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XINGU,

Monitoramento independente
para registro de impactos
da UHE Belo Monte no
território e no modo de vida
do povo Juruna (Yudjá) da Volta
o rio que pulsa em nós Grande do Xingu
XINGU,
o rio que pulsa em nós
Monitoramento independente para registro de
impactos da UHE Belo Monte no território e no modo
de vida do povo Juruna (Yudjá) da Volta Grande do Xingu

Juarez Pezzuti
Cristiane Carneiro
Thais Mantovanelli
Biviany Rojas Garzón

1ª Edição
Altamira (Pará), 2018
O Instituto Socioambiental (ISA) é uma Equipe do Programa Xingu
Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público (Oscip), fundada em 22 de abril de Coordenador:
1994, por pessoas com formação e experiência Rodrigo Gravina Prates Junqueira
marcantes na luta por direitos sociais e Coordenador adjunto / Terra do Meio -
ambientais. Tem como objetivo defender bens Altamira: Marcelo Salazar
e direitos coletivos e difusos, relativos ao meio Coordenador adjunto / Território Indígena
ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos do Xingu: Paulo Junqueira
humanos e dos povos. O ISA produz estudos e
pesquisas, implanta projetos e programas que Terra do Meio - Altamira
promovam a sustentabilidade socioambiental, Ana De Francesco, Augusto Postigo, Clara
valorizando a diversidade cultural e biológica Bezerra de Menezes Baitello, Edione de Sousa
do país. Goveia, Fabiola Andressa Moreira da Silva, Maria
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2
SUMÁRIO

6 0 Apresentação

9 1 Modo de vida Juruna (Yudjá) e as


transformações após Belo Monte

16 2 Hidrograma de consenso ou
hidrograma de conflito?

26 3 As frutas estão caindo no seco:


dinâmicas da pesca e segurança
alimentar na Volta Grande
do Xingu

44 4 O fim do mundo
que conhecemos

3
realização
©Xingu, o rio que pulsa em nós
Monitoramento independente para registro
de impactos da UHE Belo Monte no
território e no modo de vida do povo Juruna
(Yudjá) da Volta Grande do Xingu

Autores:
Juarez Pezzuti, Cristiane Carneiro, Thais
Mantovanelli, Biviany Rojas Garzón
apoio
Edição de texto:
Natalia Ribas Guerrero e Isabel Harari

Pesquisadores:
Jailson Jacinto Pereira Juruna, Pedro Viana,
Josiel Jacinto Pereira Juruna, Gelson Paiva
Feitosa, Tilim Arara, Natanael Pereira,
Gilliarde Jacinto Pereira Juruna, Leiliane
Jacinto Pereira Juruna, Nelsiane Jacinto
Pereira Juruna, José Felix Juruna, Raimundo
Pereira dos Santos Juruna, Wellington
Chipaia, Agostinho Pereira da Silva Juruna,
Anderson Sampaio da Silva, Nei Juruna,
Michael Juruna, Marlon Chipaia
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Projeto gráfico e diagramação: (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Grande Circular
www.grandecircular.com Xingu, o rio que pulsa em nós : monitoramento independente
para registro de impactos da UHE Belo Monte no território
Ilustrações: e no modo de vida do povo Juruna (Yudjá) da Volta Grande
Adams Carvalho e Olivia Beatriz Moraes do Xingu / Juarez Pezzuti...[et al.]. -- 1. ed. -- São Paulo :
Dias de Aguiar Instituto Socioambiental, 2018.

Mapas: Outros autores: Cristiane Carneiro, Thais


Juan Doblas e Ricardo Abad Mantovanelli, Biviany Rojas Garzón.
Vários colaboradores.
ISBN 978-85-8226-068-5

1. Impacto ambiental 2. Índios Juruna - Usos e costumes 3.


Pesca - Monitoramento 4. Povos indígenas - Volta Grande do
Xingu (PA) - Territórios 5. Recursos naturais - Conservação -
Xingu, Rio 6. Usina Hidrelética de Belo Monte 7. Vida ribeirinha
- Volta Grande do Xingu (PA) I. Pezzuti, Juarez. II. C arneiro,
Cristiane. III. Mantovanelli, Thais. IV. Rojas Garzón, Biviany.

18-18879 CDD-304.2098115

Índices para catálogo sistemático:


1. Pará : Volta Grande do Xingu : Hidrelétrica de Belo Monte e
os Juruna : Impactos socioambientais 304.2098115

Maria Paula C. Riyuzo - Bibliotecária - CRB-8/7639


4
“Nossa intenção é que nosso monitoramento
ajude-nos a mostrar quem somos e como
vivemos, que mostre a situação de nossa
vida e de nosso território. [...] Estamos aqui
falando sobre a situação de nosso território,
a situação da Volta Grande do Xingu, o berço
de nosso povo. Nosso monitoramento é
nossa arma para defender a vida de nosso
povo e das espécies de animais e plantas da
nossa região.”

Natanael Juruna, da aldeia Mïratu

5
APRESENTAÇÃO
N
os processos de licenciamento e Os resultados aqui publicados são produ-
construção de grandes usinas hi- to de cinco anos de trabalho conjunto entre
drelétricas, é recorrente uma queda pesquisadores de diversas áreas de conheci-
de braço, sempre desleal, entre os mento e as famílias Juruna (Yudjá) da aldeia
argumentos que priorizam as vantagens eco- Mïratu da Terra Indígena (TI) Paquiçamba,
nômicas dos megaempreendimentos e os es- com apoio do Instituto Socioambiental (ISA).
forços de se evidenciarem seus impactos so- O objetivo da parceria foi construir, de forma
cioambientais, normalmente referidos como independente da Norte Energia S.A., empre-
um “mal necessário” ao desenvolvimento do sa concessionária da UHE Belo Monte, uma
país. Assentada em uma desigualdade de po- imagem da Volta Grande do Xingu que par-
der, essa forma de tratar a questão acaba por tisse da pesca, atividade que mais preocupa
dar mais espaço, no debate público, a uma os Juruna (Yudjá) desde a chegada da usina,
visão que tende a minimizar ou invisibilizar para descrever a região e as relações huma-
danos a territórios e populações locais. nas e ecossistêmicas que ali se encontram.
A construção da usina hidrelétrica (UHE) É claro para os Juruna (Yudjá) que a im-
Belo Monte, no município de Altamira, no portância de se produzirem dados indepen-
Pará, tem infelizmente seguido esse roteiro dentes vem da necessidade de informação de
à risca. Desde seu planejamento e primeiras qualidade, obtida de forma ao mesmo tempo
tentativas de implantação, ainda na década de rigorosa e transparente, para se poder avaliar
1970, até sua construção efetiva, na década de com autonomia as mudanças que o empreen-
2010, não faltaram formas de despolitizar os dimento traz para o rio, para os peixes e para
efeitos negativos dos impactos a diversas po- o povo como um todo.
pulações, em nome de cálculos que priorizam Dado que a pesca e a vida no Xingu são
a produção energética como imprescindível constituintes da própria identidade Juruna
para o fortalecimento econômico nacional. (Yudjá), o monitoramento dessa atividade
Frente a essa situação, um dos povos foi apenas o eixo que articulou uma refle-
indígenas impactados buscou uma estratégia xão mais profunda, sobre a magnitude das
diferente na queda de braço com esse discur- mudanças promovidas pelo empreendimen-
so predominante. O povo Juruna (ou Yudjá, to e a distribuição real de seus prejuízos,
como também se autodenominam) da aldeia tanto para os Juruna (Yudjá) como para seus
Mïratu, situada na Volta Grande do Xingu, tem vizinhos, o povo Arara da TI Arara da Volta
se engajado desde 2013 na realização de um Grande do Xingu e as centenas de ribeiri-
monitoramento, de caráter independente, para nhos que vivem na região.
registrar os impactos socioambientais da UHE Com a publicação dos resultados des-
Belo Monte a seu povo e a seu território. O en- se monitoramento, espera-se qualificar e
gajamento demonstra a relação intrínseca dos ampliar os espaços de decisão sobre o futu-
Juruna (Yudjá) com o rio Xingu e sua dispo- ro de tudo e todos que estão envolvidos na
sição aguerrida para defendê-lo, com base em região da Volta Grande Xingu. É uma ação de
dados e reflexões pertinentes sobre os atuais e resistência contra as tentativas de esvazia-
futuros impactos do barramento do rio. mento simbólico do território, promovidas

7
Casa de Força da
UHE Belo Monte
EMPREENDIMENTOS
QUE IMPACTAM A VOLTA
GRANDE DO XINGU
230
ALTAMIRA BR
Área Influência Direta
(AID) Belo Monte

Área Influência Direta


(AID) Belo Sun

Área Influência Indireta


(AII) Belo Sun

Trecho de Vazão Reduzida


(aprox.)
U

Reservatório Planejado
NG

Belo Monte (cota 97)


XI

Estradas Principais- BR 230


O

Barragem Principal Rotas de Navegação Indígena


RI

Da UHE Belo Monte m


5k
9, Comunidade Rural na AID
Belo Monte
Ilha da
Fazenda
Aldeia Indígena
Ressaca

PROJETO BELO SUN Garimpo TI Paquiçamba


do Galo

TI Arara da Volta Grande


km
do Xingu
0 5 10 15 20

pela empresa concessionária, quando reno- que a concessionária seja obrigada a garantir a
meia a Volta Grande do Xingu como “trecho passagem de uma vazão mínima de água nos
de vazão reduzida”, ou simplesmente TVR da cerca de 100 km que correspondem à região
UHE Belo Monte. Essa conversão é, para o da Volta Grande do Xingu. A qualificação do
empreendimento, de extrema importância, debate sobre essa vazão mínima, levando-se
pois se liga a uma afirmação bastante divul- em consideração extensos conhecimentos tra-
gada durante o processo de licenciamento: dicionais Juruna (Yudjá) sobre o rio, é um dos
nenhuma Terra Indígena seria alagada para objetivos do material aqui apresentado.
construção da usina. Por fim, é importante ressaltar que a TI
O problema com essa afirmação é que ela Paquiçamba e a TI Arara, bem como áreas
desvia a atenção de graves processos decor- ocupadas por famílias ribeirinhas, encon-
rentes do desenho do projeto. Em novembro tram-se englobadas pela Área de Afetação
de 2015, o rio Xingu foi definitivamente Direta (ADA) estabelecida pelo empreendi-
barrado e desviado da região da Volta Grande, mento, o que na prática significa que esses
restando nela uma vazão residual de água territórios foram incorporados ao escopo
controlada pela concessionária da barragem. territorial da engenharia da usina, que con-
Entre as duas Terras Indígenas pela qual o siste em dois reservatórios (Xingu e inter-
rio passa nesse trecho, a TI Paquiçamba e a mediário), duas barragens (Pimental e Belo
TI Arara da Volta Grande, a diminuição da Monte), um canal de derivação e o trecho
vazão natural chega a 80%. composto pela Volta Grande. Disso decorre a
Desde 2015, portanto, a quantidade, velo- inegável responsabilidade da concessionária
cidade e nível da água na região não derivam em relação a impactos significativos e irre-
mais do fluxo natural do rio, mas dependem versíveis para povos indígenas e ribeirinhos
da operadora da UHE Belo Monte. Nesse sen- que se negam a transformar em uma sigla
tido, o licenciamento ambiental determinou burocrática seus territórios de vida.

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1 MODO DE VIDA
JURUNA (YUDJÁ) E
AS TRANSFORMAÇÕES
APÓS BELO MONTE
“Nós somos daqui, estamos
falando da Volta Grande do
Xingu. Nosso povo é da Volta
Grande do Xingu. Daqui surgimos
e aqui estamos. Aqui é nossa
região. Nosso povo e a Volta
Grande do Xingu merecemos
mais respeito.”

