AFASIA AMNÉSTICA.

CONSIDERAÇÕES A PROPÓSITO DE
UM CASO

SPARTACO VIZZOTTO * STANISLAU KRINSKY *

AFONSO SETTE JUNIOR ** ROBERTO T O M C H I N S K Y *
NELMA VALDRIGHI * WALTER EDGARD MAFFEI ***

D e s c r i t a p o r P i t r e s n a s e g u n d a m e t a d e do século passado, a afasia a m -

n é s t i c a logo m e r e c e u a a t e n ç ã o dos p e s q u i s a d o r e s , n ã o só pela s u a i m p o r -
t â n c i a clínica m a s t a m b é m pelos e l e m e n t o s q u e v i n h a p r o p i c i a r à s d i v e r s a s
h i p ó t e s e s t e ó r i c a s s ô b r e os m e c a n i s m o s d a e x p r e s s ã o v e r b a l . F r e q ü e n t e m e n t e
s ã o u s a d a s como s i n ô n i m a s d e afasia a m n é s t i c a a s s e g u i n t e s e x p r e s s õ e s :
1 6
amnésia verbal, afasia de formulação (Nielsen ), dismnésia de evocação
4
verbal ( P i t r e s , Bianchi, R i v i ) , afasia de nomeação (Eagleton ).
1 6
A i m p o r t â n c i a p r á t i c a do d i s t ú r b i o é b e m e x p r e s s a p o r Nielsen (pág.
4 6 8 ) : " H á s ò m e n t e u m a f o r m a d e afasia q u e possui v a l o r definido p a r a lo-
c a l i z a ç ã o e m caso d e n e o p l a s m a : a afasia a m n é s t i c a " . Q u a s e todos os a u -
t o r e s c h a m a m a a t e n ç ã o p a r a a f r e q ü ê n c i a e p r e c o c i d a d e c o m q u e ê s t e dis-
t ú r b i o s u r g e n o s casos d e abscessos originados do o u v i d o e nos t u m o r e s q u e
4
a t i n g e m a p a r t e p o s t e r i o r do lobo t e m p o r a l . E a g l e t o n a f i r m a s e r a afasia
a m n é s t i c a f r e q ü e n t e nos abscessos t ê m p o r o - e s f e n o i d a i s . O u t r o a s p e c t o posi-
tivo é a facilidade d a s u a identificação; o f a t o d e s u r g i r m u i t a s vezes n ã o
c o m p l i c a d a c o m o u t r a s f o r m a s de afasia t o r n a - a d e p r o n t o identificável.
A i m p o r t â n c i a t e ó r i c a d a afasia a m n é s t i c a a d v é m d a nitidez d e s u a m a -
n i f e s t a ç ã o e d a dificuldade p a r a a c o m p r e e n s ã o s a t i s f a t ó r i a do s e u m e c a -
nismo.
Q u a n t o à s i t u a ç ã o d a afasia a m n é s t i c a e m r e l a ç ã o à s o u t r a s f o r m a s
de afasias, d e v e m o s s a l i e n t a r q u e , n o consenso d a m a i o r i a dos a u t o r e s , e l a
o c u p a u m l u g a r i n d e p e n d e n t e . A m a i o r i a dos a u t o r e s c o n s i d e r a q u a t r o for-
m a s de a f a s i a s : s e n s o r i a l ou d e r e c e p ç ã o , m o t o r a ou de e x p r e s s ã o , t o t a l ou
mista e amnéstica. Sòmente alguns autores antigos n ã o a a d m i t i r a m como
f o r m a isolada e s i m como a s p e c t o p a r c i a l d e a f a s i a s e n s o r i a l o u m o t o r a
1
a t e n u a d a ; assim p e n s a r a m P i e r r e Marie, Foix e F r o m e n t (cit. ). Déjérine,
no e n t a n t o , conseguiu identificar a l g u n s casos, c o n v e n c e n d o - s e de s u a inde-
1
pendência (cit. ). Só encontramos estatística de freqüência na casuística
1 9
de W e i s e n b u r g e M c B r i d e ( p á g . 146) : 8 , 3 % (5 casos) do t o t a l de casos
de afasia r e g i s t r a d o pelos a u t o r e s .

T r a b a l h o d o H o s p i t a l d e J u q u e r i , a p r e s e n t a d o a o D e p a r t a m e n t o de N e u r o - P s i -
q u i a t r i a d a A s s o c i a ç ã o P a u l i s t a d e M e d i c i n a e m 7 d e f e v e r e i r o d e 1955.
* Médicos p s i q u i a t r a s ; ** N e u r o c i r u r g i ã o ; *** A n á t o m o - p a t o l o g i s t a .
 Dos m a i s discutidos s ã o o conceito e a d e l i m i t a ç ã o d a afasia a m n é s t i c a .
1
P i t r e s ( c i t . ) d e s c r e v e u - a c o m o v a r i e d a d e de afasia e m q u e e s t á p e r t u r b a d a
a evocação d a s p a l a v r a s : o d o e n t e pode falar, escrever, m a s é inibido pelo
e s q u e c i m e n t o d a s p a l a v r a s e c o n t o r n a a dificuldade p o r p e r i f r a s e s ou g e s t o s
explicativos, s e n d o o d i s t ú r b i o evidenciado n a p r o v a de d e n o m i n a ç ã o de o b -
j e t o s . P i t r e s distinguia, ao lado d ê s t e q u a d r o , o u t r o e m q u e f a l t a m a o
d o e n t e os v e r b o s e m l u g a r dos s u b s t a n t i v o s — o q u e c o r r e s p o n d e ao agra-
matismo de P i c k — e a i n d a o u t r o e m q u e h á e s q u e c i m e n t o de u m a l í n g u a
e s t r a n g e i r a , o q u e o c o r r e nos poliglotas.

Desde e n t ã o i n ú m e r o s casos s u r g i r a m , publicados sob o r ó t u l o de afa-

