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Dados Internacionais de Cataloga¢ao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Of 95-5076 landi, Eni Puccinell, 1942- retagdo; autora, leiturae efeitos do trabalho landi. - Petr6polis, RI: Vozes, 1. Analise do discurso 2. Ciencia - Filosofia 3. Ciéncias| utica 5. Linguagem - Filoso-| (CDD-121.68 indices para catalogo sistematico: rpretacao: Epistemologia: Filosofia 121.68, ENI PUCCINELLI ORLANDI INTERPRETACGAO Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbélico mo entre a linguagem e o mundo como também nao existe relacdo termo-a-termo entre os textos que sO 0S materiais de andlise e os resultados dela. A mediacao da propria andlise, da teoria e dos objetivos do analista sao parte da construco do texto como unidade da andlise. Isto & também parte da historicidade. E nesse sentido que dizemos que 0 corpus nao é nunca inaugural em AD. Ele ja € uma construcio (fato). Esta talvez seja a melhor maneira de argumentar contra as posigdes positivistas. Nao pela referéncia a ilusdo da evidencia das marcas, mas pela lembranca de que esses objetos que so nossos materiais de andlise s6 0 sio em sua provisoriedade. A duracao dos textos é trabalho do arquivo"®. 10, “Arquivo” aqui esti sendo usado no sentido da AD. Para compreender esta ogio conta Gestos de letra, F. Orlandi etal, Ed. Unicarp, 1994. 62 6. AUTORIA B INTERPRETAGAO Tenho procurado compreender a questio ideolégica inscrita na interpretagao. Esta questo nos toca particularmente pois M. Pécheux a a significago, pensando a relacdo da lingua, de um ado, com a lalangue (0 inconsciente) e, de outro, com 0 terdiscurso (a ideologia). Segundo Pécheux, inconsciente ¢ ideologia esto materialmente ligados. Esta ligagdo material se faz pela relacdo comum com a \gua. Em outras palavras, a compreenséo do lugar da interpretacdo nos esclarece a relacao entre ideologia € inconsciente, tendo a lingua como lugar em que isso se dé, materialmente''. A ordem simbélica, configurada pelo real \gua e pelo real da hist6ria, faz com que tudo no possa ser dito e, por outro lado, haja em todo dizer uma parte inacessivel ao proprio sujeito. Estaremos falando da interpretagao em duas instancias: a) tanto como parte da atividade do analista, como b) enquanto parte da atividade linguageira do sujeito, Inicialmente, devo dizer que a anilise de discurso (AD) distingue-se da hermenéutica em varios aspectos: a) pela 11. Para compreensio da noco de forma material, confira outios textos neste ‘volume. do sujeito interpretante (nao-psicolégico); b) pelo que, na AD, a interpretacdo é precedida pela descrigao (descri¢ao e interpretagao se colocam como um batimento, diz Pécheux, 1990); ou seja, a linguagem, na ‘AD, no € transparente. Em suma, interpretar, para 0 ana- lista de discurso, nao é atribuir sentidos, mas exporse & opacidade do texto (ainda Pécheux), ou, como tenho proposto (Orlandi, 1987), € compreender, ou seja, explick tar 0 modo como um objeto simbélico produz sentidos, 0 que resulta em saber que o sentido sempre pode ser outro. Vejamos, nessa perspectiva, como podemos considerar 0 estatuto discursivo da interpretacao, refletindo sobre seu modo de existéncia no sujeito. Comecaremos por dizer que a interpretacdo é uma injuncao. Face a qualquer objeto simbdlico, o sujeito se encontra na necessidade de “dar” sentido. O que é dar sentido? Para o sujeito que fala, € construir sitios de signifi cncia (delimitar dominios), 6 tomar possiveis gestos de interpretacao (Orlandi, 1993). Se encaramos este processo na perspectiva ideol6gica, como estamos propondo, podemos dizer que é nessa instan- cia de constituigao imagindria dos processos de producao dos sentidos que intervém o que temos criticado como conteudismo (Orlandi, 1992). Este supde uma relacao ter- mo-alermo entre pensamento/linguagem/mundo, como se a relacao entre palavras € coisas fosse uma relacdo natural e nao linglistico-histérica. Dat a ilusdo de se defini rem os sentidos pela pergunta ingénua: 0 que "x" quer dizer? Sem diivida, é do conteudismo que resulta o que temos chamado de “perfidia da interpretacao”, ou seja,o fato que consiste em considerar 0 contetido (suposto) das palavras nao - como deveria ser - 0 funcionamento do discurso na producao dos sentidos. © modo como as ciéncias humanas e sociais conce- bem a ideologia é ancilar a perfidia interpretativa: conside- rando que a linguagem é transparente, essas ciéncias visam 08 conteridos ideolégicos, concebendo a ideologia como “ocultacao". Assim, elas deixam pensar que, pela busca dos contetidos (0 que ele quis dizer?), se podem descobrir os verdadeiros sentidos do discurso, que estariam escondidos. Se nao nos ativermos aos contetidos da linguagem, pode- mos procurar entender o modo como os textos produzem sentidos e a ideologia sera entao percebida como o pro- cesso de producao de um imaginaro, isto é, produgao de uma interpretacao particular que apareceria, no entanto, como a interpretacao necessaria e que atribui sentidos fixos as palavras, em um contexto hist6rico dado. A ideologia no € um contetido “x” mas o mecanismo de produzito Uma concepgao discursiva de ideologia estabelece que, como os sujeitos esto condenados a significar, a interpretacao é sempre regida por condicées de producao especificas que, no entanto, aparecem como universais e eternas. Disso resulta a impressao do sentido Gnico verdadeiro. Um dos efeitos ideolégicos esté justamente no fato de que, no momento mesmo em que ela se dé, a interpretacao se nega como tal. Quando o sujeito fala, ele esta em plena atividade de interpretacao, ele esté atribuindo sentido as suas préprias palavras em condigdes especificas. Mas ele © faz como se 0s sentidos estivessem nas palavras: apagam- se suas condigdes de producao, desaparece o modo pelo qual a exterioridade 0 constitui. Em suma, a interpretacao aparece para o sujeito como transparéncia, como o sentido la Estas consideracdes nos levam a afirmar que nao se pode excluir do ato lingiifstico 0 equivoco como fato estrutural implicado pela ordem do simbélico. 14, como

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