Gilliarde Juruna,
cacique da aldeia Mïratu
F
oi por um sopro. Assim se criou a lutar para a garantia de seu território e para a
Volta Grande do Xingu, as cachoeiras manutenção de seu modo de vida. O fio dessa
do Jericoá e o próprio povo Juruna luta envolve desde os massacres ocorridos em
(Yudjá), fruto da ação do demiurgo Se- conflitos fundiários e pressões territoriais de
nã’ã, no início dos tempos. Das pegadas dos fazendeiros até, mais recentemente, a batalha
primeiros humanos, outros sopros fizeram contra os graves efeitos da usina hidrelétrica
surgir mais e mais pessoas, que povoaram (UHE) Belo Monte.
aquela região do Xingu.
Essas narrativas míticas, que mostram a Eu mesmo nasci e me criei aqui. Meu
origem do povo Juruna (Yudjá) juntamente pai, Fortunado, nasceu na Maloca, a
com a origem do próprio rio, são importantes localidade onde o finado Muratu morreu.
reflexões ontológicas desse povo que seguem Até hoje o corpo dele [de Muratu] está
contadas pelos homens mais velhos às pesso- enterrado na ilha.
as nas aldeias1.
A referência mítica da existência com- Nessa época, os brancos queriam nos
partilhada do povo Juruna (Yudjá) com o matar, acho que por perversidade mesmo.
rio Xingu, especialmente na região da Volta Uma parte de nosso povo fugiu e depois
Grande e das cachoeiras do Jericoá, é tam- alguns voltaram para buscar meu pai
bém a experiência histórica desse povo com e os outros que ficaram aqui, mas não
o território. Canoeiro, o povo Juruna (Yudjá) encontraram mais ninguém. Pensaram
estabeleceu-se na região deslocando-se pelas que todos já tinham morrido, quando
ilhas, onde fixavam suas aldeias. Com a che- na verdade os que ficaram estavam
gada dos não indígenas à região de Altamira, escondidos nas ilhas.
os Juruna (Yudjá) passaram por severos ata-
ques visando ao deslocamento compulsório Mesmo com todos os problemas, fui criado
de seu território e ensejando uma perversa com muita fartura, muito peixe com
depopulação, particularmente em meados farinha e óleo de coco babaçu. Hoje, nossa
dos anos 1930. fartura diminuiu. Agora, temos a nossa
Parte do grupo decidiu, então, migrar. Sa- terra, mas ela está toda varada por estrada
íram com suas canoas para a montante do rio e sem fiscalização. Isso me preocupa.
Xingu, estabelecendo-se ao fim de uma longa
jornada no Território Indígena do Xingu (TIX), Antes tínhamos na região grande fartura
anteriormente conhecido como Parque Indíge- de castanha, que não existe mais porque os 1. Para mais informações
na do Xingu. Outra parte, entretanto, manteve- fazendeiros acabaram com tudo. A Funai sobre narrativas míticas e
concepções ontológicas do
-se no território, nela incluso o grupo do chefe [Fundação Nacional do Índio] ajudou a
povo Juruna (Yudjá), cf. LIMA,
Muratu, importante personagem que marca a gente, mas agora parece que ela se acabou Tânia Stolze. Um peixe
descendência dos Juruna (Yudjá) que permane- e que só temos a Norte Energia. Mas, olhou pra mim: o povo Yudjá
ceram na região da Volta Grande do Xingu. sinceramente, essa Norte Energia não tem e a perspectiva. São Paulo:
Editora Unesp, 2005.
Essa parte do grupo que não subiu o rio nada a ver com nós.
considera-se um povo sofrido, que precisou

11
Eu me lembro da época que Altamira só Os velhos daqui não sabiam onde era
tinha o Porto Seis, uma casinha aqui e o lugar que estavam os parentes que
outra acolá. De Belém para cá, tudo eram saíram daqui. Todo mundo pensava que
terras dos Juruna. Altamira era aldeia era muito longe. Daí alguns velhos foram
Juruna. Eu era menino grande e nessa lá no TIX [Território Indígena do Xingu,
época nosso trabalho era com castanha situado mais próximo às cabeceiras do
no inverno e com seringa no verão². Na rio, no estado de Mato Grosso] e viram
época da demarcação [da Terra Indígena que a cultura estava viva lá.
(TI) Paquiçamba], eu e Manoel fomos
ameaçados, por isso concordamos com Nós contamos para os parentes o que
uma demarcação pequena. aconteceu com a gente. Contamos
que minha avó não podia falar na
Mesmo assim, nessa época, a fartura de língua [indígena] e foi obrigada a falar
peixes era enorme. Hoje em dia os peixes só português. Nossa amizade com
não estão bons para gente comer, ele não os parentes de lá cresceu muito. Tem
amolece, é um peixe, assim, estranho. As família lá que é do ramo do Muratu, sou
frutas estão caindo no seco depois da considerado um irmão para essa família,
barragem. Os peixes, como o pacu, não meu nome lá é Txanqui.
conseguem mais se alimentar.
Eu mesmo sempre morei aqui. Sempre
Eu tenho medo dessa água do rio, medo fiquei aqui. Eu caçava e pescava com
de ela estar contaminada. Eu nem sei se meu pai, nem tive essa vivência de ir
estão fazendo as análises da água. Isso é para escola. Eu nunca neguei minha
o impacto que teve, muito mesmo, e ainda origem. Eu sempre disse que eu era índio.
hoje tem demais. Essa barragem de Belo Somos um povo canoeiro, isso é o que
Monte foi briga por riba de briga. Hoje em nós somos.
dia, a luta ainda é grande demais.
Agora, estamos com esse
Clarissa Morgenroth
empreendimento na nossa casa, no
nosso quintal. Agora estamos vendo o
Xingu virar um rio de sangue. Aqui na
Volta Grande estão os antepassados dos
Juruna Yudjá, os cemitérios desses nossos
antepassados. O pessoal que foi para o
TIX segurou a cultura, nós seguramos
nosso território tradicional.
Todd Southgate

Seu Edilson Juruna, da aldeia Furo Seco

Resistência é, portanto, o conceito mais ade- 2. Verão e inverno


quado para definir o modo de permanência do correspondem na Amazônia,
de modo geral, aos períodos
povo Juruna (Yudjá) na região da Volta Grande do ano marcados pela
do Xingu. Frente às ameaças mais diversas, para estiagem ou pelas chuvas,
poder seguir em seu território tradicional, essas respectivamente.
pessoas desenvolveram poderosas estratégias
de sobrevivência, tanto do ponto de vista mítico Gilliarde Juruna, cacique da aldeia Mïratu
quanto do ponto de vista histórico.

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Os impactos do barramento do Xingu e da A aflição de dona Jandira é um exemplo.
iminente inauguração do esquema hidroló- Certa tarde, a senhora indígena, duas de
gico que determina a vazão mínima operada suas filhas e uma de suas noras descascavam
pela concessionária da usina, e que foi esta- milho para assar. As crianças brincavam no
belecido sem pactuação social no processo entorno da área externa da casa e, em dado
de licenciamento, à revelia das evidências momento, saíram da vista das mulheres.
científicas e do presente monitoramento de Ao se dar conta, dona Jandira transtornou-
caráter independente, ameaçam diminuir a -se: “Cadê esses meninos? Hoje em dia não
diversidade local, com o possível desapare- podemos mais deixar os meninos à vontade,
cimento de animais, biomas e plantas. Essa porque temos medo de acontecer alguma coi-
diversidade da Volta Grande depende da sa com eles. Ficamos vigiando para eles não
sazonalidade e do sincronismo dos regimes irem mais para o rio”, lamenta.
de vazante e enchente do rio Xingu para sua
sobrevivência e manutenção dos modos de O rio agora é uma ameaça, por causa
vida das populações locais. dessa situação da vazão e da maré.
O alerta dos Juruna (Yudjá) é de que os Imagine se as crianças estiverem nadando
impactos da barragem podem comprometer quando liberarem água? Não gosto nem de
a existência da Volta Grande do Xingu em pensar nisso.
um sentido muito mais amplo, de modo que
a UHE Belo Monte não se afiguraria apenas Por isso que agora nós não deixamos mais
como tragédia ecológica ou socioambiental, os meninos irem banhar no rio. Muito triste
mas efetivamente algo que reverbera em toda essa situação, porque minhas crianças
a cosmologia e história dos povos Juruna todas se criaram nadando do Xingu. Agora
(Yudjá), seja os que permaneceram na Volta temos que afastar as crianças da água
Grande do Xingu, seja os que se deslocaram para a segurança delas.
para o TIX, no Mato Grosso. Isabel Harari

O rio se torna estranho:


os impactos cotidianos

As mudanças no modo de vida do povo


Juruna (Yudjá) frente aos impactos da UHE
Belo Monte têm sido pouco discutidas pelos
órgãos licenciadores do empreendimento,
ainda que sejam um importante aspecto a ser
acompanhado, segundo uma série de parece-
res técnicos. O monitoramento independente Dona Jandira, da aldeia Mïratu
da dinâmica da pesca, apresentado mais
adiante nesta publicação, quantifica alguns
eixos dessas alterações.
Entretanto, algumas formas de se prejudi-
car o modo de vida de um povo são mais difí-
ceis de se expressar em termos quantitativos.
Tão importantes quanto a ameaça à sobera-
nia alimentar, essas transformações mere-
cem reconhecimento como parte significativa
dos impactos do licenciamento e construção
de Belo Monte.

13
Algumas espigas já estavam sendo colo- Há também a percepção da ineficácia que
cadas nas panelas e na brasa quando os dois caracteriza essa nova vida como agenda im-
meninos retornaram. Eles chegam molhados, posta pelo advento de Belo Monte. Em geral,
com as mãos escondidas atrás das costas. as expectativas das pessoas ao se engajarem
“Olha, mãe, o que eu pesquei pra você”, dizem em uma reunião ou produção documental
os dois, ao mesmo tempo, enquanto mos- são frustradas quando suas demandas não
tram dois recipientes de plástico com alguns são levadas adiante. As pessoas sentem que o
peixinhos. Emocionadas, ambas tomaram tempo de suas vidas está sendo desperdiça-
nas mãos o recipiente com os peixes, abraça- do, considerado como algo sem valor para a
ram os filhos molhados e os incentivaram a empresa concessionária da hidrelétrica. “Essa
ir brincar. Bel Juruna, filha de dona Jandira, barragem está acabando com a vida da gente”,
comentou com pesar: “Como é que eu posso afirma dona Dinã Juruna. “A vida de nada nem
proibir esse menino de estar banhando no de ninguém importa mais. O que vale agora
rio? Estar no rio é a coisa que ele mais gosta parecem ser só os papéis dos documentos.”
de fazer, assim como eu, quando era meni-
na, assim como meus irmãos e irmãs, assim Minha palavra, a palavra das pessoas, não
como todas essas crianças daqui”. vale mais nada. Agora, me diz: por acaso é
documento que anda, fala e come? Pode
Nunca pensei que estaria viva para ver um documento valer mais que uma vida?
esse rio se tornar uma ameaça na vida de Thais Mantovanelli
uma criança.
Todd Southgate

Dona Dinã Juruna, da aldeia Mïratu

Bel Juruna, da aldeia Mïratu Outro importante eixo de mudança no


modo de vida vincula-se à questão da navega-
Além do rio passar a ser pensado como um bilidade após o barramento do rio e o trajeto
perigo à vida das crianças, outro importante obrigatório pelo sistema de transposição de
impacto no modo de vida do povo Juruna (Yud- embarcações, o STE, uma estrutura voltada
já) da Volta Grande do Xingu, provocado por a operacionalizar a passagem pela barragem
Belo Monte, é a inauguração da vida como uma de Pimental, com veículos destinados ao
agenda de reuniões e documentos. A necessida- transporte de passageiros e embarcações pelo
de de participação em uma série de encontros, trecho em terra.
voltados à discussão e à busca de soluções para “Antes dessa barragem o rio era livre, nós
os problemas atualmente enfrentados, gera o éramos livres. Nós íamos e vínhamos pelo
problema da vida como uma agenda de eventos, rio”, explica dona Graça. “Agora temos que
que implicam cálculos de tempo a se destinar passar por aquele monstro de concreto, todo
para essas atividades, que antes não constituí- aquele cimento no meio do rio. Além disso,
am parte do cotidiano das famílias. tem os funcionários de lá, que ficam fazendo

14
perguntas para a gente. Eu mesma me recuso Por fim, é importante considerar o medo
a responder, porque ninguém tem nada a ver que atualmente assola a vida do povo Juruna
com a minha vida.” (Yudjá) da TI Paquiçamba com relação a seu
Nas travessias pelo rio, em especial quando futuro, o futuro de seus filhos, filhas, netos,
se precisa ir a Altamira, outros fatores somam- netas, sobrinhos, sobrinhas, o futuro da pró-
-se aos transtornos causados pelo STE. Um pria Volta Grande do Xingu.
deles é a alteração da paisagem da Volta Grande
do Xingu, com a morte da vegetação herbácea Em 2016, vimos com tristeza o que
e arbustiva característica da beira do rio, a cha- aconteceu com as tracajás por causa
mada saroba. Outra é o risco de naufrágio no da seca da Volta Grande do Xingu. Elas
reservatório, mais propenso a agitações impre- ficaram magras e fracas. Elas estavam
vistas do rio, os banzeiros, fazendo da navegação mortas-vivas quando as encontrávamos.
uma atividade que oferece risco de morte. Podres-vivas e cheias de espuma por
dentro. Uma tristeza.
Eu choro todas as vezes que navego
para Altamira. Nosso medo maior é a Volta Grande do
Xingu virar um cemitério, e nós Juruna
Choro quando vejo as sarobas, morrendo não conseguirmos mais viver aqui no
de um lado da barragem, as tracajás nosso território.
magras, podres-vivas. E choro quando
vejo, do outro lado da barragem, aquele Bel Juruna, da aldeia Mïratu
mundaréu de água cobrindo toda as ilhas,
as árvores no fundo daquele banzeiro.

Aquilo me dá tanto medo, tenho medo de


morrer ali naquele lago imenso, morrer
como as árvores morreram. O rio agora é
controlado por máquinas. Estamos agora
vivendo o tempo das marés.

O Xingu está bagunçado. Os peixes estão


perdidos e nós também estamos perdidos.
Nossa vida bagunçou para sempre.
Clarissa Morgenroth

Dona Graça, da aldeia Mïratu

15
2 HIDROGRAMA
DE CONSENSO
OU HIDROGRAMA
DE CONFLITO?

