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Tema da avaliação: Elabore uma dissertação discorrendo sobre a apropriação

da oposição entre substancia pensante e substancia material na dialética de Hegel.

Tomaremos como ponto de partida de nossa redação o livro do sociólogo Herbert


Marcuse, Razão e Revolução: Hegel e o surgimento da teoria social, bem como a exposição
realizada em sala.

Para Marcuse a Fenomenologia do Espírito, de Hegel (1807) insere e se insere no


desenvolvimento da filosofia como pretensão de afirmar esta como uma ciência do
conhecimento propriamente humano, como tal se distingue das outra ciências pela forma
específica que trata a essência dos objetos e de suas interações, cabe a filosofia se
questionar sobre como o pensamento apreende a verdade do mundo real.

Para Hegel, o Espírito se revela no desenvolvimento da matéria do mundo real, pela


forma fenomênica (tomada como falsidade) da natureza e seu desenvolvimento até o ser
humano, desenrolar que vai da relação causal e muda, desprovida de consciência, da
natureza à consciência, provida de finalidade, do ser humano; processo que se inicia com a
alienação do Espírito e vai à autoconsciência de-si do homem.

A filosofia eleva como prioridade, como seu objeto de análise, o conhecimento da


essência (da verdade) do processo que leva da alienação do Espírito ao seu auto-
reconhecimento, pelo ser humano, desse processo; a natureza tomada como muda,
desprovida de consciência é tomada como base da interação dos seres humanos no mundo,
sofrendo a ação do ser humano.

A verdade, tomada como desenvolvimento histórico das formas como o Espírito se


revela, é uma forma de ser tanto como o conhecimento humano, que é a apreensão
cognitiva desse processo, ambos existem objetivamente, por isso se relacionam. A
finalidade da filosofia é tomar o processo de alienação do Espírito na suas intermediações
autênticas e fundamentais que dizem respeito à interação desse Espírito com a consciência
do ser humano.

O processo de investigação da filosofia hegeliana, o método dialético, é aquele que


permite tomar os objetos em sua estrutura dada, buscando reconstituir, mentalmente, sua
ontogênese, seus fundamentos reais e sua interação com a consciência; lembrando que os
objetos – que são, em última instância, formas de ser, determinação da existência do
Espírito – não se apresentam na sua forma autêntica, mas como falsidade, cabendo ao
método dialético tomar a imediaticidade do objeto (sua falsidade) e buscando determinar
sua real configuração – sua gênese, desenvolvimento e negação.

Tomando de Espinosa a expressão determinação é negação, Hegel incorpora ao


método dialético, como parâmetros de análise, a objetividade do tempo (agora) e do espaço
(aqui), tomados como universais a todos objetos que estão em constante transformação ao
longo do processo histórico.

O Aqui e o Agora são categorias que necessariamente são sua falsidade (seu não-
ser; quando digo “aqui”, nego o ali e o acolá, o mesmo ocorre quando do “agora”, nego o
passado e o futuro) “que, por intermédio da negação, não é isto nem aqui, mas somente um
não-isto, e que é indiferente a ser isto ou aquilo – uma coisa desta espécie (...) nós
chamamos de um Universal” (pg. 106)

Não é possível para Hegel nadar duas vezes no mesmo rio; a experiência da vida
cotidiana nos apresenta de maneira muda essa objetividade, o primeiro passo da
investigação filosófica é tomar a objetividade muda e transformá-la em conhecimento;
nesse sentido a esfera do ser natural se encarrega de ilustrar, para o sujeito pensante, a vida,
o desenvolvimento e morte de vários animais e plantas, nessa ou naquela época e neste ou
naquele rincão, independendo do animal ou da planta, para o conhecer do ser humano, que
tempo e espaço são o verdadeiro conteúdo – objeto do pensamento – da experiência da vida
cotidiana.

Segundo Marcuse, para a Fenomenologia de Hegel, o “Eu” também se revela com


um Universal, pelo fato de que a afirmação do “eu” individual ser necessariamente a
negação de todos ou outros “eus” possíveis:

Afirmo que é dia e que vejo uma casa. Registro esta verdade, e alguém
que depois a lê, pode afirma que é noite, e que vê uma árvore. “As duas
verdades têm a mesma autenticidade”, e ambas se tornam falsas com a
mudança de tempo e lugar. A verdade, por conseguinte, não se pode
vincular a um eu individual particular. Se eu digo que eu vejo uma casa
aqui e agora, significa que qualquer um poderia tomar meu lugar como
sujeito dessa percepção. (pg 107)

Podemos aqui tomar que a experiência sensível apresenta como prioridade do


conhecimento da verdade dos objetos a sua própria negatividade, tanto sua singularidade de
objeto “negação da existência per se do objeto” (pois necessariamente deve ser num tempo
e espaço determinados) quanto à singularidade do ser pensante “com a transferência da
verdade para o eu universal”; nessa esteira a objetividade do mundo está associada, e
também, porquê não, limitada, à capacidade do ser humano pensante de tomar parte desse
processo.

