonésia e desde que esse país reconhecesse que em Timor existiam outras
línguas e se falava o português, tendo, portanto, a sua existência no território
respeitada, a língua oficial indonésia e outros aspectos poderiam ser trabalhados
junto dos timorenses pela a Indonésia.
Em janeiro de 1975, a Fretilin e a Udt coligaram-se, mas por pouco tempo,
pois, em maio, do mesmo ano, separaram-se. Em agosto de 1975, a Udt lançou um
golpe armado para se apoderar do poder e a Fretilin reagiu e assumiu, logo em
seguida, o poder na maior parte do território. Em setembro, conseguiu o controle de
todo o Timor. A partir daí, colocou em prática o seu plano de governo. Um dos
pontos principais do seu programa era a independência total de Portugal. Sendo
assim, os líderes da Fretilin executam o que estava previsto em seu projeto de
governo168:

Porque é que a FRETILIN diz “não” à federação com Portugal?


[…] a Fretilin defende o Povo de Timor-Leste e não ignora que a presença
portuguesa se destina a manter a estrutura económica colonial continuando
a proteger os interesses de uma pequena (minoria colonialista) reforçando o
seu poder económico em desfavor da grande maioria […].

Segundo Rocha169, a Indonésia não viu como uma opção tranquila a


tomada de poder pela Fretilin em Timor-Leste, uma vez que o país passaria a ser
comandado por lideranças com forte base marxista e estaria tão próximo de uma
Indonésia capitalista e organizada como Nação coesa e pacificada, apesar das suas
inúmeras diferenças, o que poderia vir a colocar em risco a estabilidade na região:

A Indonésia […], mostrou-se preocupada com a possibilidade da FRETILIN,


conotada com a FRELIMO de Moçambique e outros partidos marxistas
mundiais, se apoderar do poder em Dili, instalando em Timor um regime
marxista.

Várias perturbações aconteceram em um período breve, mas intenso, de

168
FRETILIN. FRETILIN (Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente). Manual e Programa
Políticos. s/l, 1974, p. 10-11.
169
Idem. p. 87. Apud Meneses (2008, p. 51).
188

atuação da Fretilin por todo o Timor-Leste. A mesma conseguiu com a publicação e


a divulgação do seu manual apresentar quais eram os seus propósitos e colocar em
prática alguns dos seus projetos, especialmente, o da alfabetização em tétum entre
os da população que tiveram pouco acesso à educação durante o colonialismo
português, o que, de certo modo, não deixava de apontar qual era o seu plano para
as línguas em Timor.
No projeto de governo da Fretilin, toda a população, das diferentes faixas
etárias, teria direito à educação e aprenderia a ler e a escrever.
Para aquilo que o manual propunha (1974, p. 18-19):

Porque é que a Fretilin quer que o povo esteja esclarecido e que todos
saibam ler e escrever?
Porque a libertação do Povo tem de ser completa e total. […]. O Povo tem
de estar esclarecido para decidir a sua vida. Não pode continuar ignorante
para que ninguém possa aproveitar-se dessa ignorância e explorá-la em seu
benefício. […]. Que a política não seja um tema estranho e vago só para
senhores doutores. É necessário que o Povo esteja esclarecido […]. […].
Como podemos desenvolver a nossa literatura, a nossa poesia se estas são
a expressão do Povo e o povo não sabe escrever? Quantos valores se
perdem por existir apenas uma tradição oral. Valores que passam dos pais
para filhos […]. Para construirmos um Timor verdadeiramente livre e
independente, é necessário que todos, homens, mulheres, velhos, jovens e
crianças, todos saibam ler e escrever.

A Fretilin deveria estar a serviço do povo e oferecer uma educação


libertadora. Para isso tinha de se livrar das amarras do ensino colonial e de tudo o
que estivesse relacionado à realidade do antigo colonizador (1974, p. 17):

Em que consiste um ensino a serviço do Povo de Timor-Leste?


Consiste num ensino que conduz à libertação do Povo. Um ensino que
possa levar o Povo de Timor-Leste a participar activamente no traçado da
vida da Nação ao contrário do ensino colonial: a) Desarticulado das
realidades (geografia e história de Portugal); b) Destinado a vincular o
sentimento de patriotismo para com Portugal.

No caso, ainda que para o processo inicial de mudança, a língua


oficial da Fretilin continuaria a ser a língua portuguesa, uma língua estrangeira
em Timor, que não era do conhecimento da maioria da população. Todavia
era a língua que se encontrava com escrita bem estruturada, diferente da
189

situação do tétum de então que necessitava de escrita padronizada, com


ortografia regularizada e que contasse com mais timorenses sabendo ler e
escrever na língua tétum (1974, p. 21):

Porque é que a Fretilin adopta o Português como Língua oficial?


Numa primeira fase, não poderemos adoptar oficialmente o Tétum
porque a nossa língua embora tenha continuado a ser falada pelo Povo não
evoluiu desde que fomos dominados pelo colonialismo. Desprezada e
proibida, ela não pôde acompanhar a evolução que, desde então, se
processou em todo o mundo. […]. É necessário que estudiosos façam
estudo profundo da nossa língua para que possamos vir a adoptá-la
oficialmente no futuro. […]. Por isso, adoptaremos uma língua estrangeira.
E […] escolhemos o Português por já ser falada na nossa terra [grifos
nossos].

A língua portuguesa seria empregada; contudo, as autoridades se


esforçariam para que o tétum fosse desenvolvido entre todos da população de modo
a torná-lo, futuramente, a língua oficial do país, com uma escrita e uma literatura
própria e autônoma, sem deixar de promover as línguas de Timor (1974, p. 31):

[…]. Utilização da Língua Portuguesa como Língua oficial na primeira fase.


Proteção e desenvolvimento da cultura do povo. Estudo do Tétum e outras
Línguas Locais. Desenvolvimento da literatura e arte dos diversos grupos
étnicos. Intercâmbio cultural com os povos de todo o mundo para o
enriquecimento de nossa cultura […].

Para pôr em prática as suas ideias, mesmo sem contar com o tétum com
escrita padronizada, as autoridades da Fretilin, logo que assumiram o país, deram
início a uma campanha de alfabetização de adultos ancorada em princípios
humanísticos que pretendiam, entretanto (1974, p.19):

[…], libertar o nosso povo dos 500 anos de obscurantismo. Todos os


Timores aprenderão a ler e a escrever. A todos a FRETILIN irá esclarecer
sobre os princípios que defende e estimular o espírito crítico para que todos
participem activamente do Governo da Nação constituindo assim uma
verdadeira democracia.

Para isso elaboraram um manual, com 36 páginas, escrito em tétum,


190

conhecido como Rai Timur Rai Ita Niang (Timor é o nosso país)170.
De acordo com Taylor (s/d, p. 116)171 apud Meneses (2008, p. 51-52):

O manual, Rai Timur Rai Ita Niang, focava palavras do dia-a-dia e dividia
estas palavras em sílabas, colocando-as seguidamente em diferentes
contextos com palavras associadas. A essência do manual consistia na
descrição do cotidiano rural, fornecida pelos próprios timorenses.

Aleixo172 (2000) apud Meneses (idem, p. 52) esclarece que com o projeto
da Fretilin, grupos foram formados para promover em todo o país iniciativas que
atendessem à alfabetização, às questões ligadas às necessidades sanitárias e
políticas.
Com a tomada definitiva do Timor Português pelo governo indonésio,
todas as ações da Fretilin foram proibidas e os outros partidos deixaram de ter as
suas decisões respeitadas, ou seja, Timor passaria a ser administrado de acordo
com as leis e as regras do Estado Indonésio. Desse modo, sendo retirado dos
timorenses o direito à autonomia em suas unidades administrativas e da escolha de
como pretenderiam conduzir o futuro do país, vários integrantes da Fretilin e dos
demais partidos passaram a atuar na frente diplomática no exterior e os que ficaram
no país, com a ajuda do povo, concentraram-se no movimento da resistência
timorense contra as decisões arbitrárias do ocupante.
A República da Indonésia na posição de Estado Nacional com governo
centralizado em Jakarta, uma língua oficial única e rígida com relação às leis de
unidade e de ordem em seu país, como uma das primeiras decisões a ser tomada,
anulou a língua portuguesa, que representava a Nação que controlou Timor por
quatrocentos e cinquenta anos e oficializou a bahasa indonésia para todo o Timor
Oriental. Através desse gesto, não apenas foi interditada a língua do Estado
Nacional Português e tudo mais que isso produzia, documentos, leis, organizações,
relações com a língua de Portugal e as línguas de Timor etc., mas também

170
Fretilin. Rai Timur. Rai Ita Niang. Lisboa, Casa dos Timores, 1975.
171
Taylor, John. A Fretilin e o Movimento Nacionalista em Timor-Leste. Cf. Encontros de Divulgação e
Debate em Ciências Sociais. Porto, Vila Nova de Gaia, Sociedade de Estudos e Intervenção
Patrimonial, s/d.
172
Aleixo, Estanislau. Construir uma Sociedade Justa. Cf. Depois das Lágrimas. A reconstrução de
Timor-Leste. Jill Jollife (coord.). Lisboa: Intercooperação e Desenvolvimento, 2000, p. 53.
191

deslegitimou toda e qualquer língua falada em Timor. Isso significou que a


diversidade linguística do país mais uma vez seria desconsiderada pelas autoridades
governamentais estrangeiras em nome de uma língua única, representante de outro
país, e que passaria a ser falada por todos os timorenses em situações que
envolvessem a administração pública, o ensino oficial e a imprensa de Timor-Leste.
As autoridades timorenses de modo a amenizar tamanho intervencionismo e, de
algum modo, exercer alguma resistência contra a política colonial Indonésia, pelo
caminho da guerrilha interna no país, orientavam que a língua portuguesa
continuasse a ser empregada na correspondência trocada entre os guerrilheiros
sempre que fosse possível; e quando não, no caso dos guerrilheiros mais jovens, o
tétum assumiria a posição da língua da resistência timorense. Ainda que nem todos
os timorenses soubessem e se identificassem com a língua do antigo colonizador,
tiveram de se adequar ao que a resistência determinava. As línguas do nacionalismo
timorense na guerrilha passaram a ser o tétum e o português, pois, essas duas eram
as duas únicas línguas com a escrita mais desenvolvida e, de certo modo,
apontavam que os timorenses eram diferentes dos indonésios, aqueles não eram
esses e nunca aceitariam tal condição.
Em uma relação entre as línguas de ordem mais prática, de uso e
compreensão, e não propriamente de identificação, as orientações foram
repassadas na correspondência trocada entre membros da resistência, no caso
Rosa T173 para Vero Lata (1994, p. 1):

Irmão
VL
(…).
Quanto ao trabalho que me falaste para responder a posição do Hodu se
a situação te permitir para fazer, farás em português. Enquanto que para
responder ao auto-proclamado grupo OPRC (orgão popular da
resistência clandestina) do Aitahan Matak, farás em Tétum para ser
acessível aos jovens compreenderem.
Um dos responsáveis dos jovens pediram-nos p/ que no futuro, a tradução
de documentos públicos sejam feitos em Tétum porque nem todos os
nossos sabem a bahasa com perfeição [grifos nossos].