sia a m n é s t i c a , n a s m a i s v a r i a d a s afecções c e r e b r a i s e n a s m a i s d i v e r s a s lo-
2
calizações. B i a n c h i , j á e m 1895, c h a m a v a a a t e n ç ã o p a r a o f a t o de q u e
g r a n d e p a r t e d ê s s e s casos n ã o e r a d e a f a s i a a m n é s t i c a e sim de deficiência
g e r a l d a m e m ó r i a de e v o c a ç ã o e d a e l a b o r a ç ã o i n t e l e c t u a l , f r e q ü e n t e m e n t e
o b s e r v a d a s e m psicoses p o r l e s ã o c e r e b r a l c o m o a d e m ê n c i a senil, a p a r a -
lisia g e r a l , a m o l é s t i a de P i c k e a d e A l z h e i m e r , a a r t e r i o s c l e r o s e c e r e b r a l
e diversos o u t r o s q u a d r o s demenciais. S a l i e n t o u B i a n c h i q u e n a a f a s i a a m -
n é s t i c a t r a t a - s e e x c l u s i v a m e n t e de " a u s ê n c i a d e r e p r e s e n t a ç ã o d a s i m a g e n s
sensorials d a p a l a v r a " ( p á g . 122), d i s t i n g u i n d o - a d a a f a s i a m o t o r a e d a s e n -
sorial, n o início ou n a fase d e r e m i s s ã o , d a s q u a i s p o d e m s u r g i r f e n ô m e n o s
q u e g r o s s e i r a m e n t e se c o n f u n d i r i a m c o m a afasia a m n é s t i c a . N ã o o b s t a n t e
o e s c l a r e c i m e n t o de Bianchi, c o n t i n u a m a s e r publicados falsos casos d ê s t e
tipo de afasia, o q u e t e m dificultado a s u a d e l i m i t a ç ã o c o n c e i t u a i e a de-
t e r m i n a ç ã o dos s e t o r e s c e r e b r a i s p o r ela r e s p o n s á v e i s .
7
P a r e c e - n o s q u e K u r t G o l d s t e i n se c o n t r a d i z q u a n d o p r o c u r a c a r a c t e -
r i z a r os d i s t ú r b i o s essenciais d a a f a s i a a m n é s t i c a , n o afã de p r o v a r s u a
t e o r i a s ô b r e a s a f a s i a s . Assim, e m r e l a ç ã o aos f e n ô m e n o s afásicos p r o d u z i -
dos p o r abscessos c o n s e q ü e n t e s a infecções do ouvido q u e m u i t a s vêzes a t i n -
g e m a á r e a 37, a f i r m a ( p á g . 67) q u e n ã o se t r a t a de a f a s i a a m n é s t i c a , en-
q u a n t o q u e m a i s a d i a n t e ( p á g . 290) e s c r e v e q u e essas são a s f o r m a s c a r a c -
t e r í s t i c a s nos casos de lesões focais. Goldstein n ã o d i s t i n g u e c l a r a m e n t e os
d i s t ú r b i o s d e r i v a d o s d a a m n é s i a de e v o c a ç ã o e d o déficit da e l a b o r a ç ã o in-
t e l e c t u a l , pois ê s t e s casos se p r e s t a m b e m à d e m o n s t r a ç ã o d e s u a t e o r i a
s e g u n d o a q u a l a c a u s a d a afasia a m n é s t i c a r e p o u s a p r i n c i p a l m e n t e e m u m
déficit d a e l a b o r a ç ã o i n t e l e c t u a l q u e êle c h a m a de a t i t u d e a b s t r a t a ( p á g .
2 4 7 ) ; s a l i e n t a , n o e n t a n t o , a diferença essencial q u e h á e n t r e o q u e êle de-
fine c o m o " l i n g u a g e m a u t o m á t i c a " e " l i n g u a g e m v o l u n t á r i a " , s e n d o o dis-
t ú r b i o d e s t a ú l t i m a a c a r a c t e r í s t i c a d a afasia a m n é s t i c a ( p á g . 5 9 ) . A f i r m a
Goldstein q u e a s p e r t u r b a ç õ e s d a l i n g u a g e m a u t o m á t i c a c a r a c t e r i z a m a afa-
sia m o t o r a , n a q u a l são f r e q ü e n t e s a s p a r a f a s i a s , a u s e n t e s ou r a r a s n a s
p e r t u r b a ç õ e s da l i n g u a g e m v o l u n t á r i a ( p á g . 60 e 6 5 ) . Goldstein s e p a r a a
a f a s i a a m n é s t i c a d e s s a s afasias m o t o r a s , n a s quais, a l é m de f r e q ü e n t e s p a -
r a f a s i a s , h á t a m b é m dificuldade n a r e p e t i ç ã o d a s p a l a v r a s e n a p r ó p r i a fala
e s p o n t â n e a , e d i s t i n g u e - a d a afasia sensorial, n a q u a l h á dificuldade n a c o m -
p r e e n s ã o d a l i n g u a g e m falada.
 1 6
Von M o n a k o w , c i t a d o p o r N i e l s e n , t a m b é m n ã o d i s t i n g u i u a afasia
1 6
a m n é s t i c a dos q u a d r o s c o m déficit d e m e m ó r i a g e n e r a l i z a d a . Nielsen
( p á g . 70) a d i s t i n g u e d a s afasias m o t o r a e sensorial, c o n s i d e r a n d o t í p i c a a
a f a s i a a m n é s t i c a q u e s u r g e nos abscessos o t ó g e n o s do lobo t e m p o r a l , t e n d o
como d i s t ú r b i o f u n d a m e n t a l a dificuldade e m e n c o n t r a r o n o m e d a s coisas
e pessoas, s e m o u t r a s p e r t u r b a ç õ e s a f á s i c a s . P a r a N i e l s e n h á u m a f o r m a
leve e m q u e o p a c i e n t e só t e m dificuldade p a r a e n c o n t r a r n o m e s p r ó p r i o s ;
de r e g r a , p o r é m , o d o e n t e t e m dificuldade e m e n c o n t r a r n o m e s e m g e r a l ,
r e c o r r e n d o a p e r i f r a s e s . E m casos m a i s a c e n t u a d o s t a m b é m h á f a l h a s e m
r e l a ç ã o a verbos, adjetivos e, p o s s i v e l m e n t e , a t ô d a s a s p a r t e s d a o r a ç ã o .
1 9
Weisenburg e M c B r i d e t a m b é m s a l i e n t a m a i d e n t i d a d e e c l a r e z a do
d i s t ú r b i o , q u e se t r a d u z n a dificuldade de e n c o n t r a r os n o m e s p a r a os ob-
