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“Há muito que se falar acerca das novas configurações de pertencimento evangélico,

como os grupos caseiros, grupos familiares, comunidades não-denominacionais ou


outras maneiras de se reunir como igrejas com outros irmãos. Mas levando em
consideração a necessidade de um recorte específico para esse trabalho, gostaria de
analisar apenas o subgrupo dos “sem igreja”, isso é, pessoas que se afirmam
evangélicas mas que não têm vínculos com nenhum tipo de denominação, instituição
ou comunidade de fé, e os motivos alegados por esses mesmos para a sua não-
vinculação a nenhum desses grupos” – INTRODUÇÃO AO TEMA. ESCRITO POR
MIM

MARIZ, Cecília L. O que precisamos saber sobre o censo para poder falar sobre seus
resultados? Um desafio para novos projetos de pesquisa. Debates do NER. Porto Alegre, ano
14, n.24, p.39-58, Jul./Dez., 2013 – PROCURAR!

- que não citei no projeto mas devo usar


- RICARDO AGRESTE: Igreja? Tô fora
- RAINER, Thom & Rainer, Sam, Igreja Essencial. Brasilia, DF: Palavra, 2014
-

 MARIZ, Cecília L. O que precisamos saber sobre o censo para poder falar sobre seus
resultados? Um desafio para novos projetos de pesquisa. Debates do NER. Porto Alegre,
ano 14, n.24, p.39-58, Jul./Dez., 2013.
 FERNANDES, Silvia R. Religiões e religiosidade: pano de fundo da pesquisa. In:
FERNANDES, Silvia R. A. Mudança de religião no Brasil. (org.) São Paulo: Palavra e
Prece, 2006
 FERNANDES, Silvia R. Novas formas de pertencer: análise de pertencimentos de jovens
religiosos e sem-religião. In: Congresso Brasileiro de Sociologia, 14.,Rio de Janeiro(RJ),
2009. Anais...Rio de Janeiro, ______, 2009, p.1-22.
 CAMPOS, Idauro. Desigrejados: teoria, história e contradições do niilismo eclesiástico. Rio
de Janeiro: Contextualizar, 2013
 ALMEIDA, Ronaldo de.& MONTEIRO, Paula. Trânsito religioso no Brasil. São Paulo em
perspectiva. São Paulo, v.15, n.3, p.92-101, 2001.
 (RODRIGUES: 2007),
 BOMILCAR, Nelson. Os sem-igreja: buscando caminhos de esperança na experiência
comunitária. São Paulo: Mundo Cristão, 2012.
 BELLOTTI, K. K. História das Religiões: conceitos e debates na era contemporânea.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 55, p. 13-42, jul./dez. 2011.
 BARTZ, Alessandro. Múltiplas pertenças, desinstitucionalização e desregulação da crença:
refletindo a modernidade religiosa no Brasil. Protestantismo em Revista. São Leopoldo,
RS, v.25, mai-ago. p.8-18, 2011.
 COSTA, Emerson R. da. Religiosidades em trânsito: as motivações declaradas por
mulheres e homens para a mobilidade religiosa na IEAD-MSBC. Mandrágora, v.19, n.19,
2013, p.17-44 – INTERESSANTE, POIS PODE TRAZER ALGUNS RELATOS
QUALITTAIVOS!
 MARIANO, Ricardo. O futuro não será protestante. Ciências Sociais e Religião. Porto
Alegre/RS, ano 1, n.1, set.1999, p.89-114.
 RODRIGUES, Denise dos S. Religiosos sem Igreja: um mergulho na categoria censitária
dos sem religião. Revista de estudos da religião. São Paulo, v.1, dez, 2007, p.31-56.
 ROMEIRO, Paulo. Decepcionados com a graça: esperanças e frustrações no Brasil
neopentecostal. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.
 IDAURO. Livro “Desigrejados” (ele mostra que a desinstitucionalização não é
um fenômeno novo, mas sempre houve no seio da Igreja, ainda que talvez não
com esse ímpeto atual)

1. -
https://books.google.com.br/b
ooks?hl=pt-BR&lr=&id=sf-
ySbS_TGMC&oi=fnd&pg=PT5
&dq=desigrejados&ots=PmgP
stLGvc&sig=90nruxt-
dUD2g2AmaPrUHTmN4d8#v=
onepage&q=desigrejados&f=f
alse – LIVRO DO BOLMICAR.
BUSCAR UMA
RESENHA/RESUMO ONLINE
2.
http://rima.im.ufrrj.br:8
080/jspui/handle/12358
13/202
(MUNIZ, 2014) 1. Introdução Ao observarmos o censo das religiões do ano de 2010
realizado pelo IBGE1 , podemos notar três classificações em relação às religiões
evangélicas, quais sejam: evangélicas de missão, evangélicas de origem pentecostal
e evangélica não determinada. Dentre as religiões evangélicas de missão listam-se as
igrejas: Luterana, Presbiteriana, Metodista, Batista, Congregacional, Adventista e
“outras”. Dentre as evangélicas de origem pentecostal, estão: Assembleia de Deus,
Congregação cristã no Brasil, Brasil para Cristo, Igreja do Evangelho Quadrangular,
Igreja Universal do Reino de Deus, Casa da Bênção, Deus é Amor, Maranata, Nova
Vida, “evangélica renovada não determinada”, Comunidade Evangélica e “outra”. E,
por último, a categoria “religião evangélica não determinada”.
Das três classificações que vimos no início, a última é deveras interessante, pelo
seguinte: de um universo de 42.275.440 pessoas que se declararam evangélicas,
9.218.129 (22%) compõem o grupo daqueles que também se identificam como
evangélicos, mas não como pertencentes às denominações de missão (18%) e nem
às pentecostais (66%), enquadrados, portanto, como pertencentes a religiões
evangélicas não determinadas2 . Uma vez que essa “determinação” se dá pela
denominação a que o indivíduo afirma pertencer durante a pesquisa, podemos
presumir que estes não a informaram ao recenseador
3 De acordo com Ricardo Mariano, o neopentecostalismo corresponde à terceira onda do
movimento pentecostal no Brasil, a partir da segunda metade da década de 1970,
fortalecendo-se nos anos 1980-90. Seu maior representante é a Igreja Universal do Reino de
Deus. Para uma compreensão mais detalhada, cf. (MARIANO: 1999, 32ss).
Vale ressaltar que dentre as denominações consideradas neopentecostais3 , a Igreja
Universal do Reino de Deus é citada na pesquisa dentre as denominações
pentecostais, enquanto outras denominações com alguma expressividade, como a
Igreja Mundial do Poder de Deus e Igreja da Graça, também consideradas
neopentecostais, e de grande visibilidade midiática4 , não foram mencionadas. Os
adeptos destas denominações, não computados nas categorias citadas, podem estar
influenciando tanto na expressividade da categoria que não assume nenhuma
bandeira denominacional quanto na categoria Outras igrejas Evangélicas de origem
pentecostal, também expressiva e que totalizou 5.267.029 de declarantes, cerca de
21% do total de evangélicos do segmento pentecostal – BREVE INTRODUÇÃO AOS
NÚMEROS DO CENSO
A categoria em questão nesta pesquisa (religião evangélica não determinada),
segundo a autora, foi diretamente afetada pela metodologia empregada na coleta dos
dados. A forma aberta da pesquisa, em que o indivíduo poderia fornecer qualquer
informação que desejasse, sem que sua resposta fosse questionada, sem que a pergunta
fosse refraseada ou que uma nova pergunta fosse feita na sequência daquela que indagou
acerca da religião teria contribuído para respostas genéricas e, nesse caso, o afirmar-se
evangélico independentemente de instituição pode ter sido meramente a resposta de quem
aguardava a segunda pergunta que não veio: “Mas, de qual igreja?”. Longe de ser motivo para
desconfiar dos resultados da pesquisa, essa questão suscita novas indagações e sugere cautela
ao interpretarmos os resultados obtidos. Quanto a isso, Cecília dirá ainda: Sobre a questão aberta
há muito que se refletir. Não se pode negar o valor de tal metodologia, mas é preciso reconhecer
seus riscos e custos. Sua adoção deve ter sido resultado de uma avaliação em que os benefícios
suplantavam os custos. Graças a esse tipo de metodologia é possível identificar e contabilizar
novas religiões. No entanto, se não se pergunta a qual igreja ou denominação se pertence, o
censo não consegue captar a dinâmica do campo evangélico e o surgimento constante de novas
igrejas. (op. cit., 43,44) [...] “se o entrevistado prefere mesmo omitir o nome de sua igreja ou se
omitiu porque a pergunta não foi feita”. (Idem, 44) Questão válida aqui é: por que omitir
deliberadamente o nome de sua igreja? – PROBLEMATIZAÇÃO DESSA PERGUNTA DO
CENSO, PORQUE ELA É POR DEMAIS ABERTA E PODE NOS LEVAR A TER ANÁLISE
ERRADA

1.1. Possibilidades de interpretação da categoria


Cientistas sociais estudaram a movimentação de uma parcela de evangélicos que transita entre
as diversas denominações existentes, sobretudo entre as pentecostais, estabelecendo, como
definição para tal fenômeno, o termo “Trânsito Religioso” ou “mobilidade religiosa” (FERNANDES:
2006). A análise de tal fenômeno tem início na percepção do alto índice de fragmentação
institucional que ocorre entre os evangélicos, tão grande quanto o seu próprio desenvolvimento.
(ALMEIDA e MONTEIRO: 2001) Nota-se, no meio evangélico, certa tendência à ruptura,
bastando para isso que haja uma nova interpretação bíblica, ou a criação de novos dogmas para
que surja uma nova denominação.
Mas, por que indivíduos preferem manter-se em circulação, optando pela autonomia que os
permita transitar entre agências, característica que pode resultar em uma nãoidentificação com
um grupo em específico? A resposta a esta questão dá indícios que relacionam esta modalidade
de evangélicos àqueles que não definem sua participação em uma denominação específica,
colocando-os na categoria objeto desta pesquisa.
Outra importante chave de compreensão deste fenômeno é destacada por Denise Rodrigues
(RODRIGUES: 2007), ao falar acerca dos religiosos “sem igreja”. Embora o objeto de sua
pesquisa fora a categoria definida pelo IBGE dos indivíduos sem religião, os resultados desta
trouxeram a lume pessoas que mantinham certa religiosidade sem, contudo, pertencerem a
qualquer instituição, preferindo a prática de fé sem vínculos com grupos, movimentos e/ou
congregações, fossem qual fossem as religiões.
Esta possibilidade de interpretação sugere a existência de indivíduos que se dizem evangélicos,
mas não congregam em uma denominação formal, preferindo exercer a religiosidade de forma
autônoma. Segundo Nelson Bomilcar6 (BOMILCAR: 2012), estes indivíduos existem, e
consideram a proposta de viver em um ambiente eclesiástico algo ultrapassado, ou impraticável
nos dias atuais. Sua religiosidade estaria baseada em práticas e costumes evangélicos, embora
não participem da religião, ou seja, de uma instituição formal ou informal, como é o caso das
Igrejas caseiras. Ele trata especificamente destes indivíduos, que mantém suas crenças e
práticas evangélicas de forma pessoal e totalmente individual.
Diferentemente dos “sem religião”, percebidos por Denise Rodrigues, aqueles indivíduos
responderiam “evangélico” ao recenseador, ocultando a denominação não pelos motivos
elencados até aqui, como ‘trânsito religioso’ ou ‘múltiplas pertenças’, mas por não pertencerem a
nenhuma Igreja, mesmo ainda se confessando evangélicos. Ou seja, eles aboliram o aspecto
comunitário da vivência cristã, mas não o modo de vida, embora o vivam de modo recluso,
individualizado – QUAIS SÃO AS VÁRIAS POSSIBILIDADES DENTRO DA CATEGORIA
“EVANGÉLICO NÃO IDENTIFICADO”. PODEM SER EVANGÉLICOS “EM TRÂNSITO” (DE
UMA DENOMINAÇÃO PARA OUTRA) OU OS “SEM IGREJA”
Caminhando próximo a isto, Idauro Campos (2013) apresenta sua interpretação para uma parcela
dos evangélicos rotulada como “desigrejados”7 , que seria composta pelos mesmos indivíduos
citados por Bomilcar, ou seja, decepcionados com as lideranças evangélicas e suas “peripécias”
e, ainda, por pessoas que assumiram uma postura crítica ante os aspectos das instituições
evangélicas, mesmo se considerando ainda pertencentes a esta vertente. Os críticos estariam
entre os que os autores e consumidores de uma literatura militante contrária às instituições
evangélicas, defensores de uma religiosidade intimista, para os quais reservamos um capítulo
específico nesta pesquisa.

1.2. Apoio teórico


A fim de conhecer um novo sistema religioso (nesse caso, grupos evangélicos autônomos e
anônimos), hão de se considerar, portanto, os aspectos culturais no qual os mesmos se inserem,
de modo a mapearmos o modo com processaram este remodelamento, inovação ou revolução
das bases religiosas existentes, consolidadas há muito. A secularização proveniente da
constituição de Estados laicos no mundo ocidental influenciou diretamente a política e a cultura
brasileiras, contribuindo para afastar progressivamente muitos indivíduos das instituições
religiosas, o que não significou necessariamente o enfraquecimento da religião. Teria havido “sim
um fortalecimento da autonomia individual sobre as escolhas religiosas [...] a ser exercida pelos
indivíduos dentro ou fora de instituições organizadas”, independente da religião que se professe.
((BELLOTTI: 2011, 25)
A Reforma Protestante inicia o processo de concorrência religiosa, inaugurando uma era de
surgimento de correntes religiosas que fariam frente à religião institucionalizada. Entretanto, esta
concorrência ocorreria, também, dentro do próprio segmento protestante, tornando-se
característica latente desta vertente, ou seja, a fragmentação do próprio sistema em si. Ainda
segundo a autora, a ampliação do número de opções dentro do segmento evangélico, decorrente
desta fragmentação, contribuiu para o crescimento da autonomia religiosa, condição na qual o
crente discerne a melhor opção religiosa para si, a partir de uma quantidade cada vez maior de
informações e estratégias de propaganda, além dos recursos da mídia, dos quais dispõem
algumas lideranças evangélicas. Karina Belloti afirma que: É nesse ampliado espectro de
processos históricos que se deve considerar a autonomia religiosa como categoria importante da
análise histórica, tomando como pressuposto de que as formas religiosas (símbolos, crenças,
práticas, hierarquias, organizações) não são formas essenciais e exclusivas, mas sim criações
humanas que assumem diferentes sentidos ao longo de um recorte temporal, considerando a sua
historicidade como elemento fundamental para análise acadêmica. Dessa forma, a História das
Religiões deve atentar não somente para a história das instituições religiosas, mas também
considerar que o fenômeno religioso há muito ultrapassou os muros físicos e simbólicos de tais
instituições. (Ibidem, 29-30)

