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ARQUIVO S 4 Jornal do Senado — Brasília, segunda-feira, 31 de agosto de 2015 5 ARQUIVO S

Lei dos Sexagenários completa 130 anos

Revert Henry Klumb


Projeto levou polêmica ao Parlamento
Se, por um lado, levar o debate sobre a aboli- A principal modificação introduzida pelo
ção para o âmbito legislativo ajudou a acalmar Projeto Saraiva foi justamente a indenização do
Aprovada em setembro de 1885,

Antônio Luiz Ferreira


as ruas, por outro, no próprio Parlamento os proprietário, que deveria ser feita pelo próprio
a lei concedeu liberdade aos ânimos se viram acirrados com a apresen- liberto de 60 anos ou mais, obrigado a prestar
escravos com 60 anos ou mais. tação do projeto que redundou na Lei dos serviços aos seus ex-senhores por três anos
Sexagenários. A proposta foi responsável pela ou até completar 65 anos. Em 25 de setembro,
Polêmica, a medida manteve renúncia do presidente da Câmara, pela Alber a proposta foi aprovada pelo Senado e
vivo o debate sobre o fim da dissolução e formação de uma nova
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en promulgada pelo imperador três dias

escravidão e ajudou a fortalecer

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Assembleia Geral e pela escolha de depois. Ficou conhecida também

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a ideia da abolição, que viria a um novo presidente do Conselho como Lei Saraiva-Cotegipe.
de Ministros (cargo equivalente — O Projeto Saraiva foi mais
ocorrer três anos depois ao de primeiro-ministro) pelo bem aceito porque respondia me-
imperador dom Pedro II. lhor aos interesses dos proprietá-
Joseana Paganine O projeto número 48 foi apre- rios dos escravos. Ele colocava na Desigualdade retratada em fotografia de 1860 persiste ainda hoje no Brasil
sentado à Câmara dos Deputados lei o princípio da indenização, que
No próximo dia 28 de se-
tembro, a lei que libertou os
em 15 de julho de 1884 pelo deputa-
do Rodolfo Dantas, do Partido Liberal.
servia de argumento para a defesa de
indenização em caso de intervenção
Debates expuseram os
escravos com 60 anos ou mais
completará 130 anos. Apelidada
A proposta dispunha sobre a emancipação
dos escravos por idade igual ou superior a 60
futura do Estado. Além disso, os preços dos
escravos dispostos na tabela do projeto Saraiva
preconceitos da época
de Lei dos Sexagenários (1885), anos, por omissão de matrícula (registro legal eram maiores do que no Dantas — explicou a Os argumentos levantados a trabalhos forçados. Segundo
ela é menos conhecida do que a a ser feito pelo proprietário), por fundo de professora da Universidade Federal do Paraná contra a aprovação da Lei dos a professora, não houve, nem
Lei do Ventre Livre (1871), que emancipação e por transgressão de domicílio Joseli Mendonça. Sexagenários eram os mesmos depois da abolição, uma lei que
concedeu liberdade aos filhos (quando o escravo era levado de uma Al b e
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O historiador Marcos Magalhães des- dos que temiam o fim da es- assegurasse condições mínimas
de escravos nascidos a partir de província a outra sem autorização). He tacou a importância da participação cravatura. Sem a mão de obra de cidadania, como acesso à
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sua promulgação, e do que a Lei Também estabelecia uma tabela dos conservadores na aprovação escrava, diziam os escravagistas, escola, moradia e saúde.

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Áurea (1888), que finalmente de preços dos escravos, o que das leis que resultaram na aboli- a economia do país, fortemente — A preocupação que havia
acabou com a escravidão no punha fim a controvérsias sobre ção da escravatura. Segundo ele, agrária, seria conduzida à ruína. era como controlar e disciplinar
Brasil. o valor que um escravo preci- os projetos abolicionistas foram Acostumado com o mínimo essa população. Depois da Lei
Não é, no entanto, menos im- sava dispor para comprar sua liberais, mas aprovados em sua necessário para sobreviver, o Áurea, o Parlamento aprovou
portante. A medida resultou de liberdade. O principal ponto de maior parte por gabinetes con- escravo não se esforçaria para uma lei de repressão à ociosi-
uma intensa luta política travada discórdia, porém, não estava no servadores. trabalhar como um homem li- dade, cujo objetivo central era
entre os parlamentares e foi teor do Projeto Dantas, mas naquilo — Saraiva e Cotegipe eram sena- vre, diziam. Somente o imigran- controlar a população egressa
uma resposta das instituições e que ele não previu: a indenização aos dores do núcleo mais destacado do te poderia substituir o trabalho da escravidão — afirma Joseli.
das elites brasileiras ao clamor proprietários dos escravos alforriados. Império. Cotegipe era o líder mais des- forçado nas lavouras. Assim, A professora conta que as
pela abolição da escravatura Plenário do Senado, no dia da edição da Lei Áurea: os debates parlamentares sobre a abolição da escravatura eram acompanhados com grande interesse pela população Parte expressiva dos parlamentares se mani- tacado da reação conservadora, dos interesses sem trabalhar, o negro livre iniciativas de apoio ao liber-
que tomava as ruas e ameaçava festou contra a medida. A indignação foi grande escravagistas no Senado. É ele quem apresenta ficaria nas ruas, “perturbando to partiram de movimentos
comprometer a ordem social, da luta política que se travava assembleia foi dissolvida por vezes intenso, com os próprios inclusive entre os deputados do Partido Liberal, o projeto de lei depois da abolição, visando à a ordem pública”. operários, integrados por ex-