j e t o s ; b a s e a d o s e m 5 casos pessoais, a f i r m a m c o e x i s t i r e m s e m p r e o u t r a s
p e r t u r b a ç õ e s , q u e i n c l u e m n o q u a d r o da afasia a m n é s t i c a ( p á g s . 299-300) :
fala e x t r e m a m e n t e h e s i t a n t e e i n a d e q u a d a ; e s c r i t a m a i s ou m e n o s p e r t u r -
b a d a ; r e p e t i ç ã o l i m i t a d a p o r q u e as p a l a v r a s d a d a s n ã o p o d e m s e r r e t i d a s
p o r u m t e m p o suficiente. S e g u n d o ê s t e s a u t o r e s são p o u c a s as a l t e r a ç õ e s
d a s funções i n t e l e c t u a i s s u p e r i o r e s , d a a t i t u d e g e r a l e do c o m p o r t a m e n t o .
D e v e m o s r e s s a l t a r q u e e m n e n h u m dos 5 casos e x p o s t o s p o r W e i s e n b u g e
M c B r i d e a afasia a m n é s t i c a se a p r e s e n t a v a isolada e, sim, j u n t a m e n t e c o m
o u t r o s s i n t o m a s afásicos.
1 5
Morei ( p á g . 107) a c o n s i d e r a c o m o f e n ô m e n o isolado, p r i m á r i o , de-
p e n d e n t e d e a l t e r a ç ã o d a á r e a 37 de B r o d m a n n , q u e é c h a m a d a " c e n t r o "
1 1
d a afasia a m n é s t i c a . L e o n h a r d e S a g a r r a - S o l e ( p á g . 376) p r o p õ e m que
se r e s e r v e o n o m e de a m n é s i a v e r b a l p a r a os d i s t ú r b i o s d e r i v a d o s do déficit
d a m e m ó r i a de f i x a ç ã o ou da e l a b o r a ç ã o i n t e l e c t u a l p a r a e v i t a r a s confu-
sões q u e vimos r e f e r i n d o .
1 2
Kleist r e l a c i o n a a afasia a m n é s t i c a com a s u r d e z nominal, n a q u a l
h á s u r d e z p a r a o s e n t i d o d a s p a l a v r a s : a s p a l a v r a s são a p r e e n d i d a s e r e p e -
t i d a s s e g u n d o soam, n ã o h a v e n d o c o m p r e e n s ã o do s e n t i d o do v o c á b u l o . A m -
bos os f e n ô m e n o s s ã o r e l a c i o n a d o s p o r K l e i s t a lesões d a á r e a 37 de B r o d -
m a n n . N a afasia a m n é s t i c a e s t ã o p r e s e n t e s s ò m e n t e os d i s t ú r b i o s e x p r e s -
sivos, f a l t a n d o os d i s t ú r b i o s d a c o m p r e e n s ã o d a s p a l a v r a s . K l e i s t explica
q u e a função de c o m p r e e n d e r n o m e s d e p e n d e de a m b o s os hemisférios ce-
r e b r a i s , e n q u a n t o q u e o processo m o t o r d a fala e s t á e m r e l a ç ã o c o m o h e -
misfério e s q u e r d o . D a í o f a t o de a l t e r a ç õ e s p a r c i a i s n ã o a f e t a r e m a com-
p r e e n s ã o do s e n t i d o dos vocábulos, influindo, no e n t a n t o , n a p r o c u r a volun-
t á r i a dos m e s m o s .
A nosso ver, n ã o e s t á a i n d a b e m estabelecido o q u a d r o d a afasia a m n é s -
tica e m v i r t u d e d a a u s ê n c i a de e s t u d o s d e t a l h a d o s e m casos p u r o s . As
conclusões a q u e c h e g a m os diversos a u t o r e s se b a s e i a m , q u a s e s e m p r e , e m
casos c o m lesões e x t e n s a s do c é r e b r o , s e n d o o e s t u d o d o d o e n t e feito de
m o d o u n i l a t e r a l , de a c ô r d o c o m idéias p r e c o n c e b i d a s . . N ã o h á , e m geral, a
p r e o c u p a ç ã o de isolar os s i n t o m a s q u e s e r i a m c o n c o m i t a n t e s e n ã o conse-
q ü e n t e s n e m d e t e r m i n a n t e s à afasia a m n é s t i c a . N ã o o b s t a n t e , a c r e d i t a m o s
p o d e r a f i r m a r q u e a opinião m a i s a c e i t á v e l s ô b r e o conceito de afasia a m -
n é s t i c a é a q u e r e s t r i n g e a s u a a c e p ç ã o ao d i s t ú r b i o n a f o r m u l a ç ã o de n o m e s .
A i n d a n ã o se pode s a b e r c o m s e g u r a n ç a se d ê s t e d i s t ú r b i o a d v ê m a l t e r a ç õ e s
globais do p s i q u i s m o p e l a q u e b r a d a h a r m o n i a m e n t a l , e m b o r a nos casos
c o m a l t e r a ç õ e s e x c l u s i v a s d a á r e a 37 de B r o d m a n n , q u a s e s e m p r e t e n h a
sido r e f e r i d a a a u s ê n c i a de t a i s a l t e r a ç õ e s .
Os d e m a i s s i n t o m a s a r r o l a d o s n o q u a d r o d a afasia a m n é s t i c a s e r i a m d e -
vidos a a l t e r a ç õ e s e m o u t r a s á r e a s e, p o r t a n t o , a p e n a s c o n c o m i t a n t e s a ê s t e
d i s t ú r b i o afásico.
Grande interêsse a p r e s e n t a m as afasias amnésticas parciais, chamadas
1 6
ó p t i c a e ó p t i c o - t á c t i l ( N i e l s e n , p á g . 71), n a s q u a i s o n o m e do o b j e t o é
e n c o n t r a d o desde q u e o d o e n t e o p e r c e b a a t r a v é s de e s t í m u l o s s e n s o r i a i s
n ã o ópticos, n o p r i m e i r o caso, e n ã o ópticos n e m t á c t e i s , n o s e g u n d o .
P a r a finalizar q u a n t o à c o n c e i t u a ç ã o d a afasia a m n é s t i c a , d e v e m o s l e m -
b r a r q u e ela n ã o deve s e r confundida c o m a afasia n o m i n a l de H e a d , q u e
é u m conceito t e ó r i c o incluindo e l e m e n t o s n ã o só da afasia a m n é s t i c a c o m o
t a m b é m d a afasia sensorial, h a v e n d o n ã o só dificuldade p a r a f o r m u l a ç ã o de
8, 1 9
n o m e s como t a m b é m p a r a a c o m p r e e n s ã o dos m e s m o s .

