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FÉ HOJE

N0 37 - Jul/2012 - R$10

PA R A

Comprometida com a Fé que foi entregue aos santos

Jonathan
Edwards
Avivamento, Missões, Devoção, Filosofia, Teologia
Uma voz que ainda fala para nossas vidas!
Prezado leitor,

Agradecemos por seu apoio e orações em favor do ministério da Editora Fiel.


Para nós, é um enorme privilegio ser colaboradores com Cristo, servindo a
Sua igreja.

Nosso desejo é ver o crescimento espiritual e o conhecimento da Palavra de


Deus nas vidas de nossos leitores. Cremos que esta simples revista pode se
tornar um instrumento nas mãos de Deus para ministrar em sua vida e mi-
nistério, abordando assuntos e suprindo necessidades de direção da Palavra,
as quais talvez somente Deus conheça.

Quando meu pai, o missionário Pr. Ricardo Denham, chegou ao Brasil em


1952, foi uma revista como esta, dada a ele de presente, que Deus usou para
moldar sua visão de vida e ministério, apresentando a ele as maravilhosas
doutrinas da graça de Deus,

Esperamos que nossa revista seja, igualmente, um meio de bênção, instrução


e edificação em sua vida e seu ministério.

J. Richard Denham III


Presidente, Editora Fiel

Faç a a as s inat ura an ual da r e v ista


Fé para Ho j e p or ap enas R $ 1 5,00*
Ligue 12 3919.9999 ou acesse www.editorafiel.com.br/feparahoje
* Assinatura anual inclui duas revistas por ano. Se você deseja receber a revista fora do Brasil,
entre em contato conosco pelo e-mail: feparahoje@editorafiel.com.br
Sumário
expediente Editorial
Tiago J. Santos Filho ........................ 3
EDITOR-CHEFE

Tiago J. Santos Filho


1. Pastorado, Erudição e Avivamento
em Jonathan Edwards
TRADUÇÃO
Franklin Ferreira ............................. 5
Francisco Wellington
2. Avivamento: As perspectivas de
Ferreira
Jonathan Edwards e Charles Finney
Gilson Santos ................................. 13
REVISÃO

Marilene Paschoal 3. Como Jonathan Edwards chegou a


amar a Soberania de Deus
DIAGRAMAÇÃO
Joel Beeke ....................................... 25
Rubner Durais 4. A Devoção de Jonathan Edwards
Wilson Porte .................................. 31
PRESIDENTE

James Richard
5. O Desconhecido Jonathan Edwards
Solano Portela ............................... 37
Denham III
6. Pensamentos de Jonathan Edwards
PRESIDENTE EMÉRITO sobre Deus
James Richard Don Kistler .................................... 43
Denham Jr.
7. O ambiente teológico arminiano nos
REALIZAÇÃO
dias de Edwards
Heber Carlos Campos ...................... 51
Editora Fiel
Julho de 2012 | no 37 Epílogo: À Jonathan Edwards ............ 61
Resvi nunc fazer qualquer coisa da qual
u tivee med, caso steja vivend a ltima
hora da inha vida”.
Jonathan Edwards

Resoluções e diário pessoal de Jonathan Edwards


© Yale University Beinecke Rare Book and Manuscript Library
O velho caminho da cruz
Tiago J. Santos Filho

F
alar sobre a importância de se Quando olhamos a história passada,
estudar biografias é quase o todavia, a aparente vantagem da per-
mesmo que falar sobre o valor spectiva pode, facilmente, fazer com
da história.  Segundo o historiador que nos encantemos com os seus as-
cristão Justo González, a história é pectos mais triunfantes, mais glam-
uma forma de nos compreendermos orosos sem, contudo, percebermos
a nós mesmos; uma necessidade de que o legado que recebemos de nos-
se entender o tempo presente através sos pais na fé foi conquistado, muitas
do tempo passado para que, assim, vezes, à custa de intenso sofrimento,
determinemos nosso caminho futuro. lutas, e até da própria vida. A cada
A história do povo de Deus é uma es- página da história do povo de Deus,
pécie de biografia dinâmica, que ai- vemos o estandarte da fé marcado
nda está sendo escrita e caminhando com os sonhos, ideais, realizações,
para sua conclusão. Quando olhamos conquistas e com o sangue daqueles
os capítulos anteriores desta história que palmilharam o velho, estreito e
longa, bela e cheia de perigos, encon- batido caminho da cruz.
tramos personagens fascinantes, ho- Aqui folheamos o livro da história
mens e mulheres usados grandemente que ainda está sendo escrito e paramos
por Deus na edificação de sua igreja. nos Estados Unidos colonial do século
E quando estudamos a vida desses XVIII, no capítulo que conta a história
cristãos notáveis, aprendemos com de um dos mais eminentes cristãos que
seus erros e acertos, derrotas e triun- já entrou para a galeria dos heróis da
fos e, sobretudo, com sua fé, esperança fé: Jonathan Edwards.
e amor – marcas que, desde o apóstolo   Edwards foi um farol cujo brilho
Paulo, caracterizaram a trajetória guia, até os dias de hoje, a igreja de Je-
deste povo cujo Senhor chamou de sus Cristo. Deus o utilizou como um
noiva, de igreja. E a história do povo instrumento para feitos extraordinári-
de Deus é iluminada pela Escritura e os. Ele foi um homem de aguda in-
escrita pelo Autor que, por sua mis- teligência, disciplina rigorosa, humil-
teriosa providência a determina e a dade intencional, fé resoluta, piedade
encaminha para um glorioso final. deliberada e profunda, mas, se há algo
que possa sumariar a intensa vida deste da  inauguração do  Jonathan Edwards
gigante, é o seu profundo anelo pela Center, que foi estabelecido em São
glória de Deus. Sendo um pecador re- Paulo, em parceria com o Centro de
dimido pela graça de Deus, Edwards Pós Graduação Andrew Jumper, da
foi alguém que se viu muito consciente Universidade Presbiteriana Macken-
de seus limites, suas lutas e pecados – zie e a Universidade de Yale, e que é
ele as relatou de forma direta e indi- coordenado pelo Dr. Heber Carlos de
reta em suas famosas Resoluções, que Campos. Queremos oferecer ao leitor
começou a escrever quando contava um pequeno vislumbre da história,
apenas 18 anos de idade. Em um jornal vida, escritos e ministério do notável
local, à época da morte de Edwards, foi Jonathan Edwards. Os artigos aqui
registrado o epitáfio que o descreveu são demonstrativos e representam
como “um grande mestre da divindade. alguns aspectos importantes da tra-
A divindade era seu estudo favorito e jetória de Edwards. Queremos incen-
o ministério, seu maior deleite”. Como tivar o leitor a aprofundar sua pesqui-
bem apontou James Boice, “Edwards sa sobre este personagem e sua vasta
defendeu cuidadosa e logicamente de produção teológica e a construir, a
que o propósito supremo de Deus é partir do legado deixado por Edwards,
glorificar a si mesmo em tudo o que um entendimento sólido, maduro e
faz”. O próprio Edwards faz esta afir- atual da teologia, que aponte para o
mação em uma de suas obras, quando povo de Deus de nossos dias o mesmo
diz que o fim para o qual Deus fez to- bom, velho e batido caminho da cruz
das as coisas é a sua própria glória. Ele de Cristo.
afirma que “tudo que é dito nas Es-
crituras como o propósito final de to-
das as obras de Deus pode ser resumi-
do na seguinte frase: a glória de Deus”. 
Esta é, afinal, a pedra de toque de tudo
Tiago José dos Santos Filho: Bacharel em
quanto Edwards empreendeu em sua Direito, é o Editor-Chefe da Editora Fiel,
vida: fazer tudo para a glória de Deus. autor, professor e Deão do Seminário Martin
Bucer em São José dos Campos, SP. É fellow
Preparamos esta edição especial
do Jonathan Edwards Center no Brasil.
da Revista  Fé para Hoje  na esteira

4 | Revista f é pa r a h o j e
Pastorado,

Jonathan Edwards
Erudição e Avivamento em

Franklin Ferreira
|
Revista fé par a h oje 5
N
o começo do século dezoito, le tempo, comecei a ter um novo tipo
era visível nas treze colônias de compreensão e ideias a respeito de
– que em breve seriam conhe- Cristo, e da obra da redenção e do glo-
cidas como Estados Unidos – o declínio rioso caminho da salvação através dele.
da fé evangélica, provocado pela influ- Eu tinha um doce senso interior destas
ência do processo colonizador, com seu coisas, que às vezes vinham ao meu co-
subseqüente aumento populacional, su- ração; e a minha alma era conduzida em
cessão de guerras brutais e declínio da agradáveis vistas e contemplações delas.
espiritualidade dos ministros. Em 1726, E a minha mente estava grandemente
um avivamento começou a irromper engajada em gastar meu tempo em ler e
nas congregações reformadas holande- meditar sobre Cristo; e a beleza e a ex-
sas em New Jersey, com as pregações de celência de Sua pessoa, e o amável cami-
Theodore Frelinghuysen. Pouco depois, nho da salvação, pela livre graça nEle...
este avivamento alcançou os presbite- Este senso que eu tinha das coisas divi-
rianos escoceses, por meio das prega- nas frequentemente e repentinamente
ções de William Tennant, Gilbert Ten- se inflamava, como uma doce chama em
nant e Samuel Davies. meu coração; um ardor da alma, que eu
não sei expressar”.
A vinda do avivamento Após servir numa pequena igreja
presbiteriana em New York, voltou a
Jonathan Edwards nasceu em 1703, Yale como tutor. E, em 1727, foi orde-
único filho homem de Timothy Edwar- nado ao pastorado, servindo como au-
ds, que era pastor congregacional em xiliar na congregação pastoreada por seu
East Windsor, Connecticut. Pouco an- avô, Solomon Stoddart, no ministério
tes de completar 13 anos entrou no Yale de uma igreja congregacional em Nor-
College, em New Haven, Connecticut. thampton, Massachusetts. Ele diz de sua
Em 1720, recebeu o grau de bacharel, e consagração: “Dediquei-me solenemen-
aos 20 anos recebeu o grau de mestre em te a Deus e o fiz por escrito, entregando
Artes. Em abril ou maio de 1721 expe- a mim mesmo e tudo que me pertencia
rimentou a conversão: “A partir daque- ao Senhor, para não ser mais meu em

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qualquer sentido, para não me compor- cheia de amor, cheia de alegria, e cheia de
tar como quem tivesse direitos de forma temor. Havia sinais notáveis da presença
alguma... travando, assim, uma batalha de Deus em quase cada casa”. Edwar-
com o mundo, a carne e Satanás até o fim ds reconheceu que “mais de 300 almas
da vida”. Ele se casou aos 24 anos, em foram salvas, trazidas para Cristo” em
1728, com Sarah Pierrepont, filha de um Northampton. Nesta época sua cidade
pastor. Ela era uma mulher de rara inte- tinha cerca de dois mil habitantes. “Não
lectualidade, porém, como seu marido, havia sequer uma pessoa na cidade, velha
totalmente devota à gloria de Deus, e a ou jovem que não estivesse interessada
uma experiência de oração que a levava nas grandiosas coisas do mundo eterno
algumas vezes a quase falência física. (...). O trabalho de conversão era levado
Sempre acompanhava seu marido nos adiante da maneira mais surpreendente;
momentos de oração. Em seu momento as almas vinham, multidões delas, a Jesus
devocional diário, ele ia de cavalo para Cristo”. Nessa época ele escreveu uma
um bosque, e caminhava sozinho, me- obra intitulada Uma fiel narrativa da
ditando. Ele anotava suas ideias em pe- surpreendente obra de Deus, onde detalha
daços de papel e, para não perdê-los, os como a conversão cristã ocorre.
pendurava em seu casaco. Ao voltar para
casa, era recebido por sua esposa, Sarah, Refletindo sobre o
que o ajudava a tirar suas notas. Eles ti- avivamento
veram onze filhos, todos cristãos, e sua
vida familiar feliz foi um modelo para to- Ao considerarmos seus escritos, te-
dos os que o visitaram. Após a morte do mos um vislumbre de seus interesses e
avô, cujo pastorado durou sessenta anos, aptidões. Ele escreveu cerca de mil ser-
ele assumiu a igreja, em 1729. mões, e seu alvo era levar os homens a
No período de 1734-1737, durante entenderem, sentirem e responderem
uma série de pregações sobre a justifica- à verdade do evangelho. Seus sermões
ção pela graça por meio da fé, começou eram esboçados segundo o método pu-
um avivamento em sua congregação, que ritano, que incluía a exposição do texto
rapidamente se espalhou por Connecti- bíblico escolhido, apresentação da dou-
cut e New Jersey. Seus ouvintes sentiram trina (que era apoiada por outros textos
as grandes verdades das Escrituras de bíblicos) e aplicação às questões do dia-
que toda boca ficará fechada no dia do -a-dia. Ele colocava sua erudição a servi-
juízo e que “não há coisa alguma que, por ço de uma clareza deliberadamente sim-
um momento, evite que o pecador caia ples. Pecadores nas mãos de um Deus irado,
no inferno, senão o bel prazer de Deus”. pregado em Einfield, Connecticut, em
Em suas palavras, “o Espírito de Deus 1741, baseado em Deuteronômio 32.35,
começou a trabalhar de maneira extra- é seu sermão mais famoso. Antes desse
ordinária. Muita gente estava correndo sermão, por três dias não se alimentara
para receber Jesus. Esta cidade estava nem dormira; rogara a Deus sem cessar:

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“Dá-me a Nova Inglaterra!” O povo, ao gum motivo religioso, e todos os dias pa-
entrar para o culto, se mostrava indife- reciam em muitos sentidos, como o dia
rente e mesmo desrespeitoso. Edwards de domingo. Segundo, eles começavam
iria pregar, e ao dirigir-se para o púlpito, a aplicar os meios de salvação; leitura,
alguém disse que tinha o semblante de oração, meditação, as ordenanças pesso-
quem estivera, por algum tempo, diante ais; seu clamor era, ‘o que devo fazer para
de Deus. Sem quaisquer gestos, encosta- ser salvo?’” Na mesma época, entre 1739
do num braço sobre o púlpito, segurava o e 1741, George Whitefield pregou em
manuscrito numa mão, e o lia numa voz doze das treze colônias, e teve um papel
calma e penetrante. O resultado do ser- central na continuação deste avivamento.
mão foi como se Deus arrancasse um véu Em 1740, chegou a pregar para multi-
dos olhos da multidão para contemplar dões de até oito mil pessoas durante um
a realidade e o horror em que estavam. mês, em quase todos os dias. Durante
Em certa altura do sermão, um homem estes avivamentos entre 25.000 a 50.000
correu para frente suplicando por ora- pessoas se converteram, entrando para as
ção, sendo interrompido pelos gemi- igrejas, sem contar os convertidos que já
dos dos homens eram membros das
e mulheres; quase igrejas – nessa épo-
todos ficaram de não há coisa alguma que, ca a população das
pé ou prostrados por um momento, evite que o treze colônias era
no chão, alguns se de pouco mais de
pecador caia no inferno, senão
agarrando às colu- um milhão de pes-
nas da igreja, pen- o bel prazer de Deus” soas. E Edwards
sando que o juízo se tornou um dos
final havia chega- mais capazes ins-
do. Durante a noite inteira ouviu-se na trumentos e defensores do avivamento.
cidade, em quase todas as casas, o clamor Um sermão magistral é a exposição
daqueles que, até àquela hora, confiavam verso por verso de 1João 4, A verdadeira
em sua própria justiça. obra do Espírito, que ele pregou no Yale
O efeito foi duplo: “Primeiro,... eles College em 1741. Edwards sabia que
abandonavam as suas práticas pecami- problemas acompanham o avivamento,
nosas... Depois que o Espírito de Deus pois Satanás, o qual, segundo ele obser-
começou a ser derramado tão maravi- vou, foi “treinado no melhor seminário
lhosamente de uma maneira geral sobre teológico do universo”, segue a um passo
a vila, pessoas logo deixaram as suas ve- de Deus, pervertendo ativamente e ca-
lhas brigas, discussões, e interferências ricaturando tudo quanto o Criador está
nos assuntos dos outros. A taverna logo fazendo. Então, na primeira parte de seu
foi deixada vazia, e as pessoas ficavam em sermão, ele passa a mostrar quais são os
casa; ninguém se afastava a não ser para sinais que supostamente negam uma
negócios necessários ou por causa de al- obra espiritual. Na segunda parte, então,

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ele demonstra os sinais bíblicos de uma zavam a obra de Cristo em favor deles;
obra do Espírito Santo. São elas: “Amor a conversão importava numa mudança
por Jesus, Filho de Deus e Salvador dos radical do coração; o cristianismo ver-
homens”, “agir contra os interesses do dadeiro envolvia não somente compre-
reino de Satanás, que busca encorajar e ender algo de Deus e dos fatos das Es-
firmar o pecado e fomentar as paixões crituras, como também um novo ‘senso’
mundanas nos homens”, “profunda con- da beleza, santidade e verdade divinas.
sideração pelas Sagradas Escrituras”, (...) Na mente de Edwards, as implica-
revelação dos “caráteres opostos do Es- ções para a conversão, que este concei-
pírito de Deus e dos outros espíritos que to da natureza humana subentendia,
falsificam suas obras” e “se o espírito que ocupavam o lugar principal. Dizia que
está em ação em meio a um povo opera um pecador, por natureza, nunca esco-
como espírito de amor a Deus e ao ho- lheria glorificar a Deus, a não ser que
mem, temos aí um sinal seguro de que o próprio Deus mudasse o caráter da-
este é o Espírito de Deus”. quela pessoa ou – segundo a expressão
Seu interesse por temas teológicos do próprio Edwards – implantasse um
se evidencia pela amplidão das suas novo ‘senso do coração’ para amar e ser-
obras, abordando quase todos os temas vir a Deus. A regeneração, ato de Deus,
doutrinários, legando à cristandade era a base para o arrependimento e a
um imenso acervo de livros. Às vezes conversão, que eram ações humanas”.
ele tem sido considerado um teólogo- Ele cria que o Deus onipotente exigia
-filósofo, por causa de alguns de seus arrependimento e fé das suas criaturas,
escritos, mas jamais deixou que a filoso- então ele proclamava tanto a absoluta
fia lhe ensinasse a sua fé ou que o des- soberania de Deus quanto a responsa-
viasse da Palavra de Deus. Ele extraía bilidade dos homens em responder ao
das Escrituras as suas convicções, e a chamado evangelístico.
verdadeira estatura dele deve ser aqui- Ele também escreveu um livro clás-
latada como um teólogo bíblico. Como sico de psicologia da religião, o Tratado
disse J. I. Packer: “Por toda a sua vida, das Afeições Religiosas, de 1746, baseado
alimentou sua alma com a Bíblia; por em uma série de sermões em 1Pedro 1.8.
toda a sua vida, alimentou seu rebanho Apesar de ter sido educado para ser lógico
com a Bíblia”. Edwards é mais frequen- e racional, ele argumentava que a religião
temente estudado por causa da sua des- verdadeira reside no coração, no centro
crição agostiniana do pecado humano e das afeições, emoções e inclinações. Ele
da total suficiência da graça de Deus em detalhava de forma minuciosa os tipos de
Cristo por meio do Espírito. Mark Noll emoções religiosas que, em grande medi-
diz: “[Para Edwards,] a raiz da pecami- da, são irrelevantes à espiritualidade ver-
nosidade humana era o antagonismo dadeira, terminando com uma descrição
contra Deus; Deus era justificado ao de doze marcas que indicam a presença
condenar os pecadores que menospre- da verdadeira espiritualidade cristã. Estas

