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Saúde Coletiva

ISSN: 1806-3365
editorial@saudecoletiva.com.br
Editorial Bolina
Brasil

DE OLIVEIRA LEME, ALEXANDRE


A Teatralidade de Boal: posibilidades de promoção da saúde através da participação popular
Saúde Coletiva, vol. 2, núm. 8, 2005, pp. 124-128
Editorial Bolina
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84220792006

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Participação popular em saúde
Leme AO. A Teatralidade de Boal: possibilidades de promoção da saúde através da participação popular

A Teatralidade de Boal: possibilidades estes seriam


que o espe

de promoção da saúde através da


ideologia do
nova divisã
(aristocratas

participação popular ma ou de o
gico-coercit
mento deste
Bertold B
ALEXANDRE DE OLIVEIRA LEME cas forteme
Psicólogo, Educador Social e Mestre em Saúde Pública. Pesquisador do Departamento de Práticas e Serviços desejo de t
de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP da teatralida
pensamento
cht, o perso
rico que o c
E ste artigo pretende refletir acerca da participação popular na promoção da saúde a partir das potencialidades que o
exercício da teatralidade de Boal pode oferecer para estímulo ao comprometimento das pessoas quanto à construção
de valores da saúde, contextualizados em suas realidades de vida cotidiana. Pretende, ainda, identificar um campo pos-
social é o fa
gens e sua p
formação so
sível para utilização de técnicas teatrais como instrumento catalisador do empoderamento de pessoas para a construção
co das relaç
de possibilidades de melhoria da qualidade de vida mediante reflexão crítica das metáforas da vida através do jogo teat-
ral. Propõe, por um breve resgate do pensamento do teatrólogo brasileiro Augusto Boal, intersecções entre exercício da Seus dramas
teatralidade, a participação popular e a promoção da saúde. políticas da
Descritores: Teatro-Educação, Participação Popular, Promoção da Saúde ferencial do
produção d

T his article intends to make a reflection about the popular participation in the health promotion considering the po- ciar os es
tentialities that Theater of Boal can offer to stimulate the compromise of people to build health values in the context as relações
of their daily lives. It intends to identify a possible field where one can use theater skills like a catalyst tool of people em- como demo
powerment in order to find some possibilities to improve their life quality by life metaphor’s critical reflection by means tica marxist
of the theater game. It proposes by brief rescue of the thought of the Brazilian theater man, Augusto Boal, intersections Num es
between theater, popular participation and health promotion. pular, Brec
Descriptors: Theater-Education, Popular Participation, Health Promotion abandonar
porque só
E ste artículo hace una reflexión sobre la participación popular en la promoción de salud considerado las potenciali-
dades que el Teatro de Boal puede ofrecer para estimulo del compromiso de las personas para construir valores de
salud en el contexto de sus vidas diarias. Además, pretende identificar un posible campo para la utilización de las téc-
verdadeiram
ciedade; no
nicas del teatro como herramienta catalizadora del empoderamiento de personas para la construcción de posibilidades vida social
de mejorar su calidad de vida a través de la reflexión critica de las metáforas de la vida por el juego del teatro. Propone transforma
un breve rescate del pensamiento del teatrologo brasileño Augusto Boal, intersecciones entre el ejercicio de la teatrali- mas. Um tea
dad, la participación popular y la promoción de la salud. formadores
Descriptores: Teatro-Educación, Participación Popular, Promoción de la Salud pouso, não
burguesa p
o repouso: u
Recebido: 22/08/2005 – Aprovado: 21/11/2005 propor o m
nal e à liber
Introdução: A intenç

A Teatralidade no Cenário Político citado por Boal


Augusto Boal, em seu livro “Teatro do Oprimido
e outras poéticas políticas”, resgata a construção his-
mar “canto ditirâmbico”. Era uma festa em que todos
podiam livremente participar. Veio a aristocracia e es-
mas, no que
falha consis
fica-os no lu
tórica do teatro no ocidente. “Teatro” era o povo can- tabeleceu divisões: algumas pessoas iriam ao palco e teatral, incut
tando livremente ao ar livre: o povo era o criador e o só elas poderiam representar enquanto que todas as por eles e s
destinatário do espetáculo teatral, que se podia cha- outras permaneceriam sentadas, receptivas, passivas: mento da p