173
Rosa T; Vero Lata. Correspondências. Cf. Sem Título, CasaComum.org, 1994, p. 1. Disponível
em: <http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=06223.105#!1>. Acesso em: 24 set. 2014.
192

Na relação estabelecida entre as línguas em um Timor em constante luta


contra os indonésios, a resistência timorense, a depender do tipo de assunto a ser
tratado, orientava que o uso da língua portuguesa acontecesse, pois, era essa a que
os indonésios tinham menos familiaridade. Já o tétum era do conhecimento de boa
parte dos guerrilheiros, do mais velho ao mais jovem, e, inclusive, entre os próprios
indonésios, mas, entre todas as línguas timorenses, era a língua de Timor que a
resistência pretendia na aproximação entre os timorenses; já a bahasa indonésia era
a língua de menor domínio entre os guerrilheiros da frente armada. Uma língua que
precisava ser do conhecimento dos que se encontravam nessa posição, já que era a
língua oficial do governo indonésio e para a comunicação, principalmente escrita,
desse com todos os timorenses e a dos militares indonésios que exterminavam os
integrantes da resistência timorense.
Ainda que proibidos de exercerem o poder em seu próprio país, algumas
autoridades da frente armada, no processo de resistência timorense contra o
ocupante indonésio, apresentaram propostas envolvendo a política de língua
considerada a “mais adequada” à situação de governação indonésia e à futura
independência de Timor. Segundo a proposta que atendia às línguas no país fora
atribuída posições a cada uma das línguas de acordo com os interesses dos
agentes da guerrilha.
Em outras situações, quando lhes era possível, a Udt e a própria Fretilin,
em reuniões realizadas no estrangeiro, pela frente diplomática, expunham propostas
que também contemplavam a questão das línguas em Timor e o que aqueles
pretendiam como projeto de língua para quando o país estivesse independente.

5.1.2 No ensino … o domínio da língua oficial indonésia

De acordo com Rocha174 (1999, p. 422-423) apud Meneses (2008, p. 61-


62), a anexação de Timor-Leste como parte integrante da Indonésia foi realizada
através da política de controle desenvolvimentista que compreendeu três etapas. A
primeira realizada entre outubro de 1976 a março de 1977, chamada “fase da

174
Rocha, Nuno. Timor – O Fim do Império. Lisboa: Editora Obipress, 1999. p. 422-423.
193

reabilitação”, assegurou toda a reconstrução da infraestrutura e dos prédios públicos


da ilha, como, escolas, hospitais, postos da administração central, etc. destruídos
com os bombardeios promovidos pelos soldados indonésios que invadiram Timor-
Leste. A segunda etapa, nomeada como “fase da consolidação”, foi concretizada
entre abril de 1977 até março de 1982 e almejava a organização e a atuação firme
do governo indonésio sob a sua mais nova província. E a terceira etapa transcorreu
nos anos de 1982 a 1984 e tratou de viabilizar a participação do governo de Timor
no “4º. Plano Quinquenal de Desenvolvimento (1984-89), aplicando-o, inclusive, em
todas as províncias da Indonésia” (MENESES, 2008, p. 62).
No período da reabilitação, segundo Rocha175, “mais da metade das
crianças timorenses em idade escolar não tinham recebido qualquer tipo de
escolaridade”. Diante dessa situação, entre 1976 a 1982, escolas primárias foram
construídas e foram reorganizadas as salas de aula do ensino secundário, de acordo
com Meneses (2008, p. 62).
Nas considerações de Rocha (1999, p. 431 apud Meneses, ibidem):

Em 1976, havia 47 escolas primárias com 13501 alunos e 2 liceus com 315
alunos. De 1976 a 1982, foram construídas 984 salas de aula para escolas
primárias e remodeladas 342 salas do liceu. Em Abril de 1986, havia um
total de 493 escolas primárias que albergavam 109884 crianças e 2978
professores.

Conforme Meneses (idem, p. 62), o governo indonésio resolveu a


carência de professores trazendo-os de outras províncias indonésias, como
“Sulawesi e Java” (ROCHA, 1999, p. 431).
Segundo Meneses (idem, p. 63), no sistema educacional indonésio
promovido em Timor-Leste, os níveis de ensino encontravam-se configurados pelo:

ensino pré-primário, com dois anos de duração; o ensino primário, Sekolah


Dasar, a partir dos sete anos de idade e com a duração de seis anos; o
ensino pré-secundário, Sekolah Menengah Pertama, com três anos de
duração; o ensino secundário, o ensino técnico e profissional, Sekolah
Menengah Atas, com três anos de duração, equivalente ao segundo grau; e
o ensino superior, dividido em ensino politécnico, com dois anos de duração
e o ensino universitário, de três a quatro anos.

175
Cf. Rocha (1999, p. 431) apud Meneses (2008, p. 62).
194

Investir na educação era a estratégia do governo indonésio para a criação


de condições favoráveis que promovessem “a rápida difusão da língua, da cultura e
dos valores indonésios” entre os timorenses, segundo Meneses (idem, p. 62).
O ensino, entre 1976 a 1999, em Timor, de forma geral, seguiu a grade
curricular das escolas indonésias e era ministrado, exclusivamente, na língua oficial
do ocupante, a bahasa indonésia, que também passou a ser a língua de Estado em
Timor, inclusive com a proibição da língua portuguesa nas escolas, e com a
oficialização do tétum, em 1981, como língua da liturgia católica na ilha.
De acordo com Meneses (idem, p. 63), foi com o uso da língua indonésia
e através do ensino que a cultura e a ideologia oficial do país, o Pantja Sila176, uma
“filosofia de vida” com seus princípios e valores, deveriam ser aprendidas pelos
timorenses. O Pantja Sila fazia parte do currículo escolar e era disciplina obrigatória
a todos os graus de ensino de modo a fortalecer a anexação forçada de Timor junto
do conjunto de ilhas da Indonésia.

5.1.3 Na igreja católica … a preservação da cultura e da língua


portuguesas e o desenvolvimento do tétum entre os timorenses.

Logo no primeiro ano do governo indonésio em Timor, a língua


portuguesa foi interditada da administração pública e da instrução; contudo,
inicialmente, ficou autorizado o seu uso nas ações catequéticas e litúrgicas da igreja
católica.
Conforme Meneses (2008, p. 67), em 1980, os missionários timorenses
“tinham traduzido para o tétum o Missal Romano, o Ordinário da Missa e os Rituais
dos Sacramentos”. Porém, em 1981, o português passou a sofrer intervenções
também nas atividades desenvolvidas pela igreja.

176
Pelos princípios da “filosofia de vida” Pantja Sila não era possível o Comunismo e o Ateísmo entre
os indonésios e todos os povos das ilhas anexadas à Indonésia. Apesar da diversidade e das
diferenças que existiam, precisavam se entender enquanto uma unidade, ou seja, manter-se como
uma Nação coesa. Para isso, o Pantja Sila propunha cinco princípios básicos, estando entre eles: “1.
Crer em Deus Todo Poderoso; 2. Uma justa e civilizada humanidade; 3. Nacionalismo que une o povo
da Indonésia; 4. Democracia, guiada pelo espírito e sabedoria; e 5. Justiça Social. O Pancasila
regulava a Estrutura do Estado; os Partidos Políticos e a Imprensa nos territórios indonésios”. Cf. O
Dia do Sagrado Pantja Sila. Edição Especial. Dili, Consulado da República da Indonésia. p.3.
195

Desse modo, as autoridades indonésias determinaram que a igreja


católica em Timor, que respondia ao Vaticano e não à Jacarta, abandonasse o uso
do português nas suas atividades e optasse pelo tétum ou pela língua indonésia nas
atividades da liturgia. A instituição em Timor decidiu-se pelo tétum e esse foi
reconhecido como língua oficial da Santa Sé no país. A partir de tal reconhecimento,
a fixação definitiva de uma língua de Timor, sem a “parceria” com a língua do
colonizador, consumou-se no gesto da Santa Sé, a primeira instituição que
institucionalizou o tétum como língua oficial da Igreja Católica de Timor-Leste.
Contudo, a Santa Sé desautorizou e excluiu as línguas de diferentes
grupos na legitimação do tétum (oral e escrito) como língua da conversão, da liturgia
e dos princípios e valores da tradição judaico-cristã.
Segundo Meneses (idem, p. 67), a língua portuguesa continuou a ser
lecionada apenas no Externato São José, localizado em Díli, até 1992, ano em que o
mesmo foi fechado pelas autoridades indonésias.
De certo modo, conforme Esperança177, o ensino do português não
deixou de acontecer em Timor no interior do que era previsto pelas autoridades
indonésias, pois, “aproveita-se uma lei indonésia que estipula que as escolas podem
ocupar algumas horas semanais com a bahasa daerah, a língua local de cada lugar,
e usa-se este tempo para a língua portuguesa”.
Sendo assim, as instituições católicas destinadas ao ensino em Timor, até
aonde conseguiram resistir, fizeram com que a língua e os costumes portugueses
não ficassem restritos apenas na memória das gerações mais velhas de timorenses
que viveram sob a colonização portuguesa ou daqueles que tinham estudado nas
escolas coloniais, frente à política também de dominação e de controle da língua, da
cultura e da administração indonésia.

5.2 Políticas de línguas da resistência timorense frente à efetiva


dominação indonésia

177
Esperança, João Paulo T. Estudos de Linguística Timorense. Aveiro: Sul-Associação de
Cooperação para o Desenvolvimento, 2001, p. 158.
196

Conforme já mencionamos, com a proibição do uso em público da língua


portuguesa, em 1981, pelas autoridades indonésias, os padres deixaram de
empregá-la nas pregações e no catecismo e passaram a realizar todas as
celebrações em tétum. O ensino e o uso do português sofreram restrições, tanto nas
escolas quanto nas casas, e a única língua autorizada no ensino, a par do indonésio,
era o inglês, ministrado como língua estrangeira no ensino secundário. Apesar disso,
uma minoria timorense que falava o português continuava a usar, secretamente, em
seus lares a língua portuguesa, em sinal de união e identidade com Portugal e de
resistência ao ocupante indonésio.
De acordo com Ruak (2001), na frente clandestina, três fatores estiveram
na base da manutenção da língua portuguesa no período da resistência timorense:
primeiro a presença de intelectuais e autoridades políticas e religiosas falantes da
língua; segundo, a existência de uma elite timorense conhecedora da língua escrita;
e terceiro, por ser a única língua ortograficamente mais desenvolvida na ilha.
Diante do que se passava em Timor, falar a língua portuguesa, estranha
aos indonésios e a língua do antigo Estado português, seria negar qualquer
aproximação dos timorenses com o invasor, ofuscar a presença do ‘elemento
estranho’, indesejado no território timorense, e garantir a manutenção das atividades
da frente clandestina dentro e fora do país.
Com a oficialização do indonésio e a interdição do português, o governo
de Jakarta empregou o tétum no ensino e autorizou ao mesmo o estatuto de língua
oficial da Igreja Católica em Timor. Já às línguas locais da ilha, porém, fora mantido
o estatuto de deslegitimação e de desprestígio que as mesmas já sofriam há séculos
com as autoridades políticas portuguesas, além de aniquilarem aspectos ligados à
cultura timorense e tudo o que estivesse relacionado com o passado português.
Em meio a esse cenário, os líderes da Fretilin e de outros partidos
mantiveram o português e o tétum na correspondência trocada entre as suas
lideranças. Além disso, usaram, principalmente, o tétum e, quando possível, as
línguas locais para a comunicação oral realizada entre os da população de
diferentes pontos de Timor. Esse foi o movimento entre as línguas desenvolvido pela
política da resistência timorense frente à política de língua do ocupante indonésio.
Paralelamente à dinâmica entre as línguas da resistência timorense e à
197

