Você está na página 1de 285

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA

E COMPETITIVIDADE DA CADEIA
AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE
NO BRASIL

Brasília – 2000

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
ã 2000 Instituto Euvaldo Lodi
SEBRAE Nacional
Confederação Nacional da Agricultura

Instituto Euvaldo Lodi. Núcleo Central


Setor Bancário Norte
Edifício CNC - 9º andar
70040-000 - Brasília, DF
Tel: (61) 317-9080
Fax: (61) 317-9360/317-9434
http://www.iel.cni.org.br

Confederação Nacional da Agricultura


Setor Bancário Norte
Quadra 1 – Bloco I – 3º andar
Palácio da Agricultura
70040-000 – Brasília, DF
Tel: (61) 225-3150
Fax: (61) 225-2420
http://www.cna-rural.com.br

SEBRAE Nacional
SEPN 515 – Bloco C – Lote 3
70770-530 – Brasília, DF
Tel: (61) 348-7100
Fax: (61) 347-4120
http://www.sebrae.org.br

Estudo sobre a eficiência econômica e competitividade da


cadeia agroindustrial da pecuária de corte no Brasil /
IEL, CNA E SEBRAE. – Brasília, D.F. : IEL, 2000.
***p.
Bibliografia: p . ***-***.
Inclui anexos.
I. Instituto Euvaldo Lodi. Núcleo Central. II. Confederação
Nacional da Agricultura (Brasil). III. SEBRAE Nacional
DESCRITORES: Pecuária de corte / Competitividade /
Agroindústria / Cadeia produtiva / Carne bovina / Brasil
CDD 636.200981

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Índice
1. Introdução .......................................................................................................... 13

2. Metodologia ....................................................................................................... 17
2.1. Referencial Conceitual ............................................................................................... 17
2.1.1. Competitividade X Agribusiness .................................................................. 17
2.1.2. Agronegócios: A Nnecessidade do Enfoque Sistêmico .................................. 19
2.2. Definição e delimitação da cadeia a ser estudada ........................................................ 22
2.3. Procedimentos Metodológicos ................................................................................... 23
2.3.1. Levantamento de Antecedentes .................................................................... 24
2.3.2. Identificação de Agentes Chave da Cadeia ................................................... 26
2.3.3. Definição de Roteiros de Entrevistas ............................................................. 26
2.3.4. Pesquisa de campo ...................................................................................... 26
2.3.5. Sistematização das Informações ................................................................... 27
2.3.6. Definição de Políticas e Estratégias ............................................................... 28
2.3.7. Priorização das Medidas Propostas .............................................................. 28
2.3.8. Elaboração do Relatório Final ...................................................................... 28

3. Considerações sobre o Agronegócio da Carne no Mundo.............................. 29


3.1. A Produção .............................................................................................................. 29
3.2. O Consumo .............................................................................................................. 34
3.3. O Comércio Internacional .......................................................................................... 39
3.4. O Brasil e o Comércio Mundial ................................................................................. 42

4. Caracterização da Cadeia Produtiva de Carne Bovina................................... 47


4.1. Aspectos Institucionais
4.1.1. Introdução ................................................................................................... 47
4.1.2. Efeitos do Plano Real sobre a Cadeia Produtiva ............................................ 47
4.1.3. AIguns Aspectos do Comércio Internacional de Carne Bovina ...................... 48
4.1.4. Programa de Produção de Novilho Precoce ................................................. 50
4.1.4.1. Programa Novilho Precoce no Estado do Mato Grosso do Sul ........ 51
4.1.4.2. Programa de Carne Qualificada de Bovídeos no Estado de
São Paulo ....................................................................................... 51
4.1.4.3. Programa Estadual de Apoio à Produção de Novilho Precoce –
Minas Gerais .................................................................................. 51
4.1.4.4. Programa Novilho Precoce – Bahia ................................................. 52
4.1.5. Tributação .................................................................................................... 53
4.1.6. Alterações Recentes na Legislação Sanitária ................................................. 60
4.1.7. Inspeção e Fiscalização ................................................................................ 66
4.1.8. Impactos Econômicos e Perspectivas da Erradicação da Febre Aftosa .......... 68
4.1.9. Proposta de Criação de Agências executivas de Defesa agropecuária ........... 74
4.1.10. Disponibilidade de Crédito ........................................................................... 77
4.1.11. Disparidades e Ausência de Informações Estatísticas .................................... 85
4.1.12. P&D na Cadeia de Carne Bovina ................................................................. 88

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.1.13. Agentes da Cadeia ....................................................................................... 90
4.2. Consumo de Carne Bovina no Brasil .......................................................................... 92
4.2.1. Consumo atual ............................................................................................. 92
4.2.2. Relação Preço-Consumo ............................................................................. 92
4.2.3. Efeito de Renda ........................................................................................... 93
4.2.4. Efeito Substituição ........................................................................................ 94
4.2.5. A Evolução do Consumo ............................................................................. 94
4.2.6. Consumo futuro: projeção ............................................................................ 96
4.2.7. Tendências de consumo .............................................................................. 103
4.2.7.1. Comportamento do Consumidor no Mundo e no Brasil ................. 103
4.2.7.2. Qualidade Percebida ..................................................................... 105
4.2.7.3. Preferências do Consumidor em relação a diferentes formatos de
ponto de vista ............................................................................... 106
4.3. O Segmento de Distribuição de Carne Bovina .......................................................... 108
4.3.1. Papel dos Canais e Principais Segmentos .................................................... 108
4.3.2. Caracterização ........................................................................................... 108
4.3.2.1. Gestão Interna .............................................................................. 108
4.3.2.1.1. Descrição geral dos formatos de pontos de venda ......... 108
4.3.2.1.2. Aspectos relevantes da gestão interna............................ 110
4.3.2.1.2.1. Recursos Humanos ................................... 110
4.3.2.1.2.2. Formação de Aquisição ............................ 111
4.3.2.1.2.3. Infra-estrutura ........................................... 111
4.3.2.1.2.4. Sistemas de Informação ............................ 112
4.3.2.1.2.5. Marketing ................................................ 112
4.3.2.1.2.6. Novas formas de gestão (ECR/SCM)
e seus impactos na gestão do negócio
varejo de carnes........................................ 114
4.3.2.2. Insumos ........................................................................................ 116
4.3.2.2.1. Embalagens .................................................................. 116
4.3.2.3. Tecnologia .................................................................................... 121
4.3.2.3.1. Cadeia do Frio ............................................................. 121
4.3.2.3.2. Tecnologia de Informação ............................................. 123
4.3.2.4. Estrutura de Mercado ................................................................... 125
4.3.2.4.1. Distribuição de Comercialização.................................... 125
4.3.2.5. Ambiente Institucional ................................................................... 129
4.3.2.5.1. Impactos das Portarias 304 e 145 ................................. 129
4.3.2.5.2. Fiscalização da Prática .................................................. 130
4.3.2.5.3. Exigências de Rastreabilidade ........................................ 130
4.3.2.6. Relações de Mercado ................................................................... 132
4.4. O Segmento de Abate e Processamento .................................................................. 137
4.4.1. Introdução Geral ........................................................................................ 137
4.4.2. Porte do Setor ........................................................................................... 138
4.4.2.1. Introdução .................................................................................... 138
4.4.2.2. Estrutura do Parque Industrial ....................................................... 139
4.4.3. Aspectos Tecnológicos ............................................................................... 141

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.4.3.1. Introdução .................................................................................... 141
4.4.3.2. Nível Tecnológico ......................................................................... 143
4.4.3.2.1. Equipamentos ............................................................... 144
4.4.3.2.2. Processos ..................................................................... 144
4.4.3.2.3. Instalações Industriais ................................................... 149
4.4.3.2.4. Aquisição tecnológica ................................................... 150
4.4.3.2.5. Informatização e Automação ......................................... 150
4.4.3.3. Subprodutos e Efluentes ................................................................ 150
4.4.3.4. Pesquisa e Desenvolvimento .......................................................... 153
4.4.3.5. Investimentos ................................................................................ 153
4.4.4. Insumos ..................................................................................................... 156
4.4.4.1. Matéria-prima ............................................................................... 156
4.4.4.1.1. Qualidade dos animais .................................................. 158
4.4.4.1.2. Formas de Pagamentos ................................................. 159
4.4.4.1.3. Contratos ..................................................................... 160
4.4.4.1.4. Processamento ............................................................. 161
4.4.4.2. Aditivos, Embalagens Envoltórios .................................................. 163
4.4.4.2.1. Tripas e Envoltórios ...................................................... 163
4.4.4.2.2. Aditivos ........................................................................ 164
4.4.4.3. Mão-de-obra ............................................................................... 164
4.4.5. Estrutura de Mercado ................................................................................ 164
4.4.5.1. Introdução .................................................................................... 164
4.4.5.2. Economia de Escala ...................................................................... 165
4.4.5.3. Questões Locacionais ................................................................... 166
4.4.5.3.1. Deslocamento das Planta de Abate ............................... 166
4.4.5.4. Concentração das Empresas ......................................................... 169
4.4.5.4.1. Distribuição dos Abates ................................................ 169
4.4.5.5. Distribuição de Empresas Frigoríficas e Ociosidade ....................... 172
4.4.6. Gestão ....................................................................................................... 175
4.4.6.1. Introdução .................................................................................... 175
4.4.6.2. Eficiência Administrativa ................................................................ 176
4.4.6.2.1. Custos e Controles Financeiros ..................................... 177
4.4.6.2.2. Produtividade ............................................................... 178
4.4.6.2.3. Sistemas de Informação ................................................ 178
4.4.6.3. Sistemas de Qualidade .................................................................. 179
4.4.6.4. Qualificação e Conforto da Mão-de-Obra .................................... 179
4.4.6.5. Planejamento Estratégico .............................................................. 180
4.4.6.5.1. Marketing .................................................................... 181
4.4.6.5.2. Pesquisa e Desenvolvimento .......................................... 182
4.4.6.5.3. Assistência a Produtores ............................................... 182
4.4.7. Ambiente Industrial .................................................................................... 183
4.4.7.1. Crédito ......................................................................................... 183
4.4.7.2. Endividamento .............................................................................. 183
4.4.7.3. Legislação e Portarias ................................................................... 184
4.4.7.4. Inspeção ....................................................................................... 187

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.4.7.5. Tributação .................................................................................... 189
4.4.7.6. Abate Clandestino ........................................................................ 190
4.4.7.7. Entidades de Representação ......................................................... 191
4.4.8. Relações de Mercado ................................................................................ 191
4.4.8.1. Comercialização e Rastreabilidade ................................................ 191
4.4.8.1.1. Rastreabilidade ............................................................. 192
4.4.8.2. Contratos ..................................................................................... 194
4.4.8.3. Alianças ........................................................................................ 195
4.4.9. Infra-Estrutura ............................................................................................ 196
4.4.9.1. Transporte .................................................................................... 196
4.4.9.1.1. Adequação ................................................................... 196
4.4.9.1.2. Sistema Viário ............................................................... 199
4.5. Sistemas de Produção de Gado de Corte ................................................................ 200
4.5.1. Caracterização dos sistemas produtivos ...................................................... 200
4.5.2. As fases de produção ................................................................................. 201
4.5.2.1. A fase de cria ............................................................................... 202
4.5.2.2. As fases de recria e engorda ......................................................... 209
4.5.3. Incorporação de tecnologia, práticas de manejo e evolução dos índices
de produtividade ........................................................................................ 213
4.5.3.1. Expansão das pastagens cultivadas ................................................ 213
4.5.3.2. Uso de alimentos suplementares/semiconfinamento ........................ 214
4.5.3.3. O uso de culturas forrageiras ......................................................... 216
4.5.3.4. O controle sanitário ....................................................................... 216
4.5.3.5. A prática da castração .................................................................. 217
4.5.3.6. Uso de anabolizantes .................................................................... 218
4.5.3.7. O melhoramento genético do rebanho ........................................... 218
4.5.3.8. Evolução dos índices de produtividade ......................................... 219
4.5.4. O Segmento de Insumos ............................................................................ 220
4.5.4.1. Definição ...................................................................................... 220
4.5.4.2. Características do Setor de Insumos Veterinários e Nutrição Animal .... 220
4.5.4.2.1. Setor de Insumos Veterinários ....................................... 220
4.5.4.2.2. Setor de Insumos para Nutrição Animal ........................ 223
4.5.4.2.3. O Setor de Sementes Forrageiras .................................. 225
4.5.4.2.4. Outros Insumos ............................................................ 226
4.5.5. Estrutura de Mercado ................................................................................ 229
4.5.5.1. Caracterização do Rebanho .......................................................... 229
4.5.5.2. Distribuição geográfica do rebanho ................................................ 233
4.5.5.2.1. Rebanho de corte vs. Leite ............................................ 236
4.5.5.3. Tamanho das propriedades .......................................................... 238
4.5.5.4. Aspectos Fundiários ..................................................................... 239
4.5.6. Gestão ....................................................................................................... 241
4.5.6.1. Gerenciamento de custo de produção ............................................ 241
4.5.6.2. Investimentos e gerenciamento financeiro ....................................... 242
4.5.6.3. Critérios para tomada de decisão .................................................. 242
4.5.6.4. Capacitação de mão-de-obra ....................................................... 243

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.5.7. Ambiente institucional ................................................................................. 243
4.5.7.1. Efeito da tributação ....................................................................... 243
4.5.7.2. Efeito da política sanitária .............................................................. 244
4.5.7.3. Efeito das portarias que regulam a comercialização ........................ 245
4.5.7.4. Efeito da política comercial ............................................................ 245
4.5.7.5. Efeitos das políticas de pesquisa e assistência técnica ..................... 245
4.5.7.6. Efeito da legislação trabalhista ....................................................... 246
4.5.8. Relações de Mercado ................................................................................ 246
4.5.8.1. Fatores que Influenciam a Venda ................................................... 246
4.5.8.2. Agentes envolvidos na comercialização de animais na pecuária de
corte ............................................................................................. 251
4.5.8.2.1. Leiloeiros ...................................................................... 252
4.5.8.2.2. Corretores .................................................................... 253
4.5.8.3. Comercialização de Animais para Abate e Processamento ............. 254
4.5.8.3.1. Corretores .................................................................... 254
4.5.8.3.2. Marchants ................................................................... 255
4.5.8.3.3. Frigoríficos ................................................................... 256
4.5.8.3.4. Frigoríficos Clandestinos ............................................... 256
4.5.8.4. Canais de Comercialização ........................................................... 257
4.5.8.5. Organização da comercialização .................................................... 260
4.5.8.5.1. Rastreabilidade ............................................................. 262
4.5.8.5.2. Aspectos Mercadológicos ............................................. 263
4.5.8.5.2.1. A Formação dos Preços ........................... 265
4.5.8.5.2.2. Margens de Comercialização..................... 270
4.6. Setor de Couro e Derivados .................................................................................... 272
4.6.1. Introdução e delimitação do Setor .............................................................. 272
4.6.2. Ambiente Institucional ................................................................................ 274
4.6.2.1. Legislação ambiental trabalista ....................................................... 275
4.6.2.2. Aspectos Fiscais ........................................................................... 276
4.6.2.3. Comércio Exterior ........................................................................ 277
4.6.2.4. Associações de Representação de Interesses ................................ 278
4.6.3. Tendência de Mercado ............................................................................... 279
4.6.4. Tecnologia ................................................................................................. 280
4.6.4.1. Fluxo Tecno-Produtivo em Curtumes ............................................ 280
4.6.4.2. Organizações de Apoio Tecnológico ............................................. 282
4.6.4.3. Principais Obstáculos e Tendências ............................................... 283
4.6.5. Insumos ..................................................................................................... 284
4.6.5.1. Problemas de qualidade do couro ................................................. 284
4.6.5.2. Insumos Químicos ......................................................................... 287
4.6.5.3. Estrutura de Mercado: insumos químicos ....................................... 288
4.6.6. Estrutura ...................................................................................................... 290
4.6.6.1. Desempenho exportador ............................................................... 290
4.6.6.2. Características gerais da estrutura de mercado ............................... 301
4.6.6.2.1. Curtumes ...................................................................... 301
4.6.6.3. Distribuição especial e aproveitamento de economias de escala ...... 305

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.6.6.4. Estrutura de derivados de couro .................................................... 308
4.6.7. Gestão ....................................................................................................... 313
4.6.7.1. Principais tendências ..................................................................... 313
4.6.7.2. Utilização de ferramentas de gestão ............................................... 314
4.6.8. Relações de Mercado ................................................................................ 315

5. Avaliação de Eficiência e Competitividade ................................................... 319


5.1. Introdução .............................................................................................................. 319
5.2. Metodologia ............................................................................................................ 319
5.3. Resultados .............................................................................................................. 320
5.3.1. Introdução ................................................................................................. 320
5.3.2. O Ambiente institucional ............................................................................. 328
5.3.3. O Segmento de Distribuição e Consumo ..................................................... 332
5.3.4. O Segmento de Abate e Processamento ..................................................... 336
5.3.5. Pecuária ..................................................................................................... 341
5.3.6. Setor de couros e derivados ....................................................................... 345
5.3.7. Análises globais .......................................................................................... 350

6. Propostas .......................................................................................................... 355


6.1. Agências Executivas ................................................................................................ 355
6.2. Legislação Sanitária, Fiscalização e Inspeção ........................................................... 356
6.3. Assistência Técnica, Pesquisa e Desenvolvimento ..................................................... 357
6.4. Coordenação da Cadeia e Relações de Troca .......................................................... 358
6.5. Tributação ............................................................................................................... 361
6.6. Crédito ................................................................................................................... 361
6.7. Qualificação da Mão-de-Obra e Capacitação Gerencial .......................................... 362
6.8. Transporte ............................................................................................................... 363
6.9. Couro e Derivados .................................................................................................. 364

Anexo I - Relação de Entrevistados ........................................................................ 371


Anexo II - Roteiro de Entrevistas ........................................................................... 387
Anexo III - Referências Bibliográficas ................................................................... 399

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
APRESENTAÇÃO
Este trabalho é fruto da parceria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio do
Instituto Euvaldo Lodi (IEL Nacional), com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), para realizar estudos sobre
a eficiência econômica e a competitividade das Cadeias Produtivas Agroindustriais brasileiras, da
produção primária, até o processo industrial e a comercialização.
A escolha da Cadeia Produtiva da Pecuária de Corte para a primeira etapa dos estudos
levou em conta a sua importância econômica e social, nos setores primário e secundário, pois reúne
micro, pequenos, médios e grandes empresários em todas as regiões do País. Destaque- se que em
todas as suas etapas, o trabalho contou com a colaboração inestimável dos Presidentes da CNA,
Antônio Ernesto de Salvo, e do Conselho Deliberativo do Sebrae, Pio Guerra Júnior.
O objetivo dos estudos foi o de identificar os gargalos existentes ao longo da Cadeia Produtiva
e propor soluções de curto, médio e longo prazo. Os estudos envolvem a análise dos problemas da
produção primária, englobando a comercialização e distribuição dos produtos para as unidades
industriais e consumo in natura, o beneficiamento, comercialização e distribuição dos itens
industrializados. Envolvem também a comercialização nos mercados interno e externo, avaliando as
dificuldades logísticas, tarifárias, mercadológica, tecnológicas e de informação, que contribuem
para reduzir a competitividade da Cadeia Produtiva.
Trata-se de um trabalho inovador, na medida em que participaram das fases de levantamento
de informações e análise todos os segmentos que compõem a Cadeia Produtiva. Isto permitiu
avaliar de forma integrada a sua competitividade e eficiência, com uma análise sistêmica, e não
apenas aspectos de negócios isolados.
O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, com aproximadamente 145
milhões de cabeças. As exportações de carne bovina in natura, industrializadas e de couro, em
1999, somaram aproximadamente US$ 1,5 bilhão. Este número pode crescer sensivelmente, segundo
os estudos, se houver uma redefinição de estratégia e reestruturação da Cadeia Produtiva como um
todo, eliminando problemas como a grande variação no padrão de qualidade dos animais e de
sistemas de abate e comercialização.
Os estudos sobre a Cadeia Produtiva da Pecuária de Corte foram realizados por um consórcio
formado por instituições das Universidades Federais de Viçosa, em Minas Gerais, e São Carlos,
em São Paulo, selecionado por meio de edital, e os resultados amplamente debatidos durante um
workshop realizado em outubro de 1999, em Brasília, com a participação de técnicos, pesquisadores
e empresários ligados ao setor.
Os resultados dos estudos, enriquecidos pelos debates desse workshop, foram encaminhados
à autoridades públicas e representantes de entidades de classe. Esperamos que as propostas formem
uma agenda de discussões para transformá-las em projetos e ações que assegurem cada vez mais
a competitividade da pecuária de corte brasileira nos mercados interno e externo.
Deputado Moreira Ferreira – Presidente da CNI

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
1. Introdução
A economia brasileira tem passado por rápidas transformações nos últimos anos. Instituições
e comportamentos típicos de um ambiente inflacionário, fechado à concorrência internacional e
marcado pela politização do sistema de preços vêm sendo rapidamente modificado pelas reformas
em curso na economia desde o início dos anos 90. Neste contexto ganham espaço novas concepções,
ações e atitudes, em que produtividade, custo e eficiência se impõem como regras básicas de
sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado. Ajustar-se a este novo
contexto é portanto prioridade zero dos agentes econômicos. Já não há espaço para comportamentos
passivos e/ou respostas ex-post às mudanças nas condições de mercado e de concorrência.
As recentes mudanças impõem novas formas de organização, atuação e articulação entre os
agentes econômicos públicos e privados. O Estado, antes “protetor” e intervencionista, vem
assumindo posturas menos defensivas, desregulamentando atividades e criando condições para a
ação da concorrência nos mercados. Por outro lado, a influência do setor privado nas ações
governamentais vem adquirindo – e esta tendência tende a reforçar-se – caráter cada vez mais
“técnico”, e subordinado às preocupações mais gerais como manutenção da estabilidade
macroeconômica, restruturação produtiva e modernização da economia e do próprio Estado.
Este novo contexto tem efeitos contraditórios a curto e médio prazo. Ao mesmo tempo que
ele aponta para novas perspectivas, coloca também problemas e desafios a serem vencidos e,
sobretudo, exige um grande esforço de adaptação por parte das empresas e produtores
agropecuários. Em busca de melhores condições de competitividade, setores e indústrias vêm se
deslocando espacialmente, promovendo substancial reestruturação produtiva e organizacional,
redefinindo estratégias e desenvolvendo novos mercados e produtos.
A possibilidade de a pecuária bovina brasileira inserir-se com sucesso nesta nova dinâmica
competitiva dependerá em grande parte da capacidade de coordenação dos agentes sócio-
econômicos da sua cadeia produtiva. É necessário que os agentes que a compõe tenham consciência
das dificuldades (estruturais e transitórias) que os afetam individualmente e daquelas que interferem
no desempenho da cadeia como um todo. Conhecimento do próprio mercado, domínio de
informações relevantes e capacidade para interpretar e transformar essas dificuldades em propostas
e ações estratégicas adequadas à nova situação é o grande desafio do sistema agroindustrial da
carne bovina brasileira.
As especificidades do setor agroindustrial de carne bovina em face das mudanças econômico-
institucionais em curso sugerem, por si só, uma agenda que leve à tomada de decisões estratégicas
sem as quais o seu futuro poderá ser fortemente comprometido. Antes de mais nada é preciso
destacar que a competitividade do setor é construída sistemicamente, ou seja, ao longo de toda a
cadeia (complexo) produtiva que compõe este setor do agronegócio. Em termos genéricos, esse
complexo inclui desde as indústrias e serviços responsáveis pelo suprimento à produção, até a
infra-estrutura básica de transporte e comunicação, passando pelos produtores rurais que criam os
animais, o segmento de frigoríficos industrial, as redes de distribuição e consumo e os prestadores
de serviços gerais de marketing.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 13
A competitividade deste sistema é severamente prejudicada pela sua diversidade e
descoordenação. Existe um grande número de produtores pecuários, dado o seu tamanho, nível de
capitalização e localização, que adotam diferentes sistemas de criação e uma grande variedade de
raças. O abate e comercialização também apresentam semelhante heterogeneidade, verificando-se
desde organizações clandestinas, não inspecionadas e com precárias condições sanitárias, até
frigoríficos modernos, com tecnologias avançadas e formas de distribuição integrada da produção.
O maior concorrente da carne bovina, a carne de frango, avançou no processo de integração e
coordenação da cadeia agroindustrial e conseguiu colocar no mercado uma gama de produtos com
preços extremamente competitivos. Um movimento semelhante pode ser observado na cadeia de
carne suína que, embora não tenha avançado tanto quanto o setor de aves, encontra-se mais integrada
e logrou elevar a produtividade e reduzir custos ao longo de todos os elos da cadeia. Criou-se,
assim uma barreira à elevação do preço da carne bovina como forma de compensar sua ineficiência,
colocando-se em pauta a necessidade de competir sistemicamente. Além do fator preço, vale
destacar os esforços de diferenciação de produtos que os sistemas agroindustriais de frangos e
suínos têm empreendido nos últimos anos. O resultado desses esforços pode ser medido pelo
número de lançamento de novos produtos por esses dois setores. O objetivo primeiro desses
lançamentos tem sido o de aproximar os produtos comercializados às necessidades dos consumidores
atuais (alimentos congelados, pratos pré-preparados, etc.). Esse movimento não é observado na
cadeia agroindustrial da carne bovina no Brasil.
Além da pressão exercida no mercado interno pela carne de frango e suína, adicionam-se
mais dois fatores. Em primeiro lugar, a plena vigência a partir de 1995 do Tratado de Assunção que
criou o Mercosul e aumentou as pressões exercidas pela concorrência da produção oriunda dos
países-membros. Esta liberalização tem sido especialmente eficaz na contenção dos preços no
período da entressafra. Por outro lado, deve-se considerar que o MERCOSUL não coloca apenas
problemas, mas também oportunidades e desafios: uma vez consolidado, representará um universo
estável de 200 milhões de consumidores, ampliando consideravelmente o horizonte competitivo de
setores produtivos que, devido a sua localização geográfica fronteiriça –, longe dos centros dinâmicos
do país – eram até então penalizados.
O segundo fator, detentor de pressões altistas de preços, advém do próprio setor. O
crescimento da produção sob regimes de confinamento e semi confinamento tem elevado a oferta
na entressafra, contribuindo para a atenuação dos ciclos de preço interno da pecuária.
Não há dúvidas de que as mudanças ao nível do mercado consumidor, assim como a exposição
dos consumidores locais a novos produtos, irão requerer uma reestruturação do setor nos próximos
anos, a começar por um esforço coordenado visando aumentar a qualidade e a produtividade ao
longo de toda a cadeia produtiva e demais elementos sistêmicos – tais como nova logística e
relocalização da produção, transportes, diversificação de produto, genética dos animais, embalagens,
equipamentos de refrigeração/conservação, insumos pecuários, estruturas de comercialização etc.
– que afetam e determinam o nível de produtividade.
A estabilização da economia, embora ainda não totalmente consolidada, tem colocado novos
desafios e aberto novas oportunidades: De um lado, restabeleceu os mecanismos de concorrência

14 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
que estavam totalmente embotados pela inflação e sua cultura; de outro lado, restabeleceu o “valor
do dinheiro” e o horizonte de planejamento das empresas. Esses elementos têm forte impacto
sobre o sistema produtivo, especialmente por que evidenciam as ineficiências e “gorduras” mascaradas
pela inflação e pelos mecanismos de indexação.
Um outro efeito importante da estabilização sobre o setor pode advir da possibilidade de
crescimento sustentado de renda da população, em particular das camadas mais pobres, e de uma
melhoria da distribuição dessa mesma renda. Isso significa que o mercado interno de carne e
derivados pode crescer devido a incorporação desses novos consumidores ao mercado. A
substituição de proteína vegetal por animal, caso da carne bovina, é uma conseqüência bem conhecida
do aumento de renda de uma determinada população. Entende-se que os estrangulamentos externos
que afligem a economia brasileira devem ser superados para que esse cenário seja concretizado.
Nesse caso, os agentes devem estar preparados para aproveitar as oportunidades desse novo quadro.
Todos esses aspectos acabam por criar oportunidades e desafios que deverão ser enfrentados
de forma coordenada, e que envolvem ações das empresas do setor e políticas governamentais em
nível federal, estadual e até mesmo municipal. Com essa motivação, o Instituto Euvaldo Lodi
(IEL), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e o Serviço Brasileiro de Apoio à
Pequena e Micro Empresa (SEBRAE Nacional), lançaram em 1998 um Edital de Concurso
para a contratação de serviços de consultoria no âmbito do “Programa de Reestruturação Produtiva
da Cadeia Agroindustrial”, visando a elaboração de um “Estudo sobre a Eficiência Econômica e
Competitividade da Cadeia Agroindustrial da Pecuária de Corte no Brasil”. A proposta vencedora
foi a apresentada pelo Consórcio formado entre a Fundação Arthur Bernardes, vinculada à
Universidade Federal de Viçosa (FUNARBE – UFV), e a Fundação de Apoio Institucional
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Universidade Federal de São Carlos (FAI
– UFSCar). Trata-se de parceria interinstitucional especialmente constituída para participar do
referido processo competitivo de seleção dos executores do estudo.
O Edital do Concurso de Seleção previu um prazo de execução de seis meses para os trabalhos
e estabeleceu como orientação geral que o estudo abrangeria “...desde a produção do boi até o
setor de frigorífico industrial, incluindo couro e derivados, na importação e exportação,
destacando os micro e pequenos produtores envolvidos ao longo dessa cadeia produtiva”.
Ainda como diretrizes básicas, o Edital definiu os seguintes tópicos para abordagem:
a – identificação e quantificação dos fatores que afetam a eficiência e a competitividade das cadeias
agroindustriais do ponto de vista do setor privado e público;
b – proposta de um conjunto de recomendações para os setores público e privado, visando aumentar
a competitividade das cadeias estudadas;
c – contribuição para a ampliação dos conhecimentos dos fatores que afetam a competitividade das
cadeias agroindustriais, por meio de estudos inéditos e inovadores, capazes de nortear o
planejamento dos setores privado e governamentais nessa área;
d – contribuição de forma inequívoca, indicando elementos e direções específicas, para uma melhoria
nos processos de reformas de políticas das empresas e do Poder Público;

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 15
e – contribuição para o melhor desempenho econômico-financeiro dos setores e elos das cadeias
eleitas para os estudos;
f – indicação da importância estratégica que esses setores têm, do ponto de vista social, para o
resgate da dívida social do País indicando, inclusive, a eficiência social dos setores em questão.
g – proposta de um conjunto de recomendações diretas de políticas para os setor público e de
diretrizes para o setor privado para aumentar a eficiência econômica e a competitividade das cadeias
estudadas ;
h – contribuição para um diálogo competente e duradouro com os órgãos responsáveis pelas
políticas públicas, no sentido de atacar diretamente os pontos de estrangulamento que prejudicam
a eficiência econômica e a competitividade das cadeias estudadas.
O Contrato foi assinado em 21 de Janeiro de 1999, quando efetivamente iniciaram-se as
atividades do Consórcio. Essas foram periodicamente acompanhadas pelos contratantes por meio
de relatórios parciais de andamento, apresentados em março, abril, maio e junho de 1999.
O relatório final, ora apresentado, está organizado em sete capítulos e três anexos. Seguindo
esta introdução, o Capítulo 2 discute o embasamento teórico-conceitual do estudo e descreve os
procedimentos metodológicos adotados. Em seguida, (Capítulo 3) é oferecida um visão geral do
agronegócio da carne bovina em nível internacional, destacando-se os principais atores e a inserção
do Brasil neste mercado globalizado. No Capítulo 4, a Cadeia Produtiva da Carne Bovina no Brasil
é caracterizada e analisada. Subdividida em seis itens, a caracterização inclui o ambiente institucional
do agronegócio carne, os padrões de consumo, o segmento de distribuição, os sistemas de produção
e comercialização de gado de corte, o segmento de abate e processamento e o setor de couro e
derivados. O Capítulo 5 dá continuidade à discussão sobre a avaliação do desempenho da cadeia,
enfocando os fatores críticos que contribuem favorávelmente e desfavoravelmente para sua eficiência
e competitividade. Finalmente, o Capítulo 6 mostra as proposições e recomendações do Estudo,
enquanto os anexos relacionam as instituições e indivíduos contactados, os instrumentos de coleta
de dados (roteiros de entrevistas) utilizados e a bibliografia de referência.

16 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
2. METODOLOGIA
2.1. Referencial Conceitual
2.1.1. Competitividade x Agribusiness
O termo competitividade, embora faça parte obrigatória do vocabulário contemporâneo de políticos,
empresários, lideranças sindicais e patronais, entre outros, encontra na literatura científica especializada
várias interpretações diferentes. Diferentes são também as formas pelas quais os pesquisadores vêm
tentando mensurar essa competitividade e identificar os principais fatores que a afetam.
Ferraz et alli (1996) identificam duas vertentes diferentes de entendimento do conceito de
competitividade. Na primeira delas a competitividade é vista como um “desempenho” de uma
empresa ou produto. Nesse caso, os resultados das análises traduzem-se na determinação de uma
dada competitividade revelada. O principal indicador de competitividade revelada, segundo essa
ótica de entendimento, estaria ligada à participação de um produto ou empresa em um determinado
mercado (market share). A utilização do market share como medida de competitividade é a
contribuição mais útil e difundida da economia neoclássica para os estudos de competitividade.
Segundo essa visão, o mercado estaria, de alguma forma, sancionando as decisões estratégicas
tomadas pelos atores. A participação das exportações de um dado setor no mercado internacional
pertinente seria um indicador adequado de competitividade internacional. Assim, a competitividade
de uma nação ou setor seria o resultado da competitividade individual dos agentes pertencentes ao
país, região ou setor. Em um conceito mais amplo, a competitividade de uma nação pode ser vista
como sendo “... a capacidade de uma nação sustentar uma taxa de crescimento e padrão de vida
adequados para seus cidadãos enquanto proporciona ocupação (emprego) sem reduzir o potencial
de crescimento e o padrão de vida das gerações futuras” (Landau, 1992:15). Obviamente que
esse conceito de competitividade depende das condições expostas no início do parágrafo.
Esse mesmo conjunto de autores (Ferraz et alli, 1996) identifica uma segunda faceta das
análises em termos de competitividade. Nessa outra visão do conceito, a competitividade é vista
como “eficiência”. Nesse segundo caso, trata-se de tentar medir o potencial de competitividade
de um dado setor ou empresa. Essa predição do potencial competitivo poderia ser realizado por
meio da identificação e estudo das opções estratégicas adotadas pelos agentes econômicos face as
suas restrições gerenciais, financeiras, tecnológicas, organizacionais, etc. Dessa forma, existiria uma
relação causal, com algum grau determinístico, entre a conduta estratégica da firma e o seu
desempenho eficiente. Assim, a idéia de base dessa ótica de análise remete diretamente ao paradigma
seminal da organização industrial (estrutura conduta desempenho).
Considerando que essas duas abordagens são insuficientes para analisar o problema os autores
concluem pela seguinte definição de competitividade: “... a capacidade da empresa formular e
implementar estratégias concorrenciais que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura,
uma posição sustentável no mercado” (Ferraz et alli, 1996:3).
Essa definição procura driblar o caráter estático das abordagens apresentadas anteriormente
focando sua atenção no processo que leva a um determinado grau de competitividade e não nos
resultados ex post de um dado comportamento estratégico. Essa abordagem empresta da área de

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 17
estratégia das organizações grande parte da sua idéia de base. Segundo essa escola de pensamento,
a competitividade seria o resultado da diferença entre o valor que a firma é capaz de gerar para
seus clientes e os custos para gerar esse valor (Porter, 1990). Em que pese todo o caráter explicativo
de análises em termos estratégicos, vale ressaltar a incapacidade de estudos desse tipo fornecerem
hipóteses que possam ser testadas estatisticamente para generalizar situações e, em um segundo
momento, a incapacidade de realizar predições quantitativas de efeitos da adoção de políticas
públicas e decisões gerenciais internas às firmas sobre a competitividade de uma dada indústria
(Kennedy et alli, 1998).
Nessa mesma linha de pensamento, Harrison & Kennedy (1997) sugerem que um framework
adequado para analisar a competitividade de uma firma deveria levar em consideração o referencial
teórico da economia neoclássica e da área de gestão estratégica. Segundo esses autores a
competitividade estaria ligada aos seguintes conjuntos de fatores: intensidade e adaptação de
tecnologias ao negócio da firma, custos e condições de obtenção dos insumos (custos, qualidade e
coordenação), grau de diferenciação (políticas de produção, de qualidade e de serviços), economias
de escala e escopo, fatores externos (políticas governamentais e variáveis macroeconômicas).
Embora esse framework esteja, segundo os autores, fundamentado na economia neoclássica e na
área de gestão estratégica, ele introduz vários conceitos oriundos da área da organização industrial
(OI). Segundo essa metodologia de análise a competitividade seria medida em termos de market
share e lucratividade da firma. Esses resultados seriam capazes de espelhar a “capacidade de
obter lucratividade e gerar valor a custos iguais ou inferiores àqueles de outros concorrentes em um
mercado específico (Harrison & Kennedy,1997; Kennedy et alli, 1998).
As abordagens de competitividade examinadas até o momento encontram na firma seu espaço
de análise privilegiado. Assim, a competitividade de um dado setor ou nação seria a soma da
competitividade dos agentes (firmas) que o compõe. No caso dos agronegócios, como será visto
na seção seguinte, existe um conjunto de especificidades que resultam na definição de um espaço
de análise diferente dos convencionalmente admitidos em estudos de competitividade. Esse espaço
de análise é a cadeia de produção agroindustrial. Assim, os estudos de competitividade, dentro de
uma visão de agronegócios, devem efetuar um corte vertical no sistema econômico para a definição
do campo de análise. Nesses casos, a competitividade desse sistema aberto definido por uma dada
cadeia de produção agroindustrial, não pode ser vista como a simples soma da competitividade
individual dos seus agentes. Existem ganhos de coordenação, normalmente revelados em arranjos
contratuais especialmente adequados às condições dos vários mercados que articulam essa cadeia,
que devem ser considerados na análise de competitividade do conjunto do sistema. Dessa forma,
qualquer modelo metodológico e conceitual que se pretenda adequado para a análise de
competitividade em agronegócios deve, necessariamente, levar em consideração os ganhos potenciais
de uma coordenação eficiente. Esse assunto será melhor explorado na seção seguinte.
Van Duren et alli (1991) desenvolveram um referencial metodológico para a análise de
competitividade que considera os elementos característicos do agronegócio. Segundo esses
pesquisadores, a exemplo de outros autores citados anteriormente, a competitividade poderia ser
medida pela participação de mercado e pela rentabilidade (de uma dada cadeia ou de uma firma).

18 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A conjunção do impacto de uma série de fatores teria como resultado uma certa condição de
competitividade para um dado espaço de análise. Esses fatores poderiam ser divididos em quatro
grandes grupos: fatores controláveis pela firma (estratégia, produtos, tecnologia, política de RH e
P&D, etc.); fatores controláveis pelo governo (políticas fiscal e monetária, política educacional, leis
de regulação do mercado, etc.); fatores quase-controláveis (preços de insumos, condições de
demanda, etc.) e fatores não controláveis (fatores naturais e climáticos). Ações de coordenação
que visem aumentar a competitividade da cadeia como um todo estão incluídas pelos autores no
grupo dos fatores controlados pelas firmas e pelo Estado. Essa situação é o que efetivamente
encontra-se na prática. Assim, esse modelo reconhece a importância de ações sistêmicas que afetam
a competitividade da cadeia como um todo e dos agentes que a integram. Esse aspecto será discutido
em maiores detalhes na seção seguinte.
Dessa forma, o framework esboçado no parágrafo anterior revela-se extremamente útil
para o desenvolvimento desse trabalho. Grande parte desses conceitos e idéias serão utilizados ao
longo de todo esse relatório.
Para finalizar pode-se dizer que, a exemplo de outros autores, esse trabalho considera que a
competitividade é a capacidade de um dado sistema produtivo obter rentabilidade e manter
participação de mercado no âmbito interno e externo (mercado internacional), de maneira sustentada.
2.1.2. Agronegócios: a necessidade do enfoque sistêmico
A metodologia de análise proposta toma por referência conceitual principal o enfoque sistêmico
de produto (commodity systems approach, ou CSA), complementado pelo enfoque mais recente
de supply chain management (SCM). A utilização conjunta desses dois modelos é interessante
porque o primeiro está mais relacionado com a observação macro do sistema e as medidas de
regulação dos mercados, geralmente implementadas por órgãos governamentais, enquanto o segundo
enfoca os mecanismos de coordenação do sistema implementados por seus próprios integrantes
(empresas privadas).
A abordagem sistêmica do CSA está fundamentada em estudos originalmente desenvolvidos
nas ciências biológicas e engenharias, que encontraram receptividade em outras disciplinas a partir
da década de 40, principalmente em razão dos trabalhos de um grupo de pesquisadores do Instituto
de Tecnologia de Massachussets (MIT), nos EUA.
Em sua definição clássica, um sistema é compreendido por dois aspectos: uma coleção
de elementos e uma rede de relações funcionais, as quais atuam em conjunto para o alcance de
algum propósito determinado. De forma geral, esses elementos interagem por meio de ligações
dinâmicas, envolvendo o intercâmbio de estímulos, informações ou outros fatores não específicos,
tal como ocorre na área das ciências sociais.
A principal característica dessa definição é que a interdependência dos componentes é
reconhecida e enfatizada na abordagem sistêmica. Além disso, a generalidade dessa perspectiva
permite o estudo de questões diversas sob esse ângulo, possibilitando, em princípio, o melhor
entendimento de fatores que afetam critérios de desempenho global (competitividade), fatores esses

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 19
que podem estar presentes em quaisquer dos elementos constituintes do sistema. Por exemplo, em
análises do desempenho de sistemas não é incomum a identificação de problemas que, embora
aparentes apenas em determinado componente, tenham sua origem em outros componentes
remotamente localizados no espaço ou no tempo. Mais especificamente, para os sistemas de
comercialização de carne bovina, os problemas de qualidade dos produtos nos balcões dos
supermercados podem ter sido causados pela adoção de sistemas de criação pecuária inadequados,
ou ainda por práticas inadequadas realizadas nos frigoríficos. Com efeito, as inter-relações dos
elementos de um sistema, geralmente, envolvem mecanismos de propagação e realimentação, os
quais dificultam a identificação de ciclos de causa-efeito ou de estímulo-resposta, a partir de análises
tradicionais segmentadas por elementos.
O enfoque sistêmico do produto é guiado por 5 conceitos chave1: (1) verticalidade – isso
significa que as condições em um estágio são provavelmente influenciadas fortemente pelas condições
em outros estágios do sistema; (2) orientação por demanda – a idéia aqui é que a demanda gera
informações que determinam os fluxos de produtos e serviços mediante o sistema vertical; (3)
coordenação dentro dos canais – as relações verticais dentro dos canais de comercialização,
incluindo o estudo das formas alternativas de coordenação, tais como contratos, mercado aberto
etc., são de fundamental importância, motivo pelo qual serão consideradas em maiores detalhes
mais adiante; (4) competição entre canais – um sistema pode envolver mais que um canal (por
exemplo, exportação e mercado doméstico), restando à análise sistêmica de produto buscar entender
a competição entre os canais e examinar como alguns canais podem ser criados ou modificados
para melhorar o desempenho econômico; e (5) alavancagem – a análise sistêmica busca identificar
pontos chaves na seqüência produção-consumo em que as ações podem ajudar a melhorar a
eficiência de um grande número de participantes da cadeia de uma só vez.
A partir do final dos anos 60, diversas análises de cadeias agroalimentares foram realizadas
nos Estados Unidos, tomando o enfoque sistêmico de produto como referencial de pesquisa. Estudos
foram realizados por Universidades, em parceria com o Departamento de Agricultura, para os
setores de suinocultura, avicultura, carne bovina, laticínios e grãos, entre outros2. A motivação para
essa série de estudos foi a necessidade de melhor compreender as formas de organização das
cadeias agroalimentares norte-americanas, que, à época, passavam por transformações significativas
nos padrões de controle e coordenação vertical. A predominância até então típica dos mercados
locais, como principais coordenadores das relações entre produtores, processadores e outros atores
nas cadeias agroalimentares, estava sendo mudada para a de sistemas mais complexos de
coordenação, envolvendo contratos, integração vertical ou parcerias. Os padrões de controle nas
cadeias produtivas moviam-se cada vez mais para empresas de fora do setor de produção agrícola.
A avaliação dos efeitos dessas mudanças sobre o desempenho do setor seria, portanto, relevante
elemento na formulação de políticas para o setor agroalimentar.
O enfoque sistêmico orientou também, na década de 70, uma série de estudos, visando à
melhoria das cadeias de comercialização de produtos agroalimentares na América Latina, incluindo

¹ STAATZ (1997).
² Ver, a respeito, FRENCH (1974) E MARION (1986).

20 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
o Brasil3 . Mais recentemente, vem servindo de referência para novos estudos de comercialização e
segurança alimentar na América Latina e África4.
Outra característica fundamental do enfoque sistêmico é que o sistema não se constitui na
mera soma das partes de um todo. Assume-se que o sistema expresse uma totalidade composta
dos seus elementos constituintes, tais como pecuaristas, cooperativas, frigoríficos, sindicatos, etc.
Entretanto, a noção de sistema é maior do que a soma das partes, ou seja, deve-se demonstrar que
o sistema se caracteriza pelos padrões de interações das partes e não apenas pela agregação
destas. A identificação dos elementos, juntamente com as suas propriedades isoladas, não é suficiente
para expressar um sistema. Nessa estrutura conceitual, as propriedades relacionais não são redutíveis
a propriedades atomísticas. O sistema agroindustrial provém de padrões sistemáticos de interação
dos pecuaristas, cooperativas, sindicatos, frigoríficos, supermercados, consumidores etc., e não da
agregação de propriedades desses componentes.
Em síntese, o enfoque sistêmico de produto oferece o arcabouço teórico necessário à
compreensão da forma como a cadeia funciona e sugere as variáveis que afetam o desempenho do
sistema. Entretanto, outro modelo é mais adequado quando se buscam medidas a serem
implementadas pelas empresas integrantes do sistema com vistas à melhoria de suas posições
competitivas: o Supply Chain Management.
Recentemente, dentro da mesma lógica de sucessão de etapas produtivas, logísticas e
comerciais definindo um espaço de análise interessante para incrementar a eficiência do sistema, foi
desenvolvida a noção de Supply Chain Management. A noção básica de Supply Chain
Management (SCM) ou Gestão da Cadeia de Suprimentos, se aproxima muito da abordagem de
CSA e Filière. Segundo Bowersox e Closs (1996) o SCM é baseado na crença de que a eficiência
ao longo do canal de distribuição pode ser melhorada por meio do compartilhamento de informação
e do planejamento conjunto entre seus diversos agentes. Canal de distribuição aqui poderia ser
entendido como o caminho pelo qual passa o gado de corte desde a propriedade rural até a mesa
do consumidor final. Esse conceito é relevante para o estudo de cadeias produtivas pois tem como
foco a coordenação e a integração de atividades relacionadas ao fluxo de produtos, serviços e
informações entre os diferentes.
Dentro das questões básicas que afetam a cadeia de gado de corte, a noção de Supply
Chain Management será importante nas discussões que envolvem problemas de coordenação
entre os elos/agentes das cadeias, reedistribução de tarefas entre os elos e os novos padrões de
consumo que envolve o valor que o consumidor percebe como diferenciais na decisão de compra.
O conjunto de idéias ligado às noções de CSA e de Filière (cadeia produtiva) vêm encontrando
grande sucesso junto à comunidade acadêmica, governamental e empresarial como ferramenta de
compreensão do funcionamento das cadeias agroindustrias. No entanto, ao passo que essas idéias
vêm-se mostrando muito úteis na elaboração de políticas setoriais públicas e privadas, portanto
aplicáveis ao conjunto de atores de uma dada cadeia produtiva, elas vêm se mostrando menos
³ Esses estudos estão publicados na série Marketing in Development Communities Series, da Michigan State University.
4
Alguns desses trabalhos estão resumidos no livro Prices, Products and People editado por Gregory Scott (Lynne Publishers
Boulder, 1995).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 21
eficientes em apontar às empresas ferramentas gerenciais que permitam operacionalizar ações
conjuntas que aumentem o nível de coordenação da cadeia. A aplicação dos conhecimentos ligados
à noção de SCM como forma de aumentar o nível de coordenação da cadeia ainda é pouco
explorada no Brasil e no exterior. Dessa forma, esse trabalho, no âmbito do estudo proposto,
procurou aplicar essa nova ferramenta de análise ao problema da competitividade da carne bovina,
possibilitando novos resultados e proposição de ações.
2.2. Definição e delimitação da cadeia a ser estudada
A Figura 2.1 representa esquematicamente a cadeia agroindustrial da carne bovina no Brasil,
incluindo seus principais subprodutos (comestíveis e não-comestíveis) e identificando os principais
atores e suas relações sistêmicas. Essa proposta de trabalho adotou como espaço de análise o
conjunto de agentes representados na referida figura.
Figura 2.1
Definição e delimitação da cadeia a ser estudada

22 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A indústria de insumos pode ser dividida em três segmentos: alimentação animal, indústria de
defensivos animais e genética animal. Esses são elementos fundamentais para a produtividade da
pecuária, em especial para o encurtamento do período de abate, o que tem implicações sobre a
qualidade da carne e do couro. A atividade de pecuária, por sua vez, pode ser dividida em três
segmentos: cria (produção de bezerros), recria (cria de bezerros e novilhos) e engorda (terminação
dos animais para abate). Freqüentemente essas atividades localizam-se na mesma propriedade,
mas como o uso dos fatores de produção é distinto em cada uma delas, há ganhos na localização de
cada atividade em regiões em que esses fatores sejam mais abundantes.
Vale ainda destacar a importância e o caráter sistêmico da influência dos agentes relacionados
às atividades de apoio à cadeia agroindustrial da pecuária bovina brasileira. A dinâmica de
funcionamento de uma dada cadeia produtiva, em seus aspectos de qualidade e competitividade, é
fortemente condicionada pelo desempenho adequado de seus agentes de apoio. Entre essas atividades
de apoio, que com os macrossegmentos da cadeia em questão constituem o espaço analítico que
será objeto do trabalho, pode-se citar: sistema financeiro, políticas governamentais, indústria de
embalagens, indústria de aditivos, agentes de inspeção sanitária, agentes de transporte, sistema de
Pesquisa e Desenvolvimento, associações de classe, políticas de comércio exterior e políticas de
renda. Cada um desses grupos de agentes pode impactar de maneira decisiva os vários elos da
cadeia produtiva. Esse é, por exemplo, o caso das inovações tecnológicas na cadeia. Nessa cadeia,
assim como na maioria das cadeias agroindustriais, o fluxo de inovações tecnológicas é exógeno,
ou seja, as principais inovações de produto e processo são geradas em indústrias consideradas de
apoio à cadeia (embalagens, aditivos, etc). Vale ainda destacar o papel preponderante que o sistema
financeiro pode exercer como agente de desenvolvimento de todos os macrossegementos da cadeia.
Políticas de financiamento adequadas são indispensáveis para o desenvolvimento harmonioso de
todos as organizações atuantes nesse sistema. Políticas governamentais, notadamente de comércio
exterior e de renda, também são instrumentos poderosos para compreender o funcionamento da
cadeia. Além disso, podem representar, quando bem equacionadas e aplicadas, ferramentas
importantes de dinamização da cadeia. É ainda importante destacar o papel disciplinador dos orgãos
de inspeção sanitária ao longo de toda a cadeia. O serviço de inspeção sanitária, se devidamente
reformulado e adequado à realidade da cadeia, pode impulsionar de forma decisiva o aumento de
qualidade dos produtos derivados da carne bovina no Brasil.
2.3. Procedimentos Metodológicos
A literatura sobre estudos de cadeias agroalimentares mostra que diversos métodos de busca
de informações e análise têm sido empregados, isoladamente ou de forma combinada. Embora nem
sempre a justificativa pela opção metodológica esteja explicitada em tais estudos, algumas
considerações de caráter geral podem ser inferidas, permitindo a determinação de fatores críticos a
serem avaliados a esse respeito. A diversidade de objetivos dos estudos de cadeias agroalimentares
e a multiplicidade de questões relacionadas com recursos físicos, financeiros e humanos, disponíveis
para os estudos, impedem uma recomendação universal de opção metodológica para a busca de
informações. Em geral, métodos mais precisos de coleta de informações são mais caros e demorados.
Em alguns casos, quando o objetivo principal do trabalho é buscar medidas de intervenção que

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 23
melhorem o desempenho da cadeia, é preferível abrir mão do rigor estatístico dos dados em função
de vantagens como redução de custo e rapidez. Considerando-se as diretrizes e objetivos para
esse estudo, o método empírico aqui proposto enquadra-se nesse último enfoque.
Os objetivos dos estudos, sua abrangência nacional e a limitação do período de execução,
tornaram recomendável a adoção do enfoque metodológico denominado como “método de pesquisa
rápida” (rapid assessment ou quick appraisal). Esse enfoque tem sido utilizado em análises de
sistemas agroalimentares quando as restrições de tempo ou de recursos financeiros impedem a
realização de avaliações baseadas em métodos convencionais de pesquisa amostral (surveys), ou
quando o interesse está em obter conhecimento amplo sobre os componentes do sistema estudado.
Trata-se, na verdade, de um enfoque pragmático, que utiliza, de forma combinada, métodos de
coleta de informação convencionais e no qual o rigor estatístico é flexibilizado, em favor da eficiência
operacional. Sua associação ao referencial conceitual sistêmico tem orientado diversos estudos de
sistemas agroalimentares em países em desenvolvimento (Morris, 1995; Holtzman, 1993).
O enfoque proposto é caracterizado por três elementos principais: o uso maximizado de
informações de fontes secundárias, a condução de entrevistas informais e semi-estruturadas com
“elementos chave” da cadeia estudada e a observação direta dos estágios que a compõem.
A implementação empírica da pesquisa reconhece o caráter multidisciplinar da análise sistêmica.
Para tal, constituiu-se uma equipe técnica inter e intradisciplinar, composta por especialistas em
zootecnia, engenharia de alimentos, economia e administração de empresas. Essa equipe foi dividida
em sub-equipes de acordo com a vantagem comparativa de seus membros para a coleta de
informações sobre os diferentes elos da cadeia de pecuária de corte.
O projeto como um todo, respeitando as premissas metodológicas já apresentadas, foi dividido
em oito etapas principais (ver Quadro 2.1). Vale acrescentar que, além das etapas que são objeto
desse relatório, o processo metodológico global da proposta ainda prevê a realização de um
workshop em que as conclusões e propostas constantes nesse trabalho serão discutidas pelos
vários representantes de instituições afetas à cadeia agroindustrial em questão. O objetivo último
desse workshop é, por meio desta discussão, chegar a uma agenda de trabalho, envolvendo o
poder público e os vários agentes privados da cadeia, que permita o aumento da competitividade
da cadeia agroindustrial da carne bovina no Brasil.
A seguir serão descritas, sucintamente, cada uma das etapas de desenvolvimento do projeto.
2.3.1. Levantamento de Antecedentes
Anteriormente ao início de trabalho de levantamento de dados secundários (levantamento de
antecedentes), foi realizado um encontro de trabalho (workshop) de dois dias com o conjunto de
pesquisadores seniores do projeto.
Esse workshop apresentou os seguintes objetivos principais:
– Contextualizar o projeto e sensibilizar a equipe para a sua importância.
– Apresentar os mecanismos de coordenação e de controle para os trabalhos a serem
efetuados pela equipe.

24 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
– Realizar uma série de apresentações técnicas que permitissem um nivelamento dos
conhecimentos de todos os participantes da equipe nos vários aspectos relacionados ao
funcionamento das cadeias (aspectos técnicos, econômicos, comerciais, logísticos, legais,
etc.).
– Definir as atividades que permitissem o cumprimento das etapas propostas no cronograma
de execução do projeto, os pesquisadores responsáveis por atividade e os prazos
pertinentes.
– Identificar e definir os parâmetros de execução das principais atividades que permitirão a
execução das etapas posteriores do projeto.
Quadro 2.1
Etapas de desenvolvimento do projeto

Levantamento de Antecedentes

Identificação de Agentes Chave da Cadeia

Definição de Roteiros de Entrevistas

Pesquisa de Campo

Sistematização das Informações

Definição de Políticas e Estratégias

Priorização das Medidas Propostas

Elaboração do Relatório Final

Essa etapa do trabalho constituiu-se em uma busca e análise exaustiva de informações oriundas
de fontes secundárias. Essas informações, sistematizadas e analisadas, permitiram uma descrição
precisa da organização do sistema agroindustrial da pecuária de corte, bem como a avaliação do
comportamento passado de algumas variáveis relacionadas com seu desempenho. Essa fase permitiu
um diagnóstico preliminar do sistema agroindustrial da pecuária de corte no Brasil e proporcionou
a definição mais precisa das necessidades de busca de informações adicionais em trabalho de
campo.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 25
A revisão bibliográfica foi dividida nos seguintes tópicos:
– Aspectos gerais de mercado (consumo atual, consumo futuro, aspectos da produção atual,
produção futura, mercado externo, balanço oferta-demanda.
– Atividades de mercado dos produtores.
– Processos de comercialização (canais de comercialização, estrutura de mercado, preços e
margens de comercialização, segmento de processamento, segmento de varejo).
– Aspectos institucionais.
Participaram da elaboração dos documentos primários da revisão bibliográfica todos os
pesquisadores seniores e juniores do projeto. Coube à coordenação do projeto a elaboração do
documento final de diagnóstico.
2.3.2. Identificação de Agentes Chave da Cadeia
O objetivo dessa etapa foi o de identificar os principais agentes econômicos e sociais que
pudessem, em um primeiro momento, auxiliar no entendimento da dinâmica competitiva da cadeia
e, em um segundo momento, auxiliar na implementação das propostas que advirão do estudo. Esse
conjunto de atores é formado por agentes econômicos privados e públicos. Fazem parte desse
conjunto: produtores, intermediários, empresas processadoras, atacadistas, varejistas, associações
de classe e comercial, bem como outras instituições/indivíduos que atuam na cadeia. Pequenas
amostras desses indivíduos foram identificadas para a condução de entrevistas informais, conduzidas
por grupos de pesquisadores.
2.3.3. Definição de Roteiros de Entrevistas
Com base nas duas etapas metodológicas precedentes, tornou-se possível definir os roteiros
estruturados de entrevista e os agentes a serem entrevistados, em conformidade com a metodologia
traçada para os trabalhos de campo.
Vale salientar que foram elaborados diferentes roteiros de entrevista, segundo o perfil do
entrevistado e/ou o segmento da cadeia agroindustrial em que ele está inserido. Assim, foram
elaborados cinco guias de entrevistas destinados a avaliar as questões relativas a produção
agropecuária, ao processo de abate e industrialização da carne, ao processo de comercialização da
carne, a averiguação das questões institucionais pertinentes à questão, além de um guia de entrevista
específico para a compreensão da problemática do couro. Houve uma preocupação especial em
considerar o caráter sistêmico do encadeamento entre os segmentos, buscando-se sempre contemplar
aspectos relacionados às ligações à montante e a jusante dos segmentos enfocados. Os roteiros de
entrevista encontram-se no Anexo 1.
2.3.4. Pesquisa de campo
A pesquisa de campo buscou colher novas informações sobre a realidade da cadeia estudada
e verificar as hipóteses iniciais do projeto. Para instrumentalizar essa busca de informações, foram
utilizados os guias de entrevista mencionados anteriormente.

26 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As pesquisas de campo abrangeram um conjunto de estados da Federação, regionalmente
representativos, que possuíam na cadeia agroindustrial da pecuária de corte uma de suas atividades
econômicas relevantes. A equipe de pesquisadores do projeto foi dividida de forma a entrevistar
atores da cadeia nos seguintes estados:
– Região Sul: Rio Grande do Sul.
– Região Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
– Região Centro-Oeste: Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
– Região Norte: Pará e Rondônia.
– Região Nordeste: Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Cabe também ressaltar que os guias de entrevista utilizados foram discutidos e aprovados
por representantes do IEL/CNI e da CNA, em reunião realizada para esse fim.
Foram entrevistados 117 informantes, englobando todos os segmentos da cadeia produtiva
da pecuária de corte no Brasil. Esses atores foram selecionados intencionalmente, em função de
sua representatividade e importância relativa na cadeia estudada, nos contextos regional e nacional.
A relação completa de entrevistados está apresentada no Anexo 2.
É interessante observar que nos trabalhos de campo, durante o processo de condução de
entrevistas, a equipe teve a preocupação de observar in loco, de forma participativa, as operações
e fluxos característicos da cadeia agroindustrial da carne bovina. Houve oportunidade para a visita
a um grande número de propriedades, frigoríficos, abatedores, curtumes, açougues, supermercados,
feiras livres e outros locais onde se processam as atividades do fluxo produção – processamento –
distribuição de carne bovina, nas principais regiões do País. Essas observações, além de permitirem
a realização de um trabalho de “sintonia fina” nas informações obtidas nas entrevistas formais,
possibilitaram o enriquecimento do conhecimento da equipe sobre a dinâmica da cadeia estudada,
o que redundou na melhor qualidade das análises.
2.3.5. Sistematização das Informações
O grande volume de informações coletadas, a heterogeneidade das fontes, a ampla abrangência
do estudo e a natureza interdisciplinar da equipe de execução, são fatores que tornaram necessária
a realização de um cuidadoso trabalho de sistematização.
O trabalho de sistematização foi conduzido por intermédio de um processo de uniformização
do formato da apresentação dos relatórios de entrevistas e dos dados complementares obtidos
pelas equipes que visitaram as cinco regiões geográficas do país. A organização lógica reproduziu
a divisão da cadeia produtiva em seus segmentos constitutivos e, dentro destes, nas principais
dimensões de eficiência e competitividade enfocadas (tecnologia, gestão, relações de mercado,
etc.).
Essa etapa também envolveu uma reunião de trabalho com todos os integrantes da Equipe
nas dependências da Universidade Federal de Viçosa. Essa reunião, de dois dias, contou com a
participação de um total de 14 pessoas (oito pesquisadores principais e seis auxiliares).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 27
Os objetivos da reunião foram:
– Permitir aos pesquisadores a apresentação dos resultados obtidos na pesquisa de campo
para, a partir de uma análise nacional que contemplasse as especificidades regionais,
identificar padrões de concorrência e principais fatores condicionantes da competitividade
para o conjunto da cadeia da carne bovina no Brasil.
– Discutir a estrutura do relatório final.
– Discutir uma proposta de formato básico para o workshop final.
2.3.6. Definição de Políticas e Estratégias
A partir dos resultados da pesquisa de campo, potencializados pela sistematização das
informações e pela reunião mencionada na etapa anterior, foi realizado um novo trabalho de análise
dos dados levantados no pré-diagnóstico (levantamento dos antecedentes), agora complementados
pelas informações dos trabalhos de campo. O objetivo foi o de identificar, de maneira mais precisa,
os principais problemas que condicionam a competitividade da cadeia de pecuária de corte no
Brasil. Como forma de propor medidas de intervenção para a melhoria do desempenho do sistema,
foram analisadas as causas subjacentes aos problemas, bem como os sintomas aparentes.
2.3.7. Priorização das Medidas Propostas
Essa etapa consistiu da elaboração de uma pauta de sugestões de políticas, públicas e privadas,
que permitiriam aumentar a competitividade da cadeia brasileira de carne bovina.
Fez parte importante dessa etapa metodológica uma nova reunião de toda a equipe para
elencar e priorizar essas proposições. Essa reunião, também de dois dias, envolveu os pesquisadores
juniores e seniores do projeto. Assim, o objetivo último dessa reunião foi o de discutir os relatórios
redigidos por cada pesquisador e reuni-los na forma final do relatório a ser entregue aos contratantes.
Essa reunião, conforme já foi mencionado, também teve como objetivo ratificar a programação do
workshop e, principalmente, discutir as propostas de políticas públicas e privadas que constam
desse relatório.
2.3.8. Elaboração do Relatório Final
Essa etapa constituiu-se na elaboração desse relatório final.

28 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O AGRONEGÓCIO DA CARNE BOVINA
NO MUNDO
Nesse capítulo, apresenta-se de maneira sumariada as principais tendências da produção,
do consumo, dos preços, do processamento e dos fatores que afetam o comércio internacional da
carne bovina. O posicionamento do Brasil em relação à cada um desses aspectos, é ressaltado,
sempre com os olhos voltados para a questão das tendências e possíveis estratégias para o aumento
da competitividade. A maior parte das informações tem como fonte o relatório do Rabobank (1998),
sobre a indústria da carne bovina, e a maior parte dos dados utilizados foi obtida do banco de
dados da FAO.
3.1. A Produção
A evolução da produção, do abate e peso das carcaças em nível mundial é mostrada na
Figura 3.1 a seguir, para o período de 1980 a 1997. O crescimento médio da produção para o
período como um todo foi de 0,92% ao ano, apresentando contudo um crescimento maior nos
últimos anos. Esse crescimento é função direta do número de abates e do peso das carcaças dos
animais. Enquanto o número de abates sofreu pequenas oscilações ao longo do período, o peso
das carcaças tem sofrido um aumento contínuo em função das melhorias genéticas e do uso de
novas práticas de alimentação e manejo dos rebanhos. Pode-se notar uma queda da produção no
início dos anos 90, explicada pela redução do peso das carcaças dos animais no abate, que ocorreu
em função da liquidação dos rebanhos das economias centralizadas do leste europeu, quando da
mudança dos regimes político-econômicos.
Figura 3.1
Produção mundial, número de abates e peso das carcaças. 1980-1997

Fonte: Rabobank (1998)

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 29
Os dados sobre a distribuição da produção de carne bovina no mundo, são apresentados na
Tabela 3.2, para os quinqüênios 1980 a 1995; e para o ano de 1997.
Em termos regionais a maior produção se dá na América do Norte, com os Estados Unidos
isoladamente sendo o maior produtor mundial, com aproximadamente 20% do total.
A América do Sul vem a seguir, destacando-se as produções do Brasil, da Argentina e do
Uruguai. Enquanto a produção da Argentina tem declinado com o passar dos anos, a do Brasil tem
mostrado um enorme dinamismo, com a quase duplicação da produção no período entre 1980 e
1997. As melhorias das pastagens, na alimentação e os investimentos na genética do rebanho, são
tidos como os grandes responsáveis por esse crescimento no Brasil. No entanto, por ser ainda um
pequeno participante no mercado internacional, o aumento da produção brasileira foi deslanchado
basicamente pelo aumento da demanda doméstica, pelo aumento na renda e queda nos preços
reais da carne.
A queda da produção Argentina tem sido explicada pelos altos preços relativos dos grãos,
que tem forçado uma substituição em favor da produção de grãos, ao invés da criação de gado. A
Argentina foi, no entanto, considerada livre da febre aftosa por vacinação e dada sua competitividade
em nível internacional, espera-se que ela retome o crescimento da produção.
A União Européia já foi a segunda região maior produtora de carne bovina em nível mundial.
Em 1985, a produção Européia de 8 milhões de toneladas, correspondia à 105% da auto-suficiência
regional, graças aos subsídios concedidos pela Política Agrícola Comum (CAP). A Crise da “vaca
louca” (BSE) provocou uma severa queda no consumo e nos preços, que juntamente com a redução
dos subsídios às exportações têm provocado uma queda significativa na produção.
Para muitos países a produção tem sido elevada devido aos subsídios concedidos de forma
direta e indireta aos produtores. A Tabela 3.1 apresenta um indicador que mede o nível de suporte
recebido pelos produtores dos países da OCDE. Trata-se da participação percentual do valor
bruto das transferências aos produtores no valor bruto da produção (ao nível da porteira). O valor
bruto das transferências inclui pagamentos implícitos e explícitos, tais como subsídios de preços
(produtos ou insumos), isenção de impostos, pagamentos, etc., ou seja, mede mais do que subsídios
propriamente ditos. Como as contribuições do produtor (e.g. impostos sobre a produção ou
exportação) são deduzidas, é possível que para alguns países ou anos se encontre um valor negativo,
significando que o valor pago é superior ao suporte recebido. Observa-se que o nível de suporte ao
produtor é baixo nos países tradicionalmente exportadores (Austrália, Nova Zelândia e EUA) e
elevado na Europa, Japão e Coréia. Nos anos 90, o nível de suporte oferecido na Europa foi
particularmente crescente.

30 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 3.1
Estimativa do Nível de Suporte ao Produtor: Carne Bovina
(% do valor bruto das transferências aos produtores no valor bruto da produtividade)

Fonte: OECD (1999)


p = prévia
Tabela 3.2
Produção de carne bovina. Principais regiões e países. 1980/85/90/95 e 1997.
Mil Ton. Métricas.
1980 1985 1990 1995 1997
América do Norte 10970 12025 11365 12513 12788
USA 9999 10996 10465 11585 11714
Canadá 97 1029 900 928 1074
América do Sul 7508 8178 8957 9479 9892
Brasil 2850 3480 4115 4750 5150
Argentina 2839 2847 2595 2452 2336
Uruguai 336 332 334 379 454
União Européia(15) 8512 8880 8947 7983 7887
Ásia 3183 3933 5327 9095 9927
China 237 347 1103 3269 3929
Japão 418 555 549 601 529
Coréia do Sul 93 166 128 221 338
Oceania 2077 1815 2176 2452 2482
Austrália 1564 1310 1676 1803 1815
Nova Zelândia 496 487 478 629 646
Leste Europeu 2001 1994 2053 1307 1306
Antiga URSS 6645 7370 8814 5676 4793
Mundo 45491 49203 52954 52822 53696

Fonte: FAO

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 31
O que tem chamado a atenção é a produção de carne bovina na Ásia. A produção na região
triplicou nos últimos 15 anos, com os números para a China sendo particularmente relevantes. O
peso das carcaças quase duplicou no período de 1980 a 1997 e a produção cresceu mais de 15
vezes. As previsões para a China são de contínuo crescimento da produção, devido a fatores tais
como: o crescimento econômico, melhorias nas facilidades de processamento, falta de controle
ambiental e estímulo governamental ao consumo de carne bovina (o aumento no consumo de carne
produzida a partir de pastagens, reduziria o consumo de substitutos alimentados por grãos).
No Japão, espera-se uma retração da produção interna em razão da perda de competitividade,
com a liberalização do comércio.
Na Oceania (Austrália e Nova Zelândia), o principal fator que tem afetado a produção é a
seca. A produtividade, medida pelo peso da carcaça, tem aumentado continuamente na região e
espera-se que a Austrália se torne o principal fornecedor de carne bovina para os demais países da
Ásia. Com relação à Nova Zelândia, espera-se que o crescimento do rebanho leiteiro produza mais
novilhos que vão aumentar a produção de carne no futuro.
A produção nos países do Leste Europeu sofreu uma queda brusca com as mudanças de
regime político, mas parece estabilizada a partir de 1995, com novas expectativas de crescimento.
Com relação aos países da Antiga União Soviética, os sistemas ultrapassados de produção
e distribuição entraram em colapso após 1990, e a produção e produtividade têm se reduzido
drasticamente. Não há expectativa de qualquer melhoria significativa em um futuro próximo.
A tendência na direção de um maior peso no abate tem sido um importante fato na direção
do crescimento da oferta de carne em nível mundial. Essa já é uma tendência estabelecida nos
países desenvolvidos, mas só agora começa a tomar força nos países em desenvolvimento. O
melhoramento genético tem uma importância capital na produção, apesar de seu efeito lento, levando
ao aparecimento de novas raças com crescimento rápido, com pouca gordura e com alto peso no
abate.
A melhoria na qualidade das instalações, das rações, com melhores taxas de conversão, a
introdução dos promotores de crescimento, também têm sido importantes, por aumentarem a taxa
de crescimento e a razão quantidade de carne/gordura no peso total.
Para a maioria das regiões, no entanto, os ciclos de produção são o fator mais importante
na indústria da carne bovina. Os movimentos cíclicos refletem tanto fatores exógenos à indústria,
como as condições climáticas, a oferta e preços dos grãos, a oferta competitiva das outras
carnes e as condições de mercado, como os fatores endógenos, relacionados à percepção que
os produtores têm sobre o mercado e os riscos de preço da atividade. As decisões de produção
são tomadas baseadas nos níveis de preços correntes, ocorrendo um intervalo entre a
implementação da decisão e a sua efetiva realização. Esse intervalo deve-se ao fator biológico
que requer tempo para a produção de novos animais para o mercado. A alta oferta em um
período serve para baixar os preços de bezerros e novilhas. Como conseqüência, os novilhos
são abatidos precocemente, o que acaba reduzindo a oferta total de carne e elevando os preços.

