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OAB 2ª FASE XIV

DIREITO CIVIL
CRISTIANO SOBRAL

I. TEORIA GERAL DOS CONTRATOS partes, por exemplo, contrato de compra e


venda, pois o vendedor tem a prestação de
1. CONCEITO entregar o bem e o comprador tem a prestação
de dar o preço.

Contrato é o negócio jurídico bilateral formado


pela convergência de duas ou mais vontades, c) Contrato plurilateral: é aquele em que há
que cria, modifica ou extingue relações pelo menos três vontades envolvidas. Exemplo:
jurídicas de natureza patrimonial. contrato de sociedade, em que são partes os
sócios e a própria sociedade, como parte
credora das prestações dos sócios
(contribuição para o capital social).

É um negócio jurídico, pois é uma atuação 2.2. Contrato oneroso e gratuito


humana em que as partes escolhem os efeitos
que serão produzidos ao praticarem o ato. É
bilateral, pois é formado pelo acordo de a) Contrato oneroso: é aquele em que as
vontades, ou seja, são necessárias pelo menos partes ganham algo equivalente à sua
duas vontades. O testamento é um negócio prestação, ou seja, há equilíbrio econômico
jurídico, pois é atuação humana em que se entre as partes porque ambos perdem e
escolhem os efeitos que dele serão produzidos, ganham na mesma proporção econômica, por
mas não é um contrato, pois é um negócio exemplo, contrato de compra e venda.
jurídico unilateral.
b) Contrato gratuito: é aquele em que a parte
2. CLASSIFICAÇÕES DOS CONTRATOS não ganha algo equivalente à sua prestação,
ou seja, há desequilíbrio econômico, pois uma
das partes só ganha e uma das partes só
2.1. Contrato unilateral, bilateral e plurilateral perde, por exemplo, contrato de doação.

Não se fala aqui no número de vontades 2.3. Contrato comutativo e aleatório


envolvidas, pois vimos que não existe contrato
com uma vontade apenas. Fala-se aqui em
número de prestações. a) Contrato comutativo: é aquele em que as
partes podem antever os seus efeitos, ou seja,
ao celebrar o contrato, já sabem os efeitos que
a) Contrato unilateral: é aquele em que há serão produzidos. Exemplo: contrato de
prestação apenas para uma das partes. compra e venda, pois já se sabe que um
Doação é contrato, pois há duas vontades, em entrega o bem e que outro entrega o preço.
razão da necessidade do donatário aceitá-la.
Todavia, é contrato unilateral, pois só tem b) Contrato aleatório: é aquele em que as
prestação para o doador (entregar o bem). partes não podem antever os seus efeitos, ou
seja, ao celebrar o contrato não há como saber
b) Contrato bilateral: é aquele que, além de os efeitos que serão produzidos. A razão é
duas vontades, tem prestação para ambas as simples: contrato aleatório é o contrato de risco

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(álea significa risco). Exemplo: contrato de dos dois casos pagará, se o insucesso total ou
seguro, pois o segurado pode ou não receber a parcial decorreu de dolo ou culpa do pescador.
indenização, a depender se ocorre ou não o
sinistro, o que não se sabe quando o contrato é b) Compra e venda de coisa exposta a risco: O
celebrado. contrato de compra e venda de coisa exposta a
risco é de coisa que já existe, mas é
O contrato aleatório pode ser naturalmente atipicamente aleatório, pois o comprador
aleatório (aleatório típico) ou acidentalmente assume o risco exposto. Exemplo: compra de
aleatório (aleatório atípico). O contrato é cerâmica a ser transportada em navio, cujo
naturalmente aleatório quando for da sua risco de vir a se quebrar o comprador assuma.
essência ser aleatório, por exemplo, contrato Deverá pagar todo o preço, mesmo que alguns
de seguro. O contrato é acidentalmente venham quebrados, a menos que dolosamente
aleatório quando for da sua essência ser o vendedor se aproveite, colocando alguns já
comutativo, mas é aleatório em razão de uma quebrados.
circunstância que lhe é específica. Exemplo:
contrato de compra e venda é comutativo, mas 2.4. Contrato consensual e real
o contrato de compra e venda de uma safra
que está sendo plantada é aleatório, pois não
se sabe qual será a quantidade da produção. O contrato se forma, em regra, quando a uma
proposta se seguir uma aceitação, ou seja,
Os arts. 458 a 461 do CC trazem dois tipos de
com o acordo de vontade das partes. Essa
contratos de compra e venda atipicamente regra é quebrada em alguns casos, quando o
aleatórios: compra e venda de coisa futura e de acordo de vontades não é suficiente para a
coisa exposta a risco. formação do contrato, o que só ocorre com a
a) Compra e venda de coisa futura: O contrato prática de um ato posterior: a entrega do bem
de compra e venda de coisa futura é aleatório, objeto da prestação.
pois não se sabe se a coisa virá a existir e em a) Contrato consensual: é aquele que se forma
que quantidade. Pode o contratante assumir o com o acordo de vontades das partes. É a
risco da coisa não vir a existir, pagando mesmo regra em matéria de contratos, por exemplo, o
assim o preço (chamado de contrato de contrato de compra e venda.
compra e venda emptio spei) ou assumir o
risco de vir a existir em qualquer quantidade,
pagando o preço se vier a existir em
quantidade inferior à esperada, mas não b) Contrato real: é aquele que se forma com a
pagando se nada do avençado vier a existir tradição, ou seja, com a entrega do bem, que
(chamado contrato de compra e venda emptio se segue ao acordo de vontade das partes.
rei speratae). São três os contratos reais: mútuo, comodato e
depósito.
Em ambos os casos, não pagará o preço se
menos do esperado vier a existir por culpa ou 2.5. Contrato de execução instantânea,
dolo do contratante. Como exemplo, pense na continuada e diferida
compra de peixes que ainda serão pescados,
em que se paga o preço mesmo que nenhum
peixe seja pescado (emptio spei) ou se vier em a) Contrato de execução instantânea: é aquele
qualquer quantidade, só não pagando se que é cumprido em uma só vez, no momento
nenhum vier (emptio rei speratae). Em nenhum

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da celebração do contrato (exemplo: compra e


venda com pagamento à vista).
As partes são livres para contratar, ou seja,
b) Contrato de execução continuada: é aquele contratam se quiserem, com quem quiserem e
em que a prestação é cumprida em cotas sobre o que quiserem. Isso decorre de simples
periódicas (exemplo: compra e venda com razão: contrato é um acordo de vontades. O
pagamento parcelado). limite para suas atuações é a lei e, como
veremos mais à frente, o interesse social e a
boa-fé.
c) Contrato de execução diferida: é aquele em 3.2. Princípio da obrigatoriedade e a teoria da
que a prestação é cumprida em uma só vez, imprevisão (pacta sunt servanda x cláusula
mas no futuro (exemplo: compra e venda com rebus sic stantibus)
pagamento a prazo).

As partes contratam se quiserem, mas, se


2.6. Contrato entre presentes e entre ausentes contratarem, são obrigadas a cumprir o
contrato. O contrato faz lei entre as partes, o
que traduz o conhecido pacta sunt servanda,
É uma classificação que se refere à formação ou seja, os pactos devem ser cumpridos.
do contrato. Pelos nomes, parece que
depende se as partes estão ou não na
presença física um do outro. Não é bem assim, Essa é a noção básica do princípio, mas o seu
pois há tecnologias que fazem com que uma estudo pode e deve ser aprofundado. O atual
conversa entre pessoas distantes seja como se CC adotou o princípio do pacta sunt servanda,
estivessem fisicamente presentes, pois mas não de forma absoluta, pois foi mitigado
proposta e aceitação se dão em tempo real. pela previsão da chamada cláusula rebus sic
a) Contrato entre presentes: é aquele em que stantibus.
proposta e aceitação se dão em tempo real, Para entender essa cláusula, é necessária uma
sendo firmado não só entre pessoas breve análise histórica. Desde a origem dos
fisicamente presentes, mas também por contratos, vigora o princípio do pacta sunt
telefone ou meio de comunicação semelhante servanda, ou seja, o contrato sempre fez lei
(vídeo conferência, chats, entre outros). entre as partes. No entanto, a Idade Média foi
uma época que ameaçou a sobrevivência
desse princípio, pois foi um período marcado
b) Contrato entre ausentes: é aquele em que por constantes guerras e conflitos feudais, o
proposta e aceitação não se dão em tempo que inviabilizava o cumprimento de um
real, cujos principais exemplos são aqueles contrato. Por isso, naquela época, tornou-se
formados por carta ou por e-mail. comum vir nos contratos com prestação que se
prolongava no tempo uma cláusula liberando o
3. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS contratante em caso de ocorrer uma guerra ou
conflito feudal, permitindo-lhe pedir o fim do
contrato.
3.1. Princípio da autonomia da vontade