força de ação entre as mesmas, aconteceram, na intensa troca de correspondência


entre os membros da resistência, discussões a respeito da situação das línguas no
país e qual poderia vir a ser a política de línguas para o Timor independente.
Afinal entre as autoridades timorenses, qual seria a política de línguas
“mais adequada” à situação de um território que se encontrava frente à governação
indonésia, mas que, em um futuro próximo, tornar-se-ia um país independente?;
quais seriam as línguas de Estado em um país independente e os estatutos
conferidos às línguas timorenses pelas autoridades do país?; seriam essas as mais
indicadas para quê e por quê?; tal política privilegiaria a quais grupos? etc.
Pelo fato de boa parte da documentação oficial sobre a política de língua
da Indonésia e a questão das línguas em Timor referente ao período do governo
indonésio ter sido destruído, nos diversos momentos de guerra pelos quais o país
passou, ou estar inacessível para consulta em arquivos da Indonésia, foi a partir da
leitura das correspondências trocadas entre os guerrilheiros e simpatizantes da
causa timorense que nos foi possível contar com documentação que retratasse a
preocupação que aqueles tinham com relação a questão das línguas no país e ao
futuro político linguístico de Timor.
As correspondências encontradas foram trocadas entre o comandante da
guerrilha timorense, Nino Konis Santana com um colaborador estrangeiro, Abel,
residente no Japão, e com José Afonso, colaborador externo em Timor e envolvido
com a guerrilha timorense.
Na produção de Abel178 para Nino Konis Santana, a sequência discursiva
que tratava de questões ligadas à língua era a seguinte:

[...]. [...], o Congresso de Língua Tetun em Darwin, já antes da


independência, deu o início da busca da identidade cultural e nacional
do povo timorense, além de procurar a melhor maneira de resolver a
complicada questão linguística de Timor-Leste, foi um marco histórico.
[...], falei também sobre a ‘hipocrisia’ escondida na dicotomia entre
língua oficial e língua nacional. As experiências africanas ensinam-nos
que uma língua é valorizada e estimada na sociedade só quando se
emprega como língua oficial. A definição de língua nacional, ‘unificadora
de povo’, é realmente bela, mas, na verdade, os governos africanos, na

178
Abel; SANTANA, N. K. Correspondência. Cf. Sem Título, CasaComum.org, 1997, p. 1-2.
Disponível em: <http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_131714>. Acesso em: 24 set. 2014.
198

maioria dos casos, não estão empenhados em desenvolver as línguas


nacionais do país. O futuro governo leste-timorense deve estimar as
línguas locais, quer dizer, deve tomar em consideração, o maior possível,
o interesse do povo.
[...] a opinião do povo timorense é unânime em relação à importância da
língua Tetun para a sua identidade cultural e nacional. Ainda nos resta,
no entanto o problema de ‘qual Tetun devemos utilizar no ensino escolar
e transmitir às gerações vindouras’. Este tema foi levantado no
Congresso também e não se chegou à conclusão. O pragmatismo
aconselha-nos a adoptar o Tetun Praça para o ensino escolar em termos
de que é falado por mais habitantes do que o Tetun Terik, todavia, será
uma pena abandonar a autenticidade desta variante. Pessoalmente,
gostaria de buscar uma boa maneira de aproveitar as potências de ambas
as variantes do Tetun.
[...] ao futuro estatuto da língua indonésia na sociedade timorense, [...]
De facto, o indonésio é, nesse momento, a língua dos inimigos para os
timorenses, no entanto, quando Timor-Leste adquirir independência,
[...], os timorenses que falam indonésio poderão ser muito úteis para
estabelecer boas relações entre os dois países vizinhos.
[...] os participantes timorenses do Congresso debateram sobre
qualquer assunto relacionado à questão linguística nem em inglês nem
em português, mas sim, em Tetun! Isto prova que o Tetun já pode ser
utilizado para as discussões científicas. Se se continuar o
desenvolvimento do Tetun desta maneira, será mais que um sonho a
oficialização desta língua no futuro Timor-Leste independente [...]
(Trechos da correspondência de Abel para Nino Konis Santana, datada de
20 de Novembro de 1997) [grifos nossos].

Há a defesa da política de valorização e de oficialização da língua tétum e


a manutenção da bahasa indonésia entre as línguas do país, de modo a garantir as
relações estabelecidas entre os dois países. A partir da diversidade de línguas
faladas pelos timorenses, e diante da dificuldade de escolher qual língua seria
representativa do que é nomeado de 'unidade cultural e nacional', defende-se que o
timorense não se deve deixar enganar pelas nomeações 'oficiais' e/ou 'nacionais'
conferidas às línguas do país pelas autoridades políticas. Argumenta que quando
uma língua é dada como oficial, a língua do Estado, verifica-se a sua valorização em
detrimento das outras que ficam esquecidas e são pouco desenvolvidas pelas ações
do governo. Reconhecer as línguas, aqui nomeadas como 'locais', é atender aos
interesses de todos os grupos etnolinguísticos e não apenas aos de um único grupo,
no caso os falantes 'nativos' do Tétum.
O enunciador menciona que o 'povo timorense' reconhece que, para
aquele momento, a língua tétum é a que simboliza a identidade cultural e nacional
dos diferentes grupos de Timor. Porém, surge a dúvida sob qual variedade de tétum
a educação escolar deve se apoiar: se sobre o Tetun Praça, marcado pelo aspecto
199

da oralidade, ou se sobre o Tetun Terik, falado pelos missionários e pelos


timorenses educados pelos padres em Soibada. O Tetun Terik é apontado, na
sequência discursiva, como uma língua não marcada pelos traços da oralidade, ou
seja, uma língua mais 'castiça' e menos variável, língua modelo para a escrita,
determinada pela norma de correção.
Para não privilegiar uma variedade em detrimento da outra, sugere
aproximações entre as duas. Prevê, também, um lugar para a língua do indonésio,
que, em um futuro próximo, quando desocupar Timor-Leste, a deixará como
herança, já que foi sistematicamente ensinada às crianças e aos adolescentes
timorenses, e será a língua das relações econômicas, políticas e sociais entre o
Timor e a Indonésia, em razão da proximidade geográfica entre os dois países.
Há a repetição do discurso da política de língua em que o tétum é a língua
de confronto com as línguas de Timor-Leste, com a língua do ocupante indonésio e
com as línguas de países como Portugal e Austrália.
Se em um primeiro momento, na sequência discursiva, o tétum é
nomeado como língua da 'identidade cultural e nacional do povo timorense', o que
naturalizaria essa posição para o tétum, silenciando o real histórico entre as línguas
de Timor-Leste, essa relação não é marcada discursivamente sem tensão. Uma vez
que o tétum como língua ‘oficial’ de Timor-Leste é aquela que representa os
interesses de um dado grupo etnolinguístico, aquele que detém poder político e
econômico. Aspecto que entra em oposição com a realidade de outros grupos e as
suas línguas, nomeadas como ‘nacionais’ ou ‘locais’, falantes e línguas
representantes de diferentes grupos e, quase sempre, sem força política e
econômica.
Além disso, na sequência discursiva do enunciador, o tétum, a partir de
todas as condições materiais que lhe foram conferidas ao longo da história da
relação entre as línguas de Timor, conforme verificamos, deverá ocupar o lugar de
destaque e de supremacia e rivalizará com as línguas dos diferentes grupos que
falam outras línguas em Timor-Leste. De acordo com a sequência, o tétum
“representará” o povo, em um país independente, mas nada é dito sobre as
condições materiais e históricas do grupo que o domina e nem mesmo o fato de o
tétum encontrar-se melhor aparelhado (com escrita e diversos instrumentos
200

linguísticos) do que as demais línguas do país.


Já o embate envolvendo o tétum a ser ensinado na escola, dá-se no
confronto entre a oralidade e a escrita, uma vez que o tétum praça foi estruturado na
oralidade, sem uma norma ortográfica organizada, até aquele momento, e o tétum
terik, que contava com sistema ortográfico proposto pelos missionários, era o tétum
empregado em vários documentos escritos, nos catecismos e na liturgia religiosa,
além de ser o mais antigo e 'castiço', quando comparado com o tétum praça. Se o
tétum é a língua falada pela maioria dos timorenses e é a língua que os diferencia
dos indonésios, a bahasa indonésia, no momento da resistência timorense, é a
língua do inimigo. Ou seja, daquele que oprime, persegue, obriga o timorense a
aprender a língua indonésia, em detrimento do tétum e das línguas de Timor, e faz
com que os que sabem apaguem da sua memória a língua portuguesa.
No momento da resistência, o tétum também é posto em tensão com o
inglês e o português, uma vez que aquele, enquanto língua de Timor ocupado,
também é língua de produção de conhecimento e de debate de questões
importantes, assim como é o caso do inglês para a Austrália e do português para
Portugal. Posição que é importante para que, no futuro, o tétum venha a se tornar a
língua oficial de um Timor independente.
Nino Konis Santana179, em resposta à correspondência de Abel, propõe
que:

[...].
O problema linguístico será fundamental como meio de transmissão,
educação e formação da população escolar!
E sua experiência ou melhor dito é com a experiência dos países coloniais
de África que as causas do atraso econômico e da instabilidade política do
período pós-independência e a utilização de línguas oficiais dos países ex-
colonizadores e do multilinguismo, fatores que fomentam as divisões tribais
agudisando-as, já no caso de Timor-Leste acho que o factor linguístico
não será motivo para instabilidade política, transformando-se num
potencial foco de conflitos inter-culturais ou regiões linguísticas, muito
embora devamos reconhecer que venha constituir o travão de um
desenvolvimento no domínio da ciência, da cultura, da tecnologia e
industrialização do país!
Reconheço que no passado factores linguísticos constituíram motivos

179
SANTANA, N. K; Abel. Correspondência. Cf. Sem Título, CasaComum.org, 1997, p. 2-4.
Disponível em: <http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_132206>. Acesso em: 24 set. 2014.
201

para fricções e lutas entre reinos e que foram sabiamente aproveitados


pelo colonialismo português para dividir e fracassar as lutas
independentistas dos nossos antepassados! Mas a guerra de invasão
imposta pelos indonésios e a necessidade de unidade no combate a
presença e dominação colonial pela libertação da Pátria suplantou as
divergências e fricções de caris linguístico!
O Tetun tornou-se efetivamente um fator de entendimento entre os
diversos grupos linguísticos e se tornou um elemento fundamental de
unidade na luta contra o ocupante! Aliás, tornou-se o meio de
transmissão da luta, a identidade da nação Maubere! A política da Fretilin
de utilizar o tetun como língua nacional contribuiu imensamente para a
consciencialização do nosso Povo sobre a sua identidade cultural e
linguística! Hoje, na guerra, fatalukus de Lospalos e Bunak de
Bobonaro, Makassae dos Matebian ao Maubere de regiões centrais etc
entendem-se através do Tetun! A guerrilha tem usado o tetun como
meio de divulgação de luta e entre guerrilheiros de sangues étnicos e
linguísticos diferentes que actuam em regiões que não são de origem
porque se entendem com as populações locais através do tetum! Teria
sido extremamente difícil à guerrilha ampliar e alargar a sua presença
político militar se não houvesse um meio de entendimento com as
populações! Sou partidário de uma política nacional que venha a
garantir gradualmente a identidade do nosso Povo, (?) os elementos
visivelmente influenciados pelo colonialismo, qualquer que seja a sua
origem! Defenderei, propugnando uma política de defesa e salvaguarda
das tradições e cultura da nação timorense, das suas línguas, dos seus
valores étnicos, enfim, a defesa e preservação da cultura timorense
através do respeito e incremento dos valores culturais de cada etnia ou
grupo linguístico será uma política governamental. [...]. A utilização da
língua indonésia em TL independente será um fator importantíssimo de
estabilidade! Qualquer que seja o partido governante não deverá
nunca ignorar que temos milhares de jovens ou a totalidade da
juventude maubere fala a língua indonésia e a maioria de uma
população também! Desprezar a língua indonésia seria cometer um
grave erro político com consequências fortes para as relações entre os
dois países em todos os domínios! Todo o radicalismo deve ser
abandonado! [...] (Trechos da correspondência de Nino Konis Santana em
resposta à correspondência de Abel, datada de 15 de Dezembro de 1997)
[grifos nossos].