32 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Em resposta, os produtores param de abater as novilhas e aumentam o número de bezerros para
a engorda. Assim começa um novo ciclo.
Estudos têm mostrado que o ciclo da carne bovina leva em média 10 anos, com um período
de expansão que varia entre 6 e 8 anos, e um período de contração que varia de 3 a 10 anos.
A lucratividade da indústria da carne bovina está também, diretamente relacionada aos ciclos
de produção. Como os preços no varejo são relativamente estáveis, os lucros da indústria tendem
a estar ligados aos preços do boi gordo. Quando há uma deficiência de oferta de boi gordo, os
abatedores tendem a aumentar os preços, fazendo o contrário nos picos de produção.
A Figura 3.2 mostra os preços de exportação da carne bovina para quatro importantes
regiões produtoras e o Brasil. Os preços apresentados são nominais e expressos em dólares norte-
americanos, sendo portanto, afetados por mudanças nas taxas de câmbio. Pode-se notar que os
preços menores são aqueles para os países em que o sistema de alimentação predominante é
baseado em pastagens (Austrália, Argentina e Brasil). Nos Estados Unidos e Europa, onde a
alimentação predominante é baseada em grãos, os preços são relativamente maiores. Os preços de
exportação da Europa mostram-se menores do que os dos Estados Unidos somente em razão dos
subsídios recebidos pelos exportadores europeus. No entanto, de maneira geral, os preços na
Europa são maiores do que aqueles para os Estados Unidos.
Figura 3.2
Preços de exportação da carne bovina. Principais regiões produtoras. 1980/1997.

5 União
Européia
4.5

4
Argentina

3.5
Australia
3

2.5
Estados
2 Unidos

1.5 Brasil

0.5

0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996

Fonte: Rabobank (1998)


Outros fatores importantes que têm afetado os preços da carne são: as propostas de maior
liberalização comercial a partir do acordo GATT/WTO; os períodos de seca, a ocorrência de

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 33
problemas sanitários como a BSE, a E. coli e a contaminação das rações por dioxina.
Os preços têm apresentado uma tendência de queda desde 1994/95. A produção conjunta
de carnes nos Estados Unidos (bovina, suína e de aves) tem crescido significativamente e colocado
pressão baixista nos preços da carne bovina. O aumento do custo da alimentação também nos
Estados Unidos, tem reduzido as margens de lucro e forçado uma redução nos rebanhos bovinos
de corte, desde 1996, efeito típico das fases de contração dos ciclos, baixando os preços.
Em outras regiões produtoras, os preços da carne bovina têm sido pressionados negativamente
em função dos ganhos de produtividade das outras carnes, como as de porco e de frango. Períodos
de seca na Austrália e Argentina também exercem pressão para baixo nos preços.
3.2. O Consumo
O consumo mundial de carne bovina apresenta duas características marcantes. A primeira
diz respeito a uma mudança nos padrões alimentares por que tem passado a sociedade, influenciada
principalmente pelo crescimento da renda, pelas mudanças nos preços relativos das carnes
concorrentes e também, por uma preocupação crescente com a saúde e a conservação do meio
ambiente. A segunda característica, está diretamente relacionada à primeira e diz respeito à
estabilidade esperada no consumo de carne bovina no futuro. Efeitos compensatórios entre as
regiões desenvolvidas e as em desenvolvimento do mundo, explicam porquê o consumo parece ter
atingido uma certa estabilidade.
O consumo mundial de carnes tem aumentado continuamente desde 1980, como mostrado
na Figura 3.3. Esse aumento é atribuído principalmente ao crescimento da população e da renda,
particularmente, na região asiática. Nota-se no entanto, que o aumento no consumo das carnes de
porco e de frango, tem sido maiores do que aqueles da carne bovina. O consumo de carne bovina
tem aumentado muito lentamente no mundo como um todo e mais rapidamente na Ásia. Na Europa
e nos países da antiga União Soviética, a queda tem sido mais drástica, em função dos diversos
problemas sanitários e de mercado enfrentados na primeira região, e dos problemas político-
econômicos enfrentados pela segunda.

34 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 3.3
Consumo mundial de carnes bovina, suína e de frango (t). Período 1980-1997.

90000000

80000000 Carne
Bovina
70000000

60000000

50000000 Carne
de
40000000 Frango

30000000

20000000 Carne
Suína
10000000

0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998

Fonte: Rabobank (1998)


Na Europa, a queda contínua no consumo da carne bovina é resultado de inúmeros escândalos
que ocorreram no setor, começando com o possível uso de hormônios de crescimento e antibióticos,
seguido das acusações de maus tratos no transporte e abate dos bovinos, da crise da vaca louca e
atualmente, da contaminação das rações por dioxina. Esperava-se que o consumo europeu voltasse
rapidamente a atingir os níveis de anteriores à crise da vaca louca. Inúmeras campanhas têm sido
realizadas para estimular novamente o consumo, com a adoção dos rótulos (labeling) para os
produtos domésticos e aqueles isentos de hormônios. Contudo, a crise atual da dioxina deve
novamente afetar severamente o consumo e prejudicar qualquer previsão de recuperação do mesmo.
A Tabela 3.3 mostra o consumo aparente (Produção + Importação – Exportação) de carne bovina
nas principais regiões e países do mundo.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 35
Tabela 3.3
Consumo aparente de carne bovina. Principais regiões e países. 1980 a 1990
e 1997. Mil Toneladas

Fonte: FAO
A queda de consumo na Europa Central e nos países da antiga União Soviética deve-se
basicamente a queda da renda, à supressão dos subsídios à produção e, aos altos preços da carne
bovina, quando da transição daquelas economias para o livre mercado. Não se espera para breve
qualquer recuperação do consumo per capita.
Novamente, chama a atenção o crescimento verificado no consumo da China. O grande
crescimento verificado é explicado pelo estímulo governamental à produção e ao consumo, ao
aumento da renda disponível e à expansão verificada nas cadeias de alimentação como os fast
food, hotéis e restaurantes. Outros países da Ásia onde o consumo tem aumentado são o Japão e
a Coréia do Sul. Explica-se o crescimento do consumo no Japão pela maior abertura comercial e
na Coréia, pelo aumento na renda ocorrida nos últimos anos. Ressalta-se a posição de importadores
daqueles países. Em termos per capita, o consumo médio dos países asiáticos ainda está longe
daqueles dos países desenvolvidos. Isso significa que o consumo deve continuar aumentando,
especialmente em função do crescimento das rendas, da ocidentalização das dietas e dos menores
custos, em razão da redução das barreiras comerciais.

36 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Na América do Sul, o consumo de carne bovina tem sido relativamente estável. A Argentina
e o Uruguai apresentam os mais altos consumos per capita do mundo. Apesar de ter se mantido
estável, o consumo per capita tende a ser reduzido naqueles países, em função dos altos preços
relativos da carne bovina, no pequeno crescimento do poder aquisitivo das populações e da
preocupação com a saúde. No Brasil, ao contrário, nota-se um forte crescimento no consumo
aparente da carne bovina, pelo menos até 1995. O Capítulo 5.2 discute em maior detalhe a questão
do consumo de carne bovina no Brasil.
O crescimento do consumo na América do Norte tem sido inexpressivo. Há uma estabilidade
do consumo nos Estados Unidos e Canadá e um pequeno crescimento no México. O consumo per
capita nos Estados Unidos tem caído, devido às preocupações com a saúde e uma conseqüente
mudança para o consumo das carnes de porco e de frango.
Na Oceania, Austrália e Nova Zelândia apresentam uma tendência de queda no consumo, à
medida que a carne bovina vem sendo substituída também, pelas carnes relativamente mais baratas
de porco e de frango.
Entre os fatores que têm contribuído para o aumento do volume produzido da carne bovina,
mas para um decréscimo do consumo per capita pode-se citar: os econômicos e demográficos, os
sociais e, aqueles relacionados ao marketing do produto.
Como fatores econômicos e demográficos que afetam tanto a demanda individual como a
demanda da indústria têm-se, o crescimento da população, a renda per capita, o preço da carne
bovina e o das substitutas. Como fatores sociais, pode-se mencionar os relacionados à reputação
da qualidade e da conveniência da carne, assim como aqueles relacionados às questões sanitárias
do produto e do processo de produção. O terceiro conjunto de fatores engloba as condições de
marketing e distribuição do produto no varejo e nas cadeias de alimentação.
A tendência do crescimento da população mundial é um importante fator do aumento da
demanda futura de carne. Atualmente a população mundial tem crescido à taxa de 1,6% ao ano, e
essa é uma possível tendência de crescimento da demanda por carne bovina. As regiões que têm
apresentado as maiores taxas de crescimento populacional são a Ásia (que concentra 60% da
população mundial) e a África, onde espera-se um pequeno impacto futuro no consumo. O
crescimento moderado nas populações das América do Sul e do Norte, não devem compensar o
declínio verificado no consumo de alguns países, principalmente da Europa, onde o crescimento da
população é nulo ou negativo.
Como qualquer outro alimento, para que a carne atinja um padrão de consumo estável, é
necessário um nível mínimo de renda. Desde que a carne bovina é relativamente cara, o consumo
está diretamente relacionado à renda, e o consumo de carne bovina nos países com renda alta é
maior do que naqueles países de renda baixa. Tal ligação evidencia que será nas regiões do mundo
que experimentam certo desenvolvimento, como a Ásia, onde as possibilidades de crescimento de
consumo são maiores.
O preço relativo da carne bovina quando comparado aos preços de outros tipos de carne, é
um dos mais importantes determinantes da demanda. A Figura 3.4 mostra o comportamento dos

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 37
preços das carnes bovina, suína e de frango no mundo e bovina para o Brasil. Pode-se verificar que
os preços da carne bovina têm mantido certa estabilidade na última década, comparado com as
demais carnes. Se for considerado que aqueles preços são nominais e não levam em consideração
as taxas de inflação, pode-se concluir que os preços reais da carne bovina vêm caindo relativamente
aos demais. Os preços brasileiros apresentam um comportamento muito similar aos mundiais nos
últimos anos, sendo menores por refletirem uma produção básica à partir de pastagens.
Figura 3.4
Preço das carnes bovina, suína e de frango no mundo, e bovina no Brasil . Período 1980-
1997 US$/Kg.

- Carne Bovina

Fonte: Rabobank (1998)


Esperava-se que a queda nos preços trouxesse maior competitividade relativa à carne bovina,
aumentando sua participação no mercado. Contudo, e principalmente na Europa, a queda de preços
verificada não tem sido capaz de melhorar a posição da carne bovina no mercado. Na realidade, a
participação da carne bovina tem caído em razão dos inúmeros escândalos que afetaram a imagem
do produto.
O mercado para os alimentos tem se mostrado muito dinâmico, com alterações na composição
e no comportamento da população, implicando em mudanças estruturais na demanda por carne. O
estilo de vida das pessoas tem mudado rapidamente, com os consumidores viajando mais e
aumentando consideravelmente sua percepção sobre os alimentos, com o desenvolvimento da
tecnologia da informação. Os produtos de preparação mais rápida ou que poupem tempo (de
conveniência) tem-se tornado mais populares na atualidade. Não resta a dúvida que as carnes de
porco e de frango saíram na frente em termos de conveniência.

38 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
De um modo geral, o envelhecimento das populações as tem levado à uma preocupação
maior com a saúde. O estilo de vida atual, envolvendo pouco exercício físico, tem enfatizado a
importância de uma dieta saudável aos consumidores. A melhoria dos processos tecnológicos e
nos ingredientes, tem colocado à disposição dos consumidores uma enorme variedade de produtos
com baixos teores de gordura, ausência de aditivos químicos e baixos níveis de colesterol. O
consumidor está mais hábil a absorver essas informações e mais consciente também do problemas
éticos e ambientais. Portanto, ele exige mais informações não só sobre o produto, mas também
sobre o processo de produção. A preocupação com o meio ambiente, com o uso de hormônios e
com as doenças, tem exigido garantias cada vez maiores por parte dos consumidores. Aqui entra a
questão da certificação da origem e das condições de produção da carne e, dos rótulos contendo
as características do produto, que se tornam mais importantes a cada dia nos principais países
importadores.
Graças à maiores rendas e ao atual estilo de vida, as pessoas estão comendo mais fora de
casa e as cadeias de fast food e restaurantes têm aumentado sua participação no mercado.
Todos esses fatores têm influenciado a demanda e provocado uma grande variação regional.
Se o objetivo é manter ou aumentar o nível de consumo atual, a indústria de carne deve responder
cuidadosamente a esse novo comportamento dos consumidores.
3.3. O Comércio Internacional
Como o comércio de qualquer produto, o comércio da carne bovina depende das vantagens
comparativas em termos dos custos de produção, que estão diretamente relacionados à
disponibilidade de terra, de boas pastagens, de grãos e de condições climáticas adequadas.
O crescimento histórico que se verifica no volume comercializado de carne bovina é resultado
da prosperidade econômica dos novos mercados, das mudanças tecnológicas que permitem que as
características do produto sejam mantidas e do desenvolvimento dos sistemas modernos de
produção. Apesar disso, uma tendência decrescente tem surgido desde o início dos anos 90. As
explicações são o colapso dos mercados da antiga União Soviética e dos países da Europa Central,
a quebra de confiança dos consumidores da América do Norte, da União Européia e do Japão,
afetando enormemente as importações e as reformas na Política Agrícola Comum (CAP) da União
Européia que tem reduzido as exportações.
Em termos de valor, o comércio tem crescido significativamente (Figura 3.5). Os preços de
exportação também têm aumentado, mas flutuado em linha com os ciclos de produção. Picos de
preços foram obtidos nos anos de 1980 e 1990, refletindo períodos de retração nos ciclos de
produção dos Estados Unidos e Europa.
Duas regiões do mundo destacam-se no comércio de carne bovina, em função da incidência
da febre aftosa (Foot and Mouth Disease). A primeira é livre da doença e é formada pelos países
do Pacífico, incluindo os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia e a Ásia. Além da ausência
da febre aftosa, outras características daquela região são os preços relativamente altos em razão da
ausência de subsídios às exportações, e uma forte demanda pela carne produzida a partir dos

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 39
grãos. A segunda área, engloba a União Européia, a Europa Central, o Oriente Médio, a África
e a América do Sul. O comércio nessa região é predominado por grandes volumes oriundos da
União Européia, onde as exportações são subsidiadas e portanto com preços artificialmente
baixos.
A combinação de barreiras sanitárias e preços diferentes nas duas regiões tem como implicação
um pequeno comércio entre elas. No entanto, espera-se uma mudança nessa situação à medida
que os acordos comerciais reduzam as barreiras ao comércio, que os países da América do Sul
atinjam o status de países livres da febre aftosa e que a atração pelos mercados asiáticos torne-se
mais intensa.
Figura 3.5.
Qualidade e valor das exportações mundiais de carne bovina. 1980-1997.

8,000,000

7,000,000

6,000,000 Quantidad
Quantidade
e (Mt)
(Mt)
5,000,000

4,000,000

3,000,000
Valor
2,000,000 (1000$)

1,000,000

0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996

Fonte: Rabobank (1998)


Dentro da região do Pacífico, a Oceania é a maior região exportadora. Austrália e Nova
Zelândia são muito competitivas nos mercados internacionais devido aos preços relativamente baixos
da alimentação natural (pastagens).
Individualmente, a Austrália é o maior exportador mundial de carne bovina, controlando
22% do mercado em 1997. Seus principais mercados são os Estados Unidos e o Japão, para onde
são exportados três tipos de carne bovina: aquelas produzidas à base de pastagens, de grãos e
aquela terminada à base de grãos. Predomina a carne produzida à base de pastagens, mas a capacidade
de produzir à custos relativamente baixos tem aumentado a produção de carne à base de grãos. Na
Austrália, a seca é a maior ameaça enfrentada pelo setor, ao afetar as pastagens e elevar o custo
dos grãos.

40 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As exportações da Nova Zelândia consistem da carne produzida à base de pastagens, e dos
rebanhos especializados na produção de leite e carne. Os Estados Unidos, a China, o Japão e a
Coréia do Sul são os maiores compradores.
Na América do Norte, Estados Unidos e Canadá experimentaram uma grande expansão
das exportações entre 1987 e 1997, devido basicamente às compras do Japão. As exportações
dos Estados Unidos tornaram-se mais competitivas nos mercados internacionais como resultado
dos baixos preços domésticos, de uma taxa de câmbio favorável e por uma preferência do mercado
pela carne resfriada (chilled). Os mercados asiáticos em geral têm apresentado grandes
oportunidades para a expansão das exportações da carne produzida à base de grãos. Os Estados
Unidos são também um grande importador de carne mais barata, produzida à base de pastagens,
para ser utilizada na produção de carne enlatada (corned beef) e hambúrgueres na sua grande
cadeia de fast food.
O crescente mercado asiático é abastecido quase que totalmente pela Austrália e Estados
Unidos. Uma forte demanda regional e um melhor acesso aos mercados em razão das liberalizações
comerciais, permitem prever ainda um crescimento substancial nas exportações para aquela região.
Apesar de estar crescendo em termos absolutos, a participação da região do Atlântico no
comércio mundial de carne bovina tem caído em termos relativos e representava somente 30% do
total em 1997.
Mesmo sem levar em consideração o comércio intra-europa a União Européia constitui-se
no maior exportador regional. Os principais mercados para as exportações da União Européia
estão no Oriente Médio, Norte da África e Leste Europeu. Contudo, o nível das intervenções
internas tem sido reduzido, e os acordos firmados quando da Rodada Uruguai do GATT, começam
a se efetivar, já se verificando uma tendência de queda nas exportações da União Européia. Também,
um acordo especial firmado com a Austrália assegura que a União Européia exporte para a região
do Pacífico, somente sem subsídios, o que afeta a competitividade européia. Tal acordo tem
prejudicado mais a Alemanha, a França e a Dinamarca, que exportam maior quantidade para fora
da União Européia. O futuro das exportações da União Européia vai depender das reformas que
estão sendo efetuadas na sua Política Agrícola Comum, e de como a imagem do produto foi danificada
pelas contínuas crises. O comércio intra-europeu corresponde à aproximadamente 65% das
exportações de carne bovina e é nessa área que a crise da BSE teve um impacto mais significativo.
Segundo a secretaria de agricultura dos Estados Unidos (USDA) o medo da BSE na Europa
representou uma queda de 40% nas exportações da carne. Com a imagem bastante desgastada em
função daquela crise, a Europa vive agora a crise da dioxina.
Alguns países da América do Sul são exportadores tradicionais de carne bovina, como a
Argentina, o Uruguai e o Brasil. A Argentina em 1997, foi considerada pela Organização Internacional
de Epizootias, livre da febre aftosa (por vacinação), e com isso tem conseguido aumentar suas
exportações. Tem conseguido também penetrar em mercados como Rússia, África do Sul e Polônia,
o que tem compensado parcialmente a queda ocorrida nas vendas para a União Européia, Estados
Unidos e Brasil. Juntamente com o Uruguai a Argentina tem negociado com os países da Ásia no

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 41
intuito de ampliar as exportações para aquele mercado. No entanto, a política de risco zero adotada
pelos países asiáticos continua atuando como uma forte barreira ao comércio. No caso do Brasil,
as exportações argentinas têm declinado porque no Brasil a produção tem crescido continuamente,
reduzindo as necessidades de importações.
3.4. O Brasil e o Comércio Mundial
A posição do Brasil como exportador tem se firmado cada vez mais. Nos últimos anos as
exportações aumentaram, apesar da valorização da moeda e da falta de subsídios. A declaração de
que os Estados do Sul do Brasil (Santa Catarina e Rio Grande do Sul), estão livres da febre aftosa
deverá dar um novo incentivo às exportações. A Figura 3.6 mostra as exportações brasileiras de
carne bovina no período de 1980 a 1997 em termos de quantidade e valor nominal. A grande
instabilidade na série é função dos diversos planos econômicos adotados no país, que afetaram
diretamente o poder de compra dos consumidores e conseqüentemente as exportações. Assim é
que, logo após os anos de 1996 (Plano Cruzado), 1990 (Plano Collor) e 1994 (Plano Real), as
exportações caem drasticamente, em razão do aumento do poder de compra pela fixação dos
preços e/ou salários, e da maior demanda pela carne internamente.
Figura 3.6.
Quantidade e valor das exportações de carne bovina do Brasil. 1980-1997.

700000

Valor
600000
(1000US$)
(1000US$)
500000

400000

Quantidade
300000 (Mt)

200000

100000

0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996

Fonte: Rabobank (1998)


As exportações brasileiras de carne industrializada e in natura, por países e/ou regiões de
destino, nos anos de 1993 a 1998, são mostradas na Tabela 3.4. Os países da União Européia
(Países Baixos, Alemanha, Reino Unido, Espanha e Itália) são os principais países de destino das
exportações do Brasil, tanto de carne in natura quanto de carne industrializada, com mais de 70%
do compras de carne in natura em alguns anos. O segundo maior mercado das exportações
brasileiras de carne industrializada é a América do Norte (Estados Unidos e Canadá). As importações
dos EUA, que correspondiam à 22% do total exportado pelo Brasil em 1993, atingiram 37% em

42 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
1998. Contudo, os Estados Unidos e o Canadá não importam nenhuma carne in natura do Brasil.
Ocorreu também alguma exportação de carne industrializada do Brasil para o Japão, naquele
período, mas em quantidades irrisórias. Pode-se notar também, que o Brasil exportou para alguns
países da Ásia (Hong Kong e Cingapura), mas as mesmas têm diminuído à cada ano. Entre os
outros destinos das exportações, destacam-se Israel e Arábia Saudita nas exportações de carne
in natura e, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, nas exportações de carne
industrializada.
Tabela 3.4
Exportações Brasileiras de Carne Bovina, por Países e/ou Regiões de Destino.*
Período 1993/1998. Toneladas.

Países e/ou
Regiões 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Industrializada
União 79299 63218 57543 48230 46779 53090
Européia (61,18) (57,25) (60,40) (55,02) (53,40) (50,06)
América do 29690 28098 20835 25900 30495 39711
Norte (22,90) (25,45) (21,87) (29,55) (34,81) (37,44)
Japão 1067 722 158 905 677 625
(0,82) (0,65) (0,17) (1,03) (0,73) (0,59)
Outros 19563 18345 16708 12616 9644 12625
(15,09) (16,62) (17,54) (14,39) (11,00) (11,90)
Total 129619 110383 95243 87650 87596 106050
in natura
União 46542 44435 26947 35622 37699 49478
Européia (46,89) (56,45) (71,85) (76,35) (71.89) (61,19)
Ásia 12530 12024 5679 4251 4036 4986
(12,62) (15,27) (15,14) (9,11) (7,69) (6,16)
Outros 40106 22254 4873 6778 10677 26252
(40,40) (28,27) (12,99) (14,53) (20,36) (32,47)
Total 99261 78718 37505 46656 52441 80850
Total Geral 228880 189101 132748 134306 140037 186900

Fonte: Anualpec
* Os valores entre parênteses representam valores percentuais.
A Figura 3.7 mostra a evolução da percentagem das exportações de carne bovina, de acordo
com o tipo, no período compreendido entre 1985 e 1997. Pode-se notar que a carne bovina
industrializada tem prevalecido nas exportações brasileiras com tendência decrescente nas
exportações de carne in natura. As exportações de carne com osso e de carne salgada seca ainda
persistem, mas com tendência a desaparecer.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 43
Em termos de acesso aos mercados, as exportações brasileiras têm enfrentado restrições em
quase todos os países. Nos Estados Unidos, onde existe uma cota global para a carne bovina em
torno de 700 mil toneladas, Austrália e Nova Zelândia têm cotas de aproximadamente 380 e 210
mil toneladas, respectivamente, enquanto o Brasil tem que competir com outros países por uma
cota de 65 mil toneladas. Acordos sanitários bilaterais têm facilitado o acesso ao mercado dos
Estados Unidos, e ao Uruguai e Argentina foram concedidas cotas de 20 mil toneladas. No mercado
europeu, existe a chamada cota Hilton, que funciona como “uma compensação” dada pela União
Européia aos países exportadores de carne bovina, pelos prejuízos causados por suas políticas
agrícolas protecionistas. A cota Hilton envolve cortes selecionados com altos preços, e de maneira
geral, uma tonelada dessas carnes equivalem à várias toneladas das partes de qualidade inferior. A
cota atual do Brasil é de 5 mil toneladas, enquanto aquela da Argentina é de 28 mil toneladas. Além
da cota Hilton, a União Européia determina outra cota para carnes transformadas (cota GATT),
com o volume variando de acordo com as necessidades dos países que compõem a União Européia.
No ano de 1998, a cota GATT foi fixada em de 53,7 mil toneladas, sobre as quais a incidência
de impostos é menor. No mercado asiático e, principalmente no Japão, os problemas são as rigorosas
barreiras sanitárias aliadas às tarifas de importação.
Figura 3.7.
Exportação percentual de carne bovina por tipo. Brasil. Período de 1985 a 1997

70.00

60.00 Carne Bovina


com Osso
50.00

Carne Bovina
40.00 Desossada

30.00
Carne Seca
Salgada
20.00

10.00 Carne
Industrializada

0.00
1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997

Fonte: Rabobank (1998)


O Brasil é também um importador ocasional da carne bovina. A demanda pela carne bovina
mais barata tem aumentado principalmente entre a população de baixa renda. Com as melhorias
nas pastagens, nas rações e no manejo, o ganho de peso e a produção doméstica tem aumentado,
o que certamente vai evitar futuras importações.
As importações brasileiras, no período de 1995 a 1998, são mostradas na Tabela 3.5. Os
valores apresentados referem-se às importações de carne in natura, pois as importações de carne

44 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
industrializada são mínimas. A quase totalidade das importações (mais de 95% ) tem como origem
os parceiros comerciais do Mercosul. Pode-se verificar, no entanto, que as importações da Argentina
têm-se reduzido, enquanto aquelas do Uruguai têm aumentado. As importações dos Estados Unidos
aumentaram em termos absolutos e relativos no período, enquanto aquelas oriundas de outros
países (Irlanda, Dinamarca, Austrália e Itália) têm correspondido a menos de 1% do total.
Novamente, chama-se a atenção para o aumento das importações que ocorreu com a implantação
do Plano Real (1994), devido ao aumento do poder de compra dos consumidores domésticos e à
política de sobrevalorização da moeda nacional.
Tabela 3.5
Importações Brasileiras de Carne Bovina in natura, por Países de Origem.*
Período 1994 -1988. Toneladas

Fonte: Anualpec

* Os valores entre parênteses representam valores percentuais.

Um balanço entre importações e exportações no caso brasileiro, mostra que o saldo tem
sido favorável ao País. Há uma tendência de redução nas importações pelo contínuo aumento na
produção interna, e uma tendência de crescimento na exportações pela liberalização dos mercados.
Como meta, a Agência de Desenvolvimento de Agronegócios estabelece que as exportações
brasileiras cresçam dos 430 milhões de dólares em 1997 (2,5% do mercado mundial), para 4,4
bilhões (20% do mercado), no ano de 2002. Contudo, não se deve esquecer os problemas a serem
enfrentados nesse mercado, como a queda relativa de preços dos bens substitutos (carnes de
frango e de porco), as mudanças de hábito alimentar relacionadas à uma alimentação “mais saudável”
e de maior conveniência, as barreiras comerciais (tarifárias, sanitárias e ambientais) e os problemas
macroeconômicos (desvalorizações cambiais e instabilidade de preços), que certamente terão papel
fundamental no atingimento daquela meta, inclusive por serem muitos deles independentes das
decisões nacionais.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 45
4. CARACTERIZAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA DE CARNE BOVINA
4.1. Aspectos Institucionais
4.1.1. Introdução
Os fluxos de produto no sentido de produção – distribuição, e de informações e recursos
monetários, no sentido oposto, ocorrem sob um complexo aparato de normas, regulamentos,
mecanismos e políticas públicas, cujas características afetam diretamente a performance global.
Nesta seção são abordados temas relativos a esses aspectos na seguinte ordem: efeitos do Plano
Real sobre a cadeia produtiva, alguns aspectos do comércio internacional de carne bovina, programas
de produção de novilho precoce, tributação, alterações recentes na legislação sanitária, fiscalização,
impactos econômicos e perspectivas de erradicação da febre aftosa, criação de agências de defesa
agropecuária, disponibilidade de crédito, disparidade e ausência de informações estatísticas, e P&D
na cadeia de carne bovina e coordenação dos agentes da cadeia.
4.1.2. Efeitos do Plano Real sobre a Cadeia Produtiva
As reformas em curso na economia desde o início dos anos 90 e o Plano Real estabeleceram
novos parâmetros para todas as atividades produtivas do país. O ambiente econômico transformou-
se rapidamente, obrigando os agentes a abandonarem comportamentos típicos de um ambiente
inflacionário e fechado à concorrência internacional.
Por um lado, o controle da inflação e a estabilidade de preços agrícolas desde o Plano Real
modificaram o papel que a terra cumpria como ativo especulativo, reserva de valor. Atividades
pouco intensivas, como a pecuária tradicional, passaram a remunerar insuficientemente o capital
imobilizado em terras, levando a substituição por outras mais rentáveis. Por outro, o regime cambial
adotado até janeiro de 1999, que resultou na sobrevalorização do real, tornou as exportações
brasileiras de carne bovina menos competitivas.
O processo, em curso, de reestruturação do setor, é afetado pelos sobressaltos da política
macroeconômica. O padrão de financiamento externo adotado a partir da implantação do Plano
Real para fazer frente aos crescentes saldos negativos na conta corrente do balanço de pagamentos
mostrou-se insustentável. As crises asiática e russa demonstraram a fragilidade das políticas
monetária e cambial brasileira, forçando o governo a adotar medidas de ajustamento que
culminaram no acordo com o FMI no final de 1998. O governo passou a tomar medidas de
contenção de gastos, elevação de impostos e manutenção de taxas de juros extremamente
elevadas.
No final de 1998, já havia consenso entre os analistas de que o PIB deveria cair em 1999.
Do ponto de vista da cadeia de carne bovina os impactos não eram claros. De um lado não se
esperava queda abrupta do consumo, pois os alimentos têm um comportamento mais estável do
que os bens menos essenciais. Era previsível, no entanto, que o desemprego e a queda na renda
induziriam a um movimento descendente na qualidade da demanda, o que favoreceria os cortes
mais baratos de carne bovina e a carne de frango. Por outro lado, a crise poderia manter reduzida
a oferta de crédito para toda a economia. O aumento da inadimplência, a contração das fontes

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 47
externas de recursos e o aumento das taxas de juros deveriam reforçar um comportamento cauteloso
na concessão do crédito (Faveret Filho, 1998).
Em janeiro de 1999, a política de taxas de juros elevadas e o acordo com o FMI, com metas
definidas de ajuste fiscal, mostraram-se insuficientes para manter o regime cambial de bandas.
Diante do rápido esgotamento das reservas, o governo foi obrigado a abandonar sua política de
sustentação da paridade do real em relação ao dólar e permitiu que a moeda se desvalorizasse.
Essa desvalorização, a muito reivindicada por diversos setores empresariais, tornou as exportações
brasileiras mais competitivas, ao mesmo tempo que onerou produtos importados. No setor de
carne bovina, frigoríficos, pecuaristas e analistas estimavam um crescimento de até 40% das
exportações em 1999, passando de 345 mil toneladas em 1998 para 485 mil toneladas. Existe
consenso de que a desvalorização beneficiou o Brasil em relação a carne argentina, cujos preços
permanecem atrelados ao dólar (Agência Estado, 1999).
O impacto positivo, entretanto, foi sentido pelos frigoríficos voltados para exportação. Alguns
foram reabertos e outros passaram a operar com 100% de sua capacidade, adquirindo carcaças
de outros frigoríficos e expandindo sua própria capacidade. A desvalorização parece ter sido
suficiente para compensar a pressão tanto por parte dos importadores, que forçaram a obtenção
de descontos, como por parte dos pecuaristas, que inicialmente passaram a segurar o boi gordo no
pasto, forçando a valorização, em reais, da arroba do boi1.
Não há dúvidas quanto à melhoria da competitividade do País nas exportações de carne,
mesmo admitindo uma elevação nos custos em moeda nacional. Porém, para a maioria dos frigoríficos
que operam no mercado interno, a expansão nos custos de produção foi acompanhada por uma
estagnação na demanda devido à crise econômica. Essa demanda, que já não se mostrava expressiva,
tende a ter um efetivo desvio para alternativas mais acessíveis, como frango e ovos. Com os preços
mais altos da carne bovina e com os mesmos padrões salariais (queda de poder aquisitivo), espera-
se uma queda na demanda interna. De fato, a capacidade ociosa nos frigoríficos voltados para o
mercado interno tem atingido 80% em alguns estados. Para as empresas em que há espaço para
exportação, certamente o quadro é menos grave (Molinari, 1999).
4.1.3 Alguns Aspectos do Comércio Internacional de Carne Bovina
Durante o desenrolar da Rodada Uruguai do GATT (encerrada em dezembro de 1995), o
Brasil, para defender os seus pleitos na área agrícola, articulou-se com o grupo de Cairns (alguns
países agroexportadores) e apoiou a campanha anti-subsídios dos Estados Unidos. Conforme foi
acertado na OMC, os preparativos para a próxima rodada deverão começaram em 1999 e um
programa de trabalho para a área agrícola está sendo organizado pelo Comitê de Agricultura da
organização.

¹ O preço da arroba do boi em dólar despencou após a mudança cambial, e os pecuaristas retraíram as vendas. O bom regime de
chuvas em toda a região Centro-Sul permitiu que àqueles que tinham boi para venda pudessem optar pela paralisação das vendas. O
quadro, que caminhava para uma baixa de preços em moeda nacional, acabou se revertendo completamente com a mudança
cambial.

48 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
O Brasil está em posição confortável para aumentar fortemente sua influência e beneficiar-se
das futuras negociações da OMC. Nesse sentido, é fundamental que os países do Mercosul atuem
como um grupo nas próximas negociações. É provável que a principal pressão para abertura dos
mercados venha dos EUA, Canadá, Argentina e outros exportadores.
O enquadramento do RS e SC como áreas livres de aftosa (por vacinação) coloca novas
perspectivas e problemas a serem resolvidos. No âmbito do Ministério da Agricultura e demais
órgãos envolvidos com questões ligadas à exportação de carne foram propostas ações no sentido
de agilizar os procedimentos, como é o caso dos acordos sanitários com outros países. A idéia é
simplificar o caminho para os empresários saírem em busca de novos mercados para a carne bovina
(DBO Rural, jul. 1998).
O fato de o Sul do Brasil, Uruguai e Argentina terem boa situação em relação à febre aftosa
é bastante promissor, pois permitiria articulações comerciais visando atender o mercado externo. O
rebanho argentino diminuiu nos últimos dois anos e aquele país tem enfrentado sérias dificuldades
para cumprir contratos negociados no exterior. O Brasil tem apenas dois estados considerados
livres da febre aftosa, mas sua produção é pequena. A Argentina tem comprado o produto da
Austrália e da Nova Zelândia e, com isso, a pecuária brasileira deixa de beneficiar-se como
fornecedora do parceiro comercial do Mercosul.
Os EUA estabelecem uma cota global para carne bovina por eles importada. Em 1997, esta
cota era de 696.621 toneladas. Destas, 378.214 foram para a Austrália, 213.402 para a Nova
Zelândia, 20 mil tanto para a Argentina quanto para o Uruguai e 64.805 para outros países sem
especificação, todas sujeitas a acordos sanitários bilaterais (Baldinelli, 1997). A cota argentina foi
negociada em 1994 na Rodada Uruguai do GATT, entrando em vigência em 1997, quando foram
solucionadas as restrições sanitárias até então existentes (Argentina foi considerada livre da febre
aftosa).
Existe também a chamada cota Hilton, que se refere ao tratamento que a UE concede a
cortes especiais de carne bovina. Teve origem na Rodada Tokio do GATT em 1979 e está atrelada
a uma compensação que a UE oferece a alguns países pelos prejuízos que suas políticas agrícolas
protecionistas causam. Os cortes Hilton são partes selecionadas de alto preço. Dessa maneira, a
UE pode oferecer compensação importando alimentos de alto preço, mas de baixo volume. Esses
cortes especiais são vendidos fundamentalmente em países mais ricos, principalmente a Alemanha,
que possuem consumidores de maior poder aquisitivo e capazes de pagar os altos preços cobrados
nos lugares onde são servidos, geralmente restaurantes e hotéis de luxo. Daí serem informalmente
conhecidos como cortes Hilton. Inicialmente, os EUA obtiveram uma cota de 10 mil toneladas
anuais, a Argentina e Austrália 5 mil cada, o Uruguai 1 mil. O Brasil obteve uma cota menor e o
Canadá juntou-se à cota dos EUA. A Argentina, assim como outros países, obteve aumentos
expressivos como compensação pelos danos causados pela entrada da Grécia, Portugal e Espanha
na UE, bem como pelos prejuízos nas exportações de oleaginosas. Hoje a cota Argentina alcança
28 mil toneladas e a do Brasil 5 mil. Em 1996, aproximadamente 1/3 do valor das exportações
Argentinas eram constituídos por esses cortes. Cabe notar que os cortes Hilton representam apenas
entre 5% e 10% do peso de uma rês (Baldinelli, 1997).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 49
O acordo Agrícola da Rodada Uruguai do GATT estabeleceu uma cota para as importações
de carne bovina por parte da UE. Nesta cota, estão incluídas a cota Hilton e outras cotas especiais,
sendo o volume restante chamado de cota GATT. Trata-se, portanto, de um resíduo que compreende
carnes congeladas in natura sobre as quais incide um Import Levy (ou “direito fiscal
compensatório”), cujo valor nivela os preços dos produtos importados aos preços praticados no
mercado doméstico (Jank, 1996).
4.1.4. Programas de Produção de Novilho Precoce
A reestruturação da cadeia de carne bovina no Brasil tem sido levada a cabo mediante
inúmeras ações de instituições públicas e privadas, não raro atuando conjuntamente. dentre os
programas existentes, destacam-se aqueles voltados para a erradicação da febre aftosa e os
programas estaduais de incentivo à produção de novilho precoce. Existem ainda as alianças
mercadológicas, geralmente atreladas aos programas de novilho precoce.
A Associação Brasileira de Novilho Precoce procurou, por muitos anos, sensibilizar criadores,
autoridades governamentais e os segmentos industrial e comercial a promoverem ações visando à
melhoria da produção e produtividade do rebanho bovino, bem como a oferta aos consumidores
de uma carne de melhor qualidade. O primeiro resultado de maior impacto dessa ação ocorreu em
1992, quando foi lançado pelo governo do Mato Grosso do Sul o primeiro Programa Estadual de
Estímulo à Criação do Novilho Precoce, iniciativa seguida pelo Estado do Mato Grosso, em 1993,
pelos Estados de Minas Gerais e Goiás, em 1994, e São Paulo, em 1995. Os Estados do Paraná,
Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia também contam hoje com programas desta natureza.
Por meio da redução do ICMS e/ou estabelecimento de linhas especiais de financiamento,
como na Bahia, procura-se incentivar o abate de bovinos jovens. Em alguns estados, a redução do
ICMS chega até 50% da taxa normal por ocasião do abate. Entretanto, esse estímulo tem sido
comprometido pela sonegação fiscal e, em alguns estados, onde o ICMS já se encontra reduzido
para a atividade, o ganho não é significativo. Na verdade, o verdadeiro estímulo para o pecuarista
tende a ser o fato de que ele pode ganhar simplesmente por estar vendendo um animal muito mais
jovem e de melhor qualidade. O sistema de produção de novilho precoce apresenta maior produção
por área, com melhor rentabilidade e maior lucro2. Para os frigoríficos, a vantagem encontra-se na
possibilidade de se obter um animal com maior rendimento de carcaça e de melhor qualidade. É
comum os pecuaristas receberem um prêmio, que pode chegar a 2% sobre a cotação da arroba.
As novilhas, geralmente desvalorizadas no sistema tradicional, são cotadas ao mesmo preço do
novilho nesse novo sistema. Para maiores detalhes sobre as vantagens técnicas e econômicas do
sistema de produção do novilho precoce ver seção 4.4.

² Estudo realizado pela FNP Consultoria & Comércio comparou três sistemas de produção: Sistema 1, produção de bovinos para
abate com 32-36 meses; Sistema 2, produção de bovinos precoces para abate com 22-24 meses; e Sistema 3, produção de bovinos
superprecoces para abate com 13-14 meses. O Sistema 2, produção do novilho precoce foi o que exibiu melhor rentabilidade,
porque tira proveito do baixo custo e do elevado rendimento da recria a pasto e o confinamento, na fase de terminação, permite
eliminar uma geração de bovinos do pasto, abrindo espaço para o aumento do rebanho de cria. Anualpec 98 Anuário da Pecuária
Brasileira. FNP Consultoria & Comércio, São Paulo 1998.

50 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Os programas de novilho precoce estão, geralmente, associados à formação de alianças
mercadológicas entre produtores, frigoríficos e supermercados para comercialização de carnes
diferenciadas, sendo a primeira delas criada no Rio Grande do Sul. Em 1999, já haviam várias
alianças constituídas no país (RS, SP, BA, MT, MG e SC). (Sobre as alianças mercadológicas ver
Capítulo 4.3).
A seguir são destacados alguns programas estaduais:
4.1.4.1. Programa Novilho Precoce no Estado do Mato Grosso do Sul
O programa foi lançado em janeiro de 1992 e teve como passos iniciais a criação de uma
câmara setorial consultiva, na qual congregava interesses dos diversos elos da cadeia. Adotou-se
um incentivo fiscal de 33,33%, com adicional de 16,16% para aqueles pecuaristas que dispusessem
de informações completas e detalhadas de seu processo de produção (Pinto, 1995). A princípio,
os pecuaristas não recebiam prêmio ao fornecer, para a aliança mercadológica do Estado, os seus
novilhos precoces. A vantagem encontrava-se no fato de que os frigoríficos pagavam o mesmo
preço do boi gordo pelas novilhas (DBO Rural, jun. 1998). Em nossa pesquisa de campo, pôde-se
constatar que os incentivos para a expansão do sistema de criação não tem sido nem preço nem
redução da tributação, mas o fato do pecuarista ter descoberto ser esse um meio de girar o seu
capital em tempo mais curto. A criação de novilho precoce, embora não seja uma prática generalizada
é uma realidade constatada não apenas no Mato Grosso do Sul, mas em todo o Centro-Oeste. A
queda na idade média do abate é forte evidência e conseqüência de sua aceitação. No estado, em
1999, integravam o programa aproximadamente 1200 produtores.
4.1.4.2. Programa de Carne Qualificada de Bovídeos no Estado de São Paulo
O programa foi lançado em 1995 com objetivo de reduzir a idade de abate para os bovinos
de corte, e aumentar a oferta de carne de melhor qualidade, especialmente no período de entressafra.
Para induzir o crescimento do nível tecnológico, utilizou-se de mecanismos de benefícios fiscais,
mediante redução do ICMS na forma de crédito presumido, para animais abatidos precocemente.
Com o novo sistema de tributação, a produção normal teria um imposto de 7%, enquanto a incentivada
pagaria uma média de 4,37% (Anjos, 1995). Para 1999, a previsão é de abate de pelo menos
52.000 novilhos (DBO Rural, set. 1998). No início de 1999, haviam aproximadamente 200
pecuaristas participando do programa (sendo que destes apenas 95 estavam abatendo e 15
respeitando a freqüência de abate). Participavam da aliança mercadológica formada sob coordenação
do FUNDEPEC apenas um frigorífico e uma rede de supermercados.
4.1.4.3. Programa Estadual de Apoio à Produção de Novilho Precoce – Minas Gerais
Lançado em 1994, o programa oferece ao pecuarista produtor de novilho precoce um incentivo
fiscal, via redução de crédito presumido, de 50% do valor do ICMS. Sendo 7% o valor do ICMS
calculado quando da venda de animais, o pecuarista recebe pela produção do novilho precoce
mais 3,5% do seu valor de venda (peso final). O programa é coordenado pela Secretaria da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, contando com a participação da EMATER–
MG, IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária), Ministério da Agricultura e Secretaria de Estado da
Fazenda.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 51
4.1.4.4. Programa Novilho Precoce – Bahia
O pecuarista cadastrado no programa é beneficiado com incentivo fiscal de 3,5% da pauta
do ICMS e é recomendado para financiamento em bancos oficiais, especialmente o Banco do
Nordeste. Existe uma parceria entre a Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária, a
EBDA (pesquisa agropecuária) e a EMBRAPA para realização de assistência técnica e treinamento
de pecuaristas e seus funcionários visando melhorar o manejo e a gestão da propriedade. O Banco
do Nordeste destina uma linha de crédito (FNE/BNDES/PROGER – FAT/PRONAF) para
pecuaristas que comprovadamente utilizem a tecnologia recomendada para produção de novilho
precoce e estejam localizados nas regiões estabelecidas. Objetiva-se viabilizar a adoção de
tecnologias que propiciem a redução da idade de abate para no máximo 30 meses. A primeira
aliança mercadológica já está em funcionamento e compreende uma cooperativa de pecuaristas,
um frigorífico e uma rede de supermercados. Até 1998, existiam 717 pecuaristas cadastrados e
600 ativos. Em 1996, quando iniciou-se o programa, foram abatidos 541 animais, crescendo este
número para 13.895 em 1997 e 27.999 em 1998. O maior número de produtores concentra-se no
extremo sul do Estado.
Em 1996, foi proposto o Programa de Produção do Novilho Precoce como Projeto
Estratégico Selo Agrícola do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. A proposta tinha como
fundamentação a importância estratégica da certificação e da avaliação de conformidade no processo
de formação de blocos econômicos e de redução de barreiras não-tarifárias, no qual o Brasil deve
ocupar posição de destaque nas negociações já desencadeadas.
Em novembro de 1997, o Ministério da Agricultura lançou o selo de qualidade da carne
bovina, marcando a abertura do 2o Encontro Nacional do Novilho Precoce. A proposta de
certificação ainda encontra-se em discussão, sem que tenha ocorrido avanços significativos. Esse
tema tem se tornado de extrema importância, dado que em período recente tem aumentado no país
o número de propostas de certificação e selos de qualidade. Esse excesso tende a prejudicar uma
possível estratégia de conscientização do consumidor em relação aos atributos de qualidade da
carne bovina, pois poderá levar à uma proliferação de conceitos e marcas que confundem mais do
que informam.
O Programa Nacional de Carne Bovina de Qualidade/Novilho Precoce tem sido executado
por meio do Programa Novas Fronteiras do Cooperativismo (PNFC), do MAA, e tende a crescer.
Segundo dados do PNFC, em 1997, o abate esteve ao redor de 1 milhão de cabeças, ou 4% do
total de matanças brasileiras de bovinos, e espera-se chegar a 3 milhões ou 12% do total nos
próximos dois ou três anos. Para isso, procurar-se-á aumentar o número de produtores credenciados
e de estados com Alianças Mercadológicas em operação. O PNFC atua por meio de assessoria,
cursos, palestras, dias de campo, workshops, etc., tratando de vários temas desde a produção até
marketing. Recentemente, foi firmado um convênio com o FUNDEPEC de São Paulo com o
objetivo de repassar a experiência paulista para o Brasil. Trata-se do Projeto Desenvolvimento da
Cadeia Mercadológica de Carne com Qualidade. Está previsto também o desenvolvimento de um
software de gestão e rastreabilidade.

52 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Em março de 1998 foi lançado o Programa Nacional do Novilho e da Novilha Superprecoce,
desenvolvido pela Unesp de Botucatu e a Assocon – Associação Nacional dos Confinadores, com
o apoio do governo federal, empresas e outras Universidades e Institutos de Pesquisa. O programa
visa aumentar a taxa de desfrute dos rebanhos bovinos, abatendo animais aos 12 e 13 meses de
idade. O pecuarista integrado ao programa será assistido diretamente pela diretoria técnica da
Assocon e pelos Núcleos Regionais de Tecnologia e Produção de Novilhos Superprecoces. Todos
os pecuaristas do Brasil podem participar do programa desde que estejam integrados aos Núcleos
Regionais (Revista dos Criadores, abr. 1998).
Avalia-se que é cedo para afirmar que os programas de melhoria da qualidade da carne e
alianças mercadológicas não alcançaram os resultados esperados. Alguns fatores em particular
tornam essas iniciativas lentas e difíceis de serem institucionalizadas na cadeia de gado de corte no
Brasil. A primeira delas é o fato de tratar-se de uma iniciativa que envolve conscientização e adesão
de diferentes agentes e empresas da cadeia produtiva. Essa conscientização acaba por trazer uma
busca de mudança na cultura de condução do negócio (em cada elo da cadeia produtiva) e inclui
um processo de aprendizagem de novas formas de competição e cooperação pelos agentes. Outro
fator a ser considerado é a mudança que deve acontecer no comportamento de compra do
consumidor final, que pouco a pouco, a partir da mercadoria estar disponível no ponto de venda
com regularidade, começa a experimentar e tornar-se cliente do produto diferenciado.
Esses fatores, trazem uma série de conseqüências. Por exemplo, para que o varejo compre
e disponibilize em algumas lojas o produto de uma aliança, é preciso que haja regularidade de
entrega, em quantidades e qualidade, fatores estes que são de responsabilidade do frigorífico e do
pecuarista, que levam um certo período de tempo para oferecer tal garantia. Em troca, ele deve
oferecer aos frigoríficos e produtores participantes da aliança um feedback sobre o comportamento
dos consumidores em seus pontos de venda. Para que uma aliança cresça e gere benefícios nos
moldes de uma autêntica parceria na cadeia de carne bovina, Fearne (1998) sugere que os seus
integrantes resistam à oportunidades de aceitar, comprar ou vender produtos fora da aliança,
considerem os retornos a serem advindos da aliança sob a ótica de longo prazo e mantenham-se
independentes, mas trabalhando de forma a criar sinergia com seus parceiros nas mais diversas
atividades produtivas.
4.1.5. Tributação
No final da década de 70 até meados dos anos 80, as alíquotas do então ICMS para
produtos agropecuários variavam de 4,52% a 17,8%, dependendo do estado. A partir de 1984, a
alíquota de ICMS passou a ser de 17% e única em todo o Território Nacional. Tem-se atribuído a
esse aumento de tributação a ampliação da economia informal, com reflexos diretos sobre o abate
clandestino, e a conseqüente queda na qualidade da carne oferecida à população. Dados evidenciam
que à medida que a alíquota foi elevada, houve aumento na sonegação e, conseqüentemente, uma
arrecadação relativamente menor (Anjos, 1995). Em 1992, o Convênio ICMS nº 83 autorizou a
redução de base de cálculo de produtos da cesta básica. Assim, vários estados incluíram os produtos
pecuários nas respectivas relações de produtos com alíquota de 7% autorizada pelo convênio
(Petti, 1996). Entretanto, parcela significativa dos produtos saídos do setor escapam ao pagamento

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 53
de impostos, seja devido ao abate clandestino, seja devido à sonegação no abate legalizado. Por
não arcar com impostos, a carne clandestina pode chegar aos açougues e ao consumidor 30% mais
barata (Revista Nacional da Carne, 1998).
Existe ainda uma guerra fiscal entre os estados, onde cada governo tenta proteger sua produção
e suas empresas, mas acaba prejudicando, principalmente, os frigoríficos de fronteira, que precisam
comprar animais de estados vizinhos, pagando impostos mais elevados. Isso prejudica também os
pecuaristas que tentam obter melhores preços em outros estados. No Mato Grosso do Sul, por
exemplo, o ICMS para a carne desossada destinada para fora do Estado é de 2%, enquanto o
ICMS para boi vivo destinado para fora do Estado é de 12%. O conjunto de regimes especiais e
incentivos fiscais naquele estado tem sido bem sucedido no sentido de atrair frigoríficos. É comum
a prática de proteger os frigoríficos locais elevando-se o valor da pauta para níveis considerados
fora do contexto de mercado3. Assim, se o pecuarista deseja vender o gado gordo para São Paulo,
precisa recolher antecipadamente alíquota de 12%, sobre animais que supostamente pesam 18
arrobas, o que inibe a venda de gado para fora do Estado. O Estado de São Paulo, por sua vez,
incentivou a reabertura de frigoríficos isentando totalmente o ICMS (que era de 7%) na compra de
gado efetuada dentro do Estado. Práticas de proteção semelhante aos exemplos acima são
observadas em vários Estados da Federação.
A fragilidade financeira da indústria frigorífica tem sido atribuída em boa parte à concorrência
predatória das empresas que sonegam, o que é favorecido pelas elevadas alíquotas do ICMS.
Muitos frigoríficos constituem uma firma oficial para fins fiscais, e mantêm um nome permanente
para uso externo. Uma vez por ano, geralmente, dão baixa na firma oficial e criam outra como
forma de livrar-se dos débitos fiscais.
Pecuaristas e frigoríficos, por meio de suas entidades representativas, têm recorrentemente
proposto a redução do imposto e a equalização de sua cobrança pelos estados. Contudo, nem a
União nem os Estados concordam com qualquer proposta que implique renúncia fiscal e perda de
arrecadação.
A Associação Brasileira da Indústria Frigorífica (ABIF) e o Sindicato da Indústria do Frio
do Estado de São Paulo (Sindifrio) conseguiram que a carne fizesse parte da cesta básica. Porém,
esperava-se uma redução, e até exclusão de alguns impostos, mas isso ainda não aconteceu (Revista
Nacional da Carne, dez. 1998). Existe a expectativa de redução do ICMS, tanto na carne como
nos demais produtos considerados na chamada cesta básica, seja contemplada na reforma tributária4.
A ABIF defende a adoção da uniformização tributária, em termos nacionais, e a isenção de impostos
como o PIS/Cofins para os alimentos que compõem a cesta básica5.

3
Valor da pauta aplicado em vendas interestaduais para efeito de cálculo do ICMS.
4
Segundo Resende, a desoneração do ICMS na cesta básica teria um impacto equivalente ao aumento de 10% a 11% no salário
mínimo (DBO Rural, abril 1998).
5
Equiparar o ICMS e as pautas fiscais dos Estados inibiria a guerra fiscal. Revista Nacional da Carne, n. 246, p. 6-10, agosto 1997
(Entrevista com sem espaço Antônio Russo Neto, presidente da ABIF). O Ministro da Fazenda Pedro Malan, em recente reunião
coordenada pela CNA, garantiu que deverá negociar com os governadores uma maneira de reduzir a carga tributária incidente sobre
a pecuária de corte (Folha de Paraná, 7/2/98).

54 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As barreiras políticas para a uniformização ou isenção do ICMS são enormes. Argumenta-
se que o ICMS é importante fonte de receita governamental nos estados onde a pecuária bovina
tem uma grande participação na geração da renda e este seria o maior obstáculo para sua eliminação.
Entretanto, deve-se destacar que esses estados vêm sistematicamente renunciando a cobrança
desse imposto como mecanismo de atração de investimentos (vários frigoríficos instalaram-se na
região atraídos, entre outros fatores, pelo incentivo fiscal). Na verdade, a eliminação do ICMS
pode significar muito mais o fim de uma arma na guerra fiscal do que uma redução de receita.
Fernando Resende, presidente do IPEA, mostra-se cético quanto à possibilidade de o governo
vir a mexer, a curto prazo, no imposto e nos encargos sociais (FUNRURAL, PIS, Cofins). Hoje,
os 3,65% cobrados de PIS e Cofins sobre o faturamento das empresas incide em cascata. Além da
seguridade social, isso envolve recursos de estados e municípios que não estão dispostos a negociar
(DBO Rural, abril 1998).
Outro problema relativo à tributação diz respeito à fixação da pauta sobre a qual incide o
ICMS. O cálculo do ICMS é feito em uma base fixa – chamado “preço de pauta’’ – que corresponde
ao valor de um bovino terminado padrão. Há estímulo para o abate de animais com peso acima do
padrão, o que reduz as despesas tributárias sobre a receita dos frigoríficos, mas desincentiva o abate
de animais jovens de melhor qualidade.
A redução do ICMS nos programas de novilho precoce foi uma tentativa de solucionar o
problema acima. Por meio dos programas, o produtor pode conseguir até 50% de redução de impostos.
Vale ressaltar que o ICMS atualmente cobrado em alguns estados sobre a comercialização de bovinos
tem sido reduzida para valores muito baixos, o que reduz significativamente o efeito do incentivo fiscal.
Para os governos, entretanto, a produção do novilho precoce representa a antecipação de dois anos
na arrecadação, além da elevação dessa arrecadação em função do aumento da produção.
Um outro efeito esperado da redução do ICMS, em alguns estados, é a queda no abate
clandestino. Contudo, esse é um efeito cuja dimensão ainda está por ser medida. Devemos observar
que a clandestinidade não está vinculada apenas à cobrança de ICMS, mas também à cobrança de
outros tributos (Cofins, FUNRURAL) e, principalmente, aos custos relativos ao atendimento da
legislação sanitária (que é um custo inerente aos frigoríficos legalizados e fundamental para garantir a
segurança dos alimentos). Muitos frigoríficos recentemente instalados no Centro-Oeste, por exemplo,
receberam significativa isenção fiscal e nem por isso o abate clandestino foi eliminado na região. Além
disso, a sonegação não é uma característica apenas dos clandestinos, mas também de muitos agentes
legalmente constituídos e, não raro, com a conivência dos governos estaduais. Isso significa que,
mesmo que a tributação seja zero, ainda assim haveria incentivo e disposição para a clandestinidade.
A mudança do local de desossa da carne poderá também trazer aumento da arrecadação,
como conseqüência, do maior valor agregado à carne. A magnitude do valor oferecido à tributação
também seria maior e os serviços de arrecadação, via diminuição da área de atuação dos abates
clandestinos, seriam facilitados (TecnoCarnes, nov./dez.1996).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 55
Tabela 4.1.1
Tabela Principais tributos incidentes na cadeia de carne bovina
Alíquota (%) Base de Cálculo Incidência na Cadeia Características
PIS 0,65 Faturamento Todas as empresas Cascata
COFINS 2,1 Faturamento Todas as empresas Cascata
CPMF 0,38 Movimentação Toda a cadeia (pessoas Cascata
financeira física e jurídica)
CSLL 8 Lucro líquido Todas as empresas Cascata
ITR 0,03 a 20 Valor da terra nua Pecuária Depende do grau de
utilização e tamanho do
imóvel
INSS 2,1 Faturamento Pecuária Não pode ser diferido
(FUNRURAL)
ICMS 0 a 12% Valor agregado Todas as empresas Principal objeto da guerra
fiscal

Quadro 4.1.1
Impacto das contribuições cumulativas PIS, COFINS e CPMF
(exemplo hipotético)
Suponha uma cadeia produtiva que compreenda 6 elos, correspondendo 5 transações de
compra e venda (por exemplo, Criador Recriador Frigorífico Atacadista Varejista
Consumidor). Suponha ainda que as transações tenham os seguintes valores em Reais: 100,
110, 120, 130 e 140 (ver Tabela abaixo). Ou seja, o valor adicionado na primeira transação é 100,
ao qual serão adicionados 10 em cada transação subseqüente. Considera-se neste exercício apenas
o impacto do PIS, da COFINS e da CPMF. Sobre as transações 1 e 2, supõe-se apenas a
incidência da CPMF, dado que PIS e COFINS não incidem sobre os pecuaristas. Considerando
que a soma das alíquotas (PIS+COFINS+CPMF) é igual a 3,13%, esta será a alíquota incidente
sobre as transações 3, 4 e 5.
Nessa cadeia produtiva seriam pagos R$ 13,45 de tributos em cascata sobre um valor
adicionado total de R$ 140,00 , ou seja, 9,6%.
Simulação do impacto das contribuições cumulativas (PIS, COFINS e CPMF) sobre uma
cadeia produtiva hipotética.

Cabe analisar a magnitude do valor dos impostos e contribuições em cascata que incidem
sobre a cadeia de carne bovina. Apenas o somatório das alíquotas do PIS, COFINS e CPMF é
igual a 3,13%, que, teoricamente, incide sobre cada transação realizada entre as empresas. O valor
total pago pela cadeia será mais elevado quanto maior for o número de transações e quanto maior

56 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
for o valor adicionado nas primeiras etapas em relação às últimas (Rezende, 1991). O Quadro
4.1.1 apresenta um exercício em que a taxa acumulada destes três impostos alcança 9,6% sobre o
valor total adicionado pela cadeia produtiva.
Algumas considerações devem ser feitas a respeito da reforma tributária. As principais
justificativas apresentadas pelo Ministério da Fazenda para sua proposta de reforma são as seguintes
(Ministério da Fazenda, 1999):
Os tributos concentram-se demasiadamente sobre o consumo, acarretando perda de
competitividade da economia, não alinhamento com sistemas tributários de outros países, redução
de receitas potenciais devido à exploração de uma base estreita e da guerra fiscal e evasão fiscal em
função da complexidade do sistema.
Existe uma multiplicidade de impostos e contribuições administrados por diferentes níveis
de governo (IPI, COFINS e PIS/PASEP pelo Governo Federal, ICMS pelos estados e ISS pelos
municípios), além de incidência cumulativas, chamadas de impostos em cascata (PIS, COFINS e
ISS).
O IPI e o ICMS têm estrutura obsoleta, com vários níveis de alíquotas e bases de cálculo,
que variam de acordo com os estados ou regiões.
O sistema estimula a guerra fiscal entre os estados porque admite que os mesmos concedam
incentivos e benefícios unilateralmente.
Abaixo são citados os principais pontos da proposta de reforma apresentada pelo Ministério
da Fazenda (Ministério da Fazenda, 1999). Alguns possíveis impactos sobre a cadeia produtiva da
carne bovina são também apresentados. Deve-se ressaltar que apenas uma investigação mais
profunda, com exercícios de simulação mais sofisticados, poderão revelar, com maior precisão e
segurança, esses impactos. Esta tarefa, contudo, foge ao escopo deste trabalho.
Proposta:
Extinção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto sobre
Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), da contribuição para o Programa
de Integração Social (PIS), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da
Contribuição Social do Salário-Educação e da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (COFINS).
Instituição de um Imposto da Federação, sobre Circulação de Bens, Mercadorias e
Serviços (novo ICMS), com características de imposto sobre valor agregado, partilhado entre
a União, e os Estados, e entre estes e seus respectivos Municípios na forma de fundo de
participação, regulamentado pela União, arrecadado e fiscalizado pelos Estados.
Racionalização e simplificação das contribuições sociais, resultantes da limitação
da respectiva esfera de incidência, que passa a excluir o lucro, da admissibilidade de cobrança,
na forma de adicional, para contribuintes do Imposto sobre Circulação de Bens, Mercadorias

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 57
e sobre Prestações de Serviços e da não-cumulatividade nos casos em que, aplicáveis a não
contribuintes desse Imposto, recaírem sobre a receita ou sobre o faturamento.
Considerações:
Em substituição ao IPI, ICMS e contribuições sociais seria instituído o IVA (imposto
sobre o valor agregado, chamado também de novo ICMS), cuja alíquota deveria ser suficiente
para suportar a carga tributária dos impostos e contribuições extintos. Considerando que (i) a
alíquota desse novo tributo teria de ser maior do que a do atual ICMS e (ii) o setor paga hoje muito
pouco deste último, dadas as isenções concedidas, é possível levantar a hipótese de que haverá
uma elevação da tributação sobre a cadeia produtiva. Entretanto, se a carne for considerada um
item essencial (ver a seguir), com alíquota diferenciada, tal situação pode não ocorrer. Vale destacar
que uma tributação mais elevada, poderá estimular ainda mais a sonegação no setor, contribuindo
para alimentar a atual estrutura de competição desleal.
A inclusão das contribuições sociais no novo IVA pode prejudicar aqueles elos da cadeia
que atualmente contribuem menos para esse tributo, como é o caso dos pecuaristas (pessoa física)
que não estão sujeitos ao PIS e COFINS. Este poderá ser um ônus adicional para estes agentes,
quando estiverem sujeitos ao novo IVA.
Proposta:
IVA terá uma alíquota única, admitida por lei complementar a fixação de alíquotas
diferenciadas em função da essencialidade do produto. Em qualquer caso, a alíquota será
uniforme em todo o território nacional.
Considerações:
Se a carne bovina passar a ser considerada um produto essencial, no sentido de elevar a
qualidade da alimentação, o dispositivo acima pode permitir reduzir o ônus tributário da cadeia.
Proposta:
criação de órgão que, entre outras atribuições, poderá padronizar procedimentos e
fomentar a integração e cooperação entre as administrações tributárias estaduais e federal.
Considerações:
Dada as diferenças regionais no que diz respeito à capacidade de fiscalização e arrecadação,
a passividade de organismos fiscalizadores em alguns estados poderá ter o mesmo significado das
isenções hoje concedidas. Seria imprescindível que o novo órgão proposto acima tivesse não apenas
caráter regulatório, mas também fosse um fórum deliberatório no sentido de estabelecer sanções
contra as administrações que, propositalmente, mantivessem uma fiscalização ineficaz.
Proposta:
Possibilidade de delegar aos Estados a instituição do imposto sobre a propriedade
territorial rural.

58 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Considerações:
O ITR é um imposto que atinge uma ponta da cadeia produtiva. A possibilidade de
delegar a sua instituição aos estados abre um novo caminho para diferenças nas tributações e
retorno da guerra fiscal, o que pode prejudicar a eficiência na alocação de recursos no setor pecuário.
Proposta:
Substituição da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira por
Imposto sobre a Movimentação Financeira, dedutível de outros tributos ou contribuições
federais.
O ideal seria a extinção da CPMF, contudo, caso ela seja transformada em imposto
permanente, é fundamental para a cadeia que este imposto seja dedutível de outros tributos. A atual
CPMF é um imposto cumulativo que tende a onerar substancialmente cadeias produtivas que
possuem um número elevado de transações entre agentes, como a cadeia de carne bovina. A
possibilidade de dedução elimina esta distorção.
Desoneração das exportações e dos bens de capitais, sobre os quais deixam de incidir
tanto os tributos pagos em decorrência da circulação de bens e das prestações de serviços,
quanto as contribuições cobradas com base na receita ou no faturamento.
A desoneração das exportações, inclusive das contribuições sociais sobre o faturamento,
permitirá aumentar a competitividade da indústria frigorífica exportadora.
Transição gradual, pelo prazo total de 12 (doze) anos, entre o sistema tributário
atual e aquele introduzido pela emenda proposta, a fim de possibilitar a realização de ajustes
advindos de eventuais perdas de receita, bem como permitir, no caso do Imposto da Federação
sobre a Circulação de Bens, Mercadorias e sobre Prestações de Serviços, a migração para a
sistemática de tributação das vendas no local de destino.
Criação de um Fundo de Equalização constituído com recursos provenientes de
parcela da receita do Imposto da Federação sobre a Circulação de Bens, Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços, destinado à compensação de eventuais quedas da receita disponível
da União, dos Estados e do Distrito Federal, bem assim como a estimular o incremento da
eficiência da arrecadação das unidades federadas.
A distribuição de receita entre os Estados passará a ser feita com base no local de
destino dos bens e serviços. Como atualmente a distribuição da receita do ICMS obedece a
um critério misto de origem e destino, a proposta prevê um período de transição de um
regime para o outro, com duração de doze anos.
A proposta de transição gradual e criação de um Fundo de Equalização permite quebrar
a resistência de estados que sofrerão queda na arrecadação. Para a cadeia de carne bovina, essa
proposta pode ser de grande importância se a carne for considerada um produto essencial e tenha
forte redução de tributação. Nesse caso, os principais estados produtores podem sofrer perda de
receita. Contudo, deve-se considerar que os incentivos fiscais já concedidos ao setor reduziram

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 59
severamente a carga tributária real incidente sobre a cadeia. É necessário realizar uma análise mais
profunda a fim de testar a hipótese de que essas alterações não resultarão em redução do ônus
tributário da cadeia, dados os incentivos já concedidos.
Quanto à proposta de tributação no destino, é mais fácil prever que os estados que são
hoje exportadores líquidos seriam prejudicados.
Possibilidade de criação de mecanismos de compensação para os beneficiários de
incentivos fiscais concedidos por prazo certo que sejam extintos em função das mudanças
propostas.
A reforma altera parâmetros de decisão empresarial ao extinguir incentivos existentes. Um
projeto, cuja implantação foi baseada nos parâmetros pré-reforma, poderia ser prejudicado, pois
haveria alteração nas estimativas de rentabilidade. A proposta visa evitar maiores impactos sobre
estes projetos. Entretanto, no ambiente de “guerra fiscal” dos últimos anos, ocorreram medidas
defensivas por parte de alguns estados visando preservar a capacidade competitiva das empresas
domésticas. Em outras palavras, foram concedidos incentivos para as empresas locais com objetivo
de neutralizar benefícios obtidos por concorrentes que estavam sendo atraídos para outros estados.
Pela proposta atual, os benefícios concedidos a estes últimos poderão ser mantidos, mas não está
claro se os benefícios concedidos aos primeiros poderão ser sustentados quando o novo IVA
substituir os tributos anteriores. Esse é um ponto que poderá criar uma situação de conflito.
A proposta federal inclui ainda a extinção do ISS. Para compensar a perda do ISS
por parte dos municípios, será criado um IVV – Imposto de Vendas a Varejo, que incidiria
sobre a mesma base do IVA.
IVV incidirá cumulativamente ao IVA na comercialização a varejo dos produtos da cadeia.
Trata-se de mais um imposto sobre o consumo, altamente regressivo, pois onera os custos da
alimentação da básica, e não simplifica a administração do sistema tributário.
4.1.6. Alterações Recentes na Legislação Sanitária
Desde 1950, os produtos de origem animal têm sido objeto de regulamentação. Por meio da
Lei nº 1.283 e do Decreto nº 30.691, o Ministério da Agricultura passou a disponibilizar de
instrumentos para estabelecer normas, infrações, e penalidades a serem adotadas junto aos
estabelecimentos que operam com produtos de origem animal. Desde aquela época, o governo tem
interferido na classificação e padronização das carcaças de bovinos, bubalinos e suínos, assim
como em questões relativas a higiene, inspeção industrial e sanitária, e transporte do boi e da carne.
As transformações econômicas e sociais determinam constantes alterações nessa legislação. É
necessário adaptá-las aos novos padrões de consumo da população e às imposições de novas leis
ambientais. No Quadro 4.1.2 podem ser observadas algumas destas alterações.

