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12, TOPICOS (FRAGMENTARIOS) PARA UMA HISTORIOGRAFIA DO C 0 M O* 0 lor de um pensamento se mede por sa dixdncia om relagdo& continuidade do conhecido. ‘T.W. Avonno, Minima Moratia Paul Valéry ~ lembra Gérard Genctte, em “Structura- lisme et Critique Littéraire”, - sonhava com uma Historia da Literatura compreendida “ndo tanto como uma historia dos autores ¢ dos acidentes de sua carreira ou do eurso de ssuas obras, mas como uma Histéria do espirito, enquanto produtor ou consumidor de literatura, e essa hist6ria pode- ria mesmo ser feita sem que nela se pronunciasse 0 nome, + Testo escrito em 1981, publica oriasimente em Ane & Lingogen, Ca ‘dernas PUCSP, 14, EDUC. Cate, 582, “a7 de um escritor sequer”. Genettevislumbra nesse projeto vax leryano (a reverberar em autores como Borges ¢ Blanchot) uma “utopia muito profunda”, a do campo literdrio pensado em termos de um “conjunto coerente, um espago homogé- neo no interior do qual as obras se tocam ¢ se penetram umas as outras”. Crefo que, na linha de um semelhante pressentimento historiografico de instigagio ut6piea, com funcéo, talvez, de “fiegdo heuristica”, poder-se-ia muito bem intentar a hist6- ria de certos operadores textuais enquanto agentes (prota- gonistas, “actantes”) da evolugdo literdria, entendida esta ( assim, a est6ria da hist6ria) como um modelo narratol6- gico sujefto a um procedimento de emplotment (a expressio € de Hayden White, Tropics of Discourse), cuja finalidade, na acepcio que aqui lhe dou, seria organizar a matéria fac- tual (0s textos seqlienciados no tempo) num espago conste- lar de coeréncia, $6 que, em contrapartida a idéia de Ge- netto, nesse tracado ou diggrama, néo apenas 0 “homogé- neo” (a identidade, a convergéncia), mas ainda, e sobretu- do, 0 “heterogénco” (a diferenga, a divergéncia) deveria ter ore vez. ‘Assim, por exemplo, seria possivel imaginar uma hist6- ria do como (da partfcula comparativa “como”) e de suas aventuras textuais no espago literdrio brasileiro, desde 0 ‘Romantismo. Falo nominalmente de prosa, para tornar a intriga mais desconcertante. Esta “est6ria” na “Historia poderia também ser rebatizada como uma “Histéria do epiffnico” (protagonizada pelo “como”) versus (ou parale- limente 4) tina “stra do epos"(cajs herds, no nivel funcional da gramética narrativa, s80 0s verbos de ago, fac- tivos © performativos). Do ponto de vista ontol6gico, o sta- tus desta iltima seria definivel pelo principio aristotélico da “8 identidade ¢ da néo-contradigdo (uma coisa ndo pode ser ¢ deixar de ser a0 mesmo tempo) ¢ pela silogistica do terceiro cexcluido. O principio da identidade caucionaria, por um la- do, 0 regime lbgico do discurso da predicagio na gramati- ca grcga ono Ocidente (Derrida mostrou a solidaricdade entre a concepgio metafisico-linear da histéria, enquanto desdobramento da presenca, num esquema de inicio-meio- fim, © 0 modelo épico-discursivo; Jauss evidenciou como a ilusdo de objetividade da historiografia teleol6gica tradicio- nal estd presa a idéia aristotética da unidade da fabula a). Por outro lado, 0 mesmo principio garantiria a apofin- tica da produgao do sentido na narragio c assim a “conexio Epica”, cuja dissolugdo, como traco negativo da Moderni de, minando a sobrevivéncia residual do cpos cléssico na prosa do mundo da burguesia, ou seja, no romance enquan- to “epopéia burguesa” da desilusio, regido pela nostalgia verocéntrica da restituigio do sentido imanente perdido, 6 tdo lastimada pelo Lukes que opie, como sinal pejorativo desses nossos tempos agénicos de “solitude ontologica”, 0 modo épico do narrar a0 modo epifinico do descrever (re- porto-me a conhecida disjungdo lukacsiana, Erzachlen oder Beschreiben). Para a escritura do “como”, no principio niio era 0 ver- bo, mas 0 advérbio. O stats desse “como” (conjuncio ad- verbial comparativa) ndo é afiancado pela Isgica-discursiva, ‘mas pela analégica da similitude. E aqui entra de novo Aristételes, pai da légica ocidental, “rector” do Logos, € te6rico da metéfora, ou seja, padrasto da Anal6gica, da’ por assim dizer ~ nio-logica do tercciro incluido, onde uma coisa pode deixar de ser igual a si mesma para incorporar outro, a diferenca, desde que postulada uma relagio de si- milaridade, cabendo ao poeta (endo mesmo sinal de seu g@nio) perceber essas relagies, ~ essas afinidades “simpoé- ticas”, capazes de reconciliar, no amplexo da mesmidade assim relativizada, 0 estranhamento subversivo da outrida- de, Se as poéticas classicizantes da “imit

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