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Rebus sic stantibus significa “coisa assim ficar”, extrema vantagem para a outra parte. Assim
ou seja, o contratante é obrigado a cumprir o sendo, se o contratante perde seu emprego e
contrato, mas apenas se a coisa assim ficar. consegue outro recebendo metade do salário
anterior, o contrato fica excessivamente
A inovação do atual CC foi tornar a cláusula oneroso para ele, mas não poderá pedir a
rebus sic stantibus implícita aos contratos, resolução pela onerosidade excessiva porque
quando passou a prever a teoria da imprevisão não houve extrema vantagem para a outra
ou da onerosidade excessiva. Se um contrato parte.
for assinado e sobrevier fato imprevisível que o
desequilibre, tornando-o excessivamente c) Fato superveniente e imprevisível: A
oneroso para uma das partes e com extrema resolução do contrato só terá lugar se o
vantagem para a outra, poderá aquela pedir a desequilíbrio das prestações decorrerem de um
resolução do contrato (art. 478 do CC). O fato superveniente que as partes não podiam
exemplo típico é o contrato de leasing de um prever quando da celebração do contrato.
carro,
Atenção: não confunda teoria da onerosidade
com valor atrelado ao dólar (locação com excessiva com lesão e estado de perigo.
opção de compra ao fim do contrato mediante Nesses defeitos do negócio jurídico, o ato já
pagamento de valor residual). O dólar vale um nasce viciado, enquanto que na aplicação da
real e passa do dia para noite para dois reais, teoria ora em estudo, o contrato nasce
dobrando o valor a ser pago. Poderá ser conforme a lei, mas se vicia por fato
pedida a resolução do contrato com base na superveniente. A consequência disso é que na
teoria da imprevisão ou da onerosidade lesão e no estado de perigo o contrato é
excessiva. anulado, enquanto que na teoria da imprevisão
ele é objeto de resolução. Nos citados vícios da
São os elementos necessários para incidência vontade, como o ato é invalidado, a sentença
da teoria da imprevisão ou da onerosidade anulatória retroage à data da prática do ato,
excessiva: desfazendo todos os efeitos produzidos,
a) Contrato de execução continuada ou inclusive os anteriores à anulação.
diferida: A teoria da imprevisão se aplica a Na resolução do contrato pela onerosidade
contratos cuja execução se prolongue no excessiva, a sentença não deveria retroagir, só
tempo, ou seja, quando a execução é aniquilando os efeitos a partir da resolução.
continuada ou diferida no tempo. Como o Todavia, por expressa previsão legal, efeitos
contrato de execução instantânea tem anteriores à resolução serão desfeitos, pois a
prestações cumpridas quando da celebração lei determina que a sentença retroaja à data da
do contrato, estas não serão atingidas pelo fato citação, ou seja, só são preservados os efeitos
imprevisível superveniente. anteriores à citação.
b) Prestação excessivamente onerosa para Importante lembrar que o contrato atingido pela
uma das partes: É a ideia da teoria, a teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva
excessiva onerosidade para uma das partes, pode se manter, sem ser objeto de resolução, o
desequilibrando o contrato. que ocorrerá se o contratante beneficiado
concordar com a redução do seu ganho,
c) Extrema vantagem para a outra parte: Para
a resolução dos contratos, não basta este ter reequilibrando as prestações.
ficado muito oneroso para uma das partes. É
preciso que, concomitantemente, tenha havido

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3.3. Princípio da relatividade dos efeitos dos imprevisão, podendo o juiz pôr fim ao contrato
contratos em razão do seu desequilíbrio econômico pela
superveniência de um fato imprevisível. O
mesmo ocorre no caso de lesão e estado de
O contrato só produz efeitos em relação às perigo, podendo o juiz invalidar o contrato, por
partes. É por isso que dizemos que o direito uma das partes ter assumido obrigação
contratual é inter parte (entre as partes), excessivamente onerosa em razão de
diferente dos direitos reais, que são direitos determinadas circunstâncias que forçam a
oponíveis erga omnes (contra todos). Significa contratação. Isso demonstra a preocupação
socializante do atual CC, pois,
que o contratante só pode opor seu direito
contratual ao outro contratante e não a mesmo preenchidos os requisitos formais de
pessoas estranhas à relação contratual, pois só validade do negócio jurídico, a lei pretende
as partes podem ter direitos e deveres frutos amparar um dos contratantes da esperteza ou
do contrato que celebraram. ganância do outro ou do prejuízo econômico
3.4. Princípio da função social do contrato imprevisível com extrema vantagem para o
outro contratante. Qual a razão disso? O Poder
Judiciário só pode chancelar contratos que
respeitem não só regras formais de validade
O contrato não interessa apenas às partes jurídica, mas, sobretudo, normas superiores de
contratantes, mas sim a toda sociedade, cunho moral e social.
porque ele repercute no meio social. Essa é a
ideia do princípio da função social do contrato, Essa concepção social do contrato chega ao
que reflete a atual tendência de sociabilidade seu ápice quando o CC, já em seu primeiro
do direito, ou seja, de subordinação da artigo sobre contratos, diz que a função social
liberdade individual em função do interesse do contrato representa uma limitação na
social. Assim sendo, se o contrato repercute liberdade de contratar (art. 421 do CC). As
negativamente para a sociedade, o juiz pode partes são livres para, dentro dos limites legais,
nele intervir para preservação do interesse colocarem no contrato as cláusulas que
coletivo. quiserem, mas a limitação à autonomia da
vontade não se dá apenas pela lei, mas
Como exemplo, podemos pensar em um também pelo interesse social.
contrato com juros excessivamente elevados.
Não é ruim apenas para a parte devedora, mas Imagine um contrato para a construção de uma
para toda a sociedade, pois aumenta o risco de obra de vulto ou de uma indústria. Não
inadimplemento, o que aumenta ainda mais os obstante estejam observados os requisitos
juros, o que dificulta a circulação do crédito, legais de validade (agente capaz, objeto
diminuindo os investimentos produtivos e possível, determinado ou determinado e forma
fazendo com que o Estado não se desenvolva. prescrita ou não defesa em lei), alguns
O juiz, sob o fundamento da função social do questionamentos podem ser feitos: e os
contrato, poderá intervir nessa relação entre reflexos ambientais? E os reflexos trabalhistas?
particulares, trazendo os juros para valor de E os reflexos sociais? E os reflexos morais, ou
mercado. seja, no âmbito dos direitos da personalidade?
Por melhor que seja o contrato do ponto de
O CC, em várias oportunidades, tem regras vista econômico para os contratantes,
que refletem essa tendência da sociabilidade
do direito. É o caso, por exemplo, da teoria da