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s estes seriam os espectadores, a massa, o povo. E para


que o espetáculo pudesse refletir eficientemente a
ideologia dominante, a aristocracia estabeleceu uma
peças. Dessa forma, permanecia sendo uma ideologia
de dominação, pois hierarquizava a transmissão de
valores, embora tivesse a intenção de libertar e cau-
nova divisão: alguns atores seriam os protagonistas sar movimento. É exatamente deste ponto que parte
(aristocratas) e os demais seriam o coro, de uma for- a Poética do Oprimido onde Boal propõe mudanças
ma ou de outra simbolizando a massa. “O sistema trá- radicais na relação palco-platéia e na produção teatral
gico-coercitivo de Aristóteles” nos ensina o funciona- com a intenção de promover o exercício da teatralida-
mento deste tipo de teatro1 . de de maneira ampla onde todos possam representar
Bertold Brecht traz à cena teatral reflexões políti- os dramas que vivenciam e pensar soluções coletivas
cas fortemente influenciadas pelo marxismo e pelo para quebrar as opressões sociais e/ou pessoais.
s desejo de transformação social. Coloca o exercício Boal desenvolve o corpo teórico e técnico da Po-
da teatralidade numa função de extrema oposição ao ética do Oprimido em sua experiência de alfabetiza-
pensamento proposto pela poética de Hegel. Para Bre- ção através do teatro dentro de um Plano Nacional de
cht, o personagem é objeto, fruto do contexto histó- Alfabetização Integral (ALFIN) do Governo Revolucio-
rico que o construiu e o legitimou como tal. O ethos nário Peruano em 19731. Socializava técnicas de inter-
dades que o social é o fator condicionante das ações dos persona- pretação e oficinas de desenvolvimento teatral com
à construção gens e sua poética visa incitar o proletariado à trans- a intenção de dispor do teatro como instrumento e
campo pos-
formação social através do incentivo ao espírito críti- linguagem que promovessem a desopressão popular.
a construção
co das relações sociais e de trabalho1. Ensinava a educadores populares téc-
do jogo teat-
Seus dramas sociais objetivam visões nicas para conversão de espectadores
exercício da
políticas da sociedade a partir do re-
“O SISTEMA em atores, técnicas que abrangiam o
ferencial do proletariado. Através da TRÁGICO-COERCITIVO conhecimento do corpo e suas possi-
produção de osmosis, busca influen- É EXTREMAMENTE bilidades de expressão. Dispunha do
ering the po- ciar os espectadores a pensarem EFICAZ, PERSUASIVO teatro como linguagem onde os par-
n the context as relações entre as classes sociais, ticipantes eram envolvidos na escrita
f people em- como demonstra Boal acerca da poé- E VEM SENDO UTILIZADO da dramaturgia conforme tema que
on by means tica marxista de Brecht1: ATÉ HOJE”. elegessem como foco de representa-
ntersections Num estudo sobre teatro po- ção. Utilizava técnicas de Teatro Ima-
pular, Brecht afirma que o artista popular deve gem (produção de imagens corporais que expressem
abandonar as salas centrais e dirigir-se aos bairros, as idéias a serem apresentadas) e do Teatro-debate.
porque só aí vai encontrar os homens que estão Nesse, os espectadores intervêm na ação dramática,
s potenciali-
verdadeiramente interessados em transformar a so- substituindo atores no decorrer da peça com a inten-
uir valores de
ciedade; nos bairros, deve mostrar suas imagens da ção de produzir desfechos diversos aos que foram
n de las téc-
posibilidades vida social aos operários, que estão interessados em apresentados pelo elenco da peça, estimulando a pla-
tro. Propone transformar essa vida social, já que são suas víti- téia a representar e discutir as possibilidades de desfe-
de la teatrali- mas. Um teatro que pretende transformar aos trans- cho da estória apresentada:
formadores da sociedade não pode terminar em re- “O que a Poética do Oprimido propõe é a pró-
pouso, não pode restabelecer o equilíbrio. A polícia pria ação! O espectador não delega poderes ao per-
burguesa procura restabelecer o equilíbrio, impor sonagem para que atue nem para que pense em seu
o repouso: um artista marxista, ao contrário, deve lugar: ao contrário, ele mesmo assume um papel
21/11/2005 propor o movimento em direção à liberação nacio- protagônico, transforma a ação dramática inicial-
nal e à liberação das classes oprimidas pelo capital. mente proposta, ensaia soluções possíveis, debate
A intenção de Brecht era ousada para sua época, projetos modificadores: em resumo, o espectador en-
mas, no que se refere à participação dos operários, sua saia preparando-se para a ação real. Por isso creio
m que todos falha consistia em mantê-los como espectadores1. Rei- que o teatro não é revolucionário em si mesmo,
ocracia e es- fica-os no lugar de passividade perante o espetáculo mas certamente pode ser um excelente ‘’ensaio“ da
ao palco e teatral, incutindo-lhes valores que não foram pensados revolução. O espectador liberado, um homem ínte-
que todas as por eles e sim por intelectuais, facilitava o distancia- gro, se lança na ação! Não importa que seja fictícia:
as, passivas: mento da platéia frente à ideologia produzida pelas importa que é uma ação.Penso que todos os grupos