T a m b é m h á c e r t a c o n t r o v é r s i a e m r e l a ç ã o à localização no c é r e b r o
d a s zonas r e s p o n s á v e i s pela afasia a m n é s t i c a . A m a i o r i a dos a u t o r e s r e l a -
ciona os casos de a f a s i a a m n é s t i c a à s lesões do lobo t e m p o r a l e m s u a p a r t e
p o s t e r i o r , e s p e c i a l m e n t e n a á r e a 37 de B r o d m a n n . A a n á l i s e d a c a s u í s t i c a
n e m s e m p r e é possível, p o r deficiência d e dados clínicos e a n á t o m o - p a t o -
lógicos.
2
Bianchi ( p á g . 124) conclui q u e " a u m a só r e g i ã o se pode a t r i b u i r
êste d i s t ú r b i o a f á s i c o : a zona a c ú s t i c a da l i n g u a g e m " . E m o u t r o t r a b a l h o 3

( p á g . 111) diz êste a u t o r : " N a afasia a m n é s t i c a p r ò p r i a m e n t e d i t a e x i s t e

s e m p r e u m foco, u m t u m o r ou u m abscesso, n a s p r o x i m i d a d e s d a zona a c ú s t i -
ca d a l i n g u a g e m ou, nos indivíduos c u l t o s (que, s e g u n d o B i a n c h i f a l a m r e -
correndo principalmente às imagens visuais), u m a lesão nas proximidades
do lobo p a r i e t a l inferior".
7
Goldstein ( p á g . 290), a p ó s c o n s i d e r a r os d i s t ú r b i o s d a m e m ó r i a de
evocação e da elaboração intelectual encontrados na arteriosclerose, na pa-
ralisia g e r a l e n a m o l é s t i a d e Pick, a d m i t e : " S e a afasia a m n é s t i c a o c o r r e
n u m a a f e c ç ã o localizada, e s t a u s u a l m e n t e diz r e s p e i t o à r e g i ã o p a r i e t o - t e m -
p o r a l " . Logo a seguir, p o r é m , j u s t i f i c a n d o s u a t e o r i a s ô b r e a o r i g e m d a
afasia a m n é s t i c a e m u m déficit d a " a t i t u d e de a b s t r a ç ã o " a f i r m a q u e " u m a
lesão da á r e a d a p a l a v r a s ô m e n t e , n u n c a é s e g u i d a de afasia a m n é s t i c a " .
F a z - s e n e c e s s á r i o , p a r a ê s t e a u t o r , a e x i s t ê n c i a de lesões difusas do c é r e b r o ,
fornecendo a c a u s a essencial q u e s e r i a o déficit da " a t i t u d e de a b s t r a ç ã o " .
A c a s u í s t i c a de Goldstein compõe-se de 5 casos. O p r i m e i r o (caso 13, p á g .
253), a p r e s e n t a v a afasia a m n é s t i c a , p e r s e v e r a ç ã o e c e r t a t e n d ê n c i a à logor-
réia, t a l como n o caso q u e a p r e s e n t a r e m o s : n a a n a m n e s e h a v i a r e f e r ê n c i a
i m p r e c i s a de t r a u m a t i s m o ; n ã o h a v i a sinais ou s i n t o m a s a t r i b u í v e i s à a r t e -
riosclerose, o q u e é s a l i e n t a d o pelo a u t o r que, no e n t a n t o , e m s u a c o n c l u s ã o
d i a g n ó s t i c a diz q u e se t r a t a v a de caso de a r t e r i o s c l e r o s e g e n e r a l i z a d a , afir-
m a n d o t e r c h e g a d o a êste diagnóstico p o r n ã o h a v e r sinal p i r a m i d a l n e m
" o u t r o s s i n t o m a s " . Só dois dos casos de Goldstein f o r a m a u t o p s i a d o s e nos
d e m a i s casos n ã o são a p r e s e n t a d o s m e i o s i n d i r e t o s c o m o fito de se t e n t a r
hipóteses localizatórias.
1 9
Weisenburg e M c B r i d e ( p á g . 318) a p r e s e n t a m 5 casos de afasia a m -
néstica, sendo t r ê s produzidos p o r t u m o r e s e dois p o r abscessos. E m 4 dos
casos o processo se localizava no lobo t e m p o r a l . N o caso r e s t a n t e t r a t a -
v a - s e de abscesso do lobo p a r i e t a l e f r o n t a l ; a afasia a m n é s t i c a , j u n t a m e n t e
c o m r e b a i x a m e n t o m e n t a l , crises convulsivas e e l e m e n t o s de afasia m o t o r a
e t a l v e z s e n s o r i a l ( p á g . 562) só s u r g i u a p ó s o a t o c i r ú r g i c o ; os dados a p r e -
s e n t a d o s n ã o i n d i c a m q u e se t r a t a s s e de a f a s i a a m n é s t i c a g e n u í n a .
1 6 2
Nielsen (pág. 72) r e p r o d u z as idéias de B i a n c h i s ô b r e a localização
das á r e a s r e s p o n s á v e i s pela afasia a m n é s t i c a , a c r e s c e n t a n d o o conceito de
á r e a d a f o r m u l a ç ã o d a l i n g u a g e m — á r e a 37 d e B r o d m a n n — q u e s e r i a
d i r e t a m e n t e r e s p o n s á v e l . C o n t u d o N i e l s e n a f i r m a que, e m a l g u n s casos, pe-
q u e n a s lesões n a s e g u n d a e t e r c e i r a circunvoluções t e m p o r a i s , t a m b é m de-
t e r m i n a m afasia a m n é s t i c a ( p á g . 127), l e m b r a n d o , a d e m a i s , q u e n a s lobec-
t o m i a s t e m p o r a i s e m q u e a linha de incisão p a s s a a d i a n t e d a á r e a 37, o c o r r e
i n v a r i à v e l m e n t e afasia a m n é s t i c a devido à i n t e r r u p ç ã o d a s fibras q u e dela
p a r t e m . P a r a N i e l s e n t a m b é m a s lesões do i s t m o t e m p o r a l i n v à r i a v e l m e n t e
c a u s a m o d i s t ú r b i o e m q u e s t ã o , devido a o i s o l a m e n t o t o t a l do lobo t e m p o r a l .
2 0
Caso de especial i n t e r ê s s e foi p u b l i c a d o p o r W i l l i a m s ; t r a t a v a - s e de
p a c i e n t e q u e a p r e s e n t o u q u a d r o de afasia a m n é s t i c a p u r a e e m cuja a u t ó p -
sia foi e n c o n t r a d a u m a á r e a de a m o l e c i m e n t o p ó s - t r o m b o s e de 1 c m de
d i â m e t r o , localizada d i r e t a m e n t e n a á r e a 37.
2 1
Suter r e l a t o u 20 casos de afasia a m n é s t i c a , sendo 10 p r o v o c a d o s por
lesões v a s c u l a r e s , u m r e s u l t a n t e d e abscesso s u b d u r a l o r i g i n á r i o do ouvido,
u m de c i s t o n a e x t r e m i d a d e t e m p o r a l do v e n t r í c u l o e s q u e r d o e 8 devidos
a t u m o r e s ou s e c u n d á r i o s a a t o s c i r ú r g i c o s . L e m b r a ê s t e a u t o r que, com
freqüência, a afasia a m n é s t i c a é o p r i m e i r o sinal l o c a l i z a t ó r i o nos t u m o r e s ;
e m s u a c a s u í s t i c a , 5 0 % d a s vêzes t i n h a sido feito d i a g n ó s t i c o e r r ô n e o de
afasia m o t o r a e e m 3 0 % n ã o h a v i a sido s e q u e r p e r c e b i d a a e x i s t ê n c i a d e
d i s t ú r b i o s afásicos. S u t e r a t r i b u i t a l f a t o ao d e s c o n h e c i m e n t o d ê s t e tipo
d e afasia ou à n ã o c o n s i d e r a ç ã o do m e s m o como f o r m a i n d e p e n d e n t e d a s
a f a s i a s m o t o r a s . Q u a n t o à localização c e r e b r a l , conclui ê s t e a u t o r : " A afa-
sia a m n é s t i c a s u r g e q u a n d o u m a lesão c o r t i c a l ou s u b c o r t i c a l c a u s a d a n o
a u m a r e g i ã o do hemisfério d o m i n a n t e que e s t e j a s i t u a d a n o giro a n g u l a r
ou e m s u a s p r o x i m i d a d e s " .