De acordo com a sequência discursiva, a questão das línguas é uma


realidade sempre presente na história de Timor-Leste.
Se em um passado, as línguas e a diversidade linguística do país foram
exploradas pelo colonizador português para desorientar e desorganizar os grupos
independentistas do país, no futuro, a diversidade de línguas será compreendida
não como um problema de segregação política e cultural, mas, possivelmente, trará
empecilhos para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da cultura e da
indústria, em um Timor independente. Porém, com a dominação dos indonésios e
diante do cenário de diversidade de línguas, a unidade é construída com o uso do
202

tétum pela política da Fretilin. Dessa forma, o tétum torna-se língua de entendimento
entre os diferentes grupos de falantes.
Segundo a sequência discursiva, diferentes grupos etnolinguísticos da
frente de resistência timorense se comunicam entre si e com a população através da
língua tétum, configurando, assim, a aparente unidade na identidade cultural e
linguística do povo timorense, o que o diferencia do povo indonésio. E com a saída
do invasor, uma vez que a Fretilin conseguiu aproximar grupos diferentes na
diversidade de línguas e na cultura, a política de proteção e salvaguarda dos bens
imateriais, como tradições, línguas e valores étnicos de diferentes grupos, poderá
ser a política nacional do governo. Defendendo também que a língua indonésia em
Timor-Leste independente não poderá ser ignorada pelas autoridades do país, já
que a juventude e a maioria dos timorenses falam o indonésio, língua de relações de
natureza diversas entre timorenses e indonésios.
Nesta outra sequência discursiva que é uma resposta ao o que o locutor
anterior expõe para o problema das línguas de Timor, o sujeito enunciador, um dos
líderes da resistência timorense, ao enunciar ocupa posição-sujeito em defesa de
uma política de língua com uma única língua 'nacional' em meio à diversidade
linguística. Ainda que no contexto da dominação dos indonésios, a resistência da
Fretilin tenha conferido ao tétum o estatuto de língua da resistência, a 'língua
comum' entre os próprios guerrilheiros falantes de línguas diferentes e destes com a
população, a língua da unidade nacional, a língua da 'identidade cultural e linguística'
entre diferentes grupos etnolinguísticos, a tensão entre aquele e as demais línguas
do país continua a produzir efeitos e a significar.
A relação histórica e material entre as línguas de Timor-Leste fez com que
as línguas sempre fossem tratadas e hierarquizadas de modo diferente e isso
persistiria, mesmo após a independência do país. Afirmar a respeito da necessidade
de uma política nacional que, mesmo diante da diversidade entre culturas, tradições
e línguas, constituísse algo que a todos agregasse no que havia de identitário, no
caso o tétum, anula, de qualquer modo, as diferentes línguas e os seus falantes.
O tétum, pelas questões já indicadas, cumpriria a posição da língua da
“identidade nacional” na sociedade timorense independente tensionando as línguas
de Timor e sendo pressionada pela língua indonésia, essa falada por praticamente
203

todos do país.
Na terceira e última sequência discursiva, José Afonso180 escreve a Nino
Konis Santana:

[...].[...], faça o favor de permitir-me a pensar sobre a língua em TL no


futuro – nomeadamente em TL que está libertado da ocupação indonésia.
[...].[...].
[...] falam que “Então, quando TL está libertado, o que é uma língua
oficial? o que é uma língua nacional? E o que é a posição de Tetun e
outras línguas? Português pode tornar-se uma língua oficial? Senão,
Tetun pode ser? Quando dizem “Tetun”, isto é Tetun-Dili, Tetun-Terik,
Tetun-Belu ou outro? Acho que Tetun é agora uma “língua franca” para
Povo Maubere. Mas quando Tetun torna-se uma língua nacional – por
exemplo, se as crianças aprenderem Tetun na escola – Tetun oprimirá
umas línguas maternas como Mambae, Makasae, Dagada ou outras?
[...].[...].[...].[...].[...].
[...]. Uma parte dos líderes torna-se o bom amigo do desenvolvimento
pela hipocrisia do Ocidente. Para participar do projecto de
desenvolvimento, é preciso a falar e ler as línguas europeías porque o
projecto do desenvolvimento estará principalmente em mão de europeu [ou
talvez Japão]. Como consequência deste contexto, a maioria do Povo [...]
não pode melhorar a sua posição social só por não saber falar e ler as
línguas europeías. [...].
[...]. Uma das chaves para abrir a porta da sociedade é umas línguas
que caracterizam a cultura. Nesta sociedade, o Povo Maubere poderá
lutar contra a hipocrisia do Ocidente.
Quando a tropa indonésia sairá de sua pátria, a sua luta real de
libertação nacional começará. No momento disso, devem decidir ‘qual
língua torna-se a língua oficial?’ e ‘qual língua deve estar usado num
livro-didáctico?’. E queria enfatizar que a política de língua é vinculado
com democratismo. [...].[...].[...].
Desenvolvimento real de TL não deve estar cumprido pela hipocrisia
do Ocidente, mas deve estar cumprido pela cultura timorense [...]
(Trechos da correspondência de José Afonso a Nino Konis Santana, datada
de fevereiro de 1997) [grifos nossos].

Continua o confronto entre duas línguas colonizadoras (o inglês e o


português) e as línguas de Timor-Leste na sua relação com o tétum.
Enuncia-se que há uma hierarquia de dois níveis entre as línguas, uma
que as caracteriza como representantes do poder econômico a quem as domina e,
consequentemente, alguma "ascensão social" de um dado grupo, e a outra que
aponta para a relação de superioridade do tétum e as suas variantes, língua própria
de um grupo dominante, em relação às línguas timorenses dos outros grupos de
180
AFONSO, J.; SANTANA, N K. Correspondência. Cf. Sem Título, CasaComum.org, 1997.
Disponível em: <http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_131720>. Acesso em: 24 set. 2014.
204

falantes.
A sequência discursiva, do início ao fim, é atravessada pela ideologia do
confronto entre o que determina a política de língua de países colonizadores, como
Portugal, Austrália e Estados Unidos, esta sempre marcada pelo violento processo
de dominação, e a outra posição aponta para as línguas dos povos timorenses como
as mais indicadas para um Timor independente.
O discurso é atravessado por questionamentos e inquietações quanto ao
que as autoridades timorenses elegerão, no futuro, como língua ‘oficial’ e ‘nacional’
do país; quais línguas receberão tal estatuto; se a língua do colonizador português
fará parte da política de línguas definida para Timor; se o tétum for a língua do
governo, como ficará a situação das demais línguas timorenses, quais serão
ensinadas nas escolas, qual o estatuto conferido a essas línguas?; e se as
autoridades timorenses vão pôr em primeiro lugar os seus interesses pessoais e
financeiros aceitando a política de língua (im)posta pelos ocidentais em detrimento
da diversidade linguística e cultural do povo do país, conforme sempre aconteceu na
história da relação entre as línguas e os falantes em Timor. Ou seja, infinitas
preocupações e todas extremamente pertinentes para serem postas às autoridades
timorenses que decidiriam pelo futuro político e linguístico de um país que por mais
de quatrocentos e cinquenta anos esteve sob a exploração de países colonizadores
que sempre decidiram por tudo e por todos no Timor Oriental.
A posição do enunciador aqui, no tocante à política de línguas para o
Timor independente, é pelo desenvolvimento de todas as línguas do país, seja na
escola, na política, enfim em todas as instituições que têm a língua como
instrumento de poder e de controle.
205

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com as sequências discursivas analisadas, o espaço de


enunciação timorense sempre foi marcado pela divisão entre muitas línguas e os
seus sujeitos. Desde antes da chegada dos colonizadores portugueses, as línguas e
os sujeitos de Timor-Leste disputavam não apenas espaço por domínio, mas as
línguas faladas se hierarquizavam e ocupavam lugares de poder entre os diferentes
reinos da ilha. Nesse espaço marcado por tensões de diferentes ordens, havia um
grupo que detinha maior poder político e militar, no caso, o dos Belos, falantes do
tétum e que controlavam outros povos, disseminando a sua língua entre os grupos
conquistados.
Quando da presença dos primeiros exploradores e missionários
portugueses, estes últimos se aproximaram dos Belos e, pouco a pouco, foram
convertendo os mesmos e outros aliados, colocando-os como seguidores do
catolicismo, puseram-nos a aprender a língua do rei de Portugal e a prestar
obediência ao colonizador europeu.
Na relação entre sujeitos e línguas de povos com culturas tão diferentes,
a imposição da língua do europeu esteve sempre em conflito com as línguas de
Timor-Leste e com o malaio, língua das ilhas vizinhas. O malaio já contava com
literatura e gramática própria, mas não estava estruturado de acordo com o modelo
de descrição gramatical latina. A diversidade linguística e a heterogeneidade entre
as diferentes línguas eram analisadas como um grande problema pela metrópole
portuguesa na implementação do projeto colonial de política de língua que almejava
o desenvolvimento da língua portuguesa entre os principais reinos de Timor-Leste.
Os missionários católicos na ilha, representantes diretos da igreja e do rei
de Portugal, vivendo de perto todas as dificuldades para o desenvolvimento do
catolicismo e da língua portuguesa, colocaram-se a aprender as línguas dos
diferentes reinos que converteram, mas, nem por isso, a língua do colonizador
deixou de ser aprendida pelos chefes locais católicos, liurais, e os seus familiares.
De acordo com os relatos de exploradores e representantes da coroa
portuguesa, uma única língua timorense, no caso a língua dos donos do poder
político e militar local, assumiria a posição imaginária da língua de todo o Timor-
206