60 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Quadro 4.1.2
Evolução Histórica da Regulamentação da Cadeia Bovina

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 61
Continuação

Na segunda metade da década de 90, foram realizadas significativas alterações na legislação


sanitária, destacando-se as Portarias 304 e 145. A Portaria 145 entrou em vigor em abril de 1999,
após ter sido prorrogada devido ao seu impacto no setor. O objetivo principal é promover a
modernização da comercialização da carne bovina, conferindo-lhes padrões de higiene. Para isso,
foi estabelecido que a carne deve chegar ao varejo desossada, respeitando os cortes tradicionais e
embaladas em containers apropriados e devidamente aprovados para a finalidade.
A Portaria 145, em associação com a Portaria 304 (em vigor desde 1996), apresenta-se
também como um poderoso instrumento contra a sonegação fiscal, uma vez que os cortes devem
apresentar registros, como data do abate, procedência, idade do animal, sexo, nome do corte,
dados do fornecedor, telefones para reclamações, reduzindo com isso o espaço dos matadouros
clandestinos. A princípio, a portaria tornou-se obrigatória em cerca de 180 municípios com mais de
200 mil habitantes nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de
Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e
Goiás. Porém, espera-se que até agosto do ano 2.000 já deva estar implantada em todo o País.

62 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As medidas adotadas a partir das Portarias 304 e 145 tiveram como objetivo principal, “...
introduzir modificações racionais e progressivas para que se alcancem avanços em termos higiênicos,
sanitários e tecnológicos na distribuição e comercialização de carne bovina, bubalina e suína, visando
principalmente à saúde do consumidor” (Portaria 304). Além de procurar defender a saúde do
consumidor, as Portarias também tiveram, por princípio, a reorganização de toda a cadeia
agroindustrial da pecuária de corte no Brasil.
Esperava-se que a Portaria 304 contribuísse para combater o abate clandestino e a sonegação
fiscal. Entretanto, alguns problemas na sua elaboração e implantação fizeram com que a mesma não
lograsse o êxito esperado. Uma de suas limitações, estava no seu alcance limitado e no fato de se
concentrar nas principais cidades do País, onde o abate clandestino é considerado menor.
As medidas também deveriam dar condições para o início de uma uniformidade na tipificação
e classificação das carcaças. A Portaria 145 estabelece janeiro do ano 2000 como o prazo para a
implantação da Tipificação de Carcaças como referência para a remuneração dos animas no abate
(Portaria 145). Até o momento, grande parte da venda dos animais é feita com o boi em pé, sem
qualquer tipo de classificação ou acompanhamento, o que provoca na maioria das vezes perdas
para o produtor. Para isso a Portaria prevê a edição de um livro a ser elaborado pelas entidades de
representação das indústrias de carnes e varejistas. Até o momento, apesar da existência da portaria
de 1988 – Portaria SIPA nº 5, que institui a tipificação, muitos frigoríficos e pecuaristas ainda não
negociam os animais segundo as normas existentes.
As reações do setor às portarias representam os conflitos de interesses existentes. A principal
crítica vem por parte das Associações de Açougueiros que teme a extinção da profissão com a
obrigatoriedade da venda de carne já desossada e embalada. Para o presidente do Sindicato dos
Açougueiros Empregados por Estabelecimentos Comerciais e Industriais do Estado de São Paulo,
Roberto Ferreira, “...muitos açougues não têm condições de implementar as exigências sanitárias e
frigoríficas da Portaria 145 e passarão apenas a comercializar a carne desossada, demitindo os
açougueiros” (Folha do Paraná, 11/12/1998). Segundo esta visão, a imposição da medida liquidaria
os açougues, deixando a comercialização da carne nas mãos dos supermercados. Esta, entretanto,
não é uma opinião unânime no setor. Poderá haver maior especialização dos açougues e do
açougueiro, que passarão a preparar cortes especiais e realizar o atendimento personalizado desejado
pelo consumidor. Trata-se de uma mudança de estratégia para melhor se adaptar a um mercado
cada vez mais exigente. Nesse sentido, entende-se que o principal problema enfrentado pelos
açougues é o deslocamento dos consumidores para os supermercados, que muitas vezes são capazes
de oferecer maior variedade de opções de carne, além de praticarem preços mais competitivos em
função de trabalharem com volumes superiores de produtos6.
Outra conseqüência pode ser uma maior aproximação entre os agentes da cadeia,
principalmente entre frigoríficos, supermercados e açougues no sentido de se poder atender exigências
de qualidade nas carnes ofertadas.

6
Espera-se que desapareça, não a figura do açougueiro, mas o lombador, que faz o transporte das carcaças do caminhão – nem
sempre frigorificado – para os açougues.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 63
A dimensão geográfica do País e as diferenças culturais estabelecem problemas para aplicação
das Portarias 304 e 145, assim como apresentam uma certa flexibilidade com relação a determinados
artigos. Um exemplo da flexibilidade da Portaria 145 está na manutenção do osso em alguns cortes da
carne, como ocorre nos estados do Sul onde existe a tradição do consumo de carnes com osso, como
a costela e o dianteiro. Nesse caso, tanto o açougue como os supermercados poderão vender a carne
com osso desde que embalados, identificados e acondicionados em containers apropriados e
devidamente aprovados para a finalidade (Portaria nº 145). A comercialização da carne com osso
também continuará livre entre matadouros-frigoríficos que possuam SIF, assim como para
estabelecimentos com inspeção estadual ou mesmo municipal, desde que o varejista esteja habilitado
para realizar a desossa mediante um projeto que o transforme em entreposto com desossa aprovada.
Existe maior dificuldade para aplicação das Portarias nos Estados do Norte e Nordeste do
País. Em alguns Estados destas regiões, a fiscalização é pouco eficiente, seja no que diz respeito à
temperatura em que a carne é mantida seja quanto à identificação e procedência da mesma. Deve-
se considerar o caráter cultural, não só nas regiões Norte e Nordeste, de grande parte da população
consumidora que tem preferência pela carne com osso e pela carne “quente”7 . Nesse caso será
necessário um programa de conscientização da população sobre as qualidades da carne resfriada e
os problemas provocados pela carne quente. Porém, para isso será necessário uma maior
convergência entre governos e agentes privados da cadeia.
Existem, porém, alguns municípios do Nordeste que fogem à regra. O município de Jequié,
Bahia, foi o primeiro no Estado a cumprir inteiramente a Portaria 304 e, com isso, tornou-se apto a
implementar normas mais rígidas de controle sanitário, como a desossa dos cortes destinados à
estabelecimentos varejistas (Portaria 145). Para se adequar às exigências da Portaria 304, foram
implantadas barreiras nas entradas do município, por onde passa apenas carne com inspeção federal
ou estadual. Também existe um forte controle sobre o abate no frigorífico da cidade, o que garante
que toda a carne, inclusive de caprinos, ovinos e carne de sol, apresente qualidade que atenda às
exigências da Portaria. O frigorífico e os açougueiros tiveram apoio do Banco do Nordeste mediante
financiamento para modernização e adaptação dos estabelecimentos às novas regras. A prefeitura
municipal atua por meio da distribuição de cartilhas educativas e da criação de um número telefônico
para recebimento de denúncias. Com a permissão de entrada no município apenas de carne fiscalizada,
houve uma maior procura pela carne no frigorífico da cidade, que com isso viu sua capacidade ociosa
reduzir drasticamente. Como resultado, a arrecadação de ICMS aumentou (Diário Oficial da Bahia).
A venda interestadual da carne é realizada com muita freqüência. São Paulo, por exemplo,
recebe animais e carne dos Estados de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás. Nesse caso,
a carne com osso só poderá ser enviada de um estado para outro se os matadouros-frigoríficos,
ou entrepostos, possuírem registro no órgão de fiscalização. O frigorífico de origem irá editar um
documento contendo marca, certificado sanitário e nota fiscal, além da identificação da carne. O
entreposto, ou frigorífico que receber a carne no outro Estado, irá fazer a desossa respeitando a
Portaria, colocando a marca na carne, embalando e obedecendo a temperatura adequada.
7
Carne vendida sem passar pelo resfriamento. Por ter um aspecto mais vermelho, é preferida pela população em detrimento da
carne resfriada, de tonalidade mais clara.

64 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A negociação interestadual da carne poderá tornar-se bastante comum a partir da total
implantação da Portaria 145. Como grande parte da oferta de animais encontra-se nos Estados da
região Centro-Oeste do País, os grandes frigoríficos, que se encontram próximos ao consumidor
potencial das regiões Sul e Sudeste, irão adquirir a carne, com osso ou não, de frigoríficos localizados
nas regiões produtoras dos animais. Poderão, então, desossar, embalar ou processar a carne nas
suas plantas e enviar aos supermercados, açougues, comércio atacadista, ou mesmo exportar. Esta
é, na realidade, uma prática que já está se verificando.
No Rio Grande do Sul, Estado onde o processo de implantação da Portaria se encontra
bastante avançado, existe forte resistência quanto à aceitação da obrigatoriedade da desossa da
carne. Cortes com osso são utilizados na elaboração dos principais pratos da culinária gaúcha.
Segundo os sindicatos da indústria e do varejo, a implantação da Portaria beneficiaria os clandestinos
uma vez que a fiscalização seria mais intensa e rígida sobre as empresas regularmente instaladas.
O controle de qualidade nos frigoríficos tem também sido objeto de regulamentação. A Portaria
046 orienta a indústria frigorífica que está voltada para o comércio interestadual e/ou internacional na
implantação do Sistema de Prevenção e Controle, com base na Análise de Perigos e Pontos Críticos
de Controle, do inglês Hazard Analysis and Critical Control Points – HACCP (ver Quadro 5.1.3).
O Sistema é uma abordagem científica e sistemática para o controle de processo, elaborado para
prevenir a ocorrência de problemas, assegurando que os controles são aplicados em determinadas
etapas da produção de alimentos, em que possam ocorrer perigos ou situações críticas. Além de
assegurar melhor gerenciamento da qualidade do processo industrial, espera-se que a implantação do
HACCP torne mais eficaz o Serviço de Inspeção Federal, sem contudo substituí-lo.
Quadro 4.1.3
Sistema HACCP

É um sistema de análise que identifica perigos específicos e medidas preventivas para seu
controle, objetivando a segurança do alimento, e contempla para a aplicação, nas indústrias sob
SIF, também os aspectos de garantia da qualidade e integridade econômica.
Baseia-se na prevenção, eliminação ou redução dos perigos em todas as etapas da cadeia
produtiva. Constitui-se de sete princípios básicos, a saber: (1) identificação do perigo; (2)
identificação do ponto crítico; (3) estabelecimento do limite crítico; (4) monitorização; (5) ações
corretivas; (6) procedimentos de verificação; e (7) registros de resultados.
Os procedimentos e os compromissos a serem assumidos pela indústria de produtos de origem
animal devem ser descritos em um plano, por meio do programa de controle de qualidade dinâmico,
fundamentado nos princípios do Sistema HACCP. O plano será implantado após a apresentação da
documentação e aprovação pelo DIPOA. Após a aprovação e implantação do plano, o DIPOA
exercerá as prerrogativas que lhe conferem os textos legais pertinentes para realizar auditoria no
plano de cada estabelecimento. Somente o DIPOA poderá validar e realizar auditorias nos Planos
HACCP dos estabelecimentos que fazem comércio interestadual e internacional.

Fonte: Portaria Nº 046 HACCP – EM INDÚSTRIAS DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 65
Nos Estados Unidos, em 1996, o USDA publicou regulamentação requerendo que as
indústrias cárneas adotassem HACCP8. Considerando que esta é uma medida que tende a ser
adotada em vários países e que as regras do comércio internacional estabelecem a equivalência de
sistemas de inspeção, a aplicação de programas com base no Sistema de HACCP torna-se um
requisito de grande importância. Sua implantação passa a ser imprescindível para atendimento das
exigências internacionais.
Historicamente, a exigência de padrões internacionais de qualidade tem forçado o setor a
modernizar-se sob pena de ser excluído do mercado mediante imposição de barreiras sanitárias.
No momento em que o problema da febre aftosa está sendo vencido e mais uma barreira está
sendo derrubada, uma outra está sendo erguida: a rastreabilidade do produto. Após a crise da
“vaca louca” na Europa, há uma preocupação no sentido de serem criados mecanismos mais efetivos
de controle sanitário em toda a cadeia produtiva, bem como em recuperar a confiança do consumidor
em relação à carne bovina. Várias redes de supermercados estão estabelecendo alianças com seus
fornecedores e oferecendo o máximo de informações possíveis sobre a carne vendida. Isso implica
em rastrear o produto desde o nascimento do bezerro até a gôndola dos varejistas, a fim de que
todas as informações pertinentes à qualidade carne (data de nascimento, sexo, raça, tratamentos,
alimentação, etc.) estejam disponíveis para o consumidor final. A França adota a rastreabilidade
desde a década de 60 e, por isso, foi um dos primeiros países a exigir idêntico procedimento dos
seus parceiros comerciais. A partir do ano 2000, toda a carne exportada para a Comunidade
Econômica Européia deverá ser rastreada.
Diante do novo desafio, o Ministério da Agricultura e Abastecimento aproximou-se do setor
privado com objetivo de elaborar uma proposta de implantação da rastreabilidade. Sua prática no
País está restrita às experiências de formação de alianças mercadológicas e à produção de novilho
precoce. Destacam-se a proposta do PNFC de implantação do Sistema de Informação do Novilho
Precoce, o programa de rastreabilidade da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul e a
rastreabilidade realizada pelo FUNDEPEC – SP por meio de sua aliança mercadológica. A partir
dessas experiências, está sendo proposto um Programa Nacional de Identificação de Registro de
bovinos, que deverá evoluir para uma proposta concreta a ser estabelecida por meio de nova
portaria governamental.
4.1.7. Inspeção e Fiscalização
Em 1950, foi consolidada a legislação sanitária no Brasil com a instituição do RIISPOA –
Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Ver Quadro 4.1.1).
O Brasil estava reingressando no mercado internacional de carne bovina e era necessário atender
às exigências sanitárias dos importadores. A implantação da nova legislação forçou a modernização
de vários frigoríficos.

8
Segundo Crutchfield et alli (1997), a redução de patogênicos resultante da implantação do HACCP nos EUA reduz custos (com
tratamentos médicos, perda de produtividade no trabalho, mortes prematuras, etc.) para a sociedade. Para um período de vinte
anos, espera-se uma economia de custos estimada entre um mínimo de US$ 1.9 bilhões e um máximo de US$ 171.8 bilhões. Estes
benefícios superam os custos do HACCP em valor que varia de US$ 1.1 a US$ 1.3 bilhões em vinte anos. (Crutchfield, 1997).

66 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Em 1971, foi criada a Lei de Federalização da inspeção (Lei 5.760), por meio da qual toda
a inspeção passaria a ser federal. Naquele momento a indústria organizada operava com 60% de
ociosidade. Objetivava-se afastar (fechar) o parque industrial que não atendia os requisitos mínimos
da legislação sanitária (matadouros municipais, clandestinos, etc.) e expandir a indústria sob o
Serviço Federal de Inspeção (SIF). A federalização foi progressiva, atingindo 9 a 10 estados. As
normas impostas disciplinavam todos os aspectos técnicos dos frigoríficos implantados ou em reforma.
O SIF fez mais do que inspeção, pois desenvolveu um trabalho de planejamento, difusão de tecnologia
e avaliação econômica.
Durante o período em que esteve vigente a federalização do abate, foram realizadas muitas
interdições, o que levou muitos estudiosos da área a concluir que uma política como aquela só seria
possível devido ao regime militar vigente na época. O fim da federalização iniciou-se no Governo
Geisel, quando inicia-se o processo de abertura política do País. Houve movimento de pressão
contra o fechamento dos matadouros e empresas que não se ajustaram às novas regras. O lobby
do setor levou-os à modificação da lei em 1976, permitindo que estados e municípios participassem
da inspeção. Em 1989, a inspeção passou definitivamente a ser também uma tarefa de estados e
municípios: o SIF se encarregaria dos estabelecimentos que comercializassem carne entre estados
e com o exterior, os serviços de inspeção estaduais (SIE) seriam responsáveis por estabelecimentos
que comercializassem dentro do respectivo estado e os serviços de inspeção municipais (SIM)
pelos estabelecimentos responsáveis pela carne comercializada dentro do município.
Atualmente, a falta de pessoal habilitado e credenciado (pelo Ministério, Secretarias Estaduais
e Municipais) para inspecionar os abates e fiscalizar a comercialização de carnes no varejo é um
dos principais problemas da cadeia. O Ministério da Agricultura não tem recursos para implementar
muitas de suas tarefas nesse campo, tendo recentemente cancelado um concurso para contratação
de 250 novos fiscais (Cardoso, 1998).
Admite-se que a indústria nacional, com a desativação e paralisação de vários frigoríficos de
melhor categoria técnica do País e o surgimento de outras unidades de menor porte e de padrão
inferior, perdeu muito em qualidade. Mesmos alguns estabelecimentos sob inspeção federal, que
em geral são mais bem fiscalizados, apresentam baixa qualificação técnica e higiênica, em face da
precariedade das instalações, falta de dependências como câmaras frias e de anexos para o
aproveitamento econômico dos subprodutos, bem como do tratamento de águas residuárias,
indispensáveis à preservação do meio ambiente.
Os abatedouros municipais, na sua maioria, possuem instalações deficientes sob todos os
aspectos, abatendo poucos animais (a maioria de descarte) nas piores condições higiênico-sanitárias
possíveis. Apresentam-se como um risco para a saúde pública, tal como o abate clandestino. Fazem,
no conjunto com abates vinculados aos Serviços Estaduais e ao clandestino, uma matança altamente
expressiva no cômputo nacional (Picchi, 1999).
O que se observa de fato é um avanço da legislação sanitária muito à frente da capacidade
de fiscalização/inspeção. A mudança da legislação federal transferiu aos estados e municípios um
conjunto de responsabilidades que estes não estão encontrando condições de atender. Em alguns

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 67
estados, notadamente no Norte e Nordeste, nem mesmo a legislação sanitária encontra-se plenamente
regulamentada. Para fazer frente às deficiências de pessoal, tem-se utilizado um recurso que está se
tornando comum e aceito pelos órgãos estaduais e municipais de inspeção: os próprios frigoríficos
estão assumindo a responsabilidade pelo pagamento dos salários dos médicos veterinários que
desempenham a atividade fiscalizadora. Trata-se de expediente que limita a necessária independência
e autonomia de um profissional que atua como agente do poder público.
Outro recurso usado na área de inspeção é o estabelecimento de convênios com prefeituras
para a disponibilização de médicos veterinários para as tarefas de inspeção municipal e estadual9.
Entretanto, os baixos salários têm inibido essa prática, notadamente em áreas mais afastadas dos
grandes centros, onde mesmo os profissionais recém-formados não vêem atratividade nessas
oportunidades de emprego.
Dada a situação caótica da fiscalização/inspeção e a incapacidade das três instâncias de
governo de responderem efetivamente pelas funções que a lei lhe atribuiu, tem sido aceito pelo
setor a criação de instituições independentes (FUNDEPECs, FEFA – Fundo de Erradicação da
Febre Aftosa, institutos e/ou agências executivas), geridas e financiadas com a participação de
representantes da cadeia produtiva. Faz-se urgente e necessário reavaliar os modelos de inspeção
existentes. Implantação de novos instrumentos de controle de qualidade (rastreabilidade e HACCP),
aumenta o custo do sistema e incentiva a clandestinidade, o que torna imperativo o seu combate. A
clandestinidade não existe em função simplesmente dos impostos, como querem fazer crer muitas
vozes empresariais. Os impostos podem chegar a zero e ainda assim haverão tentativas de eliminar
os custos com a saúde pública, o que implica exercício de polícia por parte dos órgãos de fiscalização/
inspeção e de cidadania (conscientização da população).
4.1.8. Impactos Econômicos e Perspectivas da Erradicação da Febre Aftosa
Com a desvalorização do Real no início de janeiro de 1999, as exportações dos produtos
brasileiros, aí incluído o setor de carnes, ganharam novo impulso para competir no mercado
internacional. Porém no caso da carne bovina in natura, e em menor grau da carne suína, um forte
obstáculo impede que o país conquiste uma fatia maior do mercado, a exemplo do que vem
ocorrendo com a Argentina nos últimos anos. Trata-se da febre aftosa que, apesar de não afetar os
seres humanos, é motivo suficiente para que muitos países estabeleçam uma barreira sanitária contra
a carne brasileira10 .

9
Existe, por exemplo, convênio entre o SIF e o Fundepec (SP) para o treinamento de mais de 2.000 veterinários, que em 1999 vão
ajudar na fiscalização e fechamento de abatedouros municipais irregulares e sem condições de funcionamento. O objetivo é iniciar
essa ação em São Paulo e, posteriormente, estendê-la para todo o País. (Entrevista do Doutor Ícaro Damásio Alves, chefe do SIPA/
DFA/SP. Revista Nacional da Carne, dez. 1998)
10
“A febre aftosa é conhecida nas Américas desde 1870.... Nas décadas de 1960 e 1970, os países da América do Sul definiram
programas de controle da enfermidade. A doença é altamente contagiosa e ataca animais de casco aberto. ... Os sintomas são febre,
tristeza, salivação abundante, pêlos arrepiados, dificuldade de alimentação, mortalidade de terneiros e diminuição na produção de
leite. ... A transmissão ocorre por contato com reses, produtos, animais ou objetos infectados. Os novilhos portadores perdem de
12% a 24% de peso e levam de 78 a 125 dias para se recuperarem, as mortes chegam a 1%”. Do Pasto para o prato, todo o cuidado
é pouco. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 29 maio 1998.

68 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
O Quadro 4.1.4 demonstra a trajetória dos estados brasileiros na tentativa de erradicação da
doença, desde que a mesma foi identificada pela primeira vez. No Brasil, apenas o Rio Grande do Sul
e Santa Catarina possuem o certificado de zona livre de febre aftosa com vacinação11. Por estarem a
mais de dois anos sem notificação de focos da doença, os dois Estados impetraram junto a Organização
Internacional de Epizootia (OIE), órgão da ONU para sanidade animal, pedido para reconhecimento
como zonas livres de febre aftosa com vacinação, tendo sido aceito em maio de 1998.

Quadro 4 .1.4
História da Erradicação da Febre Aftosa no Brasil
· 1870: O vírus da aftosa entra na América do Sul com a importação de bovinos da Europa, onde a doença era
conhecida desde 1546.
· 1919: Começa no Brasil o combate à doença de forma organizada por meio da implantação do Código de
Política Sanitária.
· 1951: É implementado um programa nacional de combate à doença, sem resultados satisfatórios por carência
de recursos financeiros e humanos e de uma vacina eficiente.
· 1963: O governo brasileiro institui a campanha contra a febre aftosa.
· 1965: É implantado o Programa de Combate à Febre Aftosa (RS, SC, PR, SP, MG, BA, ES, MT, GO, TJ e SE).
· 1968: O Banco Interamericano de Desenvolvimento financia o Projeto Nacional de Combate à Febre Aftosa.
· 1987: É instalado o Projeto de Combate das Doenças dos Animais. Criado o Convênio de Cooperação Técnica
Internacional entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
· 1992: As ações meramente de controle foram substituídas por medidas restritivas.
· 1993: O último foco de aftosa é registrado no Rio Grande do Sul.
· 1995: É criado o Comitê Nacional de Saúde Animal.
· 1995 (maio): O último foco de aftosa é registrado no Paraná.
· 1995 (agosto): O último foco de aftosa é registrado em Goiás.
· 1996 (janeiro) : O último foco de aftosa é registrado no Mato Grosso.
· 1996 (março) : O último foco de aftosa é registrado em São Paulo.
· 1996 (maio) : O último foco de aftosa é registrado em Minas Gerais.
· 1997: A Organização Internacional de Epizootias recebe relatório sobre sanidade dos rebanhos gaúcho e
catarinense.
· 1998 (março) : Detectado foco de febre aftosa no Município de Porto Murtinho (MS), depois de 4 anos sem
focos no Estado.
· 1998 (27 de maio) : Representantes de 151 países na OIE concedem o título de zona livre de aftosa com
vacinação ao Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
· 1999: O Centro-Oeste brasileiro começa a luta para também ganhar o reconhecimento. Rio Grande do Sul e
Santa Catarina dão o pontapé para conseguir o título como zona livre de aftosa sem vacinação.
· 1999 (janeiro): Detectado novo foco de febre aftosa no Estado do Mato Grosso do Sul, levando o Estado a ser
retirado do Circuito Pecuário Centro-Oeste que inicia processo de sorologia para conseguir título de zona livre
de febre aftosa com vacinação.

Fonte: Jornal Zero Hora, 21/5/1999 e Revista Fundepec abr./ago. 1998

11
Segundo o Capítulo 2.1.1 do Código Zoosanitário Internacional, a definição e os critérios para a classificação de cada região são:
país livre de febre aftosa onde não há prática de vacinação; país livre de febre aftosa onde há prática de vacinação; zona livre de
febre aftosa onde não há prática de vacinação; zona livre de febre aftosa onde há prática de vacinação; (Organização Internacional
de Epizootias (OIE)).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 69
Com isso, esses dois Estados passaram a ser, junto com a Argentina e o Paraguai, as únicas
áreas livres de febre aftosa com vacinação da América do Sul12 . Esse certificado serve como um
selo de qualidade para os criadores desses estados e deveria, conseqüentemente, abrir as portas
para importantes mercados consumidores como a Europa, os Estados Unidos e, principalmente, a
Ásia, onde o consumo da carne bovina vem registrando os maiores índices de crescimento. Porém,
mesmo com o certificado completando mais de um ano, tanto Santa Catarina como o Rio Grande
do Sul apresentam problemas para incrementar suas exportações e tirar melhor proveito do
certificado.
O primeiro problema enfrentado decorre da falta de matéria-prima. Para obter o certificado,
os dois Estados tiveram suas fronteiras fechadas para a entrada de animais e carne com osso
procedente de outros Estados. Porém, a oferta existente internamente não tem sido suficiente para
atender nem mesmo a demanda local. O segundo problema que impede um crescimento das
exportações desses dois Estados é que, potenciais países importadores da Ásia, só aceitam o
certificado de área ou país livre da febre aftosa sem vacinação. A curto prazo, o efeito do certificado
é menor do que as expectativas iniciais. Esse problema é agravado pelas medidas adotadas pelos
Estados Unidos, que utilizam a febre aftosa como uma barreira não tarifária e não apresentam
nenhuma expectativa para reconhecer apenas alguns estados como áreas livres. Isso pode ocorrer
até mesmo em função de que, com a certificação dos rebanhos do circuito pecuário Centro-Oeste,
o volume de oferta de carne no mercado internacional tende a se elevar consideravelmente,
pressionando ainda mais os seus preços. Os países asiáticos tendem a seguir as decisões norte-
americanas.
As expectativas eram grandes, uma vez que a Argentina e o Uruguai, que possuem o certificado
desde 1997, registraram forte crescimento nos seus embarques, a ponto da Argentina ter que
importar carne da Austrália e da Nova Zelândia para poder cumprir os contratos já fechados. Com
isso, os dois Estados sulinos teriam condições, caso houvesse oferta, de abastecer a Argentina ou
os países com as quais a mesma mantém relacionamentos comerciais. Na verdade, o sucesso dos
argentinos e uruguaios deve ser atribuído, em grande medida, à sua maior agressividade em termos
de marketing. São as associações e sindicatos das empresas – e não como no Brasil, onde cada
indústria necessita buscar seus compradores – que realizam esta tarefa. No Uruguai, as empresas
possuem apoio governamental por meio do Instituto Nacional de Carnes (INAC), que ativamente
divulga e promove a carne no exterior. Na Argentina, o governo promoveu jantares a base de carne
argentina e espalhou lobistas por todo o território norte-americano divulgando o produto (Zero
Hora, 21/05/1999).
O Rio Grande do Sul e Santa Catarina esperam entrar com pedido do certificado de zona
livre de febre aftosa sem vacinação no final de ano 2.000 ou em 2.001. Para isso, estão fechando
cada vez mais o seu território para a entrada de carne de outros estados. Para entrar, a carne com
osso e os animais têm que ter a Guia de Transporte de Animais (GTA), na qual há informações

12
Segundo o Boletim da OIE, na América do Sul, os países livres da doença sem vacinação são: o Chile, a Guiana, o Suriname, a
Guiana Francesa e mais recentemente o Uruguai. (Organização Internacional de Epizootias (OIE)).

70 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
sobre a identificação dos animais, a rota do caminhoneiro, os postos de fiscalização e os exames
feitos nos animais. Em Santa Catarina, por exemplo, no caso de um caminhão encontrar-se em uma
rota diferente da estabelecida na GTA, os animais são confiscados e abatidos, sem nenhum tipo de
compensação.
Se o Rio Grande do Sul e Santa Catarina já se preparam para pedir o certificado de área
livre de febre aftosa sem vacinação, os Estados que fazem parte do chamado Circuito Pecuário
Centro-Oeste (ver mapa 4.1.1) se preparam para iniciar o processo de pedido do certificado de
zonas livres de febre aftosa com vacinação. A exceção do Mato Grosso do Sul, que registrou dois
focos nos últimos dois anos, os demais Estados do Circuito – São Paulo, Goiás, Paraná, Mato
Grosso, Distrito Federal e Minas Gerais – iniciaram em julho de 1998 o processo de realização do
inquérito sorológico do rebanho. Este último constitui primeiro passo para a obtenção do certificado
que poderá ser obtido na reunião anual da OIE em maio de 2000.
Mapa 4.1.1
Programa de Erradicação da Febre Aftosa – Regionalização com base nos
circuitos pecuários

Fonte: IBGE. ANUALPEC e GAZETA MERCANTIL


In: MICHELS (1998)

Em função do aparecimento de um novo foco de febre aftosa no Mato Grosso do Sul, mais
precisamente na Região de Naviraí, em janeiro de 1999, o Estado – detentor do maior rebanho
brasileiro de gado de corte, com cerca de 22 milhões de cabeças – teve o seu processo de
transformação em área livre de febre aftosa atrasado e foi excluído do Circuito Pecuário Centro-
Oeste13. Os animais devem passar por uma quarentena antes que possam ser comercializados com
13
A princípio, as primeiras notícias eram de que os animais das duas fazendas onde foi detectado o foco não haviam sido vacinados,
porém não se descartou a hipótese de que os animais, a exemplo de Porto Murtinho, tenham vindo clandestinamente do Paraguai,
uma vez que é de conhecimento geral que muitos pecuaristas possuem fazendas naquele país; onde promovem a recria para,
posteriormente, trazerem os animais para o Brasil para a engorda ou terminação. (JOSE, 1998).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 71
os demais estados do Circuito, bem como o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nesse período,
os animais terão de passar por dois exames sorológicos, no período de 30 dias, garantindo a
ausência de atividade viral, e serem imediatamente encaminhados para os frigoríficos onde será
feito o abate. Mesmo animais abatidos no próprio estado, só podem entrar no Circuito se os cortes
estiverem desossados, uma vez que o osso é um dos agentes transmissores do vírus da febre aftosa.
Os demais Estados do Circuito Pecuário Centro-Oeste não apresentam foco da doença
desde maio de 1996 (Tabela 4.1.2). Com o início do processo de realização do inquérito sorológico
em agosto de 1999, existem grandes chances desses Estados serem também considerados zonas
livres de febre aftosa.
Tabela 4.1.2
Focos de Febre Aftosa no Circuito Pecuário Centro-Oeste entre 1992/1998
– Em número de casos –

Fonte : Revista FUNDEPEC (abr./ago. 1998)


Os cortes nos orçamentos do setor público são uma constante ameaça ao sucesso da
erradicação da doença no País. Cada vez mais tem se tornado necessária a participação da iniciativa
privada mediante injeção de recursos nos órgãos estaduais voltados para a erradicação do vírus.
De fato, o sucesso no combate à febre aftosa no Brasil deve-se a programas de vacinação e
erradicação promovidos pela união entre os agentes privados e entre estes e os estados. O melhor
exemplo dessa união foi a criação do FUNDEPEC (Fundo de Desenvolvimento da Pecuária de
Corte no Estado de São Paulo). A organização foi fundada em 1990 a partir da iniciativa de
algumas associações e pecuaristas. Como na época a Secretaria de Defesa Sanitária não dispunha
de recursos para desenvolver bem o seu trabalho de controle sanitário, frigoríficos e pecuaristas
iniciaram um processo de discussão que culminou na criação do FUNDEPEC. Em 1992, suas
atividades de combate à febre aftosa foram iniciadas. O FUNDEPEC formalizou parcerias com
laboratórios produtores de vacina contra aftosa para iniciar as campanhas de controle e erradicação
da doença. Foi uma saída encontrada para conseguir colocar em prática as campanhas, uma vez
que esses laboratórios tinham interesse em vender mais vacinas e os recursos do Fundo eram
escassos para fazê-lo sozinho.
Outro modelo, este com maior participação do estado e que pode ser utilizado como base
em outros estados, é o FEFA (Fundo de Emergência de Febre Aftosa). Criado em 1993 no Mato

72 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Grosso pelo Instituto de Defesa Agropecuária (INDEA), o fundo é formado por órgãos do governo
como o INDEA, e a Delegacia Federal da Agricultura e por órgãos privados como o Sindicato das
Empresas Leiloeiras, Federação da Agricultura do Estado e o Sindicato dos Frigoríficos. Apesar
da coordenação e execução do programa de erradicação da febre aftosa serem feitos pelo governo,
o presidente do FEFA nunca poderá ser ligado a uma das instituições públicas que formam o fundo.
Outros estados já começam a se espelhar nos programas de São Paulo e Mato Grosso para
a formação de fundos e programas para a erradicação e controle da febre aftosa. Entre esses
estados, merecem destaque o Pará, que possui o maior rebanho bovino do Norte do país, a Bahia
e o Mato Grosso do Sul. Em Pernambuco, foi criado o programa de agentes municipais de
desenvolvimento rural, em que a comunidade indica indivíduos para serem os agentes. Esses agentes
são financiados pelo PRONAF e são treinados para dar assistência a um determinado número de
propriedades, inclusive vacinando o rebanho.
Com relação aos Estados do Circuito Leste, apesar da grande redução no número de focos,
o que sinalizaria um caminho em direção a erradicação da febre aftosa, existem alguns problemas
de ordem estrutural como postos de fiscalização, legislação específica sobre o “rifle sanitário”14 e
pessoal, o que vem atrasando o andamento do processo nessa região.
Além dos Circuitos Centro-Oeste e Leste, ainda travam uma dura batalha contra o vírus da
febre aftosa os Circuitos Nordeste e Norte. Nesses existem vários problemas, como o insuficiente
número de escritórios e sua má distribuição, além da falta de veículos e principalmente de mão-de-
obra especializada para acompanhamento e detecção da doença. Na maioria dos estados desses
dois circuitos, parece haver um consenso de que grande parte dos problemas de sanidade dos
rebanhos está na falta de conscientização dos próprios produtores para a importância da vacinação.
Esses fatores dificultam o trabalho no sentido da erradicação da doença, e transforma toda a região
em “reserva do vírus”.
O comportamento epidemiológico da doença oferece uma vantagem para o seu controle. As
maiores fontes de disseminação da doença são as chamadas áreas endêmicas primárias, onde
normalmente predomina o sistema de cria. Como os bezerros são vendidos para recria e engorda
em outros locais, funcionam como disseminadores da doença (DBO Anuário Pecuária de Corte
1998). Áreas endêmicas primárias já foram identificados em oito Estados do País: RS, MS, SP,
MG, GO, MT, ES e BA. O Circuito Nordeste é importador de animais, abastecendo-se
principalmente em núcleos em que a aftosa já está sob controle (MG, GO, ES). O problema maior
seria a consecução de um controle mais rígido em áreas da BA e do TO (Estado que ainda não foi
devidamente caracterizado).

14
“Esse tipo de procedimento, ainda não praticado nos Circuitos Norte e Nordeste por falta de recursos, é rotina no Centro-Oeste,
Leste e Sul. O Ministério da Agricultura está aconselhando os Estados que caminham para a erradicação da doença (com ausência
de casos há mais de dois anos), a elaborarem legislações próprias, instituindo o chamado “rifle sanitário” e a criação de fundos
especiais para viabilizar essa medida. Em caso de foco, todo o rebanho seria sacrificado e seu proprietário indenizado.... O
Ministério da Agricultura já tentou criar uma legislação federal nesse sentido, mas depende de aprovação legislativa. Um projeto
de lei incluindo a aftosa entre as doenças passíveis de sacrifício, em caso de detecção de focos em áreas livres, está tramitando no
Congresso a quatro anos, sem que seja incluído na pauta de votação. Ante essa demora, a saída seria realmente partir para legislações
estaduais, especialmente nos Estados que desejam pleitear o status de zona livre de aftosa com vacinação, pois eles teriam grandes
prejuízos com a reintrodução da doença em seu território (DBO – Anuário Pecuária de Corte 1998).”

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 73
Apesar do novo foco no Mato Grosso do Sul e dos problemas enfrentados nos Circuitos
Norte e Nordeste, o Ministério da Agricultura ainda trabalha com o ano de 2.007 como prazo para
a erradicação da febre aftosa em todo o território brasileiro, dois anos antes do previsto para a
erradicação em toda a América Latina.
4.1.9. Proposta de Criação de Agências Executivas de Defesa Agropecuária
Em 1996 foi criado o Programa de Reorientação Institucional do Ministério da Agricultura –
PRIMA com objetivo de reformular o MAA a partir da visão de cadeias produtivas e adequá-lo
aos novos padrões de concorrência a que o setor produtivo encontra-se submetido. Dentro desse
programa, articulou-se com o Ministério da Administração e da Reforma do Estado a transformação
da Secretaria de Defesa Agropecuária em Agência Executiva, uma nova autarquia com maior grau
de autonomia, conforme exposto a seguir.
O Projeto Agências Executivas do MARE não institui uma nova figura jurídica na administração
pública. Trata-se de uma qualificação a ser conferida por decreto presidencial a autarquias ou
fundações já existentes. Uma autarquia ou fundação, por exemplo, tem duração indeterminada,
mas sua qualificação como Agência Executiva depende da vigência de um contrato de gestão a ser
estabelecido com seu Ministério supervisor. A não-prorrogação de um contrato de gestão desqualifica
a autarquia ou fundação como Agência Executiva, com a conseqüente perda das autonomias
conferidas nas áreas de orçamento e finanças, gestão de recursos humanos e serviços gerais, e
contratação de bens e serviços.
Uma instituição, para ser qualificada como Agência Executiva, deve apresentar um plano
estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional. No contrato de gestão, são estabelecidos
objetivos estratégicos e metas, preferencialmente quantificáveis, a serem atingidos em determinado
período de tempo. Devem ser também construídos indicadores de desempenho – um número ou
percentual, que servirá para medir o grau de atingimento de um objetivo e/ou meta. Os indicadores
permitiriam avaliar o desempenho da Agência na consecução dos compromissos pactuados.
A Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura e Abastecimento tem
coordenado esforços no sentido de se reestruturar, conforme estabelecido no Plano de
Desenvolvimento da Nova Política Nacional de Defesa Agropecuária. Com isso pretende-se, por
um lado, estabelecer novos parâmetros de funcionamento e métodos de trabalho que melhorem o
Sistema de Segurança, Proteção e Defesa Agropecuária e, por outro lado, transformar o órgão em
autarquia e habilitá-lo à qualificação de Agência Executiva.
“De uma maneira resumida, essa nova política deverá permitir:
Uma maior competitividade do setor agroprodutivo do país;
Um maior controle sanitário e fitosanitário dos produtos, serviços e insumos
agropecuários;
A criação de benefícios ao consumidor nacional, aos clientes e aos agentes
econômicos do sistema, permitindo o exercício do poder de fiscalização e proteção ao cidadão
e ao agronegócio nacional com efetividade.

74 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A estrutura de funcionamento e os métodos de trabalho do novo Sistema deverão atender
aos seguintes objetivos básicos:
Dar conformidade internacional aos agroprodutos brasileiros;
Melhorar a qualidade da agricultura;
Diminuir os riscos do intercâmbio comercial brasileiro;
Abrir novos mercados;
Reduzir a parcela do ‘Custo Brasil’ de responsabilidade do atual modelo de Defesa
Agropecuária;
Adequar as ofertas de serviços às demandas reais e
Melhorar a qualidade dos serviços prestados”.
(Plano de Desenvolvimento da Nova Política Nacional de Defesa Agropecuária, PNDA,
Projeto e Termo de Referência – VF 01/97, dezembro de 1997).
A Agência Nacional de Defesa Agropecuária a ser criada seria supervisionada pelo Ministério
da Agricultura e Abastecimento, que teria o contrato de gestão como instrumento fundamental de
controle. Nesse sentido, tornar-se-ia fundamental fortalecer sua capacidade supervisora a fim de
que ele exerça um acompanhamento e uma avaliação efetiva do desempenho da Agência. De
acordo com o Projeto Agências Executivas do MARE
“... a avaliação oficial de desempenho da instituição deverá ser efetuada por um comitê
de avaliação, no qual estarão representados o Ministério supervisor, o MARE, como gestor
do Projeto Agências Executivas, o sistema de controle interno do Governo Federal, podendo
ainda estarem representados os usuários/clientes e outras instituições, governamentais ou
não, que, de alguma forma, impactem ou sejam impactadas pela atuação da agência (Plano
Diretor de Reforma da Política Nacional de Defesa Agropecuária, sumário executivo, Brasília, DF,
julho 1998)”.
De acordo ainda com a proposta do MARE, o acompanhamento e avaliação das Agências
Executivas devem ser realizados também pela sociedade e para tanto é necessário implementar
mecanismos que garantam o fluxo de informações entre a instituição e a sociedade. Todos os
documentos – contrato de gestão, relatórios de desempenho, decisões, etc. – devem ser tornados
públicos, por meio do Diário Oficial da União e outros meios de comunicação, inclusive a internet.
As instituições deverão buscar mecanismos de comunicação com seus clientes e usuários.
O Contrato de Gestão deve conter também as condições de sua revisão, suspensão e rescisão
no caso de não-atendimento das metas estabelecidas; além da definição de responsáveis e de
conseqüências decorrentes do descumprimento dos compromissos pactuados.
Em alguns estados, o processo de criação de uma agência de defesa agropecuária já avançou
além do estágio que ainda se encontra a agência federal do MAA. Este é o caso, por exemplo, da
criação da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), na qual estabeleceu-se
nos seguintes moldes:

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 75
“... autarquia sob regime especial, com personalidade jurídica de direito público,
autonomia administrativa e financeira, patrimônio próprio, vinculada à Secretaria da
Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária.
A administração da ADAB será objeto de Contrato de Gestão celebrado entre a Diretoria
e a Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária, no prazo máximo de 90 (noventa)
dias após a nomeação do Diretor Geral (Lei Estadual Número 7439 de 18 de janeiro de 1999) ’’.
Já em funcionamento, a ADAB deverá realizar concursos para a contratação de mais técnicos
para exercício das atividades de fiscalização. Deve-se destacar que o nível de organização e
confluência de interesses dos agentes da cadeia no Estado da Bahia contribuiu para que esse
processo avançasse.
Na verdade, no MAA discute-se o estímulo à criação de agências estaduais, as quais deverão
firmar contratos de gestão com o Ministério. As fontes de recursos para financiar suas operações
poderiam ser as seguintes: dotações orçamentárias, empréstimos do Banco Interamericano de
Reconstrução e Desenvolvimento e cobrança de taxas (para certificação de origem, para análises
laboratoriais, para habilitar profissionais no sistema, etc.), receitas provenientes da aplicação de
multas, etc. Encontra-se em discussão a possibilidade de se criar uma taxa, a ser cobrada por
animal abatido, para financiar as operações de inspeção. A experiência do FUNDEPEC (SP)
revelou que este expediente não é muito eficiente em termos de arrecadação, sendo grande a
inadimplência. A cobrança de uma taxa sobre as emissões de GTAs (Guia de Trânsito de Animais)
tem-se revelado um mecanismo mais bem sucedido (em Minas Gerais pelo IMA (Instituto Mineiro
de Agropecuária) e em São Paulo pelo FUNDEPEC, por exemplo).
A criação das agências de defesa agropecuária, federal ou estaduais, suscita um conjunto de
questões. Em primeiro lugar, caberia analisar o caminho a ser tomado no processo de reestruturação
do antigo sistema, notoriamente falido no âmbito da maioria dos governos estaduais e municipais e
com reputação abalada no âmbito do governo federal com a crise do SIF. Muitos argumentam em
favor da federalização, pautados pelo seu sucesso vis a vis a incapacidade demonstrada pelos
estados e municípios de exercerem suas funções. Mesmo em alguns países desenvolvidos, onde as
instâncias locais de administração pública dispõem de mais recursos, não se acredita na eficiência
da descentralização, sendo federal o sistema de inspeção (por exemplo nos EUA, Austrália e Nova
Zelândia). Esse parece ser um caminho politicamente difícil no Brasil e vai de encontro a todo
processo de criação das Agências e de descentralização administrativa já desencadeado pelo MARE.
Trata-se de uma discussão polêmica que foge ao escopo deste trabalho.
Considerando o avanço já alcançado no processo de criação das agências, a dificuldade
política e legal de se reverter em favor da federalização e a situação caótica da fiscalização e dos
serviços de inspeção, especialmente os estaduais e municipais, a melhor opção é adotar uma postura
pragmática, ou seja, propor ações no sentido de garantir o efetivo controle das agências por parte
da sociedade. Esta é, na verdade, uma possibilidade que o sistema atual não oferece efetivamente.
Conforme visto acima, cabe à agência formular metas e estabelecer indicadores de
desempenho, sendo sua avaliação realizada por meio da comparação dos resultados alcançados

76 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
com o desempenho pretendido. O acompanhamento e avaliação passam a ser elementos fundamentais
para que a agência desempenhe o papel para a qual foi criada. Nesse sentido, três ações são
necessárias. Em primeiro lugar, é imperativo fortalecer a capacidade supervisora do órgão a qual
ela está subordinada. Isso significa que o Ministério e as Secretarias Estaduais devem estar preparados
tecnicamente para exercer as funções de formulação e avaliação de diretrizes e políticas de defesa
agropecuária. Em segundo lugar, é preciso garantir a efetiva representatividade dos agentes da
cadeia produtiva, inclusive consumidores, nas decisões que dizem respeito à formulação e
acompanhamento dos objetivos e metas das agências executivas. Um dos elementos mais importantes
deve ser a criação de canais de participação dos usuários/clientes. Em terceiro lugar, a divulgação
de metas e indicadores de desempenho deve ser ampla o suficiente para alcançar toda a população
que, em última instância, é a financiadora e beneficiária do novo sistema. Todas as organizações
envolvidas, governamentais e não-governamentais, (associações e sindicatos da cadeia produtivas,
associações de consumidores, Procon, outros órgão relacionados com a saúde pública, imprensa,
etc.) deveriam ser sensibilizadas no sentido de exercer funções fiscalizadoras, de formação e
orientação da opinião pública e de denúncia em caso de desvio dos interesses públicos.
Um ponto polêmico na proposta de criação das agências é a autonomia na obtenção de
novas fontes de financiamento para as operações de defesa sanitária. Abre-se caminho para que os
próprios agentes da cadeia passem a ser responsáveis pela manutenção do sistema. Três questões
aparecem com relevância quando se trata desse tema. A primeira, refere-se ao fato de que os
mecanismos de financiamento não devem afetar o papel fiscalizador da agência. Isso exige a
eliminação de mecanismos como os que têm sido efetivados em alguns estados onde, por exemplo,
o frigorífico paga o salário do veterinário responsável pela inspeção oficial. Nesse sentido, o
fortalecimento do controle social sobre a agência, conforme apresentado no parágrafo anterior é de
fundamental importância. Segundo, a criação de novas formas de arrecadação tende a aumentar o
custo da cadeia. Em princípio, esses custos poderiam ser absorvidos pelo aumento da eficiência da
cadeia, na medida em que as ações da própria agência contribuam para isso. Alternativamente,
pode esse custo adicional servir de argumento para as negociações visando a eliminação de impostos
(ICMS) da cadeia produtiva. Terceiro, a agência, ao estabelecer novas fontes de recursos, verá o
Estado tentado a retirar sua parcela de contribuição mediante redução de dotações orçamentárias
destinadas ao setor. Este é um risco inevitável e faz parte da estratégia governamental, ao estimular
a criação de novas agências, aliviar as pressões sobre os seus disputados recursos.
4.1.10. Disponibilidade de Crédito
O salto de qualidade em tecnologia, aprimoramento genético, melhoria das pastagens, etc.,
demanda linhas de crédito de longo prazo e juros compatíveis. Com a estabilidade da economia
propiciada pelo Plano Real, o preço, até então inflado das terras, especialmente das ocupadas com
pecuária, desabou de 30% a 40% em média. Vender terras para financiar a melhoria das pastagens
passou a não ser uma opção atrativa para os produtores que desejassem tecnificar-se. Uma saída
para o pecuarista seria recorrer ao crédito de investimento. Porém, são unânimes as queixas relativas
às elevadas taxas de juros, mesmo aquelas praticadas pelo BNDES, frente a baixa rentabilidade
do setor, especialmente o segmento da pecuária extensiva.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 77
Constata-se que a maioria dos pecuaristas operam com auto-financiamento. Apesar de
existirem recursos e linhas de crédito disponíveis nos bancos (principalmente Banco do Brasil,
BASA, Banco do Nordeste e alguns bancos privados), as taxas de juros (normalmente 8% mais
TJLP) são desencorajadoras em face da instabilidade da atividade. Os créditos oferecidos são na
maioria para custeio, sendo pouca a disponibilidade para investimento, que é fundamental para
elevar a produtividade. Este último, quando existe, restringe-se à compra de reprodutores.
Praticamente em todo o País, os pecuaristas se queixam do elevado custo do crédito face à
rentabilidade do setor. A ausência de crédito barato os tem conduzido a uma posição conservadora
em relação ao endividamento. Por um lado, isso tem contribuído para evitar problemas de
endividamento elevado ou inadimplência nesse elo da cadeia produtiva, mas, por outro, reduz o
ritmo de modernização do setor.
Em que pese a característica de autofinanciamento dos produtores, o crédito rural concedido
para a pecuária bovina cresceu nos anos 90, especialmente nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste
(Figura 4.1.1 e Tabela 4.1.3). Os financiamentos do BNDES para o setor também apresentaram
um grande crescimento (Figuras 4.1.2 e 4.1.3). O crédito destinado à criação de bovinos passou
de US$ 3,8 milhões em 1990 para US$ 60 milhões em 1998; para a industrialização (abate de
reses e preparação de produtos da carne) passou de 18,8 milhões em 1990 para US$ 110,1
milhões em 1997. No início da década, a bovinocultura era marginal nos financiamentos do Banco,
mas após reformulação nas políticas operacionais, que flexibilizou os critérios de apoio, a criação
de bovinos passou a receber um volume crescente de recursos. Porém, devido às incertezas
macroeconômicas, a demanda por crédito tende a retrair-se e os agentes financeiros tendem a ser
mais cuidadosos nos repasses das linhas de longo prazo. Deve-se ressaltar que 95% dos recursos
concedidos pelo BNDES para agropecuária é realizado por meio de agentes financeiros, o que
significa que a alocação segue critérios de mercado. O aumento da inadimplência, a contração das
fontes externas de recursos, o aumento das taxas de juros e a retração da demanda interna tendem
a reforçar um comportamento cauteloso na concessão do crédito.

78 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 4.1.1
Financiamentos Concedidos para Pecuária Bovina, por meio do Sistema Nacional de
Crédito Rural – 1990/96 – (Em R$ milhões)

Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil


Tabela 4.1.3
Financiamentos a Produtores e Cooperativas para Pecuária Bovina, pelo Sistema
Nacional de Crédito Rural – 1990 - 96 –
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
BRASIL 1063 961 946 1359 1412 1537 1474
NORTE 70 72 21 56 236 216 89
Rondônia 12 5 2 4 23 30 11
Acre 1 1 1 3 5 6 7
Amazonas 11 10 2 3 12 10 7
Roraima 0 5 1 1 4 9 8
Pará 32 36 10 30 121 98 35
Amapá 0 1 0 0 18 4 3
Tocantins 14 15 6 16 52 59 18
NORDESTE 282 219 182 252 134 315 600
Maranhão 41 26 15 44 10 28 41
Piauí 36 13 9 20 7 19 61
Ceará 54 32 22 41 43 44 101
Rio Grande do Norte 14 17 11 18 7 14 44
Paraíba 13 12 5 18 8 12 37

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 79
Continuação
Pernambuco 24 27 41 22 20 32 72
Alagoas 12 9 7 11 8 32 51
Sergipe 18 13 11 13 3 29 41
Bahia 69 70 59 65 30 104 152
SUDESTE 199 282 251 330 286 351 251
Minas Gerais 65 69 69 151 112 153 109
Espírito Santo 7 6 10 5 13 13 6
Rio de Janeiro 29 12 17 24 21 24 7
São Paulo 98 195 155 150 140 160 129
SUL 278 264 339 328 343 258 262
Paraná 67 73 129 173 230 98 79
Santa Catarina 134 135 143 87 57 92 105
Rio Grande do Sul 77 56 68 69 56 68 78
CENTRO-OESTE 235 124 153 393 412 398 272
Mato Grosso do Sul 76 43 69 159 171 141 69
Mato Grosso 113 31 46 106 120 101 52
Goiás 41 44 36 122 110 139 144
Distrito Federal 4 6 2 6 12 17 7

OBS: Valores Expressos em R$ 1.000.000 de 1996, corrigido pelo IGP-DI


Fonte: IBGE – Anuário Estatístico do Brasil
Figura 4.1.2
Desembolsos do BNDES para a Criação de Bovinos
– US$/mil –

Fonte: BNDES (1999)

80 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 4.1.3
Desembolsos do BNDES para Abate de Reses, preparação de produtos da carne
– US$ mil –

120.000
110.000
100.000
90.000
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997*

OBS : * Dados referentes até novembro


Fonte: BNDES (1998)
A linha de crédito BNDES – Automático dispõe de recursos para projetos de bovinocultura
de corte que utilizem sistemas de alta produtividade, seja o sistema de confinamento integral ou o de
pasto rotacionado com confinamento na entressafra. Nos estados onde são desenvolvidos programas
de novilho precoce ou equivalente, os produtores devem comprovar sua inscrição no respectivo
programa para terem acesso a esses recursos. O crescimento do programa de novilho precoce na
Bahia, por exemplo, se deveu à divulgação e ao lançamento de uma linha de crédito aos pecuaristas,
contando com repasses do BNDES via Banco do Nordeste. A passagem da pecuária tradicional
para a tecnificada produz taxas de retorno mais elevadas, tornando mais atrativas as aplicações
quando comparadas com as alternativas (Faveret Filho, 1998).
Poucos produtores do País têm feito uso da Nota Promissória Rural com objetivo de adiantar
recursos da venda do gado para frigoríficos. Esta não é uma prática muito difundida, especialmente
devido a falta de crédito (dado o alto risco financeiro) dos frigoríficos que suportam os descontos das
notas no banco. Outra fonte de recursos diz respeito aos contratos de fornecimento e financiamento da
produção que podem ser efetivados via Cédula do Produtor Rural, do convênio ABCZ – Banco do
Brasil (Felício, 1998).
Um outro instrumento para financiamento da pecuária nacional são os mercados futuros. Apesar
de o boi gordo figurar entre as principais commodities agrícolas transacionadas nesses mercados no

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 81
Brasil, sua utilização ainda é restrita. Em 1999, o Governo Federal autorizou a internacionalização
desses mercados, na expectativa de que capitais privados externos possam ser atraídos para a compra
e financiamento da produção (Ministério da Agricultura e do Abastecimnento, 1999).
Os frigoríficos enfrentam maiores dificuldades de financiamento de capital de giro, principalmente
devido à elevação nos custos e à exigência dos pecuaristas de pagamento à vista nos momentos de
instabilidade. Estes últimos adotam uma postura cautelosa diante do aumento do risco de não recebimento.
O segmento voltado para exportação tem maior facilidade na obtenção de recursos, especialmente por
meio dos Adiantamentos sobre Contratos de Câmbio (ACC), que são antecipações de vendas a termo
para o mercado internacional. Esses recursos têm sido utilizados para compra de boi gordo no mercado
interno com a finalidade de honrar compromissos de exportação.
É necessário considerar a necessidade de financiamentos para os frigoríficos e agentes que irão
incorporar a desossa em suas atividades. Na Região Centro-Oeste, a redução do ICMS para carnes
desossadas tem estimulado a realização de investimentos nessa área (que podem variar de R$ 500 mil a
R$ 1.500 mil). Existem recursos creditícios do Fundo Constitucional do Centro-Oeste e do FINAME/
BNDES disponíveis para esses investimentos15. Entretanto, dado o elevado nível de endividamento
nesse elo da cadeia produtiva, a análise de risco realizada pelos bancos, geralmente, desaconselha a
concessão de recursos, especialmente para aqueles frigoríficos voltados exclusivamente para o mercado
interno.
No setor varejista, deve-se ressaltar a necessidade de reestruturação dos açougues, que passaram
a ter um novo papel a desempenhar após as Portarias 304 e 145. Em São Paulo, por exemplo, o
financiamento necessário para a reforma dos açougues que integrarão a rede AçouCia, uma iniciativa do
Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas de São Paulo, poderá ser obtido com recursos do
FAT. Uma linha de financiamento foi criada pelo Banco do Nordeste, na qual tem também permitido a
adequação de um conjunto de açougues às Portarias, tendo o aval da associação dos açougueiros.
O que tem limitado a disponibilidade de crédito investimentos na pecuária é a instabilidade do
retorno financeiro, notadamente para pecuária extensiva e/ou produtores com menor rebanho. Na verdade,
a agropecuária tem especificidades que requerem instrumentos de crédito apropriados. De um lado, os
ciclos de produção mais longos e rígidos dificultam, e na maioria dos ramos continuam impedindo, a
compatibilização dos fluxos de receitas e gastos. Como o processo de produção é contínuo, gasta-se ao
longo de todo o período, mas a receita só pode ser realizada após a venda de animais. O resultado é uma
discrepância entre fluxo de gastos e receitas e uma elevação do capital de giro necessário para sustentar
o processo de produção. Esta rigidez, e a dependência da natureza, elevam os riscos envolvidos na
produção, seja devido às flutuações aleatórias das condições naturais, seja devido à maior dificuldade
para responder às mudanças nas condições de mercado. A ocorrência de flutuações de preços, às quais
os pecuaristas nem sempre estão em condições de analisar, conduz a tomadas de decisões equivocadas
quanto ao momento de se realizar a venda de seu produto. Por exemplo, é comum ouvir que “os
pecuaristas só vendem na baixa”. Esta especificidade tem duas implicações relevantes para a compreensão

15
Os fundos constitucionais foram criados pela Constituição de 1988 (regulamentados pela Lei nº 7827 de 27-9-1989) e são
constituídos com 3% das arrecadações do Imposto de Renda e proventos de qualquer natureza, e do IPI (Gasques & Vila Verde, 1995).

82 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
do papel do crédito: uma maior variabilidade da renda do pecuarista e um risco mais elevado. A maior
variabilidade da renda existe devido a alternância de anos bons e anos ruins. Por sua vez, a taxa de juros
está diretamente correlacionada ao risco, de forma que um nível de risco mais elevado implica em juros
mais altos sob a ótica de quem empresta.
Esse fato introduz uma inadequação entre as condições exigidas pelos bancos para realizar
empréstimos e as condições aceitáveis pelos produtores. Enquanto para os bancos um risco mais elevado
requer taxa de juros mais elevada, para o produtor o efeito seria exatamente o contrário: um nível de risco
mais elevado teria de ser “compensado” por taxas mais baixas e por redução da utilização de recursos de
terceiros. Para reduzir os riscos e incertezas envolvidos no negócio rural, os bancos exigem garantias que
em último caso pode atingir os bens do mutuário e seus avalistas. Como reação, e também para reduzir
seus riscos, os produtores rurais desenvolvem uma atitude “conservadora” e cautelosa em relação aos
empréstimos, já que alguns resultados negativos podem custar o seu próprio patrimônio. Daí a explicação
da presença marcante dos governos, em quase todo o mundo, na área do crédito rural.
Entretanto, taxas de juros muito baixas tendem a “afrouxar” o rigor na avaliação dos projetos e
a própria rentabilidade mínima necessária para financiá-los, ou seja, os recursos passam a ser utilizados
com menos rigor, pois o custo da ineficiência é relativamente baixo. Taxas de juros mais elevadas
produziriam melhor seleção dos projetos, já que apenas os mais rentáveis seriam compatíveis com o
pagamento futuro do empréstimo. Os produtores também teriam de estar mais atentos à eficiência na
utilização dos recursos. Ou seja, há uma tensão permanente entre crédito, taxa de juros, crescimento
da atividade e eficiência econômica. Quando essa tensão cede demasiado para um lado, por exemplo,
redução de liquidez e taxas muito elevadas, compromete-se o ritmo de modernização da atividade, já
que apenas alguns projetos gerarão fluxos de rendimentos futuros compatíveis com o pagamento dos
juros. Por outro lado, taxas muito baixas podem produzir desperdício de recursos escassos, seja pela
má seleção de projetos seja pelo desvio ou má utilização dos recursos.
Muito mais importante do que taxas de juros subsidiadas, ou muito baixas, seria a estabilidade
de preços e de rentabilidade, que poderia ser conquistada por meio de uma coordenação mais
efetiva da cadeia. Essa afirmativa advém da argumentação que se segue.
Do ponto de vista dos credores, o custo de operação do crédito (COC) é composto de:
Custos de mobilização dos recursos, ou seja, a taxa de juros paga aos poupadores (r p) e
Custos de transação do crédito (CTc), que incluem os custos de informação sobre os
tomadores de empréstimos e os custos de gestão do crédito (iniciar, administrar e obter o reembolso
dos créditos) (Buainain et al., 1998).

COC = rp + CTc

Os custos de mobilização dos recursos que atualmente têm sido destinados para financiamento
da pecuária de corte e investimentos em frigoríficos são baixos quando comparado aos custos de
captação no mercado. Tratam-se de recursos mobilizados por meio de mecanismos de captação e/
ou destinação compulsória, como o FAT, o PIS/PASEP, os Fundos Constitucionais e as exigibilidades

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 83
sobre os depósitos à vista e a poupança verde. Para algumas dessas fontes (Fundos Constitucionais
e depósitos a vista), existe maior flexibilidade na fixação de taxas de juros mais baixas, dado que os
custos de mobilização dos recursos, rp, é baixo. Entretanto, os custos de transação (CTc) podem
tornar-se extremamente elevados para quando se trata da pecuária bovina e frigoríficos, pois a
rentabilidade do negócio e capacidade de pagamento dos demandantes de crédito são de difícil
previsão, o que eleva o risco. A contrapartida bancária de um risco maior é uma taxa de juros
igualmente superior. Se a taxa de juros, por razões de política, é fixa e limitada (como ocorre para
as aplicações das exigibilidades do Sistema de Crédito Rural e determinadas operações do BNDES,
por exemplo), as instituições financeiras utilizam outros prêmios para aumentar a receita esperada
das transações e/ou são extremamente seletivas quando aos clientes e projetos.
O que normalmente se recomenda em uma situação como a apresentada acima é uma reforma
da política de taxas de juros que dê mais flexibilidade a sua fixação. Entretanto, essa reforma não
é suficiente. A rentabilidade instável da atividade, que afeta a solvência dos mutuários, não está
necessariamente ligada à disponibilidade de crédito, como havíamos sugerido, mas a fenômenos
que existem na dinâmica produtiva, como (1) tecnologias pouco adequadas; (2) baixo acesso a
insumos chaves; (3) infra-estrutura de comercialização insuficiente e ineficiente, etc. Subsídios às
taxas de juros não tem nenhum efeito sobre esses fenômenos. Nesse sentido, é fundamental eleger
os tipos de projetos a financiar que tenham as melhores condições de êxito. Como o custo dessa
avaliação é elevado, torna-se muitas vezes prudente, sob a ótica das instituições financeiras, alocar
recursos para setores onde o risco é menor.
A solução do problema pode passar por inovações financeiras que necessariamente devem
reduzir os custos de transação e o risco tanto para o credor como para o mutuário. A redução do
risco exige uma disponibilidade maior de informação e, em conseqüência, maiores custos de
transação. O critério para que uma inovação financeira seja aceitável é que seu efeito na redução
do risco seja muito maior que seu efeito no aumento do custo. A grande dificuldade quando se tem
um número grande de instituições operando com créditos que se destinam a um mesmo setor está
no fato de que a pulverização termina por inflar os custos de transação. Cada instituição é obrigada
a manter um staff capacitado no ramo ou pagar consultores, o que onera demasiadamente os
custos de transação. Não é possível ganhar escala, nem traçar uma política regional ou nacional de
desenvolvimento para o setor. Esta é a realidade presente na cadeia de pecuária bovina de corte no
Brasil, onde agências financeiras estatais são extremamente seletivas e cautelosas, os bancos privados
raramente se dispõem a operar no setor, e não há uma política comum que os oriente nas análises
dos projetos. O esforço empreendido por associações de agentes junto a instituições bancárias
(por exemplo, a ABCZ e o Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas do Estado de São
Paulo junto ao Banco do Brasil) no sentido de obter crédito para seus associados é uma tentativa
de solucionar o problema. São, contudo, tentativas cujo alcance é limitado, dado o tamanho e a
importância econômica da cadeia.
Uma inovação mais ousada seria a criação de um fundo rotativo e específico, gerido por uma
instituição capacitada para dar pleno suporte aos agentes financeiros. Os recursos para a formação
de um fundo desta natureza poderia advir de diversas fontes, desde fundos e exigibilidades já

84 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
existentes até da criação de novas fontes, o que é recomendável (taxas, empréstimos internacionais
com intermediação governamental, etc.). As formas de captação e o próprio formato institucional
da organização gestora seriam, na verdade, resultado da estrutura de coordenação da cadeia
produtiva. Dado que essa estrutura de coordenação é ainda caótica, ou mesmo inexistente, como
será visto adiante, é possível que o próprio esforço para a criação do fundo, iniciado por alguma
organização privada ou pelo próprio Estado, opere como um elemento aglutinador de interesses.
Haveria, assim, um mecanismo de retroalimentação no processo de criação do fundo e formação
de uma estrutura de coordenação. A organização gestora do fundo poderia, por exemplo,
desempenhar o papel de executora de um programa de fortalecimento da competitividade da cadeia,
o qual seria resultado do próprio esforço de coordenação empreendido por agentes mais
representativos.
4.1.11. Disparidades e Ausência de Informações Estatísticas
As informações estatísticas disponíveis sobre os produtos, insumos e subprodutos da cadeia,
quando existem, são extremamente díspares e apresentam confiabilidade discutível. Os cálculos de
produtividade e o dimensionamento dos distintos elos da cadeia são prejudicados por essa
anormalidade. Nessa seção são indicados os principais problemas e soluções encontradas quanto
a esse aspecto.
Um dos indicadores de produtividade mais utilizados na pecuária bovina é a taxa de desfrute,
na qual mede o abate em relação ao tamanho e ritmo de crescimento do rebanho. A taxa de
desfrute pode servir de proxy para um conjunto de indicadores de produtividade – a melhoria dos
pastos, o confinamento, o uso de inseminação artificial e a transferência de embriões. Entretanto, o
cálculo da taxa de desfrute no Brasil é prejudicado devido a existência de grande controvérsia
sobre o efetivo de bovinos e o número de abates no Brasil. Os dados disponíveis são extremamente
dispares e requerem cautela quanto a sua utilização.
A Pesquisa Mensal de Abate (PMA) é realizada pelo IBGE desde 1976 (ver Quadro 4.1.5).
Sua utilização para cálculo da taxa de abate (abate/rebanho) revela resultados completamente
diferentes daqueles que poderiam ser esperados (Petti, 1996). Para certos períodos, ocorre queda
na taxa de abate, quando, por meio da observação de outras variáveis, a atividade apresenta
ganhos tecnológicos. Tem sido consenso na literatura que a PMA não foi capaz de captar o total de
abate ocorrido no País. As dificuldades operacionais dos levantamentos, sonegação de informação
e abate clandestino são apontadas como as principais causas.
Em 1989 e 1990, o IBGE levantou informações sobre a quantidade de couros crus
inteiros de bovinos de procedência nacional. Essa pesquisa, realizada por meio de aplicação
de questionários, obteve resultados bastante acima daqueles obtidos pela PMA e passou a
ser realizada anualmente com o nome de Pesquisa Anual do Couro, PACo. Um dos principais
resultados da PACo foi evidenciar que a taxa de abate era maior do que a calculada pela
PMA.
O IBGE recomenda a PMA para obtenção de dados relativos à idade, sexo, peso médio,
sazonalidade, taxas de variação e tendências, dado sua representatividade próxima a dois terços

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 85
do total de couros bovinos adquiridos e processados nas indústrias de curtume do país. A PACo é
recomendada para dados absolutos, isto é, a quantidade de bovinos abatidos.
Além das pesquisas do IBGE, existem ainda as estimativas de empresas de consultoria, das
quais destacam-se as da Lazzarini & Associados e da FNP Consultoria & Comércio. Os dados das
empresas confirmam a orientação do IBGE de que a PACo resulta em valores mais próximos do
abate em termos absolutos e de que a PMA deve ser usada para observar tendências. Existe similaridade
no padrão das taxas de crescimento anual calculadas segundo a PMA e a Lazzarini & Associados.
Deve-se destacar que nos últimos anos (1992 a 1996) existe uma tendência de redução da
diferença entre a PMA e as demais estimativas. Isso se deve principalmente à redução nas alíquotas
de ICMS em alguns Estados, o que provavelmente contribuiu para reduzir a sonegação. Outro fator
que deverá contribuir para melhorar a qualidade das informações estatísticas sobre gado bovino no
país é a obrigatoriedade de se implantar a rastreabilidade. O sistema proposto para o Rio Grande do
Sul, que poderá servir de modelo para o País, apóia-se na criação de uma central informatizada, com
um banco de dados, ligada em rede com sindicatos rurais e associações de criadores. Esses, por sua
vez, seriam receptores de informações oriundas das propriedades.
Quanto às informações sobre produtos finais mais elaborados da indústria frigorífica, o mercado
de embutidos é o segmento que apresenta maiores dificuldades em termos de registro. O inverso
ocorre no mercado de conveniência (produtos customizados, produtos de massa e alimentos semi-
prontos), cujos dados são fornecidos em seminários, congressos, empresas de pesquisa e por meio
dos próprios fabricantes (Revista Nacional da Carne, set. 1998).
O fluxo de informações entre os diversos agentes da cadeia produtiva é ainda muito pequeno,
senão nulo. Dois fatos novos que poderão provocar significativas mudanças neste aspecto: são a
mudança do local da desossa e a exigência de rastreabilidade. A mudança do local da desossa exigirá
maior troca de informações entre frigoríficos e varejistas, especialmente no sentido de promover
oferta de cortes especiais. Ferramentas de gestão, como ECR, tendem a ser difundidas por imposição
da própria concorrência, ampliando assim não apenas o fluxo mas o volume de informações disponíveis
aos agentes. A rastreabilidade implicará, obrigatoriamente, no estabelecimento de um fluxo de
informações que, se levada às suas últimas conseqüências, inicia-se no criador e termina no consumidor
final de carne bovina.