16
A
principal medida de mitigação apresentação dos estudos de Belo Monte, a
proposta pela empresa concessio- Agência Nacional de Águas (ANA) aprovou a
nária da usina hidrelétrica (UHE) proposta de hidrograma da Eletronorte, por
Belo Monte para os efeitos adversos meio da Resolução n° 740/2009, sem sequer
decorrentes da extrema redução de vazão da esperar a conclusão do parecer técnico do
área da Volta Grande do Xingu é o chamado Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
hidrograma de consenso. Seu objetivo é repro- Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sobre
duzir artificialmente, na medida do possível, a viabilidade ambiental do empreendimento,
o pulso sazonal de cheias e secas que caracte- ou mesmo as audiências públicas marcadas
riza as vazões naturais do rio Xingu. Trata-se, para aquele mesmo mês.
em resumo, de um esquema hidrológico que Segundo a ANA, o plano apresentado à
estipula as quantidades mínimas de água que época conciliava minimamente três condições
precisariam passar pela Volta Grande para de sustentabilidade ecológica e social: a garan-
garantir a sustentabilidade socioambiental tia da navegabilidade do trecho, o alagamento
da região. anual das áreas de pedrais e, a cada dois anos,
O hidrograma atualmente vigente tem o alagamento das planícies. Assim, o hidrogra-
sua origem no Estudo de Impacto Ambiental ma foi definido sobre três premissas:
(EIA) do empreendimento, anunciado como
solução para conciliar a geração de energia, 1. É minimamente necessária uma vazão
a quantidade de água indispensável para as de 700 metros cúbicos por segundo
funções ecológicas da região e a manuten- (m³/s) durante os meses de seca para
ção das condições de navegabilidade do rio garantir as condições de navegabilidade
Xingu. Segundo a Eletronorte, empresa que do trecho da Volta Grande;
realizou os primeiros estudos para apro-
veitamento hidrelétrico em Belo Monte, “o 2. É minimamente necessária uma va-
hidrograma ecológico proposto, portanto, é zão de 4.000 m³/s durante a época da
fruto de um compromisso, ou trade-off, entre enchente, para garantir o alagamento de
dois usos conflitantes”3. pedrais pelo menos uma vez por ano;
É por essa ideia de conciliação de usos que
a Eletronorte justifica a designação da pro- 3. É minimamente necessária uma vazão
posta como hidrograma “de consenso”, ou HC. de 8.000 m³/s durante os meses de
Contudo, esse termo transmite a falsa impres- cheia, para garantir o alagamento de
são de que se trata do resultado de um acordo parte das planícies pelo menos uma vez
entre os atores que disputam usos excludentes a cada dois anos.
dos recursos hídricos do rio Xingu, quando, 3. Brasil, Ministério do
na verdade, fala-se de uma definição feita As demais vazões definidas para o hidro- Meio Ambiente, Agência
Nacional de Águas. Gerência
entre o empreededor e o governo, em torno da grama foram estabelecidas a partir desses de Regulação de Uso. Nota
qual não houve qualquer pactuação social. valores, com volumes mensais mínimos de Técnica n° 129/2009/
Em outubro de 2009, enquanto ainda água de forma a permitir uma transição gra- GEREG/SOF-ANA. Brasília,
se realizavam as audiências públicas para dual dos períodos de seca e de cheia. 2009.

17
Tabela 1: Vazões médias no trecho de vazão reduzida (TRV), em m³/s:

Hidrograma Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

A 1100 1600 2500 4000 1800 1200 1000 900 750 700 800 900

B 1100 1600 4000 8000 4000 2000 1200 900 750 700 800 900

Fonte: Brasil, Ministério do Meio Ambiente, Agência Nacional de Águas. Resolução n° 740, de 06 de outubro de 2009. Anexo III.

Com isso, a implementação da proposta e flora seriamente em risco de extinção,


consiste na alternância de dois planos para a assim como ameaça a permanência de povos
época de cheia, o hidrograma A, que garante indígenas e ribeirinhos na região.
minimamente uma vazão média mensal de O órgão ambiental lembrou ainda que
4.000 m³/s, e o hidrograma B, que deve asse- os índices de 4.000 m³/s e 8.000 m³/s como
gurar uma vazão média mensal de no míni- referências de vazão para a época da cheia
mo 8.000 m³/s. O rodízio dos dois esquemas são significativamente inferiores às vazões
é feito de forma anual, como indicado na históricas do rio Xingu para esse período, e
tabela 1. que não há nenhuma garantia de que a fauna
Esse planejamento pretende se sus- aquática e as florestas aluviais consigam
tentar com base no argumento de que a resistir no curto e médio prazo ao estresse
Volta Grande do Xingu e seus habitantes hídrico proposto. No documento, afirma-se
poderiam passar por um ano de estresse que a cheia média anual do rio Xingu é da
severo durante a época da cheia recebendo ordem de 23.000 m³/s no mês de abril, e que
minimamente 4.000 m³/s, desde que no ano a menor vazão de cheia registrada na região
seguinte fosse liberada uma vazão de 8.000 foi de 12.627 m³/s, ou seja, cerca de 58% maior
m³/s, que se presume suficiente para recu- que os 8.000 m³/s, o melhor cenário propos-
perar os danos do ano anterior e garantir a to para a mesma época .
reprodução das funções ecológicas da época Adicionalmente, o parecer do Ibama
da cheia. destaca evidências científicas que compro-
Tal pressuposto é abertamente ques- vam que algumas espécies de fauna aquática,
tionado pelo próprio Ibama, em parecer como quelônios, só conseguem se alimentar e
técnico anterior à emissão da licença prévia se reproduzir com vazões mínimas de 13.000
da usina, e claramente negado pelo monito- m³/s durante os meses de cheia do rio5:
ramento independente dos Juruna (Yudjá),
como veremos no capítulo a seguir, com Conforme o EIA, a área do TVR [trecho de
relação à magnitude dos danos ecológicos e vazão reduzida] é dita como a que sofrerá
sociais derivados da redução da vazão natu- o maior impacto negativo, principalmente
ral do rio, que chega a 80% da vazão históri- sobre P. unifilis [tracajá], sendo que o
ca do rio Xingu. Hidrograma proposto deverá levar em
Em análise técnica do Ibama sobre o conta em sua avaliação a viabilidade do 4. Brasil, Ministério do
EIA4, de 2009, os analistas do órgão deixam alagamento para a entrada dos animais Meio Ambiente, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente
registrado que os pressupostos e conclusões nos igapós, para alimentação. Atualmente
e dos Recursos Naturais
que levaram à definição do hidrograma “de a vazão que permite essa entrada é de, em Renováveis. Parecer técnico
consenso” são insustentáveis, e ele não deve média, 13.000 m³/s, nos meses entre janeiro n° 114/2009. Brasília, 2009.
ser considerado uma medida adequada de e fevereiro.
mitigação, dado que coloca espécies da fauna 5. Ibidem, p. 337

18
O prognóstico de impactos detectou Dessa forma, apesar do licenciamento
que o desaparecimento das principais ambiental da usina ser contraditório como
áreas de alimentação é um ponto de um todo, o parecer técnico do Ibama que an-
especial atenção para o monitoramento tecede a primeira licença ambiental da usina
dos quelônios, pois a vazão hidrológica é claro no alerta de que a vazão estabelecida
por consenso, segundo o MPEG [Museu no hidrograma de consenso para a região da
Paraense Emílio Goeldi], não garante a Volta Grande não é suficiente para garantir
manutenção dos principais sítios de os ciclos ecológicos e sociais da região:
alimentação, que ocorrem com a vazão
média de 13.000 m³/s, vazão essa que Para as vazões propostas no período de
garante que os animais entrem na cheias, alternando máximas de 8.000 e
floresta para se alimentar. A redução da 4.000 m³/s, verifica-se que o hidrograma
vazão aumentará também a pressão por proposto não atende anualmente a
caça nos “boiadouros” [poços fundos que um importante pré-requisito trazido
as tracajás ocupam durante o verão], que no estudo, qual seja, a inundação de
se tornarão permanentes6. pequena parte das áreas de planícies
aluviais, o que só é verificado em campo
Para o órgão ambiental, também é claro para a vazão de 8.000 m³/s. Esse pré-
que a vazão de 700 m³/s não garante a requisito tem importante rebatimento nas
navegabilidade do rio durante a estiagem. condições de manutenção da ictiofauna,
Nesse caso, segundo o Ibama, a definição dos quelônios, para a navegação da
atenderia exclusivamente à necessidade da época de cheia, e o acesso aos afluentes
usina de garantir 300 m³/s, que é o mínimo da Volta Grande. Considerando que o
para manter a oxigenação e a qualidade da regime de vazões é o fator que influencia
água no canal de derivação e no reservatório diretamente a composição e a integridade
intermediário da usina. biótica, alguns grupos sofrerão de forma
Os analistas do Ibama consideram mais intensa o impacto da redução da
insuficientes as medidas mitigadoras magnitude do pulso de vazões no TVR.
sugeridas, e alertam sobre os riscos de se Não há clareza quanto à manutenção
adotar o hidrograma de consenso no con- de condições mínimas de reprodução e
texto social da Volta Grande do Xingu, onde alimentação da ictiofauna, quelônios e
povos indígenas e ribeirinhos dependem da aves aquáticas, bem como se o sistema
fauna aquática do rio para sua alimentação suportará esse nível de estresse a médio
e renda. Segundo os técnicos, a questão da e longo prazos8.
manutenção da biodiversidade na área in-
cide também na segurança alimentar, “pois
grande parte da proteína consumida nas 6. Brasil, Ministério do
comunidades presentes no TVR e Terras In- Meio Ambiente, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente
dígenas é proveniente da pesca e, em menor e dos Recursos Naturais
proporção, do consumo de quelônios”7. Renováveis. Parecer técnico
n° 114/2009. Brasília, 2009,
p. 137, grifos nossos.

7. Ibidem, p. 336.

8. Ibidem, p. 338, grifos nossos

19
Na parte conclusiva do parecer técnico, Para o órgão indigenista, a primeira
o órgão ambiental é muito claro ao afirmar condicionante indispensável para discutir a
que o hidrograma apresentado pelo empre- instalação e operação da usina seria a neces-
endedor está assentado em incertezas sobre a sidade de um hidrograma ecológico“suficien-
manutenção das condições ecológicas e, por- te para permitir a manutenção dos recursos
tanto, das condições sociais da Volta Grande naturais necessários à reprodução física e
do Xingu. Afirma-se que: cultural dos povos indígenas”. Em outras pa-
lavras, prossegue o parecer, é preciso que esse
o estudo sobre o hidrograma de consenso esquema hidrológico “permita a manutenção
não apresenta informações que concluam da reprodução da ictiofauna do Xingu e o
acerca da manutenção da biodiversidade, transporte fluvial até Altamira, em níveis e
a navegabilidade e as condições de vida condições adequados, evitando mudanças es-
das populações do TVR. A incerteza truturais no modo de vida dos Juruna (Yudjá)
sobre o nível de estresse causado pela da TI Paquiçamba e dos Arara da TI Arara da
alternância de vazões não permite Volta Grande”11.
inferir a manutenção das espécies, A Funai reconhece que os principais
principalmente as de importância efeitos negativos da usina encontram-se
socioeconômica, a médio e longo prazos. localizados nas duas Terras Indígenas (TI) da
Para a vazão de cheia de 4.000 m³/s Volta Grande do Xingu. Para ambas, a ope-
a reprodução de alguns grupos é ração coloca em risco, concreto e imediato, a
apresentada no estudo como inviável 9. manutenção das condições ambientais que
sustentam a reprodução física e cultural dos
Outro ponto questionado pelo Ibama é a povos Juruna (Yudjá) e Arara, cujos territó-
efetividade da definição das vazões propostas rios originários encontram-se localizados
como medida de mitigação capaz de garantir exatamente no chamado TVR desenhado
direitos fundamentais da população da Volta pelo empreendedor. Portanto, a efetividade
Grande do Xingu, em particular o direito ao do hidrograma para garantir a sustentabili-
território e a sobrevivência física e cultural dade dos ecossistemas da Volta Grande está
dos povos indígenas Juruna (Yudjá) e Arara vinculada diretamente ao direito à vida e ao
– uma condição estabelecida pela Fundação território dos povos Juruna (Yudjá) e Arara.
Nacional do Índio (Funai) para aprovar a via-
bilidade da obra, em parecer técnico voltado
a avaliar os estudos de impacto ambiental da
UHE Belo Monte sobre os povos indígenas: 9. Brasil, Ministério do
Meio Ambiente, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente
Considera-se que as medidas mitigadoras
e dos Recursos Naturais
propostas no estudo, de reprodução/ Renováveis. Parecer técnico
conservação ex situ de quelônios e n° 114/2009. Brasília, 2009,
Loricariídeos, ordenamento da pesca na p. 344, grifos nossos.

bacia, retificação do leito para propiciar 10. Ibidem, p. 339, grifos


melhores condições de navegação, são nossos

positivas, mas não há elementos que 11. Brasil, Ministério da


demonstrem que seriam suficientes para Justiça. Fundação Nacional
do Índio. Presidência. Parecer
a manutenção e melhoria da qualidade de
técnico n° 21/2009/PRES/
vida da população, nem tampouco para FUNAI. Brasília, 2009, p. 82,
atender a condição imposta pela Funai 10. grifos nossos.

