Você está na página 1de 19
7, VOCALISMO E CONSONANTISMO I VOCALISMO 124, Vocalismo é 0 estudo especial das vogais. 125. © latim clissico distinguia as vogais em longas ¢ breves. Uma con- soante geminada, ou um grupo de consoantes, que em geral tornavam longa a silaba, abreviavam, pelo contrério, a vogal precedente (1). Assim é breve 0 i de sagitta, littera, strictus; 0 u de gutta, bucca. O Iatim popular climinou a distingZo das vogais pela quantidade (longa ou breve) e diferencow-as pelo timbre (vogais abertas ou fechadas), ¢ reduziu cer- tos ditongos a vogais. O a (longo) e 0 @ (breve) confundiram-se em a; 0 @ (longo) passou a ¢ (fechado); 0 & (breve), a ¢ (aberto); 0 i (longo), a i; 0 7 (breve), a é (fechado); 0 6 (longo) a 6 (fechado); 0 6 (breve), a 4 (aberto); o 42 (longo), a u; 0 it (breve), a 6 (fechado); 0 ditongo ae degenerou em ¢ (aberto) 0 ditongo oe em é (fechado) (*). 126. O quadro seguinte mostra a correspondéncia entre as vogais do latim popular e as vogais e ditongos do latim classico. Latim popular | Latim cldssico a a, i € — @berto) & ae @ — (fechado) é i ce i i (longo) — (aberto) 6 6 (fechado) 6 a u a fsses valores das vogais do latim popular conhecemo-los pelo estudo das Iinguas rominicas e por textos € inscricdes, em que nio raro figura ¢ onde devera estar i, ae ou oe, € aparece o onde a escrita clssica punha w. (1) Niedermann, Phonétique Historique du Latin, 143. ¢ $8; Passy, Changements Phonétiques, 1890, 6. pice’ 199 © 128: Brunot, Histoire de la Langue Francaise, 1, 1918, pas. I Monché ‘(htuder de Phonétigue. Cénmrale, 1021, pag. 22) ‘admite que o ¢ breve do latim_cléssico era’ fechas como 0 ¢ longo: a diferenca € que’ éste era tenso (tendu) € 0 primeiro atrouxado (reldché). 64 SOUSA DA SILVEIRA es 127. Quando nos ocupimos da corrupcio fonética, vimos que, das vogais de um vocdbulo, a que é tonica oferece maior resisténcia a qualquer alteracio. Pode-se mesmo estabelecer, como regra geral, que as vogais tOnicas se conser- vam ¢ mantém o acento na transi¢io co latim para portugués. Exemplos: az dquila > dguia; pace > paz. e: déce > dez; félle > fel; caecu > cego; caelu > céu. @: acétu > azédo; vir(i)de > verde; ille > éle; cena > c&a > cea > ceia; stoeba > estéva. is filu > fio; riuu > riu > rio. 6: rota > roda, 6: labére > lavor; Iipu > lobo; tinda > onda. u: aciitu > agudo. OBSERVAGOES 128. I. Quando ao a, ainda que tdnico, se segue um i, formando com éle ditongo, podese dar, segundo ja vimos, a passagem do a para é: lacte > * laite > leite; factu > * faito > feito; primariu > * primairo > primeiro. HL. O ditongo au, ainda que o a seja tonico, transforma-se em ou: tauru > touro; auru > ouro. (Também ja vimos isto: n.° 120). UI. Nio raro, ainda quando ténico o a da combinacio al, esta evolve para ou: ali(e)ru > outro; falce > fouce (foice). Deve-se isto A confusio fonética facil entre al e au, confusio de que é semelhante a que se nota entre el ¢ éu: chapel (arc.) (*) e chapéu; vergel e vergéu (2); alvanel e alvanéu (formas ainda oscilantes). IV. O é breve ténico pode passar a é fechado por influéncia de um i ou u, que se Ihe siga mediata ou imediatamente: materia > madeira, péctu > peito, pretiu > prego, sédea (=sédia) > seja, Deus > Déus (nos cancioneiros medi vais) > Deus, égo > 0 > éu (arc.) > eu. V. O 0 breve tonico pode passar a 0 fechado em portugués por metafonia devida a um o final: mortu (por