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não se pode chancelar como válido um negócio Pense, como exemplo, no contrato de locação,
negativo para a sociedade em razão do onde a lei do inquilinato limita a atuação do
desrespeito de leis ambientais, que pretenda locador. Hoje, com o CC vigente, prevalece o
fraudar leis trabalhistas ou que viole a livre dirigismo judicial dos contratos, ou seja, não é
concorrência, as leis do mercado ou postulados a lei que controla o contrato, mas sim o juiz, na
de defesa do consumidor, mesmo sob o análise do caso concreto.
pretexto da livre iniciativa.
O que torna isso possível é a utilização das
Analisando os exemplos supramencionados, chamadas cláusulas gerais ou conceitos
podemos verificar que um contrato que não jurídicos indeterminados, que tem como
cumpre a sua função social pode ser bom exemplo a função social dos contratos. São
apenas para uma das partes, como ocorre com expressões vagas em seu conteúdo, exigindo
o contrato com juros excessivos. Neste caso, do aplicador do direito uma análise do caso
caberá ao contratante prejudicado pedir a concreto para suprir a vacância. A lei diz que o
tutela jurisdicional com base na função social contrato deve atender a função social, ou seja,
do contrato. No entanto, até mesmo quando o não pode ir contra o interesse social.
contrato for bom do ponto de vista econômico
para ambas as partes, poderá ser alvo de O que é atender ou ir contra o interesse social?
intervenção do juiz, caso contrarie o interesse A lei não enumera casos, preferindo usar uma
social, expressão vaga, permitindo ao juiz dizer,
analisando o contrato, se ele atende ou não o
como é o caso de um contrato muito lucrativo, interesse social.
mas que gera danos ambientais ou que fraude
leis trabalhistas. A questão é: nesse caso de Em conclusão, não se pretende aniquilar o
mútuo benefício, a quem caberá pedir a princípio da autonomia da vontade ou o pacta
intervenção judicial? sunt servanda, mas temperá-lo, tornando-os
mais vocacionados ao bem-estar comum, sem
O papel de guardião do princípio da função prejuízo do interesse econômico pretendido
social do contrato deve recair sobre os ombros pelas partes contratantes. A lei relativiza o
do Ministério Público. A princípio, o parquet princípio do pacta sunt servanda com regras
não teria legitimidade ativa para pedir a específicas, como a cláusula rebus sic
intervenção do juiz no contrato, por tratar-se de stantibus ou com a previsão da lesão ou do
interesse privado. Todavia, como o contrato estado de perigo,
tem uma função social, não podendo prejudicar
a sociedade como um todo, o interesse passa mas também relativiza permitindo intervenção
a ser coletivo, legitimando a atuação judicial em uma relação que deveria interessar
ministerial. unicamente às partes do contrato, mas que
interessa a toda a sociedade, pois a lei diz que
Com efeito, o princípio da função social do o contrato tem uma função social.
contrato possibilita uma nova tendência de
controle dos contratos inaugurada pelo atual 3.5. Princípio da boa-fé objetiva
CC: o dirigismo judicial dos contratos. O que
significa isso? O contrato sempre sofreu
controle externo, limitando a atuação dos Este princípio vem consagrado no art. 422 do
contratantes. Até então, prevalecia o controle CC, que obriga as partes contratantes a
feito pela lei, razão pela qual esse controle é agirem de boa-fé quando da celebração de um
chamado de dirigismo legal dos contratos. contrato. A palavra chave do princípio é

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confiança, que significa parceria contratual. A controlar os contratos, o que lhe é permitido a
ideia é que os contratantes não são lutadores, partir do uso de cláusulas gerais ou de
um querendo prejudicar o seu adversário, mas conceitos jurídicos indeterminados, que são
sim parceiros, porque um confia no outro, uma expressões vagas, reclamando suprimento da
vez que são obrigados a agir conforme os vacância pelo aplicador do direito na análise do
ditames da boa-fé. caso concreto.

Imagine um casal de noivos que compra suas É o caso não só da função social dos
alianças em uma joalheria, optando por um contratos, mas também da boa-fé objetiva. A lei
modelo que é feito com ouro amarelo e ouro obriga as partes a agirem de boa-fé, sem, no
branco. Satisfeitos com a bela aliança, no dia entanto, enumerar as condutas permitidas e
da festa do noivado, um casal de amigos proibidas sob esse aspecto. Esse papel caberá
informa que toda aliança com ouro branco fica ao juiz, que poderá intervir em um contrato,
amarelada com o decorrer do tempo. podendo até resolvê-lo, mesmo tendo sido
Revoltados, reclamam junto à joalheria, observados os requisitos formais de validade
em uma livre negociação entre particulares.
que diz nada poder fazer. Os noivos poderão
pedir a resolução do contrato de compra e Atenção: Conforme o art. 422 do CC, a boa-fé
venda, devolvendo as alianças e recebendo deve nortear o comportamento dos
seu dinheiro de volta, em função da quebra da contratantes não só no momento da conclusão
boa-fé do vendedor, que não informou um do contrato, mas também durante a sua
relevante aspecto do contrato, que interferiria execução. É o fundamento da chamada
na escolha do modelo da aliança ou na própria responsabilidade civil pós-contratual. Às vezes,
realização do negócio. um contrato produz efeitos após a sua
celebração, devendo a boa-fé perdurar
O princípio que rege os contratos é o princípio enquanto durarem esses efeitos.
da boa-fé objetiva, mas, em realidade, existem
dois tipos: a objetiva ou a subjetiva. A Imagine que uma pessoa compre um carro
subjetiva, como o nome sinaliza, é a boa-fé junto a uma concessionária. O carro quebra,
interior, psicológica, ou seja, o que o mas não existe peça para reposição e o
contratante acredita ser correto. Já a objetiva comprador não poderá mais utilizá-lo. Ele
lhe é exterior, ou seja, é agir de forma correta, poderá pedir a resolução do contrato alegando
segundo um padrão normal de conduta. A boa- quebra da boa-fé objetiva em razão de não ter
fé que rege os contratos é a objetiva, pois é informado fato que poderia ocorrer após a
mais segura, uma vez que não depende do que execução do contrato.
pensa o outro contratante, mas sim em verificar
se o contratante agiu seguindo um Importante: embora não mencionado
comportamento normal das pessoas. expressamente no art. 422 do CC, a boa- fé
deve nortear o comportamento dos
O que é um comportamento normal? Como contratantes até mesmo antes da proposta. É o
saber se o contratante agiu seguindo um fundamento da chamada responsabilidade civil
padrão normal de conduta? É o juiz que dirá na pré-contratual, que será analisada a seguir nas
análise do caso concreto. Com efeito, vimos considerações sobre a formação dos contratos.
que a tendência atual em matéria de controle
contratual é o chamado dirigismo judicial dos Exemplo típico é a proibição da propaganda
contratos, em substituição da antiga enganosa. O contrato celebrado a partir de
prevalência do dirigismo legal. Cabe ao juiz uma propaganda enganosa poderá ser

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resolvido a requerimento da parte prejudicada, entrega temporariamente ao depositário a


pois a boa-fé já deve fazer-se presente mesmo guarda e conservação de um bem, que tem o
durante as negociações preliminares para uma dever de devolver o bem tal como recebido.
futura contratação. Note que é um direito do depositário receber o
bem tal como entregou ao depositário. Sendo o
4. PRELIMINARES estacionamento em estabelecimentos
comerciais um contrato de depósito e de
adesão, é nula a cláusula que diz não haver
O CC trata da teoria geral dos contratos a partir responsabilidade pelos objetos deixados no
do seu art. 421, iniciando com questões interior do veículo.
preliminares. De todos os princípios vistos,
trata do princípio da função social dos 4.2. Contratos atípicos
contratos e da boa-fé objetiva. A seguir, trata
de três temas: contrato de adesão, contratos
atípicos e pacto sucessório, o que passamos a O CC, nos arts. 481/853, trata da
abordar. regulamentação das várias espécies de
contrato. Não há como a lei prever todo tipo de
4.1. Contratos de adesão contrato, pois este resulta do acordo de
vontade das partes, que são livres para
negociar de acordo com suas necessidades.
Contrato de adesão é o contrato elaborado Ademais, as alterações da lei não conseguem
unilateralmente por uma das partes acompanhar o surgimento de novos contratos
contratantes, opondo-se ao contrato paritário, em razão da dinâmica social.
em que elas elaboram conjuntamente as
cláusulas do contrato. Não é um negócio Contratos típicos são aqueles previstos e
jurídico unilateral, pois o aderente, embora não regulamentados em lei, enquanto que os
tenha o poder de negociar as cláusulas do contratos atípicos não os são. São lícitos os
contratos atípicos em razão do princípio da
contrato, tem que aceitar a proposta, não
perdendo, portanto, sua natureza contratual de autonomia da vontade. Que normas são
bilateralidade. aplicadas a eles, já que não há
regulamentação específica em lei? Nos termos
O aderente é parte mais fraca nessa relação do seu art. 425, as normas gerais do CC, tanto
contratual. Para garantir a isonomia material da sua parte geral quanto da teoria geral dos
ou real, o CC lhe confere duas proteções: contratos, ora em estudo.

a) Art. 423: quando houver no contrato de 4.3. Pacto Sucessório


adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias,
deve ser adotada uma interpretação mais
favorável ao aderente. Pacto sucessório é o contrato que tem por
objeto herança de pessoa viva, sendo também
chamado de pacta corvina ou pacto de abutres.
b) Art. 424: são nulas as cláusulas em um Nos termos do art. 426 do CC, é um contrato
contrato de adesão que estipulem a renúncia proibido por lei, sendo inválido se praticado. A
do aderente de um direito seu resultante da questão é: será nulo ou anulável? A lei proíbe a
própria natureza do negócio. Exemplo: contrato prática sem dizer, no entanto, se nulo ou
de depósito é aquele em que o depositante

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anulável, razão pela qual é considerado nulo inadimplemento (tema tratado em obrigações,
pela lei, conforme prevê o art. 166, VII, do CC. para onde remetemos sua leitura).