3. Literatura, autonomia e anonimato


Como vimos até aqui, na busca de respostas para a investigação sobre os componentes da
categoria religiosa dos evangélicos não determinados, constatamos que, encontrado um grupo da
atualidade que optou pelo anonimato e, observado o contexto do seu surgimento, não se pode
afirmar que tal opção foi (ou poderia ser) fruto de influência da cultura ou da contracultura
evangélica do período. Uma, ao contrário do que queremos, incentivava o denominacionalismo,
enquanto a outra, por mais revolucionária que fosse, influenciava, no máximo, à autonomia
eclesiástica.
Para Neil Cole, a Igreja65 tem problemas sérios que, para serem solucionados, exigem das
lideranças disposição para mudanças drásticas. Segundo ele, muitos dos não cristãos não
repelem o Evangelho em si, mas as organizações eclesiásticas, as instituições. Eles estariam até
dispostos a ouvir a pregação, contanto que não tivessem de frequentar um templo. Por outro lado,
alguns dos próprios evangélicos estariam abandonando as instituições a fim de preservarem a fé,
tendo em vista que as práticas visualizadas no interior das instituições, sobretudo por lideranças
evangélicas, não se alinham com os dogmas evangélicos ou com a pregação destes próprios
líderes Seu discurso é carregado de romantismo, pelo qual conclama os leitores a construírem
uma comunidade local (ou rede de comunidades locais) que seja relevante para a sociedade ao
redor. Ele acredita que a missão da Igreja é ir aos “perdidos”, e não esperar que estes venham à
congregação. Com isso, incentiva que se desenvolvam congregações informais que se reúnam
em locais públicos como bares, lanchonetes, e também em ambientes privados,
preferencialmente nas casas. É este tom um tanto restauracionista, de que a “solução” para os
“defeitos” da Igreja, o principal atrativo na leitura desta obra. Ele afirma: “Como seria se a igreja
emergisse organicamente, como se pequenos grupos familiares nascessem do solo da perdição,
porque a semente do Reino de Deus foi plantada ali? Essas igrejas poderiam produzir todas as
formas de coisas vivas e orgânicas.” (COLE: Op.Cit., 21)
Duas obras de Frank Viola são consideradas nesta revisão bibliográfica. Na primeira delas
(2005), o autor critica a Igreja institucional, afirmando que a mesma existe e funciona acima, além
e independente de seus membros individuais, centradas em pastores e suas equipes
profissionais. Estão estruturadas em programas pré-estabelecidos de culto e de atividades
religiosas, não priorizando os relacionamentos. Sua proposta é, também, para uma Igreja
orgânica e que priorize os relacionamentos entre seus membros. Ele afirma: Hoje a unidade da
igreja está severamente desfigurada. Enquanto cristãos somos um em espírito, mas a expressão
prática de nossa unidade está muito longe do que era no Novo Testamento. Deus não pode
senão estar contristado com a situação de hoje em dia, em que seu povo se fragmentou em
montões de congregações desarticuladas e desconexas, todas operando independentemente
umas das outras. [E ainda] Ironicamente, permitimo-nos fazer semelhantes distinções partidárias
sem qualquer estremecimento quando dizemos "Eu sou batista", "Eu sou pentecostal", "Eu sou
carismático", "Eu sou calvinista", "Eu sou presbiteriano", etc. (de fato, a palavra ‘denominação’
significa literalmente um nome ou designação de uma classe de coisas). Convenientemente nos
esquecemos que Paulo dirigiu uma severa repreensão aos Coríntios quando começaram a
denominar-se exatamente da mesma maneira (1 Coríntios 1:11-13). Para dizê-lo em forma
inteiramente sincera, o sistema denominacional moderno, que inclui um grande número de igrejas
chamadas não denominacionais, pós denominacionais e interdenominacionais, choca-se com o
princípio neotestamentário. (grifos e citações do autor) (VIOLA: Op.Cit., 42). Semelhante à Neil
Cole, Frank Viola demonstra seu romantismo quando fala de um tipo de retorno ao modelo
primitivo de Igreja: Devido à influência de suposições profundamente encobertas, que poucas
vezes foram escavadas e raramente examinadas à luz das Escrituras, o cristianismo moderno
nos ensinou eficazmente que a palavra ‘igreja’ significa um edifício, uma denominação ou uma
estrutura organizacional, e que um ‘ministro’ é uma classe especial de cristão. Nossa
contemporânea noção de eclesiologia está profundamente entrincheirada no conceito humano,
requer um esforço consciente de nossa parte ver à igreja como a viam todos os cristãos do
primeiro século. Isto demanda uma rigorosa ruptura do espesso e enredado cipoal da tradição
humana, até descobrirmos o solo virgem da realidade espiritual. Portanto, apenas o necessário
esforço de reconsiderar a igreja em seu contexto espiritual nos capacitará distinguir entre a noção
bíblica da igreja e as instituições de hoje que pretendem ser igrejas. (sic) (VIOLA: Idem, 69)

4. Quem são estes “anônimos”? – FALANDO MAIS SOBRE OS DESIGREJADOS


Temos diante de nós um quadro formado por um contingente de mais de nove milhões e
duzentos mil brasileiros que se autoidentificam como evangélicos (2010), cuja denominação não
foi determinada no ato da pesquisa do IBGE. Vimos que os motivos para este quantitativo podem
ser explicados, em parte, por questões técnicas, relativas ao processo de captação dos dados
pelos recenseadores. Vimos, também, que uma parcela destes indivíduos oculta a denominação
a que pertencem porque o grupo do qual fazem parte não tem nome, por opção deliberada. E que
esta opção pode ter sido espontânea, ou seja, uma decisão de líderes de grupos dissidentes e
autônomos pelo anonimato (IR), ou influenciada por literaturas evangélicas que propõem esta
postura eclesiológica, sobretudo a partir da década de 2000 em diante. Contudo, é questionável
que um número tão expressivo de evangélicos tenha sido relacionado como de denominação não
determinada apenas por incompreensão do recenseador (ou do pesquisado), ou porque fazem
parte (todos) de grupos anônimos desde sua origem, ou por ambos os motivos. Felizmente, há
indícios que servem como base para construir-se um quadro satisfatório acerca dos demais
evangélicos que estão nesta categoria e que não se enquadram nas duas possibilidades acima.
Boa parte deles se encontra em um grande número de trabalhos de viés sociológico, escritos
sobre o campo evangélico, de onde podemos selecionar alguns que se relacionam diretamente
com o tema desta pesquisa, e oferecem chaves de interpretação plausíveis para este fenômeno,
pois revelam grupos cujas características os colocam dentro desta categoria.
A base para esta construção é a percepção de que há uma atitude destes indivíduos na
direção da desfiliação institucional, comum a todos eles. A diferenciação se verificará quanto 52 à
motivação para esta atitude. Tornam-se autônomos e/ou anônimos a partir do momento em que a
filiação a uma instituição deixa de ter a importância que tinha até este momento, a partir do qual
decidem que podem caminhar sozinhos, a despeito das estruturas denominacionais, dos rituais,
das liturgias, templos, hierarquias e dogmas. De posse deste axioma, seguiremos destacando as
principais causas para a opção deliberada pela autonomia e anonimato evangélicos

4.1. Decepção, frustração e revolta: um olhar sobre os “sem-igreja” ou “desigrejados” – RAZÕES


ALEGADAS PELOS “DESIGREJADOS” PARA NÃO PARTICIPAR DA IGREJA. PESQUISA
QUALITATIVA
Existe uma parcela de indivíduos que não se vincula a uma denominação específica porque
rejeita qualquer uma delas, tenha ela as características que tiver, ofereça o que oferecer. Sua
decisão é manter-se o mais longe possível de qualquer instituição religiosa, e isto não
necessariamente porque sejam avessos à fé ou ateus militantes. São evangélicos que não
suportam a ideia de pertencerem a qualquer espécie de igreja evangélica. Em uma de suas
pesquisas, Denise Rodrigues trabalha sobre a categoria censitária dos “Sem Religião” na
pesquisa do IBGE de 2000 (RODRIGUES: 2007). Num trabalho qualitativo realizado a partir de
entrevistas com indivíduos que se autodenominavam “sem religião”, a autora percebeu duas
categorias dentre os entrevistados: os sem religiosidade e os com religiosidade. Isto porque,
segundo ela, há uma diferença entre religião e religiosidade para a maioria daqueles que
responderam à pesquisa. Ela afirma que “eles separavam a adesão a uma instituição religiosa da
crença em um deus ou força superior e distinguiam espiritualidade e religiosidade de religião.”
(RODRIGUES. cit., 45)
Ser um indivíduo “sem religiosidade” significava, portanto, ser alguém que não cria em
qualquer manifestação transcendental ou espiritual, na figura de um deus ou algo parecido, que
não acredita nas instituições religiosas (chegando, inclusive, a combatê-las abertamente) e não
somente alguém que não frequenta um templo ou espaço sagrado. Seguindo na mesma trilha do
abandono ou recusa à frequência em um lugar de culto, de participação em uma instituição
religiosa, existem os indivíduos “com religiosidade”, partilhando do mesmo distanciamento das
instituições, mantendo, contudo, suas crenças e práticas religiosas, às quais se dedicam de forma
pessoal, íntima. Indivíduos com “(…) uma disposição autônoma de procurar dar conta da
articulação entre um mosaico que integra símbolos e valores religiosos e a decisão de afiliação ou
desfiliação institucional.” (RODRIGUES, 43-44). Resumindo, o ter religião para os entrevistados
da pesquisa acima significava pertencer a uma instituição religiosa. Ou seja, eles poderiam não
ter “religião”, mas ter “religiosidade” (vivência religiosa autônoma)
Perscrutando os motivos para essa postura, Rodrigues verificou o grande alvo das críticas
destes indivíduos eram as lideranças hipócritas, mercenárias, manipuladoras e falsas, que viviam
de forma incoerente com sua pregação, além de um sistema impraticável de normas e
regulamentos (Ibidem, 45-46). Para Fernandes e Pitta, a discordância de doutrinas e preceitos
propostos seria o principal motivo de abandono de uma determinada religião, alimentada pela
autonomia característica do processo de secularização da sociedade. As instituições religiosas
perderam gradativamente seu poder de influência sobre a vida das pessoas, não
necessariamente ocasionando o fim de práticas e crenças particulares (FERNANDES & PITTA:
op.cit., 23-24). Ainda acerca da desfiliação institucional, vale destacar a fala de Silvia Fernandes,
em outra publicação, esclarecedora quanto aos limites deste conceito, bem com a diferença de
desfiliação e descrença, uma vez que a primeira pode ocorrer em função da segunda, mas não
necessariamente. A autora afirma: Uma rápida varredura na produção sobre o cenário religioso
brasileiro nas últimas 4 décadas vai explicitar, de forma não surpreendente, a multiplicidade de
abordagens que dão ênfase ao processo de afiliação e desfiliação das instituições religiosas.
Sobretudo os estudos de caráter qualititativo empenharam-se na demonstração de que os fiéis,
dada a crescente oferta de denominações religiosas, desfiliam-se sem culpas de uma
determinada Igreja para afiliarem-se a outra. Um aspecto desse movimento ainda não
suficientemente explorado é a desfiliação radical, que não resulta em uma nova afiliação. Esse
aspecto, presente há mais tempo na Europa ocidental, nos parece mais recente e minoritário nas
sociedades latinoamericanas e está relacionado com a orientação do homem moderno
independentemente de sua condição de classe, idade ou sexo. Entretanto, é bom que se distinga
o processo de desfiliação institucional do outro que seria a ausência de credibilidade da religião
enquanto sistema válido (seja qual for) como fonte de sentido para a vida. Sendo assim, muitos
estudos qualitativos têm sinalizado que pode não haver uma relação necessária entre desfiliação
e ceticismo ou entre desfiliação e conduta antirreligiosa. Na esteira de Peter Berger e Thomas
Luckmann (apud), vários pesquisadores já consensuaram que a modernidade não extinguiu a
religião, mas remodelou sua presença na esfera pública e privada. (FERNANDES: 2006, 34
Em se tratando do abandono das instituições, este pode pender da desqualificação total da
religião à composição de um tipo de religiosidade própria de caráter altamente sincrético
(ALMEIDA & MONTEIRO: op.cit., 96, 98). O sujeito a ponto de desfiliação passa por um momento
de racionalização, no qual avalia a importância e a necessidade da mediação de uma instituição
religiosa no seu caminho para o encontro como sagrado (FERNANDES & PITTA: Idem, 24-25),
chegando à conclusão de que, na presença dos motivadores listados acima como causadores do
abandono, a melhor opção a seguir é a da prática religiosa autônoma (solitária ou não), quando o
caso não for de abandono total da crença.
Os dados da autora não esgotam as várias configurações possíveis, uma vez que um
indivíduo, de qualquer religião, pode abandonar as instituições que se pretendem detentoras do
discurso normatizador de sua vertente para realizar sua fé no ambiente caseiro, seja da
Umbanda, Candomblé, Católica, Espírita Kardecista ou Evangélica, dentre as tantas existentes.
Pode, por força da individualidade, sincretizar crenças, suprimi-las, aumentá-las, reinterpretá-las,
construir novos discursos, ou seja, uma infinita gama de possibilidades, tão grande quanto as
possibilidades do pensamento humano. Pode, inclusive, manter as mesmas normas vigentes nas
instituições para si mesmo, mas livres de qualquer subordinação, sem a necessidade de
prestação de contas – IMPORTANTE: A DESFILIAÇÃO INSTITUCIONAL NÃO É UM MARCO
APENAS DO SEGMENTO EVANGÉLICO, MAS É UM FENÔMENO PERCEBIDO EM TODAS
AS RELIGIÕES, JUSTAMENTE PORQUE É UMA MARCA DO NOSSO TEMPO, ONDE BUSCA
POR AUTONOMIA E LIBERDADE TEM LEVADO À RUPTURA COM LAÇOS
INSTITUCIONAIS, VISTOS COMO “LIMITANTES”, “AUTORITÁRIOS” E ATÉ
“OPRESSORES” (PROCURAR POR “REFLEXIVIDADE”, QUE É O CONCEITO DAQUELE
SOCIÓLOGO QUE FALA DA MODERNIDADE TARDIA)
Na introdução de seu trabalho, Bomilcar procura relacionar algumas razões para a desfiliação
definitiva69, tecendo uma afirmativa sobre aqueles que optaram por ela: Essas pessoas
consideram que a igreja está desvirtuada em sua natureza, na essência, na proposta relacional
comunitária e em sua proposta de missão e serviço. Elas alardeiam a distância entre o que
vemos hoje na prática e o que poderia ser feito visando o melhor dos fundamentos colocados por
Jesus e seus apóstolos. (BOMILCAR: op.cit., 15)
Embora carregada de valor teológico, a afirmação acima coaduna com as motivações verificadas
por Rodrigues e pelos autores Fernandes e Pitta acerca da desfiliação institucional (p.50).
Segundo suas verificações, não há homogeneidade dentre os “sem-igreja”, havendo, então,
subdivisões dentro desta categoria. Algumas destas seriam: 1) os que se assumem “sem-igreja”,
sem qualquer vínculo com instituição formal ou informal; 2) os que se desencantaram com as
instituições formais, mas que participam de algum evento organizado nestas, eventualmente,
guardando uma distância segura; 3) os que participam de pequenos grupos informais, reunindo-
se nos mais diversos locais, evitando formas organizacionais, mesmo que acabem chegando a
isso; 4) os que acompanham mensagens e reflexões pela internet, estabelecendo contato com
outros crentes apenas pelo meio virtual, como forma de proteção70. (BOMILCAR: Idem, 23-24)
Sua proposta amplia ainda mais o espectro de possibilidades de vivência evangélica fora das
instituições
Percebemos, com isso, que o cerne das definições acima é a autonomia e a individualidade, e
que a diferença entre elas é o nível de contato que os indivíduos mantêm com outros crentes,
marcado por uma liberdade de ação no campo religioso, a partir da qual o indivíduo pode optar
pela completa inércia relacional, passando por atividades de mínimo contato (meio virtual), e
seguida, por uma interação esporádica (quando visita as instituições) e culminando com numa
forma informal de relacionamento no âmbito reservado. A chave que irá definir entre este ou
aquele nível de afastamento/aproximação, conclui-se, será o nível de ressentimento gerado pelas
experiências traumatizantes vividas pelos sujeitos quando ainda vinculados a uma denominação.
Vale lembrar que não estamos tratando de pessoas que assumem uma postura idêntica a destes
indivíduos por motivos ideológicos, ou por influência de literatura especializada em “eclesiologias
alternativas”, a qual verificamos no capítulo anterior. Mas, sim, aquelas que se afastaram por
conta de problemas e contradições dentro do próprio sistema
Bomilcar lança novamente o olhar para este problema ao afirmar: Nesse contexto de uma
realidade pós-moderna e globalizada, as congregações abraçam modelos de crescimento e de
estrutura de grandes organizações. É a busca pelo reino institucionalizado aqui na terra, um reino
de poder, riqueza, fama, disputa e concorrência, altamente influenciado pela ilusão do mercado e
da relevância humana. Líderes eclesiásticos, com a alma repleta de ambição pelo “sucesso” e
pelo “crescimento”, abraçam esse caminho sem pudor, sem ética nem amor, atropelando os que
cruzarem seu caminho. (BOMILCAR: op.cit., 35) As características elencadas sugerem um estilo
de vida e pregação, assumido por lideranças evangélicas, que se aproxima da Teologia da
Prosperidade (nota 15), cujo foco principal é a busca de bens materiais e saúde por parte dos
fiéis, que vêem na figura do líder, ou do pregador, o exemplo a ser seguido.
Bomilcar insiste na frustração como o principal motivo para o surgimento dos evangélicos “sem-
igreja”. Aquela que acontece no âmbito das relações mais íntimas, nas quais o indivíduo espera
um nível de fé e espiritualidade do outro que não corresponde a estas expectativas (Idem, 38). A
que surge no âmbito local, quando a imagem que o sujeito faz da denominação em que está
vinculado não condiz com a realidade administrativa, teológica e com desamparo às
necessidades físicas, materiais, dos próprios membros da instituição e de outros fora dela
(omissão nas ações de cunho social). Alguns questionam, inclusive, a falta de diálogo com outras
religiões (antiecumenismo) caracterizado pelo radicalismo. E, também, a frustração quando
percebem a distância entre a pregação e a prática vivenciada em algumas instituições
evangélicas, voltadas, sobretudo, somente para si mesmas (Ibidem, 53).
Idauro Ramos71 fala destes mesmos indivíduos, referindo-se a eles como “desigrejados”, termo
que toma emprestado de outros autores do meio evangélico. Para ele, estes indivíduos de
configurariam em dois grupos: aqueles que se decepcionaram com as lideranças evangélicas, e
aqueles que se decepcionaram com a “institucionalização” da Igreja, distintamente. (CAMPOS:
2013, 27-29) Segundo observa, há uma diferença entre o primeiro e o segundo grupo,
semelhante à que vimos anteriormente, em que os primeiros seriam os mesmos abordados por
Denise Rodrigues e Nelson Bomilcar, enquanto os demais, afastandose dos autores citados
acima, são aqueles que defendem ideologias revolucionárias, dentre os quais o autor cita Frank
Viola, autor de duas das obras mencionadas no capítulo anterior. Ele seria uma espécie de “guru”
deste movimento, o qual classifica em sua obra como “niilismo eclesiástico”: O niilismo
eclesiástico tem sido proposto por críticos do cristianismo oficial como solução para uma igreja
(sic) que consideram obsoleta e irrelevante no mundo contemporâneo e como alternativa à
experiência eclesial convencional. O termo niilismo deriva do latim (“nihilo”) e significa “nada”.
Com o construto “niilismo eclesiástico” se pretende classificar os cristãos que advogam um
cristianismo totalmente despido de formas, estruturas e concretude institucional. [...] A expressão
(...) foi empregada por Émile G. Leonard em seu livro “O Protestantismo Brasileiro”, publicado
pela primeira vez no Brasil em 1963. Cf. LÉONARD, Émile G. O Protestantismo Brasileiro. São
Paulo: Aste, 2002. p.84. (...)”. O chamado “niilismo eclesiástico”, portanto, seria a condição em
que se encontram indivíduos que agora passam a criticar a maneira como são administradas as
instituições evangélicas, a eclesiologia dentro das mesmas, e o próprio denominacionalismo, que
podem ter saído destas por decepção ou não. Quanto a isso, afirma: Frank Viola muito bem
representa um segmento dos desigrejados, isto é, aqueles que, até onde se sabe, não possuem
histórico de decepção e mágoa contra as lideranças eclesiásticas, mas que se descontentaram
com o modelo de igreja contemporânea, com sua pouca vivacidade e com muitas de suas
práticas, após concluir a falta de lastro bíblico para as mesmas (conforme acreditam). (sic)
(CAMPOS: Idem, 64) – ESSE TRECHO APRESENTA VARIAS CATEGORIAS ÚTEIS PARA
DISCERNIR OS VÁRIOS TIPOS DE “EVANGÉLICOS QUE NÃO PARTICIPAM DE
INSTITUIÇÕES”. BEM ÚTIL! INCLUI DESDE PESSOAS QUE TIVERAM UMA VIRADA
TEOLÓGICA-FILOSÓFICA NA SUA VISÃO ECLESIOLÓGICA ATÉ PESSOAS QUE TIVERAM
EXPERIÊNCIAS RUINS COM A IGREJA INSTITUCIONAL E SE AFASTARAM