20
O hidrograma e as etapas
do licenciamento

Apesar da complexidade da decisão, dos Importante destacar que, na licença prévia,


registros, dos alertas e ressalvas feitos pelos está explícita a possibilidade de alteração do
analistas ambientais e indigenistas do Ibama hidrograma, com base em eventuais impactos
e da Funai, por pesquisadores e organizações registrados no monitoramento. Isso põe em
da sociedade civil, a presidência do órgão relevo o caráter de teste da proposta em ques-
ambientalista emitiu, em 2010, a licença pré- tão, evidenciando, portanto, que é passível de
via para a UHE Belo Monte, subordinada ao revisão e alteração. Por esse motivo, de acordo
atendimento de 40 condicionantes socioam- com a própria concepção do esquema tal como
bientais. A primeira dessas condicionantes aprovado pelo licenciador, o hidrograma “de
convertia todas as dúvidas e ressalvas com consenso” não pode ser interpretado como
o hidrograma “de consenso” em uma tácita uma cláusula pétrea, um direito adquirido
autorização para colocá-lo em prática, sob pela empresa concessionária da usina para
caráter de testes, de modo a monitorar as operar, eventualmente, com índices prejudi-
consequências adversas de sua implemen- ciais aos habitantes e ao ecossistema.
tação sobre a biodiversidade e qualidade de A licença de instalação, autorizada em
vida de povos indígenas e ribeirinhos. 2011, reproduziu a condicionante da licen-
A condicionante estabelecida pela pre- ça prévia, mas subordinou a alteração do
sidência do Ibama referente a esse aspecto12 hidrograma à “identificação de impactos
consiste basicamente de três diretrizes: não prognosticados nos Estudos de Impacto
A mbiental”13. Na prática, isso significa a
1. O hidrograma de consenso deverá ser inversão absoluta do ônus da prova, atri-
testado após a conclusão da instalação buindo a comprovação de novos impactos
da plena capacidade de geração da casa para povos indígenas e ribeirinhos, já que
de força principal, prevista para dezem- o monitoramento dos impactos previstos é
bro de 2019. Os testes deverão ocorrer feito pela própria empresa concessionária,
durante seis anos acompanhados de um que dificilmente teria interesse em reportar
“robusto plano de monitoramento”; efeitos não previstos no EIA.
Dito de outro modo, a condicionante
2. A identificação de importantes impactos reproduzida na licença de operação, obti- 12. Brasil, Ministério do
na qualidade da água, ictiofauna, vegeta- da pela concessionária em 2015, limita-se Meio Ambiente, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente
ção aluvial, quelônios, pesca, navegação a incluir que as vazões da Volta Grande do e dos Recursos Naturais
e modos de vida da população da Volta Xingu devem ser sempre controladas “com o Renováveis. Licença prévia n°
Grande poderá suscitar alterações nas objetivo de mitigar impactos na qualidade da 342. Brasília, 2010. Cond. 2.1.
vazões estabelecidas e consequente água, ictiofauna, vegetação aluvial, quelônios,
retificação da licença de operação; pesca, navegação e modos de vida da popula- 13. Brasil, Ministério do
ção da Volta Grande”14. Meio Ambiente, Instituto

3. Entre o início da operação e a geração Isso significa dizer que a licença de opera- Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais
com plena capacidade deverá ser manti- ção reproduz a mesma lógica dos instrumentos Renováveis. Licença de
do no TVR minimamente o hidrograma B anteriores, ao aludir de forma genérica à pos- instalação n° 775/2012.
proposto no Estudo de Impacto Ambien- sibilidade de efeitos adversos do hidrograma Brasília, 2012. Cond. 2.22.

tal (EIA). Para o período de testes devem proposto. Não há, portanto, a previsão de me- 14. Brasil, Ministério do
ser propostos programas de mitigação e canismos efetivos e de atribuição da empresa Meio Ambiente, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente
compensação. concessionária para e sse controle, ou tampou- e dos Recursos Naturais
co de fiscalização do órgão ambiental e controle Renováveis. Licença de
social por parte da população da região. operação n° 1317/2015.
Brasília, 2015. Cond. 2.16.

21
É urgente repensar os critérios para se
definir a vazão residual que deve ser mantida
na Volta Grande do Xingu. Alternativas de-
vem ser estudadas a partir do conhecimento
científico disponível e do conhecimento local
de povos indígenas e ribeirinhos.
Em artigo publicado recentemente na re-
vista científica Biological Conservation, sobre
os impactos da UHE Belo Monte na biodiver-
sidade endêmica da região da Volta Grande
do Xingu, um grupo de nove pesquisadores
brasileiros e estrangeiros propõe a revisão do
hidrograma “de consenso” para evitar perdas
irreversíveis na biodiversidade da região15.
Duas conclusões desse estudo merecem
destaque. A primeira delas, afirmada cate-
goricamente, é a de que, para se garantirem
condições de sustentabilidade ambiental na
Volta Grande do Xingu, além do acompanha-
mento da sazonalidade do rio, é preciso que
o hidrograma garanta “também a variação
interanual de mais de 20.000 metros cúbicos
por segundo, observada nas descargas do
auge dos períodos de cheia”. A segunda con-
clusão é a de que hidrograma ecológico a ser 15. FITZGERALD, Daniel
adotado deve ser pensado a partir de porcen- B.; PEREZ, Mark H.
Sabaj; SOUSA, Leandro
tagens de desvio de vazão permitidas – e não M.; GONÇALVES, Alany
como volumes específicos para cada mês do P.; PY-DANIEL, Lucia
ano, da forma estipulada pelo atual hidrogra- Rapp; LUJAN, Nathan
ma “de consenso”. K.; ZUANON, Jansen;
WINEMILLER, Kirk O.;
Evidentemente, não é simples chegar a LUNDBERG, John G.
uma fórmula que garanta a sustentabilidade Diversity and community
socioambiental da Volta Grande do Xingu. structure of rapids-dwelling
Contudo, as incertezas e os riscos envolvidos fishes of the Xingu River:
Implications for conservation
na aplicação do hidrograma “de consenso” amid large-scale
demandam sua imediata substituição, acom- hydroelectric development.
panhada pela consideração de estudos como In: Biological Conservation,
os que foram conduzidos no monitoramento 222. Washington, D.C.,
Society for Conservation
independente dos Juruna (Yudjá), e que vere- Biology, 2018, pp. 104-112.
mos a seguir.

22
A
Síntese da interação de região da Volta Grande do Xingu é
um dos lugares com maior biodiver-
peixes e quelônios com sidade do mundo. Das 63 espécies
endêmicas de peixes que são conhe-
ambientes sazonalmente cidas na bacia do rio Xingu, 26 só existem nas
corredeiras da Volta Grande. Isso se deve à
alagados na região da particularidade geológica da região, combina-
da com a dinâmica sazonal do rio e a riqueza
Volta Grande do Xingu, a de ambientes que ele oferece. Tão importante
quanto a diversidade de fauna e flora, são os
partir de conhecimentos sofisticados processos ecológicos que regulam
e garantem a manutenção da vida na região. É
dos Juruna (Yudjá) da esse delicado equilíbrio que está em jogo hoje,
com a usina hidrelétrica (UHE) Belo Monte.
aldeia Mïratu, Terra A dinâmica sazonal do pulso de inunda-
ção do rio Xingu é um dos principais fatores
Indígena Paquiçamba para a regulação da época de reprodução e
recrutamento de peixes e quelônios. Isso sig-
nifica que as oscilações na vazão de enchente,
cheia, vazante e seca geram u m sincronismo
entre os processos ecológicos de plantas e
animais. Por meio do monitoramento inde-
pendente feito pelos Juruna (Yudjá), foram
realizados importantes mapeamentos dos
períodos de alagamento de ilhas e sarobais,
destacando sua relação com a migração de
peixes e quelônios em direção às áreas alaga-
das para alimentação e reprodução.

23
ENCHENTE CHEIA VAZANTE SECA
Sarobal Beira de ilha Igapó Beira de ilha Sarobal Pedral

20000
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000 Vazão m³/s média
(1931 a 2008)
2000
0
Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out

A partir do final do mês de Em janeiro, os igapós Existem evidências Existe também uma forte
novembro, inicia-se a começam a alagar. Em científicas que relação entre a
subida do nível do rio e o fevereiro, ambos os comprovam que, no O mapeamento aponta produtividade das
começo do alagamento ambientes já se encontram Xingu, espécies de fauna que os animais pescarias e o pulso de
dos sarobais. alagados em sua quase aquática como quelônios permanecem nesses inundação das florestas
totalidade. Esse é o só conseguem se ambientes até o mês de aluviais. Os maiores
período em que as tracajás alimentar e se reproduzir maio, quando então rendimentos das pescarias
Sarão e os peixes começam a com vazões mínimas de voltam ao rio, à procura de ocorreram sempre no
entrar na floresta alagada 13.000m3/s durante os áreas mais profundas. início da enchente e da
Figo para se alimentar. meses de cheia do rio. vazante do rio. Segundo os Acari-amarelinho
dados do monitoramento, Espécies endêmicas da
Goiaba-de-janeiro “O peixe sabe que 49% do pescado capturado Volta Grande do Xingu,
quando o rio começa é representado pela pesca como o acari-zebra, vivem
a encher ele irá poder de pacus nessas épocas. apenas nos pedrais.
Golosa
comer o sarão.”
Agostinho Juruna
Gameleira

Tucum
A seca se compõe Muitos peixes ficam
Pacu Goiaba-de- junho
A fruta madura cai na água e o Gordião dos mese de maior presos em poços
pacu consegue se alimentar dificuldade de profundos, sem
Cajá
Landi-roxo
navegabilidade do conexão com o rio.
Matrinxã rio Xingu.

Cafeirana
Tracajá

Final do mês de novembro Em janeiro, são os igapós Em fevereiro, ambos os


é marcado pelo início da que começam a alagar. ambientes já se
cheia, quando os sarobais encontram alagados em
começam a alagar sua quase totalidade.
ENCHENTE CHEIA VAZANTE SECA
O pacu, espécie de peixe mais
Sarobal consumida
Beira depelos
ilha Juruna (Yudjá), Igapó Beira de ilha Sarobal Pedral
também está ameaçado. Ele se
alimenta de frutos que caem na
água durante o inverno, época de
cheia do rio. Com a diminuição do
volume de água e a mudança na
Áreas conhecidas como sarobais – dinâmica das vazantes, os frutos
20000 que ficam inundadas em boa parte caem no seco, impossibilitando a
do ano e abrigam vegetação que alimentação e a consequente
18000
fornece alimento para os peixes – reprodução da espécie. O
16000 sofreram redução. Os peixes exemplo do pacu ilustra um dos
precisam se alimentar durante essa muitos processos ecológicos que Hidrograma A
14000 época para ter reserva energética estão em xeque e que podem
12000 para desovar. O tamanho e impactar a manutenção da Hidrograma B
quantidade dos ovos estão biodiversidade aquática. Isso
10000 relacionados com o período que a ameaça a segurança alimentar de Vazão m³/s
fêmea consegue se alimentar. povos indígenas e ribeirinhos. (média 2016),
8000 "o ano do fim
6000 do mundo"

4000 Vazão m³/s média


(1931 a 2008)
2000
0
Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out

A partir do final do mês de Em janeiro, os igapós Existem evidências Existe também uma forte
novembro, inicia-se a começam a alagar. Em Em 2016, com uma científicas
vazante que relação entreAsa áreas utilizadas pela As vazões dos hidrogramas
subida do nível do rio e o fevereiro, ambos os comprovam
de quase 10 mil m3/s, houve que, no O mapeamento aponta produtividade das
curimatá para fazer a A e B não garantem não
começo do alagamento ambientes já se encontram Xingu,
uma grande mortandade de espécies de fauna que os animais pescarias e opiracema
pulso de não foram garantem a inundação dos
dos sarobais. alagados Se
em asua
vazão
quasemédia não peixes no período aquática como quelônios permanecem nesses inundação das florestasem 2016. Nesse
alagadas pedrais. As áreas de
alcançar
totalidade. Esse é o 15 mil m3/s só
reprodutivo, devido à conseguem se ambientes até o mês de aluviais. Os maiores
ano, nenhuma área corredeiras restantes não
emque
período em fevereiro,
as tracajásnão alimentar e se reproduzir
interrupção do fluxo maio, quando então rendimentospropiciou
das pescarias
um ambiente serão suficientes para manter
Sarão haverá
e os peixes começamáguaa suficiente migratório, à com vazões mínimas de voltam ao rio, à procura de ocorreram sempre no para a desova
adequado a diversidade de espécies.
entrar napara os alagada
floresta peixes indisponibilidade de13.000m3/s
áreas durante os áreas mais profundas. início da enchente
dessaeespécie.
da Isso foi
Figo desovarem e os
para se alimentar. meses de
de alimentação e desova. Decheia do rio. vazante do rio. Segundo osapós a captura
confirmado O acari-zebra (Hypancistrus
Acari-amarelinho
animais entrarem na forma análoga e a falta de dados do monitoramento,
de várias espécies com zebra) uma endêmicas
Espécies das espécies
da
Goiaba-de-janeiro “O peixe sabe que floresta aluvial para áreas para alimentação fez 49% do pescado
suascapturado
ovas secas, em julho endêmicas do Xingu,
Volta Grande corre
do Xingu,
quando o rio começa se alimentar. com que os quelônios não é representado
de pela pesca
2016. Esses eventos risco de extinção
como porvivem
o acari-zebra, ser
a encher ele irá poder conseguissem desenvolver de pacus nessas épocas.
fizeram com que 2016 altamente sensível
apenas nos pedrais.a
Golosa
comer o sarão.” seus ovos para a temporada fosse chamado pelos mudanças na temperatura
Agostinho Juruna “Entre dezembro de
reprodutiva de 2016, e Juruna (Yudjá) de “ano do da água e na qualidade
Gameleira 2015 e janeiro de 2016,
os pacus que acabaram emagrecendo fim do mundo”. do ambiente.
pescamos estavam e morrendo. A seca se compõe Muitos peixes ficam
Tucum
presos em O Estudo de Impacto
Pacu Goiaba-de- junho
A fruta madura cai na água e o magros e doentes, Gordião dos mese de maior poços
pacu consegue se alimentar lisos por fora, ninguém dificuldade de Ambiental
profundos, sem alertou para a
Cajá
comeu esses peixes Nem a maior vazão no navegabilidade do preocupação
conexão com o rio. com a
Landi-roxo
Matrinxã
com medo de ficarmos mês de abril do rio Xingu. formação de poços de água
doentes também.” hidrograma B será parada, nos setores do rio
Agostinho Juruna suficiente para os que ficarão mais secos, pois
Cafeirana
Tracajá animais se sabem que isso aumentará
deslocarem para as os focos de malária.
Final do mês de novembro Em janeiro, são os igapós Em fevereiro, ambos os áreas de alimentação
é marcado pelo início da que começam a alagar. ambientes já se na floresta aluvial.
cheia, quando os sarobais encontram alagados em
começam a alagar sua quase totalidade.
26
3 AS FRUTAS ESTÃO
CAINDO NO SECO:
DINÂMICAS DA
PESCA E SEGURANÇA
ALIMENTAR NA VOLTA
GRANDE DO XINGU
27
“As frutas estão caindo no seco.
Isso aconteceu de um jeito muito
intenso em 2016. As tracajás
comem as ramas nas áreas
alagadas e engordam, já o pacu
é mais complicado, porque ele
só engorda se comer os frutos
que caem. Se os frutos caírem no
seco, os pacus nunca mais vão
engordar e irão morrer todos.”