Note não poder ser objeto de contrato herança O CC trata do tema formação dos contratos
de pessoa viva, ou seja, após morte do de nos arts. 427/435, mencionando a proposta e
cujos, após a abertura da sucessão, os a aceitação. Todavia, a formação do contrato
herdeiros podem negociar seus quinhões não é composta apenas por esses dois atos.
hereditários, mesmo antes da individualização Normalmente existe uma fase prévia, de
obtida ao fim do inventário com o formal de negociações preliminares, chamada de fase de
partilha, sendo considerado por lei um contrato puntuação, que poderá culminar na formulação
de bem imóvel (art. 80, II, do CC). de uma proposta, que, se aceita, formará o
contrato. São as fases que passamos a
5. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS estudar.

5.1. Fase de puntuação e a responsabilidade


O contrato se forma, em regra, quando a uma pré-contratual
proposta se seguir uma aceitação, seja com o
acordo de vontades das partes. Como
exceção, temos os contratos reais, em que Fase de puntuação é a fase de negociações
este acordo não é suficiente para a formação preliminares que antecedem a proposta,
do contrato, o que só ocorre com um ato marcada por conversações prévias,
posterior: a tradição, ou seja, a entrega do ponderações, reflexões, sondagens, cálculos e
bem. É o caso de três tipos contratuais: mútuo, estudos de viabilidade de negociação futura.
comodato e depósito. Pode resultar, inclusive, em uma minuta
contratual se alguns pontos acordados forem
Não confunda a formação do contrato com a reduzidos a termo, ou seja, a escrito (difere da
sua validade. O contrato se formar significa proposta, pois esta é completa, uma vez bastar
passar a existir no mundo jurídico, obrigando um sim para o contrato se formar).
as partes ao seu cumprimento, enquanto que
ser válido é estar de acordo com a lei e, Sobrevindo uma proposta à fase de puntuação,
portanto, apto a produzir seus regulares esta vincula o proponente, pois, se a outra
efeitos. O art. 107 do CC prevê que a validade parte a aceitar, o contrato estará formado e
dos contratos não exige forma especial, senão ambos estarão obrigados em seus termos. A
quando a lei exigir, ou seja, o contrato se forma questão é: podemos falar em responsabilidade
com o simples acordo de vontades, mas, em civil nesta fase de negociações preliminares
alguns casos, pela não conclusão do contrato? Em regra não,
pois não há qualquer problema em se iniciarem
sua validade reclama uma forma especial para negociações e se perceber a inviabilidade ou
produzir efeitos. Assim, destacando que em inconveniência da contratação.
alguns casos deve haver uma forma especial
do contrato, o que tratamos aqui é do momento Todavia, em alguns casos, pode haver
da sua formação, pois passando a existir no responsabilidade civil extracontratual ou
mundo jurídico, obriga as partes ao seu aquiliana, pois não há ainda um contrato,
cumprimento, sob pena de responsabilidade sendo chamada de responsabilidade civil pré-
civil contratual, ou seja, indenização de perdas contratual.
e danos em razão da mora ou do

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Quando isso ocorre? Quando, nas negociações 5.2. Pré-contrato ou contrato preliminar
preliminares, uma das partes cria na outra a
justa expectativa de contratação e, sem
qualquer justificativa, por mero capricho, não O pré-contrato, também chamado de contrato
formaliza a proposta. O fundamento é a quebra preliminar ou pacto de contrahendo, é um
da boa-fé objetiva na fase das negociações contrato em que as partes assumem a
preliminares. Há um abuso de direito, que é obrigação de celebrar um contrato definitivo no
considerado pela lei ato ilícito a ensejar futuro, por não ser possível a contratação
responsabilidade civil (art. 187 c/c art. 927, agora ou por não ser o melhor momento.
ambos do CC). Ora, ao criar a justa expectativa
de contratação, legitima a outra parte a contrair
gastos e até a recusar outras propostas,
Exemplo: Um time de futebol quer contratar um
e não concluir o contrato sem qualquer jogador. Não pode celebrar um contrato
justificativa é causar o que chamamos de “dano definitivo agora, pois ele tem contrato em vigor
de confiança”, em razão da quebra da boa fé com outro clube. No entanto, poderão celebrar
objetiva, que deve nortear o comportamento um pré-contrato, em que se obrigam a
dos contratantes até mesmo antes da proposta. contratar ao término do contrato em vigor.
Caso o jogador negocie seu passe com outro
Como exemplo, cito um caso cobrado na prova clube ou este não queira mais contratá-lo,
organizada pela FGV. Imagine que durante
haverá descumprimento do contrato, devendo
anos um fabricante de extrato de tomate arcar com perdas e danos, que provavelmente
distribui gratuitamente sementes de tomate virá pré-fixada em uma cláusula penal.
entre agricultores de uma região, procurando-
os na época da colheita para celebrar com eles Importante: O pré-contrato deve ter os mesmos
contrato de compra e venda de toda a elementos do contrato definitivo, à exceção de
produção de tomate. No décimo ano distribuiu um deles: a forma. As partes e o objeto são os
as sementes, mas não apareceu para compra mesmos, mas a forma não precisa ser a
da safra. Procurada pelos agricultores, mesma. Se o contrato definitivo tem que ser
recusou-se, sem qualquer justificativa, por escritura pública, nada impede que o pré-
contrato seja por instrumento particular.
a celebrar o contrato. Nesse caso, há
responsabilidade civil pré-contratual aquiliana Qual a importância do pré-contrato? Em
do fabricante de extrato de tomate, tendo que princípio, a responsabilidade civil na fase de
indenizar os agricultores em razão dos negociações preliminares é extracontratual,
prejuízos que resultaram da não contratação, pois ainda não há um contrato. No entanto, se
como os custos da produção e eventual recusa celebrarem um pré-contrato, as partes
de venda para outros compradores. transformarão essa responsabilidade pré-
contratual em contratual antes mesmo da
O fundamento da responsabilidade pré- celebração do contrato definitivo, pois o pré-
contratual é a violação do princípio da boa-fé contrato é um contrato. Qual a vantagem? A
objetiva nessa fase de negociações parte prejudicada não precisará provar a culpa
preliminares anterior à proposta, pois o do inadimplente no descumprimento do
fabricante criou nos agricultores a justa
contrato nem tampouco o dano, seja sua
expectativa de contratação e, sem qualquer própria existência, seja a sua extensão. Você
justificativa, por mero capricho, não formalizou lembra o que vimos a respeito do tema?
a proposta de compra e venda.

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Lembrando: tanto a responsabilidade civil conversa em negociações preliminares,


extracontratual (em regra) como a contratual acertando as bases de um futuro contrato,
são subjetivas, mas esta tem culpa presumida. pode ser que, ao final do contrato em vigor, o
Assim, se o caso é de responsabilidade atleta quebre a confiança e resolva permanecer
contratual, basta ao contratante prejudicado no clube que está ou contratar com outro. Para
provar o inadimplemento, sem precisar provar responsabilizá-lo civilmente, deverá provar que
que o outro teve culpa no descumprimento do o atleta não contratou culposamente, mas, se
contrato (este poderá elidir sua assinar um pré-contrato, bastará comprovar o
responsabilidade provando não ter tido culpa, inadimplemento, sem sequer precisar provar o
pois a presunção de culpa é relativa, admitindo dano e a sua extensão.
prova em contrário, o que representa inversão
do ônus da prova). Por outro lado, 5.3. A proposta