OBSERVAÇÃO

A. F . P., c o m 44 a n o s de i d a d e , b r a n c o , p o r t u g u ê s , m o t o r i s t a , m a n i d e s t r o , in-
t e r n a d o e m 2-2-1953 (R.G. 55.808). H á 11 a n o s , t e v e c r i s e c o m p e r d a d e s e n t i d o s
q u a n d o g u i a v a seu a u t o m ó v e l . A p a r t i r de e n t ã o t e v e o u t r a s crises s e m p r e m a i s
ou menos idênticas: t o r n a v a - s e pálido, a n d a v a p a r a t r á s a t é e n c o n t r a r u m obstáculo,
c o m os m a x i l a r e s f o r t e m e n t e c o n t r a í d o s , u m dos b r a ç o s e s t e n d i d o p a r a a f r e n t e ,
contraído e com movimentos tônico-clônicos; estimulado, emitia p a l a v r a s sem nexo;
a p ó s a l g u n s s e g u n d o s v o l t a v a a si, s e m n o ç ã o do s u c e d i d o . N o início d a m o l é s t i a
n ã o c a í a a o solo, m a s a l g u n s m e s e s a p ó s c o m e ç o u a t e r v á r i o s a c i d e n t e s p o r q u e d a
b r u s c a e i n e s p e r a d a . Aos p o u c o s foi se t o r n a n d o i r r i t á v e l e d e s c o n f i a d o , p r o c u r a n d o
d e s c o b r i r c a u s a s m á g i c a s p a r a s u a d o e n ç a e m sessões e s p í r i t a s e o r i e n t a n d o s u a s
s u s p e i t a s p a r a a e s p ô s a . N o s ú l t i m o s seis a n o s s u r g i r a m c i ú m e s i n t e n s o s , a c o m p a -
n h a d o s d e a m e a ç a s de m o r t e e e s t a d o s de i n t e n s a i r r i t a ç ã o , e m q u e a c u s a v a a e s -
pôsa de estar a "fazer m a n d i n g a s " ; chegou a c o m p r a r u m punhal, investindo contra
a e s p ô s a q u e fugiu p a r a o d i s t r i t o p o l i c i a l , o q u e r e s u l t o u n a p r i s ã o do p a c i e n t e .
A i r r i t a b i l i d a d e do p a c i e n t e se m a n i f e s t a v a t a m b é m f o r a de c a s a , g e r a n d o f r e q ü e n t e s
conflitos.
Ao s e r i n t e r n a d o v e r i f i c o u - s e q u e o p a c i e n t e a p r e s e n t a v a d i s t ú r b i o s a f á s i c o s do
t i p o d e a f a s i a a m n é s t i c a . N o d i a s e g u i n t e a o de s u a e n t r a d a o p a c i e n t e a p r e s e n -
tou-se ligeiramente obnubilado, com reflexos profundos vivos e simétricos, ligeiro
desvio da face p a r a a esquerda. E x a m e de urina, reações sorológicas p a r a a lues
n o s a n g u e , h e m o g r a m a e e x a m e do l í q ü i d o c e f a l o r r a q u i d i a n o r e s u l t a r a m n e g a t i v o s .
O exame oftalmológico mostrou edema papilar, com abundantes hemorragias em am-
bos os o l h o s . N ã o foi p o s s í v e l f a z e r a e a m p i m e t r i a ( D r . S o u s a G r o t a ) . O p a c i e n t e
foi s u b m e t i d o a angiografia cerebral carotídea à esquerda que mostrou: "Forte des-
vio p a r a c i m a do g r u p o s i l v i a n o q u e faz u m p e r c u r s o p a r a l e l o a o g r u p o p e r i c a l o s o ;
n a i n c i d ê n c i a de f r e n t e n o t a - s e d e s v i o do g r u p o s i l v i a n o e m d i r e ç ã o à l i n h a m e -
d i a n a . Conclusão: t u m o r no lobo t e m p o r a l e s q u e r d o " (Dr. H é l i o M o n t e n e g r o d a C o s t a ) .
A p ó s a c a r ó t i d o - a n g i o g r a f i a , f e i t a e m 16-2-1953, o e s t a d o do p a c i e n t e a g r a v o u - s e
r a p i d a m e n t e c o m i n t e n s a c e f a l é i a e p r o g r e s s i v o e s t a d o de t o r p o r . Ao m e s m o t e m p o
o c o r r e r a m sinais neurológicos focais: hemiparesia flácida à esquerda, desproporcional,
s e n d o m a i s i n t e n s a n o m e m b r o inferior, s i n a l de B a b i n s k i b i l a t e r a l , p s e u d o i n c o n t i -
n ê n c i a d e e s f i n c t e r e s . N o m e s m o d i a (16-2-53) foi f e i t a c r a n i o t o m i a p a r a fins de
biopsia, s e n d o v e r i f i c a d o i n t e n s o e d e m a c e r e b r a l , h e r n i a n d o - s e o c é r e b r o a t r a v é s d a
i n c i s ã o d u r a i . No d i a s e g u i n t e r e g r e d i u o q u a d r o n e u r o l ó g i c o , v o l t a n d o o p a c i e n t e
à s c o n d i ç õ e s a n t e r i o r e s ; t a m b é m o e s t a d o de o b n u b i l a ç ã o foi c e d e n d o e, p o u c o s d i a s
a p ó s , o p a c i e n t e e n c o n t r a v a - s e o r i e n t a d o g l o b a l m e n t e , r e a d q u i r i n d o o e s t a d o de l u -
cidez n e c e s s á r i o p a r a e x a m e p s í q u i c o m a i s d e t a l h a d o . Ê s t e q u a d r o m a n t e v e - s e p r à -
t i c a m e n t e i n a l t e r a d o d e m a r ç o a s e t e m b r o de 1953, d a t a e m q u e foi s u b m e t i d o à
i n t e r v e n ç ã o c i r ú r g i c a ; neste período é que foi realizado o estudo pormenorizado dos
distúrbios de expressão do paciente, que serão relatados mais adiante.

P e l o a t o c i r ú r g i c o só foi possível a e x t i r p a c ã o p a r c i a l do t u m o r c u j a biopsia