Nesse momento a percepção da objetividade parte desde já dos universais; não mais
como imediaticidade sensível, mas como seu oposto, como objeto pensado e como tal, sua
objetividade se relaciona com o mundo real como coisa, coisa universal.

Por exemplo: chamo de “sal” esta coisa que percebo aqui e agora. Não me
refiro aos quais e agoras particulares nos quais tal coisa me aparece, mas
a unidade específica na diversidade das suas “propriedades”
(Eigenschaften). Refiro-me à coisidade da coisa (...) O sal é branco, de
forma cúbica, etc (...) Suas propriedades não são arbitrárias e
epermutáveis, mas antes “encluem e negam” outras propriedades. Se o
Sal é branco e acre, não pode ser negro e doce. (pg. 108-109)

Quando no momento de determinação, de afirmação, do objeto, a percepção revela


que a coisa em si é, uma contradição de identidade da identidade e da não identidade. “A
unidade da coisa não só se determina, como se constitui, por sua relação com outras coisas,
e sua coisidade consiste nesta mesma relação” (pg 110). Uma relação complexa entre
elementos distintos e que se auto influenciam, desta influência revela-se a força que impele
a mediação dos distintos elementos e que dá vida ao objeto; “se a substância das coisas é
força, seu modo de existência revela-se como aparência”(pg 111).

Aparência como expressão de uma essência e seu pólo oposto; como identidade da
identidade e da não identidade a aparência (como negação) só pode existir em interação
com sua essência (como mediação dos distintos elementos do objeto que lhe dão vida) e a
essência só pode se revelar como aparência, como imediaticidade do objeto, como o seu
não-ser.

A essência tida como a força que medeia o mundo “interior” dos objetos toma, para
Hegel, importância sui generis visto que para o sujeito pensante o caminho para se
apropriar da verdade dos objetos – que são formas de ser, determinação da existência do
Espírito – passa da experiência cotidiana muda para a experiência sensível, agora, mediada
pela negação da imediaticidade do objeto e da individualidade do “eu” pensante, que na sua
percepção da universalidade da coisa se defronta com as contradições da particularidade do
hic et nunc do objeto.

A filosofia tomada como o processo do conhecimento da essência (da verdade) do


detour que leva da alienação do Espírito ao seu auto-reconhecimento, se põe, em Hegel, a
ser uma filosofia da possibilidade, e necessidade, de investigação da essência do sujeito, (de
sua consciência) tomado como objeto.

Se relação de forças entre os complexos “internos” do objeto, é sua essência, a


aparência de um mundo mudo e estável se desmancha; agora todos os objetos são tomados
como complexos dinâmicos que interagem interna e externamente regidos por forças que se
aproximam e se repelem, “uma força exerce um poder definido sobre seus efeitos, e
continua a mesma no meio das suas varias manifestações (...) atua segundo uma ‘lei’
inerente, de modo que, como Hegel, estabelece a verdade da força é “a lei da força” (das
Gesetzdet Kraft)” (pg112) desta maneira as forças internas do objeto, sua essência, são
regidas por leis que lhe são próprias e que repelem e atraem seus elementos fundantes e os
outros objetos.

Ao tomar conhecimento de que por detrás de toda a verdade do desenvolvimento


histórico das manifestações do Espírito é o próprio sujeito pensante que é revelado, ao
apresentar sua filosofia como resultante das forças internas, inerentes, do desenvolvimento
das vertentes múltiplas do pensamento humano Hegel estabelece a possibilidade da
existência do sujeito autoconsciente; “a verdade do entendimento é a autoconsciência”
(pg113) e “o mundo será hostil e falso enquanto o homem não destruir a objetividade morta
e se reencontrar, bem como à sua própria vida ‘por trás’ das formas rígidas das coisas e
leis”.

O passo a que Hegel se refere é o da autoconsciência do ser pensante e na sua tarefa


de dominar o mundo real para sua satisfação, tanto sensível, quanto inteligível, pois como
afirma “a autoconsciência só se satisfaz em uma outra consciência; aqui temos que, para
Hegel, o ser pensante, o Eu, se satisfaz necessariamente na e da relação como a coletividade
de seres humanos, no Nós, mesmo que essa relação seja “uma luta de vida ou morte” (pg.
115) entre senhores e escravos.

Para Hegel, a dinâmica que se estrutura entre senhores e escravos não pode ser
natural, nem tão pouco imutável, mas se apresenta como reflexo na vida cotidiana do modo
específico com que os seres humanos se relacionam com o trabalho; o mundo objetivo com
o qual a autoconsciência se relaciona é um mundo entre os seres humanos que são limitados
ao trabalho e aqueles que se apropriam do trabalho alheio, O primeiro é limitado a sua
condição de ser trabalhador, que ao transformar a natureza e inserir no mundo objetivo um
novo produto tem a possibilidade de se reconhecer, de autoconhecer enquanto sujeito
pensante e como sujeito ativo de suas necessidades; o segundo ao não produz os elementos
de sua satisfação só se relaciona com elementos alheios a si, pois não tem a possibilidade
do escravo de relacionar-se com a contradição do mundo, por isso não pode ser um sujeito
independente, por depende necessariamente do escravo.