se é caso de responsabilidade civil


extracontratual subjetiva, a vítima do dano, ao O contrato se forma quando a uma proposta se
cobrar perdas e danos, deverá provar que o seguir uma aceitação. É raro uma pessoa
agressor teve culpa em causá-lo. Assim sendo,
fazer uma proposta e a outra simplesmente a
a responsabilidade civil contratual é mais aceitar, pois é normal se sucederem
vantajosa para quem sofre o dano, pois não sucessivas contrapropostas até culminar em
precisará provar o difícil elemento subjetivo da uma aceitação final. Essa fase de sucessivas
culpa. Além disso, como há um contrato, contrapropostas a partir de uma proposta é
podemos pré-fixar as perdas e danos em uma chamada de fase de policitação ou fase de
cláusula penal, dispensando a parte oblação.
prejudicada de provar não só o dano, mas,
sobretudo, a sua extensão. Isso dá nome aos atores envolvidos: quem faz
a proposta é chamado de proponente ou de
No supramencionado exemplo da compra dos
policitante e quem a aceita é chamado de
tomates, o fabricante, por ser fase anterior à aceitante ou de oblato.
proposta, tem responsabilidade civil
extracontratual, somente sendo Na fase de policitação, não deixa de haver uma
responsabilizado civilmente se os agricultores negociação entre as partes, o que já acontece
provarem a justa expectativa de contratação e na fase de puntuação. Ora, qual a diferença
a recusa sem qualquer justificativa, mas entre a fase de puntuação e a fase de
também a sua culpa na não celebração do policitação na formação dos contratos? É a
contrato. existência de uma proposta. A fase de
puntuação é a fase de negociações
No entanto, se na fase de negociações preliminares, ou seja, anterior à proposta. Já a
preliminares, as partes reduzirem as bases do fase de policitação se dá após a proposta,
contrato a escrito em um pré-contrato, bastarão sucedendo-se sucessivas contrapropostas.
provar que o fabricante assinou um pré-
contrato e que houve inadimplemento, além de A pergunta se mantém: como saber se uma
sequer precisar provar o dano e a sua conversa entre as partes já configura uma
extensão, pois poderão executar direto a proposta ou apenas negociações preliminares,
cláusula penal. que até pode resultar em uma minuta, se
reduzido a termo? É a seriedade da proposta.
O mesmo ocorre no exemplo da contratação do
jogador de futebol. Se o clube apenas

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Significa que a proposta é pronta e acabada, que a proposta deixe de ser obrigatória,
abordando todos os elementos do contrato, estando elas elencadas no art. 428 do CC - a
pois basta um sim para a formação do contrato. primeira delas para contrato entre presentes e
Se isso já existe, é fase de policitação; se as três restantes para contrato entre ausentes,
ainda não existe, sendo conversados apenas a saber:
alguns pontos do contrato, a fase é de
puntuação. (i) se feita proposta sem prazo à pessoa
presente e esta não foi imediatamente aceita;
O aspecto mais importante da proposta é o seu
aspecto vinculatório, ou seja, a proposta
obriga o proponente. Se eu faço uma proposta, (ii) se feita proposta sem prazo a pessoa
crio na outra parte a justa expectativa de ausente e tiver decorrido tempo suficiente para
contratação, que pode levá-la a contrair gastos chegar a resposta ao conhecimento do
e até a recusar outras propostas. Feita a proponente;
proposta, o proponente a ela se obriga, ou
seja, se houver aceitação, não poderá alegar
desistência ou arrependimento, podendo o
aceitante pedir em juízo a execução forçada do (iii) se feita proposta com prazo à pessoa
contrato ou indenização por perdas e danos. ausente e esta não expedir a resposta no
prazo;
Já é responsabilidade civil contratual, pois com
a aceitação o contrato se formou, passando a
existir no mundo jurídico. A proposta só obriga
(iv) se feita uma proposta entre ausentes e
o proponente e a aceitação passa a obrigar
antes dela ou simultaneamente chegar ao
ambas as partes.
conhecimento da outra parte a sua retratação.
A questão é: a proposta sempre obriga o
A proposta fixa o local de formação do contrato
proponente? Não, pois nos termos do art. 427
(art. 435 do CC). A importância em saber o
do CC a proposta não obriga o proponente em
local de sua formação é determinar qual lei
três casos:
será aplicada ao contrato.

5.4. A aceitação
a) Se isso resultar dos termos da proposta: se
no próprio corpo da proposta vier expressa a
não obrigatoriedade, não cria justa expectativa Se a proposta obriga apenas o proponente, a
de contratação na outra parte. aceitação vincula também o aceitante, pois ela
faz o contrato se formar, passando a existir no
b) A depender da natureza do negócio: há
mundo jurídico, estando ambas as partes
certos negócios jurídicos que, por sua
obrigadas ao seu cumprimento nos termos da
natureza, não obrigam o proponente, como
responsabilidade civil contratual.
proposta de venda de produto com quantidade
limitada em estoque, a partir do fim do estoque.

A aceitação pode ser expressa ou tácita.


Expressa é a aceitação inequívoca, podendo
c) A depender de determinadas circunstâncias:
ser escrita, verbal ou até gestual (ex. leilão).
existem certas circunstâncias que fazem com
Tácita é a aceitação presumida pela prática de

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um ato incompatível com a não aceitação. 6.1. Estipulação em favor de terceiro: É o


Exemplo: doação de vaso não aceita de forma contrato em que um dos contratantes estipula
expressa, mas o donatário manda buscá-lo na um terceiro para quem o outro contratante
casa do doador e o coloca exposto em sua deverá cumprir a prestação. É um terceiro ao
sala. É por isso que o art. 111 do CC prevê que contrato tendo um direito dele decorrente.
o silêncio, embora não seja a regra, até pode Exemplo: contrato de compra e venda em que
valer como aceitação, mas apenas quando as o estipulante determina a entrega do bem para
circunstâncias indicarem que a pessoa aceitou um beneficiário. Se a prestação não for
tacitamente e, evidente, a lei não exija cumprida, o estipulante poderá exigi-la em
aceitação expressa. juízo.

Conforme visto, a proposta obriga o O beneficiário também tem esse poder, desde
proponente. No entanto, essa obrigatoriedade que não haja essa restrição no contrato. Caso
não é eterna, mas sim pelo prazo dado. Se tenha sido retirado do beneficiário esse poder,
houver aceitação fora do prazo ou até mesmo poderá o estipulante exonerar o devedor de
com modificações, o proponente não é cumprir a prestação. E a substituição do
obrigado a concordar, mas se quiser poderá beneficiário é possível? Sim, independente da
aceitá-la. Por isso, dizemos que a aceitação anuência dele e do outro contratante, se
fora do prazo ou com modificações tem reservar esta faculdade no contrato.
natureza de nova proposta.
6.2. Promessa de fato de terceiro: É o contrato
O contrato se forma quando a uma proposta se em que um dos contratantes promete que um
seguir uma aceitação. Se o contrato é entre terceiro cumprirá a prestação para o outro
presentes, fácil será determinar o momento, contratante. É terceiro ao contrato com um
pois proposta e aceitação se dão em tempo dever dele decorrente. Exemplo: contrato por
real. E se o contrato for entre ausentes, quando meio do qual uma das partes promete que seu
se dá sua formação? Em regra, quando a irmão, um cantor famoso, concederá uma
aceitação é expedida, pois é quando o entrevista exclusiva a um programa de rádio.
aceitante perde o controle de sua vontade. Se o terceiro não cumprir a prestação,
Como exceção, o contrato entre ausentes se
forma quando a resposta chegar ao o promitente responde por perdas e danos,
proponente, se assim convencionado entre as mesmo que tenha feito todos os esforços para
partes. o cumprimento da prestação. O promitente não
responderá, mas sim o terceiro, se este aceitar
6. CONTRATOS QUE PRODUZEM EFEITOS a prestação e depois não cumpri-la. Ademais, o
A TERCEIROS promitente não responde pelo descumprimento
da prestação do terceiro se, pendendo sua
aceitação, forem casados e, a depender do
Em razão do princípio da relatividade de seus regime de bens do casamento, a cobrança
sobre o promitente recair de alguma forma
efeitos, o contrato só atinge as partes, ou seja,
só quem é parte pode ter direito e deveres que sobre o terceiro.
dele decorrem. Todavia, há três contratos em 6.3. Contrato com pessoa a declarar: É o
que um terceiro é por ele atingido, pois terão contrato em que um dos contratantes pode
direitos e deveres decorrentes de um contrato indicar uma pessoa que irá assumir a sua
em que não celebraram originariamente: posição no contrato. É um terceiro ao contrato
tendo direitos e deveres que dele decorrem.

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Exemplo: uma pessoa quer comprar uma casa, comuns a ambos os institutos, pois são
cujo dono jamais lhe venderá por problemas questões muito recorrentes em prova e que
pessoais, podendo se valer de uma pessoa merecem sua especial atenção:
para contratar com o proprietário, inserindo no
contrato cláusula que lhe permite indicá-lo a a) O alienante responde por eles mesmo que
assumir sua posição no contrato. não haja previsão expressa em contrato, pois
são garantias implícitas, que decorrem de lei e
Essa indicação deve ser feita em cinco dias, se não da vontade das partes.
outro prazo não for estipulado, mas tem efeito
retroativo à data da celebração do contrato,
pois o indicado assume os direitos e deveres b) O alienante responde por eles apenas diante
do contrato desde a sua celebração e não de alienações onerosas. Atenção: a doação é
apenas a partir da sua nomeação. Esse uma alienação gratuita, mas o alienante
contrato exige muita confiança entre quem responderá por eles quando a doação for com
indicará e quem será indicado, pois se não encargo, o que a lei chama de doação onerosa.
houver nomeação ou se esta não for aceita
pelo indicado, o contrato produz efeitos entre
os contratantes originários.