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provêm de uma fonte divina e sobrenatu- tamente sua peregrinação intelectual,
ral, o Espírito Santo, que irá gerar no fiel sempre mantendo seu intelecto e estu-
atração a Deus e seus caminhos por amor dos subordinados à Escritura.
a ele, paixão pela beleza da santidade divi-
na, novo conhecimento, convicção de que O avivamento e as missões
as verdades proclamadas pela fé cristã são cristãs
concretas, humildade, regeneração, um
espírito semelhante ao de Cristo, temor Edwards também escreveu um livro
a Deus, equilíbrio entre as várias virtudes intitulado Uma humilde tentativa de pro-
cristãs, anseio por Deus e comportamen- mover uma clara concordância e união visí-
to guiado pela Escritura, em cumprimen- vel do povo de Deus em extraordinária ora-
to à prática cristã. A análise cuidadosa de ção, pelo reavivamento da religião e o avan-
Edwards sobre a fé genuína enfatizava ço do Reino de Cristo na terra (1748). Nesta
que não era a quantidade de emoções que obra ele faz um apelo: “muitas pessoas,
indicava a presença da verdadeira espi- em diferentes partes do mundo, por ex-
ritualidade, mas as origens de tais afei- pressa concordância para se chegar a uma
ções em Deus, e a sua manifestação em união visível em extraordinária,... fervente
obras que o glorifiquem. Como Beeke e constante oração, por aquelas grandes
& Pederson escrevem, “esta tem sido, há efusões do Espírito Santo, o qual trará o
muito, considerada por muitos historia- avanço da Igreja e do Reino de Cristo”.
dores como sua obra mais influente”. Em Sua convicção era que “quando Deus
1749 ele publicou um livro de memórias tem algo muito grande a realizar por sua
intitulado A vida de David Brainerd, um igreja, é de sua vontade que seja precedi-
evangelista que viveu durante um tempo do pelas extraordinárias orações do seu
com sua família e morreu em Northamp- povo”. Neste tempo, a condição espiri-
ton, em 1747. Ao elaborar seu ensino so- tual das igrejas batistas na Inglaterra era
bre a conversão, Edwards usou-o como deplorável. John Sutcliff, pastor da igreja
um estudo de caso, pontuando extensas batista de Olney, Buckinghamshire, leu
reflexões sobre a vida e o ministério de este livro, e propôs aos seus companheiros
Brainerd. pastores na Associação Northampshire
Por causa da influência de seus es- que separassem uma hora na primeira
critos, ele é considerado o maior teólogo segunda-feira à noite de cada mês para
e filósofo surgido nos Estados Unidos. orar para que “o Espírito Santo possa ser
Lloyd-Jones, que devia muito aos escri- derramado em nossos ministérios e igre-
tos de Edwards, disse: “Eu sou tentado, jas, para que os pecadores possam ser con-
talvez tolamente, a comparar os purita- vertidos, os santos edificados, o interesse
nos aos Alpes, Lutero e Calvino ao Hi- da religião revificado, e o nome de Deus
malaia e Jonathan Edwards ao Monte glorificado”. Um grande avivamento se
Everest”. Ele dependia totalmente da seguiu a estas reuniões. A influência de
graça de Deus, que dominava comple- Edwards sobre Sutcliff e seus amigos,

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que incluíam William Carey e Andrew acontecer com vocês em suas igrejas”.
Fuller, foi tal que este escreveu: “Alguns Então, ele foi ser missionário aos índios
dizem que, ‘se Sutcliff e alguns outros ti- Mohawk e Housatonic, num posto na
vessem pregado mais de Cristo, e menos fronteira, em Stockbridge, Massachu-
de Jonathan Edwards, eles teriam sido setts. Foi lá que ele escreveu alguns de
mais úteis’”, replicando em seguida: “Se seus tratados teológicos mais importan-
aqueles que falam tes, tais como A li-
assim, pregassem berdade da vontade,
Cristo metade do a religião verdadeira O pecado original,
que Edwards fazia, O fim da criação e A
reside no coração, no centro das
e fossem metade verdadeira virtude.
tão úteis como ele afeições, emoções e inclinações” Em 1757 aceitou
foi, sua utilidade a presidência do
seria o dobro do College of New
que ela é”. Por causa da profunda impres- Jersey, que atualmente é a Universidade
são do livro de Edwards, estes homens de Princeton, em New Jersey, e, em 1758,
fundaram a Sociedade Batista Particular ao receber uma vacina contra varíola, que
para Propagação do Evangelho entre os estava sendo testada, ele morreu. Sua úl-
Pagãos (que veio se tornar a Baptist Mis- tima obra, inacabada, foi Uma história da
sionary Society), em 1792, sendo Fuller obra da redenção, uma obra ambiciosa,
seu primeiro secretário. onde ele argumenta que toda a história,
desde a criação até a consumação, é sub-
Uma rica herança serviente à obra de redenção de Cristo.
Edwards e Sarah eram profundamente
Era costume de sua igreja conceder o dedicados um ao outro, e entre suas últi-
privilégio a qualquer pessoa, mesmo sem mas palavras, estavam algumas para sua
ser membro da igreja, para participar da esposa, que ainda estava em Stockbrid-
Ceia do Senhor. Por requerer uma base ge. Ele disse: “Dê o meu mais bondoso
estrita para participar da Ceia foi demi- amor para minha esposa, e diga a ela, que
tido de sua igreja em 1750. Como Lloyd- a excepcional união, que tem subsistido
-Jones disse: “Essa foi uma das coisas entre nós por tanto tempo, tem sido de
mais espantosas que já aconteceu, e deve tal natureza, que eu creio ser espiritual, e,
servir como uma palavra de encoraja- portanto, continuará para sempre”. Pou-
mento para os ministros e pregadores. co antes de falecer, ele disse: “Confiai em
Lá estava esse altaneiro gênio, esse pode- Deus, e não precisareis temer”.
roso pregador, esse homem que estava no Há pelo menos duas aplicações que
centro do grande avivamento – e, toda- podemos destacar. Uma diz respeito à
via, foi derrotado na votação da sua igreja necessidade de avivamento, em nossa
por 230 votos a 23. Não se surpreendam, época. Nós devemos temer e combater os
portanto, irmãos, quanto ao que possa excessos que ocorrem nestes avivamentos

Revista fé par a h oje | 11


(que mesmo em Atos aconteceram), mas ele faz o pobre e o rico: os pilares da terra
não eles. Como Edwards disse: “Pode-se são do Senhor... Deus é um Deus infinita-
observar que, desde a queda do homem mente santo; não há nenhum santo como
até os nossos dias, a obra de redenção, em o Senhor. E Ele é infinitamente bom e
seus feitos, tem sido realizada principal- misericordioso. Muitos outros adoram
mente por extraordinárias comunicações e servem como deuses, são seres cruéis,
do Espírito Santo”. As Escrituras nos espíritos que procuram a ruína das almas;
exortam a ser cheios do Espírito (Ef 5.18), mas este é um Deus que se deleita na mi-
a provar os espíritos (1Jo 4.1) e a não ex- sericórdia; Sua graça é infinita, e perma-
tinguir o Espírito (1Ts 5.19). Edwards nece para sempre. Ele é o próprio amor,
nos ensina que avivamentos, à semelhan- uma infinita fonte e um oceano dele”.
ça dos dons, são dádivas de Deus (1Co
12.11), que não podem ser fabricadas ou
manipuladas pelo homem, mas esperadas
na misericórdia e soberania de Deus. Bibliografia:

A pobreza da reflexão moderna sobre


Deus é evidente. Somos uma geração que Jonathan Edwards, A verdadeira obra do Espírito: sinais
de autenticidade. São Paulo: Vida Nova, 1992.
perdeu a consciência da beleza da gló- Gerald R. McDermott, O Deus visível; doze sinais da
ria do Senhor, quando comparada com verdadeira espiritualidade. São Paulo: Vida Nova, 1997.
aquilo que podemos aprender daquilo que D.M. Lloyd-Jones, Os puritanos; suas origens e sucessores.
São Paulo: PES, 1993.
Edwards compartilha conosco: “Deus é
Michael A. G. Haykin, “Jonathan Edwards: seu lega-
um Deus glorioso. Não há ninguém como do” em Jornal Os Puritanos Ano 1, nº 3 (Agosto 1992),
p. 11-14.
Ele, que é infinito em glória e excelência.
Michael A. G. Haykin, “Jonathan Edwards: seu legado
Ele é o Altíssimo Deus, glorioso em san- (continuação)” em Jornal Os Puritanos Ano 1, nº 4 (Ou-
tidade, temível em louvores, que faz ma- tubro 1992), p. 18-20.

ravilhas. Seu nome é excelente em toda a George M. Mardsen, “Edwards e a revolução cientí-
fico-tecnológica” em Jornal Os Puritanos Ano 1, nº 3
terra, e sua glória está acima dos céus. En- (Agosto 1992), p. 17-18.
tre todos os deuses não há nenhum como Mark A. Noll, “Edwards, Jonathan” em Walter A.
Elwell (ed.), Enciclopédia histórico-teológica da igreja
Ele... Deus é a fonte de todo o bem e uma cristã [vol. 2]. São Paulo: Nova Vida, 2009, p. 7-11.
fonte inextinguível; ele é um Deus todo J. I. Packer, Entre os gigantes de Deus; uma visão puritana
suficiente, capaz de proteger e defen- da vida cristã. São José dos Campos: Fiel, 1996.
Joel R. Beeke & Randall J. Pederson, Paixão pela pure-
der... e fazer todas as coisas... Ele é o Rei za; conheça os puritanos. São Paulo: PES, 2010.
da glória, o Senhor poderoso na batalha: John Piper, Supremacia de Deus na pregação; teologia,
uma rocha forte, e uma torre alta. Não há estratégia e espiritualidade do ministério de púlpito. São
Paulo: Shedd, 2003.
nenhum como o Deus ... que cavalga no
céu...: o eterno Deus é um refúgio, e sob
Ele estão braços eternos. Ele é um Deus Franklin Ferreira: É mestre em teologia, pastor
que tem todas as coisas em suas mãos, e batista, autor, preletor, diretor do Seminário
faz tudo aquilo que Lhe agrada: ele mata e Martin Bucer, em São José dos Campos, SP. É
fellow do Jonathan Edwards Center no Brasil.
faz viver; ele leva ao túmulo e ergue de lá;

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AV I VA M EN TO

Jonathan
as perspectivas de

Edwards
arles
e

Finney

Gilson Santos
E
m muitos círculos evangéli- endossavam entendiam claramente que
cos atuais, quando se fala em a doutrina era amplamente encontrada
“avivamento”, pensa-se em nas Escrituras e na história da Igreja.
uma grande campanha evangelística, Por “avivamento” pensava-se num “der-
com várias reuniões especiais, com um ramar incomum do Espírito Santo”.
convidado especial e com uma música
especial. Este é o sentido que se asso- Jonathan Edwards e a
ciou a este vocábulo no século XIX. As soberania de Deus no
grandes campanhas evangelísticas de avivamento
Charles G. Finney (1792-1875), Dwi-
ght L. Moody (1837-1899) e Reuben Jonathan Edwards  (1703-1758)
A. Torrey (1856-1928), bem como as foi um dos grandes líderes do aviva-
de outros evangelistas do gênero, exer- mento do século XVIII, que tem sido
ceram papel decisivo na sedimentação chamado pelos norte-americanos de
deste modo de pensar. Para outros, “Grande Despertamento”. Um estudo
“avivamento” seria um “borbulhar de sério acerca deste assunto terá de le-
entusiasmo na igreja”, um excitamen- var em conta o que ele fez e escreveu.
to, um cantar empolgante, um louvor D. Martyn Lloyd-Jones (1899-1981)
diferente e, até mesmo, um tipo de  e J. I. Packer, ao escreverem sobre
histeria emocional seguida de sinais Edwards,  entendem que é na ques-
incomuns. No século XX, a idéia de tão do avivamento que ele é preemi-
“sinais e maravilhas” passou a integrar nentemente o mestre. Avivamento é
substancialmente o cerne do conceito um derramamento do Espírito, e “se
de avivamento.  vocês quiserem saber algo sobre o avi-
A palavra “avivamento” (ou  reavi- vamento verdadeiro, Edwards é o ho-
vamento, do inglês  revival) surge des- mem que se deve consultar”, arremata
de o século XVII e afirma-se no século Lloyd-Jones.1
XVIII, quando se começava a falar so- Em sua clássica obra  A Treatise
bre o reavivamento da religião. Embo- Concerning Religious Affections  (Tra-
ra o vocábulo fosse novo, aqueles que o tado sobre Afeições Religiosas), Edwards

14 | Revista f é pa r a h o j e
nos fala sobre a atuação do Espírito extremos, a um tempo similares e
Santo, dando grande atenção à expe- opostos, Edwards confrontou-se
riência pessoal.2 O anseio de Edwards com uma série de questões funda-
em diferenciar a experiência religio- mentais.3
sa verdadeira da falsa resultou de sua
preocupação pastoral no contexto do Nos seus escritos, Edwards ava-
avivamento. Ele pregou uma série de liou a experiência religiosa à luz das
sermões sobre 1 Pedro 1.8 tratando Escrituras e das suas convicções re-
do assunto, em 1742-1743. O  Trata- formadas. O ponto de partida da sua
do  resultou da revisão do texto desses pregação e da sua teologia foi o Deus
sermões para publicação em 1746. soberano, em sua majestade, graça e
Nesta obra, Edwards argumentou que glória. Edwards incluía uma ênfase na
o cristianismo verdadeiro não se evi- obra soberana e graciosa de Deus, ao
dencia pela quantidade ou intensidade tratar do avivamento. Segundo ele, o
das emoções religiosas, mas por um co- avivamento é uma visitação divina. É
ração transformado que ama a Deus e Deus vindo e agindo de maneira pode-
busca o seu prazer. Ele faz uma análise rosamente incomum entre o seu povo.
rigorosa das diferenças entre a religio- Utilizando a analogia do mar, o aviva-
sidade carnal e a verdadeira espiritua- mento seria como as ondas do mar, que
lidade, que toca o coração com a visão vêm e quebram sobre a praia, e nós po-
da excelência de Deus e liberta o ho- demos visualizar a história constatan-
mem do egocentrismo. Edwards lutou do essas ondas vindo e quebrando. De
em duas frentes: contra os adversários fato, a história dos avivamentos seria a
do avivamento e contra os extremistas; história do povo de Deus. 
contra o perigo de extinguir o Espíri-
to e contra o perigo de deixar-se levar Num avivamento, ou experiência
pela carne e ser iludido por Satanás. religiosa genuína, o critério prin-
cipal é este: se quem está no cen-
Por um lado, tinha que argumen- tro das atenções é Deus ou o ser
tar contra aqueles que descarta- humano. Para que Deus esteja no
vam todo o avivamento como his- centro é necessário, em primeiro
teria irracional; por outro, tinha lugar, que haja nos corações um
que argumentar contra aqueles profundo senso de incapacidade,
que pareciam pensar que tudo o de dependência de Deus, e de con-
que aconteceu no avivamento era vicção da nossa pecaminosidade.
“de Deus”, não importa quão es- Além disso, é preciso que haja a
tranho, extremista ou desequili- consciência de que toda genuína
brado isso fosse (...). experiência religiosa é fruto da
Em sua tentativa de traçar um ca- atuação do Espírito de Deus, que
minho intermediário entre esses transforma e santifica os pecado-