Leste. A naturalização da imagem de que havia uma mesma língua falada em todo o
Timor Português, ora silenciava a diversidade linguística do território, ora, em outras
condições de produção, em que havia o reconhecimento da diversidade, as línguas
eram postas em situação de hierarquia a ponto de determinar o que era língua e o
que não era.
Na divisão instaurada entre as línguas timorenses, a língua do
colonizador esteve sempre presente e dividiu, no espaço das línguas e dos sujeitos
nativos, lugar com o português das colônias do Ultramar. Porém, o português
europeu foi sempre apontado como língua homogênea, diferente daquele que era
falado nas possessões ultramarinas e símbolo da unidade da Nação portuguesa.
Diante dos bons resultados que as missões católicas lideradas pelos
padres em Timor-Leste alcançaram, apesar dos escassos investimentos e dos
poucos padres católicos para atender todos os espaços da ilha, a administração
central portuguesa começou a investir não apenas no envio de mais missionários, na
construção de algumas escolas sob o comando dos padres etc., como também
contribuiu financeiramente para que o processo de gramatização de algumas línguas
do Timor Português, primeiramente o tétum, ganhasse forma e força entre os
missionários católicos. A partir do processo de gramatização das línguas do país, a
relação entre os falantes e as línguas no espaço de Timor-Leste seria afetada por
efeitos diversos e outros sentidos para os sujeitos e as línguas foram produzidos.
Com o processo de gramatização iniciado no final do século XIX pelos
padres católicos, entre eles alguns jesuítas, o tétum foi a primeira língua timorense a
ser descrita e a contar com um catecismo (1885) em tétum e um dicionário (1889)
português-tétum. Algumas línguas timorenses também foram descritas, porém, foi o
tétum que recebeu mais atenção e contou com mais dispositivos linguísticos do que
as demais línguas. Além disso, foi a única língua timorense promovida pelo governo
português para contar com uma cartilha-tétum oficial a ser adotada nas escolas do
país, inaugurando, deste modo, a gramatização para o ensino da língua portuguesa
através do tétum de Timor. O tétum ocuparia a posição de língua de apoio para a
aprendizagem da língua do colonizador e ficaria sempre em segundo plano, já que
as autoridades portuguesas não tinham como objetivo o desenvolvimento da escrita
e da leitura do tétum entre os timorenses. O propósito sempre foi obrigá-los a
207

aprender a ler, a escrever e a falar a língua do colonizador.


A etapa do processo de gramatização para o ensino oficial da língua
portuguesa, diferenciou-se dos primeiros momentos que marcaram a descrição das
línguas na ilha de Timor.
No início do processo de gramatização, a língua tétum de Timor foi
descrita com o propósito de o missionário aprender a língua em questão para
converter o timorense ao catolicismo. Com o passar dos anos, outras línguas
timorenses também foram descritas para a catequese, porém, à exceção do tétum,
nunca para o ensino formal. Os instrumentos linguísticos para a catequese poderiam
ser usados pelos timorenses que pretendessem aprender a sua língua e/ou o
português, porém, sempre a partir dos conhecimentos da liturgia católica, da visão
de mundo do europeu e da estrutura de funcionamento da língua do colonizador.
O processo de gramatização em Timor-Leste (re)dividiu as línguas e os
sujeitos, porém, tais (re)divisões aconteceram entre o tétum e as demais línguas do
Timor Português, entre o próprio tétum e entre o tétum e a língua portuguesa.
Na gramatização das línguas de Timor-Leste, houve o apagamento da
diversidade de línguas em nome de uma aparente unidade linguística sustentada no
tétum, língua dos chefes timorenses convertidos ao catolicismo, falantes da língua
portuguesa e subordinados à metrópole portuguesa.
De acordo com as divisões promovidas pela gramatização envolvendo o
tétum e as demais línguas de Timor, essas passaram a ser distribuídas de acordo
com a divisão entre o que era língua e o que não era. Desse modo, o tétum passou
a ser nomeado como língua, já que, como língua do grupo de poder, foi a primeira
língua de Timor-Leste a receber escrita e instrumento linguístico, e as demais
línguas foram denominadas como “dialectos”, “linguagem”, “idioma”. Da posição de
língua que lhe foi conferida, o tétum era a única língua timorense autorizada pelo
colonizador português a ocupar o estatuto de língua de ensino nas escolas oficiais
do Timor Português. Nestes espaços, o tétum era a língua de apoio para a
alfabetização do timorense na língua portuguesa. Não havia interesse das
autoridades portuguesas na promoção da leitura e da escrita proficiente do tétum
entre os timorenses. O tétum era importante enquanto língua de apoio/de passagem
para que o timorense aprendesse o português europeu. As demais línguas de Timor-
208

Leste não foram promovidas pela administração colonial portuguesa a ocuparem a


posição de língua do ensino, como foi o que se passou com o tétum.
O processo de gramatização produziu uma norma de correção para a
língua tétum. Esse, assim como qualquer outra língua, apresentava as suas
variedades de acordo com os falantes e as localidades onde era falado. Porém,
segundo o processo de gramatização, existia uma variedade de tétum falada no
Timor Oriental que era a “mais correta” do que todas as outras. O modelo de
correção estava para o tétum do interior por causa do funcionamento de uma
conjugação verbal que apenas se realizava no espaço rural. O tétum falado na
cidade não era exemplo de “língua ideal”, ou seja, não era modelo de “boa língua”.
Desse modo, o funcionamento do tétum em Timor estaria regulado de acordo com a
norma de correção tradicional prescritiva e, de certo modo, a uniformidade e a
regularidade em uma língua timorense seriam imaginariamente garantidas pela
norma de correção gramatical.
Sob outra condição de produção, o tétum falado no interior continuaria a
ser modelo de “boa língua”, de acordo com a norma de correção gramatical, efeito
ideológico do processo de gramatização, contudo, o traço do pragmatismo
envolvendo o tétum do espaço urbano, na capital do país, era o que determinaria o
tétum a ser falado em todo o Timor. Ou seja, não mais a norma controlando a língua,
mas o que a determinaria seria o seu uso cada vez mais frequente entre os sujeitos
que circulavam em Díli, capital do país.
O tétum também se encontrou dividido não apenas pela norma de
correção, ou pelo seu uso em uma dada localidade, mas de acordo com a
organização social da língua (tétum-los) falada por um grupo muito seleto, culto e
símbolo do que se traduzia pelo o que havia de melhor naquilo que era clássico, na
formação da literatura oral timorense, o dos lia-na’in, mestre da palavra,
representante direto da tradição, do que era sagrado na formação da literatura oral
de Timor.
No tocante à divisão entre o tétum e a língua portuguesa, promovida pelo
processo de gramatização para o ensino formal, o tétum sempre esteve em situação
de desvantagem em relação ao português. Embora o tétum aparecesse junto da
língua do colonizador nos dispositivos destinados ao ensino, aquele, pouco a pouco,
209

era deixado de lado à medida que a língua portuguesa era aprendida pelo
timorense. Não havia um projeto linguístico por parte das autoridades portuguesas
para o desenvolvimento pleno do tétum entre os falantes de Timor-Leste.
Na gramatização para o ensino formal, oficializou-se a relação sempre
muito desigual e de hierarquia entre a língua tétum e a língua portuguesa. Na
política de língua de Portugal para Timor-Leste, o tétum era apenas língua de apoio
para que o timorense aprendesse a língua portuguesa. O colonizador nunca
promoveria o ensino da leitura, da escrita e da produção de saberes e de
conhecimentos científicos na língua tétum.
Sob a perspectiva do colonizador, o tétum era uma língua provisória,
língua de transição, pois, era uma língua “incompleta”, “heterogênea”, “que variava
muito” e “em processo de formação”. Sendo assim, não há como negar que a
“parceria” entre o tétum e a língua portuguesa foi marcada pela relação de
desigualdade o que acabou criando um estatuto de poder que hierarquizou as duas
línguas, encontrando-se a língua do colonizador em primeiro lugar.
O português sempre foi a língua que seria desenvolvida pelo processo de
gramatização para o ensino. Porém, ao promover apenas uma única língua
timorense como língua de apoio para a alfabetização do timorense em português, o
processo de gramatização silenciou todas as demais línguas do Timor-Leste para o
ensino oficial nas escolas do país.
Uma vez que a relação entre a língua portuguesa e o tétum e entre essas
duas com as demais línguas de Timor-Leste estava configurada e os estatutos das
línguas em constante conformação, no período da dominação indonésia, mudanças
na configuração do espaço-tempo timorense ocorreriam repetindo alguns e
produzindo outros sentidos.
Com o domínio das autoridades indonésias, a divisão entre as línguas
continuariam, porém, a bahasa indonésia e o inglês entrariam em cena no espaço
de enunciação timorense e as posições entre as línguas no país e os seus falantes
seriam outras.
O processo de gramatização das línguas de Timor-Leste continuaria,
porém, indonésios e australianos também começariam a trabalhar nesse domínio
empregando as línguas indonésia e inglesa junto das línguas timorenses descritas.
210

A língua indonésia, língua oficial do Estado indonésio, substituiria o português,


contudo este conseguiu permanecer junto da resistência timorense contra o
ocupante. A Igreja Católica em Timor-Leste optou pela língua tétum como língua
oficial da liturgia e essa continuaria a ser usada nas escolas oficiais administradas
pelo regime do governo indonésio no país. A língua inglesa passou a ser ensinada
no ensino secundário como língua estrangeira. As demais línguas timorenses, à
exceção do tétum, não ocuparam qualquer estatuto de poder junto das instituições
indonésias.
O projeto de política de língua do colonizador português para o Timor
Oriental previa que o timorense precisava aprender a língua portuguesa, contudo, as
autoridades portuguesas ofereceram condições materiais reduzidas para a
concretização de tal propósito. Já o governo indonésio não apenas obrigou todos os
timorenses a aprenderem a língua indonésia, como investiu pesadamente na
construção de escolas e na contratação de professores indonésios para que toda
uma geração inteira de timorenses aprendesse de modo proficiente a língua oficial
das autoridades indonésias.
Desse modo, as autoridades do país e, principalmente, os guerrilheiros da
resistência timorense, foram os que fizeram oposição à política linguística do
governo indonésio. Como a língua portuguesa e o tétum eram as duas únicas
línguas mais desenvolvidas, pois, contavam com escrita e integravam, em parte, as
capacidades de leitura, de escrita e de fala de alguns resistentes, foram as duas
empregadas na luta contra o dominador indonésio. Além disso, naquele momento de
controle, eram as duas únicas línguas com condições materiais e culturais capazes
se serem empregadas no sentido de diferenciarem os timorenses dos indonésios.
Para sustentar as suas convicções e mostrar ao resto do mundo que os
timorenses não eram indonésios, os guerrilheiros da resistência timorense
assumiram duas posições que divergiram entre si sobre a questão das línguas que
seriam adotadas em um Timor-Leste independente. Uma delas apostava na língua
tétum e no português como línguas de Estado. O tétum, no ano de 1997, era
representado como uma língua já bem mais desenvolvida pelos padres, língua da
Igreja Católica em Timor, era também a língua da produção do conhecimento e
língua capaz de ser empregada para o debate de questões importantes, assim como
211