7. GARANTIAS IMPLÍCITAS IMPOSTAS AO


ALIENANTE c) O alienante responde por eles mesmo que a
aquisição do bem tenha se dado em hasta
pública, ou seja, através da venda pública de
bem penhorado em processo de execução.
Quando uma pessoa aliena um bem, deve
garantir ao adquirente, em nome da boa-fé 7.1. Vícios Redibitórios
objetiva, o seu normal uso e fruição, bem como
a garantia de que não o perderá para terceiros
por razões de direito. Assim sendo, o alienante
Aqui a responsabilidade é diante da existência
responde perante o adquirente do bem tanto
de defeitos materiais, ou seja, o bem está
por defeitos materiais como por defeitos
quebrado. Importante você não confundir a
jurídicos.
disciplina civil dos vícios redibitórios com a
O alienante, responder por defeito material é disciplina consumerista. Sendo o CDC uma lei
responder por vício redibitório, ou seja, o bem especial em relação ao CC, só aplicamos suas
apresenta um defeito físico que o torna inútil ao regras quando inaplicáveis as regras do CDC.
seu uso ou que lhe diminui o valor. Por sua Quando, então, aplicamos as regras dos vícios
vez, responder por defeito jurídico é responder redibitórios previstas no CC? Quando não
pela evicção, ou seja, quem alienou o bem não houver relação de consumo,
poderia tê-lo feito e o adquirente o perdeu para
o que ocorre em dois casos: (i) quando o
um terceiro, podendo buscar uma indenização
alienante não é fornecedor, como ocorre na
do alienante.
venda ocasional de um bem usado, pois ser
fornecedor exige habitualidade da negociação;
e (ii) quando o adquirente não for consumidor,
Procederemos aqui ao estudo em separado do como ocorre no caso de alguém adquirir um
vício redibitório e da evicção. No entanto, de bem para renegociação, pois o CDC afirma que
plano, merecem destaque três observações só é consumidor quem adquire um bem como

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destinatário final. Aqui nos concentraremos na Detalhe importante para a prova: o alienante
disciplina civil do tema, deixando as regras da responde por vícios redibitórios estando ele de
relação de consumo para um estudo específico má-fé ou até mesmo de boa-fé, ou seja,
do tema. sabendo ou não do defeito oculto. A diferença
é que apenas diante da má-fé será obrigado a
Por definição, vícios redibitórios são defeitos indenizar perdas e danos. Nos termos do art.
ocultos que tornam o bem impróprio para o 443 do CC, se o alienante agiu de boa-fé,
uso a que se destina ou que lhe diminuem o apenas ressarcirá o adquirente dos gastos que
valor. Note que na disciplina civil, diferente da teve com o negócio em si, ou seja,
relação de consumo, o alienante só responde
por defeitos ocultos, ou seja, que não poderia devolução do valor recebido e ressarcimento
ter sido facilmente detectado pelos órgãos dos das despesas do contrato. Se o alienante
sentidos, pois se o vício era aparente, procedeu de má-fé, não só devolverá o valor
presume-se que o adquirente o admitiu, pois recebido, mas também indenizará o adquirente
dele ciente. de todas as perdas e danos decorrentes do
vício redibitório.
Note que o vício redibitório é um defeito
material que pode tornar o bem impróprio para Qual o prazo que tem o adquirente para
o seu uso ou que pode apenas lhe diminuir o reclamar vício redibitório em juízo? Depende
valor. Portanto, haverá vício redibitório tanto no do bem adquirido: trinta dias para bem móvel e
defeito oculto em um motor de um carro que o um ano para bem imóvel. A princípio, o prazo
faz não mais funcionar, como também no se inicia quando da entrega efetiva do bem e
defeito oculto de uma máquina que produz não quando da alienação, pois só com o seu
determinado produto, diminuindo a sua uso é que ele consegue perceber o defeito
produção, embora ela ainda funcione. Assim oculto. No entanto, se o adquirente já tinha a
sendo, o adquirente pode reclamar do vício posse do bem, o prazo se iniciará quando da
redibitório em juízo optando por uma de duas prática do ato, pois é quando adquire
ações judiciais: legitimidade para reclamação em juízo, mas os
prazos serão reduzidos à metade,
a) Ação Redibitória: ação judicial em que se
pede para redibir o contrato, ou seja, desfazer por já ter tido contato com o bem. Além disso,
o negócio jurídico. Trata-se de anulação e não se for um defeito oculto que por sua natureza
de declaração de nulidade, pois a lei impõe seja de difícil percepção, o prazo só se inicia
prazo para reclamá-lo, sob pena de quando o adquirente dele tiver ciência.
convalescimento. Todavia, a lei confere um prazo máximo para
ciência do defeito a se somar ao prazo de
b) Ação Quanti Minoris ou Ação Estimatória: reclamação: cento e oitenta dias para bem
ação judicial em que se pede abatimento do móvel e um ano para bem imóvel.
preço, ou seja, o adquirente quer permanecer
com o bem, mas quer devolução do valor da Por fim, não se esqueça que eventual prazo de
desvalorização em razão do defeito oculto ou, garantia convencional oferecida pelo alienante
se ainda não pagou, descontá-lo quando do não substitui o prazo de garantia legal, mas sim
pagamento. Nessa ação se apura o valor a ser a ele se soma, pois, se houver garantia
abatido do preço, o que justifica o seu nomem convencional, o prazo de garantia legal só se
iuris: “estimar” “quanto menos” vale o bem. inicia quando este for encerrado.

7.2. Evicção

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Ao perder o bem, o evicto poderá cobrar


indenização do alienante. A regra é o
Evicção é a perda ou desapossamento judicial, ressarcimento da integralidade do dano do
ou excepcionalmente administrativo, de um evicto, o que lhe permite cobrar do alienante
bem, em razão de um defeito jurídico anterior à não só a devolução do que pagou pelo bem,
alienação. Quem alienou o bem não poderia tê- como também as perdas e danos em razão da
lo feito, e o adquirente o perdeu, tendo ação de evicção, os frutos que eventualmente tenha
indenização contra o alienante. O adquirente sido obrigado a restituir ao evictor e o que
que perde o bem é o evicto, e o terceiro que gastou com custas judiciais e honorários
dele o toma é o evictor. advocatícios (art. 450 do CC).
Exemplo: estelionatário invade terreno e, Ainda dentro da regra da indenização da
falsificando a escritura pública, vende-o. O integralidade do dano, o alienante responderá
verdadeiro dono ajuíza ação reivindicatória perante o evicto por eventual valorização do
reclamando seu terreno. Ao se constatar a bem entre a época da alienação e da evicção.
falsidade da escritura pública, o comprador Se o bem se desvalorizou, o evicto cobrará do
perderá judicialmente o imóvel, o que alienante o preço que lhe pagou, mas se
chamamos de evicção, tendo apenas direito houver valorização, cobrará o valor do bem da
indenizatório contra o alienante. época em que se evenceu, ou seja, da época
em que perdeu o bem pela evicção.