Ao falar dos decepcionados com as lideranças, Idauro cita relatos de indivíduos que participavam
de denominações (majoritariamente neopentecostais) que tiveram experiências de frustração com
práticas de seus líderes na condução das denominações, coletados por Paulo Romeiro, em seu
livro “Decepcionados com a Graça” (ROMEIRO: 2005). Paulo Romeiro explica como identificou os
motivos de decepção em meio às denominações neopentecostais (principalmente): (...) foi
viajando pelo país que conheci um novo tipo de cristão evangélico: o decepcionado. [...] Atraídos
à igreja com a promessa de enriquecer, curar-se e resolver todos os problemas, muitas pessoas
vêem suas esperanças frustradas. No início, ocorrem o deslumbramento, a expectativa, a entrega
pessoal pela causa e a confiança despreocupada na proposta do grupo. Com o tempo, porém,
vêm os questionamentos relativos à linha de pregação ou a questões éticas, provocando o
rompimento. Embora todas as igrejas decepcionem, numa proporção menor ou maior, a maioria
das pessoas decepcionadas com as quais tive contato era de igrejas neopentecostais. Há relatos
de desapontamentos, frustrações e até mortes provocadas pela pregação do movimento. (op.cit.,
15, 17-18)

Diante de tamanha influência, segundo o autor, ocorre um deslocamento cultural dentro das
igrejas que se sentem pressionadas por este novo modelo que simbolizava, dentre outros
aspectos, sucesso e realizações. Há uma “repaginação” estética e estrutural/teológica (sic) dos
grupos musicais nestas denominações (Idem). Paralelamente, teria ocorrido uma circulação de
membros dentre as instituições evangélicas, um movimento em que as igrejas iam perdendo
membros para as denominações “avivadas”. Ele afirma ainda: Em um Brasil pós-ditadura militar e
com o amadurecimento do neoliberalismo, cuja transversalidade influenciava outros setores
estruturantes para além da economia, os sujeitos agora podiam operar suas próprias escolhas. A
liberdade religiosa possibilitou o intenso trânsito das saberes do sagrado – sair de suas
denominações familiares para outras (ou até, migrar para outras religiões não herdadas), mais
modernas e conveniente, não era mais considerado como tabu ou afronta à religião dos pais.
(Ibidem) Nitidamente, seu discurso corrobora a conceituação já apresentada aqui para a
desfiliação institucional, quanto à perda de credibilidade que se verificou em relação às
instituições religiosas como detentoras do direito de governar e direcionar a religiosidade de seus
adeptos – INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS E ECONÔMICAS QUE FORTALECERAM O
DESAPEGO INSTITUCIONAL. IMPORTANTE CITAÇÃO
Do somatório das opiniões elencadas aqui, podemos depreender que o fator principal para
compreender e classificar os evangélicos anônimos é desvendar as motivações para a desfiliação
institucional: decepção/frustração (com pessoas, líderes, doutrinas e/ou instituições), ou mera
opção ideológica. Determinante, ainda, é o grau de ressentimento causado por esta
decepção/frustração, ou a força da ideologia, uma vez que definirá a medida do afastamento
destes indivíduos do convívio com outros evangélicos, do total isolamento à reunião informal em
modelos alternativos de congregação. Outra conclusão que podemos tecer é que o processo de
transformação cultural que o meio evangélico sofreu durante o período em questão foi
determinante na formação desta categoria de evangélicos anônimos, pela quantidade de
promessas não cumpridas, causadoras de mais e mais desgosto
Concluindo este capítulo, cabe citar uma afirmativa de Paulo Romeiro acerca dos relatos
recolhidos em sua pesquisa, de pessoas decepcionadas com as instituições neopentecostais,
Romeiro afirma que: Há muitos casos de decepção no dia-a-dia de uma instituição religiosa. [...]
Alguns dos depoentes [decepcionados] já encontraram acolhida, estão recebendo tratamento
para suas feridas e crescendo na vida espiritual. Porém, os que não chegam a tanto vão reforçar
uma ala que cresce cada vez mais no mundo religioso: a dos cristãos em trânsito. A decepção
numa igreja leva o indivíduo a buscar outra quase imediatamente. Não era assim há algumas
décadas. Se algo não ia bem numa igreja, se o fiel fosse maltratado, se suas expectativas não se
cumprissem, ele aguardava, resignado, em oração. Ele esperava pela ação de Deus. Existe hoje
no Brasil um contingente significativo de evangélicos, principalmente nos grandes centros
urbanos, que estão sempre circulando de igreja em igreja. Não criam raízes, não conseguem
cultivar relacionamentos e são avessos aos compromissos que normalmente surgem do
relacionamento entre o fiel e a igreja: frequentar os cultos, contribuir sistematicamente com a
igreja local e participar de suas atividades. A preferência de muitos é visitar grandes igrejas e
diluir-se na multidão. Ali, a pessoa entra e sai sem ser notada ou cobrada. (ROMEIRO: 2005,
157-158)

4.2. Trânsito Religioso Silvia Fernandes e Marcelo Pitta (2006) enumeram quatro tópicos para o
“debate sobre o trânsito ou mobilidade religiosa [termos considerados sinônimos para os autores]
no país: 1) a desfiliação institucional; 2) a destradicionalização; 3) a noção de conversão; e 4)
configurações do pluralismo” (op.cit., 19-20). Verificando a bibliografia relacionada, constatou-se,
no entanto, que a ordem explicativa segue um padrão diferente desta, mas relativamente
homogênea na maioria dos casos. Portanto, seguiremos considerando os mesmos tópicos, mas
na ordem da maioria, de modo a facilitar a compreensão. Há unanimidade na percepção do pano
de fundo, do cenário em que acontece o trânsito religioso: a pluralidade de alternativas existente
no meio evangélico em função da fragmentação característica deste segmento. Um cenário de
criação e recriação contínuas de igrejas por conta de cismas internos de pequena escala, onde
predominam a plasticidade e a diferenciação (BRANDÃO: 2004, 270, 284). Alternativas estas que
se multiplicam num processo de divisão por cissiparidade sempre renovado (ALMEIDA &
MONTEIRO: 2001, 92), acompanhando uma tendência nacional de expansão das religiosidades
(FERNANDES & PITTA: 2006, 02), propiciando ampla possibilidade de escolha ao indivíduo em
busca de respostas na religião, conforme afirma Carlos Rodrigues Brandão: Pode-se escolher
estar em pequenas seitas emergentes e rigorosas; em igrejas estáveis, mais frouxas e melhor
consagradas; em agências fechadas em um círculo de iniciados, ou abertas a multidões de
clientes em busca de prestações fáceis de serviços; em difusos sistemas comunitários de
afiliação. Este amplo universo de eixos e fronteiras do sagrado abre-se também a uma variedade
crescente de novas incorporações de sistemas de sentido confessionais, importados ou
autóctones. Se em uma direção isto propicia uma introdução, ou a criação local, de novas
variantes de grupos evangélicos de tipo pentecostal, trazidos dos EUA ou as unidades esotérico-
ambientais inesperadas na Índia, em uma outra direção crescem sempre as alternativas de
criação de novos estilos de crença e prática religiosa francamente autóctones. (op.cit., 279)
Essa pluralidade deve ser compreendida não apenas em relação à oferta de agências
religiosas, mas também entre os indivíduos que as procuram (FERNANDES & PITTA: Idem, 40).
Fala-se de um tempo de valorização da opinião própria, dos pontos de vista individuais
(BRANDÃO: Idem, 282), da “Individualidade”, conceito repetido à exaustão, característico da
modernidade, onde os agentes religiosos adquirem uma identidade secular e onde é relativizado
o papel da religião nas decisões do homem (FERNANDES & PITTA: Ibidem, 23). Cada indivíduo
promove uma autodefinição de sua religiosidade, subjetivada (COGNALATO: 2007, 02),
utilizando, em alguns casos, de maior racionalidade no momento de decidirem entre as diversas
opções que se lhes oferecem, uma (...) religiosidade própria [...] que prioriza a experiência
sentida, os arranjos individuais de pertença e, principalmente, uma disposição autônoma que
procura dar conta da articulação entre um mosaico que integra símbolos e valores religiosos e a
decisão de afiliação ou desfiliação institucional. (FERNANDES & PITTA: Ibidem, 11, 25).
Começa a se configurar daí o conceito de mercado, uma redução da diversidade religiosa que
transforma “crenças em mercadorias a serem consumidas pelos adeptos que, volúveis,
escolheriam os produtos segundo suas necessidades imediatas.” (ALMEIDA & MONTEIRO:
op.cit., 93) Somam-se até o momento alguns aspectos que servem de “cama” para compreensão
do trânsito religioso: a pluralidade de ofertas religiosas existente, sobretudo, no meio evangélico;
a individualidade (autonomia religiosa) pela qual os indivíduos determinam sua própria
religiosidade, de forma racional ou não; e o mercado de bens simbólicos que se forma pelas
diversas agências que, (...) devido às opções que o fiel tem para recorrer (ou escolher) [têm de se
adequar] diante desse fenômeno, oferecendo propostas que sejam atraentes ao divulgar as suas
“especialidades”, no sentido de atender ao “gosto das subjetividades”, das emoções e/ou dos
sentimentos de seus clientes (...) (grifos da autora) (GOGNALATO: Idem, 02). não importa muito
o conteúdo teológico oferecido pela denominação, contanto que os momentos de culto “toquem o
coração” (FERNANDES & PITTA: Ibidem, 29
Esta última informação revela um aspecto importante a ser considerado quando se trata
destes indivíduos vivendo em mobilidade: o desenraizamento institucional e, na esteira deste, a
destradicionalização. Emerson da Costa realizou uma pesquisa na Igreja Assembléia de Deus de
São Bernardo do Campo, onde investigou as motivações declaradas por mulheres e homens para
a mobilidade religiosa (COSTA: op.cit.), e constatou, dentre o percentual de informantes que se
declararam não identificados com a denominação (embora a frequentassem) que a razão para
sua permanência na agência atual seria o ter encontrado o que buscavam. E, ainda, se
encontrassem em outro lugar algo melhor, ou aquilo que procuram e que não lhes é oferecido
onde estão, estão prontos a transitar novamente. Dessa forma, chegou à conclusão de que estes
indivíduos não criam raízes em nenhuma denominação, caminhando entre elas em busca de
seus interesses (COSTA: Idem, 27) Esta mobilidade, embora seja considerada pelas instituições
religiosas como infidelidade ou desrespeito, deve ser vista como exercício da individualidade dos
sujeitos em trânsito, no qual se verifica a perda de plausibilidade institucional, que dá lugar a
outros concorrentes pela preferência dos crentes, como os shoppings e outros locais de
entretenimento (Ibidem, 27-28, 38). Falando do segundo aspecto mencionado, Fernandes e Pitta
afirmam: Andando de mãos dadas com a desfiliação institucional, encontramos a chamada
destradicionalização que, se bem entendida, não quer significar a evaporação da tradição, mas
antes uma mudança de status dela, francamente questionada sob o olhar indagador dos novos
fiéis. A mobilidade religiosa no Brasil evoca imediatamente a noção de fluidez da adesão ou de
menor radicalização no momento de vinculação institucional. [...] A circulação de pessoas não
apenas entre os pentecostalismos ou diferentes igrejas pentecostais, mas entre igrejas históricas
e minoritárias [...] não promove necessariamente um desaparecimento da noção de conversão,
mas um remodelamento dela. (op.cit., 21) Isto não significa, necessariamente, negar radicalmente
os sistemas de referência, mas, sim, a expressão ativa dos sujeitos religiosos, relegando um lugar
de coadjuvantes a estes sistemas, como reguladores de conduta e determinantes quanto à
concepção religiosa. (Idem, 30)
O trecho transcrito acima toca em dois pontos crucias para a compreensão do fenômeno
de mobilidade, quais sejam: tradição e conversão. Almeida e Monteiro relacionam tradição à
herança religiosa, passada dos pais para os filhos, que pode (ou não) ser mudada quando a
pessoa envelhece (op.cit., 93). A tradição também (...) se constitui como um lineamento de
narrativas, memórias e significantes construídos ao longo do tempo, e consiste no texto que
incorpora eventos, rituais, calendários e, em certa medida, racionalização ético-moral. A tradição
(ou tradições) evoca a ideia de certeza, ponto de referência em razão do qual os indivíduos
modernos se movimentam. Entretanto, ela tem sido cada vez mais relativizada e adaptada a
contextos e situações da vida cotidiana. (FERNANDES & PITTA: Ibidem, 27) Os mesmos autores,
citando Paul Heelas, complementam o conceito de destradicionalização, destacando-a como um
(...) fenômeno que traz como um dos principais efeitos a relativização das certezas. Levando em
conta esse contexto, no mundo das religiões, alguém pode fazer uma “experiência espiritual” sem
possuir crenças religiosas dogmatizadas. A questão é que a tradição está pautada em verdades e
as verdades assumem um ar transitório, perdem o seu estatuto soberano num processo de
individualização que envolve, entre outros elementos, o declínio da determinação institucional.
(grifo do autor) (Ibidem, 27)
Vislumbrando no horizonte teórico a proposição de resposta para a questão primordial desta
pesquisa, chegamos ao momento em que o indivíduo decide vincular-se ou não a uma instituição,
diante das considerações feitas sobre o papel da instituição, a influência (ou não) da tradição e a
liberdade de enunciação do sujeito. Aceitando o vínculo formal como definidor de identidade
religiosa de um indivíduo, pelo lado das instituições, pode ser considerado, também, um limitador
da circulação dos crentes, pois cria fronteiras denominacionais, gerando uma forma contenção da
mobilidade religiosa. Portanto, aqueles que preferem o trânsito como forma de não terem sua
liberdade cerceada, podendo deslocar-se entre as diversas ofertas na busca de satisfação, não
se vinculam formalmente a nenhuma denominação, permanecendo como peregrinos em
potencial. (COSTA: Idem, 26-28) Sua opção é pela autonomia, pelo livre exercício da fé. Estão
adaptados a um sistema de mercado de bens simbólicos, aberto a todos (BRANDÃO: op.cit.,
277), em que pesam suas próprias escolhas, seu nível de satisfação. O terreno onde circulam
(instituições religiosas) ou perdeu o caráter tradicional, ou se adaptou à realidade do contexto
cultural em que se inserem (COSTA: Ibidem, 38). Não rejeitam, contudo, os valores evangélicos
apreendidos durante sua peregrinação, mas os remodelam de acordo com a compreensão que
têm sobre o campo teológico, priorizando aqueles valores que se relacionam diretamente com os
objetivos que desejam alcançar. Almeida diria que se comportam como uma população
“flutuante”, voando de uma a outra oferta religiosa (ALMEIDA apud COGNALATO: op.cit., 02).
Seu único compromisso é consigo mesmo, com sua crença, seus objetivos, seus anseios, sua fé.
O anonimato, portanto, mais que uma opção, é a garantia de um estilo pragmático de vida – UM
DOS TRECHOS MAIS IMPORTANTES DO TRABALHO: MOSTRAR COMO TRAÇOS DA
MODERNIDADE (INDIVIDUALISMO, CONSUMISMO E ETC) FORAM AFETADANDO A
FORMA DE VER E PERTENCER À IGREJA. TRECHO QUE PRECISO USAR BASTANTE!