Revista fé par a h oje | 15


res, capacitando-os a amar e hon- de 30 e 40 do século XVIII, e aquele
rar a Deus em suas vidas.  período foi de grande agitação e con-
Portanto, todas as teorias de sal- fusão, à medida que se faziam todos
vação que dão ênfase às obras hu- os tipos de reivindicação espiritual. 
manas ou à capacidade humana só Em seu livro  Jonathan Edwards e
desmerecem a grandeza do amor o Avivamento Brasileiro, o qual reco-
de Deus revelado a nós em Cris- mendo ao leitor, Luiz Roberto Fran-
to Jesus e tornado real em nossos ça de Matos (1956-2004), ao analisar
corações somente pela iluminação os escritos de Edwards, conclui sobre
do Espírito Santo.4  os “princípios úteis para julgar se uma
obra espiritual ou movimento religioso
The Distinguishing Marks of a efetivamente vem do Espírito”. Que
Work of the Spirit of God  (As Mar- princípios são esses? O autor resume-
cas Distintivas de uma Obra do Es- -os como segue:
pírito de Deus) é um pequeno mas
importante livro de Edwards base- 1. Quaisquer manifestações exte-
ado em um sermão que pregara em riores resultantes de experiências
Boston, durante o Grande Desper- extraordinárias não são um sinal
tamento.5  Depois do sermão, ele fez fidedigno de espiritualidade e não
alguns acréscimos e publicou o livro asseguram uma obra genuína do
em 1741. Trata-se de uma exposição Espírito.
do capítulo 4 da Primeira Epístola 2. Uma obra verdadeira do Es-
de João, texto que nos exorta a pro- pírito de Deus produzirá uma
varmos “os espíritos se procedem de mudança radical na natureza de
Deus, porque muitos falsos profetas uma alma individual, que irá ex-
têm saído pelo mundo fora”. De fato, pressar-se em um comportamento
no argumento de Edwards, a palavra e prática completamente novos,
“evidência” seria preferível à palavra revelando-se progressivamente a
“marca”. Edwards extrai dos escritos imagem de Jesus Cristo implanta-
do apóstolo João um total de quator- da no crente.6
ze sinais ou evidências que indicam
a presença ou ausência do Espírito Quanto ao avivamento, é ele um
de Deus numa pessoa, movimento período marcante, quando Deus, de
ou igreja. A seguir, ele oferece cinco forma rápida e impressionante, expan-
conclusões práticas para a igreja, en- de o seu Reino através de um revita-
cerrando com sua ênfase caracterís- lizar da sua igreja; é obra poderosa do
tica na humildade em todas as coisas Espírito Santo no meio de muita gente
do Espírito. Esta questão lhe era cru- ao mesmo tempo. O avivamento é uma
cial, pois sua igreja fora atingida pelo intensificação do Cristianismo. Não
Grande Despertamento nas décadas é um outro tipo de Cristianismo, mas

16 | Revista f é pa r a h o j e
uma intensificação do mesmo quando haja um avivamento, e ele não segue um
em tempos normais. Não é diferente modelo previamente fixado por qual-
em essência; a diferença é de grau e não quer homem. Nós estamos amarrados à
de tipo.  O  Catecismo Maior de West- misericórdia de Deus. “Pois assim como
minster, na resposta à pergunta de nú- o Pai ressuscita e vivifica os mortos, as-
mero 182, diz que o Espírito Santo nos sim também o Filho vivifica aqueles a
ajuda “operando em nossos corações, quem quer” ( Jo 5.21). Isto não deveria
e despertando (embora não em todas as causar-nos desespero, mas fome, um
pessoas, nem em todos os tempos, na mes- apetite pela visitação de Deus. Deveria
ma medida) aquelas apreensões, afetos nos levar à humilhação. Na compreen-
e graças que são necessários...”.7  Al- são de Edwards, avivamento é algo que
guém recorreu à analogia entre uma acontece, não é algo que se promove.
“chuva normal” e uma “chuva for- O homem não é o agente; ele é objeto
te”.  Num contexto de avivamento, os
crentes são mais zelosos, pecadores
são atraídos, e mesmo os incrédulos
que não se convertem, se vêem con-
O avivamento é
vencidos da verdade. J. I. Packer diz
que a “Escritura aponta para um pro-
uma intensificação
cesso repetido muitas vezes, mediante do cristianismo”
o qual, seguindo-se à frieza, descuido
e infidelidade existentes dentre o povo
de Deus, o próprio Deus age soberana- dessa obra do Espírito. Deus é absolu-
mente para restaurar o que estava pres- tamente soberano em cada dádiva que
tes a perecer”. E acrescenta: “E através concede. Isto é tão verdadeiro acerca do
do transbordamento evangelístico avivamento como é de qualquer grande
consequente, [Deus] torna a estender obra redentora. J. I. Packer colocou isto
ainda mais o reino de Cristo”.8 nas seguintes palavras:
Uma observação importante, que
deve novamente ser enfatizada, é que O avivamento é Deus demons-
o avivamento vem exclusivamente de trando a soberania de sua graça.
Deus. “Porventura, não tornarás a Avivamento é inteiramente obra
vivificar-nos, para que em ti se regozi- da graça, pois sobrevém a igrejas e
je o teu povo?” (Sl 85.6). O desejo do cristãos que merecem apenas jul-
salmista está voltado para Deus, pois o gamento; e Deus o faz acontecer
homem não pode operar esta façanha. É de maneira a mostrar que sua graça
Deus quem pode vivificar. O avivamen- foi decisiva nele. Os homens po-
to é uma obra soberana de Deus, pois dem organizar convenções e cam-
“o vento sopra onde quer” ( Jo 3.8). Nós panhas e buscar a bênção de Deus
não podemos dar uma ordem para que sobre elas, mas o único organizador

Revista fé par a h oje | 17


dos avivamentos é Deus, o Espírito mais coagentes e convincentes que
Santo. Repetidas vezes, o aviva- serve para demonstrar a soberania do
mento tem vindo de maneira súbi- Espírito Santo em instaurar reavi-
ta, irrompendo frequentemente em vamentos é a maneira simultânea de
lugares obscuros, através do minis- manifestar Sua operação em vários
tério de homens também obscuros. lugares e pessoas”.12 E o mesmo autor
Na verdade, ele vem em resposta salienta o papel da oração. Não obstan-
à oração, e onde ninguém orou é te ser obra graciosa e soberana, o aviva-
provável que também ninguém mento sempre vem através da oração.
seja avivado; entretanto, a manei- Oração intensa e persistente. A correta
ra pela qual a oração é respondida compreensão da doutrina da soberania
será de forma a enfatizar a sobera- de Deus não implica em passividade da
nia de Deus como a única fonte de parte do povo de Deus. Edwards colo-
avivamento, mostrando que todo o cara isto da seguinte maneira:
louvor e toda a glória precisam ser
dados somente a ele.9 Quando Deus tem algo muito
grande para realizar em favor da
Iain Murray, em seu excelente li- sua igreja, a vontade dele é que isso
vro  Pentecost Today,  chama a atenção seja precedido pelas orações extra-
para o fato de que a soberania de Deus ordinárias do seu povo, segundo
no avivamento é revelada em que Ele manifestado por Ezequiel 36.37...
é soberano nos instrumentos que se E é revelado que, quando Deus está
propõe utilizar neste sentido, em seus para realizar grandes coisas para a
propósitos no avivamento, e com re- sua igreja, ele começará derraman-
lação ao tempo quando o avivamento do de maneira notável o espírito de
começa.10  Roberts & Gruffydd, em graça e de súplicas (Zc 12.10).13 
seu livreto  Avivamento e seus Frutos,
quando se referiram ao avivamento de “Aviva a tua obra, ó SENHOR,
1762, no País de Gales, escreveram: no decorrer dos anos, e, no decurso
dos anos, faze-a conhecida; na tua ira,
Avivamento, por definição, é o lembra-te da misericórdia” (Hc 3.2).
próprio princípio de vida da igre- Isaías 64 é uma oração muito própria
ja. O poder que  produz  a vida é o em favor de um avivamento. Também o
próprio princípio de sua vida. O salmista ora: “Vivifica-me, SENHOR,
poder que traz à vida é o poder por amor do teu nome; por amor da tua
que  sustém  a vida. A igreja como justiça, tira da tribulação a minha alma”
um corpo de crentes permanece (Sl 143.11). Além disto, a pregação da
numa contínua necessidade do vi- Palavra de Deus é instrumento de Deus
vificante Espírito de Deus.11 para reavivar seu povo. O SENHOR
Evans observa que “um dos fatos utiliza sua própria Palavra (Sl 119.25;

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Ez 37.9).  O Salmo 119 descreve a Pa- nismo representado por este foi repu-
lavra de Deus como o meio para o re- diado e relegado à condição de fantasma
avivamento do povo de Deus: “Estou por aquele”.15  Finney argumentou que
aflitíssimo; vivifica-me, SENHOR, podemos alcançar o avivamento sim-
segundo a tua palavra” (Sl 119.107). plesmente utilizando adequadamente
O impulso do avivamento há de partir os meios corretos. No raciocínio de
do Senhor, como também o poder que Finney, “orar pelo reavivamento religio-

Quando Deus tem algo muito grande para realizar


em favor da sua igreja, a vontade dele é que isso seja precedido
pelas orações extraordinárias de seu povo”

acompanha a Palavra deve ser atribuído so e deixar de empregar qualquer outro


a Ele. Enfim, se pudermos falar de uma meio, é tentar a Deus”.16 E na sua argu-
metodologia em Edwards, esta era, ba- mentação subsequente, estes  meios  re-
sicamente, orar por avivamento e expor cebem grande ênfase. A analogia que ele
a palavra da Escritura.  utilizou foi a de um fazendeiro à espera
de uma colheita. Ele ara, irriga e pre-
Charles Finney e  a “ciência para o seu campo... E à medida que ele
do avivamento”  faz essa obra, a colheita inevitavelmente
acontece. Assim, o avivamento é como
A definição que Edwards ofereceu uma ciência. Em sua biografia de Fin-
para avivamento sofreu grande revisão ney, V. Raymond Edman falou sobre “a
no século XIX. Um dos mais influentes ciência do avivamento” – de fato, o título
líderes do chamado “Segundo Grande da obra em português é Despertamento:
Despertamento” foi Charles Finney. A Ciência de um Milagre.17
Ele escreveu um livro em 1838 chama-
do Reavivamento da Religião.14 De for- Avivamento é tido comumente
ma contrária a Jonathan Edwards, Fin- como um ato da soberania divina,
ney fez o avivamento repousar decisiva- outorgado pelo Deus todo-pode-
mente sobre o homem. No livro Charles roso segundo sua vontade, sob sua
Finney e a Secularização da Igreja, Jadiel direção. O homem, no caso, é con-
Martins Sousa (1964-2002) observa siderado inteiramente incapaz de
com muito acerto que “em algum sen- promover ou impedir semelhante
tido, pode-se dizer que Finney foi uma manifestação do poder soberano. A
reação a Edwards, uma vez que o calvi- evidência da experiência cristã não

Revista fé par a h oje | 19


confirma a exatidão de tal conceito, É-nos impossível dizer que não há
e a verdade é que parece concluden- a mesma influência ou ação dire-
te haver muito que os crentes de- ta da parte de Deus para produzir
vem fazer na preparação e promo- uma colheita de cereais ou para
ção do verdadeiro avivamento (...). promover um avivamento...
Finney é explícito e exigente na Suponhamos que um homem fos-
sua explicação de que um aviva- se pregar essa doutrina entre agri-
mento espiritual, como ele o cha- cultores, com referência à planta-
mava, “não é milagre”, mas antes ção de cereais. Diga-lhes ele que
“o resultado do emprego  acerta- Deus é soberano e lhes concederá
do dos meios apropriados”.18 uma colheita somente quando lhe
aprouver; que arar a terra, semear
E o autor cita o próprio Finney: e cultivar como quem espera uma
colheita, está muito errado; é tirar
Avivamento não é milagre, nem a obra das mãos de Deus, é interfe-
depende de milagre, em nenhum rir na sua soberania, é labutar com
sentido. É resultado puramente fi- suas próprias forças; que não exis-
losófico do emprego acertado dos te, entre os meios e os resultados,
meios comuns, tal como qualquer nenhuma ligação de que possam
resultado que se obtenha empre- depender. E suponhamos que os
gando métodos apropriados. Pode agricultores aceitassem tal doutri-
haver um milagre entre suas causas na. Ora, poriam o mundo a morrer
antecedentes, ou pode não haver. de fome. Pois os mesmos resulta-
Os apóstolos empregavam mila- dos advirão se a Igreja se deixar
gres simplesmente como meios de convencer de que a expansão do
chamar a atenção para sua mensa- evangelho é matéria misteriosa-
gem e de estabelecer a autoridade mente sujeita à soberania divina,
divina dessa mensagem. Mas o que não existe conexão entre os
milagre não era o avivamento... meios e o fim....
Afirmei que o avivamento é o re- Creio firmemente que, caso pu-
sultado do emprego acertado dos déssemos saber todos os fatos, ve-
meios adequados. Os meios que rificaríamos que, quando os meios
Deus determinou para a opera- determinados são usados acerta-
ção de um avivamento, sem dú- damente, as bênçãos espirituais
vida, possuem tendência natural são alcançadas com maior unifor-
para produzir um avivamento, midade que as temporais.19
senão Deus não os teria determi-
nado.  Mas, conforme todos sabe- Em resumo, este é o pensamento de
mos, os meios não produzirão um Finney acerca do avivamento. E parece
avivamento sem a bênção de Deus. que não se alterou substancialmente,

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embora alguns autores identifiquem uma enorme confiança no caráter na-
alguma mudança em suas últimas cor- tural dos poderes da própria mente que
respondências. Pelo final da vida de são despertados e excitados pela palavra
Finney, os sinais do avivamento vi- dirigida de forma clara à consciência.
nham declinando. Ele concluía que, se Embora houvesse dito que “os meios
para trazer o avivamento bastava utili- não produzirão um avivamento sem a
zar os meios corretos, a mesma lógica bênção de Deus”, de alguma maneira,
deveria aplicar-se para manter o aviva- em sua lógica matemática e forense, e
mento. Entretanto, por alguma razão, promovendo alguma confusão entre
essa lógica não se verificava na realidade causa e efeito, o avivamento ficou redu-
ao seu redor. Ele sentiu a impossibilida- zido a uma ciência. Numa observação
de de manter o avivamento pelo esforço dos escritos de Finney a este respeito,
humano, e em suas cartas teria conclu- uma leitura superficial dos títulos já é
ído que atribuiu suficiente para
muito da obra ao perceber sua tese:
homem.  À luz Em todo avivamento nós somos os títulos suge-
disto, podemos distintamente conduzidos a rem ação exclu-
compreender por- siva do homem e
que Iain Murray
reconhecer a soberania de Deus”. apontam para re-
conclui que a ine- sultados seguros.
vitável tendência O avivamento é,
da visão de Finney é que, embora espere pois, o resultado do despertamento dos
encorajar a diligência e os sinceros es- poderes da consciência por meio das vá-
forços práticos, “ela irá, contudo, cedo rias técnicas, que passaram a ser exaus-
ou tarde, produzir desencorajamento”. tivamente empregadas. Assim nasceu
No final das contas, nesta visão, não há o “avivalismo”. A definição de Finney
avivamento se a desobediência continua prevaleceu entre a maioria dos cristãos
a prevalecer, pois é a obediência huma- evangélicos desde então, e “avivamento”
na que assegura o avivamento.20 e “metodologia” passaram a caminhar
Efetivamente, Finney estava rea- juntos, e com grande detrimento da
gindo a uma situação que considerava teologia. Fato, porém, é que a metodo-
grave. Além disso, ele era alguém muito logia de Finney era, clara e inescapavel-
interessado em resultados. Para ele, a mente, uma expressão de sua teologia.
única forma de afirmar a veracidade de Jadiel Martins Sousa resume bem
um método era sua eficácia em atingir tudo isto:
alvos propostos. O fato de ter experi-
mentado avivamento e ter se concentra- Até os dias de Finney, a Igreja Cristã
do em seus efeitos visíveis deu a Finney estava relativamente familiarizada
a oportunidade de desenvolver sua tese com o fenômeno do avivamento.
da produção do avivamento. Nela há Vários períodos marcados por gran-

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de despertamento espiritual, desde biente meticulosamente preparado
a Reforma do século dezesseis, já pelo homem. Esse era o novo perfil
haviam ocorrido. Mas a partir do do avivamento do início do século
ano 1800, no período do chamado XIX. O avivamento não era mais
Segundo Grande Despertamento, um fenômeno surpreendente, de-
algo novo começava a ser notado. terminado pela soberania de Deus
As manifestações emocionais e as e executado livremente por ele. Já
expressões corporais, que já eram não era mais uma visitação especial
conhecidas dos outros períodos de na qual Deus restabelecia o vigor de
avivamento, ganharam uma nova di- seu povo trazendo nova disposição
mensão. Passavam a ser não apenas àqueles que estavam moribundos.
sinais secundários ou adereços pre- O avivamento passava a ser um mo-
sentes, mas se tornavam praticamen- vimento terreno, um programa da
te a essência do avivamento. Se antes igreja, algo planejado e executado
essas manifestações eram algo a ser pelos homens. Era um movimen-
administrado, filtrado e julgado à luz to ao qual as pessoas aderiam ou se

Precisamos ser conduzidos a um grande senso de nossa própria


indignidade e insuficiência, e que seja criado dentro de nós um desejo
pela manifestação da glória e do poder do Senhor”.

da Palavra de Deus e de seus próprios opunham. Surgia o reavivalismo, do


frutos, agora elas eram buscadas, es- qual Finney se tornou o principal
timuladas e promovidas. Além disso, representante.21
havia o pensamento de que todas as
coisas relacionadas ao avivamento Alguns líderes cristãos piedosos e
eram possíveis de serem promovidas operosos, contemporâneos de Finney,
pelo homem. Nesse contexto, o avi- e que também estavam sob o impac-
valista era tão importante quanto o to de uma grande visitação de Deus,
avivamento, o evangelista tão impor- se opuseram ao seu novo conceito e às
tante quanto o evangelho. suas “novas medidas”. Tais homens não
Uma série de adornos foram acres- eram negligentes quanto aos deveres
centados ao fenômeno do avi- cristãos, mas entendiam que o aviva-
vamento, como, por exemplo, os mento dependia da soberania de Deus.
acampamentos, de tal forma que se Era ele quem determinava quando e
acreditava ser impossível que o avi- onde ocorreria um derramamento es-
vamento ocorresse fora desse am- pecial do seu Espírito. Havia um ele-