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teatrais verdadeiramente revolucionários devem ganhar, já que o grupo dispunha de poucos militantes lar como fo
transferir ao povo os meios de produção teatral, e quase nenhum dinheiro. No entanto, a repercussão tar e respon
para que o próprio povo os utilize, à sua maneira de suas intervenções teatrais em espaços públicos foi com atuaçõ
e para os seus fins. O teatro é uma arma e é o povo grande e propiciou a Boal conquistar uma vaga na Câ- rias em suas
quem deve manejá-la!”1. mara dos Vereadores (1993). Foi a conquista que pos- vo para o e
Esta forma de trabalho teatral desenvolveu-se pos- sibilitou a manutenção do CTO do Rio de Janeiro e a construção
teriormente na Europa entre 1976 e 1986, período criação do Teatro Legislativo3. Seu mandato foi asses- reger uma so
em que Boal esteve exilado do Brasil por questões sorado pela equipe do CTO que ia às praças e demais Compree
políticas decorrentes do sistema de governo militar espaços públicos discutir a formulação de leis com o desenhado p
que regia o país na época. Transitou em diversos paí- povo, conforme delineia Boal, em mais uma faceta da processo de
ses como Itália, Portugal, e cidades como: Estocolmo e Poética do Oprimido: melhoria da
Paris. Sobretudo em Paris, onde permaneceu por mais “No Teatro Legislativo procura-se trazer o teatro uma maior
tempo, desenvolveu experiências com o Teatro Invi- outra vez para o centro da cidade, onde se deve pro- a participaç
sível, onde os atores encenavam imiscuídos em espa- duzir, não a catarse, mas a dinamização. Seu obje- to fundame
ços públicos sem que as pessoas soubessem que es- tivo não é o de aquietar espectadores, reverte-los a de saúde on
tavam envolvidas com a encenação. Sua intenção era um estado de equilíbrio e aceitação da sociedade (...) deve
provocar discussões no contexto da vida social sobre tal como é, mas, ao contrário, intensificar seu de- víduos, fam
temas pertinentes às problemáticas sejo de transformação. O Teatro do grupos soci
enfrentadas pelas pessoas. Desenvol- “ESTE PEQUENO RESUMO Oprimido procura desenvolver o al da saúde
ve mais cuidadosamente suas técnicas DA TRAJETÓRIA DE desejo e criar espaço no qual pos- maior na m
trabalhando em dois hospitais psiqui- sam ensaiar ações futuras. O Teatro tes interess
átricos parisienses, Sartrouville e Fleu- AUGUSTO BOAL PERMITE Legislativo procura ir além e trans- existentes n
ry-les-Aubrais, e com diversos grupos UMA VISÃO GERAL DE formar esse desejo em lei”3 . Para que
teatrais franceses. Funda o primeiro COMO FOI FORMULADA Com o Teatro Legislativo, o man- pular, confo
