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A CIDADE GLOBAL

Saskia Sassen

SASSEN, Saskia. A Cidade Global. In: LAVINAS, L.; CARLETAL, L.; NABUCO, M.R. Reestruturação
do espaço urbano e regional no Brasil. São Paulo: ANPUR/Hucitec, 1993. p.187-202

No inicio da década de 60, a organização da atividade econômica entra em uma fase de


profunda transformação. A mudança se expressa pela alteração da estrutura da economia
mundial e ao mesmo tempo assume formas especificas em determinados lugares. Os aspectos
conhecidos desta transformação é o desmantelamento de antigos centros de poder industrial
nos Estados Unidos, no Reino Unido, mais recentemente e cada vez mais no Japão, assim
como a acelerada industrialização em vários países do Terceiro Mundo. Um aspecto menos
familiar, talvez, seja a rápida internacionalização da indústria financeira na década de 80, que
incorporou uma multiplicidade de centros financeiros em uma rede mundial de transações.
Finalmente , avanços na tecnologia da informática e das telecomunicações facilitaram a
dispersão de tais centros no mundo todo e, ao mesmo tempo, a sua participação em mercados
internacionais. (SASSEN, 1993, p. 187)

A geografia e a composição da economia mundial transformaram-se de modo tal que produziu


uma complexa dualidade: uma organização da atividade econômica espacialmente dispersa
mas ainda mundialmente integrada. (SASSEN, 1993, p. 188)

Uma tese central que orienta minha apresentação é a de que a combinação de dispersão
espacial e da integração mundial – sob a condição de continuidade da concentração do
domínio e do controle econômicos – tem contribuído no desempenho de um papel estratégico
das maiores cidades na atual fase da economia mundial. Muitas vezes devido a suas longas
historias como centros mundiais de negócios e transações bancárias, estas cidades funcionam
hoje como postos de comando na organização da economia mundial; como lugares-chaves e
praças de mercado fundamentais para as industrias que lideram neste período, financeiras e
de serviços especializados para empresas; e como campos para a produção de inovações nas
indústrias. Estas cidades vieram a concentrar tão vastos recursos e as indústrias de liderança
exerceram tão pesada influência na ordem econômica e social destas cidades, que acabaram
por criar a possibilidade de um novo tipo de urbanização, e de uma nova cidade. Eu a chamo
de cidade global. Os maiores exemplos na década de 80 são Nova York, Londres e Tóquio. Um
número limitado de cidades emerge como pontos internacionais para investimentos, para
escritórios, para a prestação de serviços e de consultoria financeira a vários mercados do
mundo todo. (SASSEN, 1993, p. 188)

A tecnologia da informática torna possível a dispersão geografia e a integração simultânea de


muitas atividades. Mas as condições distintas sob as quais tais facilidades são disponíveis
promovem a centralização de usuários mais avançados nos centros de telecomunicações mais
avançados. (SASSEN, 1993, p. 188)

A principal demanda para os serviços de telecomunicação é proveniente das industrias de


informação intensiva que, por seu lado, tendem a se sediar nas cidades maiores; detentoras de
tais facilidades. (SASSEN, 1993, p. 189)
I – As cidades na economia mundial

1. Centros Mundiais de Comando

Hoje a dispersão territorial da atividade econômica em escalas nacional e mundial cria a


necessidade de expansão do controle e do gerenciamento centrais, desde que tal dispersão
ocorra sob condições de concentração econômica contínua. [...] Is quer dizer que, embora, em
principio, a descentralização territorial da atividade econômica possa ter vindo acompanhada
por uma descentralização correspondente no domínio e, consequentemente, na apropriação
dos lucros, houve pequeno movimento nesta direção. [...] esta forma de crescimento
ultimamente faz parte de uma cadeia, na qual um numero limitado de corporações continua a
controlar a produção final e a tirar proveito de lucros associados com vendas no mercado
mundial. [...] Nesse sentido, a internacionalização e a expansão do mercado financeiro mundial
propiciaram o crescimento de um grande número de mercados financeiros menores, um
crescimento que tem alimentado a expansão da indústria como um todo. Todavia, o nível
máximo de controle e de gerenciamento da indústria permanece concentrado em poucos
centros financeiros diretores, especialmente em Nova York, Londres e Tóquio. Esta vantagem
vai para uma parcela desproporcional em relação a todas as transações financeiras, que é a
que tem crescido rapidamente desde o início da década de 80. A dinâmica fundamental
pressuposta aqui é a de que quanto mais a economia for globalizada, maior será a
convergência de funções centrais nas cidades globais. (SASSEN, 1993, p. 189-190)