86 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Quadro 4.1.5
Algumas fontes de informação estatística sobre abate de bovinos no Brasil

Pesquisa Mensal de Abate – IBGE. A PMA é realizada por meio de uma amostragem
estratificada. A população/objetivo está dividida em dois conjuntos. O primeiro é composto pelos
estabelecimentos industriais que se dedicam ao abate, de acordo com Censo Industrial. O segundo
é composto por municípios com mais de 50 mil habitantes passíveis de realizarem o abate de
animais em matadouros municipais, charqueadas, postos de matança, estabelecimentos
rudimentares, etc.; é respaldado pelo Censo de Serviços. O cadastro é atualizado sistematicamente
por meio de informações oriundas das Agências de Coleta e dos censos econômicos. A amostragem
é redimensionada a cada Censo Industrial.
Pesquisa Anual do Couro – IBGE. A PACo foi uma pesquisa especial implementada
para detectar o nível de defasagem dos resultados obtidos pela PMA. A indústria do couro é
altamente concentrada, o que facilita a pesquisa. Em 1989, segundo a PACo, as principais fontes
de couros verdes de origem nacional eram os matadores-frigoríficos (43,9%) e os intermediários
(40,9%), sendo o restante procedente de matadouros municipais (3,4%), outros curtumes (2,6%)
e origem não-identificada. Dada a pequena quantidade de estabelecimentos curtidores de couros
bovinos, o método empregado é o censitário. O IBGE recomenda a PACo para dados absolutos,
isto é, a quantidade de bovinos abatidos.
Lazzarini & Associados. Estimam o abate mediante dados de produção de couros de
origem nacional fornecidos pelo Centro de Curtumes do Brasil (CICB). O peso médio das carcaças
é obtido por meio de dados do IBGE, efetuando-se uma correção “para baixo”, uma vez que
consideram que nos abates informais há maior participação de fêmeas que nos abates sobre
controle fiscal. Estimam também o efetivo do rebanho por meio de extrapolação. A taxa de abate
resultante dos dados da PACo do IBGE é considerada baixa pelos técnicos da empresa, o que se
deve à clandestinidade do mercado.
FNP Consultoria & Comércio. Não utiliza dados de couros, exceto para checagem de
resultados. Considera que nesse campo há dificuldades na obtenção de informações e que a
própria informação, dividida em couros importados e nacionais, é pouco precisa. A empresa
calcula o abate mediante modelo econométrico baseado no rebanho. Utiliza dados do IBGE para
as Regiões Sul e Sudeste e estima os dados das demais Regiões por considerá-los irreais. Nessas
últimas, existe uma tendência do proprietário em informar um rebanho acima do real devido aos
incentivos fiscais e a preocupação de ter sua terra classificada como improdutiva e suscetível de
desapropriação para Reforma Agrária. Para a estimativa são utilizados dados da EMATER, como
vacinação, por exemplo. O abate é calculado a partir da definição de 40 tipos de rebanhos (utilizando
as microrregiões homogêneas do IBGE) existentes no País, definidos segundo uma combinação
de índices de produtividade: idade do rebanho, idade da primeira cria, fertilidade, idade de abate,
taxa de natalidade e de mortalidade, clima, variação do abate em função dos movimento de
mercado, peso médio das carcaças, etc.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 87
4.1.12. P&D na Cadeia de Carne Bovina
Existem inúmeras organizações de caráter público e privado envolvidos com P&D na cadeia
de carne bovina no Brasil. A Embrapa, por meio de seus centros (CNPGC, Campo Grande;
CPPSE, Fazenda Canchin, São Carlos; CPPSUL, Bagé), tem desenvolvido pesquisas voltadas
para a produção pecuária, com bons resultados na geração de tecnologias relativas a genética
animal, manejo, alimentação e recuperação de pastagens. Empresas agropecuárias de caráter privado
têm também investido em P&D, notadamente em melhoramento genético, forrageiras e pastagens.
Seu objetivo principal tem sido a comercialização de sêmen, tourinhos e sementes de alta qualidade.
Nesse sentido, a FINEP vem apoiando experiências de melhoramento genético do rebanho bovino
brasileiro. Até junho de 1998, foram destinados R$ 40 milhões para 13 projetos. A região Centro-
Oeste tem sido o alvo principal dessas iniciativas (Rumos, 1998).
Um dos trabalhos de destaque desenvolvido na área de melhoramento genético está sendo
realizado pela Associação Brasileira de Criadores de Zebu em parceria com a EMBRAPA, a USP/
Ribeirão Preto, criadores e centrais de inseminação. Alguns resultados são disponibilizados por
meio da publicação anual do “Sumário de Touros”, em que são apresentadas pesquisas com touros
de várias raças como Nelore, Guzerá, Indubrasil e Gir.
O mercado de insumos agropecuários no Brasil é dominado por um conjunto de empresas,
na maioria multinacionais, que também possuem centros de pesquisa no Brasil e no exterior. A
pesquisa Top of Mind da Revista Rural, realizada junto a uma amostra de 250 produtores rurais,
destacou as seguintes empresas: Tortuga (sal mineral), Purina (ração), Ivomec (vermífugo), Topline
Acatak (parasiticida), Rhodia/Merial (vacinas), Coimma (troncos), Filizola (balança), Gerdau
(arame), Pecplan – ABS e Lagoa da Serra (inseminação), Pencivet (antibióticos), Agroceres
(sementes) e Serrana/IAP (fertilizantes) (Rural, jun. 1998).
Muitas empresas de insumos agropecuários realizam extensão rural como estratégia de
vendas e, assim, têm ocupado o espaço deixado pelo setor público nessa atividade. É raro,
senão inexistente, a presença de frigoríficos cumprindo essa função. Embora seja possível encontrar
frigoríficos adotando ações cooperativas com açougues, seja patrocinando cursos de formação
e/ou desenvolvimento profissional, seja participando de alianças mercadológicas que envolvem
adoção de novas técnicas de corte.
Na área de processamento de carne destacam-se as pesquisas realizadas pelo Centro de
Tecnologia de Carnes do ITAL, que vem modernizando suas instalações laboratoriais visando
implantar um programa de certificação para produtos cárneos (Arina, 1996. ).
Os frigoríficos, entretanto, na sua maioria não dispõem de laboratórios ou departamentos de
P&D. A exceção fica por conta daqueles mais voltados para exportação ou que tem oferecido
embutidos e porcionados. Nestes casos é comum observar-se trabalho conjunto com fornecedores
de insumos, geralmente visando testar ou desenvolver novo produto (por exemplo, cola de carne
visando aproveitamento de aparas). Espera-se que concentração da desossa em empresas de
maior porte proporcione melhores condições de pesquisa e desenvolvimento de novos cortes, bem
como novas técnicas relacionadas à sanidade e durabilidade da carne (Arina,1996). Também nesse

88 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
sentido, o setor de embalagens, por meio de várias empresas tem se preparado para introduzir e
difundir inovações nos próximos anos.
Em diversas universidades e centros de pesquisa ligados às Secretarias de Estado são
desenvolvidos inúmeros projetos nas áreas de Biologia, Zootecnia, Engenharia de Alimentos,
Economia e Administração Rural voltados para os diversos elos da cadeia de carne bovina. Também
tem sido grande o número de softwares produzidos por organizações nacionais voltados para o
gerenciamento da pecuária.
Bliska e Gonçalves (1998) detectaram demandas de P&D para a cadeia de carne bovina no
16
Brasil . As principais demandas tecnológicas concentram-se nos seguintes pontos:
“(a) Cruzamentos Industriais: seleção de características desejáveis, tais como
precocidade e eficiência biológica, especialmente quanto ao peso e desenvolvimento de
carcaças; estudos sobre volume e quantidade de carne produzida; produção de novilhos com
gorduras monoinstauradas; obtenção de animais com maior velocidade de ganho de peso.
(b) Manejo nutricional: redução dos custos de produção por meio da utilização de
rações de custo mínimo; contornar ou minimizar a redução na produção de carne proveniente
do sistema de produção à pasto, nos períodos de seca.
(c) Produção de novilho precoce: estudos comparativos (animais precoces/animais com
idade convencional de abate, sobre rendimento, sabor, maciez, suculência e aceitabilidade
pelo consumidor.
(d) Caracterização da carne bubalina in natura: análise sensorial em função do sexo
e idade do animal, quanto a maciez, sabor, qualidade visual, e outros e sobre sua aceitabilidade
pelo consumidor; estudos de estabilidade durante o período de armazenamento.
(e) Comportamento das doenças no campo e prevalências para seu controle efetivo:
realização de pesquisas com respaldo em dados reais.
Principais demandas não-tecnológicas:
(a) Avaliação de produtos gerados: pesquisa de mercado, para conhecer melhor o
consumidor final, para que as pesquisas de desenvolvimento de produtos possam se bem-
direcionadas.
(b) Definição de aspectos ideais em termos de saúde do consumidor: a discussão atual
não vem sendo conduzida de forma cientificamente correta; ela está mais relacionada a
modismos e padrões culturais.
(c) Produção de novilho precoce: análises quantitativas para quantificar ganhos e perdas
do mercado e análises econômicas clássicas, como margens e custos.

16
Ver também BLISKA, F. M. de M; RAZOOK, A. G; PITUCO, E. M; ALLEONI, G. F; COUTINHO FILHO, J. L. V; GONÇALVES,
J. R. e LEME, P. R. Prospecção de demandas tecnológicas na cadeia produtiva de carne bovina no Estado de São Paulo. Nova
Odessa: ITAL/IZ, 1998.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 89
(d) Sanidade animal: realização de diagnósticos diferenciais das doenças reprodutivas,
para utilizá-los de forma metódica e sistemática.
(e) Redimensionamento de impostos e taxas: em todos os segmentos da cadeia.
(f) Capacitação de laboratórios de controle de qualidade: insumos e produtos.
(g) Melhorar o relacionamento e a coordenação ao longo da cadeia: melhorar a
integração entre os elos.
(h) Aumentar a eficiência das negociações internacionais: negociar acordos favoráveis
à cadeia”.
4.1.13. Agentes da Cadeia
Existe um grande número de agentes envolvidos em cada elo da cadeia produtiva da carne
bovina no Brasil. Não se pode falar em grupos de produtores, frigoríficos ou distribuidores que
efetivamente exerçam um papel de liderança nacional. O número de associações e entidades de
classe (de produtores, de indústrias e de varejistas), estaduais e nacionais, supera o necessário e
conduz a superposição de funções. Em grande medida, isso se deve aos conflitos de interesses. A
cadeia como um todo, ou mesmo qualquer um de seus elos, carece de uma organização hegemônica
que lhe represente e porque exerça funções de coordenação. Essa ausência é uma das principais
responsáveis pela perda de competitividade.
Existem ações em nível nacional e estadual no sentido de buscar uma coordenação mais
efetiva das ações desses agentes. Em nível nacional, a Confederação Nacional da Agricultura e o
Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte têm conseguido aproximar diversas entidades a
fim de buscar soluções comuns para os problemas da cadeia. Por meio dessas entidades foi possível
estabelecer um canal de comunicação entre o setor privado e o governo, no qual algumas parcerias
têm sido concretizadas. As mudanças recentes na legislação sanitária, por exemplo, foram discutidas
nesse fórum antes de serem editadas. Entretanto, existem outros interlocutores na área industrial,
como a Associação Brasileira da Indústria de Frigoríficos (ABIF) e a Associação Brasileira das
Indústrias Exportadoras de Carnes Industrializadas (ABIEC)17, cujos interesses conflitam com aqueles
de organizações dominadas por pecuaristas.
Nas últimas décadas tem-se observado o estreitamento dos canais de comercialização de
produtos agroindústrias. Esse fato tem implicações para a cadeia de carne bovina. A participação
dos supermercados é crescente, estabelecendo-se situações de oligopsônio. Esse é mais um foco
de conflito que tem os esforços de uma coordenação mais efetiva. Na Europa, ao contrário, a
concentração do varejo nas mãos das grandes redes de supermercados tem contribuído para
restabelecer a confiança do consumidor em relação a carne bovina após a crise da vaca louca. São
estas grandes redes que têm assumido funções de coordenação na cadeia.

17
A ABIEC é o interlocutor governamental para o estabelecimento de critérios para distribuição da Cota Hilton entre os
frigoríficos exportadores brasileiros.

90 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Um esforço maior de coordenação tem sido realizado mediante a formação de alianças
mercadológicas. Essas experiências estão dispersas no território nacional, envolvem ainda poucos
agentes e apresentam diversas barreiras a serem vencidas (em especial, conflitos de interesses entre
pecuaristas, frigoríficos e varejistas). As iniciativas estão, em geral, relacionadas aos programas de
novilho precoce. As primeiras alianças foram formadas a partir de iniciativas de instituições de
caráter estatal ou para-estatal; como os Programas Carne de Qualidade do Governo do Rio Grande
do Sul e do FUNDEPEC – SP. Recentemente, o próprio setor privado (associações de produtores,
alguma rede de supermercados ou associação de açougues) tem assumido a liderança na formação
de novas alianças. Em nível nacional, o Programa Novas Fronteiras do Cooperativismo, do Ministério
da Agricultura e Abastecimento, tem procurado difundir e apoiar a formação de novas alianças e,
nesse sentido, busca exercer um papel coordenador na transformação da cadeia. Entretanto, a
dificuldade de se obter uma coordenação efetiva tem, por exemplo, atrasado a montagem de um
programa nacional de certificação de qualidade. Essa ausência abre espaço para a proliferação de
selos e marcas de qualidade, o que poderá trazer prejuízo para o marketing da carne.
Quadro 4.1.6
Órgãos ativos em iniciativas de coordenação na Cadeia de Gado de Corte

Em nível estadual, conflitos de ordem política e econômica têm impedido uma maior
representatividade da cadeia e a formulação de políticas voltadas para o setor. Nos estados onde
esses conflitos são menores, o setor público tem realizado parcerias com o setor privado, propiciando
a criação de organizações voltadas especificamente para o desenvolvimento da cadeia (FUNDEPEC,
institutos, agências executivas). Algumas dessas organizações têm sido bem sucedidas na solução

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 91
de problemas comuns, como o combate a febre aftosa, o aumento da competitividade da cadeia
por meio dos programas de novilho precoce, a formação de alianças mercadológicas, uma fiscalização
mais efetiva e o combate à clandestinidade. Esse sucesso corrobora a nossa hipótese de que a
ausência de uma coordenação mais efetiva entre os agentes da cadeia tem sido um dos maiores
responsáveis pela sua perda de competitividade.
4.2. Consumo de Carne Bovina no Brasil
4.2.1. Consumo atual
O consumo de carne bovina é influenciado principalmente pela renda per capita da população,
pelo preço da carne bovina e pelo preço das demais carnes, suas substitutas. Paralelamente, a
influência pode vir da mudança das preferências dos consumidores; por exemplo, a difusão da idéia
de que as carnes brancas são melhores para a saúde pode levar a uma redução do consumo da
carne bovina, mesmo que os fatores citados anteriormente permaneçam estáveis.
Como praticamente todos os fatores acima tendem a mudar ao longo do tempo, o consumo
de carne tende a mudar tanto no curto prazo (movimentos irregulares) quanto no longo prazo
(tendência). O comportamento do consumo pode ser aferido por meio de informações publicadas
pelo IBGE, originadas nas Pesquisas de Orçamentos Familiares (POFs), ou por meio de informações
geradas por instituições privadas, tal como a FNP Consultoria & Comércio Ltda.
A comparação dos dados originados pelas duas fontes, mostra grandezas bastante diferentes.
Isso se deve à metodologia utilizada por cada instituição. No caso do IBGE, as informações referem-
se ao consumo feito dentro do domicílio. Considerando que as mudanças nos hábitos de consumo
da população têm apontado para um aumento expressivo no consumo fora de casa, as informações
do IBGE tendem a subestimar a real grandeza do consumo de carne. Já a FNP mostra informações
sobre o consumo como um todo, tanto dentro quanto fora do domicílio, espelhando melhor o total
consumido pelo consumidor brasileiro. Por outro lado, como as informações do IBGE apresentam
discriminações por regiões e por estratos de renda, essas informações permitem certos tipos de
análise que os dados do FNP não permitem, sendo, portanto, aconselhável utilizar ambas as fontes
conjuntamente.
4.2.2. Relação Preço-Consumo
A relação entre o consumo da carne bovina e seu preço é medida pela elasticidade-preço
direta da demanda, enquanto a relação do consumo com o preço de produtos substitutos e
complementares é feita pela elasticidade cruzada da demanda. Numerosos estudos têm sido feitos
buscando estimar a demanda de carne bovina. Entre os estudos mais recentes, destacam-se os
realizados por Bacchi & Barros (1992) e por Fernandes et alli (1989), que utilizaram sistemas de
demanda. O primeiro trabalho utilizou o sistema linear de dispêndio, enquanto o segundo estimou
um sistema Rotterdam. Utilizando dados para São Paulo capital, de 1957 a 1987, Bacchi & Barros
constataram que, embora a demanda de carne bovina seja preço-inelástica no curto prazo, ela se
torna elástica a longo prazo. Esses resultados são semelhantes aos encontrados por Santos et alli
(1974) e Lobato (1975), mostrando que leva um certo tempo para que os consumidores possam

92 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
rearranjar sua cesta de consumo em decorrência de alterações nos preços dos produtos
(Tabela 4.2.1).
Além dos diferentes métodos utilizados, as diferenças entre as estimativas encontradas
decorrem dos diferentes períodos e regiões estudados em cada um dos trabalhos. Grosso modo,
um valor médio para a elasticidade-preço direta da demanda de curto prazo se situaria ao redor de
-0,5, enquanto para a elasticidade de longo prazo, este valor seria próximo a -1,0. Esses resultados
sugerem um potencial para incremento do consumo de carne bovina, caso ganhos de produtividade
permitam a redução do preço pago pelo consumidor.
4.2.3. Efeito da Renda
A mensuração do impacto da renda sobre o consumo é feita por meio da elasticidade-renda
da demanda. Existem basicamente duas categorias de dados passíveis de serem utilizados nas
estimativas da elasticidade-renda: séries temporais e cortes seccionais. Dependendo da categoria
utilizada, diferentes interpretações são cabíveis. Barros (1987) argumenta que, num corte seccional,
as famílias apresentam-se com rendas variadas, às quais elas estão bem ajustadas, o que faz com
que as estimativas provenientes desses dados tenham um caráter de longo prazo. Em contrapartida,
as elasticidades estimadas a partir de séries temporais mostrariam ajustamentos de curto prazo às
variações na renda.
As estimativas disponíveis na literatura são bastante variáveis. No caso de Bacchi & Barros,
os valores estimados são 0,52 para o curto prazo, e 1,11 para o longo prazo, enquanto Fernandes
et alli encontraram um valor de 1,05 para o curto prazo. Com exceção de Lobato e Fernandes et
alli, todos os demais trabalhos encontraram elasticidades menores a curto prazo, sugerindo que a
carne bovina é um bem normal, muito embora a longo prazo esse produto possa se comportar
como um bem de luxo (variação do consumo mais que proporcional em relação à renda). Tentando
lançar mão de dados mais recentes, estimou-se, nesse trabalho, elasticidades- renda com base nos
dados da POF de 1996, para os quatro tipos de carne bovina disponíveis. Os resultados (Tabela
4.2.2) mostram que apenas as elasticidades-renda da carne de primeira e da carne de segunda
foram significativamente diferentes de zero, sendo que a primeira foi maior que a segunda¹,
confirmando que a carne de primeira é um bem mais desejado que a carne de segunda. Para os
outros dois tipos de carne, o ajustamento foi muito ruim, não se rejeitando a possibilidade de que as
elasticidades-renda dos outros tipos de carne e das vísceras bovinas sejam iguais a zero.
Outro aspecto a se considerar quanto às estimativas é que, como a renda não é uniformemente
distribuída entre a população, a elasticidade, ou seja, a resposta do consumidor às variações de renda
tende a ser diferente para diferentes estratos de renda. Furtuoso (1980) estudou a demanda para produtos
agregados e verificou que a elasticidade-renda da demanda de carnes e pescados era igual a 1,22 para
consumidores com renda familiar entre zero e cinco salários-mínimos, 0,46 para consumidores com
renda entre cinco e dez salários mínimos, e 0,19 para consumidores com renda familiar maior do que dez

1
Os autores deste trabalho reconhecem que os termos utilizados atualmente para diferenciar as carnes são “carne de traseiro” e
“carne de dianteiro”, em substituição à “carne de primeira” e “carne de segunda”. Entretanto, optou-se por manter a denominação
utilizada pela POF/IBGE, por ser esta fonte dos dados.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 93
salários mínimos. Isso implica em um aumento de 10% na renda dos consumidores mais pobres, o que
os levaria a aumentar em 12,2% seu consumo de carne bovina, enquanto o mesmo aumento de renda
aos consumidores de maior renda os levaria a um aumento de consumo de menos de 2%. Logicamente,
o impacto desse aumento de renda sobre a quantidade demandada no País vai depender de quanto cada
estrato consome, o que é difícil de antecipar já que cada consumidor do estrato mais rico consome mais,
mas existem mais consumidores no estrato mais pobre.
4.2.4. Efeito Substituição
Além do impacto do próprio preço e da renda, a demanda de um produto sofre o efeito dos
preços de outros produtos, seus substitutos ou complementos. Grosso modo, as análises da demanda
de carne bovina utilizam a carne de frango e a carne suína como produtos substitutos, gerando
elasticidades-cruzadas da demanda cujos sinais esperados são positivos (um aumento no preço do
produto substituto, supostamente leva a uma redução no consumo deste e a um aumento no consumo
de carne bovina).
O efeito dos produtos substitutos, mostrado na Tabela 4.2.3, confirma que as carnes de
frango e suínos são substitutos da carne bovina, conforme já se esperava. O efeito do preço da
carne de frango provavelmente está subdimensionado, pois o impacto maior da queda do preço
deste tipo de carne ocorreu após o início dos anos 80. Como as estimativas utilizaram dados desde
1957 ou 1960, as elasticidades-cruzadas do preço da carne de frango provavelmente estão aquém
de seu valor atual.
Uma forma mais direta, embora menos rigorosa do ponto de vista estatístico, de analisar o
efeito da substituição entre as carnes é por meio da evolução do consumo per capita. A simples
observação do consumo relativo das carnes na década de 1990 (Figura 4.2.1, construída a partir
de dados publicados no ANUALPEC (1999), mostra que a carne bovina vem perdendo mercado,
em termos relativos, para os demais tipos de carne, principalmente para a carne de frango.
A despeito de outras explicações apresentadas nesse texto, tal como a preocupação dos
consumidores com o consumo de alimentos ditos mais saudáveis, o comportamento dos preços
das carnes é suficiente para justificar a tendência de aumento de consumo de carne de frango. A
Figura 4.2.2, construída a partir dos preços médios mensais no varejo de São Paulo (dados do
Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura de São Paulo), mostra claramente que
a carne bovina tem ficado relativamente mais cara que a carne de frango. No final do ano de 1998,
a carne bovina era cerca de 80% mais cara que a de frango, em relação aos preços vigentes em
1975. Sendo positiva a elasticidade-cruzada da demanda entre esses dois tipos de carne, a carne
bovina logicamente tenderia a perder mercado para a carne de frango. No caso da carne suína,
entretanto, os preços não servem para justificar o aumento relativo de consumo. Grosso modo, o
preço da carne suína tem mantido a mesma proporção em relação ao preço da carne bovina.
4.2.5. A Evolução do Consumo
Os dados da FNP (Tabela 4.2.4) mostram que o consumo interno de carne bovina tem sido
bastante irregular. Embora tenha havido um aumento de consumo de quase 20% entre 1987 e os

94 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
últimos dois anos reportados (1996 e 1997), não existe uma clara tendência no comportamento
dessa variável.
O consumo per capita de carne bovina, dentro dos domicílios das principais regiões
metropolitanas do Brasil (Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador e São Paulo), pouco alterou-se entre 1987 e 1996, passando de 21,27 kg para
22,85 kg. Entretanto, quando os dados são discriminados por estratos de renda (Tabela 4.2.5),
verificam-se profundas alterações dentro de cada estrato. Houve aumento de consumo em todos
os estratos, com exceção do estrato composto pelos consumidores mais ricos, que reduziram seu
consumo em pouco mais de 11%. O estrato que apresentou maior aumento de consumo foi o
composto por consumidores cuja renda familiar está entre 20 e 30 salários mínimos.
Essas mudanças ocorreram num período em que a renda per capita aumentou cerca de 45%
(de US$ 2614,60 para US$ 3804,00 – calculado por Paridade do Poder de Compra pelo Banco
Central do Brasil – Fonte: FGV). Neste contexto, a redução no consumo domiciliar dos consumidores
mais ricos decorre do fato de a demanda domiciliar de carne bovina, para estes consumidores, tender
a ter elasticidade-renda negativa. Havendo um aumento da renda dos consumidores, estes tenderiam
a incrementar suas despesas fora do domicílio e reduzir as despesas (e o consumo) domiciliar. Outro
aspecto que pode estar por trás da redução do consumo no estrato mais rico, que independeria de
fatores tais como renda e preço, é a substituição do consumo de carne bovina pela carne de frango.
Com efeito, a preocupação dos consumidores com uma alimentação mais saudável e a propalada
vantagem da carne de frango neste quesito, têm levado à substituição da carne bovina pela carne de
frango no estrato de renda que já consumia a quantidade desejada de carne.
Além da relação entre a carne bovina e as demais carnes, existe uma competição pelos
diferentes cortes de carne. A Tabela 4.2.6 mostra que, dentro do segmento de carne bovina, o
consumo de vísceras reduziu-se em quase todos os estratos de renda, exceção feita aos consumidores
com renda familiar de dois a três salários mínimos que passaram a consumir maior quantidade de
todos os tipos de carne. Verifica-se ainda que os consumidores de menor renda (menos de dois
salários mínimos) e os de renda intermediária (de cinco a dez salários mínimos) substituíram o
consumo de carne de segunda pelo de carne de primeira.
Dada a diversidade da população brasileira, a análise dos dados para cada uma das regiões
metropolitanas estudadas pelo IBGE tende a mostrar diferentes padrões de consumo. Os dados
apresentados na Tabela 4.2.7 mostram que o consumo total de carne bovina diminuiu nas regiões
metropolitanas do Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre, aumentando nas demais regiões. No
caso do Rio de Janeiro, houve redução no consumo de todos os tipos de carne bovina, enquanto
em Porto Alegre, além da redução total, verifica-se um claro processo de substituição da carne de
segunda e vísceras pela carne de primeira. As demais regiões mostraram aumento de consumo,
com destaque para a região de Belém que é a maior consumidora brasileira de carne bovina, com
consumo total per capita anual de mais de 40 kg.
Em suma, o consumo de carne bovina tem crescido a taxas não muito elevadas nos últimos
anos, ao mesmo tempo em que tem havido substituição de carne de segunda e vísceras por carne
de primeira. Esses resultados são compatíveis com as elasticidades-renda estimadas e precisam ser

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 95
levados em conta quando se formam expectativas quanto ao consumo futuro. Ou seja, devem
haver transformações não só quantitativas como também qualitativas.
4.2.6. Consumo futuro: projeção
A maneira mais utilizada de projeção da demanda alimentar envolve a taxa de crescimento
populacional, a taxa de crescimento da renda e a elasticidade-renda, conforme a fórmula²:

em que:

Ctr, j - é a quantidade consumida do produto j projetada para o ano t, na região r;

C0,r j - é a quantidade efetivamente consumida no ano-base selecionado;

ηrj- é a elasticidade-renda da demanda do produto j, na região r;

y r- é a taxa esperada de crescimento da renda per capita, na região r, entre o ano–base e


o ano t;

p r - é a taxa de crescimento da população na região r, entre o ano-base e o ano t.


PIB r - é a taxa de crescimento do produto interno bruto da região r (País), entre o ano base
e o ano t.
Um dos aspectos mais difíceis na utilização da fórmula acima é projetar a variação na renda
per capita. Na projeção que se segue, utilizou-se três cenários: baixo crescimento (PIB anual
crescendo, em média, a 2%, entre 1999 e 2010); médio crescimento (PIB anual crescendo, em
média, a 4%, entre 1999 e 2010); e alto crescimento (PIB anual crescendo, em média, a 6%, entre
1999 e 2010). Note que, como é esperada recessão para 1999, as taxas de crescimento dos
próximos anos devem ser ligeiramente superiores às médias para que estas médias vigorem. No
caso da elasticidade-renda da demanda, o valor aqui usado é 0,5, o que pode ser baixo para alguns
tipos de carne mais preferidas (e para os consumidores de menor renda), mas seria uma boa proxi
para o agregado de cortes de carne e para um suposto consumidor representativo. O ponto de
partida, ou seja, é 6131 mil toneladas equivalente-carcaça, para o ano de 1998, segundo estimativa
publicada no ANUALPEC 1999. Supõe-se ainda um crescimento populacional médio de 1,2% ao
ano até o ano 2010.
Os resultados apresentados na Tabela 4.2.8 mostram a enorme quantidade de carne bovina
que vai ser necessária para satisfazer o consumo doméstico nos próximos anos, caso as hipóteses
do modelo de previsão se confirmem. Os valores projetados para 1999 estão certamente
superestimados, visto que, conforme já se falou, o crescimento desse ano deve ser menor que as

² Baseado em Amaral (1983).

96 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
taxas médias projetadas. Portanto, mais relevantes são os valores projetados para o final do período
de projeção.
Mesmo para o cenário pessimista, haveria necessidade de um incremento da oferta da ordem
de 20%, para que o mercado doméstico fosse atendido. Esse valor saltaria para mais de 35%, no
cenário intermediário, e para cerca de 52%, no cenário mais otimista. Há de se notar também que
essa projeção diz respeito apenas ao mercado interno; caso as exportações cresçam à taxas maiores
do que o consumo doméstico, maior seria o esforço necessário por parte do País para que a oferta
doméstica fosse suficiente para suprir o mercado.
Enquanto o consumo total ressalta o esforço que deve ser feito em termos da oferta de carne
bovina, o consumo per capita mostra como deve evoluir as condições nutricionais dos brasileiros.
A este respeito, os resultados mostram que haveria um incremento bastante limitado no cenário
pessimista, de 38 para 39,8 kg/habitante/ano, aumentando substancialmente, entretanto, caso
prevalecesse o cenário intermediário (44,8 kg/habitante/ano) ou o otimista, em que se atingiria 50
kg/habitante/ano.
Tabela 4.2.1.
Elasticidades-preço diretas da demanda de carne bovina para o Brasil e regiões
específicas do Brasil

* Elasticidades estimadas com dados de corte seccional. Considera-se, neste caso, que todos os
ajustamentos no consumo, frente às variações nos preços ou na renda dos consumidores, já tenham
se processado, sendo, dessa forma, comparáveis às elasticidades obtidas para longo prazo com
dados de série temporal. A elasticidade estimada por Simões (1980) não se refere especificamente
à carne bovina, mas à carnes de pescado.
Uma maneira mais interessante de avaliar essas projeções é por meio da transformação dos
dados em número de animais. Essa nova versão dos dados permite inclusive analisar se haverá
excedente exportável no futuro.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 97
Considerando que cada animal origina cerca de 244 kg de carcaça (segundo estudo realizado
no Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV, com animais da raça Gir), os dados em
equivalente-carcaça (Tabela 4.2.8) podem ser transformados em números de animais (Tabela 4.2.9).
A existência ou não de superávit vai depender da evolução da oferta e do cenário predominante.
Os dados da Figura 4.5.4 mostram que o abate tem se situado estagnado em cerca de 30 milhões
de cabeças nos últimos anos. Caso o abate não evolua, apenas no cenário de baixa renda é que
haveria algum excedente exportável nos próximos anos. Nos demais cenários haveria déficit já a
partir de meados da próxima década. Para que não houvesse déficit, haveria a necessidade de
aumento do abate da ordem de 15%, no cenário de crescimento médio, e de 30%, no cenário de
maior crescimento de renda, até o ano 2010. Essas projeções mostram a importância de se buscar
aumento expressivo da oferta caso se pretenda atender ao consumo doméstico e, ainda, manter um
excedente exportável.
Tabela 4.2.2.
Estimativas de elasticidades-renda para diversos tipos de carne bovina em 1996

*Significativo a 1%.
Fonte: estimações feitas com dados da POF/1996 do IBGE.
Tabela 4.2.3.
Elasticidade-preço cruzada da demanda de carne bovina

* parâmetros estimados não significativos.

98 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.2.4.
Evolução do consumo interno de carne bovina no Brasil

Ano Quantidade (milhões de Consumo per capita Variação do consumo


Toneladas) (kg/habitante) per capita (%)
1987 4587 33,4
1988 3854 27,6 -17,37
1989 4810 33,8 22,46
1990 5014 34,6 2,37
1991 5254 35,7 3,18
1992 3999 26,8 -24,93
1993 5250 34,6 29,10
1994 5435 35,4 2,31
1995 5911 37,9 7,06
1996 6242 39,5 4,22
1997 5964 37,3 -5,57

Fonte: FNP (ANUALPEC 1997).


Tabela 4.2.5.
Consumo per capita anual de carne bovina no Brasil, para diferentes estratos de renda

Estrato (salários mínimos) 1987 1996 Variação (%)


Até 2 12,31 12,73 3,37
2a3 14,39 18,31 27,25
3a5 15,79 18,54 17,39
5a6 18,32 20,13 9,86
6a8 19,49 21,78 11,75
8 a 10 21,15 22,67 7,20
10 a 15 23,34 24,46 4,80
15 a 20 25,78 26,00 0,85
20 a 30 26,05 36,94 41,78
Mais de 30 31,67 28,06 -11,40
Total 21,27 22,85 7,42

Fonte: Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 99
Tabela 4.2.6.
Consumo per capita anual de carne bovina no Brasil, para diferentes estratos de renda
e para diferentes tipos de carne

Estrato1 Carne de Carne de Carne bovina- Vísceras


primeira segunda outras bovinas
1987 1996 var. (%) 1987 1996 var. (%) 1987 1996 var. (%) 1987 1996 var. (%)
Até 2 2,37 3,48 46,36 7,36 6,26 -14,98 1,46 1,95 34,07 1,12 1,04 -7,08
2a3 3,98 5,87 47,58 7,88 9,56 21,39 1,36 1,65 21,03 1,16 1,21 4,65
3a5 4,42 6,35 43,79 8,63 9,58 11,03 1,40 1,43 2,07 1,34 1,17 -12,62
5a6 5,87 8,21 39,78 9,53 9,34 -1,93 1,56 1,58 0,96 1,36 1,00 -26,55
6a8 7,33 10,07 37,38 9,58 9,04 -5,64 1,30 1,39 6,91 1,28 1,28 0
8 a 10 8,77 10,31 17,49 9,65 9,62 -0,28 1,42 1,70 19,99 1,31 1,04 -20,57
10 a 15 11,17 11,96 7,06 9,01 10,03 11,40 1,58 1,33 -15,35 1,59 1,13 -28,69
15 a 20 14,12 14,29 1,17 8,82 9,46 7,33 1,25 1,43 13,78 1,58 0,82 -48,35
20 a 30 14,98 22,46 49,96 7,66 11,47 49,76 1,53 1,65 7,89 1,88 1,34 -28,45
Mais de 30 21,22 18,85 -11,16 6,49 6,56 1,08 2,00 1,83 -8,46 1,96 0,81 -58,49
Total 9,78 11,12 13,67 8,51 9,08 6,62 1,50 1,57 4,74 1,48 1,09 -26,52

1
Salários Mínimos
Fonte: Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE).
Tabela 4.2.7.
Consumo alimentar domiciliar per capita (kg) de carne bovina em 1987 e 1996 nas
principais regiões metropolitanas

Produto Anos Belém Belo Curitiba Fortaleza Porto Recife Rio de Salvador São Paulo
Horizonte Alegre Janeiro

Carne de 1987 12,85 7,93 9,37 8,66 7,68 7,28 9,99 8,53 11,06
Primeira 1996 16,20 9,69 14,18 9,74 10,49 7,33 9,92 7,95 12,73
Variação (%) 26,05 22,19 51,23 12,57 36,59 0,66 -0,66 -6,79 15,10
Carne de 1987 20,60 6,05 8,74 5,67 21,04 6,98 6,41 11,24 7,57
Segunda 1996 20,19 6,82 9,06 6,38 17,53 7,68 6,11 10,52 9,47
Variação (%) -1,97 12,64 3,56 12,53 -16,70 9,97 -4,70 -6,39 25,19

Outras 1987 4,08 0,20 0,22 1,60 0,24 4,80 1,80 5,09 0,80
1996 3,96 0,51 0,55 1,65 0,24 5,80 1,54 5,32 0,84
Variação (%) - 2,99 149,26 153,46 3,00 0,41 20,84 -14,62 4,58 5,15

Vísceras 1987 2,51 0,85 0,55 1,26 1,23 1,65 2,47 2,66 1,01
1996 2,69 0,94 0,71 1,03 0,62 1,62 1,29 2,70 0,73
Variação (%) 7,01 10,87 29,49 -18,17 -49,72 -1,94 -47,88 1,51 -27,43

Fonte: Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE).

100 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.2.8.
Projeções de consumo de carne bovina no Brasil, segundo três cenários de crescimento
da renda em mil toneladas equivalente-carcaça

* Cenário 1: crescimento médio do PIB de 2% ao ano; Cenário 2: crescimento médio do PIB de


4% ao ano; Cenário 3: crescimento médio do PIB de 6% ao ano.
Fonte: resultados da pesquisa.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 101
Tabela 4.2.9.
Projeções de consumo de carne bovina no Brasil, segundo três cenários de crescimento
de renda em milhões/animais

* Cenário 1: crescimento médio do PIB de 2% ao ano; Cenário 2: crescimento médio do PIB


de 4% ao ano; Cenário 3: crescimento médio do PIB de 6% ao ano.
Fonte: resultados da pesquisa.
Figura 4.2.1
Índices: consumo de carne bovina/consumo de carne de frango e consumo de carne
bovina/consumo de carne suína

102 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 4.2.2
Índice: Preço da Carne bovina/preço da carne de frango (Jan. 1975 = 100)

Figura 4.2.3
Índice: Preço da carne bovina/preço da carne suína (Jan. 1975 = 100)

4.2.7. Tendências de consumo


É relevante, após a discussão de aspectos quantitativos da demanda de carne, centrar-se
atenção em características ligadas ao comportamento do consumidor final de carne bovina.
4.2.7.1. Comportamento do Consumidor no Mundo e no Brasil
O comportamento é influenciado, segundo McCarthy e Perreault (1997:116), por variáveis
sócio-demográfico-culturais, variáveis psicológicas (estilo de vida, motivação) e por situação de
compra.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 103
Em termos de variáveis sócio-demográfico-culturais, pode-se observar que consumidores
de diferentes países e/ou continentes têm diferentes comportamentos de compras. Na Europa, o
consumo está voltado para produtos de maior qualidade que não ofereça riscos à saúde. Também
são considerados importantes aspectos da agricultura biológica em decorrência do aumento da
faixa etária da população e do nível educacional. Segundo Machado Filho e Neves (1996:85), nos
países do Norte, como Finlândia, Alemanha e Inglaterra a preocupação na hora de aquisição de
alimentos está voltada para aspectos de nutrição e impactos dos mesmos na saúde humana. Já em
países do Sul, como França, Espanha e Itália aspectos hedonísticos, ligados à conveniência e à
gastronomia dominam o comportamento dos consumidores.
Um aspecto ligado às variáveis sócio-demográfico-culturais é a diminuição do tempo gasto no
preparo de refeições. Para o Brasil, o tempo de preparo que a dona de casa despendia para fazer o
jantar da família, na década de 30, era de 150 minutos. Na década de 50, esse tempo já diminuiu para
60 minutos, década de 70, 30 minutos e, atualmente, na década de 90, o tempo gasto em média é de
15 minutos. Esse fato, aliado à disponibilidade de eletrodomésticos como microondas e freezer, por
exemplo, facilita a procura e o consumo por alimentos semi-prontos (Superhíper, n. 237, 1995: 192).
Outra questão que tem se alterado é o nível de informações requeridas pelos consumidores
na hora da aquisição do produto. Uma pesquisa recente feita pelas empresas Dil e Research,
identificaram que 90% das donas de casa procuram na embalagem a data de fabricação e qualidade
dos produtos, principalmente aqueles como leite e carne. Cerca de 95% das entrevistadas querem
informações confiáveis na embalagem (Anuário, 1998: 72).
Outras tendências ligadas às variáveis sócio-demográfico-culturais já verificadas em diversos
países da Europa e nos Estados Unidos são, segundo Mermet (1997):
- convergência internacional entre gostos/preferências alimentares – com a globalização e a
internacionalização das redes de varejo, têm-se difundido o consumo de produtos como: hambúrguer,
ketchup, água mineral, pizza, refrigerantes, chocolate em barra e produtos magros;
- preocupação com saúde e nutrição – levando os consumidores a preferirem alimentos que
tenham um apelo de "saudável" como alimentos vitaminados, alimentos com propriedades de
medicamentos e de cosméticos;
- segurança alimentar (food safety) – insegurança causada por alimentos transgênicos (frutas
e legumes nos quais se adiciona genes resistentes à certas doenças e tratamentos químicos de solo
que confere aos vegetais qualidades específicas). Existem oportunidades para alimentos biológicos
(recusa à participação da química).
Em termos de variáveis psicológicas, pode-se observar que existe uma tendência na maioria
dos países de consumir produtos com baixo teor de colesterol e sem excessos de gordura. Nesse
aspecto, a carne vermelha possui uma "propaganda negativa", o que não ocorre com as carnes brancas.
As variáveis ligadas à situação de compra são também um aspecto importante no
comportamento de compra . Elas podem ser visualizadas mediante três fatores, segundo McCarthy
e Perreault (1997:126):

104 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
- razão de compra – seja para o consumo rotineiro, em que é critério o menor preço que em
geral prevalece ou para situações especiais, em que aspectos ligados à diferenciação são também
levados em conta;
- tempo disponível – influencia não só a decisão sobre o tipo de produto a ser adquirido,
como também o ponto de venda escolhido;
- ambiente – incluindo atendimento e aspectos como higiene e layout.
No comportamento do consumidor de carne bovina no Brasil as variáveis ligadas à situação
de compra influenciam e têm tido uma crescente importância. Vale ressaltar que esses aspectos
relacionam-se com a qualidade percebida pelo consumidor. O ambiente em que se dá a
comercialização do produto, com destaque para fatores relacionados à higiene, são considerados
por muitos consumidores como um indicador de qualidade do produto e influenciam a reputação
do ponto de venda. O tempo disponível relaciona-se à busca da conveniência por parte dos
consumidores. Nesse sentido, pontos de venda que ofereçam além de produtos cárneos, produtos
de consumo complementar (sal, carvão, bebidas, por exemplo) e mesmo outros produtos, acabam
por serem preferidos.
À medida que o consumidor passa a desejar mais informações acerca do produto e das
possíveis formas de preparação, o item atendimento passa a ser um diferencial entre os diferentes
formatos de pontos de venda.
4.2.7.2. Qualidade Percebida
Quando se discute a qualidade em produtos agroalimentares, os produtos devem possuir
características organolépticas (cor, sabor, odor) adequadas, aspectos gerais e de forma (embalagem/
acondicionamento), higiene (atenção às regulamentações), facilidade de manuseio/utilização, preço
e aspectos nutricionais (ligados à saúde e à boa forma) desejáveis. Essas características devem
estar em consonância com as imagens e as crenças que o consumidor tem a respeito daquele
produto. Yon (1996) afirma, no que diz respeito a produtos agroalimentares, que dois aspectos são
relevantes para que se obtenha qualidade: a obediência a padrões estabelecidos e à regularidade de
obtenção desses padrões. Para tanto, as empresas devem não só estar atentas às regulamentações
como buscar acompanhar a qualidade de seus produtos ao longo do tempo.
No caso de frutas e legumes, como salienta Yon (1996), o aspecto do produto, tamanho,
coloração e a ausência de defeitos dos produtos embalados, por exemplo, podem ser aspectos a
serem considerados na hora da compra. O mesmo autor sugere, que no caso da carne, o aspecto
visual é importante, mas não é o único aspecto que pode indicar a qualidade total do produto.
No caso brasileiro, a partir da Portaria 304, muitos pontos de venda de carne bovina indicam,
próximo ao local de exposição de carnes, algumas informações sobre quem são os fornecedores e
qual o sexo do animal.
Outro fator que associa aspectos de qualidade é a questão do prazo de validade. Dificilmente
o consumidor levará para casa um produto com prazo de vencimento próximo ou esgotado.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 105
No caso da carne bovina, Lazzarini et alli. (1996) apresenta alguns atributos de qualidade
valorizados pelo consumidor:
· Palatabilidade – percebida po meio da degustação, representada por maciez, sabor e
suculência;
· Aparência – percebida na hora da aquisição do produto, por meio da cor, firmeza da
gordura e do músculo e a marmorização; a presença de oxigênio garante a manutenção da peça na
cor vermelha padrão;
· Conveniência – apresentação do produto já cortado ou fatiado para a utilização rápida pelo
consumidor; essa característica, para consumidores de outros países, como a França (Mermet,
1997), atende à uma preferência do consumidor que esquece mais facilmente do sofrimento associado
a morte do animal (que é mamífero igual a nós);
· Nutrição – teor de ferro, zinco e vitaminas do complexo B e aminoácidos essenciais;
· Saúde – pesquisas recentes informam que a carne não é o grande vilão que a classe médica
e a mídia têm pintado nos últimos anos; principalmente no Brasil, onde a alimentação do gado é
basicamente o pasto, as raças zebuínas acabam apresentando menores níveis de gordura;
· Segurança alimentar – qualidade associada à erradicação de doenças e à ausência de
microorganismos patogênicos e resíduos prejudiciais à saúde; principalmente em termos de
exportações, esse é um fator a ser considerado.
É extremamente deficiente o sistema de pesquisa de informações a respeito do comportamento
do consumidor de carne bovina no Brasil. A empresa de pesquisas Nielsen, que acompanha o
comportamento de produtos de consumo nos principais varejistas do Brasil, dispõe de dados da
venda de carne congelada e industrializados de carne apenas, sem discriminar se bovina, suína,
aves e outros. A referida empresa, realiza pesquisa apenas para produtos cujas empresas produtoras
tenham interesse em financiar a pesquisa. Segundo informações da própria empresa, a mesma não
dispõe de nenhum dado sobre carne bovina in natura, pois é um produto extremamente difícil de
quantificar (e caro) e nenhuma empresa do setor se interessou em bancar este custo.
4.2.7.3. Preferências do Consumidor em relação a diferentes formatos de pontos de
venda
No Brasil, inexistem pesquisas sobre hábitos do consumidor de carne. No Rio Grande do
Sul, foram realizadas duas pesquisas de mercado, uma relacionada a aspectos do comércio varejista
de Porto Alegre (gestão interna do negócio e pesquisa de clientela), e outra relacionada aos hábitos
de consumo de carne. A primeira foi realizada pelo Sincocarne (Sindicato do Comércio de Carnes
do RS,) e a segunda por uma varejista de carnes por meio da empresa Segmento.
Segundo a pesquisa do Sincocarne (1998), os supermercados vêm ganhando espaço como
canal de comercialização priorizado, respondendo por 67% das vendas atuais do varejo. Segundo
esta mesma pesquisa, os açougues praticam preços entre 10 e 20% menores que os supermercados,
porém não oferecem a mesma comodidade e conveniência. Outro aspecto importante é que os

106 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
supermercados, por utilizarem promoções e propagandas mais eficientes, conseguem vender a
imagem de possuir preços menores que os açougues. O grande diferencial do açougue continua
sendo a possibilidade do cliente escolher o produto que vai consumir, em função da relação direta
com o açougueiro.
Esses dados são coerentes com os resultados da pesquisa realizada pela empresa Segmento
(1997) para um varejista interessado em investir em um novo conceito de formato de venda de
carne. Na Tabela 4.2.10 pode-se observar as principais vantagens e desvantagens dos principais
formatos de venda de carne, sob a ótica dos seus clientes.
Alguns fatores, que devem sempre ser considerados pelos pontos de venda de carne são,
segundo a Segmento (1997):
- existe a necessidade de divulgar sempre e exaustivamente os preços praticados no
estabelecimento, sendo que a imagem de preço alto deve ser evitada;
- a distância não é um aspecto impeditivo, desde que haja compensação em outros fatores,
como preço e diferenciação no produto;
- devem ser evidenciados sempre a qualidade do produto, sua validade e procedência;
- a imagem de variedade é um aspecto importante.
Tabela 4.2.10.
Vantagens e Desvantagens dos Diferentes Formatos de Comércio de Carnes

Tipo de Estabelecimento Vantagens Desvantagens


Açougue Liberdade de escolha Preço alto/caro
Localização falta de higiene
Carne fresca baixa qualidade
Boutiques de Carne Qualidade do produto Preço alto/caro
Variedade distância
Feira Livre Mais barato Falta de higiene
Variedade não conhece a origem do produto
baixa qualidade
Supermercado Mais barato carne embalada
Variedade fila nos caixas
Qualidade do produto preço alto/caro
Promoções/ofertas

Fonte: adaptada da Segmento (1997:14)

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 107
4.3. O Segmento de Distribuição de Carne Bovina
4.3.1. Papel dos Canais e Principais Segmentos
Os canais de distribuição podem ser entendidos como conjuntos de organizações
interdependentes, envolvidas no processo de tornarem produtos ou serviços disponíveis para o uso
ou consumo (Stern e El-Ansary, 1992). Essas organizações, longe de serem agentes passivos na
satisfação da demanda, preocupando-se apenas em suprir produtos e serviços no lugar, quantidade,
qualidade e preços esperados, atuam também como agentes estimuladores dessa demanda. Ou
seja, o canal deve ser visto como uma rede de empresas independentes que agem em sintonia de
forma a criar valor para o usuário final mediante a distribuição de produtos.
Os canais de distribuição podem desempenhar diferentes tarefas como:
- manter estoques;
- promover ações para aumentar a demanda (promoção, propaganda, merchandising);
- realizar venda (fornecendo um pacote de serviços adequado e até personalizado);
- distribuição física;
- prestar serviço pós-venda;
- proporcionar crédito aos consumidores;
- obter e compartilhar informações a respeito de mudanças nas necessidades dos clientes;
- auxiliar em pesquisas para lançamento de novos produtos e testes de mercado.
Essas são funções genéricas, que irão variar em virtude do tipo de produto, a segmentação
do mercado, as condições da concorrência e da própria empresa processadora. No caso da
distribuição de carne bovina, de acordo com Lazzarini et alli (1996), os canais de distribuição
devem desempenhar duas funções principais:
- decodificação das exigências dos consumidores em termos de que tipo de produto desejam
e onde seriam os melhores pontos de venda para cada tipo;
- difusão de informações obtidas do consumidor por todo o sistema, para que o mesmo se
adapte e ofereça produtos mais específicos.
4.3.2. Caracterização
A distribuição de carne bovina no Brasil é realizada por quatro canais genéricos – super/
hipermercados, açougues, boutiques e feiras livres. Destacam-se dois fatores que diferenciam esses
canais. O primeiro deles é as ferramentas de gestão utilizadas para a condução do negócio. O
segundo é o posicionamento dentro da estrutura de mercado.
4.3.2.1. Gestão Interna
4.3.2.1.1. Descrição geral dos formatos de pontos de venda
Os super e hipermercados são o tipo de canal organizado sob o conceito de auto-serviço,
onde o cliente encontra produtos dispostos em gôndolas, para sua escolha. O pagamento é feito na

108 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
saída do estabelecimento, que normalmente dispõe de um número razoável de caixas ou check
outs informatizados.
Trata-se de um setor, no Brasil, formado por grandes grupos nacionais e internacionais (de
origem norte-americana, francesa, portuguesa e holandesa), e no outro extremo por redes de pequeno
porte (de bairro ou regionais) e lojas de conveniência. Os formatos de lojas são diversos. Encontra-
se hipermercados (com grande número de itens, comercializando desde produtos alimentares, até
têxteis e eletrodomésticos – normalmente localizados fora do perímetro urbano ou em grandes
avenidas periféricas) e supermercados de sortimento limitado (predominam produtos alimentares),
normalmente localizados em regiões com grande concentração residencial.
Segundo a pesquisa de campo realizada, no Brasil, poucos são os super e hipermercados
que não possuem parte da comercialização de carne como auto-serviço e parte ainda no formato
de varejo tradicional. Mesmo as grandes redes possuem, além da carne embalada na gôndola, um
balcão onde o cliente pode solicitar alguns tipos de carnes e contar com o auxílio de um funcionário
para adquirir o produto da maneira que melhor lhe convier. Segundo as empresas pesquisadas,
esse ainda é um hábito forte do consumidor e caso a empresa não o respeite, perde a preferência.
A seção de carne bovina é considerada um “chamariz” ou ponto de atração de clientes, por
ser um produto básico e importante na dieta alimentar dos consumidores. Por isso, normalmente
está localizada ao fundo do estabelecimento, dando a oportunidade do cliente passar por outras
seções e sentir-se impulsionado a comprar outros produtos.
Observa-se que em boutiques de carnes e mesmo em feiras livres, a localização dos produtos
cárneos respeita a mesma regra.
Os açougues são pontos de venda independentes ou fazem parte de redes com algumas
filiais. É caracterizado como varejo tradicional, onde existe a presença de um vendedor (açougueiro
ou ajudante) que corta, embala e orienta o cliente no momento da compra. Normalmente, existe um
balcão frigorífico onde parte dos produtos estão expostos, para apreciação do cliente. Em geral, o
próprio indivíduo que cortou e embalou o produto é quem cobra, mas já verifica-se em alguns
pontos de venda a presença de um “caixa” que cuida apenas do recebimento. Predomina a venda
de produtos cárneos nesses pontos, encontrando-se carne bovina, suína e de frango. Em algumas
regiões do país, encontra-se também caprinos e ovinos. Alguns pontos de venda oferecem produtos
complementares, como sal, temperos minimamente processados, carvão, álcool e farofa (ou farinha).
Os açougues estão distribuídos por toda cidade, algumas vezes predominando em regiões de
periferia.
As boutiques de carne são pontos de venda conhecidos pela venda de cortes especiais,
normalmente embalados, dispostos em freezers e balcões frigoríficos. Podem ser de auto-serviço
ou tradicionais, mas mesmo no primeiro caso, dispõe-se de pessoas que orientam o consumidor
sobre características específicas dos produtos. Nesses pontos, comercializa-se não apenas carne
bovina, suína e de frango, mas outras carnes consideradas “exóticas” (pato, por exemplo) e também
frutos do mar. Essas boutiques comercializam também carnes maturadas e carne de novilho precoce
e normalmente oferecem embalagens especiais que proporcionam maior durabilidade ao produto.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 109
Encontra-se grande quantidade de produtos importados e nacionais, que sempre dispõe-se de
marcas fortes, próprias ou de terceiros. Este segmento tem mecanismos de rastreabilidade para
seus produtos, fornecendo ao consumidor informações como origem determinada, sexo, raça e
idade de abate do animal. As boutiques de carnes concentram-se em regiões de predominância de
população de renda mais alta, muitas vezes em shopping centers.
É importante ressaltar que há também um canal de distribuição, que é a chamada casa de
carnes. Esse tipo de canal caracteriza-se por oferecer carne com origem determinada e embalagem.
Sendo assim, esse tipo de varejo estaria em uma situação intermediária entre uma boutique de
carne e um açougue.
As feiras livres são consideradas pontos de venda tradicionais, onde cada comerciante instala
uma “banca” em feiras que, são realizadas em diversas regiões do Brasil, mas predominam no
Norte e Nordeste. Inexiste nesses pontos de venda a cadeia do frio. Os produtos são expostos ao
ar livre e os utensílios utilizados são manuseados sem qualquer cuidado de higiene. Predomina a
venda de carne bovina e suína dita fresca ou “quente” sem nenhum processo de resfriamento pós-
abate. As aves normalmente são abatidas no momento da compra. As feiras são localizadas por
bairros, sendo cada dia da semana em um local específico. Além dos produtos cárneos, as feiras
comercializam hortifrutigranjeiros, alimentos diversos (farinhas, grãos, doces e etc.), utensílios
domésticos e até têxteis.
As feiras livres são um formato de ponto de venda relevante em algumas regiões do País por
diversas razões. Trata-se de um espaço onde encontra-se não só produtos cárneos, mas uma
variedade imensa de gêneros alimentares e também produtos têxteis, confecções, produtos regionais
e pequenos animais domésticos ou de estimação. Tem também o apelo de ser um comércio de
vizinhança, onde muitas vezes o cliente conhece e confia na pessoa do feirante. Algumas “bancas”
têm o apelo de vender diretamente do produtor ao consumidor, o que, às vistas deste último, pode
representar um produto mais barato e mais garantido em termos de não utilização de agrotóxicos,
corantes ou qualquer produto químico que altere as características “naturais” dos produtos. No
tocante ao produto carne bovina, agrega-se o gosto do consumidor em adquirir a carne “quente”.
4.3.2.1.2. Aspectos relevantes da gestão interna
4.3.2.1.2.1. Recursos Humanos
A grande questão quando se discute recursos humanos nesse setor tem origem no nível de
profissionalização dos diferentes canais. No caso dos supermercados, as maiores redes dispõem
de indivíduos com boa formação técnica e conhecimento do negócio de carnes, na gestão de
compras e na organização da área de desossa (quando existe), embalagem e vendas. Nas boutiques
a situação é semelhante. Existe a preocupação de treinar pessoas que distribuam folhetos e forneçam
informações acerca dos produtos disponíveis na gôndola.
Nos açougues e nas feiras livres a gestão é predominantemente familiar. Nas feiras, inexiste a
preocupação com treinamento ou melhoria da mão-de-obra. Os açougues têm procurado alterar
essa situação, com auxílio de associações de classe, que fornecem treinamento na gestão do negócio,
palestras sobre acordos e parcerias e formação de cooperativas.

110 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.3.2.1.2.2. Formas de Aquisição
Até a década de 70/80 os açougues tinham a primazia na aquisição das melhores carnes
diretamente dos frigoríficos. Com o crescimento e a concentração das grandes redes de
supermercados e a descapitalização dos açougues, essa primazia foi conquistada pelos
supermercados, sendo que apenas redes de açougues têm acesso à compra direta do frigorífico.
Os supermercados recebem carnes diariamente. A cotação de preços é feita via Esalq/
BM&F e sites da Internet (Rural Business e Informe Boi) . Algumas grandes redes afirmam
dispor de frigoríficos cadastrados que oferecem carnes dentro dos critérios exigidos, como cobertura
de gordura, padrão de cortes e rendimento. Uma vez que o fornecedor atenda esses critérios com
regularidade, os varejistas afirmam pagar um preço médio, fato que não foi confirmado pelos
frigoríficos fornecedores. Além dos critérios relacionados ao produto, algumas grandes redes exigem
participação dos fornecedores na abertura de novas lojas, por meio de recursos financeiros, para
que a carne do referido fornecedor esteja presente na abertura da loja.
Os açougues independentes adquirem carne normalmente de distribuidores, que o fazem do
frigorífico e são responsáveis pela revenda. Esses distribuidores possuem apenas caminhões para
fazer a entrega. Os açougues recebem carnes em média três vezes por semana, dia sim, dia não.
Dependendo do giro, essas entregas podem ser mais freqüentes ou ocorrerem apenas duas vezes
na semana. O preço de compra é a cotação do dia. O contato é feito via telefone ou por meio de
vendedores que passam pelos pontos de venda recolhendo pedidos.
No caso das boutiques de carne, prioriza-se alguns poucos fornecedores, que normalmente
têm uma marca forte, e fornecem produtos em cortes especiais. Existe a preocupação com origem,
sexo do animal e também com a diferenciação em função da idade de abate.
Nas feiras livres, a aquisição se dá basicamente a partir de abatedouros clandestinos. O
critério é sempre o menor preço.
4.3.2.1.2.3. Infra-estrutura
A distância entre centros produtores e alguns mercados consumidores leva alguns agentes a
preferirem transportar a carne abatida e resfriada. Apesar das distâncias continentais e da cadeia
do frio exigir alguns investimentos em caminhões, os maiores problemas advém do fato de o motorista/
transportador muitas vezes desligar por algumas horas o gerador de frio, com vistas a economizar
combustível e aumentar o rendimento do veículo. Nesse momento, quebra-se a cadeia do frio e
pode-se perder todos os cuidados que foram tomados por outros elos da cadeia, a montante e a
jusante. Essa questão afeta todos os formatos de venda, exceto a feira livre, em que o grande apelo
é justamente a carne quente.
Outro ponto importante refere-se à infra-estrutura dos pontos de venda. As boutiques de
carne são os pontos de venda com melhores condições de armazenagem e pelo fato de venderem
apenas produtos já embalados, os cuidados são mais simples. Os açougues, de modo geral, e as
feiras livres, ao contrário, apresentam condições péssimas de infra-estrutura, desde o descarregamento
da carne, passando pelo manuseio intra ponto de venda e a conservação nos balcões de

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 111
comercialização. O manuseio é feito, na maioria das vezes, em temperatura ambiente, em
equipamentos inadequados (mesas improvisadas, tocos de madeira, com forração de papelão
proveniente do reaproveitamento de caixas) e as condições de higiene são mínimas. Os balcões de
exposição apresentam, com freqüência, vazamentos, que são visíveis mesmo aos clientes.
Os supermercados, especialmente no caso das grandes redes, dispõem de boa infra-estrutura
de modo geral. A forma de recebimento ainda é um pouco arcaica, normalmente à temperatura
ambiente, mas a carne com osso, em alguns casos, chega protegida parcialmente por plásticos. A
parte de desossa ainda encontra-se presente na maioria dos pontos de venda, mas em geral é
climatizada e cuidados de higiene são tomados. Algumas redes já têm instalado vidros transparentes,
separando o manuseio da carne da área de vendas, para que o consumidor visualize os cuidados e
como a carne é tratada.
4.3.2.1.2.4. Sistemas de Informação
É praticamente inexistente o uso de sistemas de informação em feiras, açougues e boutiques
de carnes. Nas boutiques e supermercados percebe-se o uso de códigos de barras, sendo que, em
alguns casos, as informações de vendas de produtos cárneos provenientes dos check outs são
processadas e utilizadas na tomada de decisão. Essas informações são relevantes principalmente
para avaliar o consumo de corte específicos e a receptividade de novas embalagens, no caso dos
supermercados. O crescimento da utilização de sistemas de informação vem atrelado à modernização
dos canais de venda e à profissionalização dos açougues.
4.3.2.1.2.5. Marketing
As ferramentas de gestão que mais diferenciam formatos de varejo de carnes são as ligadas
ao marketing. Por marketing entende-se um conjunto de ferramentas que buscam satisfazer as
necessidades e desejos dos clientes atuais e potenciais, por meio dos processos de troca. Umas
das ferramentas privilegiadas do marketing é o conceito dos 4 P’s, Produto, Ponto de Distribuição,
Composto Promocional e Preço. Essas ferramentas são úteis para analisar o esforço empreendido
por cada formato de varejo de carnes no sentido de buscar satisfazer as necessidades dos seus
clientes atuais e potenciais. Salienta-se que os 4 P’s deverão ser desenvolvidos de forma
interdependente, pois são intrinsecamente relacionados.
No contexto atual da cadeia de gado de corte no Brasil, observa-se que algumas empresas
têm utilizado mais coerentemente os quatro P’s. Os super/hipermercados e as casas de carne podem
ser classificadas neste grupo. O primeiro cuidado que estes tipos de canais tomam é buscar instalar
pontos de vendas em locais onde existe um mercado consumidor ainda não completamente ou
corretamente atendido por outros pontos de venda. O produto a ser oferecido é comprado segundo
critérios que, segundo esses pontos de venda, oferecem ao cliente um diferencial em termos de
segurança alimentar, qualidade, garantia de origem e conveniência. Existe uma preocupação constante
com o desenvolvimento ou a aquisição de produtos com marcas fortes, que sinalizem uma vez mais
qualidade para o consumidor. O aspecto embalagem é bastante considerado, primeiro pela questão
da conservação e do aumento do tempo de prateleira do produto, e segundo pelo fato de que a
embalagem é um apelo forte na hora da compra. Na questão preço, as boutiques cobram um

112 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
preço maior, uma vez que seu foco é oferecer produtos especiais, que normalmente são consumidos
em situações festivas e não rotineiras. Já os super/hipermercados, buscam monitorar os preços da
concorrência e oferecer preços condizentes com a qualidade do produto oferecido, sem porém
arriscar sua fatia de mercado por causa disso. Em pesquisa realizada pela empresa Segmento
(1997) e pelo Sindicato do Comércio Varejista do RS (1998) em Porto Alegre, os supermercados
(nos quais 60% dos entrevistados realizam suas compras de produtos cárneos) são tidos como os
pontos de vendas mais baratos, juntamente com as feiras livres. Em termos de composto promocional,
os supermercados costumam oferecer promoções de preços em determinados dias da semana,
realizam muita propaganda institucional de clientela e tem no merchandising uma atividade cada
dia mais importante. As boutiques de carnes realizam também esforços promocionais, não tanto
em propaganda, mas por meio de merchandising, buscando evidenciar os pratos refinados e festivos
que podem ser preparados com suas carnes.
Os açougues são na seqüência, um canal que também investe em algumas ferramentas de
marketing. Uma questão primordial que deve ser destacada no caso dos açougues é que sua reputação
é construída com base na pessoa do açougueiro, conhecido nos arredores do seu ponto de venda e
referência em termos de idoneidade. Alguns açougues realizam também promoções de preço ou
brindes na hora da compra. Uma estratégia salientada por Brandão (1995) é que alguns açougues de
São Paulo, quando vêem suas vendas decrescerem, fecham o estabelecimento por um determinado
tempo, modificam a cor do balcão ou paredes e reinauguram a loja com uma promoção (preço
menor, mais 1 kg de dobradinha de brinde e etc.). Segundo dados dessas lojas, triplica-se ou
quadruplica-se as vendas e mantém-se as mesmas nesse nível por até um ano após a ação. O atendimento
nesse ponto de venda, baseado na simpatia e cordialidade é um ponto destacado por Brandão (1995)
e por alguns representantes do setor. Em termos de produtos, o açougue preocupa-se em destacar
que sua carne é mais fresca e que nesses pontos o cliente escolhe o que vai levar e ainda dispõe do
aconselhamento do açougueiro. Porém, os açougues afirmam estar descapitalizados e por isso investem
pouco em equipamentos da cadeia do frio. Questões de higiene na manipulação dos produtos porém,
são desconsideradas pela maioria dos estabelecimentos. Em termos de Brasil, os açougues são
considerados os pontos de venda com preços mais baixos (perdendo apenas para feiras livres), não
pela eficiência em termos de aquisição ou operação, mas por muitas vezes sonegar impostos, comprando
carne clandestina. A exceção é feita ao Rio Grande do Sul, onde dados da pesquisa da empresa
Segmento (1997) revelam que o consumidor acha que o açougue cobra preços mais altos. A localização
normalmente é um fator que conta no posicionamento do açougue, na maioria dos casos, um local de
grande circulação de pessoas, com possibilidade de estacionamento fácil.
Nas feiras livres podemos verificar a pouca utilização de ferramentas de marketing. Os
cuidados em termos de produto (seja qualidade, higiene e origem) e embalagens inexistem. O
grande diferencial das feiras é o preço, bem mais baixo que os outros canais. A localização da feira
normalmente é em bairros importantes, com local para estacionamento próximo. A simpatia e
cordialidade do atendente são também fatores considerados. Outro aspecto importante nas feiras
livres é seu papel de comércio tradicional na mente dos consumidores de algumas regiões do país,
como Norte e Nordeste.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 113
4.3.2.1.2.6. Novas formas de gestão (ECR/SCM) e seus impactos na gestão do
negócio varejo de carnes
Um dos conceitos que deveriam permear qualquer trabalho com foco na melhoria da
integração da gestão da cadeia de gado de corte é o ECR ou Efficient Consumer Response, que
pode ser traduzido como resposta eficiente ao consumidor. A idéia do ECR começou a ser
implementada nos EUA em 1992 e de lá para cá tem sido difundida ao redor do mundo. A idéia
básica é examinar a cadeia de suprimentos de alimentos, analisando a cadeia de valor ao nível dos
fornecedores-distribuidores e consumidores, determinando as melhorias em custos e serviços que
poderiam ser obtidos a partir de mudanças em tecnologias e práticas de gestão.
Considera-se ferramentas básicas do ECR:
- sortimento eficiente – que busca otimizar o mix de produtos e alocação de espaço,
tendo como conseqüência o aumento de vendas e do giro de estoques;
- reposição eficiente – dinamizar o fluxo de produtos desde a produção até o check out do
distribuidor, por meio da gestão partilhada de estoques entre distribuidores e fornecedores,
buscando reduzir custos de armazenagem e distribuição;
- promoção eficiente – identificar pontos de redução de custos, a partir da redução da
complexidade dos acordos entre distribuidores e fornecedores que não agreguem valor
ao consumidor final;
- introdução eficiente de novos produtos – aumentar o índice de sucesso do lançamento de
novos produtos mediante a troca de informação sobre vendas ao longo do tempo entre os
parceiros.
No Brasil, desde de 1997 existe a Associação ECR Brasil, que congrega atualmente cerca
de 75 empresas, entre indústrias, atacadistas e varejistas. A idéia dessas empresas é procurar, por
meio de trabalhos conjuntos, identificar oportunidades de melhoria nas práticas comerciais e no uso
de novas tecnologias, buscando melhorar o desempenho de toda a cadeia de suprimentos,
transferindo os ganhos para o consumidor final (ECR Brasil, 1998).
Diversas grandes redes de super/hipermercados, com operações no mercado brasileiro têm
buscado adotar as ferramentas do ECR, mas não existem iniciativas com os fornecedores da indústria
processadora de carne bovina. Todas as empresas que têm iniciativas ligadas ao ECR focaram em
fornecedores de mercearia seca, pois quando se trabalha com a cadeia do frio, muitas complexidades
são adicionadas ao sistema e as empresas teriam dificuldade de lidar com as mesmas, além do
processo tradicional de adoção de inovações com troca eletrônica de dados (EDI), por exemplo.
Por outro lado, o ECR pressupõe que haja comprometimento entre os líderes de negócio na
busca do lucro mediante a substituição dos velhos paradigmas comerciais ganha/perde pelas alianças
tipo ganha/ganha. De acordo com Phumpiu e King (1996) o ECR, no longo prazo, vai ter efeitos
significativos na cadeia de suprimentos de alimentos, aumentando a cooperação e coordenação
entre empresas independentes ou por meio da coordenação vertical. Essas mudanças, vão exigir,
segundo estudos da Kurt Salmon (1993) muito mais do que mudanças apenas em tecnologia, e sim
mudanças em termos de cultura empresarial, tradições e práticas de negócios.