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mento de surpresa no avivamento. Não Uma grande necessidade
era possível nem mesmo estabelecer um
modelo fixo de avivamento; Deus se A idéia completa de avivamento
reserva o direito de agir de formas va- parece que se tornou estranha a muitos
riadas, embora algumas marcas estejam bons cristãos. Isto se deve a um sério
geralmente presentes. equívoco na compreensão das Escritu-
William Sprague  (1795-1876) foi ras, e a uma lamentável ignorância da
durante quarenta anos pastor da Igreja história da Igreja. Visto que em nosso
Presbiteriana em Albany, New York. Ele tempo este termo é utilizado para uma
testemunhou um período em que milha- cruzada evangelística ou para alguns
res de homens e mulheres foram conver- eventos planejados, o significado ori-
tidos. Sendo contemporâneo de Charles ginal tornou-se quase inacessível para
G. Finney, Sprague escreveu em 1832 a maioria dos cristãos. 
um livro chamado  Lectures on Revivals Precisamos ser conduzidos a um
of Religion (Conferências em Avivamen- grande senso de nossa própria indigni-
to). De onde procedem tais avivamentos dade e insuficiência, e que seja criado
da religião? De onde eles vêm? Sprague dentro de nós um correspondente de-
põe isto da seguinte maneira: sejo pela manifestação da glória e do
poder do SENHOR. O “seu braço não
Em todo avivamento nós somos está encolhido”.  
distintamente conduzidos a reco-
nhecer a soberania de Deus. Assim As épocas de avivamento trazem
como isto é verdade e pode ser per- um profundo sentimento de que
cebido na influência pela qual uma sempre se está diante dos olhos de
única alma é convertida, certamen- Deus; as coisas espirituais tornam-
te não é menos manifesto nessas -se sobejamente reais, e a verdade
copiosas chuvas de influência pela de Deus se torna irresistivelmente
qual são convertidas centenas de poderosa, tanto para ferir quanto
pessoas. É Ele quem causa isto. É para curar; a convicção de pecado
Ele quem faz chover em uma cida- torna-se intolerável; o arrependi-
de e não em outra. É Ele quem di- mento é profundo; a fé desabrocha
rige o movimento dessas nuvens no forte e firme; a compreensão es-
mundo espiritual, das quais descem piritual cresce depressa e aguda; e
as bênçãos de reavivar e acelerar a os novos convertidos amadurecem
graça. “O vento sopra aonde quer; em período de tempo bem curto.
e ouves a sua voz, mas não sabes Os cristãos tornam-se destemidos
de onde vem nem para onde vai. no testemunho e incansáveis no
Assim é todo que é nascido do Es- serviço do seu Salvador. Eles re-
pírito». Assim, igualmente, é todo conhecem a sua nova experiência
avivamento da religião.22 como um verdadeiro antegozo da

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vida do céu, onde Cristo se lhes re- 5 Cf. Jonathan Edwards.  A Verdadeira Obra do Espí-
rito; sinais de autenticidade. São Paulo: Vida Nova,
velará tão plenamente que jamais 1992, 94pp.
serão capazes de deixar, dia e noi- 6 Luiz Roberto França de Mattos. Jonathan Edwards
e o Avivamento Brasileiro. São Paulo: Cultura Cris-
te, de cantar seus louvores e fazer tã, 2006, p. 110. 
sua vontade. A alegria transborda 7 Catecismo Maior de Westminster. Pergunta 182. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1987, p. 134.
(Salmo 85.6; 2 Crônicas 30.26; Itálicos meus. 
Neemias 8.12, 17; Atos 2.46,47; 8 J. I. Packer. Na Dinâmica do Espírito; Uma avalia-
ção das Práticas e Doutrinas. São Paulo: Vida Nova,
8.8), abundando uma generosida- 1991, pp. 238 e 240.
de cheia de amor (Atos 4.32).23  9 Idem, p. 250.
10 Iain H. Murray. Pentecost Today?; The Biblical Basis
for Understanding Revival. Carlisle, Pensilvânia:
Em 1992, ao apresentar a tradução Banner of  Truth, 1998, pp. 70-74.
11 Emyr Roberts & R. Geraint Guffydd,  apud John
em português do livro Avivamento, de
Armstrong. Avivamento. O quê e por quê? São Paulo:
D. M. Lloyd-Jones, o editor expres- Editora Fiel, s.d., p. 3.  Itálicos meus.  
12 E. Evans.  Reavivamentos; sua origem, progresso e
sou-se da seguinte maneira:
realizações. São Paulo: Publicações Evangélicas Se-
lecionadas, s.d, p.8.
Ao considerarmos a condição espi- 13 Jonathan Edwards. Works. Ed. W. Goold. London:
Banner of  Truth, 1967, 4:518.
ritual do mundo – e especialmente 14 Para uma leitura da obra de Finney acesse online:
a do Brasil – nesta última década do http://www.gospeltruth.net/Port/sermons_in_
portuguese.htm .  Cf. Garth M. Rossel & Richard
século vinte, não hesitamos em afir- A. G. Dupuis. Memórias Originais de Charles Fin-
mar que a profunda convicção dos ney. São Paulo: Editora Vida, 1986, 512pp.
15 Jadiel Martins Sousa. Charles Finney e a Seculariza-
responsáveis desta editora é que não ção da Igreja. São Paulo: Edições Parácletos, 2002,
há assunto de maior importância e p. 68. Esta obra atualmente é publicada e distribuí-
da por Editora Fiel. 
urgência do que o deste livro. 16 Charles Finney. Uma vida Cheia do Espírito. Venda
Não vemos nenhuma possibilidade de Nova (MG): Editora Betânia, 1980, p. 39.
17 V. Raymond Edman.  Despertamento: A Ciência de
uma mudança radical, benéfica e dura- um Milagre. Venda Nova (SP): Editora Betânia,
doura neste grande país à parte de uma 1976, 161pp. O título da obra em inglês é  Finney
Lives On (Finney Ainda Vive).
visitação poderosa do Espírito Santo.24 18 Idem, pp. 61-62. 
19 Ibid,. pp. 63-64
20 Murray, op. cit., p. 29.
21 Sousa, op. cit., pp. 45-46.
1 J. I. Packer.,  Entre os Gigantes de Deus; Uma Visão
22 William B. Sprague. Lectures on Revivals of Reli-
Puritana da Vida Cristã. São José dos Campos: Edi- gion. London: The Banner of Truth Trust, 1959,
tora Fiel, 1996, 389pp. e D. M. Lloyd-Jones, Os Pu- 287pp, e Appendix 165 pp.  Acesse  online  em:
ritanos; suas origens e seus sucessores. São Paulo: Pu- http://www.revival-library.org/catalogues/theolo-
blicações Evangélicas Selecionadas, 1993, 432pp. gy/sprague/title.htm
2 Cf. Jonathan Edwards. A Genuína Experiência Es- 23 Packer, op. cit., p.250.
piritual. São Paulo: Publicações Evangélicas Sele- 24 William Barkley. “Nota dos Editores”, in: D. Mar-
cionadas, 1993, 116pp. tyn Lloyd-Jones. Avivamento. São Paulo: Publica-
3 N. R. Needahm. Introdução ao livro A Genuína Ex- ções Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 7.
periência Espiritual, op. cit, p. 9.
4 Alderi de Souza Matos.  Avivamento nos Dias de
Jonathan Edwards; relevância atual.  Online: Gilson Carlos de Souza Santos: Bacharel em
h t t p : / / w w w. t h i r d m i l l . o r g / f i l e s / Teologia e História, pastor da Igreja Batista
portuguese/75932~11_1_01_9-41-48_ da Graça em São José dos Campos, SP, autor
A M ~ A V I VA M E N T O _ N O S _ D I A S _ e preletor.
D E _ J O N A T H A N _ E D WA R D S . h t m l

24 | Revista f é pa r a h o j e
Jonathan Edwards chegou
Como

a amar a Soberania de Deus

Joel R. Beeke
Revista fé par a h oje | 25
P
resumimos muito facilmente que
os grandes teólogos chegaram a
amar as doutrinas da graça sem
qualquer esforço. Isto não foi, de modo
algum, o que aconteceu com todos eles.
Talvez não aconteceu com nenhum deles.
Pelo menos, isso não foi o que aconteceu
com Jonathan Edwards, o eminente
pregador da Nova Inglaterra no século
XVIII. O seguinte relato mostra como
Edwards chegou a amar a soberania de
Deus somente depois de relutância inicial.

26 | Revista f é pa r a h o j e
J
onathan Edwards fez a seguinte razão assimilou a justiça e a ra-
confissão: cionabilidade disso. Entretanto,
a minha mente descansou nisso
Desde a minha infância, a minha e pôs um fim a todos aqueles so-
mente estava cheia de objeções fismas e objeções. E houve uma
contra a doutrina da soberania de mudança maravilhosa em minha
Deus em escolher quem ele qui- mente no que diz respeito à dou-
sesse para a vida eterna e rejeitar trina da soberania de Deus, des-
a quem ele quisesse, deixando-os de aquele dia até agora; por isso,
perecer eternamente e ser ator- eu dificilmente tenho levantado
mentados para sempre no inferno. objeção, no sentido pleno, contra
Isso costumava parecer uma dou- a soberania de Deus em mostrar
trina horrível para mim. Todavia, misericórdia para quem ele quer e
lembro-me muito bem do tempo endurecer a quem ele quer. A ab-
em que eu parecia estar convenci- soluta soberania e justiça de Deus
do e plenamente satisfeito quan- no que diz respeito à salvação e à
to a esta soberania de Deus e sua condenação é aquilo de que mi-
justiça em dispor os homens eter- nha mente parece descansar se-
namente assim, de acordo com gura, muito mais do que qualquer
seu prazer soberano. Mas nunca coisa que eu vejo com os olhos. É
pude dar uma explicação de como assim, pelo menos, às vezes. Des-
ou por que meios fui convencido de então, eu tenho não somente
disso, nem sequer imaginar na uma convicção, mas uma convic-
época, nem mesmo muito depois, ção prazerosa. Muitas vezes, esta
que houve uma influência extra- doutrina tem-se mostrado exce-
ordinária do Espírito de Deus dentemente agradável, esplendo-
neste convencimento; sei apenas rosa e doce. Soberania absoluta é
que cheguei a ver melhor, e minha o que eu gosto de atribuir a Deus.

Revista fé par a h oje | 27


Mas a minha primeira convicção mentei antes... Pensei comigo mesmo
não era assim.1 quão excelente Ser ele era e quão feliz
eu deveria ser, se pudesse gozar este
Por graça soberana, conforme suas Deus e ser arrebatado para ele, no céu,
próprias palavras, Jonathan Edwards e ser como que absorvido nele para
foi transformado de um “opositor” em sempre!7
um “apreciador” da soberania eterna Apesar dos impedimentos mo-
de Deus. Depois de anos de luta in- mentâneos, parece que este “novo
tensa quanto ao estado de sua alma senso” de Edwards de deleitar-se e
diante de Deus (em 1725, Edwards ter prazer nas perfeições soberanas
ainda estava incerto de sua conver- de Deus proliferou durante toda a
são),2 a soberania de Deus se tornou sua vida, sempre conectado com uma
para o pregador de Northampton, apreensão crescente de indignidade e
graduado em Yale, uma “doutrina de fraqueza pessoal. Sob a orientação
agradável e gloriosa” a ser conhecida, do Espírito, Edwards descobriu uma
experimentada e apreciada.3 De fato, correlação entre a exaltação de Deus
a convicção pessoal da soberania de e a humilhação do “eu”, a combina-
Deus como uma doutrina irrefutável ção que produziu exercícios religiosos
e como um “senso”4 a ser experimen- incomparáveis. Certa vez, em 1737,
tado por meio de “um ardor em meu quando Edwards cavalgou até à flo-
coração”, “um fervor em minha alma” resta para meditar, ele foi tomado por
e uma “doçura extraordinária”5 per- uma revelação tão profunda e espiri-
maneceu com Edwards durante toda tual de Cristo em sua excelência e so-
a sua vida.6 berania transcendente, em contraste
A primeira instância de aquies- com a excessiva pecaminosidade pes-
cência genuína à soberania de Deus, soal dele, Edwards, que foi inundado
acompanhada de “um agradável de- por um dilúvio de lágrimas de alegria,
leite íntimo em Deus”, aconteceu a por mais de uma hora. De novo, em
Edwards enquanto ele lia 1 Timóteo 1739, ele foi tomado por uma incrível
1.17: “Assim, ao Rei eterno, imortal, compreensão de quão “agradável” e
invisível, Deus único, honra e glória “apropriado” era que Deus governasse
pelos séculos dos séculos. Amém!” o mundo, ordenando todas as coisas
Enquanto eu lia estas palavras, de acordo com seu prazer, ainda que
veio à minha alma, como algo que se isso significasse destruição eterna
propagou nela, um senso da glória do para ele próprio, Edwards.
Ser divino; um novo senso, muito di- No verdadeiro padrão calvinista,
ferente de qualquer coisa que experi- Edwards experimentou um sempre

28 | Revista f é pa r a h o j e
crescente aumento de conhecimento gozo e o alvo supremo de Edwards era
nas profundezas de Deus e, ao mesmo ser levado, experimental e continu-
tempo, de si mesmo – de Deus, para amente, da soberania divina à glória
sua exultação; de si mesmo, para hu- divina, a fim de gozar o próprio Deus
milhação pessoal.8 Nestes momentos, como o Deus de graça evangélica in-
Edwards desejava que ele “fosse nada e dizível:
Deus fosse tudo”;9 que ele fosse como
uma pequena flor “baixa e humilde no Os deleites e gozos mais praze-
chão, abrindo suas pétalas para rece- rosos que tenho experimentado
ber os agradáveis raios da glória do não são aqueles que surgiram de
sol”.10 Ele também falou sobre andar uma esperança de meu bom esta-
sozinho nos pastos de seu pai, con- do, e sim aqueles que procederam
templando com um senso de prazer “a de uma visão imediata das coisas

Edwards descobriu uma


correlação entre a exaltação de
Deus e a humilhação do ‘eu’”

gloriosa majestade e graça de Deus... gloriosas de Deus e seu evangelho.


que eu parecia ver... em doce conjun- Quando desfruto deste prazer, ele
ção; majestade e submissão unidas, parece levar-me acima dos pensa-
lado a lado”.11 mentos de meu estado seguro. Em
Este gozo conjugado que Edwar- tais ocasiões, retirar meus olhos
ds achava em Cristo e desfrutava com do glorioso e agradável objeto que
um profundo senso de indignidade estou contemplando, para vol-
serviu para levá-lo, cada vez mais, a ver meus olhos para mim mesmo
partir da soberania divina, a meditar e para meu próprio bom estado,
na beleza e na glória de Deus. Para parece uma perda que não posso
Edwards, soberania sugeria glória, e suportar.12
glória sugeria beleza. De fato, todo o
ser e os atributos de Deus equivaliam Em resumo, para Edwards, a natu-
a um todo unido na essência Trina. O reza de Deus “é infinitamente excelente;

Revista fé par a h oje | 29


sim, é beleza infinita, brilhante e a pró- a soberania e a segurança pessoal é colocada em
1720-21.
pria glória”.13 A partir da graça pessoal,
3 Works, I, xiii.
Edwards foi levado experimentalmente 4 Ibid.
à glória divina, repetidas vezes. Foi este 5 Ibid., p. xiv.
experimentar espiritual dos atributos 6 Cf. Harold Simonson, Jonathan Edwards: Theo-
logian of the Heart (Grand Rapids: Eerdmans,
de Deus que influenciou Edwards a co- 1974), p. 17, ss.
locar a soberania divina desde a eterni- 7 Works, I, xiii.
dade como o principal princípio estru- 8 Allen resume habilmente a consequência de humi-
lhação que seguia a exaltação divina da soberania
tural de sua teologia. Edwards não traiu na experiência de Edwards: “[Edwards] aprende-
sua herança calvinista nesta conjuntu- ra a deleitar-se na soberania de Deus, no mostrar
Deus misericórdia para quem ele quer mostrar
ra, como Nagy sugere quando afirma misericórdia. Era um prazer pedir a Deus esta mi-
sericórdia soberana. Mas estes enlevos religiosos
que é “muito incomum um calvinista”
foram também acompanhados de visões impac-
ser levado da soberania de Deus para tantes de sua própria pecaminosidade e vileza. O
senso de sua impiedade e da maldade de seu cora-
a sua beleza infinita.14 Antes, o con- ção era mais forte depois da sua conversão do que
trário pode ser afirmado, ou seja, todo antes. Sua impiedade parecia exceder a de todos os
outros. Nenhuma linguagem era suficientemente
verdadeiro calvinista que experimenta, forte para os propósitos de autocondenação. O seu
biblicamente, uma medida da sobera- coração lhe parecia um abismo infinitamente mais
profundo do que o inferno” (Edwards, p. 130-31).
nia divina só pode terminar na glória e
9 Works, I, xiv.
beleza de Deus, à maneira de Edwards, 10 Ibid.
sim, de Paulo: “Porque dele, e por meio 11 Ibid., xv.
dele, e para ele são todas as coisas. A 12 Ibid. Nessas ocasiões, Edwards via a glória de
Deus em tudo: “Parecia haver, por assim dizer,
ele, pois, a glória eternamente. Amém” uma tranquila e agradável marca ou aparência da
(Rm 11.36). glória de Deus em quase tudo... no sol, na lua, nas
estrelas; nas nuvens, no céu azul; na grama, nas flo-
Que o Deus de graça nos tome, res, nas árvores... Frequentemente, eu costumava
igualmente, por mão e coração, e nos sentar-me... para contemplar a glória de Deus nes-
tas coisas, cantando com voz baixa, nesse ínterim,
apresente, experimentalmente, à so- minhas contemplações do Criador e Redentor”.
berania divina e à glória divina. 13 Ramsey, Freedom of the Will, p. 243.
14 Paul and Joseph Nagy: ‘A The Doctrine of
Experience in the Philosophy of Jonathan Ed-
wards’ (Ph.D. dissertation, Fordham University,
1968), p. 67.
1 Works, I, xii-xiii (edição da Banner of Truth Trust).
2 Cf. A. Allen, Jonathan Edwards (Boston: Hough- Joel Beeke: É presidente e professor de teologia
ton, Mifflin and Co., 1889), p. 36. Embora Allen sistemática no Puritan Reformed Teological
fale de maneira definitiva, há muita dúvida ao re- Seminary. É pastor da Heritage Netherlands
dor desta afirmação; por exemplo, cf. Glenn Mil- Reformed Congregation, autor de vários livros
ler, “The Rise of Evangelical Calvinism: A Study e conferencista. Obteve seu Ph.D. em teologia
in Jonathan Edwards and the Puritan Tradition” da reforma e pós-reforma no Westminster
(Th.D. dissertation, Union Theological Seminary,
Theological Seminary.
1971), p. 208, onde a conciliação de Edwards com