Centro do Teatro do Oprimido (CTO) dato de Augusto Boal conseguiu for- necessário
em Paris (1978), que funciona até os
A POÉTICA DO OPRIMIDO mular treze leis de forma participati- cativas que
dias de hoje. A partir deste centro de- EM SUAS FORMAS va, reflexiva e extremamente política. pessoas às
senvolve as técnicas do Arco-íris do PRINCIPAIS”. Este pequeno resumo da trajetória pacitando-as
Desejo, inspirado no psicodrama, para de Augusto Boal permite uma visão problemas e
trabalhar questões subjetivas que até então não explo- geral de como foi formulada a Poética do Oprimido para que re
rava tematicamente pensando ter prioridade às ques- em suas formas principais: o Teatro-Imagem, o Teatro- vel promov
tões mais propriamente políticas2. Invisível, o Teatro-Fórum, o Arco-Íris do Desejo e o des num pro
Em 1986, Boal retorna ao Brasil e funda outro Teatro-Legislativo4. Em todas essas manifestações fica com os prin
Centro do Teatro do Oprimido no Rio de Janeiro em patente a importância central da participação popular Não é possí
decorrência de um convite de Darcy Ribeiro, então na transformação social através do uso da teatralidade. agregado de
vice-governador do Estado, para trabalhar com os ani- Consiste de um arsenal de idéias e técnicas capazes diálogo entr
madores culturais dos recém-fundados Centros Inte- de catalisar as pessoas para a assunção de seus papéis (...) a ed
grados de Educação Popular. A experiência foi muito protagônicos na sociedade, estimulando-as a desen- pectiva am
rica e possibilitou a consolidação do novo centro na cadearem mudanças sociais e políticas. Incentivando característic
capital fluminense2-4. Em 1992, o Centro do Teatro do o exercício da teatralidade, Boal nos ensina diversas crático, pa
Oprimido perde o vínculo com o governo estadual possibilidades de uso do teatro como instrumento considerar
do Rio de Janeiro e passa por sérias crises financeiras educativo, onde os participantes não são meros recep- popular, o s
que ameaçam o fim dos trabalhos. Como último tra- tores de informações, mas sim construtores de possi- de transform
balho do grupo, oferecem-se para colaborar o Partido bilidades políticas de reflexão grupal rumo ao prota- o conhecim
dos Trabalhadores propondo teatralizar a campanha gonismo social. Todas as
eleitoral. O partido aceita desde que lançassem um cadas na pro
candidato a vereador. Boal assume o papel de candi- A Teatralidade na Área de Saúde e a Participação Popular a participaç
dato político com a intenção de marcar solenemente O arsenal do Teatro do Oprimido pode ser usado para pensar seus
o fim do CTO carioca, pois acreditava ser impossível diversas finalidades que tomem a participação popu- potencializa