Adriano Kakazu/Agência Senado


política e econômica. à época entre abolicionistas e Dom Pedro I e José Bonifácio, escravos promovendo revoltas o mesmo de Dantas . E, sobretudo, entre os do indenização dos proprietários de escravos. Já A professora de história da -abolicionistas e ex-escravos,
Coube à Lei dos Sexagenários escravagistas na sociedade e nas exilado. e se organizando para sabotar a Partido Conservador, tradicionalmente contra Saraiva era um conversador muito afinado Universidade Federal do Paraná que se mobilizavam em torno
manter a discussão sobre o fim instituições do Império. A ele, seguiram-se muitos atividade econômica, e a mediar a abolição e defensor dos interesses das elites com os escravistas, mas também muito aberto. Joseli Mendonça, autora do livro de sociedades de ajuda mútua.
da escravidão acesa e conceder O historiador e consultor outros projetos, mas poucos uma solução para os conflitos cafeicultoras. No mesmo dia, o presidente da Entre a Mão e os Anéis — A Lei — Uma delas é a Sociedade
tempo para uma solução nego- legislativo Marcos Magalhães foram aprovados, como a Lei de interesses existentes entre Câmara, Moreira Barros, demitiu-se da Presi- Preço dos escravos dos Sexagenários e os caminhos Beneficente Treze de Maio, que
ciada que pusesse fim ao siste- explica que a Assembleia Geral Eusébio de Queirós, de 1850, abolicionistas e escravagistas. dência da Casa por não concordar com o projeto. da abolição no Brasil, defende existiu por todo o Brasil. Algu-
(em contos de réis*)
ma escravagista de forma não exerceu papel fundamental que proibiu o tráfico negreiro Apesar de o processo de abo- A crise cresceu e, em setembro, a Câmara foi que o argumento da incapa- mas existem até hoje. Foram
violenta, como aconteceu nos
Estados Unidos com a Guerra
na abolição da escravatura no
Brasil. O processo de libertação
intercontinental para o Brasil.
Todo esse processo está docu-
lição ter sido, de certa forma,
controlado pelo Parlamento,
dissolvida pelo imperador por incompatibili-
dade com o gabinete de ministros.
Até 30 anos 900 cidade do escravo interessa a
grupos específicos.
muito importantes para auxiliar
os associados em dificuldades,
de Secessão (1861-1865).
A lei foi aprovada após intenso
dos escravos foi conduzido de
forma lenta e gradual, por meio
mentado no Arquivo do Senado
e foi reunido na publicação A
Magalhães ressalta que ele não
se deu da forma como as classes
A solução começou a se delinear quando
assumiu como presidente do Conselho de
30 a 40 anos 800 — Não há fundamento algum
nesse argumento. Os escravos
como os doentes.
Para a professora, apesar dos
Para Magalhães, o Parlamento teve o
debate na Assembleia Geral,
como era chamado o Congresso
de projetos de lei, mantendo as
decisões dentro dos limites do
Abolição no Parlamento — 65
anos de lutas.
dominantes pensaram. Se, por
um lado, a Lei dos Sexagenários
papel de pôr fim pacífico à escravidão Ministros, em agosto de 1885, o senador con-
servador João Maurício Wanderley, o Barão de
40 a 50 anos 600 eram extremamente capacita-
dos para atuar no mundo livre
preconceitos, a Lei dos Sexa-
genários foi um avanço, pois
Nacional à época. É verdade
que, do ponto de vista econô-
Poder Legislativo.
A primeira iniciativa data de
— Na época em que foi pro-
posta a Lei dos Sexagenários, a
facultou às elites cafeicultoras
postergar uma decisão final
reforçou o papel do Legislativo
e permitiu que a voz das ruas
Cotegipe (primeira foto). Ele passou a nego-
ciar na Assembleia Geral uma nova proposta
50 a 55 anos 400 e há muito tempo negociavam
melhores condições de traba-
contribuiu para aumentar os
direitos dos escravos. Permitiu,
mico e humanitário, a medida
teve pouca repercussão. Subme-
1823, quando José Bonifácio
redigiu um projeto que pre-
transição da escravidão para o
regime de trabalho livre era a
sobre a escravidão, por outro,
ela possibilitou que a frustração
se sentisse representada no
Parlamento. As aprovações das
apresentada pelo senador conservador José
Antônio Saraiva (segunda foto), em substituição
55 a 65 anos 200 lho com os senhores. A ideia
da incapacidade das classes
por exemplo, que firmassem
contrato de trabalho com pes-
tidos a trabalhos extenuantes tendia apresentar à primeira questão central do país. O Par- popular fosse canalizada para leis abolicionistas no século ao Projeto Dantas. trabalhadoras e, sobretudo, soas que pagassem aos seus
*Segundo a lei, as mulheres valiam 25% menos
e péssimas condições de vida, Assembleia Constituinte brasi- lamento foi o lugar de decisão uma abolição definitiva, feita de 19 eram famosas, cercadas de dos afrodescendentes é muito senhores pela sua alforria.