30 | Revista f é pa r a h o j e
Jonathan Edwards
A Devoção de

Wilson Porte
Revista fé par a h oje | 31
Capa do Novo Testamento de Jonathan Edwards © Yale University Beinecke Rare Book and Manuscript Library
E
ra o cair da tarde em Nor- tãos no caminho da obediência à von-
thampton. Enquanto alguns tade de Deus.
homens já desfrutavam do
descanso de seu lar, outros ainda re- Influência puritana
tornavam do campo anelando pelo
descanso da noite. Enquanto isso, Edwards era um típico congre-
muitos acenavam para um casal bas- gacional da Nova Inglaterra, confor-
tante conhecido e amado na cidade. mando-se às formulações puritanas
Eles passeavam em seus cavalos e de devoção pública e particular. Em
conversavam. Sua amizade era como seu livro, Jonathan Edwards on Wor-
um alento. Ao retornarem ao lar, e aos ship: Public and Private Devotion to
onze filhos, Jonathan e Sarah Edwards God ( Jonathan Edwards sobre ado-
tinham juntos seus momentos devo- ração: devoção pública e particular a
cionais antes de dormirem. E, assim, Deus), Ted Rivera afirma que, embo-
terminava mais um dia. ra os hábitos devocionais particulares
Dentro do pouco que conhecemos de Edwards sejam quase totalmente
sobre a piedade de Edwards, encontra- desconhecidos, o pouco que sabemos
-se sua relação com Sarah, sua esposa. é que Edwards herdou dos antigos pu-
Segundo o Dr. Alderi Souza de Ma- ritanos sua ansiedade pela segurança
tos (CPAJ-Universidade Mackenzie), da salvação, seu zelo em acabar com o
Edwards e Sarah possuíam grande pecado, e sua preocupação cuidadosa
harmonia, amor e companheirismo. por um autoexame.
Até o final de sua vida, eles mantive- Como os demais puritanos,
ram o hábito de andar a cavalo, ao cair Edwards estava muito preocupado
da tarde, para poderem conversar. An- em crescer firmemente em fé e boas
tes de dormirem, sempre tinham jun- obras. A santificação pessoal, que co-
tos seus momentos devocionais. meça com a devoção particular diá-
Jonathan Edwards viu a Bíblia, ria, resulta em boas obras que devem
acima de tudo, como um livro de ins- ser ilimitadas. Para os puritanos, uma
truções, cujo objetivo é guiar os cris- verdadeira confiança em Cristo nunca

32 | Revista f é pa r a h o j e
é infundida sem outras graças com ela, sua vez, tem como objetivo neutralizar
graças estas que sempre resultam no as tendências persistentes ao pecado.
bem do próximo. O autoexame serve também para tra-
zer energia para a vida moral, que é o
Autoexame símbolo mais seguro de uma conver-
são religiosa.
Em 1738, Jonathan Edwards pre- Como a maioria dos puritanos,
gou uma série de sermões intitulada Edwards praticava regularmente o au-
Charity and Its Fruits (Caridade e seus toexame. Seus diários, do período em
frutos) onde tratou das práticas espi- que ele era bem jovem, nos mostram
rituais, do amor divino e dos hábitos alguém buscando examinar cuidado-
dos crentes. samente suas motivações, disposições
Edwards, nestes sermões, demons- e ações. Edwards recomendava seus
trou que gostaria que sua congregação paroquianos a, regularmente, pratica-
observasse muitas destas práticas es- rem o autoexame, não apenas uma vez
pirituais particulares: exame da cons- ou duas, mas diária e continuamente,
ciência, constante avaliação espiritual, até que, por assim fazer, suas mentes
orações familiares matutinas e vesper- iriam, degrau por degrau, crescer. As-
tinas, leitura particular das Escrituras, sim, conquistariam um hábito de con-
encontros com outros cristãos, e uma sideração saudável de sua alma, além
abrangente observância do Sabbath. de uma vida e ação prudentes.
William C. Spohn, em artigo pu-
blicado no Journal of Religious Ethics A devoção: uma busca pela
(Revista de Ética Religiosa), destaca santidade
que “de seus escassos escritos autobio-
gráficos, parece que sua rotina diária John Gerstner, em seu livro Jona-
era organizada em torno destes exer- than Edwards: a mini-theology ( Jona-
cícios devocionais”. than Edwards: uma mini-teologia),
Estes sermões foram pregados dedica o capítulo nove para tratar da
após um avivamento na igreja local busca pessoal de Edwards pela san-
(Northampton), por volta de 1736-37, tidade. De seus sermões escritos, em
e pouco antes do Grande Desperta- mais de 1.200 o tema central é a san-
mento, ocorrido entre 1740-43. Estes tif icação. Além dos sermões, seus es-
sermões esboçam algumas práticas critos também estão carregados deste
específicas que foram vividas antes e tema.
durante o Grande Despertamento. Em seu livro Religious Affections
Edwards sempre praticou e reco- (Afeições Religiosas), ao tratar so-
mendou a prática do autoexame. Se- bre justif icação, opondo-se ao anti-
gundo ele, o autoexame é uma forma nomianismo e ao neonomianismo,
de manter a piedade diária que, por Edwards insiste por uma pura dou-

Revista fé par a h oje | 33


trina da santificação como um coro- Em um de seus sermões, Edwards
lário da justificação. diz que uma pessoa dando um copo
Em A Faithful Narrative of the d’água em nome de Cristo significa
Surprising Work of God (Uma narrativa muito mais para Deus do que um não
fiel da surpreendente obra de Deus), convertido entregando seu corpo para
bem como em Thoughts on Revival ser queimado. Cristianismo consis-
(Pensamentos sobre Reavivamento), te em prática. O homem natural não
Edwards perseguiu determinadamen- pode mortificar suas próprias concu-
te o mesmo tema. Em Humble Attempt piscências. A fé posta em ação é capaz
(Esforço Humilde), Edwards faz um de mortificar as concupiscências do
chamado à oração, essencial para a coração humano; e é uma evidência de
santificação. seu poder.
Ao tratar da necessidade de san- Embora os cristãos possuam um
tificação, Gerstner destaca que, nos princípio novo e poderoso que so-
sermões de Edwards, é contrário à brepõe suas concupiscências, estas
razão um Deus santo abraçar criatu- ainda permanecem presentes e, por
ras imundas. É igualmente estranho isso, a devoção diária nunca deve ser
imaginar um Deus que ama criaturas negligenciada. Para Edwards, há no
imundas, pois, tal amor, perverteria coração piedoso uma luta compará-
tanto Ele com o céu. Há uma razão vel àquela que aconteceu no ventre de
inerente na natureza do pecado que Rebeca entre Jacó e Esaú. Guerra é
torna necessário que o pecador seja outra analogia que Edwards usa para
infeliz e incapaz de ser feliz. Para descrever a luta no coração da pessoa
Edwards, para que um cristão seja fe- convertida.
liz, ele deve obedecer tanto às práticas
espirituais diárias, quanto àquelas re- Edwards e as manifestações
lacionadas ao 2º mandamento. Para extraordinárias
ele, alguém não pode ser salvo sem
obedecer ao 2º mandamento (amar ao Segundo Spohn, Edwards não se
próximo). prendeu às manifestações extraordi-
Para Edwards, quando colocamos a nárias da graça em seus sermões no
santificação em prática, evidenciamos período do Grande Despertamento
ao diabo o triunfo glorioso do Senhor - muito menos após este período. À
sobre ele. Edwards não compreende semelhança de João da Cruz, outro
um cristão que não se satisfaz com a teólogo que experimentou momentos
santidade. O cristão não está satisfeito intensos de enlevo espiritual, Edwar-
com nada menos do que ser perfeita- ds sempre suspeitou de fenômenos
mente santo. O cristão verdadeiro e místicos.
sincero dá mais glória a Deus do que Para Edwards, as manifestações
um mundo todo de homens maus. extraordinárias não davam nenhu-

34 | Revista f é pa r a h o j e
ma prova de conversão ou santidade. Pouco tempo depois que comecei a
A autenticidade da experiência re- experimentar estas coisas, falei com
ligiosa não era determinada por sua meu pai sobre alguns pensamen-
intensidade ou natureza incomum, tos que passaram em minha mente.
mas pela qualidade de vida que emer- Fiquei muito afetado pela conversa
gia dela. Novos hábitos da vida cris- que tivemos. E, quando a conversa
tã, manifestariam gradualmente que terminou, caminhei sozinho para
a pessoa era, de fato, “espiritual”, ou fora, num lugar solitário nos campos
seja, que ela tinha parte na santida- de pastagens de meu pai, para medi-
de de Deus através do Espírito Santo tar. E, enquanto eu estava andando
que vive nela. lá, e olhei para o céu e nuvens, veio à
minha mente uma sensação doce da
Um exemplo final gloriosa majestade e graça de Deus,
que não sei como expressar. Pareceu-
Fredrick Youngs, escrevendo para -me vê-las em uma terna conjunção:
o Journal of the National Association of majestade e mansidão se juntaram:
Baptist Professors of Religions (Revista era uma majestade santa, doce e

quando colocamos a santificação em


prática, evidenciamos ao diabo o triunfo
glorioso do Senhor sobre ele”

da Associação Nacional de Professo- gentil, e também uma majestosa


res Batistas de Religião), disse que, mansidão; uma ternura impressio-
uma vez que a ênfase de Edwards so- nante, uma ternura elevada, gran-
bre religião experiencial surgiu de sua de, e santa.
própria experiência, passagens auto- Após isso, meu senso das coisas di-
biográficas serão as fontes primárias vinas gradualmente aumentaram,
para quem deseja prosseguir na tarefa e se tornou mais e mais vivo, e eu
de entender a devoção e piedade de sentia mais daquela ternura inte-
Jonathan Edwards. Em sua Perso- rior. A aparência de tudo mudou:
nal Narrative (Narrativa Pessoal), parecia haver em quase tudo, por
Edwards traz dois parágrafos conse- assim dizer, um molde ou aparên-
cutivos descrevendo eventos de logo cia calma e terna da glória divina.
após sua conversão. A excelência de Deus, sua sabedoria,

Revista fé par a h oje | 35


sua pureza e amor, pareciam apare- como Jonathan e Sarah Edwards ex-
cer em tudo; no sol, na lua e nas es- perimentaram. E, tenha certeza, um
trelas; nas nuvens e no céu azul; na despertamento espiritual, sempre co-
grama, nas flores, nas árvores; na meçará em sua casa!
água e em toda a natureza; as quais
ele usou grandemente para conser-
tar minha mente... E, enquanto eu
observava... como sempre parecia Ted Rivera. Jonathan Edwards on worship: public and
private devotion to God. Eugene: Pickwick, 2010.
natural para mim, eu cantava todas
Alderi Souza de Matos. Jonathan Edwards: teólogo
as minhas meditações, falando os do coração e do intelecto. Fides Reformata. v. 3, n. 1.,
meus pensamentos em solilóquios, e 1998.

falando-os com um canto. William C. Spohn. Spirituality and its Discontents:


Jonathan Edwards’s Charity and Its Fruits. Journal of
Religious Ethics. v. 31, n. 2, 2003.
Edwards, desde muito cedo, pro- John Gerstner. Jonathan Edwards: a mini-theology.
vou a Deus. Desfrutou de sua comu- Morgan: Soli Deo Gloria, 1987.
Sermões de Jonathan Edwards.
nhão e compartilhou isso com sua
Jonathan Edwards. Original Sin. Cornwall: Diggory
família em primeiro lugar. A exemplo Press, 2007.
dele, concluo refletindo sobre como Jonathan Edwards. Religious Affections. Grand Rapi-
seria saudável se voltássemos a prati- ds: Sovereign Grace, 1971.

car tais “antigos” hábitos devocionais. Fredrick Youngs. Jonathan Edwards, A Mystic? Jour-
nal of NABPR.
Como precisamos anelar mais a Deus
Jonathan Edwards. Letters and Personal Writings. New
do que qualquer bem que dele venha a
Haven: Yale University Press, 1998.
nós! Ele é o mais precioso bem que po-
demos encontrar. Ele se oferece a nós e
Wilson Porte: Mestre em Teologia pelo Cen-
nos convida a irmos a ele, diariamente! tro de Pós-Graduação Andrew Jumper da Uni-
Creio que, sem essa sede e fome pelo versidade Presbiteriana Mackenzie. É pastor da
Senhor, jamais experimentaremos um Igreja Batista Liberdade em Araraquara-SP e
professor no seminário Martin Bucer.
gracioso despertamento do Senhor,

36 | Revista f é pa r a h o j e
Jonathan
O desconhecido

Edwards
apreço pela natureza e ciência
e pelo Deus Criador.

Francisco Solano Portela Neto

Revista fé par a h oje | 37


A
s raízes cristãs de Jonathan foi um pensador precoce, acadêmico,
Edwards e o estímulo de pastor, poderoso pregador e missio-
sua mente prodigiosa co- nário entre os índios. Além de seu
meçaram no seu lar. Timothy Edwar- relacionamento com Yale (profes-
ds, seu pai, era pastor em uma vila na sor e esposo da filha do fundador),
fronteira, em Connecticut, e foi o seu Edwards, alguns meses antes de sua
primeiro mentor. Aparentemente sua morte em 22 de março de 1758, foi
mãe era uma mulher de reconhecida convidado para presidir o College of
inteligência e todos os seus dez ir- New Jersey (atualmente, Universida-
mãos (ele era o quinto) foram exce- de de Princeton), posição que ocupou
lentemente educados no lar. Nascido por apenas um mês. Contraindo ra-
em 1703, Edwards revela sua preco- pidamente varíola, veio a falecer, com
cidade iniciando seus estudos no Yale apenas 54 anos de idade.1
College antes de completar 13 anos. O Muito tem sido escrito sobre Jo-
seu bacharelado foi outorgado quan- nathan Edwards, principalmente
do ele tinha 17 anos e três anos mais sobre sua teologia, suas atividades
tarde, em 1723, ele já completava o pastorais e seus sermões, todos na
seu mestrado. Com 21 anos ele já as- melhor tradição dos grandes purita-
sumia uma cátedra em Yale. Edwards nos. Mas ele é considerado por mui-
já pregava desde os 19 anos, quando tos historiadores de renome, como
ficou em New York por seis meses, George Marsden, Perry Miller e Ed-
em uma igreja presbiteriana escoce- mund Morgan, como sendo um dos
sa. As 24 anos foi ordenado pastor da maiores intelectuais norte-america-
igreja de Northampton, em Massa- nos.2 Marsden indica que na Europa
chusetts, onde ficou por 23 anos. Aos muitos acadêmicos, tanto teólogos
24 anos casou-se com Sarah Pierre- como cientistas, viam-se impelidos
pont e seus trinta anos de vida con- pela ciência à adoção do deismo, mas
jugal lhes legaram 12 filhos. Edwards Jonathan Edwards via na natureza as

38 | Revista f é pa r a h o j e
evidências do maravilhoso projeto meio do texto temos percepções in-
de Deus e nela trafegava com muita comuns para um jovem de sua idade,
competência. Com frequência, pro- com incrível precisão científica. Nes-
curava refúgio na floresta para medi- se texto, por exemplo, ele escreve:
tar e adorar. Chama atenção a forma
como ele aborda com tanta tranqui- aquilo que sobe a ascende no ar é
lidade a natureza e faz a transição da mais leve do que o ar, como aqui-
física para a metafísica, demonstran- lo que boia na água é mais leve do
do em sua vida e escritos o entrelaça- que a água.
mento que existe entre todas as áreas Ele continua, indicando que a
do conhecimento, pois tudo flui do teia que suporta a aranha “é mais
Deus Criador. do que suficiente para contraba-
Esse viés e interesse estão presen- lançar a [força de] gravidade da
tes, especialmente, nos seus escritos aranha”.
mais antigos. Em um desses, Edwar-
ds escreve sobre insetos.3 Ele indica No texto, Edwards descreve em
que aborda o que chama de “maravi- detalhes como as teias são entrelaça-
lhas da natureza”, por orientação do das, como se processa o movimento

Jonathan Edwards via na


natureza as evidências do maravilhoso
projeto de Deus”

seu pai. O texto é em forma de uma das aranhas, desenhando e diagra-


carta a uma pessoa não identificada e mando pontos “a”, “b”, “c”, etc, para
o que espanta não é somente a preci- ilustrar suas observações sobre o tra-
são, ou visão analítica e perspícua das balho de tecelagem dos aracnídeos.
observações, mas a idade de Jonathan Descrevendo uma situação específica
Edwards, nessa ocasião: 11 anos! En- da fauna e flora de sua região, nesse
tremeado com desenhos e diagramas, contexto, expressa admiração como
Edwards realiza uma descrição do as aranhas conseguem construir teias
trabalho das aranhas e suas teias. No que se estendem conectando árvores