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os militantes lar como foco e prioridade das ações, visando inci- melhores condições de vida.
repercussão tar e responsabilizar as pessoas para o compromisso A proposta do trabalho teatral elaborada por Boal
públicos foi com atuações sociais cidadãs, construtoras de melho- vem ao encontro dessas demandas eliciadas pela pro-
vaga na Câ- rias em suas condições de vida. É um ensaio interati- moção da saúde, na medida em que propõe formas de
sta que pos- vo para o exercício político em seu sentido pleno: a capacitação para a atividade política de forma intera-
e Janeiro e a construção coletiva dos valores e práticas que devem tiva, crítica e contextualizada com os valores de uma
to foi asses- reger uma sociedade, inclusive as questões de saúde. dada comunidade-foco. No trabalho teatral, conforme
ças e demais Compreendendo Promoção da Saúde conforme os pressupostos da Poética do Oprimido, as encena-
e leis com o desenhado pela Carta de Otawa em 19865 como: “(...) ções são fruto de um processo educativo que integra
ma faceta da processo de capacitação da comunidade para atuar na as demandas de um determinado grupo, ampliando
melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo as possibilidades de expressões humanas, promoven-
zer o teatro uma maior participação no controle desse processo”, do o diálogo e a reflexão entre pessoas que buscam
se deve pro- a participação popular é entendida como instrumen- quebrar opressões sociais e culturalmente instituídas.
ão. Seu obje- to fundamental na formulação de políticas e práticas É uma forma de educação imersa na construção po-
everte-los a de saúde onde as pessoas: lítica, uma metodologia de trabalho que permite o
a sociedade (...) devem envolver-se nesse processo como indi- diálogo entre cultura, sociedade e demandas de vida,
car seu de- víduos, famílias e comunidades. Os profissionais e permitindo que as pessoas expressem seus valores e
O Teatro do grupos sociais, assim como o pesso- crenças no jogo teatral. Nenhum va-
envolver o al da saúde, tem a responsabilidade “A VIVÊNCIA TEATRAL É UM lor humano é dispensável neste jogo
o qual pos- maior na mediação entre os diferen- PODEROSO INSTRUMENTO que ensaia para a ação real, nenhuma
as. O Teatro tes interesses, em relação à saúde, linguagem é esquecida, o Ser Huma-
ém e trans- existentes na sociedade. DE CONSCIENTIZAÇÃO no está livre para se expressar em
i”3 . Para que exista a participação po- ACERCA DAS QUESTÕES sua inteireza.
tivo, o man- pular, conforme proposto acima, é PERTINENTES A A vivência teatral é um podero-
nseguiu for- necessário estabelecer formas edu- so instrumento de conscientização
a participati- cativas que facilitem a interação das
PROMOÇÃO DA SAÚDE, acerca das questões pertinentes à
nte política. pessoas às demandas da saúde, ca- SEJAM ELES INDIVIDUAIS promoção da saúde, além de incitar
da trajetória pacitando-as a dialogar e identificar OU COLETIVOS”. as pessoas a concreções de seus de-
e uma visão problemas em suas condições de vida sejos, sejam eles individuais ou cole-
o Oprimido para que reivindiquem seus interesses. É indispensá- tivos. A experiência com grupos de adolescentes, mu-
m, o Teatro- vel promover a capacitação de pessoas e comunida- lheres negras e homossexuais demonstrou que o uso
Desejo e o des num processo educativo intimamente relacionado das técnicas de Boal facilitam a discussão de questões
stações fica com os princípios definidos pela promoção da saúde. existenciais, sociais, culturais e políticas, justamente
ção popular Não é possível pensar a educação em saúde como um onde estas questões dialogam entre si: na atualidade
teatralidade. agregado de orientações, mas sim como um contínuo do jogo das relações humanas. Identidade étnica de
cas capazes diálogo entre os diversos setores da sociedade. mulheres pobres transformam-se em ação dramática
seus papéis (...) a educação em saúde deve atender à pers- apresentada para a reflexão nas suas comunidades de
as a desen- pectiva ampla da promoção da saúde e possuir origem; adolescentes buscando um novo lugar social
ncentivando características especiais, ou seja: precisa ser demo- para existirem como adultos experimentaram diver-
ina diversas crático, participante e problematizador. “Precisa sos papéis sociais, discutiram possibilidades de ser
nstrumento considerar a humanidade dos envolvidos, o saber no mundo, questões de gênero e afetividade; homos-
meros recep- popular, o seu valor específico e sua potencialidade sexuais buscando manejar os preconceitos consegui-
es de possi- de transformar e ser transformado em contato com ram assumir suas identidades na sociedade, perante
mo ao prota- o conhecimento científico6 . a família e atuar politicamente em grupos militantes
Todas as pessoas estão direta e intimamente impli- de direitos humanos. Todos os envolvidos num pro-
cadas na promoção da saúde, não é possível dispensar cesso teatral experimentam a potencialização da hu-
ação Popular a participação de ninguém. As comunidades precisam manidade através da expressão cênica em tempos em
r usado para pensar seus contextos de vida e procurar formas de que a reificação e a individualidade minam as relações
pação popu- potencialização de suas ações coletivas na busca de sociais e dificultam a promoção da saúde. Numa épo-