A nitidez das densidades demográficas extremamente altas nos centros expandidos destas
cidades é a expressão espacial desta lógica. A noção amplamente aceita de que a aglomeração
torna-se obsoleta, enquanto os avanços da telecomunicação mundial podem levar à máxima
dispersão, é apenas parcialmente correta. Eu digo que é exatamente porque a dispersão
espacial foi facilitada pelos avanços da telecomunicação que a concentração de atividades
centralizadoras se expandiu imensamente. Não se trata de mera continuidade de velhos
padrões de aglomeração mas, poder-se-ia dizer de uma nova lógica para a aglomeração. Uma
questão-chave se apresenta em relação a quando os avanços da telecomunicação serão
aplicados para esta funções centralizadoras. (SASSEN, 1993, p. 190-191)

A transformação espacial e técnica da atividade econômica inclui a dispersão geográfica de


fabricas, de escritórios e de empresas prestadoras de serviços e a promoção acentuada do uso
de serviços altamente especializados, frequentemente relacionados com o desenvolvimento
da microeletrônica. Esses dois processos, dispersão e especialização de serviços, interagem e
se sobrepõem. (SASSEN, 1993, p. 191)

Controle e gerenciamento centralizados sobre uma formação de fábricas, escritórios e


empresas prestadoras de serviços dispersa geograficamente não ocorre inevitavelmente como
parte de um “sistema mundial”. Isso requer o desenvolvimento de uma gama muito ampla de
serviços altamente especializados e de funções de gerenciamento e de controle no nível
máximo. É isso o que constitui os componente para a “capacidade de controle global” (Sassen,
1998). Com o potencial para a capacidade de controle global, algumas cidades tronaram-se
núcleos de um vasto sistema de comunicações e de mercado. Avanços na indústria eletrônica
e das telecomunicações transformaram geograficamente cidades distantes em centros de
comunicação global e de gerenciamento a longa distância. (SASSEN, 1993, p. 192)
Em resumo, a dispersão espacial de produção e a reorganização da indústria financeira criaram
novas formas de centralização para o gerenciamento e a regulação de uma rede global de
campos de produção e mercados financeiros. A dispersão espacial da produção, em alguns
casos internacionalmente, tem estimulado o crescimento de núcleos de serviços centralizados
para seu gerenciamento e regulação e os avanços das telecomunicações têm facilitado tanto a
dispersão quanto a prestação de serviços centralizada. (SASSEN, 1993, p. 192)

2. Campos de produção e praças de mercado para o capital global.

Ultrapassando o domínio da literatura existente acerca das cidades, pressuponho que as


cidades globais são um tipo específico de campo de produção e considero suas funções de
comando central como um processo de produção. Há campos para:

a) a produção de serviços especializados necessários para as organizações complexas,


incluindo principalmente o gerenciamento no nível mais elevado, controle e operações
de serviço necessários para se percorrer uma rede especialmente dispersa de fábricas,
escritórios e empresas prestadoras de serviços sob condições de continuidade da
concentração econômica;
b) a produção de inovações financeiras e a criação de mercados, ambas essenciais à
internacionalização e a expansão da industria financeira. Há duas atividades aqui: uma
que corresponde à produção de serviços avançados e outra, à indústria financeira.
(SASSEN, 1993, p. 192-193)

A dinâmica-chave que atravessa estas várias atividades e que organiza a análise da posição da
cidades na economia mundial é a capacidade de controle global. Este último torna-se essencial
se a dispersão geográfica da atividade econômica – seja de fábricas, de escritórios ou de
mercados financeiros – estiver sob concentração contínua de domínio e de apropriação de
lucro. Esta capacidade para o controle global não pode simplesmente estar subsumida aos
aspectos estruturais da globalização da atividade econômica. É preciso ser produzida. É
insuficiente pressupor, ou tomar como certo, o poder assustador das grandes corporações.
(SASSEN, 1993, p. 193)