Revista fé par a h oje | 39


que estão distanciadas, utilizando ca.5 É verdade que aqui já temos um
a força do vento e administrando a Jonathan Edwards mais maduro e ex-
conjunção com o fio que emana delas. periente, com 13 anos de idade!
Concluindo sua descrição do proces- Tratando sobre o arco-íris, ele ex-
so, ao seu destinatário, Edwards es- plica como a superfície convexa das
creve: “Esta é, Senhor, a maneira pela gotículas produz a refração e varieda-
qual as aranhas vão de uma árvore à de de cores, decompondo a luz “bran-
outra, a grande distância; e essa é a ca” dos raios solares. Falando sobre
forma pela qual elas voam pelo ar”. cores e a sua percepção na natureza,
Esse interesse pela natureza era, Edwards explica que “... o azul que
certamente, construído na crença e vemos nas montanhas à distância não
convicções sobre o Criador de todas é gerado por algum raio de luz refleti-
as coisas e na sistematização do uni- do nas montanhas, mas assim aparece
verso, registrada para nós no Salmo em função do ar e do vapor de água
19.2-4: “Um dia discursa a outro dia, e que existe entre elas e nós”.
uma noite revela conhecimento a ou- Ainda nesses quatro ensaios, fa-
tra noite. Não há linguagem, nem há zendo a transição para ontologia (a
palavras, e deles não se ouve nenhum ciência do ser), Edwards traça um
som; no entanto, por toda a terra se complexo argumento contra o nihi-
faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, lismo. Contra aqueles que afirmavam
até aos confins do mundo. Aí, pôs que não lidamos com realidades, mas
uma tenda para o sol”. É exatamente apenas com aparências, mas também
essa sistematização e repetibilidade contra os que, afirmando a realidade
dos processos (que chamamos de leis do ser, negam a existência do Ser So-
físicas, químicas, etc.) que possibilita berano. Depois de desenvolver vários
o se “fazer ciência”, e Edwards traba- pontos fundamentais, demonstrando
lha em cima desses pressupostos. uma alta técnica apologética, ele es-
Alguns anos mais tarde, em de- creve:
talhados quatro ensaios, nos quais
ele faz observações sobre o arco-íris Vemos que é necessário que al-
e as sobre cores (bem como sobre a gum ser deva ter existência eter-
alma e a essência do ser),4 Edwards, na. É ainda muito contraditório
também complementa seu texto com afirmar que existem seres em al-
elaborados desenhos e diagramas so- guns lugares [visíveis] (somewhe-
bre reflexo e refração, revelando uma re), mas não em outros lugares
compreensão profunda e precisa dos [invisíveis] (otherwhere), pois as
princípios da física, no campo da óti- palavras “nada” e “onde” contra-

40 | Revista f é pa r a h o j e
dizem uma a outra; além disso, o segredo está aqui. Aquilo que é
é extremamente chocante ao ra- a substância de todos os corpos
ciocínio pensar na existência do é a ideia perfeitamente estável,
puro nada, em algum lugar... As- exatamente precisa e infinita,
sim, vemos a necessidade de que que está na mente de Deus, em
este necessário ser eterno seja in- conjunto com sua estável von-
finito e onipresente. tade; que é gradualmente comu-
nicada a nós e a todas as demais
Mais adiante, ainda neste ensaio, mentes, de acordo com certas leis
Edwards fala do “globo da terra” como e métodos fixos, exatos e bem
subsistindo “neste universo criado”. estabelecidos. Ou para utilizar
Certamente o seu conceito de Deus, uma linguagem diferente, a ideia

possuir a cosmovisão cristã


é precisamente o objetivo da educação
escolar cristã”

como alicerce de todo o pensamento e divina infinitamente precisa e


sustentador da Criação, já era o mais exata; conjuntamente com uma
alto possível, mesmo nessa idade em vontade que se relaciona e que é
que adquiria maturidade e firmava perfeitamente exata e estável em
seus pensamentos. sua comunicação com as mentes
Já formado, em meio à sua pós- criadas e com os efeitos que nelas
-graduação, mas ainda com meros são produzidos.
19 anos, Jonathan Edwards escreve
textos sobre a mente.6 Escrito em for- Quando abordamos esses escritos
ma de proposições ou silogismos, ele e esse Jonathan Edwards quase des-
trata de “causas”, “existência”, “subs- conhecido, em seus primeiros anos
tância”, “espaço”, e outros temas se- de produtividade intelectual, pode-
melhantes, que são filosoficamente mos apreciar pelo menos dois grandes
abordados. Tratando de questões “es- aspectos sobre esse gigante de Deus:
paciais”, ele diz: Primeiro, constatamos a mente e a

Revista fé par a h oje | 41


produção precoce de Edwards, pro- 1 Ola Elizabeth Winslow, Ed. Jonathan Edwards
Basic Writings (New York: New American Library
duzindo ensaios fenomenais sobre – Signet, 1966), i.
suas observações da natureza. Se- 2 George M. Marsden. Jonathan Edwards: A Life
(New Have: Yale University Press, 2003), 498-505.
gundo, destacamos a forma natural
3 S. B. Dwight, Ed. The Works of President Edwards,
com que ele aborda a criação e como Vol. I (New York: Converse, 1829), 23-28.
entrelaça as diferentes áreas de co- 4 E. C. Smith. Ed. “Some Earlier Writings of Jonathan
Edwards, A.D. 1714-1726”, in Proceedings of the
nhecimento com os fundamentos da American Antiquarian Society (1895), X, p. 237-247.
fé cristã e com a percepção de um 5 Acredita-se que Jonathan Edwards era familia-
universo que procede de um Deus rizado e já havia lido o tratado de Isaak Newton,
Opticks, escrito em 1704. É importante frisar o en-
soberano criador e redentor. Possuir trelaçamento também de Newton com a fé cristã.
Crente fiel na Igreja Anglicana, quase foi ordena-
e imprimir essa cosmovisão cristã é do ao ministério, e sempre foi um defensor de um
precisamente o objetivo da educação universo ordenado que procede do Soberano Deus
Criador. Essa convicção foi a base do seu desen-
escolar cristã. Essa abordagem esteve volvimento científico e de suas importantíssimas
tão presente nos primórdios da civi- contribuições para a ciência, principalmente no
campo da física. Com toda probabilidade, Jona-
lização norte-americana, inclusive than Edwards recebeu intensa influência positiva
nas instituições que Edwards atuou, da parte dos escritos de Newton.
6 S. B. Dwight, Ed. The Works of President Edwards,
e atualmente encontra um interesse Vol. I (New York: Converse, 1829), Apendix, 668-
renovado, não só naquele país, mas 676

com grandes avanços que Deus tem


permitido ocorrer em nosso Brasil.
Francisco Solano Portela Neto: Presbítero da
Que Ele produza muitos Jonathan Igreja Presbiteriana do Brasil, graduado em Ci-
Edwards em todos os campos de co- ências Exatas, fez o mestrado no Biblical Theolo-
gical Seminary, diretor de planejamento e finan-
nhecimento, é a nossa oração e desejo. ças da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
É escritor, tradutor e conferencista.

42 | Revista f é pa r a h o j e
Jonathan
Pensamentos de

Edwards sobre Deus

Don Kistler
Capa de um caderno de Jonathan Edwards contendo anotações sobre a História da Redenção Revista fé par a h oje | 43
© Yale University Beinecke Rare Book and Manuscript Library
J
onathan Edwards apresentou esta ele era um adolescente, Edwards dis-
razão convincente quanto à exis- se: “É totalmente impossível que haja
tência de Deus: “Deus é um ser o nada absoluto”. Tem de haver um
necessário porque é uma contradição Ser eterno, porque negar isso envol-
supor que ele não existe. Deus é um ve a impossível contradição de que o
ser necessário porque é impossível que Nada existe.
ele não exista, pois não há outra alter- Em suas “Miscelâneas”, que li-
nativa. Não há nenhuma segunda [al- dam com os temas de Deus e seu Ser,
ternativa] para fazer a disjunção. Não as quais você pode achar em nosso
há nada mais que possamos supor”. novo livro Our Great and Glorious God
Este é um bom exemplo do méto- (Nosso Grande e Glorioso Deus),
do apologético de Edwards. Em sua Edwards argumenta sobre a existência
obra clássica A Liberdade da Vontade, e a necessidade da existência de Deus
ele argumentou assim: em termos do nada:

Primeiramente, ascendemos e A única razão por que estamos


provamos a posteriori, ou com prontos a opor-nos contra a ab-
base nos efeitos, que tem de haver soluta, indivisível e incondicio-
uma causa eterna. Depois, em se- nal necessidade da existência de
gundo lugar, provamos por argu- Deus é que estamos prontos a
mentação, e não por intuição, que pensar como se houvesse alguma
este ser tem de existir necessaria- segunda [alternativa]... Mas é por
mente. Depois, em terceiro lugar, causa da miserabilidade de nossas
com base na necessidade provada concepções que estamos pron-
da existência deste ser, podemos tos a imaginar tal suposição. Há
descer e provar muitas de suas apenas conversa vazia onde há tal
perfeições a priori. suposição, a menos que soubésse-
mos que o nada existia. Mas não
Em sua primeira obra filosófico- podemos ter esse conhecimento
-teológica, Do Ser, escrita enquanto porque não existe tal coisa.

44 | Revista f é pa r a h o j e
ma, existir, ela tem primeiramente
Edwards colocou grande ênfase de existir para escolher, de si mesma,
na lei da causalidade. Ele se referiu a existir. Mas, se houve realmente o
Deus como “a Causa eterna”. nada, quando nada existia, então, esse
nada quis, ele mesmo, existir antes que
Todos reconhecem que é autoe- existisse para fazer tal escolha. E essa
vidente que nada pode começar a possibilidade é uma impossibilidade!
existir sem uma causa... Quando
entendida, esta é uma verdade Todos reconhecem que é autoe-
que terá, irresistivelmente, lugar vidente que nada pode começar
na anuência. Portanto, se su- a existir sem uma causa. Tam-
pomos um tempo no qual nada bém não podemos provar isso de
existia, um corpo não começaria a qualquer outra maneira senão por
existir por iniciativa própria. Isto explicá-lo. Quando entendida,
é o que o entendimento abomina: esta é uma verdade que terá, irre-
que alguma coisa veio a existir sistivelmente, lugar na anuência.
quando não havia nenhuma razão Portanto, se supomos um tempo
para ela existir. no qual nada existia, um corpo
não começaria a existir por ini-
Edwards era um grande fã do ciativa própria. O entendimento
empiricista inglês John Locke. Uma abomina o fato de que alguma
das obras famosas de John Locke foi coisa veio a existir quando não
A Racionabilidade do Cristianismo. havia nenhuma forma ou razão
Edwards concordava com o fato de para ela existir. Portanto, é igual-
que todo efeito pode ter sua origem mente autoevidente que um ser
estabelecida numa causa, o que ne- não pode, quanto à maneira de
nhum cristão inteligente contestaria: seu ser, começar a existir sem uma
causa, tal como a de que, quando
É evidente que nenhuma das um corpo está em descanso per-
criaturas, nenhum dos seres que feito, ele começa a se mover sem
vemos é o princípio de sua pró- uma razão dentro ou fora dele
pria ação, mas todas as alterações mesmo. Portanto, “porque apenas
seguem uma cadeia procedente de aconteceu” não satisfará a mente,
outras alterações. de modo algum. A mente pergun-
ta qual foi a razão.
Em outras palavras, nada tem o
poder de autocriação. Cada ação en- Assim, Edwards argumenta em fa-
volve uma decisão ou escolha anterior vor da existência de Deus como sendo
para que tal ação aconteça. Contudo, necessária, porque é impossível que
para alguma coisa querer, de si mes- o nada sempre existiu. Se há ser, esse

Revista fé par a h oje | 45


ser tem de ser um Ser eterno. Para porque não existe tal coisa como
Edwards, e creio que para todos os se- fazer uma proposição a respei-
res racionais, ou algo veio do nada (o to de qualquer não eternidade.
que é impossível, porque o nada não Também não podemos, em nos-
pode produzir algo), ou o que existe sa mente, fazer uma suposição a
veio de Deus, um Ser eternamente respeito de uma não eternidade.
existente. A escolha é entre Deus ou Talvez façamos tal suposição em
o nada. palavras, mas não é realmente
É muito mais autoevidente que, se uma suposição, porque as pala-
tudo veio de Deus ou do Nada, tudo vras não têm nenhum sentido no
deve ter vindo de Deus. Se Deus não pensamento que lhes correspon-
tem outro competidor, exceto o Nada, dam. São palavras tão sem senti-
ele não tem realmente um compe- do no pensamento que significam
tidor. “Deus ou algo como isto:
nada” e “somente uma linha reta
Deus” são, por- Edwards argumenta em favor curvada, ou um
tanto, expressões círculo quadrado,
da existência de Deus como sendo
sinônimas. ou um triângulo
No v a m e n t e, necessária, porque é impossível de seis ângulos.
não existe tal coi- que o nada sempre existiu” Se supomos que
sa como o nada. existe não eter-
Se pensamos que nidade, isso é o
temos uma ideia mesmo como se
a respeito do que é o nada, então, isso pudéssemos dizer ou supor que
não é mais o nada, e sim alguma coisa. nunca houve tal coisa como du-
O nada se torna uma entidade exis- ração, o que é uma contradição;
tente. O nada se torna algo. Mostran- porque a palavra “nunca” implica
do o estridente senso de humor pelo eternidade, e isso é o mesmo que
qual ele é distinguido, Edwards des- dizer que nunca houve nenhuma
creveu o nada desta maneira enquanto duração desde toda a eternidade.
ainda era adolescente: “Nada é aquilo Portanto, no próprio duvidar da
que as rochas dormentes sonham”. coisa, nós a afirmamos.

Para ilustrar isso com um dos Para Edwards, não havia outra op-
atributos de Deus, considere a ção, exceto a existência de Deus. Essa
eternidade. É absolutamente ne- tinha de ser a única opção, porque era
cessário que a eternidade exista, impossível não ser.
e isso porque não há outra op-
ção. Afirmar eternidade ou não Há uma razão que pode ser
eternidade não é uma disjunção, apresentada para explicar por

46 | Revista f é pa r a h o j e
que Deus devia ter existência. A A natureza de Deus
razão é que não há outra alter-
nativa. Não existe algo conce- Nesta altura, Edwards começa a
bível que possa ser colocado em definir a Deus baseado na própria no-
confrontação com a existência ção de que Deus existe. Se existe um
de Deus como a outra parte da Ser eterno, a quem chamamos Deus,
disjunção. Se há, é o nada absolu- há coisas a respeito deste Ser que têm
to e universal. Uma suposição de de ser necessariamente verdadeiras.
algo é uma suposição da existên- Primeiramente, se alguma coisa
cia de Deus. A existência de Deus sempre existiu, ela tem de ser eterna.
não somente pressupõe esse algo, Ela não tem começo e não tem fim. Se
mas também o infere. Ela o infere ela tem um começo, então, algo a cau-
não somente de maneira conse- sou antes, e esse algo é o ser Eterno.
quente, mas também de maneira Todavia, qualquer que seja a origem
imediata. de todo ser, este ser tem de ser eterno.
Deus é maior do que tudo que
existe, e não há existência sem a Nada chega a acontecer sem uma
existência de Deus. Todas as coi- causa. O que é autoexistente tem
sas estão nele, e ele está em tudo. de existir desde a eternidade e tem
Mas não há tal coisa imaginável de ser imutável; mas, no que diz
como o nada absoluto. Falamos respeito às coisas que começam a
insensatez quando supomos que existir, elas não são autoexistentes
tal coisa existe. Enganamos a nós e, portanto, precisam ter fora de si
mesmos quando em nossa mente mesmas algum fundamento para a
pensamos que supomos isso ou sua existência. O fato de que tudo
quando imaginamos que o supo- aquilo que começou a existir, não
mos como algo que é possível. O havendo existido antes, precisa
que fazemos quando pensamos ter uma causa por que começou
na absoluta niilidade (se posso a existir – este fato parece ser o
falar assim) é apenas remover primeiro ditame do senso comum
uma coisa para dar lugar a outra e e natural que Deus implantou na
supor esta outra. Neste caso, não mente de toda a humanidade e o
há tal coisa como duas partes de principal fundamento de todas
uma disjunção. Quando falamos as nossas argumentações sobre a
de existência em geral, falamos de existência de coisas passadas, pre-
um único ponto sem uma disjun- sente e por vir.
ção. Portanto, Deus existe porque
não há outra alternativa. Deus Se algo é eterno, não deve ter de-
existe porque não há nada mais feito; pois, se tivesse defeitos, por fim
que possamos supor. decairia e perderia a existência. Fica-

Revista fé par a h oje | 47


ria velho, decairia e, por fim, deixaria algo para a nossa existência, somos
de existir. Contudo, um ser eterno não obrigados a prestar honra a essa “coi-
pode ter nenhum defeito; tem de ser sa”, seja o que for.
um ser perfeito e eterno. A Bíblia faz disso a razão por que
Se ele é um ser perfeito e eterno, os filhos devem honrar os pais, porque
sua eternidade e perfeição exigiriam é de seus pais que eles têm sua existên-
que fosse incapaz de mudar, a menos cia. E, visto que os filhos dependem
que essa mudança fosse uma regressão de seus pais para receberem todo tipo
e uma negação de seu caráter. Mas, se de sustento, eles são obrigados a hon-
algo regressasse de um estado perfei- rar seus pais e a ser obedientes.
to para um estado imperfeito, ele não Em um sermão intitulado “A
permaneceria perfeito ou eterno. Justiça de Deus na Condenação de
Se existe um ser eterno e perfeito, Pecadores”, Edwards disse: “Nossa
então, ele estabelece o padrão para to- obrigação de amar, honrar e obedecer
das as definições das coisas. Pois, em a qualquer ser é proporcional à ama-
sua existência e antes de criar tudo bilidade, honra e autoridade desse ser.
mais, sua própria existência é o único Visto que Deus é infinitamente amá-
padrão aplicável a qualquer coisa. Isto vel, possui honra infinita e autorida-
também seria verdadeiro porque não de infinita, nossa obrigação de amar,
existe nada mais pelo que alguma coi- honrar e obedecer a Deus é infinita”.
sa possa ser avaliada! Continuemos nossas observações
Portanto, tudo que este ser escolhe racionais sobre a natureza do ser eter-
fazer será necessariamente a coisa certa, no. Se tal ser existe, e vimos que ele
pois não há ninguém mais que o possa tem de existir, então, sua única obriga-
criticar. E, para criticar alguma coisa, ção é para consigo mesmo, pois nada
precisa haver algo superior a essa coisa existe que possa obrigá-lo a qualquer
que já existe, certo? E não há possibi- coisa. Ele não violaria nenhuma lei, se
lidade racional de um ser eternamente fosse autocentrado.
existente ter um ser superior a si mes- Além disso, se ele fosse o padrão
mo; pois isso significaria que o ser su- de tudo que é certo, nada poderia cri-
perior seria o ser eternamente existente. ticar essa autocentralidade; pois um
Isto nos leva à próxima conclusão ser criado não teria a existência eterna
necessária: tudo que existe deve sua e perfeita que lhe permitiria suscitar a
existência à fonte original de exis- questão de impropriedade.
tência. Esse primeiro ser, ou primei- A próxima coisa que veríamos é
ra causa, que, conforme vimos, tem que este ser eterno e perfeito teria
de ser autoexistente, é, portanto, a todo o conhecimento. Mas esse co-
fonte de tudo que existe. Isso obriga nhecimento seria o conhecimento de
tudo que existe a total subserviência, si mesmo. Pois tudo que existe é e pro-
porque, à medida que dependemos de cede dele mesmo; portanto, conhecer

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a si mesmo é conhecer todas as coisas. Portanto, este ser seria plenamen-
A maior coisa que este ser poderia te feliz em e consigo mesmo. Nada
fazer por qualquer coisa ou qualquer poderia ser acrescentado a ou tira-
outro ser seria revelar a si mesmo e dar do de seu gozo em si mesmo. Poucos
o conhecimento de si mesmo. Pois, se teriam ousado admitir esta doutrina
este ser original, que é eternamente que Edwards propagou! Deus é infi-
perfeito, é a soma de todo conheci- nitamente feliz, porque ele é o Deus
mento e de tudo que é bom e correto, sempre “bendito”. E, argumentando
expressar e revelar a si mesmo, para com base na imutabilidade de Deus,
ser conhecido, é o maior dom que ele se ele tem sido sempre feliz, ele tem
poderia dar. de ser eternamente feliz. Edwards o
Este ser não somente seria a fonte expressou nestes termos: “Não há ver-
de toda a existência, porque toda vida dadeiramente em Deus qualquer coisa
extrairia sua existência deste ser, mas como dor, tristeza e inquietação”.
também possuiria o único poder ine- Nesta altura, temos de admitir
rente que existe. Toda outra autorida- que alguma coisa que sempre existiu

A maior coisa que Deus poderia


fazer por qualquer coisa ou qualquer
outro ser seria revelar a si mesmo e dar o
conhecimento de si mesmo”

de seria delegada ou outorgada, mas a é alguma coisa eterna, perfeita, jus-


autoridade deste ser é inerente. Não ta, onipotente, onisciente, imutável,
poderia haver poder maior para dar autossuficiente e jubilosamente feliz
ordens a este ser. Portanto, este ser se- consigo mesma, à parte de qualquer
ria soberano sobre toda coisa que não outra pessoa ou qualquer outra coisa.
é semelhante a ele mesmo, ou seja, que Mais uma coisa que é uma con-
não é autoexistente, perfeita e eterna. sequência necessária da existência de
Este ser seria completo e não seria Deus como este: ele tem de se opor e
mudado, positiva ou negativamente, punir todos que o rejeitam; pois tole-
por qualquer coisa que ele criaria. Se- rar e aceitar aqueles que se opõem a
ria totalmente autossuficiente, porque ele e o rejeitam seria negar a si mes-
é totalmente autoexistente. mo e negar aquilo que é o maior bem.