Note que a evicção pode se dar Mais uma vez, ainda dentro da regra da
excepcionalmente através de uma perda indenização da integralidade do dano, ainda
administrativa do bem, pois, em alguns casos, que o bem esteja deteriorado, o evicto poderá
a jurisprudência do STJ tem admitido a evicção cobrar do alienante o valor total do bem, a
independente de decisão judicial. Destaque menos que tenha sido causado dolosamente
por ele, quando só poderá cobrar do alienante
para o caso em que há apreensão policial da
coisa em razão de furto ou roubo anterior à o valor que passou a valer o bem. Note que, se
alienação, podendo o caso ser resolvido no a título de culpa em sentido estrito a
próprio âmbito da delegacia. Exemplo: ladrão deterioração, ainda assim o evicto cobrará do
que vende carro roubado, sendo o evicto alienante o valor integral do bem.
parado em uma blitz e o carro levado à
delegacia e devolvido ao seu real dono.
Conforme será visto no estudo da posse no
capítulo de direitos reais deste livro, para onde
Informação importante para a sua prova: Nos remetemos a sua leitura, o possuidor que
realiza benfeitorias no bem e vem a perdê-lo,
termos do art. 448 do CC, as partes podem
por cláusula expressa reforçar, diminuir ou até tem direito de ser indenizado quando as
excluir a responsabilidade do alienante pela benfeitorias forem necessárias e úteis. É o
evicção. Cuidado, pois a exclusão só valerá se caso que ocorre aqui, pois o evicto tem a posse
o evicto foi informado do risco da evicção e o do bem e a perde para o evictor.
tenha assumido (art. 449 do CC). Assim, se ele realizou benfeitorias necessárias
ou úteis no bem antes da perda, poderá
reclamar indenização do evictor. O art. 453 do
CC diz que o evicto pode cobrar do alienante o

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que gastou com benfeitorias necessárias e


úteis, se não foram abonadas, ou seja, se não
foram pagas pelo evictor. No entanto, completa Extinção do contrato é o fim de sua existência,
o art. 454 do CC, se as benfeitorias foram é a sua morte, é o seu desaparecimento do
feitas pelo alienante e abonadas, ou seja, mundo jurídico. Extinção é o gênero, que
pagas ao evicto pelo evictor, o valor será contempla várias espécies, pois é a expressão
deduzido quando o evicto cobrar a indenização mais ampla para o fim do contrato, seja pela
do alienante. causa que for.

Para cobrar o direito que da evicção lhe Quando falamos em extinção do contrato, esta
resulta, o evicto poderá denunciar ao alienante pode se dar, em princípio, por duas formas
da lide, para, em caso de sentença decretando diferentes: por causa anterior ou superveniente
a perda do bem, já determine o juiz na à formação do contrato.
sentença a indenização por ele devida ao
evicto. Em havendo sucessivas vendas antes
de o dono reclamar o bem, poderá o evicto Se a causa de extinção do contrato é anterior
cobrar indenização não só do alienante ou até concomitante à sua formação, temos
imediato, mas também qualquer dos anteriores um caso de imperfeição do contrato, pois ele já
(art. 456 do CC). nasceu viciado. Nesse caso, o contrato é
inválido, podendo ele ser nulo ou anulável, a
depender do vício. Não é tema para aqui ser
Por fim, fechando o tema evicção, precisamos visto, pois é assunto da parte geral do direito
entender o que é evicção parcial, tema que é civil, para onde remetemos sua leitura.
tratado no art. 455 do CC. Haverá evicção Se a causa de extinção do contrato é
parcial quando o evicto perder apenas parte do superveniente à sua formação, estamos
que adquiriu na alienação, por exemplo,
tratando de um contrato perfeito, ou seja, que
quando compra cem cabeças de gado e perde se formou de forma válida, não sendo caso de
vinte ou trinta delas pela evicção. Qual a nulidade nem de anulabilidade. O contrato
consequência? Depende se a evicção é perfeito pode ser extinto de duas formas
considerável ou irrisória, pois uma coisa é diferentes: por execução ou por inexecução do
perder uma ou duas cabeças de gado, outra é contrato.
perder noventa delas. Se a perda for
considerável, Execução do contrato é quando ele é
cumprido, o que pode ocorrer pelo pagamento
o evicto pode pedir a rescisão do contrato ou ou até pelas formas anormais de extinção das
restituição da parte do preço correspondente obrigações, quais sejam: pagamento em
ao desfalque sofrido, ou seja, devolver o que consignação, pagamento com sub-rogação,
sobrou e cobrar devolução do que pagou ou novação, imputação ao pagamento, dação em
ficar com o que sobrou e cobrar apenas o pagamento, compensação, confusão ou
equivalente à sua perda. Se, no entanto, a remissão. Também não é tema para aqui ser
perda for irrisória, só poderá o evicto cobrar a tratado, pois é assunto de obrigações, para
indenização pela perda sofrida, permanecendo onde remetemos a sua leitura.
com o que sobrou.

8. EXTINÇÃO DO CONTRATO

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O caso é de inexecução quando não há Modernamente, esse não é o entendimento,


cumprimento de um contrato perfeito, que é o até porque são defeitos do negócio jurídico,
tema que aqui estudamos. Perceba a portanto, causas antecedentes ou
impropriedade do CC ao tratar do tema sob o concomitantes à formação do contrato, caso de
título “da extinção dos contratos”, quando, na invalidade e não de inexecução, quando
verdade, deveria tê-lo intitulado de “inexecução pressupomos um contrato perfeito. Outros
dos contratos” ou até mesmo “da extinção dos autores mencionam rescisão como uma
contratos pela inexecução”. espécie de resolução do contrato, significando
a resolução culposa ou voluntária, ou seja,
A inexecução pode causar três tipos de quando o contrato é extinto por inadimplemento
extinção do contrato: resilição, resolução e culposo do outro contratante. O conselho é
rescisão. Vamos definir cada um dos institutos, evitar o uso do termo rescisão, pois, como não
para em seguida aprofundar o estudo. há consenso, é um risco desnecessário em
prova.
a) Resilição: extinção do contrato por vontade
de um ou de ambos os contratantes, ou seja, é 8.1. Resilição do contrato
quando eu termino o contrato porque quero ou
quando terminamos porque queremos, sem ter
qualquer razão jurídica para isso. Exemplo:
celebrei contrato de aluguel pelo prazo de três Conforme visto, resilição do contrato ocorre
anos e decido resili-lo com dois anos por quando há extinção do contrato unicamente
questão pessoal. em razão da vontade das partes. A resilição
pode ser unilateral ou bilateral, a depender se a
vontade é de apenas um dos contratantes ou
de ambos. Não se discute aqui culpa da parte
b) Resolução: extinção do contrato em razão fazendo surgir uma causa de extinção do
do inadimplemento da outra parte, ou seja, um contrato, pois não há causa jurídica que motive
dos contratantes não cumpre o contrato, o seu fim, simplesmente não quero ou não
legitimando a outra parte pedir sua resolução. queremos mais.
Exemplo: mesmo contrato de aluguel de três
anos, resolvido pelo locador em razão do a) Resilição unilateral: ocorre quando apenas
inquilino não pagar o aluguel. uma das partes não quer mais manter o
contrato, sem precisar externar qualquer razão
para isso. O art. 473 do CC diz que se opera
c) Rescisão: não há consenso na doutrina mediante denúncia notificada à outra parte, ou
sobre o significado de rescisão do contrato. seja, o contratante deve notificá-la
Muitos usam o termo rescisão como sinônimo formalmente. A resilição unilateral do contrato
pode se dar quando a lei permitir ou quando
de extinção do contrato, até mesmo por causa
antecedente, sendo, inclusive, o sentido que houver expressa previsão no contrato. Há
caiu no gosto popular, que só fala em rescisão casos em que a lei permite a resilição unilateral
do contrato quando este chega ao fim. Autores do contrato, razão pela qual não será devedor
clássicos, como Orlando Gomes e Caio Mário, em perdas e danos à outra parte. Por
no entanto, com base na doutrina italiana, exemplo:
ensinam que rescisão em sentido técnico só o direito de revogação de contrato de mandato.
ocorre quando um contrato é extinto em caso Pode a lei não permiti-la, mas a vontade das
de lesão ou de estado de perigo. partes sim, quando inserem no contrato

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cláusula permissiva, podendo ou não ser fixada falamos de mora e de inadimplemento, tema
uma multa a ser paga ao outro contratante se que abordamos no estudo das obrigações
esta ocorrer. Se não houver previsão legal nem neste livro,
contratual, a parte não poderá unilateralmente
resilir o contrato, podendo ser o caso de valendo lembrar que só há mora e
reclamação judicial para sua execução forçada. inadimplemento indenizáveis em perdas e
Exemplo: contrato de locação em que há danos quando com culpa do devedor, pois, se
previsão apenas para o locatário o resilir, tendo sem culpa, apenas haverá resolução do
o locador que esperar o fim do contrato pela contrato.
total execução.
Cláusula resolutória é a cláusula que permite
b) Resilição bilateral: ocorre quando a extinção ao contratante resolver o contrato diante do
do contrato se dá unicamente por vontade, mas inadimplemento da outra parte. O contrato
de ambas as partes, sendo chamado de pode trazer uma cláusula resolutória expressa,
distrato. É um acordo das partes, pondo vim à mas esta também pode ser implícita aos
avença contratual, sem se externar qualquer contratos. Quando isso ocorre?
causa para isso, razão pela qual, em princípio,
Todo contrato bilateral tem implícita a cláusula
nenhuma das partes deve qualquer resolutória. A razão é que todo contrato
indenização ao outro contratante. bilateral é sinalagmático, o que significa que a
Importante sobre o tema é o art. 472 do CC, prestação de uma das partes é causa da
que diz que o distrato deverá ser feito na prestação da outra parte. Como uma das
mesma forma exigida para ser feito o contrato. partes só cumpre a sua prestação porque a
Como exemplo, se o contrato de compra e outra cumpre a sua, o descumprimento
venda de um imóvel de valor superior a trinta autoriza a outra parte pedir a resolução do
salários mínimos deve ser por escritura pública, contrato, mesmo que não tenha nele cláusula
o distrato assim também deve ser. permissiva expressa.