114 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Na cadeia de gado de corte, percebe-se claramente uma desconfiança e um comportamento
adversarial entre a maior parte dos agentes, fator esse que dificulta sobremaneira a busca de
coordenação por meio de ECR, por exemplo. Avalia-se que primeiro os diferentes agentes, a
começar pelos próprios varejistas, precisam tomar consciência das vantagens da realização de
iniciativas conjuntas, para depois perceberem as vantagens do ECR.
Segundo dados do ECR Brasil (1998), existem alguns benefícios concretos para cada
participante da cadeia produtiva:
- consumidores: vêem aumentada a opção de produtos no ponto de venda e conveniência,
redução de itens em falta e a disponibilidade de produtos mais frescos;
- varejistas: aumento da lealdade do consumidor, possibilidade de melhor conhecimento do
mesmo e melhora da relação com fornecedores;
- indústria: redução dos produtos em falta, aumento da integridade da marca e melhoria no
relacionamento com o varejo.
Uma preocupação que tem surgido junto aos acadêmicos e executivos do Agronegócio no
mundo é a questão da coordenação intra e inter empresas. A coordenação pode ser entendida
como a habilidade de transmitir informação, estímulos e controles ao longo das etapas seqüenciais
que integram os conjuntos de atividades necessárias para atender o mercado (Farina e Zylbersztajn,
1994). A gestão desse conjunto de etapas é o que alguns autores (Oliver e Webber, 1982)
pioneiramente chamaram de Supply Chain ou Cadeia de Suprimentos.
A noção básica de Supply Chain Management ou Gestão da Cadeia de Suprimentos,
segundo Bowersox e Closs (1996), é baseada na crença de que a eficiência ao longo do canal de
distribuição pode ser melhorada mediante o compartilhamento de informação e do planejamento
conjunto entre seus diversos agentes. Esse compartilhamento de informações levaria as empresas
do canal de distribuição a entenderem mais claramente os processos dos seus clientes e fornecedores
e com isso obterem maior sintonia por meio de ações conjuntas.
O conceito de gestão da cadeia de suprimentos ainda é pouco difundido nas empresas
brasileiras. Porém, à medida que se fala em alianças mercadológicas entre os atores da cadeia de
gado de corte, de certa forma já está se dando um passo em direção a implantação da gestão da
cadeia de suprimentos. Busca-se construir sintonia entre as ações de cada elo da cadeia. A grande
questão com que se defrontam atualmente os varejos, indústrias e prestadores de serviços é como
construir essa sintonia, aumentando a competitividade da cadeia como um todo. Essa sintonia, deve
ficar claro, não envolve apenas as atividades de logística – entendidas como todas as atividades que
envolvem colocar produtos disponíveis, onde e quando são desejados por seus consumidores (Bowersox
e Closs, 1996). Ou seja, esse processo deve contemplar também acordos comerciais, por exemplo.
A questão da mudança no local de desossa, do varejo para os frigoríficos, parece num
primeiro momento, uma questão de logística. Porém, existe toda uma série de arranjos organizacionais
e institucionais que devem ser feitos, para que essa nova redistribuição de tarefas de fato agregue
valor ao produto oferecido ao consumidor final.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 115
De acordo com a pesquisa realizada por Brandão (1995) é importante que todos os segmentos
da cadeia produtiva de carne bovina estejam mais orientados para as necessidades e expectativas
do consumidor final em termos de preferências, opiniões e sugestões sobre o produto como:
- expectativas e nível de satisfação em relação ao produto;
- melhorias em termos de embalagem, design e cor para o produto;
- imagem do produto;
- preço que o consumidor está disposto a pagar;
- necessidades em termos de apelos a serem usados em campanhas publicitárias para cada
segmento de mercado;
- promoções de venda mais eficientes;
- motivos de compra;
- formas de avaliar quais os canais de distribuição mais eficientes e seu desempenho
(comparando-se com o segmento de mercado que cada um atende);
- hábitos, atitudes e motivação para compra dos produtos.
Apesar de muitos agentes da cadeia de gado de corte estarem discutindo e tentando buscar
elementos de coordenação, ainda é cedo para se dizer que o elo da distribuição tem essa visão
clara e consolidada. Algumas grandes redes de super/hipermercados (de capital nacional e
internacional) já conhecem o conceito de supply chain management, mas nenhuma delas ainda
está efetivamente praticando, excetuando-se as empresas envolvidas em iniciativas do tipo
FUNDEPEC, Rede Açoucia ou Alianças Mercadológicas, que serão discutidas em um dos itens
seguintes.
Em alguns estados brasileiros, as Secretarias de Agricultura, juntamente com Fundos criados
nos moldes do FUNDEPEC/SP têm buscado aproximar os diferentes agentes da cadeia e motivá-
los a construir alianças. O processo é demorado e enfrenta muita desconfiança. O varejo, do seu
lado reclama da falta de regularidade de oferta de produtos diferenciados, como o novilho precoce,
por exemplo. A indústria, na interface com o varejo reclama das margens apertadas que este lhe
impõe e da inadimplência que muitas vezes ocorre. Em algumas regiões do país, a preferência do
grande varejo é comprar carne de regiões distantes, pelo fato de as mesmas oferecerem preços
mais competitivos (mesmo sabendo que existe maquiagem de produtos e sonegação), a depender
de fontes regionais de menor escala.
4.3.2.2. Insumos
4.3.2.2.1. Embalagens
Mostra-se nítida a evolução do setor de embalagens nos últimos anos, principalmente nos
aspectos relacionados às novas tecnologias de material, design, utilização de códigos e etiquetas.
Essas mudanças vêm ocorrendo como resposta às novas tendências de consumo e às exigências
das modernas formas de comercialização propostas pelo varejo, respeitando questões relacionadas

116 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
à segurança alimentar, principalmente sob o ponto de vista de sanidade e conveniência do produto
oferecido.
O desenvolvimento de novas embalagens participa da dinâmica das grandes firmas
agroindustriais como variável de caráter estratégico (Madi et alli, 1998). A decisão da adoção de
embalagens para o setor alimentício, por outro lado, tem assumido uma função estratégica como
diferencial entre empresas e setores concorrentes.
A indústria de embalagens centra-se sob dois principais aspectos: a “arte” de transmitir uma
imagem visual e a “tecnologia” para a preservação do produto (CETEA, 1991).
De acordo com a World Packing Organization (WPO) citado por Madi et alli (1998), a
América do Sul é responsável pela demanda de 4% do total de embalagens no mundo, sendo o
Brasil responsável por aproximadamente 3% desse valor. Porém, acredita-se que subestima-se
essas porcentagens, que podem chegar para a América do Sul a 5,7% da demanda mundial.
Com relação às tendências mundiais do setor de embalagens, vale ressaltar alguns aspectos
importantes e comuns aos diversos mercados:
- melhoria dos sistemas de informação;
- desenvolvimento de tecnologias para o aumento do tempo de vida do produto na prateleira;
- aumento da funcionalidade e conveniência da embalagem;
- diversificação, adequando-se à forma de distribuição e segmentação dos mercados;
- aumento da resistência e velocidade de acondicionamento;
- redução de custos; e
- preocupação com os aspectos ambientais (Ottaman, 1994:107).
O advento das grandes redes de supermercados, estabelecendo uma nova forma de
comercialização chamada auto-serviço (RaboBank, 1998), é considerado o principal responsável
pelas mudanças e tendências citadas acima. O auto-serviço, exige a disponibilização de produtos
frescos pré-embalados com tempo de vida na prateleira suficiente para permitir a venda, mantendo
suas características organolépticas e propriedades nutritivas. Outra vantagem da utilização de
embalagens para o setor de distribuição é a possibilidade de poder agregar maior valor à matéria-
prima por meio do processamento (por exemplo, cortes e temperos diferenciados), ampliando seu
nicho de mercado e melhorando a rentabilidade do negócio.
Existem 4 tipos de materiais considerados padrões para embalagens utilizadas pela
agroindústria. São eles: plástico, papel, metal (alumínio) e vidro. No Brasil, o papel e o plástico são
os materiais mais utilizados, tendo um consumo de 13,2 e 7,1 kg/per capita/ano respectivamente,
seguidos pelo metal (alumínio) com 5,7 kg e o vidro com 5,4 kg/per capita/ano (Datamark citado
por Madi et alli, 1998).
Acompanhando as mudanças nos padrões e hábitos de consumo do setor alimentício, a
indústria de transformação da carne bovina no Brasil tem registrado um aumento crescente na

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 117
demanda de carne desossada e embalada. De acordo com Bliska (1999), o consumo de Boxed
Beef cresceu de 21 mil toneladas em 1988 para 264 mil toneladas em 1996. Por Boxed Beef,
entende-se a carne desossada, em peças e embaladas a vácuo. Segundo a mesma autora,
considerando um índice 100 no ano de 1988, em 1996 obteve-se um índice de 809, demostrando
um crescimento oito vezes maior ao ano inicial considerado.
As Portarias Ministeriais nº 304 de 22/4/1996 e nº 145 de 1/9/98, vieram a acelerar o
crescimento do consumo de carnes embaladas no Brasil, pois ambas prevêem o recebimento de
carnes desossadas e embaladas para o setor varejista.
Existem praticamente três tipos básicos de embalagens para os produtos cárneos de origem
bovina: embalagem a vácuo, embalagem com atmosfera modificada e embalagem metálica para
produtos termoprocessados. Nos dois primeiros casos, a permeabilidade do material da embalagem
é um parâmetro importante associado às embalagens de carnes frescas (CETEA/ ITAL, 1991), pois
pode determinar características qualitativas do produto final. Quanto maior o nível de permeabilidade
do material envolvente, menor é o tempo de vida na prateleira e a manutenção das características
organolépticas do produto, principalmente o odor e a cor. De acordo com um estudo realizado pelo
Consórcio Zootécnico Veneto (Itália, 1996), observou-se que as primeiras características percebidas
pelos consumidores no momento da compra do produto carne são, justamente, odor e cor, seguidas
pelos fatores textura, grau de infiltração de gordura e poder de retenção de água. Essa informação
pode ser confirmada em entrevista realizada com uma grande rede de distribuição, que afirmou ter
tido queda nas vendas justificado por problemas nas embalagens, que alterou alguns parâmetros
organolépticos da carne. Os filmes de cobertura mais utilizados pelo setor são: PVC, EVA e PEBD,
além de bandejas em PS ou PVC termosseladas (CETEA/ITAL, 1991).
As embalagens, de modo geral, surgiram como forma de garantia da conservação dos
alimentos e prolongamento de suas características nutricionais. Especificamente, no caso das
embalagens a vácuo, seu principal objetivo é evitar o crescimento de microorganismos por meio do
isolamento do oxigênio, evitando a deterioração do produto fresco. Produtos embalados a vácuo,
podem ser conservados de 10 a 12 semanas à temperatura de 0º C. Segundo o Centro de Tecnologia
de Embalagens de Alimentos, “o acondicionamento a vácuo pode ser feito, utilizando-se embalagens
pré-fabricadas, em máquinas com câmaras a vácuo ou com material de embalagem na forma de
bobina, em máquinas automáticas tipo thermoform-fill-seal”(CETEA/ITAL, 1991: 6).
Apesar do aumento significativo do tempo de vida propiciado pela embalagem a vácuo, a
sua desvantagem está na modificação da cor do produto mediante a redução, respectivamente, dos
pigmentos oximioglobina, metamioglobina e mioglobina o que, gradativamente confere colorações
pouco aceitas do ponto de vista do consumidor final. Outros dois aspectos pouco atrativos para o
consumidor, é a mudança do odor do produto e a exsudação de sangue. O odor, apesar de voltar
ao normal após sua abertura, causa uma má impressão sobre a qualidade do produto. No caso das
bandejas recobertas com filmes transparentes o problema da liberação de líquidos foi resolvido
com a adoção de absorventes inseridos no seu fundo. Os absorventes, na sua maioria importados,
mantêm a aparência saudável do produto melhorando sua estética. Existem algumas bandejas,
ainda pouco encontradas no mercado, nas quais os absorventes estão localizados entre as suas

118 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
duas últimas camadas, o que confere uma estética ainda melhor que a tecnologia anterior. As medidas
preferidas de bandejas são 24 e 16 cm. Em visita realizada a Feira Internacional de Produtos
Alimentares (FISPAL, 99), em São Paulo, observou-se uma preocupação muito grande com as
cores das bandejas e a forma de sua disposição nos balcões frigoríficos. A composição e contraste
de cores da bandeja, do balcão e do produto associadas às luzes ambiente, permite, de acordo
com os técnicos do setor, valorizar o produto e atrair melhor a atenção dos consumidores. Na
prática, poucas empresas do setor varejista estão preocupadas com esses aspectos, comercializando
seus produtos ainda de maneira tradicional.
O acondicionamento de produtos em embalagens com atmosfera modificada, outro recente
processo na conservação de alimentos, baseia-se na exposição do produto a misturas gasosas
específicas como forma de controle ao desenvolvimento de microorganismos e a oxidação, que
acarreta deterioração das carnes frescas (CETEA/ ITAL, 1991). As principais vantagens do uso
de embalagens com atmosfera modificada (AM) são:
- aumento da vida útil do produto;
- conservação da cor, aroma e frescor;
- redução de perdas e custos gerais com a distribuição, manuseio, deterioração e a mão de obra;
- melhor apresentação do produto e conseqüentemente melhor aceitação do consumidor final; e
- aumento do potencial de diferenciação.
A desvantagem do uso dessa tecnologia está no aumento dos custos ligados ao processo e à
necessidade de um rígido controle da temperatura durante as etapas de acondicionamento,
distribuição, estocagem e venda. Outro problema técnico enfrentado pela distribuição é a composição
correta dos gases. Nos processos iniciais de venda de produtos embalados em AM, foi declarado
que observou-se uma drástica queda nas vendas, seguindo a mesma problemática apresentada
para as embalagens a vácuo: desconhecimento do consumidor sobre o produto oferecido. Frente a
essa situação, grandes redes do varejo que estavam investindo nesse tipo de embalagem, pararam
momentaneamente de fazê-lo. Porém, considera-se que haverá uma retomada desse processo no
médio prazo, como o que é feito nos países como França, Itália e Espanha.
O CETEA (1991:12), associa o sucesso do acondicionamento em embalagens com AM
com cinco elementos chaves:
- especificação da mistura gasosa em relação ao produto;
- natureza e qualidade inicial do produto fresco;
- controle de temperatura;
- propriedade de barreira da embalagem; e
- eficiência do equipamento.
Por fim, outro processo de acondicionamento utilizado é a embalagem metálica para produtos
cárneos termoprocessados. O aspecto diferenciador dessa embalagem, está na garantia da

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 119
hermeticidade do sistema, evitando o contato do produto com o meio externo garantindo a esterilidade
comercial do conteúdo mesmo após o processamento (CETEA/ITAL, 1991).
As tecnologias apresentadas e rapidamente descritas nesse item não caracterizam, de maneira
geral, a realidade do setor de carne bovina brasileiro. Apesar das exigências legais impostas pelo
governo, existe uma articulação de fatores culturais, dificuldades financeiras e falta de coordenação
do setor que atrapalha a velocidade de adoção de novas técnicas de embalagem e processamento.
Observou-se nas pesquisas de campo, que os principais problemas do uso de embalagens
para a carne bovina são: pouco esclarecimento e conhecimento do produto por parte dos
consumidores finais, pouca adequação às características particulares da carne bovina e falta de
manutenção da cadeia do frio.
As principais dificuldades enfrentadas por processadores e distribuidores são: mão-de-obra
não-especializada que leva a má manipulação do produto, custo de implantação da desossa e
equipamentos de embalagem, descarte de ossos, sebos e subprodutos e falta de informação e
esclarecimento do consumidor final sobre aspectos de conservação e preparo das carnes embaladas.
Alguns pontos de venda são receosos em comercializar produtos, como no caso dos embalados a
vácuo, por temor a falta de informação do consumidor, que pode vir a correlacionar sua aparência
a uma eventual má qualidade e, por sua vez identificar negativamente a marca.
Porém, a tendência da adoção de embalagens é irreversível, basta observar o sucesso da
indústria da avicultura de corte e sua diversidade de produtos.
Conclui-se que a adoção de embalagens traria uma melhoria de competitividade para o
setor, porém as informações disponíveis sobre o correto uso desse processo para os agentes da
cadeia ainda são insuficientes.
Pode-se no entanto, relacionar algumas das principais vantagens advindas do processo de
desossa e embalagem:
- melhoria na recepção do produto;
- melhoria do processo de armazenagem e exposição dos produtos nos balcões de venda;
- controle sobre a comercialização;
- possibilidade de rastreamento mediante etiquetas com códigos de barra;
- valorização de marcas;
- aumento da possibilidade de inovação de produtos;
- segmentação de mercados;
- melhor controle sobre o abate clandestino; e
- melhoria das condições de higiene e sanidade do produto.

120 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.3.2.3. Tecnologia
4.3.2.3.1. Cadeia do Frio
O músculo animal in vivo apesar de ser considerado estéril do ponto de vista sanitário, sofre
durante o abate e desmontagem da carcaça um processo de contaminação microbiológica passível
de paralisação somente com o acondicionamento do produto a baixas temperaturas e processos de
mínima manipulação. A terminologia carne geralmente é utilizada após uma série de fenômenos
físico-químicos, isentos da presença de microorganismos, que ocorrem no espaço de tempo entre
as primeiras fases do abate (glicólise, rigor mortis e resolução do rigor mortis).
A Organização Mundial da Saúde (WHO, World Health Organization) publicou em 1997
um livro dedicado a discutir a segurança dos alimentos e as doenças deles originadas. Segundo a
WHO, essas doenças constituem-se talvez o problema de saúde pública mais difundido do mundo
contemporâneo e uma importante causa de redução da produtividade econômica, como por exemplo,
aumento de gastos públicos com problemas devido às diarréias infantis, cólera, salmonelose,
intoxicações por produtos químicos e outros. A questão da segurança alimentar no Brasil ainda não
recebe o grau de atenção que merece, bem como são pouco estudados os problemas de saúde e o
peso de um eventual impacto econômico causado por doenças associadas à contaminação de
alimentos.
A Cadeia do Frio relaciona-se com a qualidade do produto sob dois diferentes aspectos,
porém complementares. O primeiro deles, já citado, é a contaminação microbiológica dos alimentos
e o risco associado a saúde humana. O segundo, com as características organolépticas e sensoriais
do produto final.
De acordo com declarações de um especialista do Departamento de Tecnologia de Alimentos,
da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP, a indústria e o setor de distribuição
nacional são ineficientes na operação com cadeias de frio, tornando-se na maioria dos casos o fator
responsável pela baixa qualidade do produto final (SIMPOCARNE, 1999).
Os principais fatores que influenciam o crescimento dos microorganismos responsáveis pela
alteração da qualidade final da carne são: temperatura, umidade, pressão osmótica, pH, potencial
de oxiredução e atmosfera (Lawrie, 1979:137). A profilaxia para tais fatores contaminantes são:
higiene, controle biológico, antibióticos e radiações ionizantes (Lawrie, 1979:149).
Existe uma série de fatores que interagem com a cadeia do frio no resultado final de uma
carne de boa qualidade: rápido decréscimo do pH, cold shortening (encurtamento pelo frio),
thaw rigor (contração de descongelamento), miopatia DFD (dark, firm, dry,), PSE (pale, soft,
exudative) e DCB (dark cuttining beef). Apesar de não serem detalhados nesse capítulo, vale
ressaltar que, independentes ou em interação, esses aspectos alteram as características organolépticas
(cor, odor, sabor, infiltração adiposa, capacidade de embebição, suculência e maciez) e a higidez
do produto cárneo final.
As fontes de contaminação dos produtos cárneos podem ser o solo, a água, o ar, os animais,
os próprios homens e as plantas (Galli, 1997:31-33). No que tange ao local de contaminação

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 121
podemos citar a contaminação no momento da produção, no abate, no processamento, na
distribuição, no armazenamento e no seu uso final (APCC – controle microbiológico de alimentos).
No processamento dos produtos cárneos o controle dos microorganismos pode ocorrer por três
diferentes formas: remoção, inibição de multiplicação e destruição, sendo que a utilização desses
processos depende da sensibilidade dos microorganismos e da natureza do produto. Em função
desses dois fatores, estuda-se os níveis de sensibilidade dos microorganismos, ao calor ou ao frio,
por exemplo.
No caso do processo de refrigeração, as temperaturas são mantidas abaixo de 10o C positivos
de modo a inibir a multiplicação de alguns microorganismos ou retardar o desenvolvimento de
outros. No congelamento, as temperaturas são mantidas abaixo de –10o C como forma de estacionar
o desenvolvimento de todos os microorganismos e pode ser associado ao tempo para a melhoria
da eficiência do processo (ICMSF, 1980). Ambos os processos deveriam receber atenção especial
no setor de distribuição, armazenamento e consumo final do produto.
A Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA/USA) criou
em 1969, o Código de Boas Práticas de Manufaturas (GMP – Good Manufacturing Pratices)
estabelecendo junto com o Comitê da Comissão do Codex Alimentarius da FAO/OMS leis
e exigências referentes à manipulação de alimentos. Não existe, no entanto, um consenso
único com relação ao tempo e às temperaturas ideais de refrigeração de carcaças bovinas. A
Portaria Ministerial nº 304 complementada posteriormente pela Portaria de nº 145, estabelece
apenas os tipos de cortes possíveis de serem comercializados entre a distribuição e o varejo e
a obrigatoriedade de manutenção da temperatura máxima de 7o C. Não existe nenhuma menção
ou referência mais detalhada sobre exigências a respeito de produtos congelados e/ou
temperaturas específicas para determinados cortes tradicionais. O Departamento de Agricultura
dos Estados Unidos, por exemplo, recomenda a redução da temperatura interna da carcaça a
4,5o C dentro de 16 horas, após o abate.
No Brasil, os conhecimentos adquiridos sobre a questão de temperatura normalmente advém
de maneira empírica, pois existem poucos estudos aplicados a realidade nacional.
Uma série de discussões, ainda sem conclusão, ocorre a respeito das técnicas de
velocidade de resfriamento, adoção ou não da chamada desossa a quente e a estimulação
elétrica, como aspectos de melhoria da qualidade final do produto, ligados direta ou indiretamente
à cadeia do frio.
Mesmo sem conclusões exatas, sabe-se que a temperatura é o principal aspecto a ser
considerado no desenvolvimento dos microorganismos. A correlação entre sua velocidade de
crescimento e altas temperaturas, é positiva. Os principais microorganismos responsáveis pelas
alterações das carnes, são, geralmente classificados em três categorias: os psicrofílicos (temperatura
otimal entre –2 e 7o C), mesofílicos (temperatura otimal entre 10 e 40o C) e os termofílicos
(temperatura otimal entre 43 e 66o C) (Lawrie, 1979).
No caso das embalagens a vácuo, as temperaturas quando mantidas de 0o C a 3o C,
proporcionam uma durabilidade de 10 a 12 semanas do produto final (CETEA/ITAL, 1991:6).

122 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Para as embalagens em AM, “a vida útil pode variar de 4 a 10 dias, e a temperatura de comercialização
não deve exceder 3o C, mantendo ótimas condições higiênicas” (CETEA/ITAL, 1991:12).
As discussões sobre as técnicas de congelamento de carnes bovinas mantêm-se no mesmo
nível dos problemas da refrigeração, ou seja, existe pouca conclusão prática sobre corretos
processos. O Departamento da Agricultura do Estados Unidos, sugere a redução da temperatura
para –18o C, durante um período de tempo inferior a 72 horas.
Nota-se no Brasil, que além dos problemas relacionados ao pouco conhecimento sobre as
temperaturas ideais de resfriamento e congelamento, existe uma deficiência técnica dos
equipamentos utilizados. Em geral, as câmaras frigoríficas, os caminhões transportadores, os
balcões frigoríficos de supermercados e açougues não mantêm a temperatura prevista pelos
técnicos responsáveis. Em entrevista conduzida a uma empresa multinacional produtora de balcões
refrigerados para supermercados, o engenheiro responsável admitiu que em 60% dos casos a
temperatura assinalada no visor do termostato do equipamento, não condiz com a temperatura
real no seu interior. Normalmente os termostatos são instalados próximos às saídas do ar frio,
que registra uma baixa temperatura porém não condizente com a realidade no interior do
equipamento. Essa variação de temperatura prejudica as qualidades objetivas e subjetivas do
produto, podendo até vir a causar problemas de intoxicações por ingestão de alimentos alterados
microbiologicamente.
Todos os aspectos levantados sobre a cadeia do frio mostram a ineficiência do setor na sua
manutenção e a falta de informações sobre procedimentos adequados para a realidade da indústria
nacional da pecuária de corte. As perdas, ainda não-quantificadas, apontam para valores significativos,
do ponto de vista econômico da cadeia e qualidade final do produto. Certamente esses aspectos
prejudicam e comprometem a competitividade do setor como um todo.
Observa-se portanto que, apesar de terem sido tratados separadamente, embalagens e cadeia
do frio são dois aspectos inter-relacionados, que dependem de esforços mútuos para a manutenção
da qualidade final do produto. Eventuais problemas ou interferências em qualquer um dos fatores
significa o comprometimento das características nutritivas e organolépticas desejáveis nos produtos
cárneos.
4.3.2.3.2.Tecnologia de Informação
A evolução da tecnologia está alterando a natureza da competição entre as empresas (Tapscott,
1995). Ou seja, uma vez que uma empresa internaliza novas tecnologias, especialmente em termos
de tecnologias de informação, essas passam a alterar sua estrutura de poder (disseminação de
informações crescente) e sua habilidade em desenvolver novos produtos/serviços e atender novos
mercados.
Conforme Dussauge e Ramanantsoa (1987) a tecnologia pode ter influências nas decisões
estratégicas de uma empresa em três pontos diferentes:
- sobre a área de negócios que a organização atua, sua definição, fronteiras, segmentação,
crescimento, maturidade e valor;

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 123
- sobre a estrutura da concorrência, mudando as regras da arena concorrencial, propiciando a
emergência de novos concorrentes ou o desaparecimento de concorrentes já existentes; e
- sobre as alternativas de estratégias genéricas: liderança em custos ou diferenciação.
A tecnologia de informação pode ser definida como um “...conjunto de hardware e software
que desempenham uma ou mais tarefas de processamento de informações do sistema de informações,
tal como coletar, transmitir, estocar, recuperar, manipular e exibir dados” (Campos Filho, 1994). A
tecnologia de informação pode incluir microcomputadores em rede ou não, mainframes, scanners
de código de barra, estações de trabalho e software de execução, planilhas eletrônicas ou banco
de dados.
No caso do varejo de alimentos no Brasil, a tecnologia de informação surgiu como uma
ferramenta de redução de custos e agilizadora do processo de troca de informações (Gonçalves e
Gonçalves Filho, 1995). Assim, ela foi adotada a partir do final da década de 80 no setor de varejo
brasileiro, por meio dos sistemas de terminais de ponto de venda (PDV), em que a partir da venda
de um produto ao consumidor final, dá-se baixa no estoque e aciona-se o setor de compras quando
os níveis de estoques chegam a níveis de reposição. A idéia é controlar e melhorar da eficiência
interna da empresa, principalmente por meio de um maior giro de estoques. Em seguida, implantou-
se a leitora óptica, o código de barras e as máquinas de preenchimento de cheques, que tinham
como intuito aumentar a velocidade de passagem do cliente pelo check out e portanto reduzir filas.
Trata-se de uma ação com dois benefícios claros, um para o cliente, ou seja, oferecer maior rapidez
e menos espera, e outro do lado do varejo, isto é, permitindo o atendimento de maior número de
clientes com o mesmo número de check outs.
O passo seguinte, que no Brasil tem sido dado por algumas grandes redes de auto-serviço a
partir da segunda metade da década de 90, pode ser visualizado pelo uso de outras tecnologias de
informação, como redes e serviços ofertados por companhias telefônicas, pelas VAN’s (Value
Added Network – empresas que administram as caixas postais para troca eletrônica de dados) e
outras empresas fornecedoras de tecnologias associadas. Essas tecnologias permitem trocas de
dados e voz entre organizações, seus clientes, seus fornecedores e seus distribuidores. São exemplos
dessas tecnologias a troca eletrônica de dados (EDI) e outras formas de troca de informações que
utilizem linha telefônica, satélite e transmissões via ondas curtas e radiofreqüência.
Na distribuição de carne bovina a utilização de tecnologia de informação resume-se ao uso
ainda parcial do código de barras, normalmente a partir do próprio varejo, sem contar muitas vezes
com as informações específicas do frigorífico e da produção no campo. Além do código de barras
e associado a ele, encontram-se os PDVs ou check outs informatizados que permitem o controle
de todas as mercadorias vendidas, seja para se identificar preferências dos consumidores, seja
para gerenciar melhor os estoques dentro do ponto de venda. O uso dessas tecnologias está restrito
às redes varejistas de médio e grande porte e às boutiques de carnes em alguns casos.

124 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.3.2.4. Estrutura de Mercado
4.3.2.4.1.Distribuição da Comercialização
Estima-se que a distribuição do produto para o consumidor final, segundo os canais de
comercialização seja, de acordo com a Gazeta Mercantil (1998):
- supermercado/hipermercados/restaurantes/hotéis/refeições industriais 65%;
- açougues 30%;
- boutiques de carne 5% (cortes especiais).
Quanto aos supermercados, esses constituem 35 mil estabelecimentos em território brasileiro
que vendem carne in natura que responde por cerca de 45% da distribuição de carnes no Brasil.
Os açougues, dentro dos supermercados, respondem em média por 18% das vendas dos
supermercados (Cardoso, 1999). Comparando-se com os dados da Gazeta Mercantil, observa-
se que o setor de food service, responde por uma parte importante do consumo de carne bovina.
Peetz (1996) afirma nos açougues e nas boutiques de carne a carne bovina representa cerca de
80% das vendas e, por último, nos serviços de refeições de hotéis, indústrias e restaurantes de
carne bovina representa 60% do total de produtos cárneos consumidos. Observa-se por meio
desses dados que os açougues são estabelecimentos centrados quase que exclusivamente no
comércio de carnes bovinas, prestando pouca atenção a outros produtos substitutos ou mesmo a
produtos complementares.
Existem cerca de 55 mil açougues no Brasil (30% no Estado de São Paulo) que faturam
cerca de R$ 1,6 bilhão anualmente. Em 1997, os açougues sofreram uma redução em suas vendas
em 2%, devido a fatores como aumento da concorrência com os supermercados e queda no poder
de compra de classes de menor renda que eram seus principais clientes. Apenas na cidade de São
Paulo, em 1997, 394 estabelecimentos fecharam (10,2% do total de açougues) e no interior, 850
estabelecimentos fecharam suas portas (6,8% do total de açougues do interior).
Já o mercado institucional (ou food service) é um segmento constituído por empresas que
compram a carne bovina, a transformam, agregando valor ao seu produto ou serviço oferecido. São
integrantes desse segmento os restaurantes fast food, as cozinhas para alimentação coletiva em hospitais,
escolas, empresas (tanto para o setor público quanto privado), forças armadas. Esse segmento tem
sofrido uma grande expansão, crescendo em níveis superiores ao do varejo tradicional. Nos últimos
quatro anos, o mercado institucional cresceu 95% contra 53% do varejo. No ano de 1995, havia 400
mil restaurantes no País e, atualmente, são 756 mil pontos. Em 1997, esse segmento teve um faturamento
de US$ 6,5 bilhões e, em 1998, o faturamento foi de US$ 13 bilhões. Esses fatos são atribuídos ao
crescimento, nos grandes centros, da alimentação fora do lar (Correia Jr. e Moldero, 1999).
Quanto a parte que cabe ao setor público no mercado institucional é importante colocar que,
para grandes empresas tais como: Sadia, Perdigão, Frangosul e Chapecó o abastecimento de
carne para o setor público representa menos de 0,5% das venda anuais. Para essas empresas é
mais viável concentrar as vendas no setor privado e para exportações, pois com o setor público,
geralmente, ocorrem problemas de inadimplência (Gazeta Mercantil, 1998).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 125
Para o mercado institucional destacam-se as empresas do ramo de restaurantes industriais
GR do Brasil e Sodexo. A GR do Brasil representa uma joint venture entre a ACCOR e o Grupo
inglês Compass, líder mundial em serviços de alimentação coletiva. Essa joint venture consome
cerca de 800 toneladas de carne bovina por mês, ou seja, 9.600 toneladas/ano. Cerca de 60% da
carne é adquirida no Estado de São Paulo dos chamados fornecedores intermediários, que são
aquelas empresas que desossam, embalam carne de novilhos abatidos de outros Estados. Segundo
esta empresa, como a cadeia produtiva de carne bovina está desorganizada não apresentando a
eficiência necessária, acaba havendo um aumento de custos na tentativa de garantir um produto de
qualidade (Cardoso, 1999).
O varejo de alimentos no Brasil tem acompanhado, com uma certa defasagem de tempo, as
mudanças pelas quais estão passando os mesmos setores em outros países, com os Estados Unidos,
Inglaterra, França, entre outros. Como grandes mercados consumidores de outrora, caso da França
por exemplo, têm enfrentado crises econômicas que acabam por gerar diminuição do poder aquisitivo
da população de modo geral. Uma das mudanças significativas tem sido a procura, por parte das
grandes redes do setor, de novos mercados e onde instalar seus pontos de venda. Não só situações
de crise têm alavancado esse processo, também a abertura de mercados, antes fechados ou inseguros
ao capital internacional aliados à busca por expansão de crescimento de fatia de mercado foram
fatores determinantes para a expansão de redes multinacionais nesse setor. O caso da rede francesa
Carrefour é um clássico no Brasil, onde está presente desde a década de 1970. Mais recentemente
entraram no Brasil redes de origem norte-americana (Wal-Mart), portuguesa (Sonae, Grupo
Gerônimo Martins/Sé) e holandesa (Ahold).
Outra tendência a ser registrada é uma mudança lenta e gradativa no foco de poder
dentro do canal de distribuição. Até algum tempo atrás, dado o baixo grau de concentração e
internacionalização das redes de varejo, os canais de distribuição eram considerados um
elemento do marketing-mix das indústrias. De acordo com Engel et alli (1995), “poder é a
habilidade que um membro do canal tem de influir sobre os outros membros do canal”. Como
esses e outros autores (Anderson et alli, 1997; Kumar, 1997) sugerem, nos dias atuais, com
a emergência dos mercados de massa, os varejistas colocam-se na posição de condutores
(Engel et alli, 1995). Uma das razões para que isso ocorra é o fato de os varejistas terem
posto a funcionar o esquema de compras centralizadas, promoções de caráter nacional e sistemas
sofisticados de banco de dados e logística, o que força as indústrias a entrarem no sistema de
forma a baixar custos e serem capazes de dar respostas rápidas. A segunda razão, de acordo
com os mesmo autores é que os varejistas acabam recrutando os melhores alunos nos campi
universitários e oferecem a estes melhores oportunidades de carreira que as indústrias. No
Brasil, essa situação é diferente. Até alguns anos atrás, as indústrias e o setor financeiro eram
as áreas que recrutavam os melhores alunos. Pouco a pouco o setor de serviços (principalmente
informática) tem ocupado posição de destaque, mas o varejo de alimentos não tem tido destaque
nesse sentindo.
Anderson et alli (1997) afirmam que os revendedores ou varejistas aumentam seu poder
relativo, aumentando o seu conhecimento sobre:

126 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
- os custos do seu fornecedor – porque eles podem negociar o fornecimento de produtos
com marca-própria sua com o mesmo fornecedor;
- o crescente conhecimento que detém a partir das informações capturadas de seus sistemas
de processamento de dados na boca do caixa, sobre custos e necessidades dos clientes.
Kumar (1997) afirma que tanto o aparecimento dos mega formatos como as superlojas,
como também as fusões e aquisições e as alianças horizontais de compras fizeram o varejo ficar
mais concentrado e poderoso. Como exemplo, ele afirma que as vendas dos seis principais varejistas
americanos excedem as vendas de todas as indústrias européias de alimentos juntas, com exceção
dos grupos Nestlé e Unilever.
Outra mudança significativa que vem ocorrendo nos canais de distribuição é a formação de
parcerias e alianças estratégicas entre indústria e atacadistas, por exemplo. Segundo Alcântara
(1997), isso ocorre devido a vários fatores:
- aumento da competição global;
- difusão tecnológica, principalmente no caso da automação, vinculada à tecnologia de
informação já citada;
- aumento da importância dos custos fixos;
- aumento da complexidade dos produtos, do seu design, da sua produção e entrega;
- consolidação da indústria;
- o surgimento de novas formas de distribuição e varejo, o aumento da demanda e o
deslocamento do poder dos fabricantes para os varejistas.
Essas mudanças acabam impactando as barreiras de entrada ao setor. A concentração e o
crescimento dos super/hipermercados levam essas empresas a obterem economias de escala na
aquisição de carne bovina, levando os frigoríficos a darem preferência no fornecimento. Alguns
frigoríficos porém, vêm percebendo que tornam-se vulneráveis, uma vez que passam a comercializar
parte importante (quando não total) de sua produção para apenas uma grande rede de varejo.
Em termos de economia de escopo, todos os pontos de vendas, exceto as feiras livres,
podem aproveitar da utilização da cadeia do frio para vender não só carne bovina, mas outras
carnes, queijos e frios. Isso tem sido verificado tanto em super/hipermercados, como em açougues
e boutiques de carnes. Isso acarreta uma diluição dos custos fixos na montagem dos equipamentos
da cadeia do frio e também de utensílios para corte, embalagem e manipulação de modo geral.
Outra fonte importante de barreira de entrada à atividade de distribuição de carne bovina é
a diferenciação. Já se faz presente em super/hipermercados (pela própria definição desse tipo de
negócio) e em boutiques de carnes a comercialização de produtos de compra complementar à
carne, como temperos, carvão, farinha/farofa, sal, espetos e outros utensílios para preparação e
consumo de carne. Em açougues, já se começa a verificar essa tendência. Além da disponibilização
destes produtos, pode-se verificar como instrumentos de diferenciação entre pontos de vendas
questões relacionadas à atmosfera/ambiente do ponto de venda e higiene. Alguns pontos de venda

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 127
diferenciam-se pelo oferecimento de produtos com marcas fortes (muito comum nas boutiques de
carnes) e/ou colocando pessoas no ponto de venda que fornecem informações ao consumidor
sobre os produtos e o modo correto de prepará-los, algumas vezes oferecendo folders com
informações e receitas.
Vale ressaltar também, que em termos de diferenciação de produto em termos de atributos
tangíveis, segundo Siffert Filho e Favaret (1998), é limitada e fica quase que restrita ao varejista,
por meio da manipulação de cortes diferenciados. Alguns grandes varejistas têm buscado fazer
testes com novas embalagens, utilizando inclusive atmosfera modificada (AM).
Sob a ótica do cliente, os custos de mudança entre escolher um ponto de venda ao invés de
outro, são relevantes quando esse exige informações acerca da origem e sexo do animal, marca
forte ou, se os serviços oferecidos por um ponto são disponíveis e/ou melhores que os oferecidos
por outro ponto de venda. Os custos de mudança são relevantes também no caso de o consumidor
estar buscando comprar não apenas carne bovina, mas produtos complementares e outros produtos.
Nesse caso, os super/hipermercados acabam tornando-se a única opção, dada a variedade e
conveniência que oferecem. No caso dos pontos de vendas que funcionam 24 horas, essa
conveniência torna-se um diferencial imbatível por açougues e mesmo boutiques de carnes.
O acesso privilegiado aos melhores canais de suprimento tem-se mostrado uma barreira
importante à entrada na atividade e um fator que influi na rivalidade entre os competidores atuais.
Os super/hipermercados e boutiques de carnes têm-se diferenciado na venda de carne de qualidade
em relação aos açougues devido à prioridade que é dada aos mesmos pelos frigoríficos. O fato de
os super/hipermercados, assim como as casas de carnes terem maior facilidade de aquisição de
carne de frigoríficos mais capitalizados, que por sua vez têm possibilidade de fornecer carne dentro
dos pré-requisitos das Portarias 304 e 145, esses pontos de venda acabam tendo maior facilidade
de se adaptar às restrições legais. Por outro lado, segundo Siffert Filho e Favaret (1998), como os
super/hipermercados têm-se modernizado rapidamente, com vistas à satisfazer novas exigências e
formando novos hábitos de consumo, as relações entre frigoríficos e super/hipermercados devem
seguir o padrão da indústria de alimentos em termos de formas de apresentação, qualificação e
garantia da carne ofertada.
Em termos de localização dos pontos de venda, os açougues e os pequenos supermercados
têm vantagens de serem lojas de vizinhança e muitas vezes a reputação da carne está centrada não
em uma marca forte, nem na sua origem, mas na higiene do estabelecimento e na confiança que os
clientes depositam na figura do açougueiro/dono do açougue.
Em termos de barreiras de saída, os açougues são os que mais sofrem uma vez que são
caracterizados como empresas familiares, em que o empreendedor tem um vínculo emocional forte
com a atividade e dificilmente passa a atividade para os descendentes, que ou não se interessam ou
não a enxergam como uma atividade de futuro ou de carreira.
O comércio de carne bovina sofre com a presença de produtos substitutos, principalmente
quando se fala de frango, em questões de saúde e conveniência de produtos pré-elaborados. Uma
vez se considerando a competição entre cadeias produtivas, observa-se uma coordenação muito

128 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
mais eficaz e desenvolvida no caso do frango. Contribuem para isso, segundo Siffert Filho e Favaret
(1998), fatores como a baixa estabilidade nas relações entre pecuaristas, atacadistas e varejistas, a
diversidade de rotas tecnológicas e inexistência de contratos de longo prazo.
Quando se fala de estrutura de mercado, há de se ressaltar que em termos de Brasil, existem
regiões com mercados com particularidades distintas. Enquanto no Norte e Nordeste do País
existe a crença de que carne de qualidade é a carne fresca ou quente, vendida em feiras e que a
maior tarefa das grandes redes de super/hipermercados torna-se conscientizar o consumidor das
vantagens da cadeia do frio. No Sul do Brasil, onde o consumidor é exigente e cada vez mais
solicita produtos e serviços diferenciados, observa-se que 67% da comercialização de carne bovina
é feita por grandes redes de super/hipermercados. Fica claro que nesses dois mercados, os
parâmetros de diferenciação nos pontos de vendas e a dinâmica concorrencial entre os mesmos
serão completamente diversos.
4.3.2.5. Ambiente Institucional
4.3.2.5.1. Impactos das Portarias 304 e 145
Em abril de 1996, foi promulgada a Portaria n° 304, a qual determina que toda a carne
vendida em frigoríficos seja refrigerada, embalada e que na embalagem conste a designação de
origem. Alguns pesquisadores ligados ao setor, como Peetz (1996), estimaram que essa portaria
deveria impulsionar algumas mudanças significativas no setor varejista modernizando-o, à medida
que ocorreria a eliminação da desossa nos equipamentos de distribuição final, diversificação dos
produtos vendidos, além do estímulo ao auto-serviço na compra de produtos cárneos. Porém, o
que se observam nos dias atuais é que essa portaria tem sido apenas parcialmente aplicada por
duas razões distintas. A primeira, é a descapitalização dos frigoríficos, que associada aos grandes
níveis de ociosidade por falta de matéria-prima em algumas regiões (Norte e Nordeste, notadamente),
levam os frigoríficos a não considerar a modernização como uma opção viável. A segunda razão
apresentada por alguns representantes do setor entrevistados é o fato dos consumidores de algumas
regiões estarem acostumados a adquirir carnes com osso. Em alguns estados, verificou-se também
a preferência por carne fresca ou “quente”, o que constitui uma barreira também à Portaria 145.
Segundo os entrevistados, fica difícil ignorar essa preferência dos consumidores. Esse fato tem
levado alguns grandes varejistas e as próprias Secretarias de Estado da Agricultura a promoverem
ações de comunicação com clientes e público em geral visando conscientizar sobre as vantagens
em termos de higiene e sanidade da carne desossada, resfriada e embalada.
Alguns ajustes têm sido feitos pelos açougues no sentido de melhorarem o visual, higiene e
layout dos pontos de venda, buscando oferecer também carne com marca. Em apenas uma região do
País, o Nordeste, existe uma iniciativa do Sindicato do Comércio de Carnes Frescas, conjuntamente
com a Secretaria da Agricultura e o Banco do Nordeste, no sentido de financiar projetos de
modernização de equipamentos em açougues. Quanto à carne embalada, um proprietário de redes de
varejo de pequeno porte, localizada na periferia de uma grande cidade brasileira, afirmou que já se
percebe uma boa aceitação dos clientes, dado que a bandeja vem com o preço final já assinalado, o
que permite ao consumidor escolher o produto dadas suas restrições orçamentárias.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 129
Uma das grandes vantagens obtidas pela implantação dessas portarias seria o fato do transporte
da carne bovina para o segmento varejista ser realizado com a carne já desossada e embalada. Isso
levaria à diminuição nos custos de transporte, pois ocupar-se-ia menos espaço, podendo-se carregar
muito mais carne. Além disso, o critério de embalar a carne garante muito mais seus atributos de
qualidade, em termos de características organolépticas e contaminação microbiológica.
4.3.2.5.2. Fiscalização na Prática
A fiscalização dos pontos de venda é ineficiente em quase todo país. Quando a
responsabilidade pelo sistema de fiscalização é municipal, a situação é ainda mais crítica, uma vez
que a influência política acaba por isentar de fiscalização ou abrandar regras para determinados
pontos de venda. Em um estado tem se realizado um esforço maior, criando-se inclusive agências
de fiscalização que disporiam de recursos humanos e financeiros para fiscalizar mais ativamente.
Porém, essa iniciativa ainda encontra-se no início.
4.3.2.5.3. Exigências de Rastreabilidade
O conceito de rastreabilidade está associado à qualidade do processo de um produto. O
produto é passível de ser rastreado quando seu processo produtivo pode ser visualizado por inteiro,
etapa a etapa, constatando suas características. Isso pode ser facilitado por sistemas de identificação,
padronização estabelecidos por agentes da cadeia produtiva. Esses sistemas podem ou não utilizar
tecnologia de informação, como código de barras, scanners, radiofreqüência, satélites, computadores,
protocolos para troca de informação via EDI ou Internet.
No caso da implantação de código de barras, existe já em termos mundiais, uma primeira
tentativa de implantação em produtos cárneos, que está sendo trazida para o Brasil pela EAN
Brasil (Associação Brasileira de Automação Comercial, filiada a EAN Internacional, órgão multi-
setorial que se preocupa com a construção e difusão de padrões e tecnologias). Estuda-se a
possibilidade de implantação de códigos em produtos e em embalagens de despacho, englobando
processos comerciais e logísticos. Porém, existe ainda desconhecimento das características dos
processos envolvidos em uma cadeia de produtos alimentares, com um alto grau de perecibilidade
associado. Alguns frigoríficos, como forma de atender uma exigência dos mercados consumidores
internacionais, têm buscado fornecer aos seus clientes (varejistas ou tradings) informações a respeito
dos produtos que estão sendo vendidos. A dificuldade está em rastrear a cadeia para trás, ou seja,
identificar e garantir informações sobre a origem e características do animal abatido.
A construção da rastreabilidade envolve ações para controlar com precisão a produção
alimentar. É um conceito que tem impacto tanto nos profissionais e empresas do setor, como nos
consumidores.
A rastreabilidade pode ser um meio de definir:
- origem: onde iniciou-se a produção de determinados produtos, insumos utilizados e tempo
de duração das etapas de produção. Devem ser bem definidas as características dos
subprocessos envolvidos. No caso do sistema agroindustrial, agregam-se todos os fatores

130 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
necessários para tornar o produto resistente à perecibilidade, fatores da natureza e
sazonalidade. Devem existir também processos de identificação (cód. de barras);
- etapas de transformação e armazenagem: as etapas de processamento dos produtos,
acondicionamento em embalagens, utilização de conservantes naturais ou químicos,
processos logísticos envolvendo transporte e armazenagem entre plantas industriais e
armazéns, existência de selos de qualidade/origem, utilização de marcas fortes, processos
de identificação (cód. de barras);
- distribuição: envolve todos os processos desde o recebimento de produtos, instalações
específicas para conservação (câmaras frias, balcões frigoríficos), para tratamento/
reembalagem do produto, formas de exposição e sistemática de preço/qualidade (tanto o
preço pago pelo fornecedor, como com o preço cobrado do cliente), disponibilidade de
informação sobre o produto vendido, sobre os atributos de selos (de qualidade/origem),
processos de identificação (cód. de barras);
No caso de se tentar desenvolver selos, alguns cuidados devem ser tomados, como:
- os selos são considerados mais confiáveis e objetivos que as marcas, à medida que são
concedidos por órgãos independentes;
- é preciso haver credibilidade da informação ou de segurança quanto às informações
concedidas por empresas, distribuidores ou poder públicos;
- informação e necessidade de conhecimento, compreensão e transparência sobre produtos
(ingredientes, valores nutricionais, data de processamento, armazenagem, utilização e
consumo), sobre o lugar de compra/ponto de venda e exposição de produtos, preços e
sobre fornecedores de marcas do distribuidor.
A informação, além de disponível, deve ser confiável. No caso do problema da vaca louca
na Europa, doença presente na carne oriunda da Grã-Bretanha, houve uma queda de consumo do
produto. Na França, a queda foi de apenas 8% graças ao lançamento da VBF (Viande Bovine
Française ou Carne de gado francesa), que garantia que o produto tinha origem fora de regiões
contaminadas pela doença.
No Brasil, muito tem se falado a respeito da importância da rastreabilidade e de quais seriam
os caminhos para que a cadeia de gado de corte possa construí-la. Porém, pouco se tem feito para
implementá-la. Em algumas regiões, onde mesmo a cadeia do frio tem pouca importância na cabeça
do consumidor, questiona-se: como se pode pensar em oferecer-lhe informações sobre sexo, raça
do animal e técnicas de manejo utilizadas?
Em termos práticos, no Brasil, existe uma proposta desenvolvida pelo Rio Grande do Sul,
visando inicialmente atender um segmento de alta renda do mercado interno e em um momento
seguinte atingir os padrões exigidos pela União Européia. No mercado interno, a identificação do
fornecedor (frigorífico) do produto ao varejo. O projeto de identificação de acordo com os
parâmetros da EU, seria por meio da montagem de uma central de informática, que receberia
informações dos pecuaristas. Esses, por sua vez, utilizariam os brincos na orelha do animal, onde

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 131
estariam as informações de: nome da mãe e do pai, raça e/ou pelagem, manejo e alimentação.
Essas informações seriam repassadas ao varejo, mas pouco se desenvolveu nesse sentido. Uma
solução seria o que está sendo proposto pela EAN Internacional, ou seja, a utilização de códigos
de barras, do frigorífico para frente. A EAN Brasil encontra-se no momento buscando subsídios
para adaptar o modelo internacional à realidade brasileira.
Algumas iniciativas, que no futuro podem auxiliar no processo de construção de uma
rastreabilidade podem ser visualizadas pelo que se convencionou chamar de alianças mercadológicas.
Algumas iniciativas serão discutidas a seguir.
4.3.2.6. Relações de Mercado
Uma iniciativa que vale ser citada, quando se fala de mecanismos de rastreabilidade é o que
se tem chamado de alianças mercadológicas. Perosa (1998) define aliança mercadológica como
um compromisso estabelecido entre os segmentos de produção, abate/processamento e distribuição
de carne bovina, tendo como objetivo ofertar um produto com atributos de qualidade que a diferencie
da carne-commoditie disponível no varejo. Segundo o mesmo autor, para que se estabeleça esse
tipo de coordenação, três questões devem ser definidas a priori:
- o que e para quem se quer produzir;
- as regras básicas para participar de um processo integrado de produção;
- quais os benefícios a curto, médio e longo prazo advindos da iniciativa, para a cadeia
como um todo e para cada segmento.
O Programa Nacional de Carne Bovina de Qualidade, coordenado pelo Projeto Novas
Fronteiras de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável, do Ministério da Agricultura tem
como objetivo estabelecer, pelo menos, uma aliança mercadológica em cada um dos principais
Estados produtores de carne bovina no País.
Atualmente, alguns estados destacam-se com iniciativas relacionadas ao conceito de aliança
mercadológica que tem se estabelecido no Brasil. As duas primeiras iniciativas que se tem registro
são os do Centro-Oeste e o FUNDEPEC (Fundo de Desenvolvimento da Pecuária de Corte no
Estado de São Paulo), ambas iniciadas entre 1992/1993.
O FUNDEPEC iniciou suas atividades devido à preocupação com questões sanitárias da
pecuária de corte e ao longo do tempo acabou, em 1995 (a partir do lançamento nacional do
Programa de Novilho Precoce), a coordenar a formação de alianças mercadológicas visando a
produção e comercialização de carne de novilho precoce. A aliança mercadológica coordenada
pelo FUNDEPEC iniciou, com a participação dos Frigoríficos Gejota e Bertin, e com as redes de
super/hipermercados Cândia (hoje parte do Sonae), Sé e Pão de Açúcar (uma das bandeiras do
grupo conhecido por Companhia Brasileira de Distribuição). A primeira rede a dispor de produtos
da aliança foi o Cândia (carne proveniente do frigorífico Gejota) em fevereiro de 1997. Nesse
período, o produto ainda não vinha com selo do FUNDEPEC, o que passou a acontecer apenas
em setembro de 1998.

132 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Atualmente, continuam participando da aliança apenas o Pão de Açúcar, o frigorífico Bertin
e cerca de 200 pecuaristas cadastrados (desses apenas 95 estão abatendo e 15 respeitam a freqüência
de abate estabelecida pelo FUNDEPEC). Em junho de 1999, 20 lojas do Pão de Açúcar receberam
carne de novilho precoce. Além do selo, que acompanha todas as bandejas, estão disponíveis
nesses pontos de venda, folders que informam ao consumidor o que é o FUNDEPEC e contêm
explicações sobre as características nutricionais do produto. O selo, de momento, é apenas uma
identificação da carne de novilho precoce. O FUNDEPEC acompanha desde a produção controlando
características como origem, sexo, raça, forma de manejo e alimentação dos animais, vacinas, se o
animal nasceu e foi criado na mesma propriedade e no abate com informações sobre quais os
problemas na tipificação (se as carcaças estão de acordo com as especificações e quais as ocorrências
de doenças). Na distribuição, o FUNDEPEC também acompanha temperatura dos caminhões,
das câmaras e das gôndolas. A interação dos funcionários do FUNDEPEC (que realizam esses
controles) com os funcionários dos supermercados acaba servindo como um canal de comunicação
para o conhecimento das necessidades e respostas dos consumidores finais dos produtos.
No Centro-Oeste, existem alguns programas pioneiros. Destaca-se o PROMMEPE
(Programa Mato-grossense de Melhoramento da Pecuária), o Programa de Novilho Precoce
da Secretaria da Agricultura do Mato Grosso do Sul e de Goiás. Em todos esses Estados já
existem alianças mercadológicas em andamento, consideradas pelos empresários da região
experimentais e incipientes ainda. Os supermercados envolvidos são oriundos da própria região,
mas estendem os projetos para as regiões onde têm filiais, como Santa Catarina, Paraná,
Pernambuco e Distrito Federal. Os varejistas que participam são os de médio e grande porte,
que estão interessados em desenvolver nos consumidores o interesse por carne de melhor
qualidade. Os supermercados pequenos não estão interessados no projeto, uma vez que desejam
uma qualidade média, sem preocupação se é precoce ou não, com preço baixo. Nesses Estados,
existe uma regularidade de entrega de produtos pelos frigoríficos e caso um não entregue,
existirão outros dispostos a entregar.
Na Bahia, a Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária tem buscado articular
diferentes elos da cadeia produtiva no sentido de formar alianças mercadológicas. A idéia é produzir
e comercializar carne de novilho precoce. Atualmente existe uma aliança em operação, entre
pecuaristas, o frigorífico Frimasa e a rede varejista Petipreço. Como no caso de São Paulo, apenas
três lojas da rede em Salvador oferecem o produto, segundo informações, pela escassez do produto.
Além dessa aliança, outra está começando a ser articulada, envolvendo uma cooperativa que produz
e abate gado por meio de frigorífico forte, que terá como varejista parceiro o Grupo Bompreço ou
a rede G. Barbosa.
No Rio Grande do Sul, existe o Programa de Carne de Qualidade, em que a idéia é formar
alianças, não para novilho precoce, mas para a comercialização com regularidade de carne de
qualidade.
Outra iniciativa importante, desta vez não envolvendo grandes redes de varejo, é o caso da
Rede AçouCia. Em 1997, o Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas do Estado de São

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 133
Paulo concretizou a chamada Rede AçouCia. Essa rede é constituída por cerca de 100 açougues.
Com a formação dessa rede pretende-se aumentar o poder de barganha para seus associados por
meio de uma central de compras de carne distribuída pela rede e modernizar o sistema operacional
dos açougues (Cardoso, 1999). Com o objetivo de implantar a aliança com rapidez, para mostrar
resultados que incentivem os participantes a investir mais na mesma, decidiu-se estabelecer a aliança
entre a rede de açougues e um frigorífico (Minerva de Barretos – SP). Além de abastecer esses
açougues com carne de qualidade, a idéia da rede é dar suporte para que os açougues adotem um
layout padronizado não só em termos de fachada, mas na área interna também. Isso envolve
colocar paredes de vidro entre o local de manuseio da carne e o balcão de atendimento, para que
o cliente confira as condições de higiene do estabelecimento. Além disso, pretende-se oferecer
treinamento ao açougueiro para que ele diferencie seu atendimento ao cliente, uma vez que seria
nesse ponto, no contato face a face que ele poderia ter uma vantagem em relação às grandes redes
de varejo.
Segundo Penrosa (1998), nas iniciativas relacionadas às alianças mercadológicas, o conceito
de qualidade envolve mais aspectos do que simplesmente atender exigências do consumidor final, a
partir de análise de tendências de mercado e nichos de consumo e considerar a qualidade dentro da
ótica de obtenção da eficiência econômica de curto prazo. Esses outros aspectos estão relacionados
ao ambiente que cerca a cadeia produtiva, bem como aspectos biológicos, econômicos e culturais.
Além disso, ao se falar de alianças estratégicas e comerciais ao longo de toda a cadeia produtiva,
está se falando de uma postura de coordenação, buscando adquirir-se competitividade para a
cadeia a longo prazo, à medida que mais atores participem do processo.
Essa iniciativa é o que Morgan e Hunt (1994) conceituaram como o fator comprometimento.
Segundo esses autores, confiança existe quando uma das partes acredita na lealdade e integridade
do seu parceiro comercial. Comprometimento existe quando os parceiros acreditam no
prosseguimento do relacionamento, com o esforço mútuo de ambos para contribuir positivamente
com a continuação infinita do mesmo.
Esses fatores são considerados por esses autores como fatores-chave, pois encorajam as
empresas a:
- trabalhar em prol da preservação dos investimentos conjuntos por meio da cooperação
com os parceiros comerciais;
- resistir às alternativas atrativas no curto prazo em favor de benefícios de longo prazo que
virão do relacionamento com os atuais parceiros;
- visualizar ações de alto risco com prudência, acreditando que seus parceiros não irão agir
oportunisticamente.
As iniciativas descritas acima, são, sem sombra de dúvida, um caminho para se melhorar a
gestão da cadeia de suprimentos de carne bovina. Porém, verifica-se que a mesma está distante
ainda de utilizar técnicas de ECR e de construir um modelo completo de rastreabilidade, pelo
menos nos moldes exigidos pela União Européia. Segundo entrevistas conduzidas no Rio Grande

134 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
do Sul, a criação extensiva utilizada dificulta a implantação da mesma. Além do mais, antes da
preocupação com a rastreabilidade propriamente dita, há de se resolver os entraves associados à
cadeia do frio e ao próprio comportamento adversarial entre os diversos elos da cadeia.
A partir da pesquisa realizada, vale a pena discutir-se porque algumas iniciativas ligadas à
tentativa de se melhorar a qualidade da carne e às alianças mercadológicas enfrentam problemas
nos dias atuais. Primeiramente, os incentivos tributários têm pouco ou nenhum valor como incentivo
para o produtor e os outros elos da cadeia entrarem no processo. Outrossim, não existe por parte
dos elos finais da cadeia (leia-se varejo e consumidor final), de modo geral, a percepção do valor
da carne de qualidade. Em terceiro lugar, preço e serviços associados (credibilidade dos pontos de
venda que não participam de alianças) ainda são fatores preponderantes na mente de varejistas e
consumidores finais. Outro fator, que é considerado por muitos entusiastas, uma barreira ao sucesso
e difusão das iniciativas, é a falta de conscientização por parte dos pecuaristas dos benefícios de
abater precocemente e adotar técnicas de manejo mais modernas. Por último, a grande dificuldade
de coordenação entre os diferentes elos e agentes da cadeia, já discutida nesse trabalho, sumariza,
a nosso ver, as dificuldades de desenvolvimento e difusão dessas iniciativas.
As regras de participação em iniciativas desse gênero variam em função de especificidades
regionais e do próprio nível de maturidade para participar das mesmas. De modo geral, essas
regras serão acordadas entre os participantes ao início do processo e podem ser alteradas no seu
prosseguimento.
Os benefícios podem (e devem) ser considerados elo a elo na cadeia, podendo ser alterados
dependendo do porte das empresas envolvidas e das regras estabelecidas. A Tabela 4.3.1 é uma
tentativa de organizar esses benefícios.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 135
Tabela 4 .3.1. – Benefícios Potenciais de Alianças Mercadológicas no âmbito dos
Programas de Novilho Precoce

Fonte: entrevistas realizadas


A distribuição de carnes é um elo importante a ser considerado na análise da competitividade
da cadeia, uma vez que é por meio dela que se completa o processo de agregação de valor ao
consumidor final. Alia-se a isso, o fato de os mercados em todo o mundo estarem cada vez mais

136 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
valorizando atividades relacionadas a serviços, que caracteriza a atividade de distribuição. Nesse
sentido, muito tem de ser feito ainda para tornar a comercialização de carnes ao consumidor final
uma atividade bem sucedida, tanto em termos de pequenos varejos, como no caso das grandes
redes de auto-serviço.
4.4. O Segmento de Abate e Processamento
4.4.1. Introdução Geral
O setor de abate e processamento de carnes do Brasil apresenta uma situação bastante
diversificada em relação ao porte das empresas, sua localização geográfica e nível tecnológico.
Como se verificará, o segmento, como toda a cadeia, se apresenta estruturado de maneira
ainda deficiente em alguns setores. Além da desconfiança e rusgas tradicionais entre os pecuaristas
e os matadouros frigoríficos, o setor enfrenta o efeito da excessiva influência e capacidade de
pressão das grandes redes de supermercados, que, gradativamente, vêm aumentando seu poder de
barganha no mercado de carnes. Isso, associado ao consumo crescente de outros tipos de carnes,
em especial a de aves, têm afetado o poder de mercado e a rentabilidade do segmento de abate e
processamento, que, tradicionalmente, regulava o mercado de carne bovina no país, sendo
responsável pela sua organização.
Nesse elo intermediário da cadeia, percebe-se uma grande mudança estrutural oriunda,
também, do avanço da agricultura e da pecuária leiteira em regiões tradicionais de pecuária de
corte. Essa mudança vem forçando a aquisição de animais de padrão desuniforme, provenientes de
distâncias cada vez maiores, ou o deslocamento de unidades de abate e processamento para as
novas regiões de fronteira, para onde a pecuária de corte se realocou em função do menor custo de
aquisição das terras. Essa situação gerou a necessidade de se obter matéria-prima a distâncias
cada vez maiores, e torna essencial a tecnificação da pecuária nas regiões Sudeste e Sul, em especial,
como forma de se possibilitar que as unidades processadoras ali existentes se mantenham em operação
de forma competitiva, tanto no cenário interno como internacional.
Quanto ao uso de tecnologia de abate e processamento, o que se nota é que, apesar de todos
os contratempos e falta de crédito em condições favoráveis, a indústria nacional ainda mantém um
nível tecnológico compatível com os padrões internacionais. As exceções a essa regra são os abates
clandestinos, e a maioria dos matadouros municipais, devido a fatores discutidos nesse texto.
Sob a ótica institucional, os principais problemas enfrentados pelo setor são a carga tributária,
a existência de “guerras fiscais” entre os estados, e a presença de unidades clandestinas, que, em
conjunto, dificultam uma atuação mais eficiente e competitiva do segmento de abate e processamento.
Também a descentralização da inspeção veterinária dos produtos de origem animal criou
conseqüências para o setor de abate e processamento, permitindo a elevação do nível de
clandestinidade e prejudicando a imagem da carne bovina brasileira.
A discussão que se segue relata uma análise realizada do setor de abate e de processamento
de carnes a partir de levantamentos bibliográficos e pesquisa de campo, em que se subdividiu, para
efeitos de análise, esse segmento em empresas de níveis tecnológicos e padrões de qualidade mais

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 137
elevados e adequados (subsistema A), e aquelas em que a adoção de níveis tecnológicos e padrões
de qualidade estão mais atrasados ou ausentes (subsistema B). Há de se ter em mente que as
análises realizadas retratam uma média do setor, que apresenta variações entre regiões, portes das
empresas etc., com influências sobre práticas adotadas mesmo dentro de cada um desses subsistemas.
4.4.2. Porte do Setor
4.4.2.1. Introdução
A carne é considerada o produto principal do abate bovino, tendo como subprodutos principais
pele e sebo, vísceras e osso, entre outros. Inúmeros produtos industrializados têm na carne bovina
sua principal matéria-prima ou importante componente do produto final. O subproduto pele é tratado
e se transforma em couro, principal produto da indústria calçadista nacional, sendo ainda fonte de
matéria-prima para produção de colágeno. Dos ossos, são fabricados farinha e/ou extraído colágeno,
sendo a farinha muito utilizada para ração animal. Portanto, produtos dessa origem se espalham em
cascata por empresas do setor alimentício, calçadista, e de insumos industriais e agropecuários.
Em média, a um matadouro de médio ou grande porte, está associado um complexo de
aproximadamente 29 empresas, incluindo: fábrica de farinha de ossos (carne, sangue), sabão,
explosivos, colágeno, tripas, curtume, calçados, artesanato, equipamentos para montaria, charqueadas,
armazenagem frigorífica, entrepostos de distribuição e açougues. Trata-se, portanto, de um segmento
cuja performance tem importantes implicações sistêmicas.
É difícil dar uma dimensão exata do porte do complexo bovino no país, mas pode-se constatar
a sua importância, a partir de números de trabalhadores, receita, abates, e volume de comercialização.
Porém, esses não são os únicos fatores que colocam em destaque o setor agroindustrial de carne
bovina. É observada também a sua importância para a sociedade, como fornecedor de alimento e
de comodidade. Atua ainda como disseminador de tecnologias para outros setores agroindustriais.
A Tabela 4.4.1., apresenta alguns indicadores de porte para o setor, em 1993.
Tabela 4.4.1.
Porte do setor em números, 1993

Especificação Quantidade Trabalhadores Faturamento


(US$ milhões)
Estabelecimentos com atividade 1.793.324
de pecuária
Área ocupada em hectares 221.982.144 5.834.000 n. d.
Rebanho Bovino 157.000.000
Indústria de Carnes e Derivados 742 400.000 6.870
Indústrias de armazenagem 99 n. d. n. d.
frigorífica
Estabelecimentos de comércio 55.000 165.000 n. d.
varejista de carnes
Indústrias curtidoras 558 60.000 1.600
Indústrias de calçados 4150 375.000 4.700
Total - 6.834.000 13.170
Fonte: DBO Rural apud (BLISKA et alli 1998).