se passava com o inglês e com o português. Sob essa perspectiva, não foi conferido
qualquer reconhecimento às demais línguas do Timor Português. Da posição
ocupada pelo membro da guerrilha ligado aos portugueses, a diversidade entre as
línguas era compreendida como um problema para a configuração de uma unidade
nacional.
A outra posição propunha que uma Nação que estava prestes a se tornar
independente e que prezava pela democracia deveria reconhecer todas as línguas
do país e não valorizar a língua dos países colonizadores, como sempre aconteceu
na história dos povos colonizados pelos exploradores portugueses e ingleses. Se
Timor-Leste fizesse isso, na condição de país recém-independente, estaria
rendendo-se aos interesses obscuros e de dominação sem escrúpulos de países
colonizadores, (as)sujeitando-se, dessa forma, ao que eles impusessem e
retrocedendo ao estado de país sem capacidade para decidir sobre o próprio futuro.
Desse modo, as autoridades de um Timor-Leste independente não
poderiam se entregar às propostas de países exploradores que pretendiam apenas
impor a língua do seu governo, aniquilando e silenciando as línguas, os povos e as
culturas locais. As línguas e os sujeitos timorenses sempre produziram sentidos na
relação desigual entre as línguas em Timor-Leste e a língua do(s) colonizador(es).
A política de língua do colonizador para Timor-Leste sempre esteve
apoiada no apagamento do funcionamento das línguas do país e no
desenvolvimento de uma língua totalmente estranha a grande parte da população.
A língua do colonizador português circularia nas instâncias de poder,
como governo, finanças, escolas, igrejas etc., e deveria ser aprendida, no caso, não
por todos os timorenses, mas, principalmente, pela elite local detentora de poder
econômico e político. Já as autoridades indonésias obrigaram a todos os timorenses
a aprenderem a língua do Estado, inclusive, tirando o direito ao trabalho na
administração pública daqueles que se negassem a aprender a língua do governo.
As línguas dos diferentes espaços de Timor-Leste eram aprendidas pelos
indonésios, porém, as mesmas não eram desenvolvidas pelas instituições de ensino
oficiais do goveno indonésio e circulavam, geralmente, na comunicação diária entre
indonésios e timorenses e nas celebrações católicas.
Enfim, sujeitos e línguas tinham estatutos muito bem definidos e estavam
212

filiados às condições de produção que o processo de gramatização das línguas e as


instituições de poder promoveram nos diferentes espaços e momentos em Timor-
Leste
213

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ZOPPI-FONTANA, M. G. Ser brasileiro no mundo globalizado. Alargando as


fronteiras da língua nacional. (Trabalho apresentado no IV Seminário da Análise do
Discurso. Salvador: Universidade Estadual da Bahia, 2007). In: DI RENZO, A. M. et
al. Linguagem e história: múltiplos territórios teóricos. Campinas: RG, 2010. p. 129-
152.
221

ANEXOS
222

Anexo 1 - Mapa dos Distritos de Timor-Leste

Fonte: Map of Timor-Leste – United Nations (Mapa de Timor-Leste – Nações Unidas). Disponível em:
<http://www.un.org/Depts/Cartographic/map/profile/timor.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2015.
223

Anexo 2 - Distribuição das Línguas de Timor-Leste por Distrito

Fonte: Sprachen Osttimor (Línguas de Timor-Leste). Disponível em:


<https://de.wikipedia.org/wiki/Sprachen_Osttimors>. Acesso em: 20 jun. 2015.
224

Anexo 3 - Relação dos instrumentos linguísticos elaborados no


período da dominação indonésia em Timor-Leste e algumas
produções publicadas no governo de transição até a independência
do país

No período do controle de Timor-Leste pelo governo indonésio, entre


1976 a 1999, de acordo com o que nos foi possível tomar nota, a instrumentalização
de algumas línguas de Timor acontecera e deu-se através de vários dispositivos
linguísticos.
A gramatização do tétum, lado a lado, ora com o inglês, ora com o
português, ora com a língua indonésia, continuou a tomar forma com o governo de
transição, de 1999 a 2001, até a independência do país, em 2002.
Estão entre as principais obras que compreenderam estes dois períodos:

*Produção da Igreja Católica

1) Comissão Litúrgica da Diocese de Díli. Ordinário da Missa: Texto Oficial Tétum.


Díli, 1980.
2) Duarte, Jorge Barros. Vocabulário Atauro-Português - Português-Atauro, Lisboa,
Instituto Português do Oriente, 1990.
3) Evangelho de São Marcos em Tetum. Dili, 1990.
4) Método Prático para Aprender o Makasae. Lisbon (private edition), 1990.
5) Fraille, Padre Manuel. Katekismo Sarani (Catecismo Cristão). Diocese Dili Nian,
1991.
6) Evangelho de São João em Tétum, Díli, 1992.
7) Nácher, Alfonso María. Dicionário Fataluco-Macassai-Tétum. Manuscrito de 1984.
Digitação de Justino Valentin, Diocese de Baucau, 1992. Em 2012, o padre
salesiano espanhol teve impresso o seu Léxico Fataluku-Português por meio de uma
parceria entre os governos da Espanha e de Timor-Leste.
8) Rutten S.J., Albert (padre jesuíta). Kamus Indonesia-Tetum (Dicionário Indonésio-
Tétum). Dili, Seminário Nossa Senhora de Fátima (private edition), 1995.
225

9) ABC Fatalukunu (ABC do Fataluku). Baulkham Hills, N.S.W.: Mary MacKillip


Institute of East Timorese Studies, 1995.
10) Laing, Melina. Iha ai-laran (Na floresta). Baulkham Hills, NSW: Mary MacKillop
Institute of East Timorese Studies, 1995.
11) Langker, Bibi. Lafaek-oan ida naran Tanuka (Um pequeno crocodilo chamado
Tanuka). Baulkham Hills, NSW: Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies,
1995.
12) Langker, Bibi. Lafaek-oan ida naran Tanuka (Um pequeno crocodilo chamado
Tanuka) St. Marys, N.S.W: Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies, 1996.
13) Moore, Timothy. Ha'u-nia knua (A minha aldeia). St. Marys, N.S.W: Mary
MacKillop Institute of East Timorese Studies, 1996.
14) Jezus ho rai lakan (Jesus e o relâmpago). Durubasa ba Tetun (Tradução para
Tétum): Maria Imaculada dos Reis Piedade; Dezenu (Desenho): Fiona
Kurluparntuwu Kerinauia. St. Marys, N.S.W.: Mary MacKillop Institute of East
Timorese Studies, 1997.
15) Jezus kura ema-fo'er ida (Jesus cura um pecador). Durubasa ba Tetun
(Tradução para Tétum): José M. Viegas. St. Marys, N.S.W.: Mary MacKillop Institute
of East Timorese Studies, 1997.
16) Lenuk Ki'ikoan ida (Uma pequenina tartaruga). Autora: Marguerita Kerinaiua;
Durubasa hosi lia-Tiwi ba Tetun (Tradução da língua Tiwi para Tétum): Maria
Imaculada dos Reis Piedade; dezenu: Ancilla Puruntatameri. St. Marys, N.S.W.:
Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies, 1997.
17) Moris iha knua (A vida na Aldeia). Autora: Maria Imaculada dos Reis Piedade;
Dezenu (Desenho): Edwin Reid. St. Marys, N.S.W.: Mary MacKillop Institute of East
Timorese Studies, 1997.
18) Saida maka balada sira halo (O que é que os animais fazem?). Autora:
Estudante Yangali Sira 1985; Durubasa hosi lia-Tiwi ba Tetun (Tradução da língua
Tiwi para Tétum): José M. Viegas; Dezenu (Desenho): Fiona Kurluparntuwu
Kerinauia. St. Marys, N.S.W.: Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies,
1997.
19) Saida maka balada sira han (O que é que os animais comem?). Autora: Maria
Imaculada dos Reis Peidade; Dezenu (Desenho): Ancilla Warlapijimayuwu
226

Puruntatameri. St. Marys, N.S.W.: Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies,
1997.
20) Suara Timor Timur (Voz de Timor-Leste). Díli, 1997. Escrito em bahasa
indonésia.
21) Serie Mai Hatene Tetun: klase rua (Série Para saber Tétum: Segunda Classe).
St. Marys, N.S.W.: Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies, 1997-1999.
22) Serie Mai Hatene Tetun (Série Para saber Tétum). St. Marys, N.S.W.: Mary
MacKillop Institute of East Timorese Studies, 2000-2001.
23) Fernandes, Padre Rolando. Novo Testamento em Tétum - Lia Fuan Diak ba Imi
(Novo Testamento em Tétum - A boa palavra para você). Jacarta, 2000.
24) Oliveira, Filomena Maria das Dores. Disionariu Tetun ba labarik sira: mai haburas
ita lia (Dicionário Tétum para crianças: para ampliar nossa língua). St. Marys,
N.S.W.: Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies, 2002.

*Produção dos Indonésios

1) Presto, J. Pelajaran Bahasa Tetun-Indonesia (Lições de Língua Tétum-Indonésia).


Dili: Pustaka Kita, n.d.
2) Serantes, P.J.; I.H. Doko. Pelajaran Bahasa Indonesia-Tetun untuk Rakyat Timor
Timur (Lições de Indonésio-Tétum para o Povo de Timor-Leste). Bandung/Jakarta:
Penerbit Ganaco, 1976(a).
________. Pelajaran Bahasa Tetun-Indonesia Percakapan Sehari-Hari (Lições de
Tétum-Indonésio para Conversação Cotidiana). Bandung/Jakarta, Penerbit Ganaco,
1976(b).
________. Kamus Kecil Indonesia – Tetun Belu – Tetun-Dili (Pequeno Dicionário
Indonésio – Tétum Belo – Tétum Díli). Bandung/Jakarta: Penerbit Ganaco NV,
1976(c).
3) Kamus Bahasa Indonesia,Tetun Belu - Tetun Dili (Dicionário da Língua Indonésia,
Tétum Belo – Tétum Díli). Dili: Pustaka Kita, [198-?].
4) Monteiro, Fransiskus. Kamus Tetun-Indonesia (Dicionário Tétum-Indonésio).
Jakarta: Pusat Pembinaan dan Pengembangan Bahasa, Departemen Pendidikan
dan Kebudayaan, 1985.
227

5) Struktur bahasa Tetum (Estrutura da língua Tétum). Jakarta: Departemen


Pendidikan dan Kebudayaan, 1987.
6) Kartawinata, Handiyo. Studi perbandingan frase verba bahasa Tetun dan bahasa
Inggeris: laporan penelitian (Estudo comparativo da expressão verbal tétum e Inglês:
relatório de pesquisa). Singaraja: FKIP Universitas Udayana, 1990.
7) Survei bahasa dan sastra di Timor Timur (Levantamento da língua e da literatura
em Timor- Leste). Jakarta: Pusat Pembinaan dan Pengembangan Bahasa,
Departemen Pendidikan dan Kebudayaan, 1994.
8) Struktur bahasa Idate (Estrutura da língua Idate). Jakarta: Pusat Pembinaan dan
Pengembangan Bahasa, Departemen Pendidikan dan Kebudayaan, 1994.
9) Struktur sastra lisan Mambai di Timor Timur (A Estrutura da literatura oral Mambai
em Timor-Leste). Jakarta: Pusat Pembinaan dan Pengembangan Bahasa,
Departemen Pendidikan dan Kebudayaan, 1995.
10) Sastra lisan Tetun (Oral Tétum Literatura). Jakarta: Pusat Pembinaan dan
Pengembangan Bahasa, Departemen Pendidikan dan Kebudayaan, 1995.
11) Struktur bahasa Makasai (Estrutura da língua Makasai). Jakarta: Pusat
Pembinaan dan Pengembangan Bahasa, Departemen Pendidikan dan Kebudayaan,
1998.
12) Soares, Octavio A. J. O. East Timor, land of the rising sun: a traveler's guide plus
English Indonesian-Tetum dictionary (Timor-Leste, terra do sol nascente: um guia do
viajante mais dicionário inglês, indonésio-tétum). Yogyakarta: Penerbit Kanisius,
1999.
13) Struktur bahasa Kemak (Estrutura da língua Kemak). Jakarta: Pusat Pembinaan
dan Pengembangan Bahasa, Departemen Pendidikan dan Kebudayaan, 1999.