Gilliarde Juruna,
cacique da aldeia Mïratu

28
O
monitoramento dos recursos pes- possível a comparação com dados coletados
queiros e da segurança alimentar antes do início de construção da hidrelétrica16.
na Terra Indígena (TI) Paquiçamba O grupo de pesquisadores e pesquisado-
é fruto de uma pesquisa colabo- ras estabeleceu dois eixos para os trabalhos:
rativa, iniciada em 2013, envolvendo pes- dinâmicas da pesca e consumo alimentar
quisadores da Universidade Federal do Pará das famílias locais. A pesquisa incluiu todas
(UFPA), da Universidade Federal de São Car- as famílias residentes na aldeia Mïratu – no *Uma apresentação
los (UFSCar) e de pesquisadores e famílias início do monitoramento, eram 12, tendo preliminar dos resultados
do monitoramento
Juruna (Yudjá) da aldeia Mïratu*. O intuito é esse número aumentado paulatinamente até conduzido pelos Juruna
o de construir uma base de dados confiável chegar às atuais 22 famílias. (Yudjá) foi apresentada
que possibilite o mapeamento das alterações Para o monitoramento da pesca, foi em FRANCESCO, Ana
na vida dos Juruna (Yudjá) da Volta Grande definida a metodologia de registro de desem- de; CARNEIRO, Cristiane
(orgs). Atlas dos impactos
do Xingu após a construção da usina hidrelé- barque pesqueiro, por meio da utilização de da UHE Belo Monte sobre
trica (UHE) Belo Monte, a partir das dinâmi- formulários chamados de agendas de pesca. a pesca. São Paulo: Instituto
cas da atividade pesqueira. As agendas de pesca permitiram o registro Socioambiental, 2015.
Cabe ressaltar que os textos aqui apresen- diário da atividade pesqueira, garantindo a
tados, ainda que redigidos por pesquisadores coleta de informações básicas imprescindí- 16. Falamos, especificamente,
do estudo encomendado pela
não indígenas, buscam evidenciar as teorias veis para determinação do volume pescado, Eletrobrás para compor o
e reflexões de homens e mulheres Juruna o esforço de pesca e as áreas em que a EIA do empreendimento:
(Yudjá) sobre os impactos de Belo Monte e a atividade é realizada. Essas informações ISAAC, V. J. N.; GIARRIZZO,
situação da Volta Grande do Xingu. são ferramentas fundamentais de acompa- T.; ZORRO, M. C.;
SARPEDONTI, V.; ESPÍRITO
nhamento e avaliação, além de possibilita- SANTO, R. V. ; DA SILVA,
rem o estabelecimento de tendências para a B. B.; MOURÃO JR., M. M.;
Metodologia atividade e o recurso pesqueiro. CARMONA, P.; ALMEIDA,
Com relação ao monitoramento do con- M. Ictiofauna e pesca:
diagnóstico ambiental da
O primeiro passo para a pesquisa colaborati- sumo alimentar, o protocolo foi o de que AHE Belo Monte – Médio
va foi a definição do grupo de pesquisadores os 12 pesquisadores e pesquisadoras Juruna e Baixo Rio Xingu. Belém:
Juruna (Yudjá) que participariam do processo. (Yudjá) passariam a pesar todo o alimento UFPA, 2008. 433 p.
Ao longo de oficinas preparatórias, realizadas consumido nas unidades familiares da aldeia
em 2013, foi composta uma equipe de 12 pes- ao longo de um dia da semana, definido por 17. Esse protocolo é uma
adaptação da metodologia
quisadores da aldeia Mïratu. Esses encontros seleção aleatória. Nesse dia, todo o alimento descrita por CERDEIRA,
preliminares também definiram o escopo e os consumido era categorizado e pesado com R. G. P.; RUFFINO, M. L. e
procedimentos envolvidos na pesquisa. auxílio de pequenas balanças com capacidade ISAAC, V. J. Consumo de
O monitoramento, realizado entre janeiro para 5 kg. As informações, coletadas a cada pescado e outros alimentos
pela população ribeirinha
de 2014 e dezembro de 2017, optou por repli- refeição, incluem horário, número de pessoas do lago grande de Monte
car o mesmo protocolo de pesquisas utilizado e quantidade (em gramas) de cada tipo de ali- Alegre, PA. Brasil. In: Acta
no âmbito do Estudo de Impacto Ambiental mento, como carne de gado, enlatado, peixe Amazonica, 27 (3), 1997, pp.
(EIA) da UHE Belo Monte. Desse modo, é ou caça designados pelo nome local17. 213-228.

29
As dinâmicas da pesca Gráficos 1, 2, 3 e 4 Produção mensal do pescado
desembarcado entre 2014 e 2017 pelos Juruna (Yudjá) da
Nós e os peixes somos parecidos. aldeia Mïratu, TI Paquiçamba
Precisamos de água para viver. Precisamos
de qualidade e quantidade adequada de 2014
água para sobrevivermos, assim como os 1000 30000
peixes, assim como o pacu. 25000
800
20000
Jailson Juruna (Caboko)
600
15000

400 10000
Na aldeia Mïratu, praticam-se dois tipos de 5000
pescaria: de peixe de consumo e de peixe 200
0 0
ornamental. Para os propósitos da pesquisa, Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
o primeiro tipo foi dividido de acordo com
a destinação, entre pesca para o consumo 2015
familiar e para comercialização. Já os peixes 1000 30000
ornamentais são sempre destinados à venda.
800 25000
Entre todas as saídas registradas ao longo
da pesquisa, 96,5% almejavam peixes de 20000
600
consumo, aí incluídos os que se destinam às 15000
famílias, diretamente, e os que são comercia- 400
10000
lizados. Por esse motivo, os dados apresenta- 200 5000
dos a seguir se concentram nessa categoria,
0 0
excluindo-se a pesca ornamental. Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Ao longo do monitoramento, a proporção
comercializada dos peixes de consumo foi 2016
aumentando, principalmente pela inserção de 1000 30000
famílias cuja renda mensal depende exclusiva-
800 25000
mente da pesca. O pescado é vendido no vilare-
jo chamado Baixada, localizado na estrada que 20000
600
dá acesso à aldeia, ou entregue a atravessadores 15000
em Altamira, um percurso de quase 200 km, 400
10000
considerando o trajeto de ida e volta. 200 5000
Entre janeiro de 2014 e dezembro de
0 0
2017, foram desembarcados na aldeia 11.557 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
kg de pescado. Desses, 67% eram destinados
ao suprimento do consumo familiar e 33%, 2017
à comercialização. 1000 30000
Ao longo da pesquisa, identificou-se que
800 25000
o desembarque mensal era maior no início
20000
da enchente e no início da vazante do rio (ver 600
gráficos 1 a 4). Em 2014, foram dois grandes 15000
400
picos, um no período de abril a julho, com 10000
uma produção de 1.042,86 kg de pescado, e o 200 5000
segundo nos meses de novembro e dezembro,
0 0
com 1.125,65 kg. Em 2015, o desembarque teve Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
três picos, um no período de janeiro e feve-
Produção total (kg) Vazão (m³/s)
reiro, com 1.252,80 kg de pescado; o segundo

30
no mês de julho, com 411,65 kg; e o terceiro Gráficos 5, 6, 7 e 8 Rendimento mensal da pesca pelos Juruna
entre setembro e outubro, com uma produ- (Yudjá) da aldeia Mïratu, TI Paquiçamba, com base no índice
ção de 622,70 kg. Em 2016, foram novamente de captura por unidade de esforço (CPUE), entre 2014 e 2017
dois picos, dessa vez no mês de janeiro, com
uma produção de 370,90 kg de pescado, e no 2014
mês de maio, com 274,73 kg. Em 2017, mais 10 30000
uma vez registraram-se dois picos, o primei- 9
25000
8
ro entre janeiro e fevereiro, com uma produ-
7 20000
ção recordista de 1.337,46 kg de pescado, e o 6
segundo no mês de maio, com 372,09 kg. 5 15000
4
Associada à enchente, tem início a produ- 10000
3
ção de frutos nas florestas aluviais ligadas aos 2 5000
pedrais, com vegetação herbácea e arbusti- 1
0 0
va, conhecidas localmente como sarobais. É Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
nesses locais, repletos de peixes em busca de
alimento, que as pescarias se concentram. 2015
Em 2014, os meses com maior captura de 10 30000
pacu foram novembro e dezembro, com uma 9 25000
produção total de 398,64 kg e 737,65 kg, res- 8
pectivamente. Em 2015 e 2016, os meses de 7 20000
6
janeiro e fevereiro apresentaram as maiores 5 15000
capturas, com uma produção total de 929,8 4 10000
3
kg e 396,3 kg, respectivamente.
2 5000
Além da produção, outro objetivo do moni- 1
toramento era aferir o rendimento das pesca- 0 0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
rias. Para isso, utiliza-se a unidade de medida
denominada captura por unidade de esforço 2016
(CPUE). Ela é calculada por meio da divisão da 12 30000
quantidade de pescado capturado (em quilos) 25000
10
pelo esforço de pesca (dado pela quantidade de
8 20000
dias de pesca dividido pelo número de pesca-
dores), e é expressa em quilos de peixe captu- 6 15000

rado por pescador e por dia (kg/pescador/dia). 4 10000


Dessa forma, quanto maior o índice de CPUE, 5000
2
maior o rendimento associado à atividade
0 0
pesqueira naquele momento. Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Os dados apontam que os maiores valores
de CPUE ocorreram nos meses de janeiro de 2017
2015 e 2016, com uma média de 9,2 kg e 11,7 12 30000
kg/pescador/dia, respectivamente, ao passo 25000
10
que a menor média coube ao mês de março de
8 20000
2017, com 0,78 kg por pescador e por dia (ver
gráficos 5 a 8). 6 15000

Além disso, as medições indicam um au- 4 10000


mento no rendimento das pescarias nos dois 5000
2
primeiros meses de 2016. Isso pode estar rela-
0 0
cionado à diminuição da vazão nesse trecho da Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Volta Grande do Xingu, o que teria levado os
CPUE Vazão (m³/s)
cardumes a ficarem nas bocas das piracemas

31
e isolados nos poços, tornando a pesca mais Gráfico 9 Espécies de peixe capturadas entre janeiro de
produtiva. O impacto de sobrepesca no chama- 2014 e dezembro de 2017 pelos Juruna (Yudjá) da aldeia
do trecho de vazão reduzida (TVR) é previsto Mïratu, TI Paquiçamba
no EIA e reflete sérias consequências para o
estoque pesqueiro. As medições indicam uma
redução no rendimento em 2017, comparado
aos outros anos. Os Juruna (Yudjá) perceberam Pacu
tais relações e estão propondo fechar a pesca Acari
comercial em todo o chamado TVR. Comum
Curimatã
Espécies capturadas Tucunaré

O monitoramento registrou uma variedade Piranha


de 23 espécies entre os peixes de consumo
capturados (gráfico 9). Cinco delas, porém, Pescada
representaram sozinhas mais de 86,1% do Ariduia
total desembarcado: pacu (Myleus spp.),
49,8%; acari comum (família Loricariidae), Pocomon
16,9%; curimatá (Prochilodus nigricans), 11,3%;
tucunaré (Cichla sp.), 10,2%; e piranha (Serra- Pirarara
salmus sp.), 4,7%.
Como se pode perceber, o pacu foi, de Fidalgo
longe, a etnoespécie mais capturada. Entre Cachorra
janeiro de 2014 e dezembro de 2017, foram
desembarcados 4.801,95 kg desse grupo de Caratinga
peixes. Os Juruna (Yudjá) identificam 11
etnoespécies de pacu: pacu-de-seringa, pa- Matrinchã
cu-capivara, pacu-couro-seco, pacu-branco,
Surubim
pacu-curupité, pacu-cadete, pacu-manteiga,
pacu-preto, pacu-caranha, pacu-olhudo e Traíra
pacu-rosa. O aumento na captura de pacus
começa no final de novembro, com o início da Barba
chata
subida do nível do Xingu, evento identificado
como água nova. Piau
Analisando-se em separado as pescarias
Bicuda
desse grupo de peixes, devido à sua impor-
tância na rotina pesqueira e alimentar dos Curvina
Juruna (Yudjá), pode-se notar que, após
o barramento do rio, ocorreu um pico na Arraia
captura do pacu nos dois primeiros meses
(menor do que os picos observados nos anos Flexeira
anteriores), mas depois a captura diminuiu
Mocinha
(ver gráficos 10 a 13). Isso se deu devido à má
qualidade dos pacus capturados, considera- Mandi
dos não adequados ao consumo, o que levou
à redução da captura da espécie. Em 2017, o
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 kg
mês com maior captura do pacu foi janeiro,
com uma produção de 349,2 kg.