mortuu) > morto, idcu > jogo. 129. As vogais dtonas resistem menos as alteracdes fonéticas. Se imimeros so 08 casos em que se conservam, sio também bastante numerosos aquéles em que se trocam em outras, por assimilaco, dissimilacao, influéncia de fonemas vizinhos, ou simples confusio de umas com outras pelo ténue de sua prontin- cia; e no raro caem, ou desaparecem fundindose com outras (crase). () “chapel de ferro (Nunes, Crestom. Arc, 168). (@) “vergen"” “Udem, ibid., 172). LIGOES DE PORTUGUES 65 130, A queda de vogal dtona inicial e medial mostramos quando definimos aférese ¢ sincope (123). O desaparecimento da vogil dtona final vé-se, por exemplo, em mal derivado do lat. male. 131. A confustio de vogais pode exemplificarse com formas como empdla (também ampola) e enteado, provenientes, respectivamente, de ampulla e an- tenatu. 182, Sobre nasalagio de vogais ja falémos (123). Aqui acrescentaremos que € mui vulgar uma consoante nasal (m ou mn) comunicar ressonancia nasal a yogal seguinte que forma silaba com ela. Viuse isto no trecho de Herculano (17), onde aparece a promincia vulgar mésa por mesa; e vése no vocbulo muito que se profere mitito. Nesté curso ainda teremos oportunidade de pre- senciar o fenémeno. 133. Da assimilagdo e dissimilagdo de vogais j4 tratei (123). 134. Quanto a alteracio ocasionada por influéncia de som vizinho, direi apenas que o re o / tém particular tendéncia para fazer regressar a a a vogal com que estio em contacto: verrere > varrer; reinha (arc.) > rainha; elefante > alifante (Lus., X, 110). 135. A semivogal de um ditongo, seja éste crescente ou decrescente, cai com bastante freqiténcia: cidra, de citrea (pronunciado citria); cuitelo (arc: e pop.) € cutelo; muito e munto (1); apousento (ainda em Camées, Lus., I, 41) € apo- sento; augustu e agustu > agésto. Otimo espécime é 0 que nos fornece auscul- tare. J em latim falado se dizia, com omissio da semivogal, ascultare, forma que os graméticos reprovavam (2). De ascultare 0 portugués féz escoitar (#) escuitar; caindo a semivogal i, ficou escutar. Na evolugio, pois, de auscultare para escutar, nada menos de dois ditongos perderam as semivogais. 136. Em compensagio, nfo é raro aparecerem semivogais: vimos isto quan- do definimos e exemplificémos paragoge (123). De santo se fez sam (=s&); com aposicio de uma semivogal nasal, se passou a dizer sto (=siu). A forma no paragégica persiste no nome prdprio Sampaio, igual, etimologicamente, a Sam Paio (Santo Pelégio). ‘As formas portuguésas antigas area, vea e ovtras semelhantes receberam tam- bém semivogal, e ficaram sendo areia, veia, etc. (Q) Na Hingua popular do Brasil também existe munto (9, Comélio Pires, Converses ao pé do fogo, Sto Paulo, 1921, pag. ISI). Em latim popular ja havia muntu por mullum’ (Grandgent, Vulgar Latin 123, § 289), mas entte o muntu Iatino € © murito portugues hé, apenas, simples coincidéncia de formas: ‘65 fenémenos fonéticos que condusiram a uma diferem dos que condusiram a outra. A forma latina deve-se Y passagem de lf a nt, a qual também se observa em cultellum e cuntellum. Em Emout, Eléments Dia leclaun du Vocabulaire’ Latin, 1028, pag. 14%, vem. explicagio accitivel déste fanbmeno fonbtieo (BY Brunot, Hist. de la Langue’ Francaise, 1, 06. (3) “excoitar” (Cronica da Ordem dos Frades Menores, edigio de Nunes, 1918, pig. 312). 5 Ligdes de Portugués

Você também pode gostar