m o s t r o u t r a t a r - s e de a s t r o c i t o m a misto (Dr. W a l t e r E d g a r d Maffei). Após a inter-
venção cirúrgica sobreveio afasia motora, conservando o paciente a capacidade de
compreensão das p a l a v r a s ouvidas. A l g u n s dias após, tôda a sua expressão v e r b a l
se l i m i t a v a à p a l a v r a isto, a c o m p a n h a d a de u m g e s t o e s t e r e o t i p a d o c o m o d e d o
indicador da mão direita em atitude discursiva. Regrediu parcialmente esta afasia
m o t o r a , s u r g i n d o c e r t a s e x p r e s s õ e s p o r n o g r á f i c a s e m e s t a d o de i n t e n s a e x a l t a ç ã o
e m o c i o n a l . N ã o se r e g i s t r a r a m q u e i x a s e m r e l a ç ã o a o s s e n t i d o s do g ô s t o e do
olfato.
O p a c i e n t e p e r m a n e c e u i n t e r n a d o d u r a n t e 11 m e s e s , e m d e c a d ê n c i a p r o g r e s s i v a ,
v i n d o a f a l e c e r e m 1-8-1954. O e x a m e a n á t o m o - p a t o l ó g i c o r e v e l o u t r a t a r - s e de u m
a s t r o c i t o m a p r o t o p l a s m á t i c o , e s t a n d o o lobo t e m p o r a l e s q u e r d o t o t a l m e n t e s u b s t i t u í -
do pelo t e c i d o n e o p l á s i c o q u e i n v a d i a t a m b é m o lobo p a r i e t a l e a t i n g i a , e m p r o f u n -
d i d a d e , os n ú c l e o s c i n z e n t o s d a b a s e ; p o r isso o c a s o n ã o se p r e s t a p a r a d e m o n s t r a r
a d e p e n d ê n c i a d a a f a s i a a m n é s t i c a a a l t e r a ç õ e s r e s t r i t a s d a á r e a 37 d e B r o d m a n n .
P o r o c a s i ã o dos e x a m e s v i s a n d o o e s t u d o d a a f a s i a s u b m e t e m o s o p a c i e n t e a o
t e s t e d e R o r s c h a c h , q u e p r o d u z i u 33 r e s p o s t a s n o t e m p o de 3 3 m i n u t o s , c o m e x t e n s a
f a i x a de d e t e r m i n a n t e s , a s a b e r : u m a r e s p o s t a d e m o v i m e n t o a n i m a l e u m a d e
m o v i m e n t o i n a n i m a d o , c o m o a d i c i o n a i s ; d u a s de p e r s p e c t i v a c o m o e l e m e n t o f o r m a
c o m o p r i m á r i o n a a s s o c i a ç ã o e d u a s c o m o a d i c i o n a i s ; d u a s de l u m i n o s i d a d e , c o m
f o r m a b e m d e l i m i t a d a e m a i s d u a s a d i c i o n a i s do m e s m o t i p o ; u m a a d i c i o n a l d e r e -
l e v o e u m a a d i c i o n a l de t r a n s p a r ê n c i a ; u m a d e f o r m a - c ô r e u m a a d i c i o n a l d e
côr-forma. Houve d u a s respostas com contaminação e estiveram presentes 5 sinais
de P i o t r o w s k i , i n d i c a t i v o s de lesões c e r e b r a i s , a s a b e r : a u s ê n c i a de M, f r a s e s
estereotipadas de pré-enchimento, perplexidade, perseveração e vulgares em 11%.
A d i f i c u l d a d e e m n o m e a r só se m a n i f e s t o u e m 3 0 % d a s r e s p o s t a s .
F a r e m o s , a s e g u i r , u m a s ú m u l a dos e x a m e s p s í q u i c o s e s p e c i a l m e n t e v i s a n d o os
d i s t ú r b i o s d e e x p r e s s ã o , r e a l i z a d o s n o p e r í o d o de 6 m e s e s e m q u e o p a c i e n t e se
mostrava lúcido:

Exame psíquico — O p a c i e n t e n o s p r o c u r a v a d i a r i a m e n t e , a fim de s o l i c i t a r

s u a a l t a hospitalar, e m a t i t u d e a m i g á v e l e respeitosa, e m b o r a v e e m e n t e ; logo pas-
s a v a a dirigir i n v e c t i v a s à espôsa, repetindo sempre a s m e s m a s acusações. E m
g e r a l a l e g r e , p o r v ê z e s se c o m o v i a f a c i l m e n t e i n d o a t é a o c h ô r o . T i n h a p e r f e i t a
n o ç ã o do t e m p o e do a m b i e n t e , p o r é m a n o ç ã o de m o l é s t i a e r a s ò m e n t e p a r c i a l ,
tendendo a a t r i b u i r a sua i n t e r n a ç ã o a perseguição por p a r t e da família. Reconhe-
cia, n o e n t a n t o , q u e t i n h a n a c a b e ç a a l g o q u e p r o v o c a r a a s crises, a c e f a l é i a e o
" e s q u e c i m e n t o " . E m a l g u n s p e r í o d o s de m e l h o r a s e n t i a - s e p e r f e i t a m e n t e n o r m a l ,
n u n c a c h e g a n d o a c o m p r e e n d e r in t o t u m s u a v e r d a d e i r a s i t u a ç ã o , o q u e o l e v a r i a
a reivindicar sua saída de modo mais adequado. Convencia-se facilmente com nossas
p r o m e s s a s d i á r i a s de p e r m i t i r s u a a l t a . V i v i a os p r o b l e m a s p r i n c i p a i s de s u a e x i s -
tência e m r e l a ç ã o ao desquite de sua espôsa, às suas propriedades, c h e g a n d o m e s m o
a f o r m u l a r certos planos p a r a o futuro. Pelo confronto com seu c o m p o r t a m e n t o
a n t e r i o r à m o l é s t i a , c o n f o r m e foi r e f e r i d o p e l a espôsa, t o r n a v a m - s e n í t i d a s c e r t a s
m o d i f i c a ç õ e s d e p e r s o n a l i d a d e : c r i s e s de i r r i t a b i l i d a d e , t e n d ê n c i a a h u m o r a l e g r e e
labilidade de humor, excitação verbal, tendência à perseveração, redução da inicia-
t i v a p r a g m á t i c a , déficit l i g e i r o d a c a p a c i d a d e d e e l a b o r a ç ã o i n t e l e c t u a l , i d é i a s p e r -
secutórias.

Exame da linguagem:

Linguagem espontânea — A u m a p e r g u n t a nossa o paciente põe-se a falar

q u a s e i n i n t e r r u p t a m e n t e , o b r i g a n d o - n o s m u i t a s v ê z e s a i n t e r r o m p ê - l o ; os t e m a s s ã o
s e m p r e os m e s m o s , r e l a t i v o s à s u a s i t u a ç ã o n o h o s p i t a l , i n v e c t i v a s c o n t r a a e s p ô s a ,
r e c o r d a ç õ e s d e i n t e n s o c o n t e ú d o a f e t i v o , s e m p r e c o m m u i t a v e e m ê n c i a . P o r vêzes
se d e t é m n a p r o c u r a d e u m a p a l a v r a , p a r e c e n d o q u e a s u b s t i t u i p o r o u t r a , m a s
s e m p r e de m o d o a d e q u a d o , s e m p a r a f a s i a s . A c o n s t r u ç ã o d a f r a s e é c o r r e t a e inclui,
em geral, orações coordenadas e subordinadas.

Compreensão da linguagem — O paciente compreende p r o n t a m e n t e ordens sim-

ples. O r d e n s t a i s c o m o a de c o l o c a r a m ã o d i r e i t a n a o r e l h a e s q u e r d a p r e c i s a m
s e r r e p e t i d a s v á r i a s v ê z e s , e x e c u t a n d o - a s a f i n a l c o r r e t a m e n t e . A p o n t a l o g o os o b -
jetos cujos nomes lhe damos, e t a m b é m as p a r t e s de seu corpo. E n t e n d e conceitos
abstratos (covardia, virtude), tendo dificuldade para elaborar exemplos. A p e r g u n t a
sôbre a diferença e n t r e u m quilo de algodão e u m quilo de chumbo, responde cor-
retamente. Não consegue esclarecer o brocardo: "Água mole em pedra dura tanto
bate até que fura".