8.2. Resolução do contrato Sendo contrato unilateral ou plurilateral,


necessária a cláusula resolutiva expressa no
contrato, para que uma das partes possa pedir
a resolução em razão do inadimplemento ou
Resolução do contrato é a sua extinção em mora da outra parte.
razão do inadimplemento ou da mora da outra
parte. Aqui o contrato não termina apenas em Há vantagem da cláusula resolutória expressa
razão da vontade das partes, pois há uma em relação à implícita, o que justifica sua
causa que autoriza uma delas a pedir sua inserção inclusive no contrato bilateral. Vindo
extinção: o não cumprimento do contrato. expressa no contrato, haverá extinção
automática do contrato em caso de
Esse descumprimento pode ser com culpa ou inadimplemento, enquanto que, se implícita,
sem culpa do contratante inadimplente, o que depende de interpelação judicial (art. 474 do
faz com que existam dois tipos de resolução do CC). Além disso, vindo expressa no contrato, já
contrato: com culpa (voluntária) ou sem culpa se insere cláusula penal prefixando o valor da
(involuntária). A grande diferença é que no indenização por perdas e danos.
caso de resolução culposa, o inadimplente será
devedor de perdas e danos junto com a 8.2.1. Exceção de contrato não cumprido
resolução, o que não será devido quando a (exceptio non adimplenti contractus)
resolução não for culposa. Perceba que aqui

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Cuidado: há dois casos em que haverá


resolução sem culpa do contratante
Se uma das partes é inadimplente, legitima a inadimplente, por decorrer de caso fortuito ou
outra a pedir a resolução do contrato. Agora, motivo de força maior, mas que haverá dever
imagine que antes disso o inadimplente ajuíze indenizar o outro contratante em perdas e
uma ação cobrando o cumprimento da danos, o que já foi visto neste livro, em
prestação da outra parte. O que ela poderá obrigações, para onde remetemos sua leitura:
fazer? Sendo um contrato bilateral, poderá
alegar a exceção de contrato não cumprido, ou
seja, que não cumprirá sua prestação em razão
do autor da ação não ter cumprido a sua. (i) quando houver previsão expressa no
contrato impondo o dever de indenizar perdas
A razão já foi exposta: como o contrato bilateral e danos pelo seu descumprimento, mesmo em
é sinalagmático, a prestação de uma das razão de caso fortuito ou motivo de força maior
partes é causa da prestação da outra parte, (art. 393 do CC); e
razão pela qual quem não cumpre a sua
prestação não pode exigir o cumprimento da (ii) quando a impossibilidade da prestação se
prestação da outra parte (art. 476 do CC). dá por caso fortuito ou motivo de força maior
que ocorre durante a mora do contratante (art.
8.2.2. Resolução sem culpa ou involuntária 399 do CC).

A extinção do contrato se dá pelo b) Teoria da imprevisão ou da onerosidade


inadimplemento da outra parte, sem ela ter excessiva: o tema já foi visto neste livro, neste
tido culpa no descumprimento contratual. Aqui capítulo dos contratos, quando do estudo do
não há indenização por perdas e danos, mas princípio da obrigatoriedade mitigado pela
apenas resolução do contrato, pois o cláusula rebus sic stantibus, para onde
contratante quer cumprir o contrato, mas não remetemos a sua leitura. É resolução do
consegue. Isso ocorre em dois casos: caso contrato sem culpa, pois acontece fato
fortuito ou motivo de força maior e no caso de superveniente e imprevisível que desequilibra
aplicação da teoria da imprevisão ou da economicamente o contrato, legitimando o
onerosidade excessiva. pedido de resolução do contrato pelo fato da lei
não exigir mais o seu cumprimento.
a) Caso fortuito ou motivo de força maior: são
situações inevitáveis, insuperáveis, que 8.2.3. Resolução com culpa ou voluntária (que,
impedem o contratante de cumprir sua para alguns autores, é a rescisão)
prestação. Imagine contrato de compra e
venda de produto agrícola, que não pôde ser
entregue em razão de violenta tempestade que A extinção do contrato se dá pelo
destruiu toda a plantação. Não há culpa no inadimplemento da outra parte, tendo ela culpa
inadimplemento, havendo simples resolução do no descumprimento do contrato. Exemplo:
contrato, retornando as partes ao estado em
contrato de aluguel resolvido em razão do
que se encontravam antes de sua celebração, inquilino não ter pago o aluguel porque não
sem direito de indenização da parte quis ou porque foi negligente.
prejudicada.
A diferença para a resolução não culposa é
que aqui o inadimplente, além de suportar a

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resolução do contrato, deve pagar indenização se a resolução tivesse efeito retroativo, faria
por perdas e danos ao outro contratante com que o locador devolvesse o valor recebido
(embora isso possa ocorrer na resolução sem durante o contrato, não tendo como o inquilino
culpa, mas por exceção nos casos devolver o tempo que usou o bem, o que lhe
supramencionados). geraria um enriquecimento sem causa por ter
alugado o imóvel por um tempo sem por isso
A resolução com culpa não pode ser bilateral, pagar.
apenas podendo ser unilateral. Se ambas as
partes tiverem culpa no inadimplemento, a O efeito retroativo (ex tunc) da resolução dos
culpa será daquele que primeiro tinha a contratos de execução instantânea ou diferida
obrigação de cumprir sua prestação. A razão e o efeito não retroativo (ex nunc) da resolução
disso é o princípio da exceção de contrato não dos contratos de execução continuada valem
cumprido, pois, se houver prestações tanto para a resolução com culpa quanto para
simultâneas e um dos contratantes não cumpre a resolução sem culpa. A única diferença entre
sua prestação, o outro está legitimado a não eles é que na resolução culposa o inadimplente
cumprir a sua prestação. será devedor de indenização por perdas e
danos, o que não ocorre, em regra, na
8.3. Efeitos no tempo da resolução e da resolução sem culpa.
resilição dos contratos
Cuidado com um detalhe: no caso da resolução
sem culpa decorrente da aplicação da teoria
Havendo resolução do contrato, essa decisão da imprevisão ou da onerosidade excessiva,
tem efeito retroativo ou não retroativo? para cuja abordagem remetemos sua leitura,
Depende se o contrato for de execução seja contrato de execução continuada ou
instantânea, diferida ou continuada. diferida, o efeito será, por expressa previsão
legal, retroativa, mas até à data da citação do
Se o contrato é de execução única, ou seja, de processo em que o contratante pede a sua
execução instantânea ou até diferida, a resolução (a teoria não se aplica aos contratos
decisão produz efeitos retroativos ou ex tunc, de execução instantânea).
desfazendo-se o que foi feito até então, pois
resolver o contrato é fazer retornar ao estado E se o caso for de resilição do contrato, a
em que as partes se encontravam antes da sua decisão tem efeito retroativo ou não retroativo?
celebração. Assim, se estamos diante da Quando falamos em resilição, estamos falando
resolução de um contrato de compra e venda, de contrato de execução continuada, pois na
o comprador devolve o bem e o vendedor resilição o contratante quer interromper o
devolve o dinheiro recebido, buscando-se cumprimento da sua prestação prolongada no
eventual indenização diante da perda ou tempo. Por isso, a resilição do contrato tem
deterioração do bem ou até em razão de algum efeito não retroativo ou ex nunc, não se
melhoramento por que passou. desfazendo os efeitos produzidos até então,

Se, no entanto, o contrato for de execução mas apenas afastando a produção de efeitos
prolongada no tempo, ou seja, de execução daí para frente, até porque não há qualquer
continuada, os efeitos serão não retroativos ou causa jurídica a gerar o seu término, apenas o
acordo de vontades em acabar com um
ex nunc, mantendo-se os efeitos até então
produzidos. A razão disso é evitar um contrato que produziu efeitos normalmente até
enriquecimento sem causa de um dos então.
contratantes. Imagine um contrato de locação:

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