Através de um enfoque dirigido sobre a produção desta capacidade, estou pretendendo


desviar o foco de atenção da questão familiar que é o poder das grandes corporações, acima
dos governos e das economias, ou da questão da concentração superincorporada de poder
através de conexões com entidades dirigentes ou organizações tais como o FMI. Gostaria de
me ater a um aspecto que tem recebido menos atenção e que poderia ser referido como a
prática de controle global: o trabalho de produzir e de reproduzir a organização e o
gerenciamento de um sistema de produção global e uma praça de mercados financeiros
global, ambos sob condições de concentração econômica. Meu foco de atenção não esta no
poder, mas na produção: a produção de insumos que constituem a capacidade para a
capacidade de controle global e a infra-estrutura de empregos envolvidos nesta produção. Isso
possibilita que eu me concentre nas cidade e na ordem social urbana relacionada com estas
atividades. (SASSEN, 1993, p. 193)
Nessa perspectiva, há algumas razoes para prestarmos mais atenção à praça de mercados e
aos campos de produção do que às grandes corporações e aos bancos. Em primeiro lugar, a
maioria dos estudos acerca da internacionalizada da economia tem-se concentrado nas
grandes corporações e bancos multinacionais. Em segundo lugar, limitar o foco de atenção em
corporações e bancos significaria dar mais atenção ao seu poder do que ao vasto campo de
atividades econômicas, muitas delas marginais à corporação mas necessárias à produção e à
reprodução deste poder, atividades principalmente concentradas nas maiores cidades. Em
terceiro lugar, no caso das finanças, a atenção direcionada aos grandes bancos multinacionais
poderia deixar de lado precisamente este setor industrial institucional, onde os componentes-
chaves do novo crescimento foram inventados e postos em circulação. Finalmente, uma
atenção exclusiva às corporações e aos bancos omite determinado número de questões que
dizem respeito ao impacto social, econômico e espacial desta atividades nas cidades que as
contêm. (SASSEN, 1993, p. 196)

II – Impactos

1. A interdependência de cidades

Uma questão que se apresenta diz respeito ao impacto da globalização das maiores indústrias,
das automotoras às das finanças, nos sistemas urbanos nacionais. Cidades como Detroit,
Liverpool e, agora cada vez mais, Nagóia e Osaca, têm sido afetadas pela descentralização de
suas indústrias-chaves no nível nacional e internacional. Conforme a hipótese levantada antes,
este mesmo processo contribuiu para o crescimento da indústria de serviços que produz
insumo especializados para concorrer no processo de produção global e mercados globais de
insumos e produtos finais. Estas indústrias (assessoria jurídica e serviços de contabilidade,
consultorias de gerenciamento, serviços financeiros) estão maciçamente concentradas em
cidades tais como Nova York, Londres Tóquio. (SASSEN, 1993, p. 196-197)

Estas cidades constituem antes um sistema do que simplesmente competição de uma contra
outra. O que contribui para o crescimento na rede das cidades globais não contribui
necessariamente para o crescimento das nações. Por exemplo, o crescimento nas cidades
globais tem sido alimentado pelos déficits do governo no nível nacional e pelo declínio dos
maiores centros industriais nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Japão. (SASSEN, 1993, p.
198)

2. A ordem social e política da cidade global.

A prestação de serviços para os negócios de alto nível, da contabilidade à especialização na


tomada de decisões, não é analisada usualmente como produção ou como processo de
trabalho. Tais serviços normalmente são vistos como um tipo de resultado, ou seja, de
conhecimento técnico acumulado de alto nível. Nesse sentido, uma atenção insuficiente tem
sido dada ao recrutamento de empregados, de alta renda e de baixa renda, envolvidos na
produção destes serviços. Uma maior atenção à produção traz à tona a questão do trabalho.
Os insumos precisam ser produzidos assim como os prédios que abrigam os trabalhadores
precisam ser construídos e limpos. O rápido crescimento da indústria financeira e das
empresas de serviços altamente especializados geram não apenas empregos técnicos e
administrativos de alto nível, mas também empregos não especializados e com baixos salários.
(SASSEN, 1993, p. 198-199)

Há também a criação indireta de empregos de baixa renda, induzida pela presença de um


setor altamente dinâmico com uma distribuição de renda polarizada. Isso ocorre no âmbito do
consumo (ou reprodução social). A expansão da força de trabalho de alta renda, aliada à
emergência de novas formas culturais de viver o dia-a-dia, provocou um processo de
agrupamento de pessoas com altos rendimentos que depende, em última análise, da
disponibilidade de um vasto suprimento de trabalhadores de baixa renda. O aumento de
restaurantes caros, moradias luxuosas, hotéis luxuosos, lojas de alimentos especializados,
butiques, lavanderias francesas e tinturarias especiais, que ornamentam a nova paisagem
urbana, ilustra esta tendência. (SASSEN, 1993, p. 199)