Diante desse processo, ocorre um duplo esforço das instituições religiosas no que tange a
tradição: 1) a tentativa de reforçar a tradição cristã evangélica frente a um processo crescente de
secularização; e 2) a expansão e adequação dessa tradição às subjetividades, dada a ênfase à
individualidade dos sujeitos, suas emoções e o seu “sentir”. (FERNANDES & PITTA: op.cit., 28)
As instituições, antes rígidas e inflexíveis, têm agora que optar pela maleabilidade e flexibilidade
na relação com seus “clientes”. Reflexos de uma modernidade que traz consigo todos os
elementos enunciados até aqui: secularização, desinstitucionalização religiosa, perda de
plausibilidade, desenraizamento dos sujeitos religiosos, pluralidade de ofertas de agências
(COSTA: op.cit., 39), religiosidade própria dos sujeitos – COMO AS IGREJAS TÊM
RESPONDIDO AOS DESIGREJADOS E OS QUE ESTÃO EM TRÂNSITO CONSTANTE?
5. Considerações finais
A partir dos dados coletados nesta pesquisa, das conclusões possíveis em cada etapa, podemos
emitir um discurso acerca da categoria dos anônimos, os evangélicos classificados pelo Censo
como pertencentes a uma linha não determinada dentro do segmento. Embora ainda não se
tenha quantificado cada subgrupo dentro do grupo maior, composto por mais de nove milhões de
brasileiros, podemos perceber que, como resultado da construção desta categoria ao longo dos
anos, estabeleceu-se algumas classificações para tantos evangélicos que não confessam
participar de uma denominação. 68 Os anônimos são, ao contrário de opiniões isoladas, uma
parcela heterogênea dos evangélicos brasileiros, composta por indivíduos que optaram pela não
filiação em uma denominação por questões ideológicas não relacionadas a experiências
traumáticas (com uma possível influência de literaturas “revolucionárias”), outros por terem se
decepcionado com doutrinas resultantes da transformação cultural ocorrida no meio evangélico
ao longo dos anos 1990-2000 (dentre os quais a literatura supracitada pode, também, ter exercido
influência determinante), outros por terem sido vilipendiados em sua fé por líderes despreparados
ou mal intencionados, e outros, ainda, por preferirem a liberdade para transitar entre as mais
diversas ofertas do mercado de bênçãos do meio evangélico, sobretudo pentecostal e
neopentecostal. Chegamos a este quadro observando o seguinte processo: A história deste
contingente anônimo remonta aos anos 1980, período em que a Igreja evangélica no Brasil passa
por sérias transformações em decorrência do contexto político. A abertura política proporciona às
lideranças um acesso às esferas de poder nunca antes alcançadas, principalmente para aquelas
lideranças que se alinhavam ao regime. E, em meio a um tempo em que se evitavam assuntos e
posturas que não as que representavam os interesses particulares de cada denominação,
emergem grupos autônomos, dispostos a romper com os padrões da cultura evangélica da
época, como o uso de templos, a ojeriza ao ecumenismo, a supervalorização das instituições
denominacionais, dentre outros aspectos já mencionados
Nesse mesmo contexto, ou um pouco antes (décadas de 1970 e 80), surgiram no cenário
evangélico as organizações neopentecostais, tendo como principal representante a Igreja
Universal do Reino de Deus. Tais organizações tinham como base a pregação da Teologia da
Prosperidade, que mantinha o foco dos de seus adeptos sobre as conquistas materiais e
“terrenas”. Tendo como solo fértil a crise econômica enfrentada pelo povo brasileiro nesse
contexto, esta vertente evangélica alcança um crescimento jamais experimentado por outras
denominações, fossem elas protestantes ou históricas. Esse crescimento obriga a estas
instituições (que passam a se perceber em desvantagem numérica) a adotar práticas e dogmas
presentes nas denominações em ascensão. A esta época, também, já se verificava o nascimento
de grupos autônomos, onde a opção pelo anonimato, quando ocorreu, se deveu menos ao
enfrentamento da cultura dominante que à espontaneidade e, por que não dizer, excentricidade,
de seus fundadores, ao optar deliberadamente por este modo de identificação: sem-nome. No
entanto, muitos destes 69 grupos seguiram a senda institucional, ao optarem pela adesão à
teologia mencionada acima, mergulhando, definitivamente, na categoria neopentecostal, e
abandonando o anonimato e autonomia. As novidades não se restringiram somente ao campo da
teologia, mas, também, ao musical e eclesial. O crescimento do movimento gospel na década de
1990 começa a alterar a música cantada nas igrejas e a organização de seus conjuntos musicais.
Mesmo aquelas denominações (principalmente as históricas) que valorizavam a música erudita,
passam, no mínimo, a observar a introdução de novos ritmos e instrumentos com cautela e
percepção de que, mais cedo ou mais tarde, teriam de se adaptar a esta nova cultura
É por meio da música, também, que a partir dos anos 2000, uma grande transformação
cultural ocorreu capitaneada pelo conjunto musical “Diante do Trono” (oriundos da Igreja Batista
da Lagoinha-MG), seguido por outros conjuntos e cantores de todo o país que seguiram a mesma
linha, conhecida como “nova unção”, ou “chuva serôdia”. Esta mudança cultural incluía, também,
novidades teológicas, novas formas de organização eclesial (a principal delas foi o movimento de
igrejas em células, ou pequenos grupos), novos ritos e práticas cúlticas, ênfase emocional, dentre
outros aspectos. Novamente, as denominações históricas e pentecostais, diante deste turbilhão
de mudanças, têm de decidir: se adaptar ou a se afastar definitivamente, e arcar com o ônus
dessa decisão. A competição pelo público, pela “clientela” neste mercado de bens religiosos que
se forma pela quantidade assustadora de agências religiosas que surgem aos montes, quase “em
cada esquina” (cinema ou teatro desativado, loja de pequeno, médio ou grande porte, que
estivesse à disposição para se tornar um novo “templo”) se acirra. A partir de então, abre-se uma
espécie de período de experimentações e ofertas no meio evangélico, sobretudo no espaço
neopentecostal. Parte do resultado destas experiências no âmbito do sagrado resulta de
descontentamento e frustração, relacionada a expectativas de fiéis em relação a promessas
percebidas no interior do movimento que, por motivos alheios a esta pesquisa, podem não ter se
realizado. Parte destes indivíduos reage optando pela desfiliação sem, contudo, abandonar a fé.
Assumem posturas que variam do afastamento total do ato de congregar ao convívio em grupos
informais, passando pela frequência casual e esporádica em eventos evangélicos e cultos e pelo
consumo de material evangélico apenas pela internet. Têm, porém, em comum, a 70 decisão de
não se vincularem mais a uma vertente denominacional, o que os coloca entre os evangélicos
anônimos. Paralelamente, há um contingente de evangélicos que faz uso dessa imensa
variedade de ofertas de outra forma, servindo-se dela para transitar em busca de seus objetivos
de vida, seja no âmbito espiritual ou material. Nem todos podem ser descritos como
desvinculados das denominações, embora transitem entre elas. Porém, há os que preferem a
frequência informal, mais adequada às suas pretensões, para as quais o vínculo denominacional
seria um impeditivo. O anonimato, neste caso, é de caráter pragmático
Portanto, ao observar os resultados do Censo de 2010 e visualizar os 9.218.129 de
evangélicos que foram inscritos como participando da categoria da religião evangélica não
determinada, podemos concluir que, salvo o possível erro de interpretação do recenseador, este
quantitativo é fruto de um processo de construção histórico-cultural, influenciado por aspectos
políticos e sociais, movimentos teológicos de impacto, além de inovações musicais, eclesiais e
organizativas, que serviram como cinzel para a sua lapidação. O anonimato pode ser considerado
como um efeito colateral deste processo, ainda em pleno vigor, tendo em vista que no meio
evangélico predomina a valorização denominacional, marcada pela exaltação própria das
diversas instituições, fato evidenciado pela contínua busca de espaço nos meios midiáticos que a
maioria das agências têm demonstrado. Seguir contrariando esta “corrente” representa, na pior
das hipóteses, uma proposta que causa estranhamento, um “desvio” da prática comum do “ser
evangélico”. Este número reflete, ainda, a decisão de boa tarde dos evangélicos deste país, de
praticar sua fé desatrelada das instituições denominacionais, pelos vários motivos vistos até aqui,
o que demonstra a relativização do papel destas na vida religiosa dos brasileiros. Para estes a
denominação importa menos que a vivência cristã evangélica, que parece não depender de
placa, local, rito, forma de governo ou estrutura institucional (e, para alguns, até de pessoas) para
sobreviver e se propagar

Para Neil Cole, Frank Viola, Bruce Anstey, Wolfgang Simson – ALGUNS AUTORES DO “PÓS-
DENOMINACIONALISMO” QUE PREGAVAM O FIM DAS GRANDES E TRADICIONAIS
DENOMINAÇÕES E A ADOÇÃO DE UM MODELO MAIS ORGÂNICO, FAMILIAR, CASEIRO E
SIMPLES DE COMUNIDADE DA FÉ, SEMPRE REFERINDO-SE À IGREJA DESCRITA EM
ATOS DOS APÓSTOLOS. ALEGAVAM EXCESSIVA FORMALIDADE E ÊNFASE NAS
FINANÇAS E BUROCRACIAS DENOMINACIONAIS, PERDA DE AUTONOMIA DA
COMUNIDADE LOCAL, PERDA DO ÍMPETO EVANGELÍSTICO, A SEPARAÇÃO
ANTIBÍBLICA ENTRE “CLEROS” E “LEIGOS”,
ANSTEY, Bruce. A ordem de Deus para reuniões cristãs de adoração e ministração: a
resposta bíblica para a ordem tradicional da Igreja. _______:_______, 2005. Disponível em: .
Acessado em 26/12/2013.
SIMSON, Wolfgang. Casas que transformam o mundo: igrejas nos lares. Curitiba:
Evangélica Esperança, 2001
VIOLA, Frank. Reimaginando a Igreja: para quem busca mais do que simplesmente um
grupo religioso. Brasília: Palavra, 2009.
VIOLA, Frank Reconsiderando o Odre: a prática da Igreja Neotestamentária. São Paulo:
Restauração, 2005. (Livro divulgado pela internet. Disponível em
http://www.adventistasbereanos.com.br/arquivos.pdf/reconsiderandooodre.pdf>. Acessado em
20/02/2014. (Embora não seja o link direto da editora que divulgou inicialmente o livro, o mesmo
encontra-se amplamente compartilhado no meio digital)