Encontro da palavra adequada — E m g e r a l n ã o c o n s e g u e n o m e a r os o b j e t o s d e

u s o c o r r e n t e , p r o c u r a n d o e n t ã o defini-los p e l o u s o . T e m n o ç ã o d e s t a d i f i c u l d a d e ,
a t r i b u i n d o - a à f a l t a d e m e m ó r i a . N e s t a p e s q u i s a q u e s e r e p e t i u v á r i a s v ê z e s , sò-
m e n t e em duas respostas poderíamos considerar a substituição por p a l a v r a inade-
q u a d a ; p o s s i v e l m e n t e n ã o se t r a t o u d e p a r a f a s i a . M e s m o t o m a n d o o o b j e t o e n t r e
as m ã o s ou ouvindo sons produzidos pelo mesmo, n ã o e n c o n t r a o paciente o nome
c o r r e s p o n d e n t e ; e n t r e t a n t o , l o g o q u e se diz o n o m e do o b j e t o , p r o n t a m e n t e o r e c o -
n h e c e e r e p e t e . Se o a j u d a m o s d i z e n d o a s s í l a b a s i n i c i a i s , m u i t a s v ê z e s c o n s e g u e
encontrar o nome.

Repetição das palavras — Repete, com facilidade, p a l a v r a s usuais ou não.

Linguagem seriada — C o n t a c o m d e s e n v o l t u r a d e 1 a 10 e, c o m c e r t a dificul-

d a d e , n a o r d e m i n v e r s a . O m e s m o se v e r i f i c a e m r e l a ç ã o a o s d i a s d a s e m a n a e
aos meses.
 Escrita — C o n s e r v a d a , d e n t r o d a s l i m i t a ç õ e s de s e u g r a u de c u l t u r a , tanto a
espontânea como o ditado e a cópia.

Leitura — Conservada a capacidade de leitura.

Cálculo — R e a l i z a a s o p e r a ç õ e s de a d i ç ã o e s u b t r a ç ã o , n a o r d e m c o r r e t a , t r a n s -
p o r t a n d o os n ú m e r o s de o r d e m , m a s c o m e t e n d o a l g u n s ê r r o s d e t a b u a d a .

Praxia — O p a c i e n t e c o p i a f i g u r a s g e o m é t r i c a s e m v á r i a s posições ( c í r c u l o s ,
quadrados, retângulos, triângulos, paralelas). Executa movimentos complexos. Pre-
sentes a s noções de direita e esquerda no espaço e no próprio corpo. E m relação
a o r e c o n h e c i m e n t o de c ô r e s , a p r e s e n t a d i f i c u l d a d e s a c e n t u a d a s p a r a n o m e á - l a s , p o r é m
as distingue quando recebe ordens verbais.

A p r e s e n t a m o s a s e g u i r e x c e r t o s do d i á l o g o q u e m a n t i v e m o s c o m o p a c i e n t e , q u e
foi g r a v a d o e m disco, m o s t r a n d o o t i p o dos d i s t ú r b i o s a f á s i c o s a m n é s t i c o s :

Ρ — Que objeto é êste? (caneta-tinteiro)

R — I s s o aí é u m a c a n e t a - t i n t e i r o , é s i m senhor.
Ρ — Ε êste? (lapiseira)
R — Isso d a í é, é u m a p e n a , é u m a c a n e t a p a r a se escrever.
Ρ — Veja bem.
R — É u m a caneta, olha aqui doutor eu acho que é u m a caneta. Pelo
q u e vejo a c h o q u e é u m a c a n e t a , pelo j e i t o d e v e ser u m a c a n e t a .
Ρ — Ε i s t o ? ( r e l ó g i o de p u l s o )
R — I s s o daí é . . . é . . . isso daí é . . . isso daí é . . . é u m a coisa d e se
t o m a r . . . é u m a c o i s a de p ô r a q u i . . . de p ô r a q u i n o p u n h o . . .
n ã o é ? . . . e depois v e r q u e h o r a s s ã o .
Ρ — Q u a l é o n o m e dêsse objeto?
R — J u s t a m e n t e , d o u t o r , é isso q u e o s e n h o r e s c r e v e u a g o r a . Isso
d a i é . . . e u j á e s q u e c i o n o m e . . . isso d a í é p a r a t o m a r n o t a d a s
h o r a s que são.
Ρ — M a s o n o m e do o b j e t o c o m o é?
R — Êsse o b j e t o é um... é um... como é que se d i z ? . . . é um...
é um...
Ρ — O senhor tem êsse objeto? O senhor não usa êsse objeto? ou
nunca usou?
R — Eu nunca usei. Porque nunca pude comprar.
Ρ — No seu a u t o m ó v e l não tinha isso?
R — Não, senhor. No automóvel igual a êste... não tinha, tinha
quilometragem: 1, 2, 3, 4, 7, 8, 1 0 . . .
Ρ — M a s , e n t ã o o s e n h o r n ã o s a b e o n o m e dêsse o b j e t o q u e o s e n h o r
descreveu para marcar hora?
R — Isso d a i é . . . e u n u n c a u s e i isso.
Ρ — É um relógio?
R — I s s o é u m r e l ó g i o de m a r c a r hora.
Ρ — M a s o s e n h o r n ã o se l e m b r a v a do n o m e ?
R — Não, porque eu n u n c a usei.
Ρ — Vou m o s t r a r outro objeto. O queé isto? (moeda)
R — Isso daí é d i n h e i r o , d i n h e i r o d e p r a t a o u de n í q u e l .
Ρ — Que q u a n t i a de dinheiro representa isso?
R — Dois m i l r é i s .
Ρ — O que é isto? (chave)
 R — Isso daí é p a r a fechar a porta e a b r i r . . . eu j á tinha a minha
lá em c a s a . . .
Ρ — Mas como é o nome dêsse objeto?
R — Isso d a í é u m a . . . e u d i z i a . . . é u m a . . . a g o r a eu não me lembro,
doutor...
Ρ — É um objeto que serve para fechar e abrir portas?
R — É u m objeto que serve p a r a fechar e abrir, d o u t o r . . . e eu deixei
as minhas lá em casa.
Ρ — Q u a l é o n o m e dêsse o b j e t o ?
R — É u m a . . . isto l á n o m e u a u t o m ó v e l t a m b é m eu t i n h a . . . n e s t e
m o m e n t o o n o m e eu n ã o m e l e m b r o , m a s p e n s a n d o b e m e u v o u
a c e r t a r , p r e c i s a v a q u e e u p e n s a s s e b e m , eu a c e r t a v a .
Ρ — Não é uma chave?
R — É u m a chave, d o u t o r . . . e eu deixei a minha lá e m casa com
aquela mulher sem vergonha.
Ρ — E n t ã o c o m o é q u e se c h a m a êsse objeto?
R — Uma chave para abrir e fechar as portas.
Ρ — O s e n h o r q u e r a p a n h a r e s s a c a i x a de fósforos que está sôbre a
mesa?
R — P r o n t o , d o u t o r , a q u i e s t ã o os fósforos.
Ρ — Muito bem. Quer apanhar o mata-borrão?
R — Mata-borrão. . . mata-borrão é isto aqui.
Ρ — É isso mesmo. Q u e r a p a n h a r essa m o e d a q u e e s t á s ô b r e a mesa?
R — Moeda... moeda é essa d a í . . .