Um segundo desenvolvimento que atingiu proporções significativas é o que chamo de


decadência do setor manufatureiro, um processo no qual uma parcela de lojas associadas a
este setor declina e deteriora os salários enquanto confeitarias e serviços domésticos
industrializados proliferam. Esse processo inclui a decadência de empregos nas indústrias
existentes e dos padrões de oferta de empregos em algumas novas indústrias, principalmente
na montagem eletrônica. É digno de nota que este crescimento da decadência do setor
manufatureiro tem sido muito forte em cidades como Nova York e Londres. (SASSEN, 1993, p.
199)

A expansão de empregos de baixa renda como uma função de tendência de crescimento


implica a reorganização da relação capital-trabalho. Rever tal processo é importante para se
distinguir as características de empregos em suas locações setoriais. Isso significa que setores
altamente dinâmicos, de crescimento tecnologicamente avançado, podem muito bem deixar
empregados de baixa renda num beco sem saída. Além disso, a distinção entre característica
setoriais e padrões de crescimento setorial é crucial: setores atrasados tais como o
manufatureiro decadente ou ocupações em trabalhos com baixa renda podem ser parte de
tendências de crescimento maiores em uma economia altamente desenvolvida. Assume-se
frequentemente que os setores atrasados expressam tendências em declínio. Da mesma
forma, há uma tendência a se considerar que as indústrias avançadas, tal como a financeira,
têm excelentes empregos de colarinho branco. Na realidade, elas incluem um bom número de
empregados com baixos salários, desde faxineiras até controladores de estoque. (SASSEN,
1993, p. 199-200)

A nova estrutura da atividade econômica provocou mudanças na organização do trabalho que


são refletidas por acentuada troca de empregos, com forte polarização ocorrendo na
distribuição de rendas e na distribuição de ocupação dos trabalhadores. A s indústrias de
maior crescimento apresentam uma grande incidência de empregos com altos e baixos
salários de escala do que as indústrias mais antigas, agora em declínio. Cerca de metade dos
empregos nas empresas prestadoras de serviços ao produtor é de renda mais baixa e a outra
metade está nas duas categorias dos ordenados mais altos. Por outro lado, uma grande parte
dos operários do setor manufatureiro esteve na categoria média durante o pós-guerra,
período de alto crescimento destas indústrias nos Estados Unidos e no Reino Unido. (SASSEN,
1993, p. 200)
III - Conclusão

Em síntese, pode-se identificar quatro grandes processos para o trabalho, na formação de


cidades globais. Primeiro, a dispersão geográfica de indústrias, que contribuiu para o declínio
dos antigos centros industriais, criou uma demanda para a expansão do gerenciamento e
planejamento centralizados e os necessários serviços especializados, componentes-chaves de
crescimento nas cidades globais. [...] Segundo, o crescimento da indústria financeira, e
especialmente de setores-chave desta indústria beneficiados pelas políticas e pelas condições
que prejudicaram outros setores industriais, principalmente o crescimento dos serviços
especializados localizados em cidades maiores e enfraquecer a base econômica de outros tipos
de localidade. Terceiro, as condições e os padrões, subsumidos no primeiro processo, sugerem
uma transformação nas conexões econômicas entre cidades globais, os Estados-nações onde
estão localizadas e a economia mundial. Antes da fase atual, havia estreita correlação entre
setores de maior crescimento e, acima de tudo, crescimento nacional, hoje vimos aumentada
assimetricamente: as condições que promovem o crescimento das cidades globais incluem
como componentes significativos o declínio de outras áreas dos Estados Unidos, Reino Unido e
do Japão, e a acumulação da dívida do governo e da dívida incorporada. O quarto processo, diz
respeito às novas condições de crescimento que contribuíram para a criação de elementos de
uma nova classe alinhada às cidades globais. A estrutura ocupacional das indústrias de maior
crescimento, caracterizada pela concentração localizada dos setores de maior crescimento nas
cidades globais em combinação com a estrutura ocupacional polarizada destes setores, criou e
contribuiu para o crescimento de um estrato de trabalhadores de altos salários de baixos
salários. Isso se deu de forma direta, através da organização de trabalho e estrutura
ocupacional dos setores de maior crescimento, e agiu indiretamente, através dos empregos
requisitados para atender aos novos trabalhadores com altos salários, tanto no trabalho como
na casa, assim como para atender as necessidades de expansão da força de trabalho com
salários baixos. (SASSEN, 1993, p. 200-201)

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