3.
http://revista.faculdadeu
nida.com.br/index.php/u
nitas/article/view/479
- INTRODUÇÃO Um dos fenômenos contemporâneo, muito pesquisado e debatido por
estudiosos das questões ligado ao sagrado, é a presença de um imenso pluralismo religioso
nunca visto antes. Até o início do século XIX o Brasil possuía uma única religião: o catolicismo.
No entanto, no período de dois séculos a nação brasileira passou de um país majoritariamente
católico, para uma nação com total liberdade de culto e com uma pluralidade religiosa nunca visto
em períodos anteriores. Sanchis enfatiza que, “a passagem nesse lapso de tempo, do quase
singular („a religião‟) para um claro e crescente plural („as religiões‟) sem dúvida constitui a
transformação mais significativa ocorrida no campo religioso do Brasil”. (SANCHIS, 1997, p. 28)
Por conseguinte, o catolicismo perdeu sua hegemonia e cedeu espaço para uma infinidade de
denominações religiosas, distribuídas geograficamente em todo país
PROTESTANTISMO BRASILEIRO Este trabalho tem como objetivo traçar o perfil da
pluralidade religiosa dentro do protestantismo brasileiro. Antes, porém, se faz necessário
conceituar o que se entende por protestantismo, a fim de evitar distorção no entendimento da
essência do seu verdadeiro sentido. Atualmente existem várias nomenclaturas dispensado aos
protestantes: históricos, evangélicos, pentecostais e neopentecostais, dentre outros, para
identificar os diferentes grupos de cristãos não católicos. Atualmente a terminologia “evangélico”
tem sido utilizado como sinônimo de protestante. O censo demográfico do IBGE tem empregado
esse termo para identificar todos os seguimentos dentro do protestantismo. Para Antônio
Mendonça a palavra evangélico é aceito pelos protestantes oriundos da reforma. Ele declara que:
Atualmente generalizou-se o uso do nome “evangélico” para todos os protestantes, o que eles
próprios aceitam. Embora no Brasil e na Europa “evangélico” seja conceito unívoco, em alguns
lugares, como nos Estados Unidos, o termo é equívoco porque designa a ala conservadora e às
vezes até mesmo fundamentalista do protestantismo. Aos poucos, em todas as áreas,
“evangélico” vai substituindo “protestante”, exceto nas acadêmicas, cuja permanência deste se dá
pelo seu peso histórico. Enfim, para tentar simplificar, no Brasil todo protestante é evangélico.
(MENDONÇA, 2003, p. 152.). Deixando evidente sempre que necessário, o uso do complemento
da nomenclatura histórico, pentecostal ou neopentecostal de acordo com a cronologia e peso
histórico.
Para Souza: O que se costuma chamar de pluralismo religioso caracteriza-se essencialmente
como crescente diversidade cristã, pois há um segmento populacional muito pequeno seguidor de
religiões não cristãs, algo que este artigo destaca. O pluralismo religioso, portanto, é um
fenômeno bem maior do que a heterogeneidade cristã...” (SOUZA, 2012. p. 129). Como fica claro
na citação acima, o pluralismo religioso não pode ser confundido com diversidade religiosa

PLURALIDADE NO PROTESTANTISMO
Em 2017 o protestantismo completa cinco séculos de história. Quando comparado com outras
religiões milenares, como o Budismo e Judaísmo, ele parece muito atual com apenas 500 anos.
Durante esse período histórico, o protestantismo sobreviveu a inúmeros embates políticos,
culturais e religiosos. No entanto, não conseguiu se manter coeso e unido, mas sim, vivenciou um
processo continuo de divisões, dando origem a uma grande diversidade de ramificações em seu
interior. A fragmentação tem sido uma característica do protestantismo desde sua origem. Umas
das principais causas da reforma protestante no século XVI, foi a crítica ao absolutismo
institucional da igreja católica, do papa e a proibição da livre interpretação das escrituras
sagradas. Desse modo, com a conquista do livre exame e interpretação da bíblia, resultou
consequentemente no início da reforma o surgimento de vários grupos, que apesar de
concordarem com os princípios básicos do protestantismo, divergiam em alguns pontos não
relevantes. Para Mendonça: A diversidade está na própria essência do protestantismo que, como
se sabe, fundase na liberdade absoluta do cristão na leitura e interpretação da Bíblia, sendo esta
a autoridade máxima e acima de qualquer juízo institucional, ou seja, a igreja. (MENDONÇA,
2003, p. 163)
O autor enfatiza que a pluralidade é própria do protestantismo, e isto está diretamente
relacionado a ênfase dada na liberdade pessoal da leitura e interpretação da bíblia. Assim, com a
total liberdade de interpretação da bíblia, é normal que surjam opiniões divergentes, o que leva ao
surgimento de um novo grupo religioso. Seguindo o mesmo raciocínio de Mendonça, Cardoso
pactua a ideia de que a pluralidade religiosa é natural desde a origem protestante, isso porque “o
protestantismo não tem como alvo a uniformidade. Aliás, a diversidade ajusta-se naturalmente à
associação que na sua mensagem faz da fé a liberdade”. (CARDOSO, 5005, p. 157) Segundo
afirmação de Almeida e Monteiro a fragmentação é uma característica inerente aos evangélicos
que vivem “Nesse processo sempre renovado de divisão por „cissiparidade‟, as denominações
continuamente dão origem a novos grupos”. (ALMEIDA e MONTEIRO, 2001, p. 92) – O
PROTESTANTISMO TEM UMA NATUREZA DE DIVERSIDADE. CONTUDO, NUNCA SE
FALOU DE UMA FÉ VIVIDA SOZINHA, FORA DA COMUNIDADE
Desse modo, pode-se dizer que a pluralização do protestantismo se estabeleceu em quatro
momentos distintos, que corresponde as implantações dos grupos protestantes histórico, os
pentecostais, que se deu em duas ondas, os neopentecostais e por último, o grupo emergente
dos evangélicos sem vínculo denominacional.

EVANGÉLICOS SEM VÍNCULOS INSTITUCIONAIS


Vale salientar que nos últimos anos vem ocorrendo um fenômeno interessante no meio
evangélico que tem chamado a atenção das lideranças e estudioso do tema. Esse fenômeno se
constata por um movimento ligado à desfiliação permanente das instituições religiosa, que deu
origem a um grupo com características distintas dos evangélicos denominacionais. São os
evangélicas não praticantes. Esse grupo foi denominado pelo IBGE, como evangélicos não
determinados. Essa nova comunidade evangélica é composto por pessoas que se declaram
evangélicas, mas não tem vínculo com nenhuma igreja. Os evangélicos sem vínculo
denominacionais vêm crescendo de um modo assustador. Só nas últimas duas décadas cresceu
cerca de 1100 %, saindo de 0,4% em 1991 para 4,8% da população em 2010. (Censo IBGE
2010) Para Marcelo Ayres Camurça, esse segmento protestante em plena expansão é: Um
fenômeno novo que veio a ser detectado neste Censo foi a declaração recorrente de um
segmento da população que passa a se identificar apenas como „Evangélica‟, saindo de 1,7
milhão, que correspondia a 1% dos evangélicos, no Censo de 2000 para 9,2milhões, ou seja,
4,8% no Censo atual, fenômeno que a classificação do IBGE denomina „evangélico não
determinado‟ (CAMURÇA,2013, p.75). O grupo dos evangélicos sem vínculos institucional em
2010 correspondia a 4,8% da população brasileira, ultrapassando o número de fieis de todas as
igrejas históricas, que representava 4,0%. Dos 22,2% dos evangélicos no Brasil 4,0% são
históricos, 13,3% pentecostais e 4,8% são de pessoas que se declaram evangélicas, porém não
tem ligação de membresia com nenhuma denominação. Por algum motivo eles deixaram de
acreditar, nas instituições religiosas. Esse novo grupo é o chamado evangélico nominal, sem
vínculo institucional ou como afirma José Gonçalves, os “desigrejados”. (GONCALVES, 2015 p.)
– NÚMEROS INTERESSANTES SOBRE OS DESIGREJADOS

 BARTZ, Alessandro. Trânsito religioso no brasil: mudanças e tendências contemporâneas.


In: CONGRESSO INTERNACIONAL DA FACULDADES EST. 1. 2012, São Leopoldo.
Anais... São Leopoldo: EST, v. 1, 2012. | p.258-273
 CAMURÇA, Marcelo Ayres. O Brasil religioso que emerge do Censo de 2010:
consolidações, tendências e perplexidades. In: TEIXEIRA, Faustino;
 MACIEL, Rebecca Ferreira Lobo Andrade. Cristãos sem igreja: um olhar a partir da
contemporaneidade. Juiz de Fora: Sacrilegens v. 12, n.2, p. 87-99, jul/dez. 2015

-
http://www.faifa.edu.br
/revista/index.php/voxf
aifae/article/view/78
Este artigo tem o objetivo de propor uma análise das igrejas midiáticas e sua contribuição
para o aumento dos sem-igreja, da perspectiva sociológica e teológica. Sua produção justifica-se
pela necessidade de compreender, de um lado, a midiatização da religião no uso dos meios de
comunicação por parte das igrejas evangélicas e, de outro lado, o pensamento dos sem-igreja.
As possíveis relações entre as igrejas midiáticas e os sem-igreja serão verificadas por meio
da repercussão daquelas junto à sociedade como um todo, e em especial, junto aos sem-igreja, como
cristãos insatisfeitos com a instituição igreja nos moldes atuais.
Os chamados cristãos sem-igreja, que acompanham mensagens e reflexões pela internet,
pela televisão, pelo celular, e outros meios multimídia carecem de conexões, respostas e
balizamentos. Permanecem como observadores sem comunhão com o outro e sem compromisso de
qualquer tipo. Vivem sem a experiência comunitária e não desejam ser vidraça ou alvo de críticas
— semelhantes aos que fazem em seus artigos, posts em blogs, livros ou tweets.
Muitas pessoas classificadas como sem-igreja, estão desencorajadas pelas cicatrizes trazidas
pela institucionalização. São cristãos prejudicados por falta de projetos ministeriais,
relacionamentos funcionais, falta de preocupação com o discipulado, proclamação utilitarista,
apelos financeiros exagerados, entre outros motivos.

1 AS IGREJAS MIDIÁTICAS NO ALCANCE DA FÉ E DE MEMBROS


As igrejas são midiáticas quando se utilizam dos meios de comunicação para proclamar a
mensagem da fé cristã. Nesse instante todo o aparato litúrgico presente nos templos converge para o
espaço midiático. É possível, num domingo de manhã, assistir ao mesmo tempo, em emissoras
diferentes, uma missa ministrada pelo padre Marcelo Rossi, ou um culto dirigido pelo bispo Edir
Macedo, ambos sendo transmitidos a partir de suas respectivas igrejas.
4. OS SEM-IGREJA COMO CRISTÃOS DESCRENTES DAS IGREJAS
Nesse contexto, surgem os sem-igreja, como aqueles que não vão à igreja no final de
semana e são sinceros ao afirmar que não sentem a menor falta, formam o grupo dos sem-igreja,
conforme consta no depoimento anônimo abaixo registrado por Bomilcanr:
Não fui a nenhuma igreja no final de semana e, preciso ser sincero com
você, não senti a menor falta. Estou bem com a minha opção atual, fazendo
parte da 'Comunidade Virtual Webiana', e assim vou me alimentando aqui e
ali com algumas mensagens em mp3 e participando de fóruns de discussão
on-line. É um caminho de sobrevivência. Sinceramente, não acredito mais
na proposta de ser igreja (BOMÍLCAR, 2012, p. 15).
Dessa forma, Bomílcar introduz seu oportuno livro sobre os sem-igreja, explicando quem
são: Pelo menos é essa a visão dos chamados sem-igreja, ou desigrejados,
pessoas descrentes quanto às reais possibilidades de ser igreja. Credito isso,
talvez, a uma mentoria errônea e a um conhecimento equivocado
transmitido por pastores, líderes e mestres, resultado talvez de vivências
pessoais que imprimiram a eles marcas desanimadoras, doloridas e
frustrantes. Mas os sem-igreja, em sua maioria, têm questões pertinentes,
relevantes e urgentes. Eles crescem de forma avassaladora como uma nova
tribo informal, por todos os cantos, muitos deles tendo saído ou desistido da
igreja, seja ela de que expressão for, mas em especial aquelas reunidas em
templos ou instituições eclesiásticas (BOMÍLCAR, 2012, p. 15) – OS SEM IGREJA TÊM QUESTÕES E
DÚVIDAS SINCERAS QUE PRECISAM SER RESPONDIDAS PELAS IGREJAS
INSTITUCIONAIS

Bomílcar faz um relato histórico sobre o avivamento da década de 1990, que se deu a partir
da insatisfação com a igreja institucional, da necessidade pela busca por espaço nas instituições
teológicas que cresciam no país, e dos movimentos de evangelização de juventude, com seus
acampamentos, treinamentos, e congressos.
Esse despertar espiritual parecia ameaçar uma liderança denominacional,
insegura e personalista, que misturava o conceito de autoridade espiritual
com o poder e a influência. Ali se delineava uma 'tribo' dos que não
desejavam a igreja engessada — ou, no mínimo, a igreja com aquela
formatação institucional. Era a semente do que viria a ser chamado na
década de 2000 de os 'sem-igreja', uma nação que reúne diversos grupos de
insatisfeitos que aumenta em velocidade vertiginosa. É uma realidade no
mundo religioso, tanto protestante como católico romano. Alguns deles são
levados a sério, outros quase sempre estigmatizados com descrédito e de
forma irônica como 'desigrejados' (eu mesmo fui chamado assim, mesmo
trabalhando na igreja desde minha conversão em sua expressão
comunitária). Na verdade, seria injusto definir esse grupo virtual, formal ou
informal, de forma homogênea (BOMÍLCAR, 2012, p. 23).

Conforme cita o pastor e cientista da religião Ed René Kivitz,


A igreja é, ao mesmo tempo, organismo espiritual e instituição social. O
grande desafio é o constante arrancar das ervas daninhas da
institucionalização de modo que o organismo espiritual encontre espaço
para florescer, frutificar e se alastrar (KIVITZ apud BOMÍLCAR, 2012, p.
25). Será sempre difícil lidar com a instituição, mas não há como escapar dessa realidade. Como
definiu o pensador inglês C. S. Lewis: “O cristianismo (sic) já é institucional desde o mais antigo
dos documentos [...]. A igreja, instituição divino-humana, é a noiva de Cristo. Somos membros uns
dos outros” (LEWIS apud BOMÍLCAR, 2012, p. 32) – A INEVITABILIDADE DE A IGREJA SER
ORGANISMO E TAMBÉM INSTITUIÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ocorrência dos sem-igreja, talvez, se deva à uma supervisão errônea e a um conhecimento
equivocado transmitido por pastores, líderes e mestres, resultado talvez de vivências pessoais que
imprimiram a eles marcas desanimadoras, doloridas e frustrantes. Mas os sem-igreja, em sua
maioria, têm questões pertinentes, relevantes e urgentes. As relações entre as igrejas midiáticas e os
sem-igreja surgem de forma explicativa como via de mão dupla. Em um sentido, as igrejas
midiáticas tentam incluir no seu perfil de membros ou fiéis os sem-igreja, em sua busca no firme
propósito de realizar a captura de um maior número de telespectadores, inclusive esse rol que já é
bastante significativo. Entretanto, se uma das causas das pessoas se tornarem sem-igreja tiver sido
os efeitos espetaculares da mídia vai surtir efeito contrário, ou seja, pode ocorrer uma debandada
geral. No sentido oposto, os sem-igreja vão se servir da mesa virtual da palavra (até da santa ceia),
dos cânticos, das orações, etc., enfim dos cultos da igreja midiática, uma vez que não estão mais
congregando fisicamente em nenhuma igreja, e serão estimulados a um crescimento numérico
permanente.
Deus é amor. Sua essência de amor ajuda e encoraja a experimentar esse amor em
profundidade e cotidianamente na vida e também na igreja, no corpo de Cristo visível aqui na terra.
Quando experimenta-se o amor por meio dos irmãos, conhece a pessoa de Deus.
Por isso, definitivamente, é necessário ajustar expectativas de ser e vivenciar a igreja.
Muitos sem-igreja foram gerados em um mundo de falsas expectativas sobre a comunidade da fé,
em suas diversas expressões. A visão do amor possível na comunidade tem de ser mais madura e
responsável. O amor não deve ser visto de forma fantasiosa e inconsequente. Entende-se que o amor
tem sido cantado, explicado e desejado de maneiras distorcidas quanto à vivência comunitária.