138 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.4.2.2. Estrutura do Parque Industrial
Os estímulos à exportação para a Comunidade Européia e para os Estados Unidos, nos
anos 70, propiciaram uma grande modernização do parque industrial frigorífico, decorrente das
exigências sanitárias e controle das operações das empresas para a garantia da qualidade do
produto. Foram realizados investimentos em plantas cuja eficiência e níveis de sanidade seguem
padrão internacional (Mucciolo, 1985; Wilkinson, 1993). A produtividade das instalações
implantadas, durante a modernização, era de abate de 2,8 bois por homem – hora, estando
concentradas no Estado de São Paulo e na região Sul, setenta por cento destas unidades
(Wilkinson, 1993). A atualização tecnológica dos frigoríficos ocorrida nesse período, permitiu
sensíveis avanços na produtividade e na qualidade dos produtos. Mesmo com tais avanços, ao
longo dos anos que se seguiram, o ritmo de inovações em equipamentos e instalações foi constante,
principalmente por meio da implantação de sistemas informatizados e um aumento evidente no
índice de automação, proporcionando avanços significativos para o segmento de processamento
de produtos cárnicos.
Ainda nos anos 70, multinacionais que dominavam o setor, como a Swift, a Armour e a
Wilson venderam as suas unidades para empresas nacionais. Já neste momento, o setor era formado
por grandes plantas, com uma grande capacidade ociosa. No final dos anos 70 e início do anos 80
começam a surgir novas empresas, com capacidade menor e locais de instalação diferentes. À
medida que o Centro-Oeste se desenvolveu, as empresas frigoríficas lá se instalaram e começaram
a concorrer, principalmente, com as unidades paulistas pela compra de animais e venda da carne,
(De Zen, 1995). No final da década de 80, grandes grupos nacionais do ramo de carnes brancas e
oleaginosas, entram para o ramo de carnes bovinas, com uma grande inserção da Sadia e Perdigão.
A inserção foi tão grande que a Sadia, inclusive, chegou a comprar e a arrendar unidades para
abate bovino, que posteriormente foram vendidas, e rompidos os contratos de arrendamento.
Tais informações são preliminares e de caráter geral, mas mostram uma mudança importante
da dinâmica do setor, principalmente, com relação a seus detentores. Para que se possa aprofundar
a caracterização do setor industrial de carnes, faz-se necessário uma apresentação de como as
empresas se classificam, segundo a lei e de acordo com suas práticas. Conhecidas no mercado
apenas como empresas de abate e processamento, os estabelecimentos de carne e derivados bovinos,
de acordo com a legislação federal, Decreto 30.691 – artigo 21 (Brasil, 1952), têm várias outras
definições e atribuições estando classificadas, em matadouro, matadouro-frigorífico, charqueada,
fábrica de conserva e entreposto de carnes e derivados.
Matadouro: estabelecimento dotado de instalações para a matança de quaisquer espécies
de açougue, visando o fornecimento de carne em natureza ao comércio interno, com ou sem
dependências para industrialização; disporá obrigatoriamente, de instalações e aparelhagem para o
aproveitamento completo e perfeito de todas as matérias-primas e preparo de subprodutos não-
comestíveis.
Matadouro – Frigorífico: estabelecimento dotado de instalações completas e
equipamentos adequados para o abate, manipulação, elaboração, preparo e conservação das

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 139
espécies de açougue sob variadas formas, com aproveitamento completo, racional e perfeito de
subprodutos não-comestíveis; possuirá instalações de frio industrial.
Charqueada: estabelecimento que realizará a matança com o objetivo principal de produzir
charque, dispondo obrigatoriamente de instalações próprias para o aproveitamento integral e perfeito
de todas as matérias-primas e preparo de subprodutos não-comestíveis.
Fábrica de Conservas: estabelecimento que industrializa a carne de várias espécies de
açougue, com ou sem sala de matança anexa, e em qualquer caso, dotado de instalações de frio e
aparelhagem para o aproveitamento adequado para o preparo de subprodutos não-comestíveis.
Entreposto de Carnes e Derivados: estabelecimento destinado ao recebimento, guarda,
conservação, acondicionamento e distribuição de carnes frescas ou frigorificadas das diversas
espécies de açougue e outros produtos animais, dispondo ou não de dependências anexas para a
industrialização.
A classificação, realizada a partir da legislação federal, tenta caracterizar a unidade de acordo
com os procedimentos adotados, manipulação empregada e a natureza do produto processado,
descrevendo as práticas permitidas e as necessidades a serem atendidas. Diante desse quadro,
pode-se dizer que muitas dessas exigências descritas não são atendidas, e outras não são sequer
mencionadas. A partir disso, podemos descrever alguns aspectos das unidades do setor bovino, de
acordo com três classificações:
Matadouros: praticam o abate de bovino, e não dispondo de instalações para congelamento,
comercializam a carne in natura ou refrigerada para comerciantes da região imediatamente mais
próxima. São providos de equipamentos e estrutura de baixa produtividade, mão-de-obra de baixa
qualificação, e baixo controle sanitário. Os subprodutos são vendidos, principalmente para serem
transformados em ração, com exceção do couro.
Matadouros – Frigoríficos: são empresas que praticam o abate, e possuem estrutura
mais modernas e produtivas, possuindo instalações para congelamento, câmaras-frias, empregados
melhor qualificados, comercializando produtos com osso in natura, e/ou produtos in natura
desossados, refrigerados e congelados. Manipulam os subprodutos a serem vendidos para consumo
humano ou como fonte de matéria-prima de outras empresas.
Frigoríficos Processadores: são empresas com tecnologias mais modernas e que demandam
maiores investimentos, realizando o processamento da carne bovina; possuem mão-de-obra muito
bem qualificada e melhores aproveitamentos para os subprodutos.
Existem três tipos de produtos processados de carne bovina, variando em exigências
tecnológicas:
Tipo 1: cortes fracionados e temperados, carnes maturadas, jerked beef, charque, lingüiça;
demandam alguma especialização, mas de média tecnologia;
Tipo 2: salsicha, hambúrguer, mortadela, salame, corned beef, rosbife; emprega pouca
mão-de-obra e alta tecnologia;

140 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tipo 3: Produtos prontos ou semipreparados (congelados, embalados a vácuo, etc.), para
consumo de conveniência.
Os matadouros ficam restritos à carne in natura; os matadouros – frigoríficos, além dessas,
aos produtos processados de tipo 1 e 2, enquanto os produtos de tipo 3 são processados por
empresas oriundas ou não da área de carne, mas que passaram a atender a área de produtos que se
baseiam na conveniência de consumo.
O quadro apresentado nem sempre é regra geral, pois mesmo demandando tecnologias
diferentes, e níveis diferentes de tecnologia e de qualificação da mão-de-obra, dentro de cada um
desses níveis anteriormente descritos, existem situações distintas. Existem empresas tecnologicamente
avançadas, e outras antigas e de estrutura rudimentares, atuando no setor de processamento de
carnes. Também existem diferenças de utilização de matérias-primas e insumos, conferindo níveis
tecnológicos diferentes para os produtos elaborados. Devido às exigências internacionais, os
frigoríficos que realizam exportação dispõem de controle sanitário mais rígido e instalação e processos
produtivos mais modernos, sendo todos eles inspecionados pelo SIF. Isso será apresentado com
mais detalhes, e com maior volume de informações que poderá consolidar esse quadro apresentado.
4.4.3. Aspectos Tecnológicos
4.4.3.1. Introdução
Observando o setor agroindustrial de carne bovina a partir do ângulo das empresas de abate
e processamento, pode-se verificar a existência de empresas mais ou menos importantes para o
setor, algumas das quais externas ao elo de abate e processamento, como empresas da área de
insumos e equipamentos. Tais empresas são inovadoras e têm um papel de saírem à frente e servirem
de modelo para as outras, realizando um importante papel na disseminação de tecnologia. Desta
forma, torna-se não só importante para o setor o conhecimento dessas empresas, mas também dos
avanços tecnológicos recentes, e da característica geral do setor na atualidade, e avanços esperados.
Para tanto, também, serão discutidas as disponibilidades tecnológicas e suas utilizações.
A base da tecnologia utilizada no setor de processamento de carnes bovinas já é empregada
há algum tempo, como a estocagem e o transporte frigorificado. Da mesma forma a utilização de
métodos de conservação, como tratamento térmico, desidratação, cura e defumação de produtos
constituem processos tradicionais, e são utilizadas não só no país, mas em todo o mundo.
As inovações tecnológicas atuais são enfocadas no aumento da produtividade e na agregação
de valor do produto, servindo-se do uso de equipamentos mais sofisticados, como, por exemplo,
os que utilizam sistemas de microeletrônica. Nestes, é possível estabelecer programações para
processamento de diferentes produtos sem quaisquer alterações na linha. Outra mudança importante
entre as tecnologias empregadas se relaciona à assepsia permitida por sistemas totalmente vedados,
contínuos e com pouca manipulação direta dos produtos, reduzindo os níveis de contaminação.
Sistemas contínuos de embutir, amarrar, pendurar, cozinhar, refrigerar, condimentar e embalar, são
cada vez mais freqüentes.
Os principais fornecedores mundiais de insumos e equipamentos estão presentes ou
representados no país, oferecendo desde tecnologias altamente sofisticadas a tecnologias mais

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 141
simples para processamento de grandes e pequenas quantidades. Assim, encontram-se disponíveis
no mercado tecnologias apropriadas para cada tipo de produto e porte da produção.
Essa disponibilidade tecnológica, porém, não faz com que o parque industrial seja homogêneo
e tecnologicamente avançado. Há uma diferenciação muito grande nos níveis tecnológicos do parque
industrial brasileiro, onde se encontram desde as tecnologias mais modernas até as mais rudimentares.
Porém, os investimentos no parque industrial brasileiro são contínuos e direcionados no sentido de
ampliações das plantas, para atendimento da demanda de consumo de produtos elaborados, como
salsicha, hambúrguer e jerked beef, e melhor aproveitamento de subprodutos. Também têm sido
realizados investimentos com o intuito de promover melhorias na produtividade e na qualidade do
produto, e ambiente da empresa. Estão sendo adquiridos equipamentos com altas performances,
tais como seladoras, cutters a vácuo, separadoras mecânicas de carne, e outros. Essa troca de
equipamentos antigos por outros mais novos, está abaixo do realmente necessário, mas permite
melhor utilização de mão-de-obra, otimização do processo produtivo, aumento de rapidez e eficiência,
e adequação às novas demandas do mercado e da legislação. No setor de abate, os investimentos
estão sendo realizados no sentido de se agilizar os processos, aumentar a eficiência de produção,
atendimento às exigências legais, e melhoria da qualidade da carne. Exemplos neste sentido podem
ser encontrados, como a adoção de insensibilização pneumática, introdução de estimulação elétrica
de carcaças, climatização e automatização das salas de desossa, etc.
Tais mudanças foram inseridas a partir de maior exigência do consumidor brasileiro. Essa
exigência provocou, uma mudança marcante no modo de apresentação do produto ao consumidor.
Essas alterações incluem remoção de embalagens de processamento, e fatiamento e
acondicionamento em embalagens de comercialização, o que leva a algumas mudanças no
processamento e nos equipamentos.
No entanto, ainda existem tecnologias disponíveis que são pouco ou nada utilizadas pelas
empresas brasileiras. A tecnologia de irradiação em carnes para controle microbiológico, por exemplo,
já é utilizada nos Estados Unidos, principalmente para hambúrguer, provavelmente em função de
recentes problemas de toxi-infecções alimentares, em especial pelo caso recente da contaminação
com E. coli O157:H7. No entanto, ainda não se encontra em atividade nas empresas frigoríficas
brasileiras, provavelmente pelo elevado custo (acima de um milhão de dólares, para sua implantação)
dessa tecnologia (Felício, 1999). Mesmo nos Estados Unidos, a sua utilização é feita sob a forma
de prestação de serviço por empresas especializadas em irradiação de alimentos. Devido aos custos
envolvidos, as grandes empresas de carnes americanas estão, inclusive, se associando para criar
uma empresa para prestar-lhes esse serviço de irradiação (Felício, 1999). Outra tecnologia ainda
cara, e pouco utilizada no parque industrial nacional, é a de acabamento de cortes, a partir do
escaneamento da peça e corte padronizado a laser.
Essas tecnologias estão sendo usadas no intuito de permitir maior conveniência ao consumidor,
e ainda em função de se manter ou promover os atributos de qualidade intrínseca da carne, como
características organolépticas (maciez, suculência, sabor), aspectos nutricionais, e segurança alimentar.
Para que se comprovasse tais aspectos apresentados anteriormente, os principais dirigentes
e representantes do setor foram entrevistados, além de diferentes diretores em várias empresas

142 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
distribuídas por todo o País. As principais informações destes relatos são discutidas e apresentadas
durante o corpo deste texto. Pode-se dizer que existe uma certa distinção entre as empresas instaladas
nas principais regiões da pecuária, mas essa não se mostra tão pronunciante. Desta forma, as
informações serão relatadas a partir de um quadro geral, chamando-se atenção para os aspectos
que se mostrarem diferentes, ou quando não se dispuser de informações suficientes para realizar as
afirmações necessárias.
4.4.3.2. Nível Tecnológico
Em todo o País, a diversidade de tecnologia de processamento entre as empresas é muito
grande. Porém, de um modo geral, pode-se dizer que o setor de abate e processamento, com
relação aos médios e grandes frigoríficos, é relativamente bem posicionado quanto à tecnologia. Os
grandes frigoríficos apresentam nível tecnológico equivalente àqueles praticados em países mais
desenvolvidos, utilizando equipamentos de estimulação elétrica, de embalagem a vácuo, bem como
de rotulagem, e sistema de frio industrial, entre outros.
Apesar da diferença de porte e do uso das tecnologias entre as empresas do setor, existem
similaridades, mesmo para os pequenos matadouros e matadouros-frigoríficos. Essas similaridades,
estão principalmente relacionadas ao abate, como o uso de pistolas pneumáticas para a insensibilização
de animais para abate pela maioria das empresas. Também se equivalem pela não-adoção de
algumas tecnologias, como a dos probes para a tipificação automatizada de carcaças. Alguns poucos
já se utilizam da estimulação elétrica de carcaças. Este processo visa uma exsangüinação mais
completa, melhoria da qualidade (maciez, coloração, textura e firmeza, redução de anel de
aquecimento, etc.) da carne, e agilização do processo de abate por facilitar a remoção do couro
(Romans et alli, 1985). Com o uso ou não de tecnologias, todos os representantes entrevistados
das unidades visitadas qualificam as suas unidades como equivalentes às demais instaladas no país,
com raras exceções.
Nesse mesmo sentido, existe um total descompasso do setor com relação a parte deste, que
é a dos matadouros municipais e dos matadouros clandestinos. As empresas pertencentes a esta
categoria, com algumas exceções, encontram-se atrasadas e em condições precárias; muitas nem
operam. Essa condição de precariedade de matadouros estaduais e municipais levou muitas a
serem fechadas pelos órgãos de fiscalização. Inclusive, muitas das pequenas empresas, que operam
no país, apresentam um nível baixo de adoção de tecnologias, se enquadrando minimamente às
exigências e normas impostas pela inspeção nacional.
As plantas industriais no setor, em geral, não são muito novas, mas apresentam uma certa
substituição de maquinaria, pelo menos devido ao desgaste, e modernizações oriundas de exigências
legais. Em algumas empresas do setor o nível tecnológico, no entanto, tem sido afetado pela ausência
de investimentos em manutenção. A idade das plantas varia, em média entre 10 e 40 anos, enquanto
a idade dos equipamentos, em média varia, de 3 a 5 anos, com constante renovação. Algumas
empresas, como a Granja Rezende, foram recém implantadas (1 ano de idade da planta e
equipamentos).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 143
4.4.3.2.1. Equipamentos
Os levantamentos realizados mostram que, de um modo geral, os equipamentos de abate,
independente do subsistema das empresas de abate, são oriundos da indústria nacional, e sem
diferenças daqueles usados em outros países mais desenvolvidos.
As empresas de abate do subsistema menos tecnificado (B), em geral, não investem em
tecnologia por serem clandestinos ou matadouros municipais, cuja capacidade de investimento
geralmente é menor. A única solução possível para os matadouros municipais seria a decisão política
de alocar os recursos arrecadados com a prestação de serviço de abate para a sua modernização.
Entretanto, ainda assim, isso só seria possível, se possuíssem em seus quadros pessoas com
conhecimento do setor, e que fossem incentivados a participar de feiras e outros eventos que
mostrassem as inovações. Quanto aos matadouros clandestinos, já é mais difícil a sua introdução
formal no setor, o que só poderia ser conseguido mediante uma rigorosa fiscalização sanitária do
comércio de seus produtos, impedindo-a, ao mesmo tempo em que se criasse linhas de crédito que
incentivassem a sua associação em cooperativas e se promovesse uma capacitação técnica das
pessoas envolvidas.
Já os equipamentos de processamento, são diferenciados entre os subsistemas A e B. As
empresas mais tecnificadas (subsistema A), que produzem produtos de melhor qualidade,
especialmente produtos para exportação, utilizam equipamentos de origem externa (Estados
Unidos, Alemanha, Holanda, Suíça, etc.), devido à maior qualidade, confiabilidade, rendimento,
relação custo/benefício destes. Entretanto, isso traz dificuldades de manutenção, oriunda da demora
na reposição de peças e outros custos. Essas empresas só utilizam equipamentos de origem
nacional para aquelas operações e processos mais simples, que independem de automação e
informatização. As empresas de processamento do subsistema B, pelo seu porte, utilizam
tecnologia nacional na elaboração de produtos mais simples para comercialização no mercado
essencialmente local. Em geral, geram produtos de tecnologia mais simples, como charque e
lingüiça, ou se utilizam de processos e procedimentos mais empíricos e de menor controle na
produção de produtos de tecnologia mais elaborada, como os salames, o que gera menor eficiência
e uniformidade na produção destes.
4.4.3.2.2. Processos
Os processos de abate das empresas do subsistema A são, em geral, todos bem executados.
Todas dispõem de currais de espera e inspeção ante-mortem; executam o período de dieta hídrica
recomendado; utilizam a restrição do animal em box de atordoamento, o qual é executado dentro
das normas atuais que visam o abate humanitário; promovem a sangria recomendada, com os
animais suspensos em trilhamento aéreo; executam todas as recomendações prévias e de evisceração
das carcaças abatidas; realizam a inspeção de órgãos, vísceras, cabeça e carcaça; promovem a
lavagem das meias-carcaças utilizando-se de água de qualidade adequada a este fim; resfriam e/ou
congelam as carcaças e demais produtos comestíveis; executam, na sua maioria, o tratamento de
efluentes e o aproveitamento de subprodutos; realizam a desossa em ambiente climatizado, etc.
Quanto às recentes tecnologias que permitem a obtenção de carne de melhor qualidade sensorial,

144 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
a sua utilização não é uniforme. Os processos de estimulação elétrica de carcaças, de resfriamento
postergado, ou de maturação, já foram incorporados aos processos industriais apenas das grandes
empresas, que atuam num mercado mais exigente e preocupado com a melhoria da qualidade da
carne. Entretanto, as menores empresas, deste subsistema A, que trabalham com um comércio
mais localizado, ainda não estão capacitadas a executar operações de desossa e embalagem adequada
de carnes; algumas ainda não apresentam capacidade de tratamento de efluentes, como se verá
mais adiante, e de aproveitamento de subprodutos. Entretanto, as recentes exigências ambientais e
legais (Portarias 304 e 145), conforme discutido adiante, estão fazendo com que essas empresas
planejem a sua adequação.
Quanto às empresas que compõem o subsistema B, muitos desses processos não são
executados, ou são relegados a um segundo plano, especialmente nos matadouros clandestinos.
Como exemplo dos processos não executados, cita-se a inexistência de uma inspeção ante-mortem,
observância de período de dieta hídrica, utilização de insensibilização adequada (ainda se usa a
“marretada”) em local apropriado (box de atordoamento), sangria em local apropriado e por tempo
adequado (3 minutos). A evisceração é executada de maneira imprópria, sem oclusão do reto e
amarrio da traquéia, normalmente em contato com o solo/piso. Inexiste a inspeção sanitária de
vísceras e demais partes do animal para se determinar a propriedade de sua utilização para consumo
humano, bem como o adequado resfriamento das carcaças, tratamento de resíduos/efluentes de
abate, e aproveitamento racional de subprodutos. Também inexiste a preocupação com a qualidade
da água utilizada, quando utilizada, com a esterilização dos instrumentais de abate e com a higienização
dos operários e do ambiente de abate.
Os matadouros municipais executam a maioria das operações de abate recomendadas, mas
ainda é comum se verificar distorções como o uso da marreta para atordoamento, inexistência de
inspeção de carcaças e vísceras, resfriamento de carcaças e órgãos comestíveis, tratamento de
efluentes, e aproveitamento racional de subprodutos, dentre outros. Em geral, não executam a
desossa das carcaças, e os equipamentos e utensílios (facas, etc.) utilizados nas operações de
abate estão desgastados.
Mesmo para as empresas mais tecnificadas do subsistema A, algumas tecnologias ainda não
foram incorporadas na linha de abate, como a de identificação e classificação de qualidade de
carcaças, o que dificulta o pagamento diferenciado aos pecuaristas, e a oferta de carne de qualidade
ao consumidor. As avaliações das carcaças atualmente são realizadas por poucas empresas, são
visuais e apenas com relação ao peso. Isso se deve ao fato que animais de 15-18 arrobas fornecem
maior rendimento em carcaça e subprodutos, além de permitirem a obtenção de cortes mais
padronizados (por exemplo: picanhas de peso determinado), o que é exigido por alguns mercados
compradores da carne, em especial o externo. A informatização dos abates, realizada por algumas
empresas do subsistema A, permite conhecer instantaneamente o peso, e conseqüentemente o
rendimento das carcaças abatidas, o que auxilia no pagamento e informação ao produtor.
Com relação à desossa, o que se pode observar é um uso diversificado de tecnologias nos
processos, sendo sua execução realizada desde a forma manual, em mesas fixas, até a desossa
aérea, associada a mesas providas de esteiras transportadoras. Esta última é mais utilizada pelas

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 145
grandes empresas, e representa uma tendência de modernização do processo de desossa. Avaliando
as plantas industriais brasileiras, as empresas tecnologicamente mais avançadas mesclam
modernidade, principalmente da área de desossa, com mudanças recentes de layout conjugado
com esteiras rolantes, e sistemas de embalagem a vácuo, convivendo lado a lado com o sistema
tradicional de abate, com serras e plataformas de corte. Não foram verificadas a utilização de facas
pneumáticas de desossa, ou o uso de máquinas de desossa mecânica, que promovem um maior
aproveitamento do tecido muscular mais aderido aos ossos. Este fator contribui para um menor
rendimento em carne e menor eficiência de produção.
Um fator positivo com relação à desossa, é que as salas de desossa das grandes empresas e
as novas que estão sendo instaladas, atendem às exigências e normas da inspeção, sendo realizadas
em ambiente climatizado. Como exemplo do avanço da adoção de desossa nos próprios frigoríficos
pode-se citar o Estado do Mato Grosso do Sul, que conta com 32 frigoríficos sob inspeção federal
(SIF). Desses, nove, em expansão para 17, fazem desossa da carne; dos nove, cinco estão
credenciados para a exportação.
O mesmo quadro de diversidade de adoção de tecnologias se apresenta com relação às
empresas processadoras. Num paralelo com relação ao setor de abate, poderíamos dizer que o
setor de processamento se encontra em melhores condições, mas numa comparação apenas entre
as empresas da área de processamento pode-se verificar que existem diferentes níveis de adoção
de tecnologias. As empresas exportadoras possuem tecnologias similares entre si, mesmo
comparando-se plantas de diferentes idades. Mas com relação às empresas que atendem ao mercado
nacional, existem distintos níveis de adoção de tecnologias, em função de porte, concorrência
praticada no mercado, e a partir das exigências do consumidor.
O quadro de atraso tecnológico de algumas plantas industriais visitadas nos trabalhos de
campo deste estudo está associado à limitada visão empresarial de alguns dirigentes dessas unidades,
que defendem seu nível tecnológico argumentando que este apenas reflete as exigências do mercado;
como não há demanda por qualidade, não há incentivo para a modernização. Em alguns poucos
casos, relatam a falta de recursos financeiros para a modernização. O que não é questionado é a
disponibilidade de tecnologias no País. Na atualidade, como já citado, as empresas brasileiras de
abate e processamento não teriam problemas de acesso às principais tecnologias disponíveis para
o setor, seja via empresas fornecedoras nacionais ou internacionais.
Para que se possa mostrar toda a dimensão e a importância de certos fatores e aspectos das
adoções tecnológicas para o setor de abate e processamento, algumas descrições são necessárias
nesse ponto para servir de subsídio a informações posteriores.
Os fatores envolvidos antes e após o abate, são fundamentais no rendimento animal e na
composição das características organolépticas e de acabamento. Existe diferença de rendimento
do animal vivo, a partir de diferenças de raças, sexo, tipo de desossa praticada (a quente ou a frio,
e mesmo mecânica), e ainda a estrutura de cortes obtidas.
As receitas do aproveitamento racional e venda de subprodutos do boi cabem ao frigorífico,
e constituem sua principal fonte de lucro real. A pele, vendida ao curtume como couro verde para

146 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
ser transformada em couro curtido, pesa cerca de 35-40 kg e vale praticamente o mesmo valor de
uma arroba de carcaça.
As Tabelas 4.4.2 a 4.4.5 ilustram os rendimentos típicos do processo de abate.
Tabela 4.4.2.
Rendimento do animal vivo

Itens Kg %
Peso do animal vivo 470,00 100,0
Perdas não-comerciais 79,90 17,0
Carcaça Quente 256,15 54,5
Carcaça Fria 251,00 53,4
Carne Industrial 7,52 1,6
Vísceras e Glândulas 13,16 2,8
Sangue, Ossos e Gorduras 47,94 10,2
Pele, Mocotó, Intestinos e 65,33 13,9
Bucho
Fonte: Felício (1992)
Tabela 4.4.3.
Composição da carcaça zebuína (16,7 arrobas)

Fonte: Felício (1992)

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 147
Tabela 4.4.4.
Rendimento em Cortes do Traseiro

Corte % no traseiro Peso (Kg)


Alcatra 9,82 6,04
Contrafilé 11,66 7,17
Filé mignon 3,7 2,13
Capa e aba de filé 3,21 1,97
Patinho 8,39 5,16
Lagarto 4,3 2,65
Músculo 6,26 3,85
Coxão duro 8,39 5,16
Coxão mole 14,27 8,77
Retalhos (magros) 4,28 2,63
Retalhos (gordos) 7,75 4,77
Ossos 18,20 11,20
Total 100,0 61,50
Fonte: Felício (1992)
Tabela 4.4.5.
Rendimento em cortes do dianteiro

Corte % Peso
(Kg)
Acém 15,09 7,29
Pescoço 13,53 6,54
Cupim 2,86 1,38
Peito 13,15 6,36
Ossos 18,44 8,90
Retalhos (magros) 3,65 1,76
Retalhos (gordos) 5,96 2,88
Paleta 22,6 10,95
Músculos 4,72 2,20
Fonte: Felício (1992)
A carcaça abatida é separada longitudinalmente em meias carcaças, fornecendo dois traseiros,
duas pontas de agulha, e dois dianteiros. Dos traseiros, são retirados os cortes conhecidos como
mais nobres; do dianteiro os considerados como carne de segunda; e da ponta de agulha é retirada
a costela. No procedimento industrial, geralmente, são maturados parte dos cortes do dianteiro e
traseiro, e as pontas de agulha transformadas em charque. Das pontas de agulha, bem como de

148 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
cortes do dianteiro obtém-se o jerked beef. A comercialização de cortes in natura, no Estado de
São Paulo, responde por cerca de 85% dos abates, e os cerca de 15% restantes vão para o
processamento industrial e/ou destinam-se para o mercado internacional (Bliska et alli, 1998).
A partir do boi abatido, tem-se um rendimento aproximado de 83% em forma de carne e
osso, sendo que, ainda a partir da desossa, pode-se retirar cerca de 25% em ossos e gordura. Os
tipos de tecnologias utilizadas, e a forma de utilização das tecnologias disponíveis, refletem no
rendimento industrial, tanto do processo de desossa, como apresentado, mas principalmente na
qualidade do produto produzido.
A carne bovina, oriunda da etapa de abate e desossa, tem dois destinos: o comercial e o
industrial. A carne bovina no processamento industrial é o principal insumo em alguns processos,
como o de charque e agregados, salsichas, hambúrguer, almôndega, corned beef, e mortadela
bovina entre outros. É também um dos insumos não menos importantes para vários outros produtos
formulados à base de carne.
4.4.3.2.3. Instalações Industriais
As instalações encontradas na área de abate e processamento, apresentam os mesmos
aspectos das tecnologias de equipamentos e processos, apresentando grande variabilidade. Muitas
das unidades antigas mostram-se inadequadas, principalmente com relação ao crescimento não
planejado da empresa, possuindo layout desordenado. Algumas se mostram subdimensionadas
para a realização das atividades produtivas e outras excessivamente grandes, fator que vem a
prejudicar o andamento e a produtividade dos processos industriais. Entretanto, as empresas de
maior capacitação tecnológica (subsistema A) dispõem, em sua maioria, de todas as instalações
necessárias à adequada obtenção de carne de qualidade. Todas dispõem de unidades de frigorificação;
algumas poucas ainda não dispõem de capacidade de desossa; e outras, ainda, possuem desossa
insuficiente para completo atendimento às Portarias 304 e 145.
As empresas de menor capacitação tecnológica (subsistema B) apresentam um quadro bem
adverso em relação às suas instalações industriais. As instalações dos matadouros municipais, em
geral, são rudimentares, e não atendem às exigências e normas de inspeção federais. Em geral, não
apresentam instalações para tratamento de efluentes e aproveitamento de subprodutos. Apenas um
número reduzido tem condições adequadas de operação. Já os matadouros clandestinos, na sua
grande maioria, não dispõem de qualquer infra-estrutura básica, realizando o abate em condições
totalmente inaceitáveis, sem disponibilidade de água de qualidade, ambiente adequado, condições
higiênicas de operação e manutenção, capacidade de tratamento de efluentes, e aproveitamento de
subprodutos.
Outra diferença entre as empresas dos subsistemas A e B, oriunda das diferenças de suas
instalações industriais, é a sua capacidade de aproveitamento mais completo de todo animal para
gerar produtos para o consumo humano. As empresas do subsistema A, por possuírem frigorificação
adequada, inspeção sanitária de vísceras e órgãos, e, em alguns casos, capacidade de processamento
de produtos derivados, permitem a comercialização ou utilização de vísceras e órgãos para consumo
direto, ou como extensores em produtos processados, como os emulsionados, o corned beef, etc.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 149
4.4.3.2.4. Aquisições tecnológicas
As aquisições de tecnologia pelas empresas de abate e processamento que apresentam maior
capacidade tecnológica (subsistema A) acontecem a partir de informações obtidas de revistas,
feiras, concorrentes e visitas de representantes. As firmas maiores, especialmente as exportadoras,
têm maior participação em feiras, enquanto as menores praticamente se baseiam nas outras formas
de informação/conhecimento, como o repasse a partir dos agentes dos serviços de inspeção federal
e estaduais. A aquisição, propriamente dita, só ocorre, segundo relato de uma grande empresa,
após comprovada a sua a qualidade e performance, via de regra a partir de empréstimo na forma
de comodato por pelo menos um mês.
As aquisições recentes realizadas principalmente pelas empresas de médio porte, serão
discutidas adiante, no item que trata da questão dos investimentos.
Para as empresas do subsistema B (de menor capacitação tecnológica) a aquisição de novas
tecnologias de abate é inexistente, até mesmo pela sua organização no mercado de carnes. Os
clandestinos não possuem qualquer preocupação com esse aspecto. Os matadouros municipais,
com raríssimas exceções, não adquirem inovações tecnológicas pela sua organização política
(Mucciolo, 1985), que faz com que não disponham de recursos para realizá-las, e até mesmo de
pessoal técnico qualificado para tomar conhecimento delas, o que concorre para a sua constante e
crescente defasagem tecnológica.
4.4.3.2.5. Informatização e Automação
A utilização de tecnologias de informatização e automação é ainda incipiente na indústria de
carnes nacional. A sua utilização é mais freqüente nas grandes empresas de processamento do
subsistema A, que utilizam de linhas de produção de produtos parcialmente ou totalmente
automatizadas. A informatização é utilizada, principalmente, no auxílio do gerenciamento, mas pode
ser encontrada em algumas linhas de produção, como em sistemas que utilizam balanças eletrônicas
para controle da produção, linhas que necessitam de programação de controles de temperatura e
umidade, como é o caso da produção de salames.
No abate e desossa, inexistem sistemas automatizados nas empresas brasileiras. A
informatização é utilizada por poucas empresas mais tecnificadas (subsistema A) para área industrial,
restringindo-se ao auxílio do sistema de classificação de carcaças e sua rastreabilidade para pagamento
aos produtores nacionais e confecção de etiquetas de comercialização no mercado externo.
4.4.3.3. Subprodutos e Efluentes
Os grandes e médios frigoríficos, instalados nas principais áreas de pecuária do país, em sua
maior parte, processam os subprodutos do abate na forma, principalmente, de sebo, farinha de
carne, farinha de carne e osso, e em alguns casos em farinha de sangue, que são utilizados para a
fabricação de ração animal pela própria empresa para a alimentação de granjas avícolas e/ou
suinícolas de sua propriedade, ou são comercializados para empresas especializadas na fabricação
de rações e/ou outros derivados agrícolas oriundos desses materiais. Pequena parte do sangue
ainda é utilizado para a obtenção de plasma.

150 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Os matadouros municipais e clandestinos (subsistema B), bem como os pequenos matadouros
do subsistema A, não processam seus subprodutos, principalmente por não possuírem plantas e
escala suficiente para realizá-lo. Vendem seus subprodutos para terceiros, que também recolhem
ossos pelas regiões onde estão instalados os açougues.
A condição do couro é distinta dos outros subprodutos. Em geral, não são processados na
empresa, sendo sempre remetidos para o curtume da empresa (quando é o caso), ou para o curtume
mais próximo, com o qual existe um certo compromisso/fidelidade de entrega. Nas regiões Sudeste
e Sul que possuem curtumes próximos, o couro é remetido, geralmente, na forma de couro verde,
sem qualquer tratamento prévio. No Norte e Nordeste de maneira geral, o couro é salgado e
enviado a curtumes da região Sul e Sudeste do País; apenas pequena parte é destinado para
processamento local. No Centro-Oeste, o destino do couro é o Sul do País, mas existe uma tendência
de mudança, com a implantação de curtumes nesta região. Apenas um frigorífico do Sudeste
mencionou executar o descarne do couro e a adição ao mesmo de substâncias preservadoras,
quando o curtume ao qual o mesmo se destina tem localização mais distante. As questões mais
específicas relativas ao segmento de couro e derivados serão abordadas no Capítulo 4.6. Vale
aqui, apenas ressaltar as diferenças de qualidade do couro oriundo de cada um dos subsistemas.
Os matadouros do subsistema B, por geralmente trabalharem com animais mais velhos e oriundos
de pequenas propriedades menos tecnificadas, obtêm couro de pior qualidade para os curtumes.
Além disso, a sua distância dos curtumes é, em média, maior do que aquelas dos matadouros do
subsistema A, o que, associado à pequena produção do subsistema B, faz com que estes couros
demorem a chegar aos curtumes, pelo que também são de baixa qualidade.
Com relação ao aproveitamento do sangue, existem duas condições: a de descarte como resíduo,
realizado pelas empresas do subsistema B, e a de aproveitá-lo, mesmo não possuindo valor comercial,
na elaboração de farinha de sangue ou de carne e osso, o que ocorre apenas em algumas empresas do
subsistema A. A primeira condição causa problemas ao meio ambiente, e a segunda não apresenta
viabilidade econômica, sendo realizada apenas por imposição ambiental legal.
A questão ambiental sempre foi um problema para os frigoríficos brasileiros. Estes, por
muito tempo, foram responsáveis pela poluição do meio ambiente, principalmente dos rios, por
meio do despejo de grande quantidade de matéria orgânica, e descarga de detergentes e sanificantes,
sem o prévio tratamento. Este quadro, no entanto, vem mudando ao longo dos anos a partir das
exigências das leis ambientais (em que a legislação estabelece a remoção de 80% de matéria
orgânica), e de uma maior fiscalização e de pressões das comunidades vizinhas, especialmente
quando os frigoríficos se localizam em regiões urbanas.
Há muito se dispõe de conhecimento e tecnologias para tratamentos de efluentes, que passaram
a ser utilizadas de forma mais evidente pelas indústrias a partir de meados dos anos 80, a partir do
crescimento de exigências da população. A partir deste momento, vários sistemas foram
disponibilizados para tratamento de efluentes, e várias foram as empresas que passaram a oferecer
tais tecnologias, em um número crescente. Essas passaram a atender o mercado a partir de tecnologias
internacionais, e com os anos, tem-se uma expressiva participação de tecnologias nacionais.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 151
Vários são os frigoríficos que passaram a dispor de tratamento de efluentes na grande São
Paulo, e no Vale do Rio Tietê, no final da década de 80, estimulados por projetos de despoluição,
como o do Rio Tietê, e forçados por legislações mais severas, e ainda por órgãos ou empresas
internacionais. Porém, aqueles que não se adequaram receberam outros tipos de imposições, como
é o caso dos frigoríficos exportadores, que receberam, dos órgãos fiscalizadores e Banco Mundial,
prazos para adequação ambiental, sem a qual fica dificultada a captação de recursos e liberação
para exportação.
Tais exigências e estímulos, fizeram com que tecnologias já disponíveis fossem adaptadas, e
novas tecnologias fossem geradas. Frigoríficos, em conjunto com especialistas da área, geraram
tecnologias de alta performance para unidades de capacidade reduzida, viabilizando tratamento de
efluentes de unidades com baixa produção, e com características distintas. A concepção do
tratamento, permite a utilização do material retido, para a produção de ração, e ainda permite o
estudo e redimensionamento dos resíduos a serem tratados. Este aspecto permite uma reorientação
produtiva das empresas.
O fato é que, além de atender à legislação, um bom projeto de um sistema de tratamento de
efluentes permite a minimização dos efluentes gerados, permitindo melhor aproveitamento de matéria-
prima, água e energia.
As tecnologias disponíveis no País e seus sistemas de operação, são compatíveis com o que
há de mais moderno no mundo. No mercado brasileiro, estão presentes empresas internacionais
das mais reconhecidas na área de tratamento de efluentes, e empresas nacionais com níveis
tecnológicos e de serviços compatíveis com de seus concorrentes.
Equipamentos de alta performance que por acaso não estejam disponíveis no mercado
nacional, podem ser importados por representantes aqui instalados. Um dos elos da cadeia
agroindustrial de carne bovina, que é o do couro, pode exemplificar bem esta condição. O Grupo
Independência, para seu novo curtume, importou da Inglaterra, por US$ 150 mil, uma centrífuga
que opera com os resíduos líquidos, sendo a única máquina do gênero atuando no Brasil. O comando
dos equipamentos é feito por computador, e todo o processo permite menor consumo de energia e
maior otimização do sistema de tratamento, reduzindo ao máximo a emissão de odores, o grande
problema da maioria dos curtumes do País. Este fato, mostra a disponibilidade das tecnologias em
nível mundial.
O relato das empresas entrevistadas, principalmente as grandes unidades frigoríficas, revela
a existência de serviços eficientes de tratamento de efluentes. No entanto, isso se mostra em aspectos
diferentes, em que algumas até admitem receber constantes notificações dos órgãos ambientais.
Já as empresas do subsistema B, na sua maioria, não dispõem de sistemas de tratamento de
efluentes, e não estão preocupadas a esse respeito, realizando o descarte de resíduos do abate em
cursos d’água e em terrenos baldios.

152 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.4.3.4. Pesquisa e Desenvolvimento
Com raríssima exceção, não existe o exercício de parcerias com os centros de pesquisa para
a solução de problemas, e para a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Apenas duas
empresas consultadas citaram ter associação com o CTC do ITAL, embora um número maior
tenha revelado possuir um grupo de P&D próprio, mas que se apresentam incipientes. Algumas
ainda citam a utilização de consultores quando necessário. Essa situação é mais dramática nas
pequenas unidades de abate e processamento do subsistema A. Entretanto, em geral, todos estão
dispostos a exercer contatos com os centros de pesquisa, embora ainda não tenham tomado esta
iniciativa.
Esta falta de preocupação com a pesquisa e desenvolvimento e de existência de parcerias
com as universidades e centros de pesquisa contribui para uma menor competitividade do setor de
carne bovina brasileiro em relação aos seus concorrentes externos. Segundo Judge et alli (1989),
o investimento na utilização de conhecimento científico contribuiu decisivamente para a melhoria da
competitividade da carne norte-americana e sua inserção em posição de destaque no cenário
internacional.
Alguns exemplos de benefícios que os investimentos em pesquisa podem trazer para o setor
podem ser mencionados:
a) técnicas de combate à mosca do chifre, com conseqüente melhoria da eficiência da produção
animal, e qualidade da carne e do couro deles oriundos;
b) conhecimento de coeficientes de rendimento e padrões de qualidade das diferentes raças
de corte, com implicações na eficiência de produção de carne;
c) desenvolvimento de processos de secagem para produção de charque que não alterem as
suas características sensoriais, permitindo um maior controle do processo e da qualidade final do
produto; e
d) desenvolvimento de tecnologias que permitam um melhor aproveitamento de subprodutos,
como por exemplo do sangue, para a alimentação humana, o que contribui para aumentar a eficiência
da produção animal e a imagem da carne, etc.
4.4.3.5. Investimentos
O porte do setor e suas potencialidades trouxeram de volta as multinacionais, que adquiriram
e estão em fase de negociação de estabelecimentos que não estão operando, e consideram a
possibilidade da construção de novas unidades. Trinta anos depois de ter encerrado suas atividades
no Brasil, a Swift quer retornar ao país. Controlada pelo grupo norte-americano Campbell Soup,
está visitando unidades frigoríficas no Estado de São Paulo para a aquisição, tentando ainda recomprar
a sua marca (hoje controla pelo Grupo BORDON).
Novos investimentos estão sendo realizados por todo o País para reabertura de frigoríficos.
No Sul do Pará, ocorreu a reativação do Frigorífico Atlas, cujas operações estavam interrompidas
há cerca de 10 anos, tendo capacidade para abater mil e quinhentos bois/dia e empregar cerca de
600 pessoas. O investimento é de cerca de US$1,6 milhão. A Tetra Pak e Rio Grande Participações

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 153
Ltda., instalaram um dos mais modernos frigoríficos industriais da América Latina. A unidade
industrial, que custou R$ 30 milhões, tem capacidade inicial de abate, desossa, resfriamento e
congelamento de 800 bois por dia. Esta, pretende atender o mercado nacional com cortes especiais,
em kits domésticos e realizar exportação de miúdos para a China, Hong Kong e Israel.
Uma onda de investimentos, que vem sendo desenhada desde o princípio do ano passado,
está aquecendo o segmento frigorífico de Rondônia, a mais nova fronteira pecuária brasileira.
Estimativas apontam para aplicações de aproximadamente R$ 25 milhões na construção de seis
novas plantas, que devem entrar em operação neste ano e na ampliação de outras. O Grupo Frigovira,
o maior do Estado, lidera também em investimentos e responde com R$ 5 milhões dos recursos
aplicados na região. O grupo instalou em Rondônia três indústrias em três anos e elevou a capacidade
de abate de 200 cabeças para 1,7 mil bovinos por dia nesse período. O Frigorífico Fernandes, que
se instalou na região em 1993, está verticalizando sua produção, mediante a implantação de uma
fábrica de embutidos, uma indústria de charques e uma fábrica de sabão, que deverão demandar
cerca de R$ 4 milhões. Com isso, os abates da empresa devem saltar dos atuais 8 mil animais
mensais, para 12,5 mil cabeças por mês. A instalação de frigoríficos no Estado de Rondônia tem
incentivo da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).
No Rio Grande do Sul, a General Meat Food, reativou a antiga planta industrial do Swift
Armour, a única que dispõe de equipamentos para enlatar no Estado. No Estado do Mato Grosso,
o Grupo Torlim (SP) está investindo em um frigorífico, na região leste do Estado, em município que
possui o maior rebanho bovino do Mato Grosso. A unidade terá capacidade para abate de 800
bois/dia, num investimento estimado de R$ 8 milhões, gerando 400 empregos diretos.
Os empresários do setor frigorífico de carne bovina estão investindo fortemente na
reestruturação de suas unidades de produção devido à entrada em vigência, em janeiro de 1999,
da Portaria 145, que estabelece a obrigatoriedade nos grandes centros urbanos da carne bovina e
bubalina sair dos frigoríficos já embalada, identificada com dados da origem, sexo do animal, data
do abate e validade.
O Frigorífico Argus em São José dos Pinhais (SP), está investindo R$ 300 mil para ter sua
capacidade de desossa aumentada. O frigorífico tem hoje uma capacidade para abate de 400
animais por dia, mas consegue desossar apenas 15% da produção. Com a nova portaria, a
capacidade de desossa atenderá a 50% da produção, e gerará 40 novos empregos.
No Mato Grosso do Sul, o Frigorífico Matel investiu cerca de R$ 1 milhão para a construção
da estrutura física, unidade de congelamento, mesas de desossa e maquinários, numa sala com
capacidade para processar 3 milhões de quilos ao mês, ou 450 cabeças/dia. O Frigorífico Araputanga,
conseguiu a liberação de linha de financiamneto no valor de R$ 10 milhões do BNDES, para o
projeto de expansão e modernização. O projeto de expansão do frigorífico está avaliado em R$ 19
milhões, e visa elevar em 30% a capacidade de beneficiamento de carne bovina, que chegará a 39
mil toneladas anuais. O projeto de expansão envolve a parte “fria” do frigorífico (câmaras de estocagem
e de resfriamento e túneis de congelamento), que atualmente representa um “gargalo” para a produção.
O aumento da capacidade de processamento da empresa permitirá diversificar a linha de produtos,

154 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
com a introdução, por exemplo, do roast beef, corned beef, Individual Quick Freezing (IQF) e
hambúrgueres.
Os investimentos atuais não são apenas para atender às portarias vigentes, mas também
decorrem de planejamentos de expansão de atuação no mercado, que exigem investimentos em
modernização e construção de novas unidades. O Frigorífico Hans em Jundiaí (SP), que opera na
área de produtos elaborados, abriu em 1998 uma unidade em substituição à antiga, com investimentos
expressivos na instalação da planta frigorífica e equipamentos sofisticados.
A empresa Resende Alimentos Ltda., indústria de carnes de Uberlândia (MG), adquiriu o
Frigorífico Caiapó, que estava desativado há quatro anos e pertenceu à Swift. Essa compra não tem
intuito de reativar a planta de abate, mas sim de utilização da estrutura frigorificada, já que a própria
Resende está com a sua unidade realizando abates de animais próprios, e na maior parte desativada.
Outros investimentos em tecnologias de processamento, por parte das empresas exportadoras
e importantes empresas que atendem o mercado nacional, representam uma estratégia de agregação
de valor à carne bovina, produzindo para isto alguns tipos de embutidos especiais. Como exemplo,
tem-se o Frigorífico Extremo Sul que com este objetivo deverá atingir a marca de 16 novos produtos
lançados até o final do ano de 1999.
O investimento efetuado na implantação de novas unidades nas novas regiões de pecuária de
corte segue uma tendência já observada há mais tempo em outros países (Judge et alli, 1989;
Mucciolo, 1985), e que no Brasil se iniciou na década de 70. Este movimento em direção aos
novos rebanhos gera um aumento de competividade por gerar menores custos de transporte de
produto terminado (carne in natura e processados), especialmente em função do atendimento das
portarias 304 e 145. A adoção dessas portarias, e os investimentos efetuados para o seu atendimento,
permite uma redução nos custos de utilização de frio, tanto na produção como no transporte de
carnes. Também permite um maior aproveitamento de subprodutos, decorrente da concentração
de ossos nas unidades de abate e processamento. Essas condições geram um aumento da
competitividade de toda a cadeia, bem como diminui os problemas ambientais tradicionais resultantes
de desossa praticada nos pontos de varejo.
A implantação de unidades industriais nos novos centros de produção animal, também gera
uma redução nos custos de transporte de animais em pé, o que diminui os custos de obtenção de
carnes e derivados, permitindo uma melhoria das margens de lucro.
Mesmo nas regiões tradicionalmente industrializadas, a sua expansão e modernização traz
ganhos de eficiência de produção e competitividade, além de melhoria de qualidade geral da carne,
principalmente oriunda da centralização da desossa.
A adoção das Portarias 304 e 145 permite ainda a agregação de valor à carne e geração de
marcas próprias das unidades industriais, fortalecendo a sua posição no mercado, veiculando sua
imagem à qualidade de produtos ofertados, além de possibilitar o lançamento de produtos próprios.
Também permite a melhoria da imagem da carne, com conseqüente expansão do mercado interno
e externo, e possibilitará um combate mais efetivo às unidades clandestinas.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 155
O investimento em capacidade de processamento e modernização das já existentes permitirá
a oferta de produtos de maior valor. Isso, além de permitir um aumento das margens de lucro,
também apresenta um efeito tampão sobre a influência das grandes redes de supermercados na
determinação dos preços de carne in natura no mercado.
No âmbito global, esses investimentos tendem a gerar uma alteração na situação atual de
investimento em pesquisa e desenvolvimento, e associação aos centros de pesquisa e universidades,
também em função de uma maior competição pelo mercado consumidor, o que contribuirá para
uma expansão ainda maior da eficiência e competitividade da cadeia de carne bovina como um
todo.
Todos os investimentos realizados em novas unidades também promoveram uma melhoria
da imagem do setor por terem se preocupado com o tratamento de efluentes e aproveitamento de
subprodutos, o que cria melhores condições de competitividade para o setor em relação aos seus
concorrentes.
4.4.4. Insumos
Para o abate e processamento, existem importantes insumos a serem apresentados e descritos,
como a matéria-prima, embalagens, aditivos e condimentos, e a mão-de-obra, que são fundamentais
para que as empresas tenham possibilidade de estar em operação com custos e performance
compatíveis com as exigências do consumidor. Para este estudo, é muito importante estabelecer-se
como ocorre esta sistemática de operação, desde a obtenção e disponibilidade desses insumos até
o seu emprego em alguns casos.
4.4.4.1. Matéria-prima
Uma análise da produção animal, suas características, e implicações sobre a competitividade
da cadeia de carne bovina já foi realizada no item 4.4. deste documento. Aqui estar-se-á abordando
apenas o seu impacto sobre o abate e processamento de carnes, especialmente sobre a ótica do
setor industrial.
Segundo os frigoríficos, o amadorismo dos pecuaristas, que utilizam seus animais como forma
de crédito rápido, tem causado problemas na aquisição de animais, com períodos de oferta escassa.
Entretanto, ultimamente tem se notado uma oferta mais estável de animais, o que contribui para a
inesperada observação da baixa ociosidade do setor. Porém, essa diminuição de ociosidade só
ocorreu após o fechamento de várias unidades de abate, como resultado da excessiva concorrência
e das distâncias para aquisição de animais, que pode chegar a 500 km mesmo no Sudeste e a 750
km no Norte. No Centro-Oeste, apesar do deslocamento dos rebanhos para esta região, o
suprimento também é feito buscando-se animais a longas distâncias; em geral, os animais são
comprados num raio que varia de 250 a 350 km.
As distâncias existentes do rebanho com relação aos frigoríficos demonstram algumas
dificuldades com relação ao suprimento de animais. Alguns estados caracterizam-se como
importadores de gado e de carne bovina resfriada, como os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Santa Catarina, Pernambuco, e outros em menor escala. No Estado do Pernambuco, o abate de

156 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
animais criados no Estado corresponde a apenas cerca de 10% da carne bovina consumida. Esta
tendência crescente de importação de animais do Centro-Oeste, da Bahia, Pará, Mato Grosso Sul
/ Mato Grosso e Norte do Tocantins, se justifica, em parte, pela deterioração da produção bovina
em Pernambuco, em decorrência de secas prolongadas. Mais recentemente, o abate também vem-
se reduzindo, devido à importação de carne resfriada de outros estados.
No Estado de São Paulo, se mantém a entrada de grande quantidade de animais vivos em
função da estrutura frigorífica instalada e do poder de compra que estes têm junto aos fornecedores;
mesmo assim ocorre a entrada de uma grande quantidade de carne resfriada, tendo como destino
principal a cidade de São Paulo. Segundo informações colhidas nas entrevistas, também em outros
estados, a importação de carne de animais abatidos fora do estado de consumo decorre das vantagens
de custo de transporte da carne resfriada em comparação com a importação de animais vivos, além
de vantagens fiscais decorrentes de maior facilidade de evasão de impostos. A principal forma de
evasão é a declaração de que as cargas dos caminhões são de carne de segunda ou vísceras, cujas
alíquotas são mais baixas, quando, na verdade, são de carne de primeira. Este quadro tem
apresentado dificuldades para os marchants e frigoríficos de Pernambuco. Os marchants têm
negociado quantidades cada vez menores de animais. Vários deles alteraram suas estratégias e
agora importam e distribuem carne resfriada.
No Rio Grande do Sul, o movimento migratório de alguns confinamentos do sul para o norte
do Estado, aproveitando a entressafra da cultura de soja, modificou os locais e períodos de oferta
de animais. É interessante notar que essa nova modalidade de criação alterou o tradicional período
de safra e entressafra. Há, por exemplo, grande oferta de bois em setembro, quando as áreas
destinadas à soja precisam ser preparadas para o seu plantio.
A abordagem até aqui realizada se baseou no subsistema mais tecnificado do setor industrial (A).
No subsistema B, os animais são oriundos de distâncias menores, geralmente de origem
local, e promovem o abastecimento de carne para as regiões urbanas do interior e zona rural.
Ao menos em grande parte, representam animais velhos, especialmente animais de descarte
da pecuária leiteira (Mucciolo, 1985; Picchi, 1999).
A sua aquisição, portanto, em geral não representa um grande volume por unidade de abate,
pelo que não representa uma complexidade maior na relação com os produtores de animais, até
mesmo por representar um interesse destes em se desfazer do excesso. Na maioria das vezes, ao
menos no interior, o abate é realizado pelo próprio produtor, que também é dono de um açougue
local. Quanto esse não é o caso, esse animal é ofertado aos açougueiros para abate no matadouro
municipal, ou aos matadouros clandestinos, sem que os mesmos tenham de se preocupar em identificar
possíveis fornecedores. Esse fato gera formas de pagamento mais favoráveis àqueles que adquirem os
animais, sem maiores necessidades de capital, o que favorece os matadouros desse subsistema.
Os processadores de carne do subsistema B também se utilizam desses animais para a
elaboração de seus produtos, e em grande parte adquirem as carnes no comércio local para a
elaboração de lingüiças, carne de sol ou charque, e salames caseiros. Apenas quando possuem

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 157
uma produção de alguma expressão adquirem sua matéria-prima oriunda do subsistema A de
produção de carnes.
4.4.4.1.1. Qualidade dos animais
Alguns poucos frigoríficos citaram fazer algum controle da qualidade dos animais
adquiridos, preferindo ter como fornecedores aqueles criadores que oferecem animais de
padrão mais uniforme, especialmente em peso, mas que também oferecem animais de couro
melhor. Isto é, embora não exista a prática de se remunerar melhor a estes pecuaristas, eles
são preferidos na hora da aquisição dos animais. Outros parâmetros de qualidade verificados
baseiam-se na idade do animal, peso e acabamento de gordura, sendo a raça e o sexo
fatores de menor importância. Porém, para exportação de carne in natura, as raças européias
permitem melhores negociações.
Os animais preferidos são os machos castrados, sendo considerados ideais os animais com
peso entre 16 e 18 arrobas. Como exemplo, podemos citar o frigorífico Extremo Sul, localizado na
cidade de Pelotas – RS, onde o abate de fêmeas situa-se abaixo de 8% do total. Entretanto,
existem diferenças regionais, como aquela verificada em São José do Rio Preto – SP, onde o
mercado prefere consumir vacas.
Em geral, não existe uma valorização de animais que forneçam carne de maior qualidade, o
que se deve à falta de reconhecimento dessa qualidade na ponta do consumo. O mercado nem
mesmo reconhece, por preço diferenciado, as carnes de novilhos precoces. Essa situação faz com
que não hajam maiores esforços na melhoria da qualidade.
Entretanto, os frigoríficos reclamam da diversidade (genética, peso, etc.) dos animais, por
trazerem dificuldades nas operações de compra, abate e de comercialização de cortes, principalmente
daqueles mais nobres. Essa dificuldade é mais eminente no Rio Grande do Sul, fruto da diversidade
de raças do rebanho, e nas principais regiões leiteiras, especialmente em Minas Gerais. Esse tipo de
dificuldade é de menor proporção nas outras regiões, em função da predominância da raça Nelore.
Com relação ao precoce, existe um certa padronização dos animais, a partir de cruzamento industrial,
em peso, idade e acabamento.
Os animais comprados pelos matadouros e matadouros-frigoríficos, têm idade entre 2 e 4,5
anos, com uma média de um pouco mais de 3 anos, o que já representa um avanço de qualidade
(especialmente maciez) da carne e da eficiência na produção dos animais no país, que,
tradicionalmente, abatia animais com idade entre 4 e 5 anos. Do ponto de vista da pecuária, a
redução da idade de abate de 4 para 3 anos representa um aumento no rendimento, por área, de
cerca de 33% na criação dos animais. As fêmeas são abatidas na própria região de criação, enquanto
os machos o são, normalmente, fora dela. Os animais de descarte de rebanho, como vacas, touros,
animais mais velhos, e mesmo doentes, são abatidos principalmente regionalmente por matadouros
municipais e clandestinos. Nos demais matadouros as suas carnes são, preferencialmente, utilizadas
na elaboração de produtos derivados. No caso do novilho precoce, os abates se dão com peso
mínimo de 210 kg para machos e 180 kg para fêmeas, e com uma camada de 1 a 10 mm de
gordura, e realizada por frigoríficos principalmente que integram algum programa.

158 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Dentro da aliança mercadológica firmada pelos pecuaristas, frigoríficos e supermercados
paulistas, e coordenada pela FUNDEPEC, os animais abatidos devem têr idade entre 13 e 36
meses e peso mínimo de 225 kg para machos e 180 kg para fêmeas. Além disso, devem possuir
uma cobertura de gordura de no mínimo 3 mm e no máximo 8 mm, medido entre a 12a e 13a
costela. Estes pressupostos, caracterizam os animais jovens, gerando carnes com maior maciez e
sabor.
Apesar das dificuldades relatadas, a qualidade dos animais adquiridos no subsistema
ainda seguem um certo padrão, fornecendo carne de melhor qualidade que no subsistema B,
em que os animais abatidos e utilizados para o processamento, não apresentam, com exceções
comuns a toda regra, qualquer padrão de qualidade. Como já mencionado, a matéria-prima
deste subsistema (B) provém de animais de descarte, sem qualquer exigência quanto ao seu
grau de acabamento, e que apresentam peso excessivamente alto ou baixo em razão de serem
muitas vezes oriundos do descarte da pecuária leiteira. A idade de abate influencia na qualidade
e eficiência de produção de carne, em média utilizando-se animais acima de 4 anos de idade.
Entretanto, esta não é uma dificuldade percebida nesse subsistema, que não apresenta maiores
preocupações empresariais.
4.4.4.1.2. Formas de Pagamento
A prática mais comum de pagamento é por peso morto, com as condenações sendo assumidas
pelo produtor, ou aplicando-se um deságio no preço pago quando de condenações parciais/
aproveitamento condicional das carcaças.
Os animais são adquiridos pelo preço do dia. O pagamento mais utilizado é com 30 dias,
embora haja frigoríficos que pagam quase que totalmente à vista, como se verificou no Mato Grosso
do Sul. Para pagamento à vista na maioria dos estados, há um desconto entre 3,5 e 5%, na compra
das duplicatas rurais. Os frigoríficos declararam não realizar compras à vista em decorrência de sua
descapitalização, e conseqüente falta de capital de giro.
Há reclamações não generalizadas de que há formação de cartéis na prática de compra de
animais em alguns estados; segundo se ouviu, todos os frigoríficos estariam pagando o mesmo
preço. Reclama-se ainda, da prática de pagamento à prazo, que segundo os pecuaristas só causa
insegurança e reduz a liquidez da produção. Em função inclusive das inadimplências existentes, os
frigoríficos estão sendo muito pressionados para mudança dessa prática, para a de pagamento à
vista. A desconfiança no Sudeste é ainda maior com relação aos marchants. No entanto, isso se
modifica com relação ao Nordeste, onde os marchants são importantes intermediários da cadeia,
pois é para eles que os pecuaristas têm preferido vender seu gado, já que estes pagam com 20 dias,
enquanto os frigoríficos “caloteiam”.
Devido à grande desconfiança entre pecuaristas e frigoríficos, não é incomum pecuaristas
acompanharem o abate e a pesagem de seus animais ou carcaças.
O sistema de aquisição atual não tende a premiar quem está mais perto ou mais longe do
frigorífico. Em geral, todos recebem o mesmo preço independentemente da distância que o frigorífico

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 159
manda buscar os bois. Entretanto, em época de farta oferta de animais, costuma haver deságio em
função da distância. Apenas na região Norte se declarou aplicar-se, como norma, deságio em
animais provenientes de distâncias superiores a 350 km. A única diferenciação de preço ofertado
para os pecuaristas na compra de animais é com relação ao tamanho do lote e peso dos animais,
oferecendo-se um adicional no preço pago. Segundo os frigoríficos, os animais abaixo de 16 arrobas
tornam-se desinteressantes por fornecerem menor rendimento em couro e subprodutos em geral.
No Mato Grosso Sul / Mato Grosso, se o boi pesar menos de 16 arrobas há um deságio que pode
variar de 5 a 10% por arroba; se for vaca, o deságio é de 10 a 12% (em Goiás esse é de 15%). No
entanto, em época de menor oferta, o deságio para boi não castrado é de apenas 1 real.
Para o subsistema B, face ao volume que comercializam, à procedência da matéria-prima, e
ao grau de exigência do mercado em que comercializam os seus produtos, o pagamento não constitui
um problema. Geralmente, os animais são adquiridos com base em seu peso vivo, ou abatidos para
açougues mediante pagamento de taxa. Não há maiores necessidades de crédito para esta
negociação.
4.4.4.1.3. Contratos
No geral, não é usado nenhuma forma de contrato formal entre pecuaristas e frigoríficos na
aquisição de animais para abate. Na prática, o que existe é uma parceria tácita ou tradição de
entrega de animais para um mesmo frigorífico, o que, por parte dos pecuaristas, se baseia,
essencialmente, na credibilidade da empresa, e por parte desta, em alguns casos, o reconhecimento
de animais de melhor qualidade/padrão e couro. Em apenas um caso, foi mencionada a existência
prévia de alianças mercadológicas com os produtores, e o interesse em retomá-la.
Os frigoríficos, na realidade, gostariam de ter algum tipo de contrato para o fornecimento de
animais. Gostariam até mesmo que existesse algo do tipo do sistema americano de grandes pontos
de engorda para permitir uma maior oferta, sem sazonalidade, de animais, o que também garantiria
uma maior uniformidade nos lotes de animais ofertados. Embora se deseje algum tipo de integração
com os produtores, à semelhança das indústrias de aves e suínos, reconhece-se a dificuldade de se
estabelecer algo do tipo face ao tempo que se leva para um bovino estar em ponto de abate (anos,
contra dias e meses nas outras indústrias).
O surgimento do novilho precoce tem dado origem à formação de algumas alianças
mercadológicas entre produtores, frigoríficos e supermercados para a comercialização de carnes
diferenciadas. Entretanto, mesmo nos programas de precoce não existem contratos, mas sim um
comprometimento com a entrega para se garantir regularidade na oferta de carne de precoce.
Foram constatadas alianças mercadológicas em todos os Estados da região Centro-Oeste, ainda
que de forma incipiente ou experimental. Na realidade, esta “meia-aliança” em relação aos animais
precoces decorre mais da necessidade de um abate diferenciado, conforme exigido nos programas,
do que de uma relação de fidelidade, já que nem todos os frigoríficos realizam (estão credenciados)
abates em separado dos precoces.
No subsistema B não existe nenhuma necessidade de contratos e alianças, face às suas
peculiaridades, já mencionadas.