32
Esse cenário identificado pelo monito- Gráficos 10, 11, 12 e 13 – Desembarque de pacus
ramento constitui um sério alerta para as pescados pelos Juruna (Yudjá) da aldeia Mïratu, TI
consequências da adoção do hidrograma “de Paquiçamba, entre 2014 e 2017
consenso” por parte da concessionária de Belo
Monte. Como vimos, a pesquisa demons- 2014
trou como a vazão reduzida de 2016 e 2017 já 1000 30000
acarretou efeitos negativos graves, em especial 25000
800
para os pacus, principal grupo de peixes pes-
20000
cado pelos Juruna (Yudjá). No entanto, a vazão 600
desses dois anos foi ainda superior àquela 15000
400
prevista no hidrograma a ser implementado, 10000
apontando para a magnitude da ameaça de se 200 5000
colocar esse esquema em operação.
0 0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Se isso acontecer do jeito que está
apresentado, os pacus, as curimatás e as 2015
tracajás vão desaparecer, vão acabar. Além 1000 30000
disso, se formos viver só o verão o ano todo 25000
800
[época da seca], apenas os acaris vão ser
20000
pescados. Se todo mundo só pescar acari, 600
ele também pode ir desaparecendo. 15000
400
10000
Gelson Juruna , da aldeia Mïratu 200 5000
0 0
Um dos aspectos evidenciados pelo moni- Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
toramento é a relação entre áreas alagadas e
captura de etnoespécies, por meio da ali- 2016
mentação da fauna aquática, extensivamente
1000 30000
conhecida pelos Juruna (Yudjá). Eles iden-
tificam 36 tipos de frutas consumidas por 800 25000
peixes. As frutas são utilizadas como iscas, e 20000
600
as pescarias ocorrem nos locais reconhecida- 15000
mente ocupados pelos peixes, com destaque 400
10000
para o pacu, durante o importante período da
200 5000
enchente. Dessa forma, a interferência nessa
dinâmica coloca diretamente em xeque a 0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
0
atividade pesqueira.
2017
1000 30000

800 25000
20000
600
15000
400
10000
200 5000
0 0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Pacus (kg) Vazão (m³/s)

33
Artefatos de pesca

A pesca de mão e com caniço tem tudo Em anos mais secos, segundo os dados do
a ver com a enchente do rio. Quando monitoramento, cresceu o uso de tarrafa, fato
o rio está seco, as pescarias são feitas associado à exposição dos pedrais onde ocorre
mais de tarrafa, e agora ainda está mais a captura dos acaris e curimatás. Essa situa-
complicado, porque aumentou demais o ção reforça a constatação de que a pesca com
uso de malhadeira. caniço, tradicional para a captura do pacu, vem
sendo substituída pela pesca com malhadeiras
Gelson Juruna , da aldeia Mïratu e tarrafa.
Antes do barramento, os Juruna (Yudjá)
Os artefatos de pesca tradicionalmente utilizavam o caniço para capturar pacus nas
usados pelos Juruna (Yudjá) da Volta Grande florestas aluviais, onde as frutas caíam, mas
do Xingu são linha de mão, caniço e tarrafa. isso não ocorreu em 2016, pois a vazão de
Os dois primeiros associam-se à captura de 10.000 m3/s não foi suficiente para alagar
peixes frugívoros, como as espécies de pacu, e essas áreas.
o terceiro à captura das espécies de acaris, feita
nos pedrais, durante o verão. A malhadeira é Nosso monitoramento mostra isso, que o
um artefato que apenas recentemente tem sido aumento do uso da tarrafa ocorre junto
incorporado à atividade pesqueira dos Juruna com o barramento do Xingu e com o fim
(Yudjá), e essa incorporação relaciona-se, por da cheia e da enchente. Essa situação da
sua vez, aos impactos do barramento do Xingu. Volta Grande do Xingu é preocupante,
porque, com os pedrais expostos o ano
Ninguém gosta de botar malhadeira, porque inteiro, os acaris podem desaparecer, por
malhadeira é uma coisa que diminui muito conta das pescarias com tarrafas.
os peixes. É uma pesca mais predatória,
porque tudo que é peixe fica preso na trama Gelson Juruna, da aldeia Mïratu
da malhadeira e, às vezes, outros animais
também, como tracajá e arraias. Depois
dessa barragem é que começamos a usar
malhadeira, porque não estamos vendo
outra solução, precisamos do peixe para o Gráfico 14 Frequência no uso dos artefatos de pesca
nosso consumo e para a venda. pelos Juruna (Yudjá) da aldeia Mïratu, TI Paquiçamba, nas
pescarias monitoradas
Diel Juruna, da aldeia Mïratu

O monitoramento aponta para uma mu- % Pesca com anzol Tarrafa Malhadeira
dança no uso dos artefatos nos últimos anos
(ver gráfico 14). O emprego de malhadeiras, 70
como dito, vem aumentando e, ao mesmo 60
tempo, houve redução considerável do uso do
caniço. Uma explicação reside no fato de que a 50
pesca desse tipo está diretamente relacionada 40
com a captura do pacu durante a enchente,
30
nas áreas alagáveis, como pedrais, sarobais
e igapós, utilizando-se como iscas as frutas 20
consumidas pelos peixes. Dessa forma, após o 10
fechamento do rio e redução da vazão, não foi
0 2014 2015 2016 2017
possível utilizar esse método de captura.

34
Áreas de pesca

O mapeamento dos locais de pesca utilizados como o acari-zebra, acari-picota-ouro, aca-


por moradores da aldeia Mïratu mostrou ri-boi-de-bota, acari-amarelinho e acari-ze-
que importantes pontos foram eliminados, bra-marrom. Os principais pontos são: Landi,
com o aterramento do leito do rio no início Lote, Três Pancadas, Porto da Aldeia, Poço do
da construção da UHE Belo Monte. Antes da Alcides, Ilha do Cemitério, Barra do Vento,
obra, o território de pesca dos Juruna (Yudjá) Lopreu e sequeiro do Jericoá. Esses locais en-
se estendia da região do Pimental à cachoeira contram-se ameaçados com a diminuição da
do Jericoá. Hoje, ele se restringe à área entre vazão do rio, colocando em risco a sobrevivên-
o Landi e o Jericoá, onde muitos pontos de cia dessa espécie ao longo do tempo.
pesca também já estão comprometidos pela Entre a área do Landi e a região de sequei-
redução de vazão, todos incluídos dentro do ro do Jericoá, existem inúmeros boiadouros,
chamado TVR da usina. poços mais profundos ocupados pelas traca-
Devido à perda de muitos pontos de jás durante o verão. Nesse trecho também se
pesca, hoje, apenas a pesca de subsistência é encontram muitas ilhas e muitos sarobais,
realizada nas proximidades da aldeia Mïra- áreas de alimentação de peixes e quelônios
tu, entre a região do Caitucá até os limites nas épocas de enchente e inverno. Esses am-
da aldeia Paquiçamba (ver mapa a seguir). bientes contam com abundância de frutos,
Para que os peixes possam se reproduzir como golosa, figo, sarão e goiabas. Essas áreas
nessa área, proibiu-se a pesca para venda. de alimentação de peixes e quelônios têm so-
Após Belo Monte, os Juruna (Yudjá) da Volta frido sérias alterações desde a construção da
Grande do Xingu estabeleceram que a pesca UHE Belo Monte, colocando em risco a vida
de peixes de consumo para comercialização dessas espécies na Volta Grande do Xingu.
só poderia ocorrer nas regiões mais distantes As ilhas da Araruna, Bela Vista, Jericoá,
da aldeia Mïratu, merecendo destaque os se- Bacaba e das Onças, localizadas entre a região
guintes locais: Landi, Três Pancadas, Poço do da Bela Vista e o Jericoá, são mais altas, mar-
Alcides, Ilha do Cemitério, Barra do Vento, cadas pela presença de seringueiras. Os Juru-
Lopreu, Bela Vista e Jericoá. na (Yudjá) relatam que os peixes e tracajás
Historicamente, os Juruna (Yudjá) têm na dessa região migram no inverno para as regi-
pesca de peixes ornamentais sua principal ões de Barra do Vento e Lopreu, onde as ilhas
fonte de renda. Duas grandes áreas são con- são mais baixas, ressaltando a importância da
sideradas por eles como importantes áreas de conectividade das espécies aquáticas, os meios
distribuição de espécies de peixes desse tipo, ambientes e o fluxo de vazão do rio Xingu.

35
2 1
3
4 6
5
7

8
9
C
10
12 11
B
13
A 14
E
D

16 15

17

km
0 5 10 15 20

ÁREA DE PESCA 1. Ilha do Jericoá Frutas de terra firme


Terra Indígena 2. Ilha da Onça Golosa · Seringa · Tucum ·
Paquiçamba 3. Ilha do Bom Jardim Gameleira · Cajá
4. Ilha da Bela Vista
5. Ilha de Serra Frutas de ilha
Pesca ornamental 6. Região das Três Pancadas Gordião · Goiaba-de janeiro ·
7. Ilha da Bacaba Gameleira
Pesca comercial
8. Região do Landi
Pesca comercial proibida 9. Região do Jericoá Frutas de saroba
10. Ilha do Bacaba Sarão · Figo · Cafeirana ·
Pesca de tracajá
11. Ilha do Araruna Goiaba-de-junho
TI Paquiçamba 12. Região do Lopreu
13. Região da Barra do Vento Aldeias
TI Arara da Volta Grande do Xingu
14. Ilha da Barra do Vento A: Mïratu
Aldeias 15. Ilha do Cemitério B: Paquiçamba
16. Poço do Alcides C: Furo Seco
Áreas de pesca
17. Ilha do Gorgulho D-E: Terrawãngã
Impactos à reprodução e
alimentação da fauna aquática

A dinâmica sazonal do pulso de inundação Foram realizados importantes mapea-


é um dos principais fatores para a regula- mentos dos períodos de alagamento de ilhas
ção da época de reprodução e recrutamento e sarobais, destacando sua relação com a
da fauna aquática na bacia Amazônica18, migração de peixes e quelônios em direção a
o que inclui a Volta Grande do Xingu. Isso áreas alagadas para alimentação. Tal identifi-
significa que as oscilações entre as vazões cação conduz os Juruna (Yudjá) a conclusões
de cheia e seca no mesmo ano geram um importantes, que precisam ser reconhecidas
sincronismo entre os processos ecológicos no mesmo patamar dos conhecimentos cientí-
de plantas e animais19. Esse fenômeno rege ficos acadêmicos, da dita ciência “dos brancos”.
os ciclos de vida e a alimentação dos ani- Vale a pena destacar que essas conclusões
mais que garantem a segurança alimentar convergem com teorias sobre a ecologia e a
das populações ribeirinhas, sobretudo os limnologia dos ecossistemas aquáticos amazô-
peixes e quelônios20. nicos e sobre a climatologia do norte da Amé-
rica do Sul21. O infográfico (p. 24) apresenta
Muitos tucuns já morreram, além de outras uma síntese das conclusões dos pesquisadores
frutas e das sarobas. Tudo isso é o que os Juruna (Yudjá) sobre esse aspecto.
peixes comem, o pacu principalmente. Não Considerando o fluxo normal do rio Xingu,
adianta só monitorar os peixes, nós temos o final do mês de novembro é marcado pelo
que monitorar também as plantas. início da subida da água, a chegada da água
nova, quando os sarobais começam a alagar.
Agostinho Juruna, da aldeia Mïratu Na sequência, em janeiro, são os igapós que

18. Cf. BAYLEY, P. B., the Amazon. New York: Mekong River Commission, J., BAYLEY, P. B. e SPARKS,
Aquatic environments in Columbia University 2004, pp. 285-309; R. E. The flood pulse
the Amazon Basin, with an Press, 1996. CASTELLO, L., MCGRATH, concept in river-floodplain
analysis of carbon sources, D. G., HESS, L. L., COE, M. systems. In: Canadian
fish production, and yield. 20. Cf. ARAUJO-LIMA, C. T., LEFEBVRE, P. A., PETRY, special publication of
In: Canadian Special A. R. M., GOULDING, M., P., MACEDO, M. N., RENÓ, fisheries and aquatic
Publication of Fisheries FORSBERG, B., VICTORIA, V. F. e ARANTES, C. C. The sciences, 106, 1989, pp.
and Aquatic Sciences, 106, R. e MARTINELLI, L. vulnerability of Amazon 110-127; GOULDING, M.,
1989, pp. 399-408 e JUNK, W. The economic value of the freshwater ecosystems. In: SMITH, N.J. e MAHAR,
J., BAYLEY, P. B. e SPARKS, Amazonian flooded forest Conservation Letters, 6 (4), D. J. Floods of fortune:
R. E. The flood pulse concept from a fisheries perspective. In: 2013, pp. 217-229; e LIMA, ecology and economy along
in river-floodplain systems. Internationale Vereinigung M. A. L., KAPLAN, D. A. e the Amazon. New York:
In: Canadian special für theoretische und RODRIGUES DA COSTA Columbia University Press,
publication of fisheries and angewandte Limnologie: DORIA, C. Hydrological 1996; e WINEMILLER, K.
aquatic sciences, 106, 1989, Verhandlungen, 26 (5), 1998, controls of fisheries O. Floodplain river food
pp. 110-127. pp. 2177-2179; WINEMILLER, production in a major webs: generalizations
K. O. Floodplain river Amazonian tributary. In: and implications for
food webs: generalizations Ecohydrology, 10 (8), 2017. fisheries management. In:
19. Cf. BAYLEY, P. B. The and implications for WELCOMME, R. L. e PETR,
flood pulse advantage and fisheries management. In: 21. Cf. BAYLEY, P. B., T. (eds). Proceedings of
the restoration of river- WELCOMME, R. L. e PETR, Aquatic environments in the second international
floodplain systems. In: T. (eds). Proceedings of the Amazon Basin, with an symposium on the
Regulated Rivers: Research the second international analysis of carbon sources, management of large
& Management, 6 (2), 1991, symposium on the fish production, and yield. rivers for fisheries. Volume
pp. 75-86 e GOULDING, management of large In: Canadian Special II. Phnom Penh: Food and
M., SMITH, N. J. e MAHAR, rivers for fisheries. Volume Publication of Fisheries Agriculture Organization &
D. J. Floods of fortune: II. Phnom Penh: Food and and Aquatic Sciences, 106, Mekong River Commission,
ecology and economy along Agriculture Organization & 1989, pp. 399-40; JUNK, W. 2004, pp. 285-309.