- 5.
http://tede.mackenzie.com.br/j
spui/handle/tede/2469
As estatísticas referentes à religião divulgadas no Censo Demográfico 2010 1
demonstraram um significativo aumento no percentual e também nos números absolutos
dentro do segmento religioso cristão-evangélico da categoria identificada pelo IBGE como
religião “evangélica não determinada”, o que causou estranheza para muitos estudiosos,
principalmente entre os que trabalham diretamente com estudos relativos à religião no Brasil.
Subitamente, em cerca de 10 anos o número de evangélicos respondentes ao Censo,
que se identificaram como não afiliados a nenhuma denominação, salta de 1.046.4872 fiéis
para 9.218.1293. Por ter sido um aumento significativo, várias foram as interpretações dadas a
esse fenômeno. Algumas inclusive cientificamente fundamentadas (TEIXEIRA; MENEZES,
2013) foram motivo de relevante discussão acadêmica e ao mesmo tempo provocaram
questionamento da qualidade do relatório publicado pelo IBGE.
Depois de cerca de 40 anos de crescimento exponencial dos evangélicos e do declínio
do percentual da presença católica após quase 500 anos de Brasil, algo novo e realmente
diferente aconteceu. Não que o número de fiéis identificados como evangélicos ou mesmo o
percentual total de evangélicos na população nacional estivesse em declínio. Pelo contrário,
segundo Faustino Teixeira (TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 25) “[...] ocorreu um
significativo incremento da presença evangélica nas últimas décadas, com um salto de 6,6%
em 1980 para 22,2% da população geral em 2010”. Mas, sem dúvida, mais um fenômeno na
religião estaria surgindo no país.
Por isso, a pergunta era mais complexa e relevante: que grupo era esse e como ele
teria crescido tanto, de maneira tão rápida? Teriam os evangélicos entrado na mesma rotina
estatística e prática similar à religiosidade da Igreja Católica brasileira, onde historicamente o
nominalismo sempre foi parte marcante do seu dia a dia? Seria esse fenômeno uma
possibilidade imediata de perda no vigor e no crescimento desse grupo cristão, em
comparação ao catolicismo romano? Seria um retrocesso no que diz respeito à tradição de
pertencimento conforme os padrões imaginados e experimentados até então pelos próprios
evangélicos e consequentemente uma maior aproximação do padrão em relação à
religiosidade brasileira (PEREIRA, 2012)? Teria sido um erro no levantamento, apuração e
tabulação dos dados do IBGE?
-Lá nos Estados Unidos também, “O distanciamento entre os
que vão regularmente à igreja e os que são sem igreja está crescendo, e ao que parece comunidades cristãs
de fé vão lutar cada vez mais para engajar os que estão de fora em suas
vizinhanças e cidades” (BARNA; KINNAMAN, 2014, p.29, tradução nossa).

Neste trabalho, utilizamos o filósofo e sociólogo polonês Zigmunt Bauman, com seus
conceitos de modernidade líquida como o referencial teórico, aproveitando também seus
conceitos de sociedade de consumo.
Da mesma forma, trabalhamos com a compreensão da importância das redes sociais
digitais sendo parte ativa na construção desse fenômeno de igreja-líquida. Sem dúvida,
estamos diante de um mundo novo, tecnológico, consumista, hipermoderno, fluído, líquido e
em mutação. E isso afeta também o mundo religioso e o altera, o transforma e o remodela,
tornando-o mais um produto de consumo customizado conforme o desejo do fiel-consumidor

1. A MODERNIDADE LÍQUIDA, A PERTENÇA E AS MÍDIAS SOCIAIS


Este capítulo procura fazer um histórico que demonstre a conexão entre a
modernidade, a modernidade líquida, as mídias sociais digitais, a religião como produto de
consumo nessa sociedade líquida e a forma como esse mix afeta o senso de pertença de um
grupo social, da forma como historicamente ele era compreendido até então.
Diante disso, a modernidade líquida pode ser identificada como um ambiente propício,
cujos elementos citados anteriormente e interligados a ela convergem para a elevação da
categoria que mais cresceu dentro dos números apurados pelos recenseadores no último
censo: os evangélicos sem filiação denominacional determinada.

1.1. O CENSO 2010 E O CRESCIMENTO DOS EVANGÉLICOS SEM VÍNCULO


DENOMINACIONAL
Os “evangélicos
não determinados8” chegavam a “nada menos do que 9,2 milhões de pessoas, perfazendo
21,8% de todo o contingente evangélico, num patamar que envolve aproximadamente 5% de
toda a população brasileira. Alguns analistas os identificam como ‘evangélicos genéricos’ ou
‘evangélicos sem igreja’” (TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 26).
O IBGE nos ficou devendo números mais consistentes no tocante à
distribuição desses evangélicos entre as diversas denominações. Isso se deve,
em parte, à multiplicidade de denominações existentes, mas em boa medida à
aludida falta de rigor científico na classificação e, provavelmente, em
consequência, ao precário treinamento dos recenseadores quanto a esse
quesito. Uma lástima. (W. Altmann, apud Campos em TEIXEIRA &
MENEZES, 2013, p. 130)
Essa falta de consistência provocou teorizações e estudos, bem como a tentativa de
verificar com o máximo de exatidão que grupo era esse e como havia se formado e ampliado
ao longo dos últimos 10 anos, após o Censo 2000. Diante desse fato, estudiosos buscaram
aproximações comparativas como vemos a seguir, procurando similaridades e características
comuns até em outros países, como os Estados Unidos, ou mesmo na pós-cristã Europa,
conforme diz Leonildo Campos:
Talvez esses evangélicos não determinados sejam uma expressão dos
“desigrejados” que nos Estados Unidos ou Europa são, nestes tempos de
individualismo e de formação de um novo rebanho que é virtual, um objeto do
qual devemos nos aproximar. (TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 156)
Outros recorreram à sociologia na esperança de compreender de forma mais científica
e racional o fenômeno, buscando explicações com base nos estudos e análises feitos mais
recentemente por seus pares nas pesquisas da área da religião brasileira, conforme dizem
Cecília L. Mariz e Paulo Gracino Jr.:
[...] poderíamos pensar o crescimento dos que se declaram na categoria
“evangélica não determinada”, sob um registro diferente, ou seja, o da
privatização religiosa. Esse processo tem sido atrelado à modernização da
sociedade, e tem sido um fenômeno para cujo entendimento foram
construídos vários instrumentos teóricos. [...] a crise que se abateu sobre as
instituições produtoras de sentido (entre elas as religiosas), reflexo da
racionalização e independência das esferas sociais, tornou factível para o
indivíduo filiar-se fortemente a um grupo, pertencer frouxamente a vários, ou
mesmo não se engajar em nenhum. (TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 166)
Na opinião do professor Faustino Teixeira, esse verdadeiro mosaico de elementos
religiosos construídos a partir do desigrejamento de muitos fiéis reflete essa constante
mutação e uma variedade de formas e interesses particulares de uma religiosidade privada e
customizada:
Dentre os tipos predominantes de sem religião encontram-se aqueles que se
desvincularam de uma religião tradicional e afirmam sua crença com base em
rearranjos pessoais; aqueles que passaram por diversos trânsitos, mas que não
se encontraram em nenhum deles; aqueles que mantêm uma espiritualidade
leiga ou secular; aqueles que mantêm uma filiação fluída em razão da
indisponibilidade de participação religiosa regular e aqueles que se definem
como ateus ou agnósticos. (TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 27)– BOA CITAÇÃO. É INTERESSANTE
TAMBÉM PORQUE UTILIZA A IDEIA DE “PRIVATIZAÇÃO RELIGIOSA”. AÍ CONSIGO
CONECTAR BEM COM AS IDEIAS DO ICABODE: PRIVATIZAÇÃO, INDIVIDUALISMO E
CONSUMISMO

1.4. A PERTENÇA DOS LÍQUIDOS E O TRÂNSITO RELIGIOSO


Com o passar do tempo, as evoluções tecnológicas e as mudanças sociais decorrentes
dos tempos modernos levaram variados conceitos a serem transformados. E um deles foi o
sentimento de pertença do fiel religioso.
Outrora estável e sólido em sua comunidade, a qual ficava por anos a fio, agora em
tempos mais fluídos, este religioso, tendo experimentado uma maior visão de mundo e de seu
valor na sociedade, não mais se vê como pertencendo a uma única comunidade local e, por
isso, sua identidade passa a abarcar um mosaico de elementos rituais, simbólicos e míticos.
Bauman (2013b, p. 12) enfatiza que nos tempos líquidos “O engajamento mútuo acabou.
Mobilidade e nomadismo são agora valorizados (a menos que você seja pobre ou sem-teto)”. Pierre Sanchis,
no prefácio da obra Religiões em movimento (TEIXEIRA; MENEZES,
2013, pp. 13 e 14), expressa de forma clara a mudança que está a caminho no que diz respeito
à identidade dos fiéis em relação à religião a que pertencem:
As estruturas sólidas que fundavam, enquadravam, regulavam o universo das
experiências religiosas, conferindo-lhes distinção, identidade e conteúdo, não
o fazem mais com o mesmo rigor, e até quando se reafirmam com renovado
vigor, não o fazem com a mesma abrangência. Um dos problemas mais
críticos que as instituições religiosas terão que enfrentar nos próximos tempos
será de se haver com um significado menos totalizando para a relação
identitária que seus fiéis manterão com elas. Conservando-se presentes as
identidades religiosas institucionais, é provável que o seu significado e
conteúdo se diversifiquem e se modalizem.

Por sua vez, em sintonia com o texto anterior de Sanchis, Bauman (2011d, p. 123) diz
que “o ponto central da estratégia de vida pós-moderna não é a construção de identidade, mas
a evasão de se fixar.” Da mesma forma em relação à temporalidade, à localidade e à identidade da sociedade
atual, ele diz que “A vida numa sociedade líquido-moderna não pode ficar parada. Deve
modernizar-se (leia-se: ir em frente despindo-se a cada dia de atributos que
ultrapassaram a data de vencimento, repelindo as identidades que atualmente
estão sendo montadas e assumidas) ou perecer.” (BAUMAN, 2009b, p. 9)
seguir, vejamos o exemplo do fiel religioso e leitor do site Genizah, que se
apresenta com o pseudônimo de atos, e defende esse novo tempo alegando que o antigo ficou
para trás, mas ainda assim sua identidade camuflada demonstra que ele conserva seu medo de
se expor publicamente. No entanto, apesar disso é extremamente ácido em seus comentários e
incentiva a todos a experimentar antes de decidir, alegando inclusive que é melhor do que se
decepcionar, como se fosse possível haver relacionamentos interpessoais sem decepção: “Antigamente era
visto com muito maus olhos aquele cristão que passava por
várias denominações, porém, nas circunstâncias da atualidade que se encaixa
no slogan “pequenas igrejas, grandes negócios” creio ser saudável para um
novo convertido visitar e estudar várias denominações sempre a procurar uma
igreja bíblica que vai instrui-lo na sã doutrina, é melhor do que ficar numa
igreja antibíblica só porque se converteu nela e se decepcionar e se
desigrejar”

Esse tipo comum de postura na sociedade religiosa cristã-evangélica atual é


apresentada aqui como uma das possíveis causas para tamanho nomadismo ou mesmo
desigrejamento. Há uma total falta de vínculos e raízes. Uma fuga de crises em prol de
autossatisfação imediata, além de uma frágil relação com os pares da mesma fé, provocada
em muito pelas relações virtuais, o que contribui de forma significativa para a superficialidade
do engajamento da religião evangélica de hoje, como pretendemos constatar mais à frente
quando verificarmos o Censo de 2010 e nele identificarmos os “evangélicos sem vínculos” ou
“genéricos”, conforme os apresenta Regina Novaes (TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 184):
Não é por acaso que para Bauman (2009b, p. 7), “’Líquido moderna’ é uma sociedade
em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que
aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir”.
Mudanças permanentes, vínculos fracos, religião de consumo, espetáculo religioso,
relações comunitárias superficiais: partes de uma igreja-líquida. Um problema crônico que se
agiganta nessa época tão volátil, mas que é um sinal de perigo para o futuro da religião cristãevangélica
brasileira: “A vida líquida é uma sucessão de reinícios, e precisamente por isso é
que os finais rápidos e indolores, sem os quais reiniciar seria inimaginável, tendem a ser os
momentos mais desafiadores e as dores de cabeça mais inquietantes.” (BAUMAN, 2009b, p.
8)

Toda essa tentativa desconectadora do indivíduo para com o seu grupo, que trabalha
de variadas formas para retirar dele sua identidade religiosa, acaba por abalar os principais
fundamentos e práticas que deveriam ter sido recebidas por essas novas gerações de
evangélicos.
Com isso, esses novos grupos chegam completamente desfigurados e sem ter
experimentado nenhuma força espiritual ou social que possa ter sido o elemento catalizador,
referencial e fundamental para sua vida religiosa, conforme escreve Leonildo Campos
(TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 156):
É possível que as instituições religiosas protestantes tradicionais estejam
perdendo a função de oferecer uma identidade religiosa plausível e condizente
com os novos tempos de Pós-modernidade e de uma sociedade marcada pela
mídia eletrônica. Há uma crescente corrosão das identidades denominacionais
institucionalizadas. Novos grupos cristãos centrados nas emoções e nas experiências religiosas individuais, não
importando se presenciais ou virtuais,
estão ocupando o lugar e a importância do cristianismo organizado segundo
os modelos comunitário e paroquial
Logo, estamos sendo direcionados para um tempo em que cada vez mais os fiéis
religiosos buscarão suas identidades conforme suas necessidades pessoais. A pertença a um
grupo já não é o mais importante para esse novo rebanho que é cada vez mais virtual, seja isso
no sentido físico ou não.
A seguir, vamos avaliar e compreender de que forma essa religião passa a ser
oferecida como mais um produto de consumo. Da mesma forma, como isso é uma
característica da fluidez marcante dos tempos religiosos-líquidos atuais.