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Aquilo que é, em si mesmo, o padrão de ser o fim de todos os seus pensamen-
teria de denegrir o padrão que ele tos, ações, decisões e alvos. Por isso, na
mesmo estabeleceu. mente de Edwards, tudo que Deus faz
Edwards conclui que todas as per- é para si mesmo e para sua glória.
feições possíveis estão implícitas na Deus tem sempre de fazer tudo
própria existência deste Ser divino: para si mesmo, pois fazer isso por
“Ter [algumas] perfeições e não todas qualquer razão menor seria negar a si
é o mesmo que ser finito. Isto é inco- mesmo. E isso seria pecado contra ele
erente com existência independente e mesmo, o que ele não pode fazer.
necessária”. A essência da verdadeira virtude
Este tipo de argumentação deixa o é fazer o bem mais elevado possível
homem não regenerado sem desculpa tendo o motivo ou a razão mais eleva-
– exatamente o que o apóstolo Paulo da possível. Se pessoas fazem alguma
disse. Edwards concordava com o fato coisa boa, e poderiam fazê-la movidas
de que há dois livros que obrigam os por um objetivo maior do que o obje-
pecadores a se humilharem diante de tivo pelo qual a fizeram, tal coisa boa
Deus. Há o livro da Revelação Divina não é a coisa mais virtuosa que elas
e o livro da revelação natural. poderiam fazer.
A revelação natural é suficiente Alguns argumentam que isto mos-
para condenar o homem, mas a Reve- tra a Deus como um ser egoísta. Mas o
lação Divina é necessária para salvar o egoísmo é errado somente quando se
homem. Por isso, Edwards era indis- manifesta às custas do bem de outros.
posto a abandonar a necessidade de Somos egoístas quando não nos im-
provas da Escritura; mas um homem portamos com o que acontece com os
que rejeita a Escritura não tem lugar outros e fazemos o que nos traz pros-
para se esconder. Edwards concorda- peridade, não importando como isso
ria com o fato de que Deus nos deu a prejudica o resto do mundo.
Bíblia, mas a Bíblia não nos dá Deus. No entanto, Deus não pode ser
Mas tudo que a Bíblia diz sobre o ca- egoísta porque, quando ele busca sua
ráter e os atributos de Deus deve ficar própria glória, acima de todas as outras
bastante claro para o homem não re- considerações, está também buscando
generado somente pelo uso da razão. o bem de suas criaturas, que só acharão
Edwards diria que o homem não re- sua realização plena na felicidade dele!
generado pode chegar ao conhecimento
da verdade, mas, visto que seu coração
não é mudado, ele nunca pode respon-
Don Kistler: Fundador das editoras Soli Deo Gloria
der de maneira salvadora à verdade. e Northampton Press, nos EUA, Kistler é autor, edi-
Por último, este Ser eterno que tor e conferencista. É graduado em oratória pela
chamamos Deus tem de buscar sua universidade Azusa Pacific College e obteve os graus
de mestre e doutor em ministério.
própria glória em tudo que faz. Ele tem

50 | Revista f é pa r a h o j e
O ambiente

Edwards
teológico arminiano
nos dias de
Heber Carlos de Campos

Revista fé par a h oje | 51


Imagem: Two Dissertations: Concerning the End for Which God Created the World and The Nature of True Virtue
E
m 1737, Jonathan Edwards uma ação penetrante do Iluminismo
escreveu que “neste tempo [re- europeu em alguns setores religiosos
ferindo-se ao outono de 1737] da Nova Inglaterra. Smith escreve so-
começou um grande ruído, nesta parte bre o dilúvio de influência que haveria
do país, a respeito do Arminianismo, de mudar algumas coisas na igreja da
que se parecia com um aspecto muito Nova Inglaterra.
ameaçador com respeito ao interesse Dentro da Inglaterra os elemen-
da religião.”1 tos do Iluminismo tinham penetrado
em ambos, no pensamento não-con-
Geralmente, “Arminianismo” era formista e no anglicano, por todo o
um nome da Nova Inglaterra para século dezessete. No começo do sé-
uma espécie de religião que apa- culo dezoito, as tendências arianas,
rece em todos os tempos e lugares socinianas e pelagianas tinham todas
da igreja, e tem sido outras vezes ganho considerável raiz. Por causa do
conhecido como “semi-Pelagianis- crescente contato comercial e cultural
mo”, “sinergismo” .2 entre Boston e Londres, a parte orien-
tal de Massachusetts foi diretamente
Os arminianos lutam para susten- exposta aos modos do pensamento
tar uma espécie de liberdade humana liberal. Os dois ingleses liberais que
que pode igualmente, e com o mesmo se tornaram influentes naquela região
poder, rejeitar ou aceitar a misericór- foram Daniel Whitby (1638-1726) e
dia de Deus, oferecida em Jesus Cristo. John Taylor (1694-1761).3 Além deles,
A Nova Inglaterra, por muito tem- Thomas Chub, foi um terceiro nome
po, ficou consistentemente calvinista importante nas controvérsias antro-
devido à forte influência dos purita- pológicas com Edwards.
nos, ao menos até o tempo dos grandes Por volta de 1740 o Arminianismo
reavivamentos no tempo de Jonathan tinha prevalecido tanto em Harvard
Edwards (1734 e 1740). Todavia, a como em Yale entre os professores.4
despeito da influência dos desperta- Vejamos alguns expoentes do Ar-
mentos espirituais, começou a existir minianismo no tempo de Edwards:

52 | Revista f é pa r a h o j e
John Taylor (1694-1761) dimento, deve claramente ver isto
como não-razoável, e totalmente
Taylor começou a rejeitar a idéia inconsistente com a verdade e a
do pecado original e eventualmente bondade de Deus.6
escreveu seu tratado Scripture-doctrine
of Original Sin.5 Esse tratado contra o pecado origi-
nal foi recebido muito calorosamente
Taylor era contra a imputação do pe- e a sua influência se espalhou na Nova
cado Inglaterra e foi recebido calorosamen-
Nesse tratado ele atacou bíblica e te por muitas pessoas. David Weddle
filosoficamente essa doutrina cardeal escreve:
do pensamento calvinista. Suas pala-
vras são muito fortes contra a impu- Muitos pregadores (de gerações
tação do pecado original. Ele escreve: mais jovens, e principalmente os
graduados de Harvard) foram
Um representante de ação moral é encorajados em sua apostasia do
o que eu não posso, de modo al- Calvinismo Puritano por esta ex-
gum, digerir. Um representante, pressão sofisticada do Arminia-
a culpa de quem a conduta será nismo continental.7
imputa a nós, e cujos pecados cor-
romperão e perverterão a nossa Após a publicação do Scripture-
natureza, é um dos maiores absur- -doctrine of Original Sin, de Taylor,
dos em todo o sistema para cor- passou a existir um debate entre ele
romper a religião... Que qualquer e Edwards. Edwards disparou o ga-
homem sem meu conhecimento tilho de sua obra  The Great Christian
e consentimento, me represen- Doctrine of Original Sin. Nessa obra,
te, que quando ele é culpado eu Edwards defendeu corajosa e vee-
devo ser reputado como culpado, mentemente a imputação do pecado
e quando ele transgride eu sou de Adão à raça, usando a analogia da
responsável e punível por sua árvore e seus ramos.8
transgressão, e, por causa disso,
sujeito à ira e maldição de Deus, Taylor tinha uma visão superficial do
não! Além disso, que por sua im- pecado
piedade me seja dada uma nature- O debate entre Taylor e Edwards
za pecaminosa, e tudo antes de eu foi sobre a idéia da necessidade. Smith
ser nascido, e consequentemente afirma que
enquanto estou sem capacidade
de conhecer, ajudar ou impedir o Edwards já havia tratado com a
que ele fez; certamente qualquer questão da necessidade em  Free-
um que se atreve a usar seu enten- dom of the Will  e em seus debates

Revista fé par a h oje | 53


com Whitby, e, portanto, ele esta- sar no presente. Nossas paixões e
va totalmente preparado para tra- apetites são, em si mesmos, sabia
tar com os argumentos de Taylor. e bondosamente implantados em
Semelhantemente a Whitby, nossa natureza. Eles são bons, e se
Taylor argumentou que o pecado tornam maus somente pelo exces-
necessário não é pecado digno de so anatural, ou por abuso ímpio. A
culpa.9 possibilidade desse excesso e abuso
é também sabiamente permitido
Taylor sustenta que o pecado de para nossa provação. Porque sem
Adão resultava subjetivamente em tais apetites, a nossa razão não te-
culpa, vergonha e temor e que ele caía ria nada contra o que lutar e, con-
numa sujeição à sequentemente, a
tristeza, penoso nossa virtude não
labor e morte. Deus tem de buscar sua própria poderia ser devi-
Esta morte, con- glória em tudo que faz. Ele tem de ser damente exercida
tudo, deve ser e provada a fim de
o fim de todos os seus pensamentos,
entendida sim- ser recompensa-
plesmente como ações, decisões e alvos” da. E os apetites
morte física. A que temos, Deus
ruína do homem tem julgado mui-
não parecia para ele ser muito grande, to próprios, tanto para o nosso uso
como pode ser visto na seguinte afir- como provação.10
mação:
É muito estranha essa concepção
Nós somos nascidos como esva- de pecado produzida por Taylor. As
ziados de real conhecimento como inclinações que temos para o pecado,
os próprios animais. Somos nasci- no pensamento de Taylor, são dons
dos com muitos apetites lascivos, divinos, produto de sua generosidade,
e consequentemente, sujeitos à para nos provar e nos fazer melhores.
tentação e pecado. Mas isto não é Deus nos deu essas inclinações para
uma falha de nossa natureza, mas podermos exercitar os nossos poderes
a vontade de Deus, sábia e boa. racionais. Do contrário, eles ficariam
Porque cada uma de nossas pai- inativos. Esses são os propósitos dos
xões e apetites naturais são, em apetites sensuais.
si mesmos, bons; de grande uso Era dessa maneira superficial e
e vantagem em nossas presentes distorcida que Taylor via a doutrina
circunstâncias; e nossa natureza do pecado original no arminianismo
seria defeituosa, preguiçosa ou in- de sua época. Edwards lutou contra
defesa sem eles. Nem há qualquer Taylor para preservar a verdadeira
um deles que possamos dispen- doutrina calvinista sobre o pecado: (1)

54 | Revista f é pa r a h o j e
Adão foi tornado o cabeça federal da como não tendo nenhuma deter-
raça; (2) seu pecado foi imputado à sua minação seja para o mal ou para
progênie; (3) a corrupção da natureza o bem. Sua liberdade ele define
visitou a totalidade da raça; (4) o peca- assim: “um poder de agir a partir
do atual é uma consequência. Esta era de nós próprios, ou de fazer o que
a doutrina da “imputação imediata” queremos”. Assim, ela é livre, não
que teve muita importância na teolo- somente de uma “coação”, mas da-
gia Reformada subsequente. quilo que, em distinção disso, era
chamado “necessidade”. Numa
Daniel Whitby (1638-1726) citação de um certo Mr. Thorndi-
Whitby, o principal objeto da crí- ke a palavra “indiferença” é usada
tica de Edwards, expressava grande para descrever esta liberdade.13
insatisfação com a doutrina do peca-
do original e considerava inaceitável No entendimento de Whitby os ho-
a idéia da imputação defendida por mens possuem motivos (como promes-
Agostinho.11 sas e ameaças) que exercem influências,
Juntamente com Taylor, Whi- mas quando os motivos são apresenta-
tby “argumentava que as pessoas não dos, a decisão ainda repousa na vonta-
mereciam corretamente o louvor ou a de. Ela possui independência. Mesmo
desaprovação, se as ações delas fossem a despeito dos motivos, não existe de-
desempenhadas por necessidade. Em terminação deles. A vontade escolhe
outras palavras, se não fazemos livre- como escolhe por “auto-determinação”.
mente escolhas, como pode Deus cor- Embora Whitby não use a palavra “au-
retamente recompensar ou punir-nos to-determinação” esse é o seu conceito
por nossas decisões?”12 A acusação dos no coração de suas obras. A vontade
arminianos da época (e de hoje tam- determina-se a si mesma. A conclusão
bém!) era de que os calvinistas acabam do pensamento de Whitby é a seguinte:
tornando Deus o autor do pecado, se
é verdade que tudo o que acontece de- Não há, evidentemente, nenhu-
corre de uma necessidade. ma base racional para conhecer
Foi para responder aos livros de de antemão qual deverá ser a ação
Whitby (e o de alguns outros) que da vontade, mesmo quando todos
Edwards compôs o seu livro  The Fre- os motivos operantes são suposta-
edom of the Will. mente conhecidos. A onisciência
Whitby tinha uma visão da vonta- de Deus, que abarca sua presciên-
de bem diferente da de Edwards: cia, é, portanto, um atributo in-
teiramente misterioso. Segue-se
A vontade, de acordo com Whi- também que o homem na conver-
tby, é livre não somente no sentido são não é passivo e que a graça de
de ser a faculdade de escolha, mas Deus não é irresistível.14

Revista fé par a h oje | 55


No pensamento de Whitby era es- que perguntar se um poder tem um
sencial que a vontade devesse ser livre outro poder, uma capacidade tem
da “necessidade” assim como da “co- uma outra capacidade... Raramen-
ação”, e então a vontade do homem, te podemos imaginar qualquer ser
mesmo no estado de queda, não seria mais livre do que ser capaz de fazer
diferente da vontade no estado edêni- o que ele deseja.16
co. Nada teria qualquer determinação
sobre a vontade. Rebatendo à pergunta, “Se um
homem está em liberdade para querer
A resposta de Edwards a Whitby ba- qual dos dois lhe agrada, movimento
seada em Locke ou repouso?”, ele diz:
Edwards tinha todas as respostas Esta questão carrega consigo o
para combater Whitby com os argu- absurdo dela tão manifestamente em
mentos já proporcionados por John Lo- si mesma que uma pessoa poderia,
cke. A base filosófica e lógica da sua ar- por meio disso, suficientemente ser
gumentação para refutar Whitby Locke convencido de que  liberdade não diz
já havia levantado antes dele. Edwards respeito à vontade.” O ser humano faz
já tinha lido o Essay on Human Unders- somente o que lhe agrada ou convém.
tanding, especialmente o da primeira
edição, escrito por Locke. A impressão  “O que determina a vontade?”
que essa obra lhe causou em sua adoles- Locke responde:
cência foi muito marcante!
Parece assim estabelecida uma
O significado de Liberdade em Locke máxima pelo consenso geral de
A idéia de liberdade é a “idéia de toda a raça de que bem, o bem
um poder em qualquer agente para maior, determina a vontade, e de
fazer ou omitir qualquer ação especí- forma alguma eu me espanto que,
fica de acordo com a determinação ou quando eu publiquei meus pen-
pensamento da mente pelo qual qual- samentos primeiros sobre este
quer uma delas é preferida em relação assunto, tomei como certo, e eu
à outra”.15  A liberdade é sempre uma imagino que por muitos eu serei
liberdade externa, o poder de fazer considerado como desculpado
como alguém deseja. por ter, então, feito assim.... Mas
todavia, .... sou forçado a concluir
A liberdade, que é apenas um po- que o bem, o bem maior, embora
der, pertence somente a agentes, e apreendido e reconhecido ser as-
não pode ser um atributo ou mo- sim, não determina a vontade até
dificação da vontade que é também o nosso desejo, levantado propor-
apenas um poder... Perguntar se a cionalmente a ele, mas faz-nos
vontade tem liberdade é o mesmo apreensivos no querer dele.”17

56 | Revista f é pa r a h o j e
Em ambas as edições do  Essay on ziam que a vontade é determinada pelo
the Human Understanding, Locke tem motivo mais forte.
opiniões diferentes sobre a resposta à
pergunta: “O que determina a vontade?” Aos motivos são atribuídos, en-
Em ambas as edições ele responde: tretanto, um poder positivo. Eles
“O motivo que está diante dela”. Mas são causas, e, assim, enquanto
na primeira edição, onde a vontade uma tendência ao ocasionalis-
não tinha sido agudamente distingui- mo de Malebranche, que é evi-
da do desejo, foi o motivo objetivo, o dente em seus escritos seguintes,
bem, enquanto que agora é o motivo Edwards atribuiu a eles uma cau-
subjetivo, ou o desejo excitado pelo sação eficiente. Eles poderiam ser
bem apresentado na mente. Esta dis- calculados, e sobre um perfeito
tinção dependeu conhecimento da
da nova concep- natureza e potên-
ção que Locke cia deles, a ação
tinha adquirido
Edwards defendeu corajosa e futura de um ser
da “perfeita dis- veementemente a imputação do influenciado por
tinção” da von- pecado de Adão à raça humana” eles poderia ser
tade do desejo, predita. Nisto, as
que ele diz, “não condições subje-
devem ser con- tivas que deter-
fundidas”. 18
minam a influência dos motivos
“O que move o desejo?” Locke res- não foram negligenciadas, mas
ponde: “A alegria”, “o que tem uma ap- ainda o poder positivo foi deixado
tidão de produzir prazer em nós, é o que ao motivo objetivo.20
chamamos bem”. Mas um bem deve ser
colocado para excitar o desejo, ou ela Portanto, o motivo dominante, ou
nunca influenciará a ação. Um bem au- o motivo mais forte, é que determina
sente, por exemplo, é menos eficaz do a ação da vontade. Esse motivo mais
que algum desconforto presente.” 19
forte é determinante porque possui
um certo poder de atração ou porque
Resumo da disputa entre Edwards e é um bem aparente. Os mandamentos
Whitby e as ameaças são motivos que podem
Cada ato da vontade é um ato de ser empregados, mas o que quer que
escolha e envolve alternativas. Entre sejam os motivos, como um homem
a escolha de duas alternativas, a per- escolhe, assim é ele. Na verdade, o po-
gunta é a seguinte:  O que determina a der de escolha está no homem e não
vontade a escolher um ao invés de outro? na sua vontade. A vontade não possui
Os arminianos diziam que a vontade independência em relação aos fatores
determina a si mesma. Edwards di- internos e externos que há no homem.