160 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.4.4.1.4. Processamento
A aquisição da matéria-prima para empresas de processamento tem seus aspectos próprios.
São, em geral, dianteiros e retalhos (carne industrial) resfriadas ou congeladas, na forma de carcaças
quartos, peças, aparas entre outras, embaladas, principalmente, em filme plástico. Também podem
ser utilizadas as denominadas carnes mecanicamente desossadas, oriundas da trituração e moagem
em equipamento específico, com separação do tecido muscular, dos ossos provenientes da desossa.
Essas últimas têm seu uso limitado por lei a 20% na formulação de embutidos, especialmente. Algumas
empresas têm o fornecimento da matéria-prima oriundo de empresa própria, ou de terceiros localizados
próximo ao rebanho bovino. As grandes empresas, principalmente, têm seus fornecedores cadastrados,
os quais devem atender critérios de qualidade, disponibilidade, pontualidade de entrega, entre outros.
Porém as aquisições, no geral, são praticadas no mercado aberto, tendo diferentes procedências de
fornecimento e padrões. O preço, corresponde àquele praticado no mercado naquele momento, e
com a matéria-prima posta na porta da empresa. Em geral, provém de grandes distâncias.
Os tipos de produtos formulados definem as compras das empresas processadoras no
mercado. Têm como principais matérias-primas, o dianteiro e a ponta de agulha, e aparas. A
especificidade da matéria-prima para o processamento, conjugada a aspectos como baixa
rentabilidade da área de abate, dificuldades operacionais com a compra de animais e colocação no
mercado nas partes não utilizadas no processamento, essencialmente o traseiro bovino, fez com
que muitas empresas deixassem o fornecimento próprio (deixassem de abater), passando a realizar
a aquisição de dianteiros de terceiros.
Uma das empresas visitadas fechou o seu abate, localizado em Teófilo Otoni/MG, devido à
mudança da pecuária local de corte para leiteira, e hoje adquire dianteiros para a produção dos
produtos cárneos. Tem sido prática comum, nas grandes empresas de processamento de produtos
cárneos, como Sadia e Perdigão, realizar apenas a desossa do dianteiro. Alguns frigoríficos, além
de realizarem o abate de animais, adquirem dianteiros de outros matadouros para a elaboração de
produtos derivados da carne bovina.
Nas entrevistas realizadas, foram levantados questionamentos sobre a oferta de matéria-
prima (dianteiros, costelas e aparas) para processamento. Foram citadas questões quanto à redução
na disponibilidade de costela e dianteiro, para a confecção de charque, em função do crescimento
de sua utilização na elaboração de outros produtos cárneos processados, e também em função do
crescimento do consumo dessas carnes na forma in natura. Em função disto prevê-se uma
dificuldade de se colocar o charque no Nordeste, mercado tradicional desse produto, que só aceita
charque de costela. Uma outra questão abordada, dificultando o processamento de embutidos e
outros produtos, é a inexistência de padrões que caracterizem a composição de algumas matérias-
primas, em especial das aparas/recortes industriais.
As charqueadas utilizam como matéria-prima, em sua maior parte, pontas-de-agulha para a
produção do charque tradicional e da carne de sol. Também são utilizados os quartos dianteiros
manteados de bovinos, especialmente para a produção do jerked beef, que pode ser definido como
charque curado, um produto de melhor aparência. Segundo Alli Fayrdin, em entrevista à Revista

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 161
Nacional da Carne (RNC, 1998), a raça bovina ideal para a produção do charque é a zebú, em
função do tipo de gordura de cobertura e do seu ponto de fusão mais alto. A carne de gado europeu
não é preferida devido às perdas durante a secagem, que são muito grandes em sol forte.
Por possuir origem artesanal, a imagem do charque esteve deteriorada por muito tempo.
Isso aconteceu em função da falta de cuidados higiênicos durante o processamento nas antigas
charqueadas, e à presença de estabelecimentos clandestinos, muitos dos quais ligadas ao
aproveitamento de carne dos/ou pelos açougues, junto a esse tipo de processamento. Esse fato
prejudicou a expansão no mercado, e vinculou a imagem do charque a um produto de baixa qualidade.
A mudança de imagem ocorreu, somente com o desenvolvimento e introdução no mercado do
jerked beef, um produto com aspectos melhorados de desossa, conservação, e apresentação.
Esses estão relacionados à introdução, no processamento, de desossa climatizada, adição de nitrito
e a utilização de embalagem à vácuo, que permitiram uma melhor aparência e durabilidade ao
produto. A introdução do Jerked Beef foi orientada pelas exigências dos consumidores mais exigentes.
Entretanto, as camadas sociais que são tradicionais consumidoras do charque continuam demandando
e preferindo o charque tradicional que, em alguns casos, ganhou embalagem à vácuo.
Os pontos críticos de controle do processo de produção de charque estão relacionados à
procedência da matéria-prima e ao sal utilizado nas salmouras e etapas de salga, e ao processo de
secagem, realizado ao sol, e, portanto, dependente de condições climáticas adequadas.
O processo tradicional de secagem ao sol possibilita a contaminação a partir de poeira,
insetos, dejetos de aves, varais, etc. Ademais, em períodos chuvosos, causa a necessidade de
recolhimento rápido das mantas de carne dos varais, e, às vezes de sua estocagem salgada em
pilhas de inverno. No primeiro caso, são gerados problemas de ordem operacional evidentes. No
segundo caso (pilhas de espera ou inverno), pode ocorrer a proliferação de microrganismos halofílicos
e conseqüente perda de toda a pilha após se ter efetuado um esforço no seu aproveitamento.
Senigalia et alli (1998) propõem, para eliminação desses problemas de secagem, a introdução de
secagem forçada, reduzindo o tempo de secagem. Entretanto, segundo eles, oneraria o custo do
processamento, e descaracterizaria o produto em seu odor e sabor.
Outras etapas são passíveis de contaminação, desde que não sejam adotados sistemas para
a qualidade do produto, especialmente no controle da qualidade microbiológica do sal utilizado nas
etapas de salmouragem e salga. Algumas empresas já adotam, e outras estudam a adoção, o
processo de tombagem em substituição ao de tanques de salmoura, reduzindo tempo e problema
microbiológicos do charque. No processo de produção de jerked beef já se adota a injeção de
salmoura. Entretanto, esse processo, no caso do charque, gera problemas de enegrecimento nos
pontos de injeção.
Este quadro apresentado mostra os problemas enfrentados, algumas soluções em curso e a
necessidade de mudanças nesse segmento tão importante da cadeia de carne bovina.
Um outro produto cárneo que merece uma consideração especial é o corned beef, por ser
o principal produto processado de carne bovina da pauta de exportação brasileira. Seu processo
de produção é há muito estabelecido e não apresenta maiores problemas de controle de qualidade,

162 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
já que é um produto moído curado e enlatado, e portanto esterelizado. O destaque que se lhe dá
neste texto deve-se a dois fatores: primeiro, porque o seu processo de produção gera “resíduos” na
água de cocção da carne (dianteiros e aparas de desossa), que processados geram um produto de
grande valor (cerca de US$ 20,00/ kg) no mercado, o extrato de carne; segundo porque, segundo
matéria veiculada na Gazeta Mercantil em 29/6/99 o País exportou, somente em abril de 1999, 6,9
mil toneladas do produto, o que representou mais que a metade da exportação de carne in natura
resfriada e congelada, que somou, de janeiro a abril de 1999, 12,5 mil toneladas. É, portanto, um
produto importante na pauta do setor, e só é processado pelas empresas mais tecnificadas (subsistema
A), até mesmo porque, à semelhança de outras carnes enlatadas, não é de aceitação expressiva no
mercado interno. Assim, apenas as empresas que dominam tecnologia capaz de capacitá-las para
a exportação são produtoras desse produto e outros enlatados.
4.4.4.2. Aditivos, Embalagens e Envoltórios
Para as empresas mais tecnificadas (subsistema A), a aquisição de insumos de processamento
se dá por meio de fornecedores tradicionais, baseando-se numa associação de qualidade e preço.
Na realidade, apenas as grandes empresas possuem condições de verificação prévia de alguns
índices técnicos de qualidade e eficiência. Na maioria das vezes, as ações/decisões de troca de
fornecedores são mais corretivas que preventivas. Por exemplo, um determinado fornecedor de
tripas só é trocado ao se verificar problemas de maquinabilidade da tripa fornecida.
As novidades do setor de insumos tornam-se conhecidas por vias que vão desde a visita de
fornecedores, até a participação em feiras nacionais e internacionais. Não há maiores problemas
verificados nesse setor, a não ser a pequena opção para a aquisição de embalagens metálicas no
mercado nacional. As embalagens plásticas são geralmente de origem externa, ou produzidas
nacionalmente por multinacionais.
4.4.4.2.1. Tripas e Envoltórios
No processamento de embutidos, as tripas e envoltórios devem ser consideradas como
matéria-prima. Sua escolha é feita de acordo com o produto, aspectos relacionados ao
processamento, e o mercado de consumo a que se destina. No mercado existem tripas naturais
(bovina, suína e de carneiro), e as artificiais (celulósicas, plásticas e as que são feitas a partir do
colágeno).
No Brasil, comercializa-se diversos tipos de embutidos com envoltório a base de tripa, como:
salame, mortadela, lingüiça e a salsicha. Segundo Lombardi (1999), cerca de 70% das tripas naturais
são importadas, o que é um grande inconveniente em épocas de instabilidade econômica, levando-
se em consideração que o custo da tripa pode chegar a até 15% do valor do produto final. Com a
alta do dólar no início de 1999, as empresas processadoras enfrentaram , e ainda estão enfrentando,
problemas com o aumento dos preços não só do envoltório, mas também das embutideiras e
estima-se que os aumentos praticados chegaram a 35%.
O que se tem feito para melhorar o desempenho do envoltório, é promover parcerias entre a
indústria e/ou importadores de tripas e unidade processadora. Esta parceria tem como base o

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 163
desenvolvimento de tripas que atendam às necessidades de um processamento em equipamento
específico. Outra saída é o acompanhamento direto e contínuo dos fornecedores de equipamentos
aos fabricantes de embutidos, explicando minuciosamente a regulação da máquina de acordo com
o envoltório e o tipo de massa que se tem.
4.4.4.2.2. Aditivos
Apesar de serem caros, os aditivos representam não mais de 5% no custo total da produção
de processados, devido às baixas concentrações utilizadas. A decisão final quanto à escolha do
aditivo deve considerar o que ele pode fazer para melhorar a qualidade final do produto e não o seu
preço, embora esta também seja uma questão de decisão pelos empresários.
Atualmente, com o desenvolvimento de novas tecnologias, tem-se acesso a diversos tipos de
aditivos, com as mais variadas funções (emulsionantes, espessantes, condimentos, conservantes
etc.). O uso de aditivos na indústria processadora de carnes é imprescindível para melhorar a
aparência, aumentar a vida-de-prateleira, e conferir sabor característico.
Novos aditivos, como aqueles derivados da enzima transglutaminase, estão sendo apresentados
ao mercado para a elaboração de produtos reestruturados, que apresentam a capacidade de colar
pedaços de carne, permitindo a elaboração de novos produtos e um melhor aproveitamento da
matéria-prima.
Há de se considerar ainda os condimentos, que por uma questão de segurança e conservação
dos produtos aos quais são incorporados, têm sido previamente esterilizados, especialmente por
irradiação.
Já as empresas do subsistema menos tecnificado (B), não possuem maiores conhecimentos
sobre a qualidade e inovações no setor de aditivos, embalagens e envoltórios. Também desconhecem
as implicações de sua desuniformidade no tempo, pelo que compram esses insumos baseados
apenas em sua disponibilidade e preço.
4.4.4.3. Mão-de-obra
Em geral, a qualificação da mão-de-obra, cuja oferta é farta, é baixa. Com raras exceções,
a rotatividade é alta e o absenteísmo é baixo. Entretanto, o seu efetivo treinamento é indispensável
para uma maior eficiência da produção, com redução de perdas e obtenção de produtos de melhor
qualidade, pelo que existe uma preocupação em seu treinamento, ainda que de forma incipiente,
especialmente no subsistema A. Maiores detalhes sobre a qualificação de mão-de-obra serão
apresentados no item 4.4.6.4.
4.4.5. Estrutura de Mercado
4.4.5.1. Introdução
A estrutura das empresas do setor está relacionada ao abate e processamento da carne
bovina. Estão dispostas no setor de maneira isolada, como a maioria dos matadouros, ou integradas
às empresas de processamento, as quais estão circundadas por empresas pertencentes ao grupo
empresarial, que processam subprodutos. Essa estrutura também se define a partir das empresas

164 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
inerentes ao subsistema, sendo relatados os fatores que a definem, como a economia de escala,
localização, concentração e organização.
4.4.5.2. Economia de Escala
No Brasil, os frigoríficos instalados têm escala que variam de 500 a 2000 abates/dia. Os
Estados Unidos, no entanto, dispõem de unidades frigorificas de portes ainda maiores, com alguns
frigoríficos chegando a realizar 4 mil abates/dia, (RNC, 1996b) . Segundo Perosa (1998), isto se
deve ao fato de que a inovação tecnológica está bastante orientada para os ganhos de produtividade,
e ligados à escala de produção. Porém, segundo Wilkinson (1993), o fator de escala de produção
no setor de frigoríficos bovinos brasileiro não é tão evidente, variando de 500 a 1500 abates/dia,
estando a competitividade relacionada à produção de industrializados, entre outros fatores.
O fator escala dos frigoríficos no país gera opiniões contraditórias. Moricochi, apud Faveret
Filho e de Paula (1997), cita como ideal uma capacidade da ordem de 400 a 500 animais abatidos/
dia. Esta dimensão, de acordo com o relato, parte de uma lógica de que a implantação de unidades
menores de abate e frigorificação terá maior eficiência operacional e pode reduzir as deseconomias de
escala. Essa constatação do autor segue o pressuposto da orientação logística de capacitação e de
distribuição adotada, influenciada pelas grandes dimensões territoriais brasileiras, o deslocamento da
bovinocultura de corte; e também da constatação da performance das tecnologias disponíveis para
processamento. Também, segundo Mucciolo (1985), a instalação de estabelecimentos de médio porte
tem sido preferida por serem mais versáteis, e permitirem maior controle das condições higiênicas.
Nos moldes em que a bovinocultura brasileira está atualmente estruturada, existe um limite
máximo para operação das unidades de abate, regulado principalmente pela disponibilidade de
animais para abate, e de uma certa forma influenciada pelo mercado consumidor. Muitas vezes o
frigorífico pode abater mais, mas o mercado não absorve. Nesses casos, tem-se que reduzir o
abate para se ajustar ao mercado. Ocasionalmente, o mercado reage e o frigorífico abate até o
limite de sua capacidade. Este quadro reforça a dificuldade de se definir um tamanho ideal, e mostra
o reflexo de tais dificuldades na forma de ociosidade das plantas instaladas de maior porte do
parque industrial brasileiro.
Com relação à economias de escala, também existe um limite mínimo para as plantas, que
está relacionado às disponibilidades tecnológicas, e, principalmente, à escala para o aproveitamento
econômico dos subprodutos. Segundo opinião de especialistas do setor veiculada pela Revista
Nacional da Carne, existe a necessidade de escala suficiente para suportar os custos de perdas,
referentes a condenações sanitárias, e ao aproveitamento ideal de condenações parciais, que, de
forma alguma, pode ser absorvido por matadouroas municipais e de pequeno porte (RNC, 1996a).
Pelos aspectos apresentados, nota-se que a escala de abate e processamento atual das
unidades clandestinas e municipais (subsistema B), geram custos unitários superiores às empresas
do subsistema A. Isso ocorre em função das tecnologias disponíveis para as características dessas
empresas, definindo para tais condições competitividade desfavorável, em que só encontram
vantagens competitivas face aos seus menores custos de implantação e adequação às normas sanitárias
e fiscais que regem o setor.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 165
O levantamento de campo realizado neste projeto mostra opinião geral dos entrevistados do
subsistema A de que abates de quantidades maiores, como aqueles encontrados nos Estados Unidos,
são inviáveis no país. Justifica-se esta percepção principalmente em conseqüência da sazonalidade
de oferta dos animais, devido à inexistência de centros de acabamento/confinamento de animais
para abate. Assim, a opinião geral é a que deve se construir unidades menores, mas localizadas
perto das regiões produtoras de animais, principalmente tendo-se em vista a constante valorização
da terra nas regiões tradicionalmente produtoras, o que vem levando a criação de animais para
regiões de fronteira. A instalação nas proximidades de uma concentração populacional é o único
fator que ainda permite uma maior sustentabilidade para essas unidades de porte menor.
Um relato de um empresário do setor, mostra bem essa condição. Este dispõe de duas
unidades de portes distintos de abate, uma para 500 animais e outra para 1000 animais. A unidade
menor trabalha próximo ou acima da capacidade instalada, permanentemente, e a maior com uma
ociosidade entre 30 e 50%.
A produtividade observada no setor de abate das empresas que compõem o subsistema A
está entre 1,88 e 10,0 animais/ homem/ dia, o que, tomando-se uma média de 8 horas de abate,
fornece uma produtividade de 0,235 a 1,25 animais/ homem/ hora. Esses dados, estão bem abaixo
daqueles apresentados por Wilkinson (1993), que cita uma produtividade de 2,8 animais/ homem/
hora, mas que seguem os índices utilizados por empresas especializadas no planejamento e instalação
de unidades de abate no país. Os dados levantados apontam ainda uma produtividade de cerca de
2 animais/ homem/ dia para a desossa, e de 156 a 175 kg/ homem/ dia no processamento de
produtos derivados da carne.
Comparando-se as escalas de operações das empresas do subsistema A e B, pode-se
observar uma grande diferença entre elas. As empresas mais tecnificadas, por, em geral, executarem
um abate em volume maior, dispõem de tecnologia mais moderna e automatizada, bem como de
capacidade de processar subprodutos oriundos de suas operações, gerando fontes adicionais de
recursos. Isto também diminui o efeito de perdas oriundas de condenações, ainda que parciais, de
sua produção, que não seriam suportáveis pelas empresas que compõem o subsistema B caso as
mesmas fossem sujeitas aos mesmos rigores. Entretanto, principalmente devido às condições de
oferta de animais, a competitividade das empresas tecnificadas ainda não representa um fator de
competitividade positivo com relação às suas similares estrangeiras, e só não representam um fator
negativo por terem adequado às suas escalas à realidade do setor como um todo.
4.4.5.3. Questões Locacionais
4.4.5.3.1. Deslocamento das Plantas de Abate
Como descrito anteriormente no item 4.5.1, ocorreu uma sensível mudança na localização
das unidades industriais de abate ao longo das últimas décadas. Essas mudanças alteraram,
principalmente, a concentração das empresas, que anteriormente estavam instaladas na região Sul
e Sudeste até meados dos anos 70, com aproximadamente 70% das unidades. A partir dos novos
rumos expansionistas da pecuária de corte, passaram a se instalar no Centro-Oeste. Isso ocorreu

166 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
em decorrência do avanço da agricultura, e dos perímetros urbanos, fazendo que se valorizassem
as terras tradicionalmente usadas para a criação de animais.
Este deslocamento do rebanho bovino fez com que novas unidades de abate fossem instaladas,
provocando até mesmo deslocamento de muitos frigoríficos brasileiros anteriormente instalados em
outras regiões. Este regime expansionista foi facilitado por linhas de financiamentos, para o
desenvolvimento do setor, nas principais regiões de fronteira. Com isso, ocorreu uma evolução do
abate na região Centro-Oeste, que chega a alcançar a produção da região Sudeste, e a superá-la
em muito quando se considera apenas os abates realizados sob inspeção do SIF. Também se
verificou o crescimento do abate na Região Norte. Esses dados podem ser melhor compreendidos
pela visualização da Figura 4.4.1.
Figura 4.4.1.
Evolução do abate por região brasileira
12

10
Abate (milhões de cabeça)

0
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997**
Ano

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: elaborado a partir de dados do ANUALPEC 97


Essas mudanças provocaram, a longo prazo, o fechamento de muitas unidades no Sul e
Sudeste. Com relação ao Sudeste, as unidades remanescentes tiveram sua estrutura de compras de
animais alterada, em função da redução dos rebanhos nas proximidades das unidades, aumentando
o raio de captação de animais de alguns casos de 50 Km para mais de 300 Km, sendo em muitos
casos necessário cruzar fronteiras estaduais para obtenção de animais para abate.
Esse distanciamento da matéria-prima, trouxe muitas dificuldades, mas aqueles que
sobreviveram a tal turbulência acreditam que esta já esteja superada. Os entrevistados que fizeram
esta afirmação declaram estar operando próximos a 100% da capacidade. Outras empresas, que
acreditam estar ainda no meio desta turbulência, relatam este fato como um complicador, estando
operando aquém da capacidade instalada. Entretanto, todos pensam em manter a sua localização
atual em função da proximidade dos grandes centros consumidores, em especial São Paulo, por
estarem instalados em região de grande consumo, e por considerarem ainda ser viável a aquisição
de animais de outras regiões e estados, o que se dá em um raio de até 500 km. Entretanto, com o

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 167
advento e consolidação da Portaria 304 e seus efeitos sobre o custo de transporte, esta situação
deverá mudar, tirando ainda mais competitividade de plantas afastadas dos centros de produção.
No Rio Grande do Sul porém, há indício de que ainda existem problemas com a localização.
O padrão locacional tem sido marcado, nos últimos anos, por uma orientação voltada às áreas de
produção. Somente nos últimos três anos, quatro frigoríficos foram instalados na região sul do
Estado. As unidades localizadas mais próximas das áreas urbanas estão enfrentando sérias
desvantagens competitivas.
Uma prática comumente adotada pelas grandes empresas para reduzir o impacto de tais
mudanças, é a de possuírem unidades com localização diversificada, em outras regiões do mesmo
estado e até mesmo em outros estados.
Já com relação às empresas de processamento, as mudanças ocorridas até o presente
momento não afetaram mais seriamente suas localizações. A maioria das empresas permanecem
com suas unidades de processamento nas mesmas localidades, por considerarem estar já em uma
localização ideal, isto é, próxima do consumidor. Porém, todas consideram terem sido afetadas
pelas mudanças de abates, em função de um distanciamento da oferta de matéria-prima para
processamento. A única empresa que mudou sua unidade de processamento de carne bovina e
derivados, para a proximidade da oferta de matéria-prima, no Centro-Oeste, foi a Sadia.
Uma charqueada visitada na fase de entrevistas avaliou sua localização como adequada em
função de estar situada em uma região próxima a vários frigoríficos na qual o clima é propício para
a secagem de sua produção. Entretanto, citou estar buscando matérias-primas a distância razoável
devido à dificuldade de obter a costela, preferida ao dianteiro por apresentar apenas 18% de
quebra em ossos contra 23% para o dianteiro, para elaboração de charque. Esta e outras empresas,
localizadas em perímetro, ressaltam a dificuldade encontrada para expansão futura, o que tornará
necessária a sua realocação, ainda que na mesma cidade.
O deslocamento dos rebanhos para as novas regiões de fronteira de pecuária de corte,
gerando a necessidade de aquisição de matéria-prima a grandes distâncias, faz com que, em média,
a localização das empresas brasileiras seja um fator de competitividade desfavorável ou muito
desfavorável. Empresas dos subsistemas A e B, respectivamente, para o setor, já que têm que
arcar com custos elevados de transporte (subsistema A) ou qualidade inadequada (subsitema B) de
animais (geralmente animais velhos, provenientes de pecuária leiteira, que fornecem um menor
rendimento). A resolução dessa questão passa pela necessidade de realocação das empresas para
as regiões produtoras de matéria-prima, ou pela necessidade de se investir na tecnificação, com
vistas à melhoria de oferta de animais, da produção animal nas regiões (Sul e Sudeste) que
tradicionalmente concentravam as unidades industriais de abate e processamento. Outra possibilidade
de medidas a serem tomadas para viabilizar as empresas já instaladas, sem realocação, seria a
criação de centrais de terminação de animais próximas a elas, associadas a uma melhoria, e
conseqüente utilização, das condições de transporte de animais, principalmente a ferroviária e
aquaviária. Face à realidade atual de endividamento do setor, e aos custos de implantação de novas
unidades, a realocação, ao menos no momento, seria uma solução pouco viável para as empresas

168 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
já estabelecidas. Segundo Picchi (1999), o custo estimado de implantação de uma indústria completa
com capacidade para abater 400 bois/ dia é da ordem de US$ 5 milhões).
4.4.5.4. Concentração das Empresas
4.4.5.4.1. Distribuição dos Abates
O padrão espacial dos abates, deveria refletir, de certa forma, a forma como as empresas se
encontram geograficamente distribuídas. No entanto, as regiões Sudeste e Sul, apresentam a maior
quantidade de empresas instaladas, mas são as regiões Centro-Oeste e Sudeste as principais regiões
de abate de animais. A região Sul apresenta menor porte da maioria das empresas instaladas, fato
que pode ser observado a partir das Tabelas 4.4.6. e 4.4.7.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 169
Tabela 4.4.6.
Distribuição das unidades industriais de abate bovino

Parque Industrial de Abate de Gado Bovino com Inspeção Federal


Estado Número de
estabelecimentos
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Total
Minas Gerais 2 7(4) 15(2) 5 29(8)
Espírito Santo 0 1 (1) 4 0 5(1)
Rio de Janeiro 0 0 5 0 5
São Paulo 13(8) 11(5) 17(2) 12(1) 53(16)
Total Sudeste 15(10) 19(10) 41(4) 17(1) 92(25)
Goiás 4(2) 4(1) 13(2) 4 25(5)
D. Federal 0 0 2 0 2
Mato Grosso 2(2) 7(2) 7(3) 0 16(7)
M. Grosso. do Sul 8(4) 12(2) 9(2) 0 29(8)
Total C. Oeste 14(8) 23(5) 31(7) 4 72(20)
Maranhão 0 1(1) 4 0 5(1)
Piauí 0 0 1 0 1
Ceará 0 0 0 0 0
R. G. do Norte 0 0 0 0 0
Paraíba 0 0 1 0 1
Pernambuco 0 1 3 0 4
Alagoas 0 0 1 0 1
Sergipe 0 0 0 0 0
Bahia 0 1 5(1) 0 6(1)
Total Nordeste 0 3(1) 15(1) 0 18(2)
Tocantins 2(1) 0 2 0 4(1)
Rondônia 0 0 2 0 2
Acre 0 0 1 0 1
Amazonas 0 0 1 0 1
Roraima 0 0 1 0 1
Pará 1(1) 2 0 1 4(1)
Amapá 0 0 0 0 0
Total Norte 3(2) 2 7 1 13(2)
Paraná 2(1) 7 20(3) 8(1) 37(5)
Sta. Catarina 0 0 3(1) 5 8(1)
R. G. do Sul 3(3) 4(3) 13(7) 14(1) 34(14)
Total Sul 5(4) 11(3) 36(11) 27(2) 79(20)
Total Brasil 37(24) 58(19) 130(23) 49(3) 274(69)
Grupo 1= Abate anual acima de 100.000 animais, a uma velocidade horária de 80 a 120 bovinos
Grupo 2= Abate anual de 50.000 a 100.000 animais, a uma velocidade horária de 60 a 80 bovinos
Grupo 3= Abate anual de 10.000 a 50.000 animais, a uma velocidade horária de 40 a 60 bovinos
Grupo 4= Abate anual de até 10.000 animais, a uma velocidade horária de até 40
( ) O número entre parentese significa o número de estabelecimentos exportadores
Fontes: 1Dipoa apud Gazeta Mercantil (1998)

170 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Nota-se que as regiões Sudeste e Centro-Oeste concentram mais de 60% dos abates do
País (Figura 4.4.2). Se considerar-se apenas os abates SIF, este total chega a quase 74% do
total de abates nacional.
Tabela 4.4.7.
Distribuição percentual de abates, de acordo com o porte das unidades

Fonte: Elaborado a partir de dados de 1994, Gazeta Mercantil (1998).


Figura 4.4.2.
Distribuição de abates por região – projeção para o ano de 1997

Fonte: Elaborado a partir de dados de 1997, ANUALPEC 97


Da representatividade das Regiões Centro-Oeste e Sudeste, os Estados de São Paulo, Minas
Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás são os que mais abatem, representando, juntos, 50% dos
abates bovinos do país. Este valor chega aos 78% com a inclusão dos estados do Paraná, Rio
Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso, (Figura 4.4.3).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 171
Figura 4.4.3.
Distribuição de abates por estado – projeção para o ano 1997

Fonte: Elaborado a partir de dados de 1997, ANUALPEC 97


As informações disponíveis não permitem apresentar o grau de concentração a partir de
informações quantitativas, mas sim a partir de informações qualitativas. Nesse sentido, várias foram
as mudanças ocorridas, e que alteraram o grau de concentração do abate bovino. Alguns grupos,
como Bordon, Swift, Kaiwova, Anglo, possuíam diversas unidades de abate e processamento,
concentrando boa parte dos abates nacionais em passado recente, mas essencialmente as
exportações brasileiras de carne in natura e derivados.
Os grupos empresarias que substituíram essas empresas em importância, como o Bertin,
Independência, Quatro Marcos, Extremo Sul, e Friboi, entre outros, aproveitaram muito bem a
crise que fez com que alguns dos antecessores fechassem, substituindo-os nas exportações e
atendendo o mercado por eles deixado. Isso propiciou aos grupos atuais um crescimento em número
de abate, de unidades, e do porte das plantas, realizando inclusive a incorporação de setores
laterais. No entanto, mantém-se uma certa fragmentação do setor. Não existe nenhuma empresa a
nível nacional que concentre mais de 4% dos abates, e o mesmo ocorre em relação à participação
no mercado de carne in natura. Há de se salientar que esses grupos são principalmente de SP, MT,
MS, GO.
4.4.5.5. Distribuição das Empresas Frigoríficas e Ociosidade
O deslocamento do rebanho e dos frigoríficos gerou um quadro de ociosidade e dificuldades
em algumas regiões e de crescimento em outras (Tabelas 4.4.8, 4.4.9, 4.4.10). O reflexo disto é
que o Centro-Oeste concentra 29% dos frigoríficos registrados no Serviço de Inspeção Federal
(SIF) em atividade, enquanto em 1983 eram apenas 17% (Favaret Filho e De Paula, 1997) . Esta
região vem conseguindo ainda se manter com taxas de ociosidade menores que as de outras regiões

172 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
de abate do país, fato este que pode ser constatado mediante observação dos dados apresentados
na Tabela 4.5.9.
Tabela 4.4.8.
Nível de ociosidade das unidades frigoríficas (SIF) brasileiras, anos 1994, 1996

Região Frigoríficos Frigoríficos Ociosidade


Instalados Atividade (%)
(SIF)
Ano 941 962 941 962 941 962
Norte 13 15 11 14 15 07
Nordeste 18 19 14 12 22 27
Sul 79 75 61 42 23 44
Sudeste 92 100 82 59 11 41
Centro-Oeste 72 74 60 53 17 28
Brasil 274 283 228 180 17 36
Fontes: 1Dipoa apud Gazeta Mercantil (1998)
2
Dipoa apud FAVERET FILHO E DE PAULA (1997)

Tabela 4.4.9.
Nível de ociosidade das unidades frigoríficas (SIF) brasileiras, de acordo com a
capacidade de abate, 1994

Classes No de No de No de Subtotal (*) No Total Ociosi-


estab. em cabeças estab. dos estab. de estab. dade
atividade abatidas Paralisados Parali- (%)
sados
Grupo I 30 3.764.111 07 37 2 39 23
Grupo II 48 3.318.305 10 58 2 60 20
Grupo III 104 2.902.719 26 130 4 134 22
Grupo IV 46 192.905 03 49 0 49 6
Total 228 10.178.04 46 274 8 282 19
0
Fonte: Dipoa apud Gazeta Mercantil (1998)
Grupo I = abate anual acima de 100.000 animais, a uma velocidade horária de 80 à 120 bovinos.
Grupo II = abate anual de 50.000 à 100.000 animais, a uma velocidade horária de 60 à 80 bovinos.
Grupo III = abate anual situado entre 10.000 e 50.000 animais, a uma velocidade horária de 40 à 60 bovinos.
Grupo IV = abate anual até 10.000 animais e velocidade horária de até 40 bovinos.
(*) Número de estabelecimentos paralisados em 1994 e anos anteriores

As mudanças inseridas no setor influenciaram principalmente os grandes e médios


matadouros-frigoríficos. Isso se refletiu a partir da paralisação e desativação da matança em
importantes empresas por todo o país, representando uma ociosidade média de 22%, entre os
grandes e médios. Segundo Picchi (1999), só no Estado de São Paulo, estão, ou já estiveram,
paralisadas e desativadas as unidades: Anglo/Barretos, Sadia Oeste/Andradina (ex-Mouran), Sadia
Oeste/Araçatuba (ex-T. Maia), Cargil/José Bonifácio (ex-Vale do Tietê), Swift-Amour/Presidente

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 173
Prudente (ex-Bordon), Kaiowa/Presidente Wenceslau, Planalto/Vinhedo (ex Bon Beef), Swift-
Amour /Presidente Epitácio (ex-Bordon).
Segundo Peetz apud Bliska et alli (1998), o parque industrial paulista apresenta uma
capacidade ociosa superior a 60%. Este dado é contabilizado em função de um paralelo entre os
número de abates praticados (SIF) e a possibilidade de abates a partir das capacidades nominais
(SIF). Mesmo contabilizando todos os abates realizados a partir da contagem de couro no Estado
de São Paulo, este valor não se equipara ao total de abates possíveis apenas nas unidades de
inspeção federal.
Tabela 4.4.10.
Ociosidade das unidades de Abate (SIF), dados de abate ano de referência 1996, e peso
médio da carcaça de 202 Kg

Unidades de Abate Número Bovinos Bovinos Carne Produzida


Unidades Abates/dia Abates/ano mil toneladas

Capacidade 50 22.300 6.990.000 1.412


Instalada (SIF)
Total Produzido (SIF) 50 13.3802 4.194.0002 8472

Total Produzido 1 - - 5.070.531 1.108


F ANUALPEC 97 BLIISKA (1998) 1 b d ( i i d ã i i d ) 2
Fonte: ANUALPEC 97, BLIISKA (1998), 1- base contagem de couros, (carne inspecionada e
não-inspecionada), 2 estimativa.

Existem atitudes tentando reverter este quadro de ociosidade no setor, no Rio Grande
Sul, como o Programa Carne com Qualidade do governo estadual, que está trabalhando nesse
sentido, por meio da abertura linhas de crédito, concessão de incentivos fiscais para reabertura
de frigoríficos desativados, e ainda sendo rigoroso com o abate clandestino, chegando a fechar
unidades clandestinas de abate. O resultado de tais atitudes refletiu no aumento de abates
inspecionados.
O que se apresentou até aqui é um quadro geral do setor, em suas especificidades, segundo
dados anteriormente divulgados. As entrevistas, entretanto, mostram que não só existem unidades
que paralisaram suas atividades de abate, como também existem unidades que operam com
capacidades reduzidas, oscilando de 60 a 80% da capacidade de abate. Uma chegou a declarar
estar abatendo 14% além da sua capacidade nominal instalada. Porém, é fato que o fechamento de
muitas unidades favoreceu a quem permaneceu aberto, fazendo que muitos operem próximos e
inclusive alguns, acima das suas capacidades instaladas.
O quadro de ociosidade do setor, principalmente, em função de se possuir capacidade instalada
maior que as necessidades de abate para consumo, e forte participação dos abates clandestinos,

174 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
limita os investimentos e faz com que se redimensionem as instalações das unidades industriais,
demonstrando uma condição desfavorável de competitividade. Para algumas localidades, como o
Rio Grande do Sul, acredita-se que um abate na faixa de 200 bois/dia seria o tamanho ideal,
destoando daquilo que já se descreveu.
4.4.6. Gestão
4.4.6.1. Introdução
A gestão das empresas de abate e processamento de carne talvez seja um dos itens onde se
pode encontrar maior uniformidade de comportamento, independente de região geográfica e de
porte.
Existem vários critérios a serem observados que permitem caracterizar as gestões
administrativas das empresas e seus níveis de eficiência. Aqui aborda-se a gestão com relação a
utilização de sistemas de custeio, financeiro, adoção de índices de produtividade e sistemas de
qualidade, a utilização de sistemas de apoio à decisão, o tratamento dado ao quadro de funcionários,
e ainda com relação à realização de planejamento estratégico.
A partir do quadro geral já apresentado de fechamento, ociosidade e troca de controle dos
estabelecimentos, pode-se dizer que o setor de abate e processamento de carnes possui uma
administração ainda pouco eficiente do ponto de vista empresarial, aspecto endossado por alguns
empresários entrevistados.
Uma grande maioria dos frigoríficos brasileiros tem sua origem vinculada ou a pecuaristas
ou a açougueiros que decidiram verticalizar seus negócios. Esta origem gerou um subsistema
desarticulado e com baixos padrões de qualidade e performance, e se estendeu, principalmente,
às unidades industriais de pequeno porte. Isto fez com que a maioria das unidades fossem
gerenciadas a partir de administração familiar pouco especializada, fato que ainda se encontra
presente no setor.
Esta baixa eficiência gerencial foi também constatada nas entrevistas pela despreocupação
com a imagem do produto que comercializam. Aparentemente, as empresas não percebem o
aumento da competição exercida pelas outras carnes, em especial a de aves, e se acomodaram
com o consumo tradicional da carne bovina pela população, apesar de não mais conseguirem
praticar margens confortáveis com alteração/repasse de preços para a carne, exatamente pela
concorrência exercida pela carne de frango. Nesse sentido, alguns empresários ouvidos
chegaram mesmo a declarar que não há necessidade de se fazer campanhas publicitárias para
enaltecimento das qualidades nutricionais da carne. Durante os contatos mantidos, apenas
uma empresa, de pequeno porte, declarou ter tomado iniciativas nesse sentido, ao veicular, no
seu mercado, os riscos provenientes do consumo de carne clandestina, abatida sem controles
higiênico-sanitários.
Outros exemplos da disfunção gerencial, são a ausência de interações com os centros de
pesquisa e universidades, e a falta de diversificação na forma de apresentação da carne para o
consumidor.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 175
Ainda assim, nota-se graus diversificados de profissionalismo, especialmente nas empresas
que apresentam tradição de comércio exterior. Entretanto, verifica-se que cada empresa está
preocupada em se profissionalizar por diferentes motivos e em diferentes setores/aspectos de seus
negócios.
4.4.6.2. Eficiência Administrativa
O quadro atual de ineficiência administrativa em que o setor se encontra é reflexo de como
ocorreu sua estruturação, da origem dos investimentos, e de quais os tipos de profissionais que
assumiram as administrações das empresas.
Devido a esse fato, e à dificuldade dos pequenos empreendimentos na contratação de
profissionais qualificados, o que não ocorre com as grandes empresas, as quais têm facilidades e
recursos para isso, pode-se dizer que, em geral, as empresas de menor porte são menos eficientes
administrativamente que as suas concorrentes de maior porte. As grandes empresas em geral,
apresentam um nível administrativo bem uniforme e de boa qualidade, com algumas poucas empresas
qualificando a sua administração como acima da média, embora reconheçam que têm muito espaço
para melhorar. No entanto, essa questão de eficiência administrativa criou expectativas não
suplantadas, pois o que se observa na maioria das empresas é a inexistência da utilização de técnicas
gerenciais mais modernas e mais eficientes.
O mercado de atuação das empresas não é delimitador da eficiência administrativa, mas é
um indicador. Observa-se que aqueles que estão voltados para exportação, isto é, as grandes
empresas, quer por exigência dos compradores e/ou em função da concorrência internacional,
adotam sistemas administrativos mais eficientes. Vale ressaltar que nem todas as empresas
exportadoras, entretanto, são eficientes administrativamente; isso fica evidenciado pelo fechamento
ocorrido, em passado recente, de grandes empresas exportadoras. Enquanto essa eficiência é
menos uniforme, não deixam de estar presentes para empresas que estão voltadas exclusivamente
para o mercado interno. Os pequenos matadouros, especialmente aqueles localizados mais no
interior dos estados, têm maiores problemas com aspectos administrativos.
As entrevistas evidenciaram a carência de sistemas básicos de informação gerencial nas
áreas de custos, finanças, acompanhamento de uso de insumos, etc. A impressão colhida é a de
que expressiva porção dos frigoríficos de pequeno porte, a maioria dos médios, e uma pequena
parcela dos grandes frigoríficos, são administrados de maneira não científica, predominando a falta
de planejamento, o improviso e o empirismo na condução dos negócios. A favor dos empresários,
deve-se mencionar seu reconhecimento da necessidade de promoverem melhorias nessa questão.
Assim, há sinalização de que esforços têm sido iniciados, conforme ilustrado pela menção, por
alguns empresários, de contratos para a informatização de processos de controle e gestão em
frigoríficos.
Um ponto crítico da gestão das empresas está na programação dos abates, que não seguem
um planejamento adequado, ocorrendo, constantemente, excedentes e/ou falta de matéria-prima.
Muitas vezes, a queda de preço decorre de uma super oferta de carne no mercado. Entretanto,

176 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
essa falta de planejamento dos abates não é exclusivamente decorrente de uma deficiência
administrativa dos matadouros, mas resulta da inexistência de contratos/integração com os produtores,
que não se interessam por uma relação mais profissional de fidelidade de entrega, ou seja, não se
comprometem com a cadeia como um elo essencial ao seu bom desempenho. Vale, entretanto,
ressaltar que algumas vezes essa falta de comprometimento dos produtores deve-se a uma
desconfiança, principalmente de recebimento dos animais entregues, com relação aos frigoríficos,
especialmente os de menor porte. Nesse sentido, durante as entrevistas, verificou-se que alguns
produtores preferiam abater seus animais em frigoríficos mais distantes da sua propriedade do que
naqueles mais próximos.
4.4.6.2.1. Custos e Controles Financeiros
Em geral, os sistemas de custo são basicamente empíricos. Alguns entrevistados declaram
ter controles de custos, mas sem sofisticação. Geralmente trata-se de contabilidade simples, para o
atendimento de normas legais.
As grandes empresas, em especial aquelas que têm capital aberto, possuem sistemas
mais eficientes para controle financeiro e de custeio, muitas das quais utilizando da
informatização, adotando e avaliando coeficientes mais elaborados de controle técnico e
contábil. Porém, quando questionadas, não quiseram oferecer maiores detalhes sobre esses
tópicos. As entrevistas mostraram que muito poucas empresas utilizam de vários sistemas de
custeio, sendo o sistema de ABC pouco difundido e utilizado, (foi mencionado por uma única
empresa, mas mesmo assim com limitações de uso). A maioria das empresas que exercem
algum controle de custeio adotam o sistema de rateio proporcional dos custos por produção,
e custeio global por área. Apenas uma empresa citou usar todos os sistemas de custo, o que
não pôde ser comprovado.
Nas pequenas empresas, os sistemas financeiros, quando existem, são sistemas básicos,
executados por contadores contratados. No entanto, há uma percepção de que os controles usados
são adequados por serem bastante simples já que as despesas são basicamente oriundas de gastos
com água, luz e mão-de-obra. Trata-se de visão nitidamente simplista, que espelha o despreparo
gerencial. Por essencialmente trabalharem com prestação de serviço de abate para marchants, os
pequenos matadouros e os municipais, têm como únicas receitas a taxa de abate e aquela proveniente
da comercialização de subprodutos. Algumas das pequenas empresas, entretanto, não são
prestadoras de serviço, realizando-o esporadicamente e ainda têm como receita a venda das carcaças
no mercado.
Esses fatos permitem que se deduza que, em geral, as empresas não controlam a sua produção
segundo o retorno que cada operação/produto gera. Talvez por isso, especialmente as empresas
que processam derivados de carnes, trabalhem com retorno limitado. É muito provável que alguns
dos produtos ofertados ao mercado sejam antieconômicos.
A importância da utilização de técnicas e ferramentas de controle de custos e financeiros
pode ser visualizada pelo fato de Judge et alli (1989) citá-la como um dos fatores decisivos na
consolidação do setor de carne bovina norte-americana em meados deste século.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 177
4.4.6.2.2. Produtividade
Outro indicativo da baixa eficiência administrativa é o baixo número de empresas visitadas
(apenas três grandes) que de fato contabilizam índices de produtividade ou referentes aos animais
abatidos (diferenças de sexo, raça, por produtor etc.).
À exemplo de adoção de sistemas de controle de custos e financeiro, o controle da
produtividade é realizado apenas por grandes empresas. Porém, poucas empresas de fato
contabilizam índices de produtividade. As que realizam esse controle, o fazem por controle de
rendimento de mão-de-obra (coeficientes técnicos de rendimento), de produção por período de
tempo, sendo muito poucas aquelas que possuem outros índices de produtividade (a partir de
controles de lotes, turnos, células, linhas de processamento, e mesmo maquinários), reforçando a
idéia de não possuírem controles eficientes da produção.
Algumas empresas já informatizaram os seus abates de forma a conhecer, instantaneamente,
o peso, e conseqüentemente o rendimento, das carcaças abatidas, o que, além de auxiliar no
pagamento e informação ao produtor, permite a identificação de fornecedores de animais mais
adequados à obtenção de um padrão mais uniforme do processo, maior rendimento e qualidade
em/da carne, agilizando o sistema administrativo. Entretanto, uma das empresas dotada dessa
capacidade, não tem abatido bovinos, por considerar essa etapa antieconômica.
Para a grande maioria das pequenas unidades e matadouros municipais, o controle de
produtividade não é de conhecimento de seus administradores, e sua adoção inexiste. Poucas são
aquelas que possuem balança instalada na linha de abate (após a evisceração) para registrarem,
ainda que de forma não integrada a sistema de aquisição eletrônica de dados, os rendimentos dos
animais abatidos, e dos cortes deles provenientes. Esse controle de rendimento, e conseqüente
possibilidade de padronização de cortes, inexiste mesmo em algumas empresas de maior porte.
O conhecimento de índices de produtividade de linhas de processamento e de abate é uma
importante ferramenta na determinação da competitividade da indústria, permitindo, por exemplo,
que se conheça os animais que fornecem melhores rendimentos em carne e subprodutos. Essa
informação não é em geral de domínio do setor de carnes brasileiro, o que contribui negativamente
para a sua eficiência e competitividade. As implicações desse conhecimento podem ser avaliadas
ao se analisar informações sobre diferenças de rendimentos em carcaças e cortes das diferentes
raças azebuadas brasileiras, conforme apresentada por Felício (1997), e da percentagem de couro
obtida a partir das raças americanas e européias, apresentada por Romans et alli (1985).
4.4.6.2.3. Sistemas de Informação
A adoção de tecnologia de informação na gestão da empresa e sua produção, bem como o
seu grau de utilização, é muito variável, indo de inexistente nas empresas menores, até elevado em
muitas das grandes empresas do Sudeste. No restante do país é incipiente, não sendo detectada
diretamente, nenhuma preocupação a esse respeito e não foram observadas instâncias do uso de
sistemas EDI. O mais comum ainda é o contato com o mercado via telefone e fax. O que se
observa é que as poucas empresas que utilizam sistemas de informação mais eficientes o fazem por

178 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
exigência das empresas atacadistas e varejistas, utilizando-o para contato com seus clientes e
programação da produção e estoque.
É ainda incipiente o número de empresas que possuem troca de informações internas via
intranet. Apenas as empresas de processamento, que possuem um diversidade de produtos e
processos muito grande, utilizam-se desta tecnologia de informação, já que necessitam controlar
uma gama maior de informações.
4.4.6.3. Sistemas de Qualidade
A adoção de sistemas de garantia e controle de qualidade nas empresas é outro exemplo da
diversidade encontrada no setor da carne bovina brasileira.
Das grandes empresas visitadas neste trabalho, apenas uma não tem ainda implementado
qualquer sistema de controle de qualidade, embora tenha dito estar estudando a implantação de um
sistema ISO 9000. Essa empresa, entretanto, qualificou a sua administração como muito boa e
acima da média nacional. Todas as demais já têm implantado algum sistema de controle de qualidade,
sendo os mais citados o HACCP, o TQC e o Programa 5S.
Junto às empresas exportadoras é mais comum a adoção de sistemas mais sofisticados e completos
de controle de qualidade da produção, como o HACCP (Análise de Riscos e Pontos Críticos de
Controle), em decorrência da exigência de sua implementação para o comércio exterior. Essas empresas,
em geral, declararam também oferecer cursos de qualidade de processo e produtos aos seus funcionários.
No caso das empresas de menor porte, nota-se a total ausência e desconhecimento mais
profundo de sistemas de controle de qualidade, que, essencialmente, baseia-se no serviço de
inspeção. Apenas uma empresa mencionou a adoção do sistema de qualidade simplificado “5S”,
cuja utilização não pôde ser comprovada/verificada. Essa situação, provavelmente, decorre de um
menor grau de exigência e conhecimento do consumidor, que, além de seu baixo poder de renda,
não é suficientemente educado para conhecer os riscos a que está exposto. Um matadouro mencionou
adotar, com apoio de computadores, um sistema de sorteio para a checagem dos itens de qualidade.
Muitos frigoríficos informaram não ter intenção de adotar sistemas como o TQC. As empresas
exportadoras declaram desinteressante a certificação pela ISO, sendo mais importante adoção de
sistemas que objetivem a qualidade total , e especialmente a adoção do HACCP.
Como é de se esperar, as empresas que operam no subsistema menos tecnificado não têm
conhecimento e/ou condições de implantar sistemas de qualidade, o que lhes dá uma grande desvantagem
competitiva, constituindo-se em um sério risco à sua sobrevivência. Dependem de encontrarem soluções
para problemas pontuais através de revendedores de insumos ou de serviços de extensão regionais.
4.4.6.4. Qualificação e Conforto da Mão-de-Obra
Como já visto de um modo geral, a mão-de-obra é considerada de baixa qualificação, e de
oferta farta. Com raras exceções, a rotatividade é alta e o absenteísmo é baixo.
A baixa qualificação não é considerada tão prejudicial, em função da simplicidade do trabalho
executado nos matadouros/frigoríficos. Para as empresas processadoras, existe uma maior

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 179
necessidade de maior qualificação/instrução da mão-de-obra em função da operação de equipamentos
da linha de produção, ou seja, devido à utilização de algum nível tecnológico no processo.
Em muitas empresas, existem programas permanentes de treinamento de mão-de-obra,
especialmente para aquela de reposição de quadros. Esses programas de treinamento, visam a
qualificação de pessoas, após a contratação, já que a maioria das operações realizadas exige pouca
especialização, e os funcionários têm baixo índice de instrução.
No entanto, muitos frigoríficos não têm nenhum programa específico para treinamento,
ajustamento e apoio à utilização da mão-de-obra. Isso ocorre segundo estes, em função da existência
de mão-de-obra farta e já treinada e acostumada ao serviço de abate e processamento por longos
anos. Este quadro é encontrado na maioria das regiões produtoras, fruto da demissão de funcionários
a partir do fechamento e ociosidade de muitas plantas industriais, o que criou um contingente de
reserva de pessoas aptas para este tipo de trabalho.
Quando há necessidade de treinamento mais específico da mão-de-obra, como sistemas da
qualidade entre outros, muitas empresas se utilizam de profissionais externos. É o caso de empresas
do Nordeste, que se utilizam de profissionais formados pelo SENAR trazidos do Rio Grande do
Sul. Quando da necessidade de profissionais mais especializados, estes são contratados com a
qualificação prévia, no geral a partir de cursos profissionalizantes e técnicos específicos para
processamento de carnes, entre outros.
Problemas como a alta rotatividade, encontrada na maioria das regiões, não acontece na
região Norte , devido ao problema generalizado de desemprego , que leva à uma menor rotatividade
da mão-de-obra.
Apesar do baixo absenteísmo que hoje está associado ao receio da perda do emprego, uma
empresa adota um sistema de premiação para desestimulá-lo.
A preocupação com o conforto no ambiente de trabalho é secundária, e poucas empresas
estão adotando alguma medida para proporcioná-lo. Com raras exceções, verificou-se um ambiente
de trabalho congestionado/apertado. Entretanto, alguns poucos frigoríficos visitados investem bastante
nesse aspecto, com programas sofisticados de melhoria de qualidade de vida no trabalho por meio
de musicoterapia, ginástica, adequação de aparelhos e equipamentos para evitar LER e acidentes
no trabalho. As empresas que adotaram tais medidas estão satisfeitas com os resultados sobre a
produtividade e qualidade.
Como é de se esperar, as empresas que operam no subsistema menos tecnificado não têm
conhecimento e/ou condições de atuar na qualificação e oferecimento de condições confortáveis de
trabalho de seus operários. Essa situação impede que atuem de maneira mais eficiente.
4.4.6.5. Planejamento Estratégico
O planejamento estratégico é realizado principalmente pelas grandes empresas de abate e
processamento, ou apenas de processamento, que necessitam planejar compra de matéria-prima e
produção conjugada com as demandas de mercado, e em função das campanhas de marketing
da empresa. A maioria das empresas, que adotam o planejamento estratégico muitas vezes não o

180 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
possuem formalmente, de forma estruturada com prazos e metas a serem atingidas. Entretanto, das
empresas entrevistadas, apenas em poucas se percebeu existir de fato algum planejamento futuro,
especialmente naquelas especializadas no abate de animais. Algumas citam fazer acompanhamento
periódico da situação, o que de fato não caracteriza um planejamento estratégico de longo prazo
para conquista e manutenção de mercado.
O planejamento estratégico é inexistente nas pequenas empresas.
Entre as várias estratégias gerenciais adotadas no setor, a quase totalidade é voltada para o
mercado, baseando-se em:
Conjugação e manutenção dos mercados interno e externo, como forma de fazer frente às
oscilações freqüentes em cada um deles.
Consolidar posição no mercado a partir de produtos de segunda linha, evitando a
concorrência das grandes processadoras de produtos derivados.
Investir no fortalecimento dos pontos de venda, mediante treinamento de açougueiros,
como forma de incentiva a manutenção do atendimento personalizado.
Informatização dos procedimentos e práticas administrativas, e de processamento.
Manutenção de diferentes plantas de abate, como forma de garantir a oferta de animais
para abate e, especialmente, para o processamento.
Aumento da gama de produtos ofertados, a partir de investimentos em pesquisa e
desenvolvimento, e, principalmente, aquisição de tecnologia.
Porém, há dificuldades na realização do planejamento agregado, principalmente em função
da disponibilidade da oferta de matéria-prima, não controlada pelas empresas, que dificulta a
realização de planejamento futuro pelas empresas do setor.
4.4.6.5.1. Marketing
O planejamento de marketing no setor, a julgar-se pelas opiniões colhidas nos trabalhos de
campo, é muito deficiente. O marketing, quando realizado, o é de forma desarticulada e incipiente.
Em geral, observou-se que as empresas frigoríficas investem pouco em marketing. Os investimentos
realizados se baseiam no design de embalagens, utilização de promotores de vendas nas grandes
redes varejistas, propaganda nas comunidades de atuação da empresa, em rádios locais, e ocasional
divulgação de sua marca em pontos de varejo próprios. Entretanto, são poucas, geralmente as
maiores, as empresas que atuam nesta linha. É inexpressiva a utilização de linhas de atendimento ao
consumidor, o que diminui a eficiência do feedback do mercado, que depende dos promotores de
vendas. Poucas empresas se preocupam em pesquisar, e atender aos anseios do consumidor por
novos produtos demandados pelo mercado, associando-os ao seu nome.
As entrevistas mostraram algumas declarações sobre a falta de necessidade de se promover
a imagem do produto que comercializam, chegando-se a afirmar que a carne bovina, por si só, tem
apelo de consumo pelo seu sabor diferenciado. Entretanto, essa afirmação parece não levar em

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 181
consideração o avanço, em função de uma maior verticalização, das outras carnes ofertadas ao
consumidor. Estas outras carnes, por outro lado, têm buscado vender uma imagem de maior eficiência
e, principalmente, valor nutricional.
Uma única exceção verificada neste sentido, foi de um matadouro frigorífico que, preocupado
com a perda de espaço no mercado para a carne clandestina, veicula em seu mercado de atuação
matéria ressaltando os perigos da carne clandestina.
Verifica-se a necessidade de uma atuação mais agressiva do setor da carne bovina,
provavelmente por meio de suas entidades de representação, ressaltando as suas qualidades
nutricionais e rebatendo os argumentos em contrário. De outro modo, o setor corre o risco de,
senão perder parcela do seu mercado, perder a possibilidade de expandi-lo em favor de outras
carnes.
Nas empresas do subsistema B o marketing é apenas um esforço de colocação de produtos
no mercado; geralmente realizado apenas pelas empresas que elaboram produtos derivados da
carne, como charque, carne de sol, salames, lingüiças, etc. Essas empresas não têm recursos para
executar um programa de marketing mais agressivo, mesmo porque não dispõem de escala de
produção para atender a mercados mais amplos.
4.4.6.5.2. Pesquisa e Desenvolvimento
Apenas algumas empresas de maior porte do subsistema mais tecnificado do setor de carnes
brasileiro realizam P&D interno. De fato, são poucas as empresas que adotam a prática como
elemento de planejamento estratégico. Dependem essencialmente do desenvolvimento realizado
pelas empresas de insumos e equipamentos. Embora hajam exceções, este fato não possibilita a
existência de diferencial entre as empresas na oferta de produtos.
Esta falta de uma maior preocupação com a pesquisa e desenvolvimento é um fator negativo
de competitividade para a cadeia brasileira de carne bovina, que a torna dependente de tecnologias
originárias de outras realidades, e nem sempre totalmente adaptáveis à condição brasileira.
4.4.6.5.3. Assistência a Produtores
As formas de assistência aos produtores não podem ser considerados como elementos de
um esforço de planejamento estratégico, em função de sua inexpressão, mesmo nas empresas que
compõem o subsistema A. Instâncias de concessão de assistência foram observadas apenas em
algumas empresas que integram programas de novilho precoce. Mesmo nestes casos, ocorre em
nível informativo, mediante distribuição de informativo mensal aos produtores, trazendo tendências
do setor e índices de eficiência (peso de abate, idade de abate, rendimento de carcaça etc.).
Essa falta de assistência e interação mais profunda com os pecuaristas advém da desconfiança
tradicional entre o setor de industrialização e de produção animal, e é, sem dúvida, um fator que
diminui a competitividade da carne bovina brasileira, já que não induz maiores e mais rápidos
avanços na produção de matéria-prima.

182 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.4.7. Ambiente Institucional
4.4.7.1. Crédito
Os desembolsos do BNDES nos dão uma noção dos investimentos praticados no setor de
carne bovina nesta década. Os principais investimentos envolvem a aquisição de unidades industriais,
diversificação de atividades (sabão, couro, e outros derivados) e modernização de unidades existentes.
Não ocorreram financiamentos para construção de novas unidades (Faveret Filho e De Paula,
1997).
Os desembolsos do BNDES, no período de 1990 ao primeiro semestre de 1997, totalizaram
cerca de R$ 370 milhões (Faveret Filho e De Paula, 1997). Se considerarmos um índice, normalmente
adotado em projetos desse tipo, de 20% como investimento próprios, temos mais de R$ 74 milhões
aplicados, dando um total de cerca de R$ 444 milhões investidos no setor bovino nesse período.
Os principais agentes bancários atuando no setor, citados nas entrevistas, são o BNDES,
Banco do Brasil, Banco do Nordeste, e poucos, devido aos riscos percebidos, bancos privados,
como o BRADESCO. Muitas das empresas recentemente instaladas no país receberam financiamento
com juros subsidiados por meio de agências e programas do governo. Nas entrevistas foram citadas,
como exemplo, a SUDAM no Mato Grosso, e a SUDENE no Rio Grande do Norte.
Em função disto, o tipo de crédito que é mais utilizado no setor é para investimento. Entretanto,
há reclamações da burocracia e exigências demasiadas para a realização/liberação desses créditos,
tomando muito tempo na aprovação do pedido, o que restringe o acesso.
À exceção de uma grande empresa, todas as demais pesquisadas apontaram a necessidade
de crédito para capital de giro, que é escasso e de difícil acesso, além de ser oferecido com taxas
elevadas. A empresa que é exceção a esta regra diz ter facilidade de crédito por ter uma boa
performance financeira, tomando emprestado o que tem aplicado no mercado, o que lhe dá acesso
fácil ao sistema bancário.
Em geral, atualmente as empresas, segundo levantamento de campo, têm realizado
investimentos pontuais com recursos próprios, havendo aquelas que se utilizam de créditos do
BNDES e de fontes internacionais.
As empresas do subsistema B, em geral, têm ainda menores condições de acesso ao crédito,
mesmo para investimento, o que é talvez o maior fator de competição desfavorável a que estão
sujeitas, podendo até mesmo estar impedindo a sua inserção no mercado legal. Quando o encontram,
especialmente no caso das pequenas unidades de processamento, suas condições são ainda mais
desfavoráveis que aquelas encontradas para as empresas legalmente estabelecidas e que compõem
o subsistema A.
4.4.7.2. Endividamento
Para as empresas legalmente estabelecidas, que compõem o subsistema A (mais tecnificado)
do setor de carnes brasileiro, o grau de endividamento é relativamente elevado, e muito variável,
indo desde empresas que declaram ausência de dívidas até empresas em sérias dificuldades

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 183
financeiras. Foram declarados níveis de endividamento variando entre zero e 30%, mas estes
índices devem ser avaliados com cautela, já que, compreensivelmente, este é um tipo de informação
que poucas empresas estão dispostas a tornar pública.
Com efeito, as entrevistas mostram uma situação de relativa baixa inadimplência e
endividamento, o que não é compatível com o quadro informado na literatura consultada e nas
percepções do segmento de produção (pecuaristas).
Segundo a avaliação de um dos entrevistados de um grande frigorífico, a baixa eficiência
gerencial das empresas do setor, já discutido, é responsável pelo grau de endividamento do setor.
Uma grande empresa teve, recentemente, sua liquidação decretada, estando em fase de alteração
do seu controle. Neste caso, a dívida, com o BNDES, foi avaliada por um de seus dirigentes em
400% do patrimônio da empresa. Nas entrevistas, soube-se que uma outra grande empresa do
setor estaria altamente endividada, com sérios problemas financeiros. Entretanto, declaração de um
dirigente desta empresa nega esses comentários e mostra uma situação confortável de seu nível de
endividamento. De fato, a empresa tem reputação de ser uma das maiores e mais confiáveis do
setor, especialmente entre os produtores. Um outro exemplo, entretanto, pôde ser verificado com
um frigorífico visitado, que se declarou bem financeiramente, e, no dia seguinte, estava à venda por
problemas nessa área.
Já nas empresas de menor porte, o problema de endividamento foi evidenciado pelo fato de
que duas, em três visitadas, também mudaram o seu controle nos últimos 3-5 anos, e todas trabalham,
essencialmente, com a prestação de serviços para terceiros.
Os fatores apontados para explicar o elevado endividamento do setor incluem o aumento
das taxas de juros, a elevada carga tributária, o acirramento da concorrência, a inadimplência dos
açougues, o elevado poder de barganha das redes de supermercados, e as baixas margens praticadas
no setor, estimadas em apenas 2% por um dos entrevistados.
No subsistema B, o endividamento é baixo, uma vez que as empresas clandestinas não
investem em sua tecnificação e para o atendimento das exigências legais de abate, enquanto os
matadouros municipais não apresentam investimento de capital próprio, já que o investimento inicial
é realizado com recurso público, e o seu gerenciamento político não permite que acumule recursos
para investimentos em modernizações (Mucciolo, 1985).
Se por um lado o baixo endividamento é um fator que indica a falta de modernização das
empresas do sistema B, por outro lado serve-lhes de vantagem comparativa na concorrência com
as empresas do sistema A, que se endividaram na busca de condições mais eficientes de operação.
4.4.7.3. Legislação e Portarias
A legislação que rege o funcionamento de indústrias do setor de carnes no Brasil, associada
às Portarias 304 e 145, são um fator de competitividade positiva para o setor. Desde que suas
implantações e cumprimento sejam de fato fiscalizadas com rigor, tendem a inibir o fator de
competitividade negativa exercido pelas empresas menos tecnificadas do subsistema B, favorecendo
a competitividade das empresas mais tecnificadas do subsistema A. Caso contrário, operará no

184 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
sentido inverso, já que todos os esforços e investimentos realizados pelas empresas mais tecnificadas
se transformarão em dívidas que não trarão retornos com a ampliação de mercado e fortalecimento
do setor perante a opinião pública nacional e externa.
Acredita-se que a tendência de modernização no setor forçará a aceitação das Portarias 304
e 145 nas empresas legalmente estabelecidas no País. Em Poços de Caldas, a forte divulgação dos
matadouros sobre os danos que a carne clandestina poderia causar, fez com que a população
persuadisse os açougues a aceitarem as mudanças .
Em Minas Gerais, segundo o IMA, os frigoríficos sob sua inspeção são de menor porte e
atrasados tecnologicamente, sendo que poucos destes possuem salas de desossa, embora muitos
estejam interessados na sua implantação. Porém, são reduzidas as práticas no sentido de adaptação
às Portarias 304 e 145. No entanto, devem ocorrer dificuldades na execução da Portaria 145, em
função da resistência dos açougueiros em adquirir a carne desossada. Os açougues aceitam a 304,
mas têm pretensões de realizar desossa própria. Para o IMA, uma boa solução seria a associação
dos açougueiros para a montagem de centrais de desossa dos açougues. Entretanto, em Belo
Horizonte, já ocorreu uma mudança no recebimento de carnes no varejo. Alguns estão recebendo
carnes desossadas e embaladas a vácuo (MINEIRÃO, EPA, EXTRA). Muitos açougues,
principalmente os grandes (SALERMO, PERRELA, PLENA) também recebem a carne já
desossada, porém oriunda dos matadouros de suas propriedades. As portarias estão sendo
cumpridas em número reduzido de municípios em Minas Gerais. No entanto, o quadro das Portarias
304 e 145 mostra que Poços de Caldas, Belo Horizonte e Uberlândia, já estão adaptados à 304,
e Uberaba está se preparando para tal. Segundo o IMA, apenas Poços de Caldas está enquadrada
na portaria 145. Entretanto, informações posteriores, de um frigorífico local, dão conta de que a
adoção da 145 na cidade está suspensa. O município de Teófilo Otoni, mesmo não atendendo à
304, também tem condições de se adequar, o que ocorre a partir da proibição de comercialização
de carne clandestina, permitindo uma evolução dos abates de um matadouro de Carlos Chagas.
Em Belo Horizonte, a Portaria 145 não entrou em vigor até o momento devido a fatores políticos,
em função de pressão dos açougueiros, que declaram que se esta for atendida mais de 1000
estabelecimentos devem fechar, com reconhecidas conseqüências sociais.
Na Bahia, segundo informação repassada pelo SIF local ao de MG, dos 415 municípios,
112 foram vistoriados para a 304, e 19 já a implantaram. Um já implantou a 145. Em Salvador,
90% dos estabelecimentos já se enquadram na 304, o que se deve à linha de crédito aberta pelo
Banco do Nordeste – PROFAT, que tem um prazo de pagamento de 4 a 6 anos, com um a dois
anos de carência, e juros de 1,5% ao mês.
Para os grandes frigoríficos exportadores, a implantação das portarias não causou nenhum
tipo de modificação nas práticas anteriormente adotadas.
Para os frigoríficos de maior porte, as portarias serviram como estímulo para investimentos e
melhoria da qualidade da carne, além de permitir a busca de novos mercados e a melhor conservação
do produto no varejo, melhorando os aspectos de apresentação ao consumidor. Dessa forma,
possibilitaram, inclusive, a divulgação da imagem e marca do frigorífico junto aos consumidores.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 185
Um outro aspecto favorável dessas portarias, vislumbrado pelas empresas de maior porte, foi um
aumentos dos abates realizados pelos frigoríficos regionais legalmente implantados, o que contribuiu
de alguma maneira para a redução do abate clandestino, muito embora, por si só, não seja capaz de
coibir completamente a sua realização.
Para os frigoríficos que apenas atuam no comércio nacional, essas portarias trouxeram a
necessidade de investimentos, e existe uma tendência, por parte das médias empresas, em atendê-
las, especialmente quando forem de fato obrigatórias nos principais mercados de consumo. Alguns
tiveram que fazer ajustes no seu mix de produção, buscando novos produtos para atender novos
mercado; outros tiveram que alterar a logística de produção, só realizando desossa, processamento
e redistribuição. Um terceiro grupo optou por atuar na distribuição, criando franquias e há ainda os
que passaram a fazer marketing de suas marcas em sacolas, embalagens, etc.
Para as empresas menores, essas portarias só vêm a onerar os custos dos produtos, exigindo
investimentos ainda proibitivos para seu atendimento, principalmente face à inexistência de crédito
a custo razoável.
Há argumentações de que portarias foram “encomendadas” pelos grandes frigoríficos, e que
não se levou em consideração o gosto e a tradição de consumo de consumidores regionais que
preferem carne quente, com osso, etc. O presidente de um frigorífico do Estado da Bahia declarou
que para implantação da desossa nos frigoríficos dever-se-ia considerar também o gosto do
consumidor que prefere muitas vezes levar a carne com osso para casa. Segundo ele, outra ação
que seria necessária é a modernização dos pontos de venda, o que poderia ser conseguido por
meio de uma incubadora agroindustrial, criada em parceria com açougues e casas de carne, para
difundir formas de cortes e ferramentas de gestão.
No Centro-Oeste, os pequenos e médios frigoríficos, principalmente aqueles situados longe
dos grandes centros ou nas periferias declaram não terem como se adaptar às portarias no curto
prazo. Entretanto, há uma consciência de que terão de fazê-lo eventualmente.
Uma percepção detectada é a dos que acreditam que a implantação, especialmente a da
Portaria 145, acabará não se efetivando ou será retardada. Estes agentes apontam dificuldades de
acesso a capital de investimento e dificuldades, no caso do Nordeste, de comercialização de animais
como entraves à sua implementação. No Norte e Nordeste, teme-se a concorrência de carnes
provenientes das outras regiões do País, como conseqüência dessas portarias, chegando-se mesmo
a se citar a necessidade de adoção de medidas protecionistas locais para fazer-lhe frente. Segundo
se evidenciou, o atendimento desta nova legislação nestas regiões só se daria pela importação de
carnes de outros estados da União.
Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, acredita-se que, em geral, a rejeição inicial dos
frigoríficos às portarias já tenha sido superada. Mas alguns daqueles que já se encontravam
adequados, ou que tiveram de investir para se adequar às novas portarias, se queixam de que
poucas redes de varejo e supermercados as atendem. Queixam-se também da falta de rigor na
aplicação das portarias. Na região Norte houve declarações de que a adaptação à Portaria 304 já
está em curso, e que a mesma permitirá a redução dos custos de transporte e um maior acesso ao

186 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
mercado institucional. Quanto à Portaria 145, crêem que o mercado não irá exigir, o que dificultará
a sua implementação.
Uma preocupação apontada por quase todos os entrevistados é o efeito que essas portarias
terão no setor de varejo. Teme-se a quase completa extinção de açougues, o que diminuiria o leque
de mercado, e colocaria os frigoríficos ainda mais dependentes das grandes redes de supermercado,
que têm pressionado ainda mais as já reduzidas margens do setor de abate.
Em São José do Rio Preto – SP, encontra-se um exemplo de como essa preocupação vem
sendo tratada. As portarias geraram investimentos em nível dos açougues, para sua adequação à
desossa, e está criando-se o Serviço de Inspeção Municipal para permitir uma fiscalização de
açougues adaptados a realizarem sua própria desossa. Tal iniciativa visou dar aos açougues a liberdade
de receberem uma carne de qualidade compatível à exigida pelo mercado local, ao mesmo tempo
em que se obedece à 145. Neste caso, houve também uma preocupação social com a manutenção
dos empregos oferecidos por este elo da cadeia de distribuição de carnes.
Como se vê, há necessidade de se investir no cumprimento da legislação, mesmo nas empresas
legalmente estabelecidas para que de fato se torne um fator de competitividade positiva. Porém, há
de se prever condições que permitam o seu atendimento, por meio de concessão de linhas de
crédito. Mas, mais importante que isto é a decisão política de tornar a legislação uma obrigação
nacional, fiscalizando-se a comercialização em todo o território nacional. Caso contrário, conforme
já mencionado, as empresas que se comprometeram com seu cumprimento se encontrarão em
sérias dificuldades de concorrer no mercado, face ao endividamento realizado para se conformarem
à legislação.
4.4.7.4. Inspeção
O sistema de vigilância sanitária no País tem tido sua importância diminuída ao longo dos
anos. Em 1975, 73,9% dos bovinos abatidos recebiam o carimbo do SIF (RNC, 1996a). Hoje,
esse índice não ultrapassa 50%. Na década de 70 a FAO, órgão das Nações Unidas, considerava
o SIF exemplar (RNC, 1996a). Acredita-se que a origem dos problemas de desestruturação da
inspeção no País está vinculada à Lei de Federalização (Lei 5760, de dezembro de 1971), que
jamais chegou a ser implantada.
Para um melhor entendimento da questão, é necessário uma apresentação sucinta das
mudanças de responsabilidades de fiscalização, a partir da legislação brasileira. Originalmente, a
legislação atribuía à União a responsabilidade da inspeção para os estabelecimentos que
comercializam produtos interestadualmente e internacionalmente, e aos estados, para estabelecimentos
com comércio municipal e intermunicipal. Em 1971, a União instituiu nova legislação na tentativa de
federalizar a totalidade do sistema de inspeção, assumindo a responsabilidade de fiscalizar os
estabelecimentos anteriormente inspecionados pelos estados, territórios e Distrito Federal. Neste
momento, muitos estados que possuíam os serviços de inspeção organizados, tiveram os mesmos
desativados, e a União não teve condições de absorver esta nova demanda. No Rio Grande do
Sul, onde se iniciou a tentativa de federalização, foram fechadas inúmeras plantas que passaram à
clandestinidade. Nas outras unidades da Federação, a iniciativa da federalização não se concretizou,

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 187
obrigando alguns estados a editarem novas leis sobre o assunto. Apenas após 5 anos é que o
controle sobre os estabelecimentos com comercialização municipal e intermunicipal retornou ao
âmbito dos estados e territórios que o requisitaram. Em 1989, retorna de fato e por imposição de
uma nova legislação, a responsabilidade dos estados e municípios sobre a inspeção dos
estabelecimentos que possuem comércio intermunicipal e municipal.
Portanto, quando da instituição do Decreto 7.889, de 1989, o qual descentralizou a inspeção
sanitária, os órgãos estaduais encontravam desestruturados, refletindo em um descontrole da inspeção
nos dias de hoje. Com esse decreto, o SIF fiscaliza as carnes para exportação e para comércio
interestadual, enquanto o restante deveria ser fiscalizado por órgãos estaduais e municipais. Como
já visto no Capítulo 4.1, os órgãos estaduais encontram-se em um quadro de dificuldades, tendo
um número limitado de inspetores e recursos escassos para aplicação em re-qualificação de pessoas
e em análises necessárias para permitir um controle eficiente. O resultado é a obtenção de carne
para exportação de boa qualidade, enquanto a carne consumida internamente é de qualidade, no
mínimo, duvidosa. Neste sentido, a RNC (1996a), reproduzindo reportagem veiculada em 31 de
março de 1996 pela Folha de São Paulo, cita que, na região de Fernandópolis–SP, 36% das
tomografias realizadas na Santa Casa daquela cidade forneceram resultados positivos para
cisticercose.
As dificuldades são maiores em nível da inspeção municipal, que praticamente inexiste no
País. Segundo a Secretaria Estadual de Agricultura de São Paulo, perto de 430 matadouros funcionam
com inspeção municipal em São Paulo, sendo que 93% destes não têm condições higiênico-sanitárias
para funcionar, 5% teriam após uma reforma e apenas 2% têm condições de receber a inspeção do
Estado. Esses matadouros, mesmo tendo registro em instituições públicas, não recebem uma
fiscalização eficiente por parte dos municípios, situação que tem colocado em risco a saúde do
consumidor.
Com respeito à criação de agências estaduais de fiscalização do setor há manifestações
favoráveis e contrárias entre os empresários do setor. Aqueles que são favoráveis à idéia acreditam
que isso não trará conseqüências maiores para a qualidade percebida da carne, e dizem que este
sistema já é adotado em outros países sem prejuízos. Acreditam que a qualidade dos produtos
deva ser responsabilidade da empresa, que deverá mantê-la para se manter no mercado, e que os
veterinários responsáveis pela inspeção cuidarão de sua reputação. Os que são contra, acreditam
que isso ampliará os problemas já gerados com a divisão de competências da Lei 7.889, em que,
conforme já se expôs, a fiscalização municipal é totalmente inexistente e a estadual é, no mínimo,
questionável. De qualquer forma, foram unânimes em afirmar sua preocupação com o gerenciamento
político dessas agências.
O serviço de inspeção constitui um fator de competitividade para o setor de abate e
processamento de carnes do País por assegurar a qualidade e a imagem do produto nos diversos
mercados. Neste sentido, as empresas que compõem o subsistema mais tecnificado (A) dispõem
de uma vantagem comparativa em relação àquelas do subsistema B, que não possuem fiscalização
na qual ela é, conforme já mencionado, totalmente ineficiente. Uma das razões desta diferença de