1.5. A RELIGIÃO-LÍQUIDA COMO PRODUTO DE CONSUMO


Essa nova etapa econômica e social vem com força. Ela entra sorrateiramente na vida
das pessoas mais fortemente por volta de meados do século XX (Bauman, 2008a) e acrescenta
um ingrediente venenoso que volatiliza o ser humano e o deixa exposto e desprotegido
socialmente: o consumo.
O comércio passa a ser preponderante e não mais seria apenas o resultado do
suprimento das necessidades reais da humanidade ou do indivíduo, mas nesse novo momento,
as regras da indústria passariam a ser regidas pela busca incessante do lucro, inicialmente em
grandes corporações com poderes multinacionais, e que ao longo do tempo abarcariam
também todo o sistema industrial, dando força descomunal a um novo sistema que estaria
chegando para ser a força maior e mágica de qualquer empresa: o marketing.
A partir daí, a indústria não seria mais voltada para produzir apenas os bens de
consumo para a demanda regular do mercado, mas o marketing, o comercial e o lucro
criariam cada vez mais novas necessidades nos indivíduos para que eles passassem a se
interessar e adquirir produtos até então irrelevantes e desnecessários para o dia a dia.
Passou-se, portanto, a desejar o desnecessário em lugar do realmente necessário. Saiu
de cena a ideia inicial da sociedade industrial produtora de bens em escala para melhoria de
qualidade, além de baixar custos. Mas em certo momento, os que até aqui eram chamados de
“clientes” passaram a ser orgulhosamente chamados de consumidores.
A premissa mudou e afetou profundamente a maneira como o ser humano passou a se
ver na sociedade, e da mesma forma afetou a maneira como passamos a lidar com os nossos
desejos.
São variadas as formas como se oferecem produtos religiosos. Os que são feitos de
material físico e tangível são até mais fáceis de se identificar. Outros, porém, sendo mais
metafísicos, ficam disfarçados de serviço religioso e envoltos na aura de espiritualidade, e no
entanto nada mais são do que novas ofertas especiais com preço definido e satisfação não tão
garantida para receber o dinheiro de volta – e muito menos sua bênção.
Benefícios, como riqueza e saúde desejados e buscado por muitos através da religião,
são verdadeiros remédios contra as intemperes da vida que o fiel consumista não pode deixar
escapar. Bauman (2014, p. 21) diz que “a promessa de estar livre da dor, garantido contra suas
futuras aparições, é uma tentação que poucas pessoas conseguiriam resistir.”
Essa forma alternativa de religião que se mistura com o consumismo, segundo alguns,
foi um dos motivos do crescimento exorbitante dos evangélicos dos anos 2000 a 2010. Pelo
menos esta é a opinião de um profissional participante das pesquisas do IBGE, conforme cita
Marcelo Camurça em seu artigo:
[...] o pesquisador demográfico Eustáquio Diniz Alves atribui o crescimento
evangélico ao fato de que eles “customizam a fé”, ou seja dirigem para cada
grupo da pluralidade social moderna uma mensagem com afinidade em
relação a eles [...] (TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 73)
Ao incursionarmos por entre os dados do Censo 2010, chama-nos a atenção a
tendente consolidação de uma religiosidade que se dá num contexto marcado
pela subjetividade do crente e sua autonomia em relação a valores imutáveis e
universais, aliados a comportamento típico de consumidores em uma
sociedade do espetáculo e do entretenimento na qual se dá a oferta dos bens
religiosos e espirituais dirigida a um público cultural e religiosamente
heterogêneo. (TEIXEIRA; MENEZES, 2013, p. 302)
Senão, vejamos a maneira como o fiel que se identifica como Marcão descreve sua
nova religiosidade, descrevendo sua decepção com a maioria das igrejas, mas deixando claro
que sua vida atualmente vivencia algo que ele há muito desejava.
Feliz e abençoado quem encontra uma boa Igreja para participar, pois está
mais fácil ganhar dez vezes na mega-sena acumulada que encontrar uma boa
Igreja nessa geração. Da minha parte, faz cerca de 70 meses que não
frequento mais Igreja alguma, entretanto, nunca na minha vida li tanto a
Bíblia, nunca orei tanto, nunca vi e senti os milagres, livramentos, sinais e
maravilhas em minha vida como sinto nesses últimos anos. Hoje, consigo
praticar justiça, ética com meus funcionários, clientes e amigos, vivo o
evangelho da Graça ajudando os mais necessitados e sinto o poder do Espírito
Santo exortando a minha alma e espirito quando meu corpo quer pecar.12

2. CONCEITOS COMPLEMENTARES PARA UMA IGREJA-LÍQUIDA


Neste capítulo, apresentaremos uma revisão, resumo e análise da literatura, seja ela
acadêmica ou religiosa, já publicada acerca das temáticas nomadismo religioso e pertença
religiosa para que possamos ter uma compreensão mais ampla sobre a tentativa de
pesquisadores, na procura por compreender melhor esse fenômeno. Alguns deles são ligados
ao ramos das ciências sociais, porém a grande maioria é mais conectada à teologia das igrejas
evangélicas e entendemos que, desta forma, a abordagem será multidisciplinar.
O tema deste capítulo gerou diferentes pesquisas e análises ao longo dos últimos anos
e ainda provoca bastante discussão: HERVIEU-LÉGER (1999) chamou seus agentes de
“peregrinos”, para MCLAREN (2001) eles são “um novo tipo de cristão”, ROMEIRO (2005)
os identificou como “decepcionados”, ALENCAR (2005) chamou de “protestantismo
tupiniquim”, COLE (2007) os denominou como “igreja orgânica”, AGRESTE (2007) os
qualifica como “crentes sem DNA da igreja”, VIOLA & BARNA (2008) chamaram o
fenômeno de “cristianismo pagão”, LOPES (2008) os qualificou como “evangélicos de alma
católica”, BRABO (2009) denominou como “o último cristão”, CÉSAR (2009) identificou
como “feridos”, AZEVEDO (2010) chamou de “cansados”, BITUN (2011) denominou como
“mochileiros da fé”, BOMILCAR (2012) os qualificou como os “sem-igreja” e, mais
recentemente, CAMPOS (2014) os nomeou como os “desigrejados”.

Para demonstrar o desconhecimento doutrinário elementar de boa parte dos que se


denominam e se entendem por desigrejados, mas que são leitores desses sites, vejamos
também as palavras de Carlos Magalhães, que em seu comentário acerca do artigo “Sem
igreja, graças a Deus!”, de autoria de Jefferson Ramalho, procura enfatizar a falta de
importância do templo e das igrejas, ainda que sem deixar claro se faz distinção entre as
palavras “templo” e “igreja”:
[...] espiritualidade não está associado a templo material, a nome de igreja ou
religião. Mas no conjunto de suas relações com as pessoas que convivemos no
nosso dia a dia e num poder superior na forma que cada um concebe ou
acredita. NÃO PRECISAMOS DE MULETAS DOS OUTROS, QUANDO
TEMOS A NOSSA DENTRO DE NÓS; DEUS COMO CADA UM
ACREDITA. [...] Jesus também disse que os verdadeiros adoradores;
adorariam o PAI em ESPIRITO E EM VERDADE; ou seja, nem naquele poço onde aquela mulher tirou água e nem
nos templos de Jerusalém;
profetizava desde já o fim dos templos e das igrejas.16
2.1.9. Os sem-igreja (BOMILCAR, 2012)
Nelson Bomilcar é objetivo e humilde ao dizer que a proposta do livro é pastoral e não
acadêmica e que “provavelmente não trará grandes novidades aos estudiosos da eclesiologia”
(p. 21). Segundo ele, a obra é “um testemunho e um registro” (p. 21) – quando relata casos
variados de membros “sem nome” da igreja, pelo fato de o autor imaginar não ser produtivo
expor pessoas e situações, ou mesmo “desnudar” a Noiva de Cristo em público.
Bomilcar procura identificar o grupo por ele pesquisado e dentre o que ele classifica
como subgrupos, os listados são: aqueles que se assumem como sem-igreja, os que estão
desencantados com a instituição formal religiosa, os que ainda estão arraigados à instituição e
com relacionamentos superficiais, os que estão “recolhidos” em grupos pequenos reunidos,
outros foram passivos ou ativos em casos de abusos espirituais, os que são carentes de
conexões, respostas e balizamentos, e finalmente os que não passaram pela experiência de
conversão.
O capítulo primeiro aborda rapidamente o pano de fundo histórico-cultural-político
que envolve o brasileiro, e Bomilcar diz que as más influências históricas que herdamos e
cultivamos ao longo dos anos acabam por afetar de forma direta a igreja, sua estrutura
hierárquica, seus programas de eventos, suas fórmulas de crescimento, bem como o despreparo técnico e
espiritual de seus líderes, enfim, tudo isso junto provoca esse “caldo”
eclesiástico que verificamos hoje nas igrejas evangélicas e, assim, o lidar com a igreja real
sempre provoca uma experiência bastante negativa e complexa. No capítulo dois, Bomilcar descreve como a
“igreja evangélica” foi percebida por ele
no início de sua adesão, outrora mais um ex-católico por herança familiar, ele relembra de
pessoas e instituições que influenciaram sua caminhada ao longo dessa nova forma de ver o
cristianismo. Na página 51 desse capítulo, ele diz que a tradição e a ortodoxia estariam hoje
“em xeque” e da mesma forma “fortemente questionada”, mas “sendo ainda referencial para
muitos cristãos”. Adiante, na página 53 ele também reconhece que “o ambiente da chamada
pós-modernidade” por vezes seria a causa para o surgimento dos sem-igreja.
O terceiro capítulo fala basicamente dos líderes e de como eles seriam a causa da
atitude atual de muitos dos desigrejados. O autor relembra a tradição brasileira nordestina do
coronelismo e faz um paralelo acerca da forma como muitos pastores e líderes tratam seu
grupo religioso. Aqui, Bomilcar critica fortemente os pastores, toda essa dinâmica conflituosa
entre líder e liderados, com suas decepções e crises interpessoais e a maneira como os
mesmos exercem sua liderança de forma tão controversa e com pouca base bíblica ou
histórica na tradição para tal. Ainda no capítulo três, as causas que levam alguns a desistirem da igreja,
segundo Bomilcar, seriam: o desencanto com a estrutura institucional e eclesiástica, a grande desilusão
com a liderança manipuladora da religião, a grande desconfiança em relação aos que
enriquecem com o ministério, as mudanças e transformações de realidades na vida das
pessoas, o forte receito em construir novos relacionamentos e, finalmente, a fuga intensa para
reuniões nas casas.

No capítulo quatro, o autor sugere que o local de refúgio para os sem-igreja seria “em
comunidades onde foram aceitas e acolhidas como são”, sem a preocupação de se ter nelas o
melhor corpo de doutrinas ou mesmo a melhor organização. Mais uma vez ele relata a
importância da ação dos líderes na correta orientação espiritual, mas ao mesmo tempo fala da
alienação que muitos deles vivem em relação à vida e aos problemas reais enfrentados no dia
a dia de seus liderados e que, também, por essa razão os pastores deixam de ser seus
referenciais
No quinto capítulo, Bomilcar coloca lado a lado a igreja/religião e o consumo, vendo
isso como uma das causas prováveis para o surgimento de um número cada vez maior de semigrejas.
Isso é claro segundo ele quando se relaciona os termos usados nas igrejas de hoje:
programa, projetos, necessidades, expectativas, acordo, estruturas etc. A cultura corporativa competitiva e
excludente que se origina dessa mentalidade consumista, segundo Bomilcar,
estaria permeando de forma danosa a igreja de hoje e com isso afastando e não aproximando
ou acolhendo como deveria. Ao mesmo tempo, o religioso-consumidor estaria tendo uma
consciência maior disso e não se adaptando mais à sua igreja, mas adaptando “sua igreja” a
seus gostos pessoais como consumidor do mercado religioso. Sem contar o incentivo às
conquistas e desejos provocados por variados pastores em suas igrejas, que acabam por
induzir os fiéis a uma religiosidade de bens de consumo e serviço, que afasta uma
característica importante e fundamental para o cristão, segundo Bomilcar: o contentamento.
De fato, um consumidor não satisfeito procura e exige cada vez mais e por isso muda na
busca por algo que o satisfaça no momento.
Já que muitos religiosos estão à procura do que os agrade, ao mesmo tempo eles
repulsam e se afastam de qualquer elemento eclesiástico que os desagrade. E é essa a temática
do sexto capítulo. Não há mais a necessidade de enfrentar e vencer conflitos em busca de
aperfeiçoamento pessoal e de sanidade mental e espiritual para esse consumista religioso.
Segundo Bomilcar, os sem-igreja “se multiplicam porque em muitas situações são fruto de
questões mal resolvidas e vão caminhando cada vez mais ao lado ou fora do contexto
comunitário” (p. 155).
No capítulo sete, Bomilcar insere na obra parte de sua vocação como poeta e a
percepção de que a poesia ajudaria “muito na construção da fé a fim de descortinar o coração
humano” (p. 162). E aconselha aos que se consideram sem-igreja a ouvir mais os profetas que
“nos ajudam a colocar o pé no chão, no presente e no futuro, considerando o Deus da história”
(p. 172). E da mesma forma os poetas que “nos fazem olhar com graça e misericórdia as
pessoas que são iguais a nós, em virtudes e defeitos” (p. 167).
O capítulo oito fala do desafio comunitário de ser igreja, em contraposição a ser semigreja
e do questionamento que esses últimos fazem ao dizer que a instituição estaria
sufocando e desfigurando a comunidade ou até mesmo o senso comunitário. São relacionados
textos bíblicos que procuram demonstrar as bases para a vida comunitária e as dificuldades
enfrentadas diante disso. Por fim, o autor propõe uma proatividade em amor como o de
Cristo, a perseverança e a disposição para a busca dessa vivência.
No capítulo final, Bomilcar fala da necessidade de se ajustar as expectativas para se
vivenciar e ser igreja, deixando claro que muitos criaram e vivem falsas expectativas sobre o
que isso significa de fato. Ao mesmo tempo ele deixa claro que entende que o projeto de um
cristão deve ser inegável e incondicionalmente ser igreja, em contraposição à tendência atual de ser um sem-
igreja. E por fim insiste que essa seria um forma testemunhal de se anunciar a
salvação.

2.1.10. Desigrejados (CAMPOS, 2014)


Idauro Campos começa seu livro definindo “desigrejados” como o neologismo criado
para definir os que “defendem o niilismo eclesiástico18, baseados na decepção com a
instituição e também em argumentos teológicos e históricos” (p. 15). Segundo Idauro, suas pesquisas foram
feitas ao longo de três anos, até se tornar
posteriormente um livro. Na introdução, ele menciona o Censo IBGE 2010 e o relatório
apresentado por esta instituição de âmbito federal informando acerca do elevado e
surpreendente contingente de mais de quatro milhões de brasileiros que se declararam como
evangélicos, sem vínculos institucionais (“era a primeira vez”, segundo Idauro). Ainda
segundo o autor, sua pesquisa procurava demonstrar que este fenômeno de “desengajamento
institucional” nada mais seria do que uma repetição, com nova roupagem, de algo que já
havia acontecido previamente, em variadas ocasiões e momentos históricos, com e por
variados grupos religiosos que se autodenominavam cristãos
Na parte um, Idauro procura conhecer os “desigrejados” e identifica alguns elementos
que demonstram, segundo ele, uma certa organização meramente por ter “literatura, sites e
toda uma teorização que procura identifica-lo teologicamente”. Acerca da literatura, ele
relaciona os livros publicados que comporiam essa “base” teórica de apoio ao grupo.
A seguir, nesta mesma parte da obra, em seu primeiro capítulo, “decepcionados com a
liderança”, ele descreve “casos” reais de desigrejados e ao mesmo tempo procura analisar
cada caso, sendo que todos eles foram retirados de algumas das obras já publicadas,
principalmente Feridos em nome de Deus (CÉSAR, 2009) e Decepcionados com a graça
(ROMEIRO, 2005). E sobre as atitudes desses líderes religiosos que levam ao
desigrejamento, ele relaciona: promessas feitas e nunca alcançadas, malversação dos recursos
das igrejas, abuso espiritual, despotismo, acepção de pessoas.
No capítulo dois, o autor fala acerca daqueles que são “os críticos do modus operandi
e da institucionalização da igreja”. De início, ele descreve que para os desigrejados essa
institucionalização tornou a igreja rígida, anacrônica, descontextualizada, estática, indiferente
e relevante. A construção do capítulo, entretanto, é feita quase que em sua totalidade em cima
dos argumentos do Frank Viola e suas obras, mormente Cristianismo pagão (2008), em
coautoria com o pesquisador George Barna. O templo, os ministros ordenados e onipotentes,
o sermão como o centro do culto são, segundo Idauro, elementos importantes que constam na
lista de críticas feitas contra a igreja atual e que são usados como argumento para o
desigrejamento. Nacionalizando o capítulo dois, Idauro inclui Caio Fábio e sua comunidade religiosa
denominada “Estações do caminho da graça” – que segundo ele “procuram ser alternativas de
comunhão cristã para aqueles que abandonaram as fileiras das igrejas evangélicas” (p. 73) – e
Paulo Brabo, exilado eclesiástico, que em seu blog “Bacia das almas” publica textos
questionando a igreja evangélica e sua forma de viver a religiosidade. Por fim, Idauro volta à
Frank Viola e sua proposta de retorno às igrejas nas casas, que supostamente poderia ser “a
terceira Reforma
Na parte dois da obra, são citados os movimentos que o autor considera “os
desigrejados na história da igreja”: o montanhismo (155 d.C.), os pais do deserto
(aproximadamente no século IV), o donatismo (aproximadamente no século IV), a igreja
espiritual de Pedro de Bruys e Henrique de Lausanne (aproximadamente nos séculos XII e
XIII), o “speronismo” (princípio do século XIII), o “joaquimismo” (segunda metade do século
XII), o anabatismo e a reforma radical (século XVI), o quackerismo (Sociedade dos amigos,
século XVII), o darbismo (início do século XIX) e finalmente o cristianismo arreligioso de
Dietrich Bonhoeffer (século XX). Ao fim desta parte da obra, Idauro diz que o movimento
atual dos desigrejados nada mais é do que “novos argumentos e nova roupagem” de algo que
não é novo
Na parte três, Idauro, para posicionar-se em favor da igreja como instituição,
argumenta sobre como a igreja chegou até aqui apesar de sua institucionalização. Para isso ele
discorre sobre a formação de Israel, a formação da igreja no Novo Testamento, as marcas
institucionais nas igrejas neotestamentárias, a institucionalização da igreja na era pósapostólica
e finalmente contesta com casos citados ao longo do Novo Testamento, o “mito”
da Igreja Primitiva no qual se agarram boa parte dos teóricos do desigrejamento. Aqui, sua
intenção é a de rebater as críticas proferidas contra a igreja atual.
No último capítulo, o de número 19, Idauro entra um pouco na área mais sociológica
da religião cristã e fala da crise de pertencimento pela qual passa o indivíduo autônomo,
“incapaz de adequar-se a qualquer padrão além do seu” (p. 179) e que é regido pelos seus
interesses e imediatismo, que se sobrepõem aos ideais e valores tradicionais. Além disso, o
autor alega que esse trânsito religioso presente nos desigrejados também é resultado da
“efemeridade e superficialidade das relações.” (p. 187
Nas considerações finais, o autor declara que a igreja não tem o que temer diante do
momento e da crise atual, até porque há uma certa repetição de algo já acontecido algumas
vezes no passado e que, apesar disso, a própria Bíblia e sua autoridade mostram a esperança
do que acontecerá no futuro e que “é Cristo, portanto, quem garantirá o êxito e a vitória final
da igreja” (p. 199).
Os anexos apresentados ao final de sua obra são, na verdade complementos relevantes
ao propósito da mesma, sendo o primeiro deles o texto na íntegra do Dr. Augustus Nicodemus
Lopes, que foi publicado em 5 de abril de 2010 em seu blog Ó tempora! Ó mores!19. O
segundo anexo trata de uma análise crítica que Idauro faz sobre Frank Viola, sua obra
principal Cristianismo pagão (2008) e sua proposta presumidamente “revolucionária” de uma
nova forma de ser igreja, que, segundo Idauro, é resultado de sua “idolatria” ingênua à figura
mítica da Igreja Primitiva. No anexo três, Idauro sai “em defesa da igreja de Cristo”, mas se
prende apenas à temática igreja institucional. Por fim, declara seu amor pela igreja,
comparando suas dificuldades com as dificuldades encontradas nas famílias, e com palavras
em favor da igreja “visível” e a “invisível”. E ainda, Idauro menciona ao longo do texto sua
percepção de que “virou moda falar mal da igreja”.