Reprodução/Debret
poucos escravos conseguiam leira, solicitando o fim do tráfico sobre o que fazer com a escravi- uma vez só três anos depois, sem muita emoção, mostravam o presente não só no imaginário, — A lei resulta de um processo
cruzar a marca dos 60. Mas a negreiro e a progressiva eman- dão. Por isso, os debates parla- indenização aos proprietários Parlamento em sintonia com mas nas instituições brasileiras de disputa entre interesses díspa-
aprovação da lei foi de extrema cipação dos escravos. Antes que mentares ajudavam a moderar de escravos. o país e exercendo um papel em geral. No século 20, o ra- res e contempla em seu próprio
importância do ponto de vista pudesse fazê-lo, no entanto, a o sentimento das ruas, muitas — A Lei dos Sexagenários central naquele momento. cismo direcionado aos negros texto essa diversidade. Isso nos
contribuiu para perpetuar as permite olhar para a sociedade
Linha do tempo desigualdades. Ao escravo inca- atual e ver que esse processo
paz, seguiu-se a ideia de negro de disputa é uma constante no
1831 1835 1850 1854 1864 1871 1885 1888 incapaz. Esse é um pensamento
que, aos poucos, com a intensa
Legislativo.

Lei do Governo Feijó Lei 4 Lei 581 Lei 731 Lei 1.237 Lei 2.040 Lei 3.270 Lei 3.353

www.humanas.ufpr.br
participação dos afrodescen-
Declara livres todos os escravos Estipula penas para escravos Proíbe o Define punição para quem Considera escravos como Lei do Ventre Livre Lei dos Sexagenários Lei Áurea
vindos de fora do Império que cometeram crimes tráfico negreiro fazia tráfico de escravos objeto de hipoteca e penhor dentes e com políticas públicas,
a gente está superando.
Reprodução/Debret

Reprodução/Rugendas

Reprodução/Debret

Antônio Luiz Ferreira

O preconceito também se
manifestava na forma como a
liberdade do escravo era tratada
na lei. Uma vez livre, deveria
ser vigiado. Era obrigado a
trabalhar, deveria permanecer
por cinco anos em sua pro- Para a historiadora, a lei contempla a
víncia de domicílio e quem se diversidade dos interesses sociais
ausentasse de seu domicílio
Mercado da Rua do Valongo (Rio), aquarela de Debret: no local, traficantes vendiam escravos recém-trazidos da África era considerado vagabundo,  Veja vídeo da Agência Senado:
A prisão em troncos era uma das punições Africanos em porão de navio negreiro, Cena de família brasileira no século 19 Multidão em frente ao Paço Imperial (Rio) poderia ser preso e condenado http://bit.ly/sexagenarios
aplicadas a escravos que tentavam fugir transportados da África para o Brasil acompanhada dos escravos e de seus filhos após abolição da escravatura
A seção Arquivo S é publicada excepcionalmente hoje. Resultado de parceria entre o Jornal do Senado e o Arquivo do Senado, pode ser lida sempre na primeira segunda-feira do mês.

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