Revista fé par a h oje | 57


Thomas Chubb (1679-1747) Em sua Freedom of the Will, Edwar-
ds atacou o conceito de Liberdade sus-
Thomas Chubb, um deísta e ariano tentado por Chubb, que afirmava que
inglês, teve treinamento informal em
geografia, matemática e teologia, en- todo ato de escolha é ordenado
quanto trabalhava como aprendiz na por um ato de escolha separado.
fabricação de luvas. Assim, a liberdade de escolha,
Ele começou sua fé na fase primiti- Edwards concluiu, é somente uma
va do Arminianismo, mas sempre ten- quimera, de acordo com o próprio
tou reconciliar Jeová com o conceito raciocínio de Chubb – e é contra-
racionalista de um Ser Supremo. No ditado e, portanto, engolido pela
entanto, ele se tornou e permaneceu escolha necessária.22
um cristão deísta. Ele comparou aber-
tamente a propagação do cristianismo Edwards disse que a “sua noção de ato
primitivo com a difusão do metodismo livre” era “uma pilha de contradições”.23
em sua época, e, por meio disso, rejei- Edwards também atacou o seu de-
tou as alegações de poder sobrenatural ísmo porque ele o considerava perigoso
associados com a igreja primitiva. Ele para a fé cristã.24 Edwards estava muito
defendeu uma espécie de cristianismo preocupado com o deísmo vigente na
racionalista. Ele considerava a reve- Nova Inglaterra. Num sermão pregado
lação, não como divina, mas como a em 1743 ele referiu-se “aos roubado-
obra de homens res, piratas e de-
honestos que fi- ístas”.25  Edwards
zeram uma nar- dizia que a nação
rativa justa e fiel
O motivo dominante ou estava sendo ata-
dos acontecimen- o motivo mais forte, é que cada pelo Deísmo
tos. Ele era dúbio determina a ação da vontade”. de homens como
a respeito de uma Chubb. Ele men-
providência par- ciona que o De-
ticular, portanto, ísmo “está fazen-
da oração. Ele argumentava contra a do um espantoso progresso em nossa
profecia e milagre e cria na dignidade nação”, de forma que “grande parte da
da natureza humana e no livre arbítrio. nação tem se tornado deísta”.26
Jonathan Edwards foi um dos Foi num ambiente teológico de
maiores opositores de Chubb, no seu controvérsias libertárias como essa que
livro The Freedom of the Will, em 1754. Edwards escreveu o seu livro Freedom
Ali ele gastou cerca de 19 páginas para of the Will. Se Edwards não reagisse a
refutar a doutrina da vontade livre de esse libertarismo de Taylor, Whitby e
Chubb. Chubb foi muito lido nos Es- Chubb, o Calvinismo seria banido da
tados Unidos em sua época.21 Nova Inglaterra. Toda estrutura teo-

58 | Revista f é pa r a h o j e
lógica Reformada cairia em colapso. O definição de liberdade humana
libertarismo estava tomando conta de pela qual ele pensou numa pancada
muitos redutos outrora Calvinistas da para salvar ambos, a dignidade do
Nova Inglaterra. Winslow colocou de homem e a onipotência de Deus.
forma correta o problema: Ele concede ao homem a liberdade
de ação para levar a cabo suas pró-
Se a vontade do homem fosse livre, prias escolhas, mas insiste que essas
e ele pudesse aceitar a graça divi- escolhas são determinadas pelos
na ou rejeitá-la, então sua eterna motivos que repousam fora do con-
salvação não mais poderia ser pre- trole do homem... A contribuição
ordenada por um poder fora de de Jonathan Edwards foi fazer da
si mesmo: ele seria salvo por sua liberdade do homem um passo in-
própria escolha, não pelo decreto termediário. Ele tinha qualificado
imutável. E se isto fosse verdadeiro, antes do que negado a liberdade;
então a soberania de Deus seria li- ou, numa frase mais moderna, ele
mitada, não absoluta... Se a vontade reproduzido a liberdade humana
do homem fosse livre, a estrutura como ‘condicionada’.28
calvinista estaria arruinada.27
É do combate à liberdade libertária
O calvinismo de Edwards, portan- do arminianismo e de sua nova defini-
to, veio a negar a liberdade libertária ção de liberdade que o seu livro Free-
ensinada pelos arminianos da épo- dom of the Will trata.
ca. Edwards não poderia ficar calado
diante de perigo tão grande causado
pelo libertarismo, para a fé calvinista. 1 Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edwar-
ds, vol. 1, p. 347.
Por essa razão, em sua  Freedom of the
2 Robert W. Jenson,  America’s Theologian: A Re-
Will, Edwards atacou violentamente commendation of Jonathan Edwards  (New York:
o arminianismo, fortalecendo, assim, Oxford University Press, 1988), 53-54.

novamente, o sistema calvinista de te- 3 Smith, Shelton H. Changing Conceptions of Origi-


nal Sin: A Study in American Theology Since 1750.
ologia na Nova Inglaterra. New York: Charles Scribner’s Sons, 1955), 11.
Edwards procura, com todas as 4 Murray, Jonathan Edwards: A New Biography, 211.
suas forças, eliminar a noção arminia- 5 Jeremy Goring summarizes this treatise as a can-
did examination of «what we call today Original
na de Vontade Livre, mas não elimina
Guilt. The first two parts of the book, with their
a liberdade no homem. Ele passa a dis- minute analysis of biblical texts and lengthy foo-
correr a respeito de um tipo diferente tnotes in Hebrew and Greek, are a monument of
careful scholarship, but it is perhaps the third part,
de liberdade, estranho aos arraiais ar- where the textual critic turns moral philosopher
minianos. Winslow escreve: and holds up some of the tenets of Calvinism to
the clear light of reason, that made the biggest and
most lasting impressions on contemporary rea-
Sua refutação da posição arminia- ders. ‹What can be more destructive of virtue,› he
asks, ‹than to have a notion that you must, in some
na significa, em essência, uma nova degree or other, be necessarily vicious?›» «Calvi-

Revista fé par a h oje | 59


nism in Decline,»  Hibbert Journal  60 (October 19 Observações de Foster, A Genetic History of the New
1961--July 1962): 206. England Theology, 1907, encontrado no site http://
6 John Taylor,  The Scriptural Doctrine of Original www.gospeltruth.net/genetic_history.htm#preface
Sin, quoted in Randall E. Otto, “The Solidarity of 20 Foster, A Genetic History of the New England Theolo-
Mankind in Jonathan Edwards’ Doctrine of Origi- gy, 1907, encontrado no site http://www.gospeltru-
nal Sin,” Evangelical Quarterly 62 (1990): 206. th.net/genetic_history.htm#preface
7 David Weddle, «Jonathan Edwards on Men and 21 Chubb foi muito prolífico em publicação, e seu de-
Trees, And the Problem of Solidarity,»  Harvard ísmo ardente foi expresso nos títulos de algumas de
Theological Review 67 (1974): 158. suas poucas obras. : The Comparative Excellence and
Obligation of Moral and Positive Duties  (1730);  A
8 Edwards writes, “God in each step of his proceeding
Discourse concerning Reason, With regard to Reli-
with Adam, in relation to the covenant or constitu- gion and Divine Revelation  (1731);  The Suff iciency
tion established with him, looked on his posterity of Reason in Matters of Religion Farther Conside-
as being one with him. And though he dealt more red  (1732);  The Equity and Reasonableness of the
immediately with Adam, it yet was as the head of the Divine Conduct, In Pardoning Sinners upon Their
whole body, and the root of the whole tree; and in Repentence Exemplif ied (1737), que foi dirigida con-
his proceedings with him, he dealt with all the bran- tra a famosa Analogy of Religion do Bispo Butler no
ches, as if they had been then existing in their root. ano seguite;; An Enquiry into the Ground and Foun-
From which it will follow, that both guilt, or expo- dation of Religion. Wherein Is shewn, that Religion Is
founded in Nature (1740); e A Discourse on Miracles,
sedness to punishment, and also depravity of heart,
Considered as Evidence to Prove the Divine Original of
came upon Adam’s posterity just as they came upon
a Revelation (1741). Outras obras de chubb são: Four
him, as much as if he and they had all coexisted,
Tracts (1734) e Some Observations Offered to Publick
like a tree with many branches . . . I think, this will Consideration…. In which the Credit of the History of
naturally follow on the supposition of there being the Old Testament Is Particularly Considered (1735).
a  constituted oneness  or identity of Adam and his
posterity in this affair.” Jonathan Edwards, Original Informações retiradas do site http://www.bookrags.
Sin, ed. Clyde A. Holbrook (New Haven, CT: Yale com/research/chubb-thomas-16791747-eoph/.
University Press, 1970), 389-90. 22 Gerald R. Mc Dermott,  Jonathan Edwards Con-
9 Citação de Giese, op. cit. 13. fronts the gods (Oxford University Press, 2000), 36.
(ver Freedom of the Will, 69, 70-71, 235).
10 Citado por Foster,  A Genetic History of the New
England Theology, 1907, encontrado no site http:// 23 Gerald R. Mc Dermott,  Jonathan Edwards Con-
www.gospeltruth.net/genetic_history.htm#preface fronts the gods (Oxford University Press, 2000), 36.

11 Smith, Shelton H. Changing Conceptions of Origi- 24 Gerald R. Mc Dermott,  Jonathan Edwards Con-
nal Sin: A Study in American Theology Since 1750. fronts the gods (Oxford University Press, 2000), 37.
New York: Charles Scribner’s Sons, 1955), 11. 25 Gerald R. Mc Dermott,  Jonathan Edwards Con-
12 Citação de Giese, op. cit. 14. fronts the gods (Oxford University Press, 2000), 38

13 Frank Hugh Foster, A Genetic History of the New 26 Gerald R. Mc Dermott,  Jonathan Edwards Con-
England Theology, 1907, encontrado no site http:// fronts the gods (Oxford University Press, 2000), 38
www.gospeltruth.net/genetic_history.htm#preface (Lecture on 2Peter 1.19, August 1737, Edwards
papers 22-23.)
14 Frank Hugh Foster, A Genetic History of the New
England Theology, 1907, encontrado no site http:// 27 Ola Elizabeth Winslow, Jonathan Edwards (Mac-
www.gospeltruth.net/genetic_history.htm#preface Millan Co., 1940; repr., New York: Collier Books,
1961), 274.
15 Citado por Foster,  A Genetic History of the New
England Theology, 1907, encontrado no site http:// 28 Ola Elizabeth Winslow, Jonathan Edwards (Mac-
www.gospeltruth.net/genetic_history.htm#preface Millan Co., 1940; repr., New York: Collier Books,
1961), 275-76
16 Citado por Foster,  A Genetic History of the New
England Theology, 1907, encontrado no site http://
Heber Carlos de Campos: É ministro pres-
www.gospeltruth.net/genetic_history.htm#preface
biteriano, professor de Teologia Sistemática no
17 Citado por Foster,  A Genetic History of the New CPAJ e o coordenador do Jonathan Edwards
England Theology, 1907, encontrado no site http://
Center no Brasil. Palestrante e autor de vários
www.gospeltruth.net/genetic_history.htm#preface
livros e artigos. É Doutor (PhD) em Teologia
18 Observações de Foster, A Genetic History of the New
Sistemática no Concordia Theological Seminary,
England Theology, 1907, encontrado no site http://
Saint Louis, Missouri, EUA.
www.gospeltruth.net/genetic_history.htm#preface

60 | Revista f é pa r a h o j e
À
Jonathan
Edwards
Tiago J. Santos Filho
Glória a Deus, glória a Deus,
Este era seu moto, sua resolução,
Sua busca, seu encanto, sua vida,
Sua religiosa afeição,
 
Proporção e simetria,
Via na criação,
Divina perfeição.
 
Incansável erudito, de ideias, forjador.
Cientista, filósofo, escriba,
De tratados filosóficos à vida das aranhas,
Na ponta da pena, suas miscelâneas.
 
Pastor-missionário, de Deus escravo,
A Bíblia foi seu livro, sua luz, alento,
Sopro do Espírito, força motriz do Despertamento,
 
Em pronúncia  eloquente o orador,
Com santa reverência despertou,
Desespero,  choro e terror,
Pelas chamas do inferno e da dor,
Que se via, no rosto estampado,
Do pecador, ao ouvir estremecido,
Que está perdido, nas mãos de um Deus irado.
 
Mas lembrou que aos olhos de Deus,
Um pecador não é justificado,
A menos que ponha seu eu de lado,
E com fé renda-se a Cristo, crucificado.
 
E assim seguiu seu zelo puritano,
Fez da mesa do Senhor seu bem cabal,
Foi acuado por seu próprio pegulhal,
Herói marcado, firmou-se em seus princípios,
– Há agora tempo para pregar aos índios!
 
A luz brilhou forte, mas logo se apagou.
Seu gênio, virtudes, caráter iluminado,
À posteridade é sua herança, seu legado.

62 | Revista f é pa r a h o j e
“Tolle, lege, tolle, lege...”
Foi ao som destas palavras e com o texto de Romanos nas mãos que Agostinho se converteu.
Esta importante epistola também foi fundamental para estrutrar sua teologia. Lutero
tinha esta carta como “a mais importante do novo testamento”, Calvino a classificou como
“a porta de acesso aos mais profundos tesouros das escrituras”. Sem dúvida Romanos
ocupa um lugar de destaque na história da interpretação bíblica e este comentário de John
Murray é tido como um dos mais teologicamente rico e exegeticamente apurado de todos
os tempos. Tome e leia este comentário e certamente você será enriquecido com esta obra.
.do Dr Murray.

“Entre os grandes comentários a esta epístola,


‘Romanos’ de John Murray está entre os mais importantes”
Franklin Ferreira, diretor do seminário Martin Bucer
Série

Um Per f il de
Homens Piedosos
Calvino, Spurgeon, Edwards e Knox eram homens que, a
despeito de suas limitações e pecados, pela graça de Deus se
tornaram gigantes na fé. Descubra através desta série o perfil
destes homens piedosos que dedicaram sua vida ao Senhor e
que até os dias de hoje continuam a nos ensinar através de
seu legado

As Firmes Resoluções
de Jonathan Edwards
Steven Lawson

Neste livro Lawson sonda


os escritos de Edwards para
revelar as formas práticas,
segundo as quais Edwards
procurou cumprir suas
resoluções. Ele exorta os cristãos
contemporâneos a fazerem o
mesmo, vivendo para a glória
de Deus, com paixão ilimitada.
A Poderosa Fraqueza de John Knox
Douglas Bond

Pode um cristão que é pequeno em estatura,


fraco no corpo e tímido no coração ser
usado para o Reino de Deus? Este perfil do
reformador escocês John Knox mostra que a
reposta é um sonoro sim. Deus se deleita em
usar os fracos e humildes.

A Arte Expositiva de João Calvino


Steven Lawson

Neste livro Dr Lawson apresenta a vida do


pregador João Calvino e encoraja o leitor a seguir
o exemplo de Calvino na exposição da palavra
de Deus. Este modelo irá lhe ajudar a apresentar
a glória de Deus a partir de qualquer texto da
Escritura que você pregar.

O Foco Evangélico de Charles Spurgeon


Steven Lawson

Este livro é uma chamada amorosa para


que todo cristão siga Spurgeon em sua
paixão ardente em propagar o evangelho de
Jesus Cristo. Aqui Lawson nos mostra que
Spurgeon ensinava ousadamente as doutrinas
da graça e, ao mesmo tempo, apresentava a
oferta gratuita de salvação em Jesus Cristo.
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