37
começam a alagar. Em fevereiro, ambos os responsáveis pela produtividade aquática22.
ambientes já se encontram alagados em sua A inviabilidade do hidrograma “de con-
quase totalidade. Esse também é o período em senso” foi confirmada no primeiro ano após
que as tracajás e os peixes começam a entrar o barramento do Xingu, entre 2015 e 2016.
na floresta alagada para se alimentar. Diver- Uma importante diferença observada foi a
sas espécies de peixe também entram para diminuição da produção de peixe desem-
procurar os nichos adequados para desova. O barcado total na enchente de 2016 (janeiro
mapeamento aponta que os animais perma- e fevereiro) em relação aos outros anos.
necem nesses ambientes até o mês de maio, Dois eventos podem ter contribuído para
na vazante, quando então voltam ao rio, à essa diminuição: de um lado, a efetivação do
procura de áreas mais profundas. barramento do rio e o fim do fluxo natural
Para compreender qual vazão é suficien- de águas pela Volta Grande do Xingu, e, de
te para alagar esses ambientes e garantir a outro, uma enchente particularmente fraca
migração sazonal dos animais, cruzaram-se as do rio Xingu no ciclo hidrológico de 2016.
informações da movimentação sazonal com a Esse fenômeno também foi observado no rio
vazão histórica do período de 1931 a 2008. Adi- Tapajós, e provavelmente está relacionado ao 22. Cf. WINEMILLER, K.
cionalmente, foram também relacionados os registro de pouca chuva ao longo da drena- O. Floodplain river food
webs: generalizations
dados de vazão dos hidrogramas de consenso gem dessas duas bacias, sobretudo em suas and implications for
A e B, bem como aqueles registrados em 2016, áreas situadas no bioma Cerrado, no Escudo fisheries management. In:
primeiro ano após o barramento total do rio. Central Brasileiro. WELCOMME, R. L. e PETR,
Observou-se, então, que a vazão mensal Esse fenômeno de “inverno fraco”, como T. (eds). Proceedings of
the second international
em janeiro, que possibilita o início da entrada é referido localmente, é interpretado por symposium on the
dos animais na floresta aluvial, precisa estar grande parte dos climatologistas como uma management of large
acima de 8.000 m3/s. Além disso, levando-se continuação do forte El Niño de 2015. Mesmo rivers for fisheries. Volume
em consideração que esse mês marca somen- assim, esse evento, que também pode ter se II. Phnom Penh: Food and
Agriculture Organization &
te o início do deslocamento dos animais, e amplificado na Volta Grande devido à UHE Mekong River Commission,
que seu auge ocorre efetivamente em feverei- Belo Monte, acabou fornecendo um impor- 2004, pp. 285-309;
ro, a vazão média nesses dois meses necessita tante quadro sobre a variação anual do Xingu CASTELLO, L., MCGRATH,
atingir a casa dos 15.000 m3/s. e sobre os níveis adequados do fluxo de água D. G., HESS, L. L., COE, M.
T., LEFEBVRE, P. A., PETRY,
Comparando-se essas médias mínimas necessários para a garantia da vida de plantas P., MACEDO, M. N., RENÓ,
necessárias com os hidrogramas de consenso e animais. Isso porque, em 2016, a variação V. F. e ARANTES, C. C. The
sobre os quais insiste a concessionária de máxima atingida foi de 10.000 m³/s, um vulnerability of Amazon
Belo Monte, nota-se que nem a maior vazão valor menor do que a média de 23.000 m³/s freshwater ecosystems. In:
Conservation Letters,
proposta, de 8.000 m3/s, correspondente ao e, ao mesmo tempo, superior à maior vazão 6 (4), 2013, pp. 217-229;
mês de abril no hidrograma B, será suficiente estipulada no hidrograma proposto pela em- CASTELLO, L., ISAAC, V.
para que os animais se desloquem para as presa concessionária, de 8.000 m³/s. J. e THAPA, R. Flood pulse
áreas de alimentação na floresta aluvial e ali Com esse quadro do monitoramento, effects on multispecies
fishery yields in the Lower
permaneçam por tempo suficiente para que foi possível verificar os impactos deletérios Amazon. In: Royal Society
consigam engordar e crescer. que uma redução na vazão do Xingu pode open science, 2 (11), 2015,
Importante lembrar que o processo repro- ter sobre a fauna aquática e, consequente- p. 150299; e WINEMILLER,
dutivo dos peixes que se reproduzem nesse mente, a pesca, seja essa redução o resulta- K. O., MCINTYRE, P. B.,
CASTELLO, L., FLUET-
período e nessas áreas depende não somen- do de um fenômeno natural ou algo causa- CHOUINARD, E.,
te de uma ampla área alagada, como de um do por Belo Monte. GIARRIZZO, T., NAM, S.,
período de pelo menos três meses para que os Em outras palavras, os dados de vazão BAIRD, I.G., DARWALL, W.,
ovos eclodam, as larvas se desenvolvam e os e de produção pesqueira para o período de LUJAN, N. K., HARRISON, I. e
STIASSNY, M. L. J. Balancing
alevinos se formem. Mesmo que um rápido chuvas de 2015-2016, registrados no moni- hydropower and biodiversity
pulso de 8.000 m³/s permita o alagamento de toramento independente, mostram clara- in the Amazon, Congo, and
uma parte dos pedrais e florestas aluviais, isso mente o que uma redução de vazão provoca Mekong. In: Science, 351
de nada adianta para garantir as interações na Volta Grande do Xingu, e demonstram (6269), 2016, pp. 128-129.

38
inequivocamente que reduções ainda mais Gráfico 15 Comparativo de índices de vazão média mensal,
severas, agravadas por um efeito cumulativo, tendo como base: série histórica de 1931-2008; hidrogramas
comprometerão o ciclo ecológico do rio e a de consenso A e B; e índices registrados em 2016
segurança alimentar das populações indíge-
nas e ribeirinhas23.
Em função dessa diferença marcante no 20000 Vazão m3/s (média 1931 a 2008)
pulso de inundação, e de seus efeitos nefastos
18000 Vazão m3/s (média 2016)
sobre os ambientes inundáveis e a vida aquá-
tica, 2016 passou a ser chamado pelos Juruna 16000
Hidrograma de Consenso B
(Yudjá) como o “ano do fim do mundo”. 14000
12000 Hidrograma de Consenso A
O nível de subida da água de 2016, em
10000
abril, não conseguiu fazer o pacu engordar.
12.000 m³/s é o que as tracajás precisam 8000
para conseguirem entrar nos igapós 6000
para se alimentar. Com o hidrograma de 4000
consenso, serão apenas 8.000 m³/s em
2000
abril. Nem precisa dizer mais nada, não é?
0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Diel Juruna, da aldeia Mïratu

O gráfico 15 traz uma síntese dos dados do jás também morreram ao tentar se deslocar
monitoramento acerca dos índices mensais para montante, encontrando nas suas rotas a
de vazão. Em suma, a vazão média que será barragem Pimental. Ao tentarem atravessar
liberada pelos hidrogramas A e B é menor por terra, prenderam-se nas grandes pedras
do que a vazão média liberada em 2016, o que formam a barragem e morreram desi-
“ano do fim do mundo”, em que os peixes não dratadas. Note-se que, embora isso fosse de
conseguiram desovar, nem tampouco entrar, conhecimento dos vigilantes de Belo Monte,
juntamente com os quelônios, na floresta nenhuma equipe foi acionada.
aluvial para se alimentar. Reitera-se que tal Esses impactos ocorreram porque, como
vazão de 2016, por sua vez, foi bem maior salientado anteriormente, existe um sincro-
que a vazão do hidrograma B, melhor cenário nismo entre o período de frutificação das áre-
proposto pelo empreendedor. as da floresta aluvial e do sarobal com o pulso
O barramento total do rio Xingu ocorreu de inundação. Assim, caso ocorra a adoção 23. Em estudo desenvolvido
no final de novembro de 2015, dando início dos hidrogramas A e B, como a vazão liberada no rio Madeira,
pesquisadores demonstraram
ao enchimento do reservatório principal e não será suficiente para alagar essas áreas, os categoricamente a relação
do reservatório intermediário. A partir de peixes frugívoros serão diretamente afetados, entre pulso de inundação
então, os impactos na região da Volta Grande entre eles as espécies de pacus e os quelônios e produção pesqueira. Cf.
do Xingu – ou no trecho de vazão reduzida que também utilizam essas áreas. LIMA, M. A. L., KAPLAN, D.
A. e RODRIGUES DA COSTA
(TVR), como insiste a concessionária da usi- O próprio EIA reconhece que, quando o DORIA, C. Hydrological
na – começaram a se sobrepor. Houve grande hidrograma A estiver em operação, são pre- controls of fisheries
mortandade de peixes no período reproduti- vistos impactos nos hábitos alimentares dos production in a major
vo, devido à interrupção do fluxo migratório, indígenas das TIs, tais como “perda de renda Amazonian tributary. In:
Ecohydrology, 10 (8), 2017.
à indisponibilidade de áreas de alimentação e fontes de proteína com comprometimento
e desova. De forma análoga, a falta de áreas dos hábitos alimentares, principalmente das 24. ELETROBRÁS.
para alimentação fez com que os quelônios TIs”24. O prognóstico global do estudo estabe- Aproveitamento
Hidrelétrico (AHE) Belo
não conseguissem desenvolver seus ovos lece claramente a necessidade de uma vazão Monte: Estudo de Impacto
para a temporada reprodutiva de 2016, e mínima de 15.000m³/s para que os pulsos de Ambiental (EIA), v. 3 [S.l.],
emagrecessem e morressem. Muitas traca- inundação possam ocorrer com um mínimo 2009. p. 292.

39
de normalidade, garantindo as interações da curimatá. Ao longo de todo o ano de 2016,
fauna aquática com os ambientes inundáveis. acompanharam-se as áreas que essa espécie
Mesmo prevendo esse impacto, o monito- utilizava para realizar suas piracemas, e o
ramento realizado no âmbito do Plano Básico resultado foi de que nenhuma delas propi-
Ambiental (PBA) indígena não acompanha ciou um ambiente adequado para a desova.
essas transformações. Ressalte-se ainda Tais observações foram confirmadas após a
que, no EIA, esse impacto era previsto para captura, no mês de julho, de vários exempla-
uma vazão máxima de 4.000 m³/s no mês de res com suas ovas secas. Essas consequências
abril, mas o monitoramento independente são também previstas no EIA, que aponta:
já indicou que tal alteração ocorre mesmo
com uma vazão de quase 10.000 m³/s nesse No setor da Volta Grande, dois potenciais
mesmo mês. problemas relacionados com a estrutura
No âmbito da pesquisa independente, das populações de peixes que são alvo
identificou-se também que, logo após o das pescarias podem ser antevistos.
barramento do rio, houve um aumento no Primeiramente, a redução de vazão deverá
rendimento das pescarias em decorrên- alterar drasticamente a disponibilidade
cia do baixo nível das águas. Levando-se de áreas de desova e crescimento para
em consideração que o trecho de 100 km a ictiofauna, notadamente nas florestas
do chamado TVR é uma importante área aluviais, inundadas durante os meses de
de pesca para pescadores comerciais de maior vazão. Isto poderá implicar, como já
Altamira e Anapu, o impacto da sobrepes- foi visto antes, na perda ou diminuição da
ca nessa região após o barramento do rio é abundância de espécies que dependem
bastante preocupante. Tal impacto também destes ambientes26.
foi previsto no próprio EIA:
Diante do exposto, ressalta-se que o
A pesca de peixes de consumo e a cenário concretizado em 2016, com vazões
pesca comercial de acaris poderão ser superiores às vazões estabelecidas nos
mantidas na região, mesmo que com hidrogramas de consenso A e B, eviden-
uma pequena alteração na composição cia as consequências negativas de um ano
de espécies alvo. Contudo, o aumento com inverno muito fraco. Por esse motivo,
da capturabilidade pela extensão dos é necessário repensar as vazões que serão
períodos de estiagem mais acentuados liberadas para a Volta Grande do Xingu,
poderá conduzir à sobrepesca. Alternâncias para que se possa manter o modo de vida
de anos de maior e menor facilidade de das famílias indígenas e ribeirinhas, assim
captura dos peixes poderão, a médio e como o equilíbrio ambiental.
longo prazo, levar à redução de estoque Existe também uma forte relação entre
pesqueiro para consumo, implicando em a produtividade das pescarias e o pulso de
comprometimento dos hábitos alimentares inundação das florestas aluviais. Os maiores
das comunidades ribeirinhas25. rendimentos das pescarias ocorreram sem-
pre no início da enchente e da vazante do rio.
A vazão em 2016 não foi suficiente para Segundo os dados do presente monitoramen-
alagar os pedrais e igapós na enchente, assim, to, 48,9% do pescado capturado é representa-
a pesca do acari com tarrafa aconteceu du- do pelos pacus, que se alimentam nesse tipo 25. ELETROBRÁS.
rante todo o ano. Por esse motivo é impor- de ambiente. Aproveitamento
Hidrelétrico (AHE) Belo
tante alertar para o risco de sobrepesca desse O barramento do rio Xingu gerou e tem Monte: Estudo de Impacto
grupo, uma vez que as vazões dos hidrogra- gerado sérios impactos sobre o modo de vida Ambiental (EIA), v. 2 [S.l.],
mas não garantem a inundação dos pedrais. do povo Juruna (Yudjá). Inclusive, o EIA 2009. p. 173.
Outra espécie que foi diretamente afetada chegou a prever, para o ano em que o hidro-
no primeiro ano de barramento do rio foi a grama A estiver em operação, a ocorrência de 26. Idem.