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ca em que a produção imagética e de signos é extre- com algum procedimento simbólico. Nesta perspec-
mamente marcante e norteadora de práticas sociais, tiva, Lefévre9,10 nos mostra que:
como apresenta Mejía7: “A saúde só passa a ter sentido, no contexto de
“(...) nos encontramos frente a uma nova ordem uma sociedade alienada, dominada pela mercado-
simbólica, caracterizada por um grande consumo ria, quando acoplada à doença, ou à ameaça de
de signos e imagens, mas antes de tudo, encontra- morte, ou à dor, ou ao desprazer, ou à feiúra, ou à
mo-nos frente a uma profunda semiotização da fraqueza. São estas (e outras) condições negativas
vida cotidiana, processos esses construídos na nova que fazem a saúde existir, com sentido, na socieda-
indústria cultural transnacionalizada. O interessan- de da mercadoria, porque a lógica da mercadoria,
te é que essa reorganização/reestruturação cultural que pontifica, é a negação do negativo.
traz consigo mudanças nas formas de VER-SENTIR- O arsenal do Teatro do Oprimido, com todas as téc-
REPRESENTAR-AMAR”7. nicas apresentadas e discutidas acima, pode ser utili-
A encenação teatral permite que as pessoas entrem zado como mais um instrumento de qualificação de
em contato com as formas como a sociedade produz pessoas para promoção da saúde. Funciona como um
valores de saúde a partir de suas vivências cotidianas, subsídio que lhes dá condições de contribuir para a
podendo ampliar conceitos e despertar o espírito crí- concreção de uma sociedade mais saudável e equâ-
tico, levando-as a entender a saúde de forma ampla. nime. É um instrumento que possibilita o reconheci-
“À medida que se repensa o conceito de saúde, mento das pessoas em sua integridade de Seres Huma-
esta deixa de ser tão somente uma tarefa dos pro- nos, revitalizando o diálogo e a reflexão crítica para
fissionais de saúde e o indivíduo não é visto isola- além do consumo de ideais de saúde. O exercício da
damente do contexto em que vive. A saúde com- teatralidade é um ensaio que permite a produção de
preendida enquanto recurso que pode favorecer novas formas de dialogar com a saúde, onde as pesso-
as pessoas assumirem os destinos de suas vidas e as atuam direta e concretamente nesse processo.
da sociedade em que vivem, está vinculada à visão
de que ela é tanto uma responsabilidade individu- Referências
al quanto uma responsabilidade política e social de 1. Boal A.Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. 6a. Edição.
uma dada sociedade”8 . Rio de janeiro. Editora Civilização Brasileira.1991.
2. Boal A. O arco-íris do desejo – método Boal de teatro e terapia.
Considerações Finais 1ª. Edição. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro.1996.
A discussão de saúde em nossa sociedade está pau- 3. Boal A.Teatro Legislativo.Versão Beta. Editora Civilização Brasilei-
tada pela preocupação mercadológica e, não raro, re- ra. Rio de Janeiro.1996.
duzida à indústria de remédios e tecnologias médicas 4. Boal A. Jogos para atores e não-atores. 2ª. Edição. Editora Civiliza-
e estéticas de cuidado com o corpo. O Ser Humano ção Brasileira. Rio de Janeiro. 1999.
empobrece-se em favor do status de consumidor, dei- 5. Brasil. Ministério da Saúde. Promoção da Saúde. Carta de Otawa,
xa de ser sujeito do processo saúde-doença e torna- Declaração de Adelaide, Declaração de Sundswal e Declaração
se objeto a ser estimulado para o consumo. Assim, va- de Bogotá. Brasília: Ministério da Saúde/Fundação Oswaldo Cruz,
mos à contra-mão dos pressupostos de promoção da 1996.Pereira IMTB, et all. Promoção da saúde e Educação em
saúde (processo de capacitação da comunidade para 6. Saúde: uma parceria saudável. In: O Mundo da Saúde, São Paulo,
atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, ano 24, n. 1, jan/fev, 2000.
incluindo uma maior participação no controle des- 7. Mejía MR. et all. O pêndulo das ideologias: a educação popular e
se processo5), afastamo-nos de algo muito precioso o desafio da pós-modernidade. Editora Relume-Dumará. Rio de
que é o protagonismo político e social das pessoas janeiro, 1994.
como produtoras de sentidos e necessidades, o que 8. Rocha DG et all. Escola Promotora de Saúde: uma construção in-
transcende em muito as demandas de consumo pro- terdisciplinar e intersetorial. In: Revista Brasileira de Crescimen-
postas pelas sociedades capitalistas que exploram a to e Desenvolvimento Humano, São Paulo, 12(1), 57-63, 2002.
carência, o negativo a ser evitado. Evita-se também, 9. Lefévre F. O medicamento como mercadoria simbólica. Editora
com a valorização do consumo, a reflexão acerca da Cortez. São Paulo, 1991.
importância do negativo no campo da saúde e das 10. Lefévre F. Mitologia sanitária: saúde, doença, mídia e linguagem.
possibilidades de transforma-lo, incentiva-se evitá-lo EDUSP. São Paulo, 1999.

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