*Produção dos Timorenses

1) Comité de Alfabetização da Fretilin. Como vamos alfabetizar o nosso povo Mau


Bere de Timor-Leste. Suplementos com orientações 1, 2,3. n°. 6. Timor-Leste, 1975.
2) Soares, Domingos M. Dores. Kamus Bahasa Tetum - Bahasa Indonesia - Bahasa
Portugis (Dicionário das Línguas Tétum-Indonésia-Portuguesa). Jakarta, 1985.
3) Tilman, Armindo da Costa. Matadalan nosi tetun – Timór lian (Manual de Tétum –
228

Língua de Timor). Lisbon (private edition), 1996.


4) Costa, Luís. Dicionário de Tétum-Português. Lisboa, Universidade de Lisboa,
2000.
_____. Dicionário de Tétum-Português. 2ª. edição, formato de bolso. Lisboa,
Universidade de Lisboa, Editora Colibri, 2001.
_____. Guia de Conversação Português-Tétum. Lisboa, Universidade de Lisboa,
2001.
5) Aparicio, José. East Timor: Tetun guide to daily conversation (to communicate with
people at different levels and backgrounds): welcome to brotherhood country Timor-
Lorosa'e. Darwin, N.T.: J. Aparicio, 2001.
6) Santos, Belarmino Freitas G. dos. Istoria oi-oin ba labarik sira (História variada
para crianças) . Dili: Tipografia Diocese Baucau, 2002.

*Produção dos Australianos

1) Landman, James R. Dictionary of Colloquial Tetum: Tetum-English, English-Tetum


(Dicionário de Tétum Coloquial: Tétum-Inglês, Inglês-Tétum) [private edition].
Melbourne, 1975.
2) Tetum, Portuguese, Japanese (Tétum, Português, Japonês). 2nd ed. Canberra:
Australian Government Publishing Service, 1983.
3) Morris, H. C. (Harold Clifford). Timorese stories in Tetun [i.e. Tetum] text with
English translation (Histórias timorenses em Tétum texto com tradução para o
Inglês). Mornington, Vic., 1981.
_____. Tetun-English Dictionary (Dicionário Tétum-Inglês). Canberra: Dept. of
Linguistics, Research School of Pacific Studies, Australian National University, 1984.
_____. A traveller's dictionary in Tetun-English and English-Tetun from the land of
the sleeping crocodile, East Timor (Um dicionário de viajante em Tétum-Inglês e
Inglês-Tétum da terra do crocodilo adormecido, Timor-Leste). Frankston [Vic.]: Baba
Dook Books, 1992.
4) Rusa, Na'i-lulik = Dear, Priest: selected stories from Timor, the book of the story-
teller (Prezado, Padre: histórias selecionadas de Timor, o livro do contador de
estórias). Sydney: Timorese Australian Council, 1995.
229

5) International Academic Committee for the Development of East Timorese


Languages (IACDETL) Princípios de Ortografia Tétum: Sistema Fonémico. Sydney:
University of Western Sydney, 1996.
6) Hull, Geoffrey. Mai Kolia Tetun: A Beginner’s Course in Tetum-Praça, the Lingua
Franca of East Timor (Vem falar Tétum: Um curso de iniciante em Tétum-Praça, a
Língua Franca de Timor-Leste). Sidney: Australian Catholic Relief and the Australian
Catholic Social Justice Council, 1993; 2nd audio-visual edition, 1993.
_____. Orientação para a padronização da língua tétum. Sydney: University of
Western Sydney: Macarthur Linguistic Series, 1997.
_____. Ortografia tetun: Matadalan alfabétiku (Ortografia Tétum: Manual alfabético).
University of Western Sydney: Macarthur Linguistic Series, 1997. _____. Mai Kolia
Tetun. A Course in Tetum-Praça (Vem falar Tétum. Um Curso em Tétum-Praça).
Sydney, Australian Catholic Relief and the Australian Catholic Social Justice Council,
1998.
_____. Standard Tetum-English Dictionary (Dicionário Padrão Tétum-Inglês).
Sydney: Allen & Unwin, 1999.
_____. Tetum. Language Manual for East Timor (Tétum. Manual Linguístico para
Timor-Leste). Geoffrey Hull with the assistance of Dionísio da Costa Babo Soares,
Jorge da Conceição Teme e Benjamim de Araújo e Corte-Real. North Ryde N.S.W:
Kwik Kopy Printing Centre, 1999.
____. Tetum, Language Manual for East Timor. Academy of East Timor Studies,
University of Western Sidney, 2000.
____. Short English-Tetum dictionary. Disionariu badak Ingles-Tetun (Dicionário
reduzido Inglês-Tétum). 3rd ed. Winston, N.S.W.: Sebastião Aparicio da Silva
Project, 2000.
____. Manual de Língua Tétum para Timor-Leste. Com o apoio de Jorge da
Conceição Teme, Dionísio da Costa Babo Soares, Benjamim de Araújo e Corte-Real
e Maria da Graça d’Orey. New South Wales, Sebastião Aparício da Silva Project,
2001.
____. Baikenu language manual for the Oecussi-Ambeno enclave (East Timor)
(Manual de Língua Baiqueno para o enclave Oecussi-Ambeno – Timor-Leste).
Winston Hills, N.S.W.: Sebastião Aparicio da Silva project, 2001.
230

____. Baikenu (Baiqueno) Dili: Instituto Nacional de Linguistica, Universidade


Nacional Timor Lorosa'e, 2003.
____. Short English-Tetum dictionary (Dicionário reduzido Inglês-Tétum). 2nd. and
expanded ed. Winston Hills: Sebastião Aparicio da Silva Project, 2000.
____. Standard Tetum-English dictionary (Dicionário padrão Tétum-Inglês). St.
Leonards, N.S.W.: Allen & Unwin in association with the University of Western
Sydney, Macarthur, 1999.
____. Standard Tetum-English dictionary (Dicionário padrão Tétum-Inglês). 2nd. ed.
Crows Nest, N.S.W.: Allen & Unwin in association with the University of Western
Sydney, 2001.
____. Standard Tetum-English dictionary (Dicionário padrão Tétum-Inglês). 3rd. ed.
Winston Hills, N.S.W.: Sebastião Aparício da Silva Project in association with
Instituto Nacional de Linguística [INL], Timor-Leste, 2002.
____. Tetum reference Grammar (Gramática de referência ao Tétum). Winston Hills,
NSW: Sebastião Aparicio da Silva Project, 2001.
____. Tetum language manual for East Timor (Manual de língua Tétum para Timor-
Leste). 4th. ed. Winston Hills, N.S.W.: Sebastião Aparicio da Silva Project, 2001.
____. Tetum language manual for East Timor (Manual de língua Tétum para Timor-
Leste). 4th. ed. Winston Hills, N.S.W.: Academy of East Timor Studies, Faculty of
Education & Languages, University of Western Sydney Macarthur, 1999.
____. Princípios de ortografia Tetum: (sistema fonémico). Winston Hills, NSW:
Sebastião Aparicio da Silva Project, 2001.
____. Manual de língua tétum para Timor-Leste. Winston Hills, NSW: Sebastião
Aparicio da Silva Project, 2001, 2000.
____. Mai kolia Tetun: a course in Tetum-Praca, the lingua Franca of East Timor
(Vem falar Tétum: um curso em Tétum-Praça, a língua Franca de Timor-Leste). 3rd
ed. North Sydney, N.S.W.: Caritas Australia and the Australian Catholic Social
Justice Council, 1993, 1996, 1999.
____. Waimaha (Uaimá). Winston Hills, N.S.W.: Published for Instituto Nacional de
Linguistica by the Sebastião Aparicio da Silva Project, 2002.
____. Dili tetum (Tétum-Díli). Winston Hills, N.S.W.: Published for Instituto Nacional
de Linguistica by the Sebastião Aparicio da Silva Project, 2002.
231

7) Lafaek: revista ba labarik. (Crocodilo: revista para criança) Dili: CARE International
in East Timor. Departamento de Educação ATTL, 2001.
8) Instituto Nacional de Linguística (INL). Matadalan Ortográfiku ba Tetun Nasionál
(Guia Ortográfico para Tétum Nacional). Díli, INL, 2002.
9) Instituto Nacional de Linguística (INL). Hakerek Tetun Tuir Banati (Escrever Tétum
seguindo a cópia). Díli, INL, 2002.
10) Polke, Jonathan. Ko'alia ingles hamutuk (Falar inglês juntos). [S.l.: s.n.], 2002.
11) Williams-van Klinken, Catharina; Hajek, John; Nordlinger, Rachel. Tetun Dili: a
grammar of an East Timorese language (Tétum-Díli: uma gramática de uma língua
leste-timorense). Coleção Pacific Linguistics, 520, Canberra: Universidade Nacional
da Austrália, 2002.

*Produções holandesas, antes da dominação do governo indonésio

1) Mathijsen, A. Tettum-Hollandsche woordenlijst (Dicionário Tétum-Holandês): met


beknopte spraakkunst (com a gramática concisa). Batavia: Albrecht St. Hage: M.
Nijhoff, 1906.
2) Mathijsen, A. Eenige fabels en volkslegenden van de onderafdeeling beloe op het
eiland Timor (Algumas fábulas e lendas folclóricas dos Belos e subdivisão da ilha de
Timor). Batavia: Albrecht St. Hage: M. Nijhoff, 1915.
3) Middelkoop, Pieter. Amarasisch Timoreesche teksten (Textos timorenses em
Amarisi). Bandoeng: A.C. Nix & Co., 1939.
232

Anexo 4 – “Corpo” da língua de Instrumentos Linguísticos Variados

* Pequena Gramática Macassai, do Centro Juvenil Salesiano de Baucau, de 1973.

CAPITULO1

I. GRAMATICA

A construção da frase em Macassae é parecida com a construção latina.

Sujeito + complementos + verbo principal

Exemplos:

Ani cuda guta Há’u oho cuda Eu mato o cavalo

Uaasi gi ni defa basse Ohin ne’e nia bacu ninia assu Hoje ele bateu o seu cão

ARTIGO

Em Macassae não existem Artigos Definidos, existe somente o Artigo Indefinido “u”

Exemplos:

Anu u Ema ida Uma pessoa


Defa u Assu ida Um cão

Como se vê nos exemplos, este artigo indefinido põe-se depois do nome a quem se
refere.

** Método Prático para aprender o tétum, de 1937, da autoria do Padre Abílio José
Fernandes

SUBSTANTIVOS
233

Formação dos géneros

1. Para as pessoas, o masculino indica-se pospondo a palavra mane (homem)


ao substantivo; forma-se o feminino do mesmo modo com a palavra feto
(mulher ).