COMENTÁRIOS

N e n h u m a d a s t e o r i a s q u e p r o c u r a m e x p l i c a r o d i s t ú r b i o essencial d a
7
afasia a m n é s t i c a é p l e n a m e n t e s a t i s f a t ó r i a . A t e o r i a de G o l d s t e i n não
1 8 15
e s t á de a c ô r d o c o m os dados objetivos. S c h i l d e r e Morel consideram
a afasia a m n é s t i c a como d i s t ú r b i o a p r á x i c o d a p a l a v r a , c o m p a r a n d o - a à
a p r a x i a i d e o - m o t o r a . B i a n c h i explica a t é c e r t o p o n t o a e x i s t ê n c i a de afa-
sias a m n é s t i c a s ó p t i c a s e ó p t i c o - t á c t e i s , s u p o n d o lesões d e c a r á t e r inibidor
n a s p r o x i m i d a d e s d a s c o r r e s p o n d e n t e s á r e a s sensorials.
H á m u i t a e s p e c u l a ç ã o t e ó r i c a q u e nos p a r e c e n ã o t r a z e r q u a l q u e r p r o -
g r e s s o ao m e l h o r c o n h e c i m e n t o do a s s u n t o , pois f a l t a m d a d o s objetivos. Os
casos p u r o s e b e m e s t u d a d o s s ã o poucos e os d e a f a s i a s a m n é s t i c a s p a r c i a i s
( ó p t i c a s e ó p t i c o - t á c t e i s ) s ã o r a r o s . P a r e c e - n o s q u e as conclusões q u e se
p o d e m t i r a r dos fatos a t é a g o r a a p u r a d o s , sujeitos a revisões d i a n t e de
novos e l e m e n t o s , s ã o a s s e g u i n t e s :

a) Os casos p u r o s de afasia a m n é s t i c a s ã o todos, d i r e t a ou indireta-

m e n t e , r e l a c i o n a d o s c o m a á r e a 37 de B r o d m a n n do hemisfério esquerdo
nos manidestros;

b) A f u n ç ã o d e n o m e a r objetos ou conceitos p a r e c e ser b á s i c a do psi-

q u i s m o h u m a n o . P o d e s e r a f e t a d a s e c u n d à r i a m e n t e p o r d i s t ú r b i o s d a com-
p r e e n s ã o ou d a e x p r e s s ã o v e r b a l , como n a s a f a s i a s sensorials ou m o t o r a s ,
e p o r déficit d a m e m ó r i a ou de e l a b o r a ç ã o i n t e l e c t u a l , como nos quadros
m e n t a i s e m q u e essas funções são a f e t a d a s ;

c) O déficit d a f u n ç ã o de e n c o n t r o de n o m e s a f e t a a s funções de a b s -
t r a ç ã o , pois e s t a se faz n a b a s e dos símbolos q u e s ã o r e p r e s e n t a d o s pelas
palavras;

d) A e x i s t ê n c i a d e a f a s i a s a m n é s t i c a s parciais, isto é, q u e só se v e r i -
ficam q u a n d o o e s t í m u l o s e n s o r i a l d e p e n d e de u m ou de dois sentidos, d e -
m o n s t r a q u e a f u n ç ã o e m q u e s t ã o é, d e c e r t a m a n e i r a e de m o d o i n d e p e n -
dente, l i g a d a a c a d a e s f e r a s e n s o r i a l ;

e) A d i f e r e n ç a essencial e n t r e a l i n g u a g e m e s p o n t â n e a e a q u e se faz
a p a r t i r d e e s t í m u l o s sensorials e x t e r n o s é que, no p r i m e i r o caso, a o r i g e m
do e s t í m u l o é a r e p r e s e n t a ç ã o m e n t a l e, n o segundo, são a s i m a g e n s sen-
sorials, o r i u n d a s do m u n d o e x t e r n o ;

/ ) O t e s t e de R o r s c h a c h — a p e s a r do nosso p a c i e n t e a p r e s e n t a r o u t r a s
p e r t u r b a ç õ e s d o p s i q u i s m o e p o r t a n t o n ã o se p r e s t a r i d e a l m e n t e p a r a e s t a
pesquisa — d e m o n s t r o u q u e o déficit de n o m e a r a f e t a e m g r a u r e d u z i d o a
e l a b o r a ç ã o i n t e l e c t u a l ; p r o v à v e l m e n t e , p o r q u e os e s t í m u l o s recebidos das
m a n c h a s s ã o e l e m e n t a r e s e só u l t e r i o r m e n t e são c o o r d e n a d o s m e d i a n t e ela-
boração intelectual, chegando assim o paciente a encontrar mais fàcilmente
o n o m e c o r r e s p o n d e n t e ao conceito q u e e l a b o r o u .

RESUMO

Após b r e v e r e c a p i t u l a ç ã o dos conceitos s ô b r e a afasia a m n é s t i c a , os

autores salientam a necessidade de t o m a r como ponto de partida, p a r a o
e s t u d o dêsse d i s t ú r b i o , os casos e m q u e êle se a p r e s e n t e e m f o r m a p u r a ,
isto é, s e m o u t r o s d i s t ú r b i o s da e x p r e s s ã o ; nesse sentido p r o c u r a m diferen-
ç a r a afasia a m n é s t i c a de o u t r a s p e r t u r b a ç õ e s afásicas, a p a r e n t e m e n t e a n á -
logas m a s e s s e n c i a l m e n t e d i v e r s a s .
A p r e s e n t a m u m caso de afasia a m n é s t i c a p u r a e m p a c i e n t e p o r t a d o r
de a s t r o c i t o m a q u e i n v a d i a a p a r t e p o s t e r i o r do lobo t e m p o r a l e s q u e r d o ,
inclusive a á r e a 37 de B r o d m a n n , á r e a cuja lesão é c o n s i d e r a d a c o m o r e s -
p o n s á v e l p o r êsse t i p o de d i s t ú r b i o afásico; a l é m do e s t u d o d a e x p r e s s ã o
o r a l e e s c r i t a , a s s i m como d a p r a x i a e d a gnosia, foi feito o psicodiagnóstico
de R o r s c h a c h .

SUMMARY

Amnestic aphasia: case report

A f t e r brief h i s t o r i c a l r e v i e w a b o u t t h e c o n c e p t s on a m n e s t i c a p h a s i a
t h e a u t h o r s e m p h a s i z e t h e need t o c o n s i d e r a s a s t a r t i n g point t h e cases
in w h i c h t h i s d i s t u r b a n c e p r e s e n t s itself in a p u r e f o r m ; in t h i s sense t h e y
try to differentiate the amnestic aphasia from other aphasic disturbances,
seemingly analogous but essentially different.

A c a s e of p u r e a m n e s t i c a p h a s i a i s r e p o r t e d i n a p a t i e n t w i t h a n astro-
citoma at the posterior part of left temporal lobe, including Brodmann's
area 37 which lesion is responsible for this type of aphasic disturbance;
besides the study of the patient's verbal and writing expressions, of gnosia
and praxia, the authors applied the Rorschach test.

REFERÊNCIAS

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Hospital de Juqueri — Franco da Rocha — São Paulo, Brasil.