40
impactos sobre as espécies que dependem da O monitoramento acompanhou, entre
floresta aluvial: “Os peixes que dependem da janeiro de 2014 e dezembro de 2017, um
floresta aluvial (67% da riqueza de espécies total de 675 refeições entre as famílias da
da Volta Grande) serão impactados imedia- aldeia Mïratu. Os dados apontam que em
tamente”27. Reiteramos que, no EIA, esse 2014 e 2015 o peixe constituiu a principal
impacto era previsto para uma vazão máxima fonte de proteína animal consumida, mas
de 4.000 m³/s no mês de abril, sendo que a esse quadro se alterou em 2016 e 2017,
vazão disponibilizada em 2016 foi mais que o quando os produtos provenientes da cidade
dobro e, mesmo assim, os peixes não conse- tornaram-se preponderantes na dieta das
guiram se alimentar. famílias. A análise mostrou que houve,
portanto, uma drástica diminuição no con-
O peixe sabe que, quando o rio começa a sumo de peixes, especialmente dos tipos de
encher, ele poderá comer o sarão. Entre pacu, a partir de 2016.
dezembro de 2015 e janeiro de 2016, os Esse resultado está diretamente relacio-
pacus que pescamos estavam magros e nado ao fechamento do rio e à redução da
doentes, lisos por fora, ninguém comeu vazão no trecho da Volta Grande do Xingu.
esses peixes com medo de ficarmos Como a vazão liberada não foi suficiente
doentes também. para alagar as ilhas e sarobais, os peixes não
se alimentaram, ficaram magros demais,
Agostinho Juruna, da aldeia Mïratu impossibilitando seu consumo. Isso, por
sua vez, elevou o consumo de produtos
Esse “ano do fim do mundo”, o primeiro industrializados oriundos da cidade, como
ano com as alterações hidrológicas desen- frango, carnes processadas, e enlatados.
cadeadas pelo barramento, influenciou
diretamente o modo de vida do povo Juruna Estamos sentido o impacto de Belo Monte
(Yudjá) da TI Paquiçamba, e precisa ser con- com relação a nossa segurança alimentar.
siderado como um exemplo sobre a necessi-
dade de redefinição dos volumes adequados Vivemos o impacto, com a diminuição dos
de água na vazão no Xingu e a sincronicidade peixes que mais consumimos, depois da
dos regimes de cheia e seca para manutenção barragem. Esses peixes que não comemos
da vida na Volta Grande do Xingu. mais estão sendo substituídos por produtos
da cidade, como mortadela e frango
Segurança alimentar congelado. Sabemos muito bem que esses
produtos não fazem bem à nossa saúde,
principalmente à saúde das crianças.
Toda nossa vida foi em torno da pesca e
do rio Xingu. Agora estamos tendo que nos Mas estamos ficando sem opção e, na
adaptar a viver no seco, da terra. Nossas correria que virou nossa vida, com esse
roças sempre foram pequenas porque a tanto de reunião, aumentamos o consumo
base de nosso consumo alimentar sempre dos produtos da cidade. Isso não poderia
foi o peixe e a tracajá. Fomos obrigados, estar acontecendo conosco porque é uma
depois da barragem, a sair do rio e viver no grave mudança no nosso modo de vida, é
seco. Isso é muito ruim. Estamos tentando mais impacto da barragem.
nos adaptar, mas o que nós gostamos
mesmo de fazer é pescar e nadar. Bel Juruna, da aldeia Mïratu 27. ELETROBRÁS.
Aproveitamento
Hidrelétrico (AHE) Belo
Bel Juruna, da aldeia Mïratu
Monte: Estudo de Impacto
Ambiental (EIA), v. 3 [S.l.],
2009. p. 291.

41
Uma das implicações dessa mudança é Gráfico 16 Consumo de proteína animal pelos Juruna
que as famílias passam a ter de arcar com (Yudjá) da aldeia Mïratu, TI Paquiçamba.
gastos que não eram previstos, uma vez que,
antes do barramento, sua principal fonte de 3% Criação
alimentação vinha do rio. Acarretam-se, dessa 2014
6% Quelônios
forma, sérias consequências para a segurança
alimentar e econômica dessas famílias, pois
a transformação não se faz acompanhada de
26% Produção
um incremento em sua renda – ao contrário,
da cidade
o que se observa é que as pessoas estão se 53% Peixe
desfazendo de bens materiais para conseguir
comprar alimentos na cidade. (gráfico 16)

Já temos notado o aumento de doenças 12% Caça


entre nós. Nosso modo de vida foi tirado
de nós. Estamos tentando nos adaptar,
2015 2% Criação
mas não tem sido fácil. Temos aumentado 4% Quelônios
muito o consumo de remédios. Eu sei disso
porque sou agente indígena de saúde.
25% Produção
Bel Juruna, da aldeia Mïratu da cidade
56% Peixe
Outra decorrência da mudança na base
alimentar das famílias é sobre a saúde de
adultos e crianças. Bel Juruna, que trabalha
como agente indígena de saúde (AIS), relata 13% Caça
que tem crescido consideravelmente o consu-
1% Criação
mo de medicamentos alopáticos. “Antes, nin- 2016
guém tomava essa quantidade de remédios, 2% Quelônios
mas também não comíamos os produtos da
cidade como agora”, explica. “Aumentaram
as doenças, como furúnculos, hipertensão, 50% Produção
dores no corpo e de cabeça, micoses, alergias da cidade
e dores de estômago.” 41% Peixe
Os resultados da pesquisa de monitora-
mento independente permitem afirmar que
houve substantiva diminuição na qualidade de
vida das famílias da aldeia Mïratu, em de- 6% Caça
corrência da mudança em sua dieta, tanto do
ponto de vista da segurança econômica quan- 2017 6% Criação
to alimentar. Adicionalmente, o conjunto dos 1% Quelônios
resultados da pesquisa demonstra que a causa
dessa mudança está ligada ao barramento do
32% Peixe
rio Xingu e consequente redução da vazão,
que impacta a principal espécie capturada
e consumida, o pacu. Esse impacto, por sua
vez, pode ser estendido para todas as espécies 60% Produção
aquáticas que necessitam do pulso de inunda- da cidade 12% Caça
ção da floresta aluvial para se alimentar.

42
4 O FIM DO MUNDO
QUE CONHECEMOS
A
experiência de constituir uma equi- animais aquáticos se alimentem e se repro-
pe de pesquisa não só interdiscipli- duzam. A sincronia do rio com a floresta,
nar, mas intercultural, para aferir que alimenta a fauna aquática e serve como
e caracterizar as alterações na vida refúgio para sua reprodução, é extensamen-
da Volta Grande do Xingu após a construção te reconhecida pela comunidade científica e
da usina hidrelétrica (UHE) Belo Monte traz pelos Juruna (Yudjá).
muitos ensinamentos e não se encerra no que Os dados coletados pelo monitoramento
foi apresentado nas últimas páginas. independente, entre 2014 e 2017, demons-
De antemão, a iniciativa é uma reação tram, portanto, que as vazões estabelecidas
ao menosprezo dispensado aos conheci- de forma unilateral, apenas entre empreen-
mentos de povos e comunidades tradicio- dedor e governo, o chamado hidrograma “de
nais, nos marcos do planejamento de um consenso”, não são suficientes sequer para
megaempreendimento que afeta direta e a inundação das áreas de planícies aluviais
profundamente uma extensa e complexa mais baixas.
rede de seres e ambientes. Em especial, o que se observou em 2016,
O monitoramento aposta, portanto, na batizado pelos Juruna (Yudjá) como o “ano
realização de diálogos mais inclusivos, que do fim do mundo” por conta das consequên-
sejam motivados pela reunião dos mais cias nefastas dos baixos níveis de vazão do
diferentes tipos de pessoas em torno de uma Xingu, deixou claro que a implantação de
questão: a garantia da vida na Volta Grande tal esquema hidrológico tem o potencial de,
do Xingu. Em especial, as considerações dos em poucos anos, tornar a Volta Grande do
Juruna (Yudjá), donos do rio Xingu, precisam Xingu irreconhecível.
ser levadas em conta de forma respeitosa. As concepções dos povos indígenas sobre
A comunidade científica, por sua vez, está seus modos de existência e suas relações com
convocada a contribuir por meio de suas me- seres não humanos e humanos não devem
lhores ferramentas e junto a povos indígenas figurar apenas como escopo ilustrativo de
e ribeirinhos para evitar a extinção socioam- peças técnicas, como se fossem mera parte
biental dessa região. imaginativa de sua cultura, sujeita a confir-
Esta publicação mostrou como os resulta- mação por meio de dados supostamente mais
dos dos cinco anos de pesquisa – que envol- verdadeiros ou científicos, fornecidos por
vem, como dito, centenas ou milhares de técnicos especialistas.
anos de conhecimento tradicional construído Em realidade, as narrativas míticas refor-
pelos Juruna (Yudjá) – são alarmantes. çam a conexão que vincula os Juruna (Yudjá)
Há milênios, a fauna aquática é a base e o rio Xingu como partes inseparáveis do
da alimentação ribeirinha e indígena, e há mesmo regime expressivo de existência,
décadas também constitui sua principal mostrando ser possível afirmar que o desa-
fonte de renda. A chave para a produtividade parecimento de um pode levar ao desapare-
pesqueira do Xingu, assim como para toda cimento de outro. Tal afirmativa não deve ser
a bacia amazônica, é o pulso de inundação considerada como um exagero reflexivo das
e a disponibilização de áreas para que os pessoas Juruna (Yudjá) sobre seu futuro e o

45
futuro do rio Xingu. Tampouco tal expres- de ajustes e, consequentemente, diminuição
são narrativa deve ser tomada como um da capacidade de geração de energia. Por isso,
elemento simbólico – e, por isso, menos real a revisão dos critérios e condições de um
ou menos verdadeiro – de sua assustadora hidrograma de sustentabilidade socioam-
visão que envolve a região da Volta Grande biental para a Volta Grande do Xingu deve
do Xingu em decorrência dos impactos da ser feita pelo poder público, com apoio da
obra de Belo Monte. Como alerta o antropó- comunidade científica, nela integrando-se os
logo francês Bruno Latour, “as inquietudes conhecimentos de povos indígenas e ribeiri-
cosmológicas” dos povos ameríndios não são nhos que vivem na região.
e nem nunca foram infundadas28. Esse imperativo é uma questão de direi-
Além disso, ainda há que se considerar o tos fundamentais. A efetividade do hidro-
conjunto de mudanças no modo de vida des- grama da vazão residual para a manutenção
se povo, tornado emblemático na expressão socioambiental da Volta Grande do Xingu
cunhada por Bel Juruna: ter de se adaptar a está assentada em direitos previstos na
viver no seco. Essa mudança ontológica figu- Constituição Federal brasileira. Em outras
ra um grande esforço de adaptação que não palavras, não é um poder discricionário do
se tem feito sem grande pesar. Obrigar um governo a autorização de ações que colo-
povo canoeiro a ter de viver no seco é uma quem em risco, concreto e objetivo, a sobre-
situação de extrema mudança nas práticas vivência física e cultural de povos indígenas,
cotidianas, cosmológicas, culturais e sociais. como pode acontecer com os Juruna (Yudjá)
Como disse dona Jandira, “nós, Juruna, não e os Arara. Cabe também lembrar que a
temos pés, temos canoa para navegar no rio, Constituição não só reconhece o direito
assim nós somos”. ao território dos povos indígenas, como
Tal afirmação reforça que o fluxo das também proíbe explicitamente sua remoção
águas e a humanidade Juruna (Yudjá) se forçada de territórios originários.
fazem conjuntamente, como resultado de um Diante desse quadro, a ausência de garan-
processo de interação mútua. Essa imagem tias relacionadas à manutenção, presente e
do povo como um coletivo de pessoas canoei- futura, das condições ambientais indispen-
ras é constantemente acionada pelas pessoas sáveis à reprodução física e cultural de povos
na aldeia Mïratu, seja em suas atividades indígenas e populações ribeirinhas torna
corriqueiras de pesca e busca de tracajás, seja imperativo o cancelamento do início dos
em seu modo preferencial de deslocamento testes do hidrograma “de consenso” e a
para a cidade de Altamira e demais regiões redefinição de critérios para a vazão a ser
ou, ainda, em suas práticas de lazer quando mantida na Volta Grande do Xingu, com
saem com seus grupos familiares de parentes índices que de fato proporcionem condições
para banhos em praias e captura de acaris, de continuidade da diversidade socioambien-
comidos assados. tal da Volta Grande do Xingu.
O rio Xingu e a Volta Grande do Xingu são
condições fundamentais do modo de existên-
cia do povo Juruna (Yudjá) e este monitora-
mento consiste em uma arma de defesa desse
povo e de seu território tradicional.
É preciso também que se reconheça
que há um conflito de interesses quando a 28. Esse pensamento é
própria empresa concessionária da usina é apresentado e desenvolvido
por Latour no artigo
responsável pelo monitoramento, registro e Agency at the time of the
publicação dos impactos resultantes da apli- Antropocene. In: New
cação do hidrograma proposto. Impactos que, literary history, n. 45, vol 1,
por sua vez, poderiam implicar a necessidade pp. 1-18, 2014.

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Agencia Brasilia do ISBN
realização apoio ISBN 978-85-8226-068-5

9 788582 260685
https://aymix.org/
www.socioambiental.org/pt-br

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