OPINIÕES DOS SEM IGREJA ACERCA DOS ASPECTOS ECLESIOLÓGICOS


Se essa religião é verdadeira para um adepto, é preciso haver um grupo e esse grupo
precisa ser identificado em alguma forma de comunidade, com características comuns de
símbolos, de mitos e de ritos.
No entanto, não é exatamente isso que se apresenta nos textos destacados do Genizah
os quais consultamos. Falta a ideia de um grupo com características mais uniformes, menos
difusas e confusas e ao mesmo tempo mais fáceis de serem compreendidas e repassadas
adiante
As principais religiões hoje, mais do que nunca, precisam de um sistema institucional
para funcionar. Não poderia ser diferente com a religião cristã-evangélica. Pensar em um
sistema de crenças, códigos, ritos, mitos, espaços sagrados e todos os elementos que
compõem as variadas religiões oferecidas e customizadas para seus adeptos, sem uma mínima
institucionalização é realmente não entender o momento social no qual vivemos.
São variadas as necessidades que o homem de hoje tem em relação à religião:
literatura para divulgar os códigos, local para a reunião de aperfeiçoamento e aparelhamento
para desenvolvimento do grupo e para proselitismo, bem como para a realização de ritos e
fortalecimento de mitos. Local para comunhão e compromisso mútuo – e senso de pertença.
Local onde pedagogicamente se “percebe” o sagrado e que ajuda o fiel a evitar e se opor ao
profano.
Todos esses elementos não passíveis de institucionalização da mesma forma que
induzem o grupo a ela. Mesmo aqueles que alegam estar fora da instituição, só por
pertencerem a um grupo já fazem parte de uma instituição, ainda que possa ser mais leve e
menos parecida com a anterior e mais pesada.
Sendo assim, alguns alardeiam que não comungam mais com essa parte profana da
religião e que, portanto, estão agora participando de algo mais sagrado e mais relevante – o
que realmente importa, enfim. Essa é a forma como o comentarista marcos ferreira se
posiciona enfaticamente quando diz que “Jesus veio nos trazer o cristianismo. Paulo inventou
a igreja. Coisa de homem”.58
Da mesma forma Antonio ataca os padrões de funcionamento de sua antiga religião,
sendo genérico em seus comentários e ao mesmo tempo ácido, já dando sua percepção acerca
do motivo pelo qual a denominação conhecida como Assembleia de Deus aceita novos
adeptos, mas contraditoriamente não os libera para a participação em outras denominações: As igrejas
evangélicas idem, batizam nas águas pra segurar o crente no arraial
evangélico, quando muito aceitam a transferência para uma igreja “irmã”,
algumas como a “Bléia” nem isso, aceitam crente de tudo quanto é buraco (de olho na arrecadação, claro) mas na hora
de conceder a famigerada “carta de
recomendação” se nega a liberar o fiel, ou seja, se sair de lá só lhe resta o
INFERNO

Outro comentarista que se autodenomina REMANECENTE questiona a igreja


chamando seus líderes de “terroristas espirituais” e aristocratas, bem como chama de “gado”
os membros participantes e submissos:
[...] Jesus não instituiu nenhuma igreja ou denominação nós somos a igreja;
não existe isso de Desigrejados, isto é algo que os terroristas espirituais fazem
pra controlar o povo e tarjá-los com nomes inventados por esses aristocratas
para meter medo nas pessoas controlá-las como gado. Não é errado se reunir
com pessoas no nome de Jesus Cristo; a palavra diz que quando houver 2 ou
mais reunidos em nome de JESUS ali ele se fará presente.60
Da mesma forma, Antonio volta à cena e chama pejorativamente de “igrejeiros” os
que participam de uma estrutura eclesiástica convencional, em contraponto direto aos que
chamam outros e possivelmente até ele próprio de desigrejados:
O Senhor deixou claro isso, que Deus não habita em templos feitos por mãos
humanas, mas os igrejeiros simplesmente ignoram essa verdade, querem seus
papas, seus pastores, seus bispos e seus apóstolos pra se sentirem seguros,
aceitos, salvos... é homem confiando em homem, é carne amparando-se na
carne.61

3.2.3.3. A comunidade
Como fazer parte de um grupo sem ser efetivamente parte dele? Por contraditório que
pareça à primeira vista, são muitos os religiosos que não pertencem integralmente ao grupo do
qual pensam participar e com o qual dizem estar filiados.
Talvez aqui esteja uma das maiores contradições presentes nas redes sociais religiosas,
sejam elas reais ou virtuais. Onde deveria haver um ambiente inclusivo sem exclusivismo, o
que se percebe é um sectarismo exagerado, e ao mesmo tempo uma competitividade por uma
espiritualidade superior, que desemboca numa materialidade abençoada para alguns poucos
eleitos.
E esses, por sua vez sentindo-se superiores, não partilham de todo o enredo, mas
estimulam a materialidade deixando de lado toda a peregrinação para a chegada à terra
prometida – a chegada é contada e recontada, mas o caminho difícil e seus numerosos
detalhes é esquecido.
Dentro dessa configuração de igreja, o que importa é o que alguns pouco fiéis
experimentam ou recebem. Pouco importa o que outros passam – o que importa sou eu.
O testemunho do ex-pastor Jessé Borges, que como ele mesmo diz, já fez parte do
sistema, demonstra a importância do envolvimento pessoal entre os membros de uma
comunidade religiosa, não apenas em eventos especiais ou mesmo em dias de reuniões
regulares efusivas, onde todos querem e precisam mostrar seu lado bom.
[…] como ex-pastor do sistema, me sinto feliz comungando com cerca de 8
famílias, edificando-nos mutuamente na Palavra, fazendo refeições juntos,
ajudando os necessitados (inclusive famílias igrejadas) e desejosos de estar o
mais identificados possível com a origem da igreja de Jesus! Livres dos
poderes judaizantes. Aleluia!63
De fato, a dimensão comunitária de um grupo religioso deve desembocar na
proximidade real que auxilia pessoas e provê as necessidades essenciais para os carentes. No
entanto, ainda aqui, a crítica de Jessé Borges generaliza e não identifica em números reais a
veracidade dessa crítica que alega que a igreja de hoje não faz nada pelo pobre. Esse é um mito que
chamamos aqui de “lenda eclesiástica”, ou seja, são determinadas generalizações e
pressuposições que temos acerca da igreja por conta de elementos não tangíveis ou mesmo
não experimentáveis que levam a conclusões precipitadas e sem fundamentos. Ou seja, por
termos a percepção de que algo é ou poderia ser, de fato assumimos como fato, sem
necessidade alguma de comprovação científica do suposto fato.
A igreja como instituição é sempre a que faz a cortina de fumaça diante da verdadeira
igreja segundo a percepção de muitos dos desigrejados. E há enorme confusão na
compreensão de termos doutrinários e eclesiológicos. James é apenas mais um dos que
colocam toda a responsabilidade no que é material como algo que desvia o foco do que é mais
importante e, portanto, espiritual. Por isso, para ele, ser um em Cristo é mais importante do
que o tempo e o espaço. E não é por acaso que ele usa a palavra “reunir” ao mesmo tempo
que emite uma ideia de igreja mais ampla do que apenas algo físico:
[...] ... não há ensinamento bíblico pelo qual se deve fundar ou construir
“igrejas físicas” ou templos, mas, há o ensinamento de que devemos nos
reunir “como Igreja” em qualquer lugar, independente de nomes, placas,
somos um em CRISTO, espalhados pelo mundo, professando o nome do
CORDEIRO de DEUS...64
Sem dúvida alguma, a igreja precisa ser comunitária e deve ser um ambiente amigável
e propício para receber adeptos e transmitir confiança a todos os interessados em seu sistema
crenças, bem como deve oferecer o caminho da salvação para todos, indistintamente. Além
disso, no momento atual, como diz Bauman (2009b, p. 140): “num ambiente líquido,
imprevisível e de fluxo rápido, precisamos, mais do que nunca, de laços firmes e seguros de
amizade e confiança mútua

- 6.
http://www.ufjf.br/sacrilegens/
files/2016/03/12-2-8.pdf
FERNANDE

- 7.
https://repositorio.unesp.br/ha
ndle/11449/152903
LER DEPOIS 1.1.2 – Nosso contexto: a modernidade radicalizada
..................................................... 32
LER DEPOIS 1.3 – Danièle Hervieu-Léger e o conceito de modernidade religiosa
........................... 38
LER DEPOIS 1.5 – O desigrejado: figura do ser religioso na modernidade radicalizada .................
46
LER DEPOIS 2.7.2 – Entre as possibilidades, os desigrejados
................................................................... 96
- 8.
https://istoe.com.br/152980_O
+NOVO+RETRATO+DA+FE+N
O+BRASIL/
ÚTIL APENAS PARA MOSTRAR QUE O TRÂNSITO RELIGIOSO NÃO TEM A VER SOMENTE
COM OS EVANGÉLICOS; É UM TRAÇO PRESENTE EM TODOS OS GRUPOS RELIGIOSOS
ATUAIS, MOSTRANDO QUE É UMA CARACTERÍSTICA DO NOSSO TEMPO CULTURAL –
COMO A IGREJA EVANGÉLICA TEM CRESCIDO EXPONECIALMENTE NAS ÚLTIMAS
DÉCADAS, O NÚMERO FICA MAIS CLARO ENTRE ELA

9.
http://www.simposio.abhr.org.
br/resources/anais/6/14706720
12_ARQUIVO_Osdesigrejados
adestradicionalizacaodeevang
elicosbrasileiroscomocasoder
econfiguracaoreligiosanamod
ernidaderadicalizada.pdf
PEQUENO ARTIGO RETIRADO DA TESE MAIOR DO DOUGLAS ALESSANDRO SOUZA
SANTOS

10.http://www.scielo.br/pdf/sp
p/v15n3/a12v15n3.pdf
NÃO PRECISA LER. SÓ VOU CITAR PARA MOSTRAR QUE HÁ TRÂNSITO RELIGIOSO
EM TODAS AS RELIGIÕES NOS ÚLTIMOS TEMPOS, UMA CLARA MARCA DA
MODERNIDADE TARDIA. ACHO INCLUSIVE QUE A MATÉRIA DA ISTOÉ FOI BASEADA
NESSE ARTIGO. É BEM PARECIDA. MAS O ARTIGO DÁ MAIS PESO TEÓRICO QUE A
REVISTA

11. BARTZ, Alessandro

12. BARTZ, Alessandro

13. IDAURO. Livro


“Desigrejados: teoria, história
e contradições do niilismo
eclesiástico”
(ele mostra que a desinstitucionalização não é um fenômeno novo, mas sempre
houve no seio da Igreja, ainda que talvez não com esse ímpeto atual)

14. BOMILCAR, Nelson.


LIVRO “Os sem-igreja:
buscando caminhos da
esperança na experiência
comunitária”

15.
https://www.metodista.br/revi
stas/revistas-
ims/index.php/MA/article/view
File/4498/3797

16. RODRIGUES, Denise dos


S. Religiosos sem Igreja: um
mergulho na categoria
censitária dos sem religião.
Revista de estudos da
religião. São Paulo, v.1, dez,
2007, p.31-56.

17.
https://huespedes.cica.es/gim
adus/21/07_modernidade_refl
exiva.html

 BELLOTTI, K. K. História das Religiões: conceitos e debates na era contemporânea.


História: Questões & Debates, Curitiba, n. 55, p. 13-42, jul./dez. 2011.
 MARIANO, Ricardo. O futuro não será protestante. Ciências Sociais e Religião. Porto
Alegre/RS, ano 1, n.1, set.1999, p.89-114.
 ROMEIRO, Paulo. Decepcionados com a graça: esperanças e frustrações no Brasil
neopentecostal. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.
 CAMURÇA, Marcelo Ayres. O Brasil religioso que emerge do Censo de 2010:
consolidações, tendências e perplexidades. In: TEIXEIRA, Faustino;
-
http://comunhao.com.br/desig
rejados/
Em 2011, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os números da Pesquisa de
Orçamento Familiar (POF) realizada nos anos de 2008 e 2009, um dado chamou a atenção de lideranças
religiosas: num intervalo de seis anos (de 2003 a 2009) cresceu de 0,7% para 2,9% o grupo de evangélicos sem
vínculo com uma instituição religiosa. Em números absolutos, um aumento de aproximadamente 4 milhões de
pessoas.

https://www1.folha.uol.com.br
/poder/2011/08/959739-sobe-
total-de-evangelicos-sem-
vinculos-com-igrejas.shtml
Os dados do IBGE também confirmam tendências registradas na década passada, como
a queda da proporção de católicos e protestantes históricos e alta dos sem religião e
neopentecostais.

No caso dos sem religião, eles foram de 5,1% da população para 6,7%. Embora a
categoria seja em geral identificada com ateus e agnósticos, pode incluir quem migra de
uma fé para outra ou criou seu próprio "blend" de crenças --o que reforça a tese da
desinstitucionalização.
-

-
https://bereianos.blogspot.co
m/2013/09/os-
desigrejados.html
RESPOSTA DE AUGUSTUS NICODEMUS AOS DESIGREJADOS. MAIS PASTORAL E
CRISTÃO

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