Exemplos:

Oan mane Filho ou menino ou rapaz.

Oan feto Filha ou menina ou rapariga.

2. Para os animais, usa-se a palavra aman (pai) para o masculino; para o


feminino, a palavra inan (mãe) pospostas aos substantivos.

Exemplos:

Cuda aman Cavalo


Cuda inan Égua
Manu aman Galo
Manu inan Galinha
Açu aman Cão
Açu inan Cadela

SEGUNDA PARTE

Ema nia icin O corpo humano


Ulun Cabeça.
Reen tos Testa.
Cnôruc Nuca.
Buhaçun Faces.
Kikir Fontes.
Cacutac Cérebro, miolos.
234

Fu’uc Cabelo.
Haça rahun Barba.
Ibun rahun Bigode.
Matan Olhos.
Matan fulun Pestanas.
Matan fucun Sobrancelhas.
Matan culit Pálpebras.
Matan mutin A parte branca do olho globo do ôlho.
Matan oan Pupila.
Tilun tahan Pavilhão do ouvido.
Tilun cuac Conduto auditivo.
Inur Nariz.
Inur cuac Narinas.
Ibun Bôca.
Ibun culit Lábios.
Ibun culit leten Lábio superior.
Ibun culit craic Lábio inferior.
Ibun cnanarac Céu da bôca.

TERCEIRA PARTE

PEQUENO VOCABULÁRIO

Abafadiço, adj. manas, anin laec.


Abafar, v. i. taca iis.
Abaixar, v. t. haraic.
Abaixar-se, v. r. hacru’uc, haraic-an.
235

Abanar, v. t. doco; - abanar uma arvore, doco ai; - abanar a cabeça, dou’uc ulun.
Abandonar; v. t. hucic; hela.
Abater, v. t. sôbu, hatún, hamonu; - uma casa, sôbu uma; - o preço, hatún folin; - a
terra rai mouut.
Abaülar, v. t. halo cabuar.
Aberto, adj. Loke, nacloke.
Abluir, v. t. face: - as mãos, face liman.
Abolir, v. t. hasai.
Abominar, v. t. hacribi.
Aborrecer, v. t. hacribi.
Abortar, v. i. hamonu oan; ( para os animais) loulur.
Abraçar, v. t. hacfulac; abraçar a opinião de alguém, tuir ema nia lia fuan.
Abrandar, v. t. hamamar; - o vento, anin.

*** Cartilha - Tetun - 1ª. Parte, autoria do Pe. Laranjeira, publicada em 1916.

Aman, Inan
Pai, Mãe

“Ita sei hadomi ita aman ho ita inan liu ema seluc ho buat tomac iha rai, ba sira
hadomi mós ita liu tomac.
Ita aman ho ita inan há’e ita bêlun di’ac liu.
Sira hanoin de’i ita atu labele hetan aat ida.
Sira cole hodi terus atu hakiac ita, mai bé la hanoin cole ho terus; hanoin de’i ita atu
la curan buat ida. (...)”.

PAI E MÃE

“Devemos amar nosso pai e nossa mãe mais que as outras pessoas e que tôdas as
coisas que há, no mundo, porque êles também nos amam mais que tudo.
Nosso pai e nossa mãe é que são os nossos melhores amigos.
Eles só cuidam de nós para que não nos possa acontecer algum mal.
236

Eles cansam-se e sofrem para nos sustentar, mas não pensam em trabalhos nem
sofrimentos, pensam só em que nada nos falte. (...)”.

ESCOLA

“Ita aman ho ita inam haruca ita mai escola, atu hanourin an hodi hatene buat di ‘ac
ua’in.
Ita sei hacara duui atu hanourin an; sei rona ho neon lia tomac na’i mestre hanourin;
sei estuda ho laran di’ac, hodi hacara, atu hatene lailais, atu bá hi’as ita uma tulun ita
aman ho ita inan.
Labaric sira la mai escola, beic nafatin, la hatene buat ida; ema toma bele boçoc sira.
Mai bé sei hanoin há’ac ita la mai escola atu loco an, atu hatene tuir lós ita cnaar,
hodi halo di’ac bá ema seluc. (...)”.

A ESCOLA

“Nosso pai e nossa mãe mandam-nos à escola para nos instruirmos e para
sabermos muitas coisas boas.
Devemos, pois, ter vontade de aprender; devemos ouvir com atenção tôdas as
palavras que o senhor professor ensina; devemos estudar com vontade e fazer por
aprender depressa, para irmos de novo para casa ajudar nosso pai e nossa mãe.
Os meninos que não vêm à escola (ficam) sempre ignorantes, não sabem coisa
alguma, tôda a gente pode enganá-los, mas devemos pensar que não vimos à
escola para sermos vaidosos e nem para sabermos enganar as pessoas, vimos
aprender a cumprir bem os nossos deveres e a fazer bem a tôda a gente. (...)”.

**** Noções de gramática galóli, com edição em 1900, da autoria do Padre Manuel
Maria Alves da Silva

15. Da conjuncção

45. E, ho; também, etan, ho; pois, doi illan, elilan; assim como, elle, ... elle, ou, é,
237

mas mae; d’outra sorte, é contra, áèn sélluco; logo, pois, ensacá; portanto, por
conseguinte, elilan, do’i illan, elilan do’i; por isso, porque, pois, pois que, do’i illan bè,
imbè, ne’e illan.

Ex.: Deus manda que façamos o bem para irmos para o Céo, Baibei deus sóban
guita tuna lálan noco la’a mia Lânit.

16. Exercicios

46. Eu e tu iremos juntos, ga’u ho go toco la’a cu’ac, ou toco la’a dáas.
Tambem elle quer ir, ni etan mui noco la’a.
(...)

19. Da pronuncia

51. As lettras tem a mesma pronuncia que em portuguez tanto as que têm accento,
como as que o não têm.
52. As palavras que em portuguez, em razão da sua etymologia, se escrevem com
certas lettras que são desnecessarias para a pronuncia, passando para galoli,
escrever-se-hão a orthographia sonica. Ex.: ora (hora); sucéde (succede); istoria
(historia).
53. Quando apparecer repetida a mesma vogal, sendo a primeira longa, a pronuncia
da 2ª. é indistincta, devendo prolongar-se aquella como se tivesse o valor de duas
da mesma natureza. Ex.: iháate (quatro) etc.; exceptua-se d’esta regra inéen (seis) e
as lettras que tiverem entre si a virgula em cima ( ‘ ): como le’i – aqui etc. ca’a ba,
vamos lá.
54. A – final das palavras é brando, como em portuguez a ultima lettra de toda. Ex.:
Rala, tomar.
55. O – final é mudo, como: uno, beijar.
56. E – final é mudo, como: ilate, espingarda, como se se escrevesse ílat.
57. I e U – têm o som natural. Ex.: icluni, travesseiro; iáhu, cinza; dau, barro
58. As consoantes têm a mesma pronuncia que em portuguez, excepto o h que
238

sempre é aspirado, como: Nahú, começar; iáhu, cinza.


59. Ch – sempre tem o som de x, se alguma vez apparecer, o que será por
descuido, pois haverá cuidado de escrever com x as palavras que tem este som.
60. M – Caso appareçam palavras acabadas em m, lêem-se como em portuguez as
seguintes: homem, rim, som.
61. N – As palavras acabadas em an, en, in, on, um e se algumas apparecerem com
m em lugar de n, lêem-se como as primeiras syllabas de – antes, entre, intimo, onça,
unto etc. Ex.: Rálan (coração); inéen (seis); imorin (fogo); hóhon (em cima); garen
(cabeça); intíni (depois); rala hom (cheirar); áèn lóron (cara feia).
Não obstante pode tornar-se sensível um pouco o n, principalmente nas palavras
acabadas em an e en.
62. Em geral começando por vogal ou h a palavra seguinte que seja pedida ou com
que concorde, torna-se sensivel o n ultimo das palavras que acabarem em n como
se a antecedente e a seguinte formassem uma só palavra. Ex.: hullaan néhe, um
mez, lê-se como se se escrevesse hulla néhè.
Não havendo depois de n nem vogal nem h na palavra seguinte, pode pronunciar se
ou deixar de se pronunciar, mas geralmente faz-se sentir.
63. Q – antes de u seguindo-se a, e, i, o, - se alguma vez apparecer, - não se faz
sentir o u, excepto em – quando.
64. Para evitar que se podesse ler cue, cui, se se escrevesse que, qui, adoptou-se
um k antes de i, e, e um c antes de o, a, u. Ex.: Rateke, visitar; rakidoco, recuar, ou
andar para traz; cadessic, visinho; ca’a tomo, vamos já ; ca’a cuta hébac lôi, vamos
cá ainda a matar o bicho (beber um grog); bi’ar hebac itobo roco racu’ac loi,
esperemos que a gente se junte.
65. Se aluma vez apparecer s entre duas vogaes não terá o valor z, como em
portuguez, pois quando valer z, escreve-se-ha esta lettra. (*).181
66. As palavras em que se encontrar s debrado (ss), lêem-se como ç antes de o, a,
u, ou c antes de e, e de i, não se tornando sensível senão um s.
Poucas palavras apparecerão com dois ss, pois substituiram-se por c antes de e e

181
As palavras que em portuguez têm s entre vogaes valendo z, e passam para galoli, deviam
escrever-se todas com um z; mas pelo habito de as escrever em portuguez, muitas escaparam com s;
o mesmo deve dizer-se das palavras, beli, ilan, nahula, que quasi sempre se escrevem com lettra
dobrada, pelo habito de as escrever assim, seguindo a maneira de escrever portugueza.
239

de i, e por ç antes de a, o, u.
67. Adoptou-se um signal que servirá para ferir gutturalmente a syllaba que estiver
antes, é – uma virgula em cima ( ‘ ). Ex.: ran’an, comer ; illan do’i, isso mesmo.
Somente ouvindo-se e com a pratica se pode produsir este som.

FIM.

***** Catecismo da Doutrina Christã em Tétum, da autoria do Pe. jesuíta Sebastião


Maria Apparicio da Silva, no ano de 1885.

DOUTRINA CHRISTÃ

(Em Tétum – um dos dialectos de Timor)

Saráni cátac sá
(Que quer dizer Christão)

Húçu. Ó (cá, ita) saráni ca láe?


Símu. Há‘u saráni, ba sá Ná‘i Marômac fó dí ‘ac né‘e mái há‘u.
H. Saráni, cátac sá ?
S. Saráni, cátac, ema né‘e bé símu ona Sacramento. Saráni, hoto fíer Jesus Christo,
halo ctúir mós nia lia fúan hoto.
H. Ema saráni deite, fíer Jesus Christo nia lia fúan hôto, mas la halo ctúir nia fé, dí
‘ac áto ba iha laléhan, cá láe?
S. Láe. Ema saráni, sei móris nú‘údar saráni dí ‘ac, preciso fíer Jesus Christo nia lina
fúan, preciso mós halo ctúir nú ‘udar fíer, halo dadáum búate hoto né ‘e bé J. Christo
hanourim úluco.
H. Ema iha fé, hacsúmic déite fé né ‘e iha nia láran, dí ‘ac ca láe?
(...)

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