Novamente aqui se apresenta a identidade da identidade e da não identidade; o


escravo produz (então é um trabalhador), mas não se satisfaz com o produto do seu trabalho
(lhe é negado a satisfação de ser um trabalhador), que é expropriado pelo senhor, (que se
satisfaz com um produto que não trabalhou), que não consegue alçar sua independência
(por isso não se emancipa) pois nega a condição de independência do escravo.

Ao negar a condição de independente ao escravo o senhor se reduz a um


consumidor, alheio a contradição, a negação, assim mudo.

A titulo de ligeira amarra; para Hegel a apreensão do processo de exteriorização do


Espírito e suas formas fenomênicas (natureza em geral e o ser humano)se dá na passagem
da relação muda do ser humano que ao tomar o mundo sensível, na sua imediaticidade,
percebe, por assim dizer, que a verdade, o processo de entendimento do desenvolvimento
das formas fenomênicas do Espírito, não se encontra concentrada em um objeto particular e
nem numa individualidade dada, mas que estes devem ser elevados aos seus negativos,
tanto o objeto particular é alçado a objeto do pensamento, indeterminando seu aqui e agora
dados, quanto a individualidade que necessita se elevar a uma universalidade, para que não
se limite a experiência limitada do sujeito pensante.

Nesse momento, o da percepção, está posto que a realidade está mediada tanto pela
negação do objeto quanto do sujeito que pensa o objeto e que ao elevá-lo a condição de
objeto do pensamento este último se revela como coisa particular que mantém
universalidades que se contradizem mutuamente, seja internamente, seja com outros
objetos.

A relação de forças conflitantes no objeto é a sua própria constituição enquanto


autenticidade, enquanto essência, e a forma pela qual se exterioriza é apenas uma aparência,
fenomênica, do modo verdadeiro de seu ser, sendo necessário a investigação das mediações
entre os elementos fundantes do objeto e suas interações internas e externas para tornar-se
consciente ao ser pensante.
A essência passa a ser o elemento a ser investigado, a verdade do objeto e sua
dinâmica com a consciência humana, a dinâmica de forças do objeto revela que tanto os
objetos sensíveis, quanto a consciência humana são complexos de relações dinâmicas que
encobrem a verdade da coisa e dessa dinâmica entre aparência e essência é possível
aproximar-se cada vez mais do ser-precisamente-assim dos objetos, incluindo a própria
consciência humana; desta feita a própria consciência torna-se objeto do pensar humano
com o objetivo de tornar-se consciência de si, autoconsciência.

A autoconsciência humana carece uma outra consciência humana, o que estabelece


que a autoconsciência seja própria do campo da sociabilidade, no conhecimento de si,
enquanto seres humanos dotados de consciência e com uma finalidade, sua satisfação
enquanto reconhecimento do processo de foi da alienação do espírito até esse momento.

Em linhas gerais podemos tomar como síntese da relação do sujeito pensante e da


substância material, a afirmação de Marcuse sobre Hegel:

Diz ele, que o sujeito do pensamento não é o "eu abstrato" mas a


consciência que sabe que é "substância do mundo". Ora, o pensamento
consiste em saber que o mundo objetivo é, na realidade, um mundo
subjetivo, que o mundo objetivo é objetificação do sujeito. O sujeito que
realmente pensa, compreende o mundo como "seu" mundo. (pg. 118)

A título de contraposição ao pensamento de Hegel e sua prioridade da substância


pensante em relação à substância material pensamos que do caminho do mero ser mudo ao
entendimento e partindo daí à autoconsciência do ser humano pensante leva do complexo
indeterminado ao simples determinado e numa segunda via das categorias mais simples
retornando ao mundo concreto como concreto pensado, o caminho ontológico proposto por
Marx para investigar o mundo real; pensamos mais do que uma contraposição simplista,
mas como pedra-de-toque que a realidade, complexa e dinâmica, do mundo tanto necessita
para determinar e com isso negar fantasmas.

Sua tese de doutoramento, em contraposição às provas da existência de Deus de


Kant, o jovem hegeliano Karl Marx afirma:

As provas da existência de Deus nada mais são que tautologias vazias - a


prova ontológica, por exemplo, não vai além da seguinte afirmação: "o
que eu imagino realmente é uma representação real pra mim", ela atua
sobre mim e, nesse sentido, todos os deuses, pagãos ou cristãos,
possuíram uma existência real. o antigo Moloch não exerceu uma
dominação? O Apolo délfico não era uma potência real na vida dos
gregos? Diante disso, de nada vale nem mesmo a crítica de Kant. Se
alguém imagina possuir cem táleres, não sendo isso para ele apenas uma
representação arbitrária, subjetiva, se acreditar de fato nela, então os cem
táleres imaginados têm para ele o mesmo valor de cem táleres reais. Por
exemplo, ele contrairá dívidas em função desse dado imaginário, o qual
provocará uma ação efetiva, do mesmo modo que toda humanidade
contraiu dívidas contando com seus deuses.
Referências Bibliográficas:

MARCUSE, H. Razão e revolução: Hegel e o advento da teoria social.

MARX. K Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epícuro.

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