188 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
competitividade está no fato de que, segundo o Decreto 7.889, os seus mercados são mais amplos
e dependentes do tipo de fiscalização que as rege. Assim, as empresas que possuem inspeção
municipal e estadual só podem comercializar seus produtos nos limites do município e do estado,
respectivamente, enquanto aquelas que possuem inspeção federal pode comercializar seus produtos
em todo território nacional e no mercado externo.
Entretanto, a falta de rigor na fiscalização da comercialização de carnes e derivados pode
favorecer a competitividade das empresas menos tecnificadas em relação àquelas mais tecnificadas,
já que, ao contrário destas, não dispendem esforços e recursos na execução desta importante
operação industrial.
Vale aqui ressaltar a afirmação de Judge et alli (1989) de que, ao final do século XIX, a falta
de escrúpulos de algumas empresas do setor de carnes americano, que operavam em condições
impróprias, gerou uma imagem negativa da carne bovina naquele país, afetando o seu mercado.
Esta situação está ocorrendo no Brasil, e segundo vários autores (RNC, 1996a) deveu-se à
implantação, segundo eles equivocada, do Decreto 7.889. Também pode ser uma das razões para
a quase equivalência atual entre o consumo de carne de aves e bovina (quase que 1:1). Medidas
precisam ser tomadas para se evitar que esta situação venha a afetar a imagem externa da carne
brasileira, diminuindo a competitividade do setor como um todo.
4.4.7.5. Tributação
Na visão do setor, o modelo de tributação é antigo, ineficiente, complicado e onera muita a
produção, criando problemas de competitividade e sobrevivência. O sistema atual de tributação, é
inclusive apontado como um fator que favorece a existência de matadouros clandestinos, e uma
grande sonegação fiscal no setor, criando competição desleal. É um dos principais, e poucos,
fatores de competitividade para as empresas que operam no subsistema B.
Na opinião de alguns frigoríficos, o ICMS não é o maior problema, e sim o conjunto de
impostos, como o PIS, o FUNRURAL, o CONFINS etc., que somam uma carga tributária de
cerca de 25% ao longo da cadeia.
Alguns entrevistados sugerem que as questões tributárias poderiam ser minimizadas, por
políticas diversas, como a inclusão da carne bovina na cesta básica, e redução da carga fiscal.
Um outro ponto abordado é a guerra fiscal, havendo propostas/solicitações de uniformização
dos impostos para o setor no País. Porém, reconhece-se que alguns Estados, como MS, GO e RS
não poderiam abrir mão do ICMS do boi, pelo que isto não é uma questão muito fácil de ser
resolvida, já que a reelevação deste tributo nos demais estados atuaria no sentido inverso das
necessidades atuais. Contudo, há manifestações de que uma redução fiscal, desde que acompanhada
por uma fiscalização de arrecadação mais eficiente, levaria a uma maior arrecadação em todos os
estados da Federação. Segundo declarou um membro de um governo estadual, a recente redução
do ICMS gerou um significativo aumento da arrecadação no seu estado.
A reforma tributária, na visão do setor, deveria ter urgência em ser aprovada. Alguns a
reputam essencial e inevitável. Mas segundo uma das declarações, a redução do número e carga

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 189
dos impostos deveria vir associada a uma maior rigidez sobre a sonegação. Em geral, acredita-se
que o governo deveria estar preocupado em ter uma política voltada para a geração de empregos,
a partir de mudança das políticas trabalhistas, reduzindo a sua participação na economia de forma
a pressionar menos a arrecadação.
Segundo um dos entrevistados, a sonegação é admitida como fundamental para a
sobrevivência dos frigoríficos. Segundo se ouviu em uma entrevista, “...as empresas fazem de conta
que pagam, o governo faz de conta que recebe, e fica tudo por isso mesmo”. Um dirigente do setor
citou que, de uma forma quase generalizada, os frigoríficos constituem uma firma oficial para fins
fiscais, e mantém um nome permanente para uso externo os “frigoríficos laranja”. Geralmente, uma
vez por ano, dá-se baixa no nome não-oficial e cria-se outro nome de fantasia como forma de se
livrar de débitos fiscais e de dívida com produtores.
A redução de ICMS realizada em alguns estados, tirou a vantagem do Programa de Novilho
Precoce, que só se mantém devido à percepção dos pecuaristas, que se associaram ao Programa
antes desta redução de ICMS, das vantagens de produção destes animais. Contudo, a redução do
imposto para este Programa ainda é de algum destaque nos estados que não realizaram a redução
de ICMS sobre a comercialização de bovinos. Embora isso ainda seja pouco diante da sonegação
e do abate clandestino, medidas como essa mostram a visão de que toda a cadeia deve ser mudada
para aumentar sua eficiência. A implantação do sistema de NP afeta desde a produção pecuária até
o varejo, em que deve chegar produto de melhor qualidade.
4.4.7.6. Abate Clandestino
Segundo a visão dos frigoríficos, o eficiente combate às carnes clandestinas depende ainda
de uma redução na carga fiscal, que tirará a vantagem competitiva dos clandestinos, bem como de
uma atuação mais eficiente e séria dos órgãos de vigilância sanitária, associados à promotoria
pública. Chamam a atenção de que os clandestinos continuam a agir, principalmente junto a pequenos
estabelecimentos de pequenas cidades e na periferia dos grandes centros urbanos.
‘O abate clandestino é muito alto, estando presente até mesmo nas grandes cidades.
Entretanto, existem exemplos isolados de sua redução, algumas consideráveis, em função de
alterações na legislação fiscal, iniciativas próprias para manutenção de mercado, e atuação eficiente
de um sistema de fiscalização sanitária da comercialização de carnes. Em Uberlândia – MG, o
quadro de comercialização de carnes mudou, segundo um dos frigoríficos entrevistados, de 10-
20% inspecionada para 90% inspecionada na carne consumida na cidade. Isso ocorreu devido à
atuação da inspeção e da promotoria pública com apoio da PM e Polícia Civil, em um prazo de
cinco anos. A falta de recursos para inspeção (combustível etc.), no entanto, tende a reverter este
quadro. Em Poços de Caldas, o frigorífico local, conforme já mencionado, promoveu campanha
alertando para os males da carne clandestina em jornais, panfletos, lista telefônica, etc., e reverteu
este quadro de clandestinidade no seu mercado de atuação. No Estado de São Paulo, a queda nos
tributos para os frigoríficos, fez com que ocorresse uma redução nos abates clandestinos. Segundo
declarado, isto é observado na redução dos ossos coletados nos municípios junto aos açougueiros.
No Rio Grande do Norte, um convênio entre o ministério público e a Secretaria de Agricultura tem

190 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
permitido um maior controle sobre as condições dos matadouros municipais e o abate clandestino.
A grosso modo, a Secretaria faz o laudo e o ministério público obriga o município a adotar as
medidas necessárias ou fecha o estabelecimento. Vários matadouros municipais foram fechados
dessa forma.
Há declarações no sentido de que a implantação das Portarias 304 e 145 deve combater
esta prática, mas cita-se a sua associação com as questões tributárias para consolidar o combate à
carne clandestina.
A importância do abate clandestino para a competitividade da cadeia brasileira, em especial
para as empresas legalmente implantadas e que operam com adequado grau tecnológico pode ser
vislumbrada pelo fato de que todas as estimativas divulgadas no País o situam entre 50 e 60% do
total de abates no País.
4.4.7.7. Entidades de Representação
As empresas mais tecnificadas (subsistema A) se fazem representar pelas seguintes entidades
em nível nacional:
Associação Brasileira da Indústria Frigorífica – ABIF
Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne – ABIEC
Associação Brasileira da Indústria de Armazenagem Frigorificada – ABIAF
Sindicatos Estaduais da Indústria de Carnes e Derivados
As empresas não manifestaram seu grau de satisfação com suas representantes no setor.
4.4.8. Relações de Mercado
4.4.8.1. Comercialização e Rastreabilidade
Parcerias recentes entre os frigoríficos e supermercados estão possibilitando ao consumidor
encontrar carne de qualidade e uniformidade do produto. Numa dessas associações, o Carrefour, por
intermédio do frigorífico Goiás Carne, está selecionando pecuaristas e estabelecendo contratos de
fornecimento de quantidades fixas de animais de abate. Pelo contrato, figurarão nas prateleiras, além
do nome do Carrefour e do Goiás Carne, fotografias das fazendas fornecedoras do produto e todos
os dados na embalagem. Parcerias semelhantes são estabelecidas entre o frigorífico Friboi e empresas
como os Supermercados Bom Preço, Pão de Açúcar etc. No entanto, para os supermercados de
menor porte, que atendem a um público menos sofisticado, não existe uma preocupação tão efetiva ou
concreta com relação à qualidade da carne. O que interessa para eles ainda é qualidade razoável, a
baixo preço, não importando se o boi é precoce, e tampouco de onde vem.
É comum a participação de frigoríficos no mercado varejista de carnes, seja de forma direta
ou pela terceirização por meio de franquias. Isso lhes possibilita planejar parte da sua produção
industrial diária.
No Nordeste, apenas um frigorífico, dos 7 inspecionados, na Bahia está engajado em uma
aliança mercadológica para a comercialização de novilho precoce. A maioria das grandes redes de

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 191
supermercados não está interessada em constituir parcerias, e sim em explorar ao máximo os
frigoríficos em termos de preço, exigindo inclusive auxílio na abertura de lojas. Como o poder de
barganha das grandes redes é muito grande, em muitos casos os frigoríficos saem prejudicados na
negociação. Alguns supermercados só comunicam aos frigoríficos se vão comprar, e quando, numa
data muito próxima à entrega. Esta prática inviabiliza qualquer planejamento por parte dos frigoríficos.
Apenas uma grande rede nordestina mostrou-se disposta a receber cortes individualizados e sem
osso e a pagar por isso.
Uma das grandes novidades na comercialização está relacionada à venda de cortes de carne
em bandejas. Mais recentemente, vêm sendo adotadas embalagens com atmosfera modificada, e,
desde 1997, dois frigoríficos da grande São Paulo já utilizam este sistema (Raf., 1999), com o
aumento do prazo de validade para o consumo.
A entrega de carnes embaladas a vácuo, tanto para consumo direto, como para serem
fracionadas é uma tendência que tende a firmar-se no mercado nacional, como pode-se observar
na tabela abaixo.
Tabela 4.4.11.
Evolução das vendas de carne a vácuo

Ano Boxed beef1 Consumer Unit2


1987 16.200 2.250
1988 19.160 4.970
1989 35.040 4.850
1990 38.000 3.100
1991 49.200 3.130
1992 81.500 8.500
1993 75.000 7.350
1994 93.000 8.690
1995 119.100 28.000
1996 264.000 40.240
1997 477.030 40.642
1 - cortes à a serem fracionados no varejo
2 - cortes prontos para o consumidor
Fonte: FARONI (1998), LAZARINI et alli (1995)

Segundo um dos diretores da GRACE & CRYOVAC, uma das principais fornecedoras de
filme plástico para o embalamento, em entrevista à Faroni (1998), a taxa de crescimento esperada
para o ano de 1999, deve-se manter em aproximadamente 10% para embalagens para carnes.
4.4.8.1.1. Rastreabilidade
Outra grande mudança desta década está relacionada à adoção de sistemas de rastreabilidade,
com informações sobre o tipo do corte, a validade, o sexo e idade do animal, a data do abate, e a

192 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
temperatura de conservação. Essas mudanças acontecem em função das Portarias 304 e 145, e de
exigências internacionais para exportação de produtos à Comunidade Européia, principal mercado
exportador brasileiro.
Os frigoríficos, de modo geral, não têm uma preocupação sistematizada com relação à
rastreabilidade, com exceção de alguns mais voltadas para a exportação, por exigência dos
importadores. Para estes, como se poderá verificar a seguir, a utilização da rastreabilidade é uma
realidade a partir de importantes empresas instaladas em alguns centros produtores, principalmente
nos Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo e da região Centro-Oeste. Entretanto, há exceções
visando o mercado interno. Entre esses, há, entre os que fazem a desossa, crescente preocupação
em passar a incluir nos rótulos as informações sobre a origem e condição de produção do produto.
A rastreabilidade do produto atualmente já faz parte da preocupação de alguns dos frigoríficos
entrevistados, motivada pelo interesse dos clientes. Já há a decisão desses de colocarem em todas
as embalagens etiqueta contendo origem do lote, peso do animal, sexo e idade. No entanto, o
consumidor ainda não está interessado em rastreabilidade. Em geral, o consumidor ainda não exige
informações sobre a carne e caso sejam fornecidas informações, estas têm de ser oferecidas sem
custos adicionais.
A sofisticação do consumo de carne no Rio Grande do Sul, aliada a momentos de organização
da cadeia no passado conferiu ao Estado a vanguarda em práticas de segmentação de mercado,
carnes selecionadas e rastreabilidade, que atualmente estão presentes também em outras áreas do
País. Há mais de 20 anos, um frigorífico da região segmentava o mercado de carne, ofertando kits
diferentes conforme o perfil do consumo (churrasco, familiar, individuais). Houve também, nessa
época, pagamentos diferenciados conforme o tipo de boi abatido, o que transferia parte dos incentivos
para a produção de qualidade para os pecuaristas. Segundo uma das entrevistas, este frigorífico
chegou a apresentar 200 tipos de preços, variando conforme sexo, idade, conformação e acabamento
de gordura. Do mesmo modo, no Rio Grande do Sul a rastreabilidade encontra-se mais presente e
viável, nos moldes futuramente exigidos pela União Européia. Pode-se observar nos supermercados,
a presença de boutiques de carne voltadas aos segmentos de mais alta renda (Rede Zaffari), com
especificação de origem da carne vendida (nome dos proprietários ou fazendas dos animais abatidos).
Esse tipo de estratégia é espontânea e já confere àqueles que a implementam um diferencial de
preço suficiente para remunerar os esforços adicionais. Deve-se destacar, no entanto, que esse tipo
de estratégia corresponde a um pequeno nicho de mercado, sendo a maior parcela do mercado
atendida em moldes semelhantes aos verificados no Estado de São Paulo, havendo também um
volume considerável de mercado informal. É importante ressaltar que o interesse dos produtores
do Rio Grande do Sul no sistema de rastreabilidade, deve-se ao fato deste colocar-se
estrategicamente como o eventual fornecedor de produtos para a UE.
De maneira semelhante ao sul do País, os frigoríficos exportadores do Estado de São Paulo
possuem, já implantados, sistemas de rastreabilidade, mas apenas por lote. A mesma situação,
atualmente, acontece no mercado nacional nos grandes frigoríficos, em especial, e nos pequenos
matadouros, que já atendem à Portaria 304, uma diferença é que, neste caso, contrariamente aos
exportadores, não se consegue ainda estabelecer maiores detalhes de informação quanto à qualidade,

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 193
sexo, etc., já que o mercado interno ainda não tem um grau elevado de exigência neste tipo de
conhecimento. Isso, inclusive, é um dos motivos pelos quais ainda não se tenha, de fato, implantado
a tipificação de carcaças no País.
No sistema de lotes, não se rastreia da gôndola até a fazenda por animal abatido, e sim, por
lote. O Frigorífico BERTIN, além do sistema implantado por lotes para a exportação, também
implantou um sistema informatizado, para a rastreabilidade também para os abates dos animais
dentro do programa de novilho precoce.
Alguns frigoríficos visitados informaram já estarem se preparando para quando a rastreabilidade
vier a se tornar uma realidade concreta, e não vêem dificuldade em estabelecer controle de animais
por origem, idade, sexo, peso, etc. Alguns, até já fazem isso automaticamente, por meio das fichas
de controle que estabelecem com seus clientes tradicionais, sendo ainda facilitado pela utilização de
sistemas informatizados que utilizem códigos de barras e leitura ótica.
A dificuldade percebida na implantação de um sistema eficaz de rastreabilidade, deve-se ao
atual sistema de produção de animais (cria, recria e engorda), e o número de transações existentes
no sistema de comercialização.
4.4.8.2. Contratos
O relacionamento entre produtores e empresas de abate/processamento será discutido em
detalhe no Capítulo 4.5. Neste item, enfoca-se a relação com o segmento de distribuição.
Sob o ponto de vista de comercialização do produto final, normalmente não há contratos
formais dos varejistas, principalmente dos pequenos e médios supermercados e açougues com os
frigoríficos. Há, sim, um certo relacionamento informal, caracterizado pela fidelidade de entrega de
produto. Em geral, há regularidade na oferta de carne por parte dos frigoríficos, mas quando por
algum motivo este não dispõe do produto, o supermercado não hesita em comprar de outro
fornecedor.
As Portarias 304/145 estão afetando diretamente o relacionamento na cadeia, principalmente,
no sentido de se criarem formas mais estáveis de relacionamento, entre frigoríficos, supermercados
e açougues, possivelmente, estreitando-os, no sentido de se poder reforçar exigências de qualidade
das carnes fornecidas. Entretanto, os frigoríficos ainda têm se queixado do excessivo poder das
grandes redes de supermercado, pelo que, em geral, desejam que se encontre alguma forma de não
se inviabilizar a cadeia de açougues.
As exportações, como as negociações do mercado interno, também ocorrem de maneira
geral, sem prévios contratos. É realizada principalmente de duas formas: mediante a figura de um
intermediário, conhecido como broker, e por agentes do frigorífico, respectivamente com 40% e
60% de participação. A comissão do intermediário gira em torno de 2% do valor da venda.
O relacionamento entre os frigoríficos e os curtumes é, na sua maioria, de fidelidade de
entrega, existindo mais recentemente até mesmo parcerias entre estes. Antigos fornecedores da
BRASPELCO, por exemplo, estão sendo procurados para firmarem parcerias a partir de um novo
modelo, em que o curtume fornece máquinas para o descarne, possibilitando ao frigorífico que este

194 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
fique com os subprodutos da operação, com o curtume recebendo o couro já pré-processado. O
setor de curtume, mais recentemente, tem sido agregado também por grandes frigoríficos. O que
esse relacionamento mais estreito ainda não possibilita é o recebimento diferenciado por um couro
de melhor qualidade, o que também impossibilita pagar melhor pelo couro de qualidade ao pecuarista.
Maiores detalhes sobre essas formas de relacionamento estão apresentadas no Capítulo 4.6.
4.4.8.3. Alianças
Os cruzamentos industriais de animais possibilitaram o surgimento dos novilhos precoce, e a
partir destes propiciaram a oferta de carne de qualidade, dando origem às alianças mercadológicas
que reúnem diversas associações entre grupos de pecuaristas e supermercados, e entre pecuaristas
e frigoríficos. A participação dos frigoríficos nestas alianças está mais relacionada à prestação de
serviços, o que inviabilizou o Programa de Novilho Precoce em Minas Gerais.
Existem questionamentos quanto a esse tipo de programa de ambos os lados: por parte dos
pecuaristas, de que o frigorífico não paga pela qualidade dos animais; e por parte de alguns
frigoríficos, de que não recebem nenhum adicional para participar desse tipo de programa, que,
inclusive, cria problemas na programação de abate normais. Ademais, há a percepção do fato de
que o comércio varejista ainda não deu preferência para este tipo de produto, de modo que os
benefícios estariam apenas do lado do produtor. Há também reclamações do varejo de que não
existe constância na oferta de produto.
A participação dos matadouros-frigoríficos nos programas de novilho precoce, está
condicionada ao aceite da aliança, devendo-se seguir as recomendações impostas pelo programa,
como o de desossar os animais abatidos separadamente daqueles que destinam suas carnes para o
mercado tradicional, e a da necessidade da sua comercialização em cortes individuais padronizados
e embalados. A imposição de tais práticas de operação cria sérios transtornos ao planejamento de
abate dos frigoríficos, e a baixa demanda ainda não estimulou a participar nesse tipo de programa.
As principais exceções encontram-se na região Centro-Oeste. A percepção generalizada é que a
participação no programa não propicia aumento das margens de lucro dos frigoríficos. Inclusive, é
importante ressaltar, um dos frigoríficos que participava do programa no Estado de São Paulo há
pouco entrou em processo de falência, encerrando suas atividades.
As características dos animais abatidos dentro do programa de novilho precoce encontram-
se apresentadas nas Tabelas 4.4.12. e 4.4.13. A necessidade de se atender a uma classificação de
animais, a partir das normas impostas de idade e acabamento, medidos pelo número de dentes e
pela espessura da camada de gordura (máximo de 4 dentes, e de 3 a 8 mm de gordura), faz com
que muitos animais sejam desclassificados e destinados ao mercado tradicional.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 195
Tabela 4.4.12.
Distribuição dos abates no ano de 1997 e 1998
Macho Castrado Macho Inteiro Fêmea
1997 1998 1997 1998 1997 1998
Animais Abatidos 4906 15615 1154 2239 1938 4932
Animais Classificados 3276 11591 672 1712 1456 3878
Classificação (%) 66,78 74,23 58,23 76,46 75,13 78,63

Fonte: FUNDEPEC (1999)


Tabela 4.4.13.
Total de animais abatidos por sexo, e peso médio das carcaças
Total Total Macho Macho Fêmea Total
1997 1998 Castrado Inteiro
Animais Abatidos 7998 22786 20521 3393 6870 30784
Animais Classificados 5404 17181 14867 2384 5334 22585
Classificação (%) 67,57 75,40 72,49 70,26 77,64 73,37
Peso Médio (Kg) - - 249,90 260,56 205,97 239,84
(carcaça quente )
Fonte: FUNDEPEC (1999)
O total de animais abatidos dentro do programa, até março de 1998, correspondia a cerca
de 3 a 4% do total de abates do frigorífico GJ, único participante até aquele momento. Na atualidade,
o Frigorífico GJ, não se encontra mais abatendo animais no programa.
A carne comercializada pela rede Pão de Açúcar, na cidade de São Paulo, é proveniente
tanto de animais precoces como não precoces, não havendo diferenciação nos preços. A diferença
com relação aos preços praticados não está relacionada à origem da carne, mas sim à sua qualidade.
A carne do novilho precoce está sendo trabalhada dentro do segmento de carne de qualidade.
4.4.9. Infra-Estrutura
4.4.9.1. Transporte
4.4.9.1.1. Adequação
No subsistema A o transporte de animais é, em geral, realizado por frota terceirizada, e os custos
correm por conta dos frigoríficos. Observa-se uma exceção na região Norte, onde uma empresa declarou
arcar com os custos de transporte realizado até 350 Km, acima do qual aplicam um deságio no preço do
animal. Nenhum frigorífico entrevistado apontou qualquer problema maior quanto à qualidade dos
caminhões boiadeiros e frigorificados, embora reconheça-se que há espaço para melhorias.
Em um estado do Centro-Oeste, os frigoríficos queixaram-se da redução de 1,5m no
comprimento das carretas, imposta por lei, que estaria onerando o transporte. Ali, também foi
recentemente proibida a utilização de palhas (cama) no fundo das carretas, que foram substituídas

196 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
por revestimento de borracha, para reduzir a disseminação de doenças por intermédio dos resíduos
que caem, ao longo do trajeto.
Apesar de ter sido mencionada apenas para o Estado de Goiás, a questão do corte da
carroceria, tem abragência nacional, já que tal medida foi introduzida pela Resolução n0 12 do
CONTRAM, de fevereiro de 1998. Tal legislação instituiu que a dimensão total para veículos de
carga simples não deve ultrapassar os 14,0 metros, e ainda que os limites de comprimento do
balanço traseiro não devem exceder 3,5 metros. Com isso, os caminhões boiadeiros têm as
dimensões reduzidas em 1 metro a partir do balanço traseiro, de 4,5 para 3,5 metros. No entanto,
não se tem nenhuma alteração quanto ao limite permitido de peso.
A aplicação da lei não deve ser questionada; o que poderia ser questionado é o mérito
quanto à redução das medidas. Mas quanto a isto, o que se argumenta é que tal atitude só foi
realizado em função do excessivo número de acidentes que envolvem caminhões boiadeiros, e que
a grande dimensão do balanço traseiro seria responsável por acidentes fatais envolvendo colisão de
carros de passeio na traseira.
Quanto à questão do aumento dos custos, alguns cálculos simples podem auxiliar a avaliação
dos impactos desta nova norma. Com a nova legislação em vigor, os caminhões boiadeiros poderiam
transportar o mesmo limite de peso, mas isto não se reflete no mesmo número de animais, em
função da distribuição da carga viva. Com as dimensões anteriores de 15 metros de comprimento,
tinha-se uma densidade de 1,33 animais por metro, na dimensão do comprimento (ou 0,51 animais
por metro quadrado). Mantida a densidade para as atuais dimensões, ter-se-ia um total teórico de
18,67 animais. Na verdade, por ser uma unidade indivisível, o transporte seria de apenas 18 animais.
Tal fato reflete-se em uma redução de 10% sobre o volume transportado e em um acréscimo de
10% nos custos de transporte por parte dos frigoríficos. Porém, segundo as informações levantadas
neste trabalho, os caminhoneiros mantiveram o número de animais, por exigência de alguns frigoríficos,
ou no máximo reduziram a carga em apenas um animal, o que significa um aumento nos custos de
transporte de no máximo 5%.
É importante apontar esta questão, mas também é importante salientar que outros componentes
dos custos dos fretes foram alterados nos últimos meses. Entre outros aumentos, os de maior
reflexo sobre os custos de transporte, são os que incidiram sobre combustíveis e peças de reposição.
Estes últimos impactam diretamente os custos de manutenção dos veículos, que no Brasil são elevados
em função do mau estado geral de conservação das estradas.
Em geral, a frota de caminhões boiadeiros já possui mais de 10 anos de uso, e que, comparados
aos caminhões de outros países mais avançados, não são ideais para o transporte de animais,
especialmente por suas carrocerias serem de madeira, o que permite a injúria dos animais por meio de
lascas e pontas de parafusos, e outras bordas metálicas. Isto, além de causar contusões com provável
condenação da parte afetada, também contribui para a depreciação do couro do animal.
Outro aspecto que se nota ao se comparar o transporte brasileiro com aquele de países mais
avançados, em especial os Estados Unidos, é a capacidade de transporte de animais por caminhão
(20 contra 40), o que aumenta o custo de transporte, reduzindo as margens dos matadouros, e sua
competitividade em relação a outros países.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 197
Já os produtos oriundos das empresas de abate e processamento, são, em geral, transportados
por frota própria, com pequeno uso de frota terceirizada e a comercialização de carcaças realizada
pelos pequenos frigoríficos, basicamente utiliza-se frotas terceirizadas. O transporte é realizado em
caminhões frigorificados para as carnes in natura e produtos processados que dependem da
frigoconservação.
Foi apontado que os caminhoneiros frigorificados e terceirizados costumam economizar
combustível para a frigorificação de suas cargas. Este problema é melhor controlado/evitado pelas
empresas de maior porte, que, por utilizarem frota frigorificada própria, dispõem de sistemas de
verificação da manutenção de frio no transporte, cobrando de seus funcionários, e mesmo dos
poucos terceirizados, um melhor desempenho nesse aspecto.
Um aspecto levantado por uma empresa que opera no mercado internacional são as grandes
distâncias percorridas pelos seus caminhões na comercialização de seus produtos, o que diminui
consideravelmente a sua vida útil. Esta situação onera a produção, diminuindo as margens, e é
oriunda da ausência de uma melhor infra-estrutura de transportes alternativos (ferroviário e
hidroviário) no País.
O transporte de carne in natura dentro do Mercosul, especialmente para o Chile, é realizado
por via rodoviária utilizando-se do frete de retorno de caminhões que vêm ao País com cargas de
frutas e outros produtos perecíveis, retornando com a carne. Além da questão do retorno, existe a
dificuldade em utilização de outros meios de transporte; o marítimo, devido às dificuldades
burocráticas, custos operacionais e tarifas de embarcação, que oneram o transporte, e o ferroviário
e hidroviário devido à inexistência de corredores estruturados.
No subsistema B, em função de suas peculiaridades, especialmente de concentração
regional do mercado, um grande problema está no transporte da carne, que é realizado em
condições totalmente inadequadas, nos assoalhos de caminhonetes e similares, sem qualquer
tipo de preocupação com a proteção térmica de suas cargas. Isso se torna uma grande
preocupação sanitária, já que, em muitos casos as vias de acesso são estradas de terra, o
que permite uma excessiva contaminação das carnes, especialmente se considerarmos que
estas são transportadas sem ao menos terem sofrido qualquer processo de resfriamento.
Este é um dos fatores que degrada em muito a imagem da carne bovina, especialmente
quando apresentada à populações mais educadas e afluentes. Apenas no caso de alguns
matadouros municipais existe a preocupação em se utilizar baús termicamente isolados, que
são suficientes para a comercialização no seu mercado de atuação. Nesse subsistema, os
custos de transporte são mínimos, em decorrência da origem regional dos animais e da
peculiaridade de sua fonte (interesse dos produtores em se desfazerem de animais de
descarte). As menores distâncias de transporte da carne e seus produtos derivados, associada
à falta de necessidade de transporte frigorificado, é outro ponto que fornece uma vantagem
competitiva ao subsistema B em relação ao A.
Portanto, a partir desta questão levantada, há necessidade de um reestudo, por parte dos
frigoríficos, quanto aos sistemas de transporte da atualidade. Devem ser consideradas a possibilidade

198 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
de utilização de treminhões, de gaiolas de dois andares, como no sistema americano, e de melhor
utilização de outros modos de transporte, como ferrovias e hidrovias.
4.4.9.1.2. Sistema Viário
Segundo PARDI et alli (1993), o transporte rodoviário predomina no Brasil em função da
expansão da malha rodoviária, ineficiência administrativa da rede ferroviária e política errônea quanto
ao transporte aquaviário. Este último, embora mais econômico e eficiente, na opinião destes autores,
só é efetuado naquelas regiões onde constitui a única forma de acesso. Estes autores, entretanto,
alertam para as dificuldades a serem enfrentadas caso venha a se extinguir o subsídio ao diesel e/ou
um recrudescimento da crise do petróleo.
O sistema viário utilizado para o transporte de animais é apenas o rodoviário. A qualidade
das vias rodoviárias é bastante diferenciada. No Norte do País, devido à inexistência de uma
grande malha asfaltada, com predominância de estradas de terra, há problemas de transporte em
épocas de chuva, o que atrapalha a execução do abate e escoamento da carne abatida, além de
onerar a matéria-prima. Nas demais regiões, esta situação é um pouco melhor. No Nordeste, por
ausência de chuvas, e nas outras regiões por existência de melhores condições de vias. Ainda
assim, muitas das rodovias utilizadas não se encontram em boas condições de conservação e infra-
estrutura de apoio para descanso e espera dos animais, o que além de causar desgastes nos
caminhões, compromete a qualidade da carne obtida de animais neles transportados. Segundo
Mucciolo (1985), o transporte inadequado e de grande distância determina a invasão de bactérias
do trato gastrointestinal na corrente sangüínea, de onde podem-se distribuir para outros tecidos do
animal e afetar negativamente a qualidade higiênica da carne.
Apenas algumas das principais rodovias da região Centro-Sul do País apresentam condições
mais adequadas de conservação. Entretanto, tais rodovias são pouco utilizadas para o transporte
de animais, provavelmente devido à sua tarifação (pedágios), o que faz com que se busque as
rodovias vicinais. Estas, embora asfaltadas, já não têm condições ideais de tráfego.
Para os produtos derivados da carne, no mercado interno o transporte também é
essencialmente terrestre (especialmente rodoviário, e uma pequena parcela é ferroviário quando
realizado por alguns frigoríficos do Mato Grosso do Sul com carnes congeladas). O mercado de
exportação combina o transporte rodoviário até os portos, a partir dos quais se utiliza o transporte
marítimo.
A excessiva dependência, quase exclusiva, do transporte rodoviário é um fator de
competitividade negativo para todo o setor. Sugere-se que se estude uma política de, no mínimo,
fazer a interligação dos diferentes modos de transporte como forma de redução de custos e melhoria
das condições de transporte de animais e cargas. No caso do transporte de animais, isso se torna
tanto mais importante à medida que muitas unidades, em especial do Sul e Sudeste do País, estão
adquirindo matérias-primas a distâncias cada vez maiores, conforme já discutido. Assim, a utilização
de alternativas mais baratas de transporte poderia permitir a sua maior competitividade no mercado,
principalmente em relação àquelas empresas que recentemente se instalaram nas regiões produtoras.
Também permitiria uma maior competitividade com as carnes de outros países.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 199
4.5. Sistemas de Produção e Comercialização de Gado de Corte
4.5.1. Caracterização dos sistemas produtivos
Historicamente, a pecuária de corte brasileira desenvolveu-se por expansão da fronteira
agrícola, incorporando ao sistema extensivo de produção novas áreas de terras incultas, em
regiões desprovidas de infra-estrutura, e pela utilização de terras esgotadas pela produção de
grãos. A atividade contribuiu de forma decisiva, desde os tempos coloniais, para a ocupação
do território brasileiro. Essa função dos bovinos é ainda relevante em algumas áreas de novas
fronteiras agrícolas.
O crescimento horizontal prevaleceu até a década de sessenta, com ganho pequeno de
produtividade, utilizando-se predominantemente pastagens de capim-gordura (Melinis minutiflora),
colonião e guiné (Panicum maximum), jaraguá (Hyparrhenia rufa) e angola (Brachiaria mutica).
Mudanças tecnológicas significativas passaram a ocorrer a partir da década de setenta,
estimuladas por programas de crédito orientado, implementados nos primeiros anos da década,
que possibilitaram investimentos em pastagens e na infra-estrutura das fazendas da região Centro-
Sul, com resultados altamente positivos. Nesta época, teve início o ciclo das braquiárias, destacando-
se a B. decumbens, a B. ruziziensis e a B. humidicula, especialmente nas regiões de cerrados e na
região amazônica. Sua implantação nas áreas de cerrado proporcionou aumentos de 5 a 10 vezes
na taxa de lotação, quando comparadas às pastagens anteriormente existentes (Zimmer e Correa,
em 1993, citados por Zimmer e Euclides, 1997).
A partir da década de 80, outras forrageiras foram introduzidas nas regiões de Cerrado e na
Amazônia, destacando-se, por sua grande expansão, a Brachiaria brizantha, cultivar Marandu,
forrageira resistente à cigarrinha das pastagens, e, em menor escala, o capim-andropogon
(Andropogon gayanus), cultivar Planaltina e, posteriormente, o Baeti.
A continuidade dos trabalhos de introdução, avaliação e melhoramento de forrageiras, por
empresas públicas e privadas, tem possibilitado sucessivos lançamentos de novas cultivares, tendo
surgido os panicuns Tobiatã, Tanzânias, Mombaça etc. Lançamentos mais recentes têm sido feitos
e outros se sucederão nos próximos anos.
Atualmente, a pecuária de corte passa por um processo nítido de incorporação de tecnologias,
em áreas produtoras de maior importância, com reflexo positivo sobre a produtividade. Observa-
se nessas áreas uma mudança de atitude de parcela significativa de pecuaristas, movidos pela
necessidade de obter maior eficiência produtiva, após a estabilização da moeda, que desestimulou
a produção com fins especulativos e a compra e venda de gado como forma de obtenção dos
lucros anteriormente proporcionados pela elevação de preços.
A liberalização comercial, especialmente o Mercosul, expôs o produto nacional à concorrência
externa, enfatizando a necessidade de melhoria da qualidade e da busca de maior eficiência de
produção.
As mudanças tecnológicas não têm ocorrido, entretanto, com a mesma velocidade nas várias
regiões fisiográficas do País, ou mesmo nas diversas microregiões de cada estado, o que traz a

200 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
coexistência de diferentes subsistemas de produção, que divergem quanto ao nível de tecnologia
empregado e, conseqüentemente , quanto à produtividade.
De forma simplificada, pode-se grupar as propriedades em dois subsistemas de produção:
um subsistema tradicional e um subsistema melhorado.
No subsistema tradicional, a taxa de natalidade situa-se próximo a 60%, o abate e o primeiro
parto ocorrem em torno de quatro anos de idade e o desfrute é de cerca de 17%, contrapondo-se
ao sub-sistema melhorado, em que a taxa de natalidade é superior a 70%, a idade de abate e de
primeiro parto aproximam-se dos três anos e a taxa de desfrute situa-se acima de 20%.
Variações ocorrem em cada sub-sistema, acentuando as diferenças entre propriedades, em
todas as regiões fisiográficas, quanto aos níveis de adoção de tecnologias e de produtividade.
Entretanto, maiores mudanças tecnológicas ocorrem nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste.
No subsistema tradicional, predomina a pecuária extensiva, dependente basicamente do
suprimento de nutrientes pelos pastos, restringindo-se à suplementação alimentar ao fornecimento
de sal comum aos animais. Nesse subsistema, não há investimento em melhoria da qualidade das
pastagens, que se encontram em estágios variados de degradação; o controle sanitário é geralmente
deficiente, não há preocupação com o melhoramento genético do rebanho ou com a redução de
idade de abate e não são adotadas práticas de manejo visando a melhoria do desempenho reprodutivo
do rebanho.
No subsistema melhorado, é crescente a preocupação com a manutenção e melhoria
da qualidade das pastagens, verificando-se maior emprego de fertilizantes, utilização de
rotação, pastagem/culturas e implantação de culturas forrageiras anuais de inverno e verão.
O uso de suplementos proteinados e a adoção das práticas de semiconfinamento e de engorda
em confinamento têm possibilitado a redução da idade de abate, facilitado pela utilização de
animais com maior potencial de ganho de peso, obtidos por meio de reprodutores zebuínos
melhorados (especialmente nelores) e pela introdução de reprodutores de raças européias,
em programas de cruzamento. O produtor busca assistência técnica permanente, mantém
melhor programa de controle sanitário do rebanho e procura exercer controle da atividade
reprodutiva. Um segmento mais avançado, dentro deste grupo, usa sistematicamente o
diagnóstico de gestação, após a estação de monta, como critério para descarte de matrizes,
obtendo excelente desempenho reprodutivo do rebanho, além de primeiro parto das novilhas
em idade precoce.
4.5.2. As fases de produção
A produção de bovinos de corte envolve as fases de cria, recria e engorda. A fase de cria
compreende a reprodução e o crescimento de bezerro até a desmama, que ocorre entre seis e oito
a dez meses de idade. A fase de recria vai da desmama ao início da reprodução das fêmeas ou ao
início da fase de engorda dos machos, sendo a de mais longa duração, no Brasil, no subsistema
tradicional. A engorda, quando feita no regime predominante de pasto, tem duração de 6 a 8
meses.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 201
Hoje, tem-se ampliado, numa tendência crescente, a integração da recria/engorda, verificando-
se grande redução na duração da recria, nos programas de produção de novilhos precoce, ou até
mesmo a supressão desta fase, nos programas de produção de novilhos super-precoces, em que a
idade de abate pode se reduzir para 12 a 15 meses.
4.5.2.1. A fase de cria
A fase de cria, envolvendo a reprodução, influencia fortemente a eficiência produtiva dos
bovinos de corte.
Frenkle e Wilham (1977) concluíram que, do ponto de vista econômico, o desempenho
reprodutivo é cinco vezes mais importante que o crescimento e, pelo menos, 10 vezes mais importante
que a qualidade da carne. Por outro lado, a relevância do crescimento do bezerro na fase pré-
desmama, nas regiões tropicais, é salientada por Plasse, em 1978, citado por Peixoto (1993), que
argumenta que nesta fase ocorre a mais alta taxa de incremento de peso na vida do animal, que
atinge aos 7 meses de idade 25 a 35% do peso final de abate, enquanto necessita mais 30 a 40
meses para completar o desenvolvimento.
Esta etapa destaca-se pelo elevado grau de atomização (Oliveira, 1991) e grande mobilização
de estoques de terras e rebanhos, em relação ao seu produto final, o bezerro (Dias, 1972).
Embora o bom desempenho na fase de cria seja fundamental para elevar a eficiência produtiva
global e para ampliar a competitividade da pecuária de corte brasileira, o rebanho de cria, constituído
pelos reprodutores, vacas, novilhas de reposição e bezerros em aleitamento, não tem se beneficiado,
em escala semelhante à recria/engorda, das mudanças tecnológicas incorporadas ao processo
produtivo.
Nas várias regiões fisiográficas, a atividade de cria tende a concentrar-se em áreas mais
distantes dos grandes mercados consumidores e em regiões de solos menos férteis, ou onde as
condições climáticas são mais adversas. Assim, no Nordeste, predomina nas áreas de Caatinga e
Cerrados. No Centro-Oeste, é atividade típica do Pantanal e de propriedades menores nas áreas
de Cerrado. No Sudeste, predomina nas áreas semi-áridas e regiões de Cerrado de Minas e nas
terras menos produtivas de São Paulo (Arruda e Sugai, 1994), o que resulta em nutrição inadequada
dos animais. Constitui exceção o Rio Grande do Sul, onde 91,68% dos produtores de bovinos do
Estado possuem rebanhos de até 50 cabeças e realizam a cria, recria e engorda simultaneamente
(Cachapuz, 1993).
Em sua maioria, o gado de cria não recebe suplementação protéico energética adequada nos
períodos de escassez de pasto, o que acentua as carências nutricionais e impede que a taxa de
natalidade média do rebanho apresente a mesma evolução verificada nas outras fases de produção,
não obstante as melhorias introduzidas nas pastagens e no controle sanitário do rebanho. O uso de
sal enriquecido com uréia, entretanto, tem-se ampliado, especialmente em Goiás e em algumas
áreas da região Sudeste.
A taxa de natalidade apresenta grande variabilidade, mesmo entre as regiões de um estado.
Assim, é estimada em 50% no Pantanal Mato-Grossense, 65% nas regiões de Cerrado do Mato

202 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Grosso do Sul e 75% nas matas e campos de Dourados, no mesmo Estado. É particularmente
baixa no Nordeste e mais elevada em São Paulo.
A taxa média de natalidade do rebanho nacional é estimada em 60%, com intervalo de
partos de 21 meses (ZIMER e EUCLIDES, 1997).
O intervalo de partos compreende o período de gestação seguinte, que tem duração
relativamente constante, com média de 290 dias para raças zebuínas e de 282 dias para raças
européias, e o período de serviço, que vai do parto à nova fertilização, com duração muito longa e
variável no Brasil.
O intervalo de partos de 21 meses indica que, em média, as vacas só iniciam nova gestação
cerca de 3 a 4 meses após a desmama dos bezerros. O período de amamentação (fase de cria)
inclui-se, desta forma, integralmente no período de serviço. Entretanto, na situação ideal (porém,
difícil de se atingir) o intervalo de partos seria de 12 meses, o que corresponde a 100% de natalidade.
Isso requer início de nova gestação, ou seja, fim do período de serviço, cerca de 2,5 meses após o
parto, durante o período de amamentação.
Concorrem para alongar o intervalo de partos os fatores: nível nutricional deficiente,
constituição genética do rebanho, ocorrência de doenças ligadas à reprodução, manejo inadequado
do rebanho, entre outros.
O nível nutricional, entre todos, é o principal responsável pelo baixo desempenho reprodutivo
do rebanho, tendo em vista que às vacas são normalmente destinadas as piores pastagens. Além
disso, não recebem suplementos protéico-energéticos nas épocas de escassez de pasto, restringindo-
se a suplementação, comumente, ao fornecimento de minerais.
O passo inicial, indispensável para que se possa exercer controle sobre a atividade reprodutiva
do rebanho, possibilitando a adoção de medidas adequadas de manejo capazes de elevar a taxa de
natalidade, é a adoção de uma estação de monta restrita.
Em função do regime nutricional, dependente basicamente do pasto, nas criações extensivas,
há maior ocorrência de cios, e portanto de acasalamentos, nos meses chuvosos. Em conseqüência,
a maior concentração de nascimentos (mais de 60%) verifica-se no segundo semestre do ano,
embora ocorram em todos os meses.
A adoção de uma estação de monta, possibilitando a concentração de todos os nascimentos
em um período restrito do ano, é extremamente desejável, por trazer inúmeras vantagens dos pontos
de vista de manejo do rebanho e econômico. Esse fato é amplamente reconhecido nos países de
pecuária de corte evoluída, nos quais todo o calendário de atividades de manejo e de vendas de
animais está fortemente vinculado à estação de monta, de curta duração.
Quando se limita a duração do período de monta, os bezerros têm idades semelhantes,
possibilitando a constituição de lotes mais uniformes para a engorda intensiva e venda. Os
acasalamentos são concentrados no período mais favorável do ano, em que as vacas estão
naturalmente mais bem alimentadas, com reflexo positivo sobre a fertilidade. Ao final da estação de
monta, ao se fazer o diagnóstico de gestação, são identificadas as fêmeas não-gestantes, que não

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 203
darão cria no ano, possibilitando sua substituição por novilhas gestantes, de forma a se elevar a taxa
de natalidade.
Em rebanhos em que a taxa de concepção na estação de monta atinge 80%, é possível a
substituição de todas as vacas não-gestantes por novilhas, ficando no rebanho 100% de matrizes
gestantes, após o descarte das vacas vazias.
Além de possibilitar a elevação da taxa de natalidade, que constitui a maior deficiência do
rebanho de cria no Brasil, a estação de monta, ao garantir a ocorrência dos nascimentos em um
curto espaço de tempo, possibilita maior assistência aos bezerros recém-nascidos, melhor controle
sanitário e realização das vacinações nos momentos corretos, resultando em maior sobrevivência
dos bezerros. A maior disponibilidade de fêmeas de reposição e de machos e as condições de meio
mais semelhantes a que todos os bezerros são submetidos possibilitam seleção mais eficiente dos
animais de reprodução e maior ganho genético.
A adoção de uma estação de monta tem sido crescente em várias regiões do País, sendo de
uso generalizado em São Paulo, em várias regiões de Minas e na região Sul, especialmente no Rio
Grande do Sul. Na região Centro-Oeste, estima-se que já seja usada por cerca de 60% dos
criadores do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso, sendo, entretanto, menos comum em Goiás.
Constatou-se que parte dos criadores que usam a estação de monta não faz o diagnóstico de
gestação, deixando de obter um dos benefícios mais significativos que ela pode proporcionar. A
prática é pouco usada nas regiões Norte e Nordeste.
Em razão do regime pluvial/disponibilidade de pasto, as estações de monta, no Brasil, têm
sido estabelecidas no período de outubro a março. Procura-se ajustar o seu início, em função da
distribuição regional de chuvas, e sua duração varia de 60 a 120 dias, sendo com freqüência de 90
dias. As recomendações técnicas são de que se inicie e termine a estação de monta para as novilhas
com antecedência de um mês, em relação às vacas, como forma de se garantir às mesmas um
período adicional de um mês para retorno ao cio, no ano seguinte, tendo em vista que as vacas de
primeira cria são a categoria que apresenta o período mais longo de anestro pós-parto.
Procura-se, ao estabelecer a estação de monta, fazer o período de maior exigência
nutricional das vacas, que é o período inicial de lactação, coincidir com a época de melhores
pastagens, possibilitando taxa elevada de concepção pós-parto. Ao mesmo tempo, procura-se
evitar que o pico de nascimentos de bezerros coincida com o auge do período chuvoso, em que
é maior a incidência de doenças, como a pneumonia, e de parasitas, como carrapatos, bernes,
moscas e vermes.
À medida que a duração da estação de monta ultrapassa 75 dias, passa a haver superposição
do fim da estação de nascimentos com o início da estação de monta. Neste caso, no início da
estação de monta algumas vacas ainda não pariram, o que é indesejável, pois terão chances
reduzidas de serem fertilizadas na estação de monta. Vacas que dão cria cedo, na estação de
nascimento, terão mais chances de serem fertilizadas, além de desmamarem bezerros mais velhos
e pesados, portanto de maior valor comercial, quando se adota data fixa de desmama para o
rebanho.

204 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A recomendação da estação de monta de duração muito curta no Brasil, conforme usada
nos Estados Unidos da América para gado europeu e mestiço, com duração de 45 a 60 dias,
deve ser vista com cautela. Trabalhos na Flórida, descritos por Larsen et alli (1994), têm
mostrado que em rebanhos zebuínos, criados em condição extensiva, estações de monta de
curta duração podem reduzir a taxa de natalidade. Neste caso, pode ser preferível admitir-se
certa superposição das estações de nascimento e monta, em benefício da taxa de natalidade e,
ao mesmo tempo penalizar, sempre que possível, como critério de descarte, vacas que parem
tardiamente. O tratamento diferenciado para raças zebuínas justifica-se pelo fato desses animais
terem período de gestação cerca de 10 dias mais longo do que gado europeu, além de terem
período de anestro pós-parto comprovadamente mais longo, fatores que os predispõem a um
maior intervalo de partos.
Ao se introduzir uma estação de monta em um rebanho de corte, no Brasil, tem sido
recomendado que a mesma seja inicialmente longa, com duração de até 6 meses, para se evitar
queda brusca da natalidade no primeiro ano. A duração vai sendo reduzida nos anos seguintes,
eliminando-se os meses aos quais corresponderem baixos índices de nascimento de bezerros. Desta
forma, será possível estabelecer uma estação de monta restrita, com cerca de 90 dias de duração,
adaptada às condições regionais.
O uso de estação de monta deverá generalizar-se nos próximos anos, com reflexos altamente
favoráveis sobre a produtividade e sobre os custos de produção.
Uma prática complementar à estação de monta, largamente adotada em países de pecuária
de corte evoluída e já em uso por uma parcela de produtores de gado de corte no Brasil, importante
para a manutenção de taxas elevadas de natalidade, é o monitoramento do estado nutricional do
rebanho de cria, ao longo do ano. Isso possibilita que sejam adotadas práticas de manejo apropriadas,
quando necessário, em benefício da eficiência reprodutiva do rebanho.
Na avaliação do estado nutricional dos animais são atribuídos escores de condição corporal,
sendo comumente utilizada uma escala de 1 a 9, em que 1 corresponde a animais extremamente
magros e 9 a animais extremamente gordos, sendo desejáveis animais com escore de 5 e 6.
As avaliações devem ser feitas ao parto, ao início e ao fim da estação de monta e à desmama
dos bezerros.
A condição corporal da vaca ao parto tem grande influência sobre o seu desempenho
reprodutivo na estação de monta seguinte. Vacas com escore mínimo de 5 a 6, ao parto, retornam
muito mais rapidamente ao cio que vacas magras, concebem mais cedo na estação de monta e
apresentam taxa de concepção mais elevada. De forma semelhante, é desejável escore corporal
mínimo de 5 ao início da estação de monta e à desmama de bezerros.
As novilhas de primeira cria têm maiores exigências nutricionais que vacas adultas, devendo
merecer especial atenção por ser a categoria que tende a apresentar menor taxa de concepção e
maior intervalo de partos. A estes animais deve-se destinar as melhores pastagens e, se necessário,
fornecer suplementos alimentares.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 205
Fêmeas gestantes, que à desmama dos bezerros tenham escore de condição corporal baixo,
devem receber atenção especial, para que possam apresentar ao parto condição satisfatória,
especialmente porque a parte final da gestação coincidirá, normalmente, com os meses de menor
precipitação pluviométrica, com reflexo negativo sobre a disponibilidade e qualidade do pasto.
A constituição genética do rebanho de corte brasileiro, em que no mínimo 85% dos animais
são zebuínos, associada ao regime nutricional deficiente, exerce também influência sobre a taxa de
natalidade. Nos zebuínos, especialmente sob baixo nível nutricional, a amamentação tem efeito
antagônico ao reinício precoce da atividade reprodutiva pós-parto, ou seja, concorre significativamente
para alongar o período de anestro. Esse efeito é muito menos pronunciado em gado europeu e seus
mestiços.
As vacas zebuínas têm tendência de sacrificar em maior intensidade suas reservas corporais,
em favor da produção de leite, que o gado de corte europeu. Além do desgaste físico, a amamentação,
em zebuínos, especialmente em condição nutricional inadequada, causa bloqueio de natureza
hormonal que inibe temporariamente a ocorrência de cios. Esse efeito já é bastante estudado em
condições brasileiras e para contorná-lo têm sido introduzidas práticas de manejo ligadas ao
relacionamento vaca/bezerro, com a finalidade de melhorar o desempenho reprodutivo.
Entre as referidas práticas têm sido usadas a amamentação controlada, que consiste em
manter o bezerro separado da vaca, permitindo-se a amamentação apenas 1 a 2 vezes por dia, a
desmama temporária, que consiste em se separar o bezerro da vaca, durante 48 a 72 horas, a
partir dos 40 a 60 dias pós-parto (podendo-se repetir 30 dias após), e a desmama precoce, feita
em torno dos 90 dias de idade.
A redução do número de mamadas a 1 a 2 vezes ao dia, feita desde o nascimento ou após
um mês de idade, dos bezerros, tem-se mostrado efetiva na elevação da taxa de natalidade e
redução do intervalo de partos, elevando, ao mesmo tempo, o escore de condição corporal da
vaca ao parto. Entretanto, a prática implica em aumento da mão-de-obra e exige a divisão das
matrizes em lotes, o que pressupõe a subdivisão das pastagens. Neste sistema de manejo, as vacas
e bezerros apenas permanecem juntos por 1 a 2 períodos de 30 a 40 minutos durante o dia, para
amamentação, após o que os bezerros são conduzidos a piquetes e as vacas retornam aos pastos.
Os bezerros passam a depender menos do leite, sendo estimulados a pastarem mais cedo e as
vacas perdem menos peso durante o aleitamento.
Bezerros submetidos a duas mamadas diárias têm apresentado pesos à desmama semelhantes
aos bezerros criados no sistema tradicional, enquanto aqueles que mamam uma vez apenas ao dia
têm mostrado menor peso à desmama. A diferença de peso tende, entretanto, a reduzir-se ou
mesmo a desaparecer posteriormente.
A desmama temporária (separação por 48 a 72 horas) tem trazido resultados variáveis.
Resultados positivos, com elevação da taxa de natalidade, têm sido obtidos quando as vacas têm
acesso à boas pastagens e apresentam boa condição corporal (5 a 6, na escala de 1 a 9). Vacas
magras ou que estão perdendo peso, geralmente, não respondem à prática. Os pesos dos bezerros
à desmama não têm sido afetados pela técnica.

206 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A desmama precoce, com caráter definitivo, é geralmente feita de forma brusca, quando os
bezerros atingem cerca de 90 dias de idade, havendo necessidade de que se disponha de piquetes
de excelente qualidade para os bezerros desmamados, de forma a possibilitar que os mesmos se
desenvolvam adequadamente, mantendo-se baixos níveis de mortalidade. A desmama precoce
possibilita elevação da taxa de natalidade, tendo reflexos altamente positivos sobre a estação de
monta seguinte, uma vez que as vacas terão muito melhor condição corporal ao parto. Mesmo
quando não adotada de forma generalizada no rebanho, a desmama precoce pode ser utilizada
para novilhas, como forma de redução do intervalo entre o primeiro e o segundo partos ou em anos
de menor disponibilidade de forragens, em parte ou em todo o rebanho.
No Rio Grande do Sul, o programa de aumento da taxa de natalidade preconizada pela
EMATER IPZFO/IEPE, desde 1982, baseia-se no desmame aos 90 dias de idade (Cachapuz,
1993).
O uso de cruzamentos entre animais de raças européias ou compostas ("sintéticas") de corte
com as zebuínas (especialmente nelore) tem se ampliado nas várias regiões, motivado pelo melhor
desenvolvimento ponderal dos animais em fase de crescimento e especialmente pelo melhor
desempenho reprodutivo das fêmeas mestiças. A maior parte dos benefícios advindos do cruzamento
resulta da superioridade da fêmeas mestiças em relação às "puras".
Os cruzamentos permitem a exploração da heterose, ou vigor híbrido, que é definida como a
superioridade dos mestiços em relação à média dos pais puros. Além disso, possibilitam a combinação
aditiva de características favoráveis, tais como adaptativas, encontradas nas raças zebuínas e raças
européias adaptadas aos trópicos, como a Caracu, e características produtivas, tais como potencial
de ganho de peso, fertilidade e maciez da carne, proporcionada pelas raças européias melhoradas,
não-adaptadas ao meio tropical. Os cruzamentos possibilitam ainda a obtenção de
complementariedade, quando raças ou mestiços de menor porte e de boa habilidade materna são
cruzados com machos de raças grandes, nos cruzamentos terminais, em que as crias dos dois sexos
são destinados ao abate. Além disso, possibilitam maior flexibilidade, permitindo a obtenção de
produtos mais adaptados às exigências de mercado.
Num primeiro momento, independentemente das condições particulares das fazendas, prevaleceu
no Brasil, na escolha das raças cruzantes, a busca de animais de grande porte, capazes de gerar
novilhos com peso médio elevado, em idade satisfatória. Entretanto, as fêmeas nascidas e utilizadas
como matrizes no rebanho são também, neste caso, de grande porte, possuindo exigências nutricionais
elevadas. Em meio adverso, em condições de pastagens de má qualidade e ausência de suplementação
alimentar, esses animais são mais sujeitos a não terem suas exigências nutricionais satisfeitas e, em
conseqüência, perdem mais peso e podem ter pior desempenho reprodutivo. Além disso, conforme
mostram trabalhos de pesquisa, existe correlação genética negativa entre peso à maturidade e taxa de
maturação (precocidade). Isso indica que animais com maior potencial genético para maior tamanho
à maturidade são menos precoces, ou seja, demoram mais tempo para atingirem o tamanho adulto,
são mais tardios quanto à ocorrência da puberdade e somente dão acabamento com peso mais
elevado, em relação a animais com menor potencial genético para tamanho grande à maturidade.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 207
Pelas razões acima, muitos criadores têm mudado as raças cruzantes, na busca de animais
mais precoces, especialmente quanto à primeira cria das novilhas.
De um modo geral, o objetivo básico do produtor é aumentar a eficiência de produção de
quilogramas de bezerros desmamados, por ha/ano.
A eficiência produtiva de uma vaca de determinada raça ou cruzamento depende do seu
consumo alimentar, que está ligado à sua exigência nutricional de energia, de sua fertilidade, de sua
produção de leite e do potencial genético para ganho de peso que ela transmite para a cria. A maior
parte da energia alimentar consumida pela vaca de corte (cerca de 70%), durante o ano, é gasta
para a sua manutenção (mantença dos processos vitais, sem ganhar peso). Apenas cerca de 30%
da energia consumida são gastos para a gestação e produção de leite (Jenkins e Ferrell, 1983).
O mestiço ideal depende das condições da fazenda, especialmente da qualidade dos pastos
e do uso ou não de suplementos. Trabalho no exterior, realizado por Jenkins e Ferrell (1994),
comparando nove raças de corte de diferentes portes e produção de leite, em condições de níveis
de alimentação baixos e altos, mostrou que as vacas de menor porte e menor produção de leite
eram as mais eficientes em termos de quilograma de bezerro produzido por quilograma de alimento
consumido, quando o nível nutricional era baixo. Isso ocorria principalmente porque elas tinham
taxa de natalidade mais elevada que as vacas grandes, embora seus bezerros fossem menores. À
medida que o nível nutricional ia elevando-se as vacas grandes iam tornando-se mais eficientes,
chegando, em alguns casos, a ser mais eficientes que as pequenas nos níveis nutricionais mais
elevados, quando elas tinham boa taxa de natalidade e desmamavam bezerros pesados.
Alguns criadores brasileiros que inicialmente utilizaram raças de grande porte, como a Chianina
e a Charolês, mudaram posteriormente para raças de menor porte, como a Red Angus. Entretanto,
criadores que criam intensivamente os animais e fazem cruzamento terminal continuam a utilizar as
citadas raças de grande porte.
Nos levantamentos feitos, constatou-se que no Brasil Central destacam-se nos cruzamentos as raças
Red Angus, Limousin, Simental e Canchim, embora um número muito grande de raças seja usado.
Os mestiços constituem, entretanto, pequena parcela do rebanho, ocorrendo predomínio
absoluto das raças zebuínas (no mínimo 85% do total), com amplo domínio do Nelore.
Em Goiás, o mestiço predominante é o da raça holandesa, em vista do grande crescimento da
atividade leiteira do Estado, que atualmente já ocupa a posição de segundo produtor de leite do País.
No Rio Grande do Sul, o rebanho tem suas bases em raças européias e seus mestiços, com
participação do Nelore nos cruzamentos. As raças mais utilizadas são a Hereford, Aberdeen-
Angus, Red Angus, Charolês e Devon, havendo ainda a introdução das raças compostas Braford,
Canchim, Santa Gertrudis e Ibajé.
Um dos fatores que tem limitado a expansão dos cruzamentos no Brasil é a dificuldade de
implantação de programas eficientes de inseminação artificial nas fazendas, em razão da
desqualificação da mão-de-obra, ausência de controle da atividade reprodutiva do rebanho, caráter
extensivo da exploração etc.

208 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Mesmo nas fazendas que utilizam os cruzamentos, reprodutores de raças européias, como a
Limousin, têm sido usados em monta natural, especialmente em regiões de baixa incidência de
carrapatos.
O uso de reprodutores de raças compostas ou mestiços e de raças européias adaptadas são
alternativas utilizadas com freqüência, nos cruzamentos, quando se deseja utilizar a monta natural à
solta.
Os cruzamentos deverão nos próximos anos se difundir nos rebanhos comerciais de gado de
corte, a exemplo do que ocorreu em outros países e também na produção de suínos e aves no
Brasil.
4.5.2.2. As fases de recria e engorda
Essas duas fases, especialmente a engorda, concentram-se, quase sempre, em áreas de
terras de fertilidade média a alta.
As áreas especializadas em engorda mais importantes são a região Oeste de São Paulo –
Paraná, que, além de dotada de terras férteis, possui localização excepcionalmente favorável, em
relação aos mercados consumidores internos e infra-estrutura de processamento e exportação, e
a região do Triângulo Mineiro, englobando áreas de São Paulo, como Divisor Trevo Grande e
Alta Mogiana, além da vertente goiana do Paranaíba (Arruda e Sugai, 1994). No Centro-Oeste,
crescem em importância, como regiões de engorda, várias áreas, tais como as regiões de Campo
Grande – Dourados, no Mato Grosso do Sul, de Rondonópolis, no Mato Grosso, e do Araguaia,
em Goiás.
A verticalização total das três fases do processo produtivo é realizada por uma parcela
menor de produtores. Constitui exceção o Rio Grande do Sul, onde predominam os pequenos
rebanhos, coexistindo as três fases na mesma propriedade. No Brasil Central, já é grande a integração
recria/engorda, conforme já referido.
A fase de recria é a que retém os animais por mais tempo, no Brasil, especialmente no sub-
sistema tradicional de produção. Em animais abatidos por volta dos 4 anos, a recria pode prolongar-
se por cerca de 30 meses, reduzindo-se para 10 a 12 meses, na produção de novilhos precoces.
Trabalhos realizados na UNESP – Botucatu mostram ser economicamente possível a supressão desta
fase, na produção de novilhos superprecoces, em que o abate ocorre aos 12 a 15 meses de idade.
As fases de recria e engorda têm recebido os maiores aportes de novas tecnologias,
especialmente no que se refere à melhoria da nutrição dos animais.
Merecem destaque os vários programas de produção de novilho precoce, que têm tido êxito
em vários estados.
Informações da ABNP (Associação Brasileira do Novilho Precoce), de 1998, mostram que
6685 propriedades já se encontravam cadastradas no programa. Destas, 63,5% situam-se na região
Centro-Oeste, sendo o programa do Mato Grosso do Sul o mais antigo, tendo servido de base
para quase todos os outros.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 209
Na região Sudeste, o programa está presente em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo.
Em São Paulo existe, ainda, um programa de qualidade, gerido pela iniciativa privada, o FUNDEPEC
(Fundo de Desenvolvimento da Pecuária) que congrega uma aliança mercadológica, envolvendo
cerca de 110 produtores, dois frigoríficos e três supermercados, segundo informações da ABNP
(1998).
No Nordeste, apenas a Bahia participa do programa, e no Rio Grande do Sul não há
produtores inscritos, porque o incentivo é para a indústria.
Os programas de produção de novilhos precoce tiveram, inicialmente, a adesão de pecuaristas
motivados pela redução do ICMS, que atingia até 50%, proporcionada pelos estados. Após
ingressarem no programa, a maioria dos criadores se conscientizou de que o maior benefício
proporcionado pelo programa não era a redução do ICMS, e sim os reflexos positivos que a
redução da idade de abate e de primeiro parto e a melhoria da fertilidade do rebanho, dele resultante,
tinha sobre a produtividade total e sobre a lucratividade da atividade.
A redução do ICMS, em vários estados, como o Mato Grosso do Sul e Goiás e mesmo a
isenção de ICMS para os produtores, proporcionada por São Paulo e Minas Gerais, não impediram
novas adesões e ampliação do número de animais produzidos.
Na Tabela 4.5.1 são apresentadas simulações de composições do rebanho, expressas em
número de animais existente em cada categoria, para cada 100 vacas do rebanho (número em
porcentagem do número de vacas), admitindo-se diferentes taxas de natalidade e idades de 1º
parto e de abate. As taxas de mortalidade, idade de descarte de fêmeas e equivalências dos animais
das diferentes categorias em unidades animais (UA) foram ajustadas em função da taxa de natalidade
e das idades de abate e primeiro parto, que refletem mudanças nos níveis nutricionais e de manejo
do rebanho.

210 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.5.1
Número de animais das várias categorias, expresso como porcentagem do número de
matrizes (número de matrizes = 100), número total de animais e de unidades animal,
número de animais vendidos e desfrute, para diferentes idades de abate e 1º parto e
diferentes taxas de natalidade

Pode-se perceber claramente o impacto favorável que o aumento da taxa de natalidade tem
sobre o número de animais vendidos, por 100 vacas mantidas no rebanho, possibilitando aumento
particularmente alto no número de machos e fêmeas excedentes disponíveis para a venda. A elevação
do número de fêmeas excedentes melhora a possibilidade de seleção de matrizes e de descarte de
fêmeas vazias, elevando ainda mais a natalidade.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 211
As reduções da idade de abate e de primeira cria, proporcionadas por programas de produção
de novilhas precoce, têm grande impacto sobre a taxa de desfrute do rebanho e modificam
completamente a estrutura do rebanho, reduzido à proporção de animais em recria.
Na Tabela 4.5.2, é apresentada uma simulação, a respeito da produção de carne total e por
hectare em uma propriedade de 1000 ha, em que prevaleçam os índices de produtividade
considerados na tabela 4.5.1 (alternativas A a G), admitindo-se diferentes capacidades de suporte
das pastagens.
Ficam evidenciados na Tabela 4.5.2 os grandes impactos que a elevação da taxa de natalidade
e a redução das idades de abate e de 1ª cria têm sobre a produção de carne total e por ha e,
especialmente o notável impacto proporcionado pelo aumento da capacidade de suporte das
pastagens.
A elevação da capacidade de suporte das pastagens é proporcionada pelo uso de alimentos
suplementares, nos programas de produção de novilhos precoce e, principalmente, pela utilização
de forrageiras mais produtivas e pela adubação das pastagens.
A elevação da produção de novilhos precoce no País mostra que, no futuro próximo, sua
participação será muito mais destacada na produção de carne no Brasil. Contribuirão para isto,
além da viabilidade econômica da prática, a conscientização dos consumidores da melhor qualidade
da carne por eles produzida, além das parcerias e alianças mercadológicas que se estabelecerão.
A viabilidade econômica de produção de novilhos superprecoces, abatidos de 12 a 13 meses
de idade, com peso de 16 arrobas, tem sido demonstrada em pesquisas realizadas pela UNESP –
Botucatu, conforme relato de SILVEIRA (1998).
Tabela 4.5.2
Produção de carne em uma propriedade de 1000 ha, para as diferentes idades de abate
e de 1º parto e taxas de natalidade (Alternativas A a G), admitindo-se diferentes
capacidades de suporte das pastagens
Alternativas
A B C D E F G
Capacidade de suporte 0.6 1.0 0.6 1.0 1.0 1.0 1.0 2.0 1.0 2.0 1.0 2.0

Arrobas de novilhos 1.078 1.797 1.362 2.270 2.437 2.723 2.651 5.634 3.015 6.030 3.218 6.436
Arrobas de novilhas 205 341 411 685 526 856 622 1.244 1.018 2.036 1.243 2.486
Arrobas de vacas 500 834 496 826 1.135 1.013 1.298 2.596 1.181 2.362 1.112 2.224
Total 1.783 2.972 2.269 3.781 4.098 4.592 4.571 9.474 5.214 10.428 5.573 11.146
kg de carcaça/ha 26,7 44,6 34,0 56,7 61,5 68,9 68,6 142,1 78,2 156,4 83,6 167,2

Pesos da carcaça:
Peso da carcaça de macho arroba 17 17 17 17 17 17 16 16 16 16 16 16
Peso da carcaça de fêmea arroba 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12

No sistema preconizado pela UNESP – Botucatu, bezerros mestiços recebem durante o


aleitamento (fase de cria) alimento concentrado suplementar, na forma de Creep Feeding, sendo
desmamados aos 7 meses, com peso médio de 240 kg para os machos e 200 kg para as fêmeas.
Logo após a desmama, os machos são confinados recebendo ração contendo 85 a 90% de
concentrado, na matéria seca, por um período de 150 dias. Durante o aleitamento, foi observado
ganho médio de 970 g por dia e durante o confinamento de 1160 g.

212 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As fêmeas são recriadas em pasto de excelente qualidade no verão, com ou sem
suplementação, e recebem pasto + suplemento no inverno, tendo o primeiro parto em torno dos 23
meses de idade.
Os custos de produção dos machos superprecoces são apresentados na Tabela 4.5.3.
Tabela 4.5.3
Custo de produção de machos no sistema superprecoces (p/animal)
R$
Custo total do confinamento 140,67
Custo do bezerro 133,55
Custo total do sistema 274,22
Custo incluindo-se juros sobre capital de giro 290,68
Custo por arroba produzida 18,17
Preço de venda por arroba 27,50
Lucro por arroba 9,33
Lucro por animal 149,32
Fonte: SILVEIRA, 1998.
4.5.3. Incorporação de tecnologias, práticas de manejo e evolução dos índices de
produtividade
4.5.3.1. Expansão das pastagens cultivadas
Anualmente, são semeadas no Brasil cerca de 5.500.000 ha de pastagens perenes, incluindo
formação, renovação e recuperação. As pastagens nativas ainda ocupam cerca de 50% das áreas,
entretanto, a área de pastagens cultivadas aumentou de 30 milhões de hectares, em 1970, para 105
milhões de hectares em 1995 (Zimmer e Euclides, 1995). A taxa média e lotação elevou-se de
cerca de 0,5 animal/ha para 0,9 animal por ha, embora a taxa de renovação e recuperação de
pastagens mantenha-se abaixo do ideal, resultando no acúmulo de pastagens degradadas. As
regiões Centro-Oeste e Norte, que constituem as áreas de expansão mais recente da fronteira
agrícola, detêm os mais elevados percentuais de pastagens cultivadas.
A disponibilidade atual de cultivares mais adaptados e produtivos, destacando-se as
braquiárias: B. decumbens, B. ruziziensis, B. humidicula, o capim-andropogon (Andropogon
gayanus) e novos cultivares do Panicum maximum , além da oferta de melhores sementes e o
aprimoramento dos métodos de plantio, são apontados como fatores que têm contribuído para a
expansão das pastagens cultivadas, mesmo em regiões de ocupação antiga do Sudeste, em que os
capins tradicionais vão sendo substituídos pelos cultivares mais produtivos.
Nas regiões de solo propício para a agricultura, têm sido crescente a integração da agricultura
com a pecuária, fazendo-se a recuperação das pastagens com auxílio da agricultura. Essa recuperação
tem sido feita de duas maneiras. A primeira consiste em se fazer o consórcio do pasto com culturas
anuais, tais como o milho, arroz, sorgo, etc. Neste caso, é feito o plantio conjunto das sementes da
cultura anual e do pasto. Após a colheita da cultura anual, tem-se o pasto formado. Outra maneira
seria efetuar-se o plantio de culturas anuais solteiras, por um ou mais anos, retornando depois à

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 213
pastagem. Uma opção que tem sido usada é se fazer o plantio direto de soja, em pastagens que
ainda têm boa cobertura de solo, embora mostrando sintomas de deficiência de nutrientes. O uso
da agricultura possibilita amortização total ou parcial dos custos. Em pastagens localizadas em
solos desfavoráveis à produção de grãos, faz-se sua recuperação direta.
4.5.3.2. Uso de alimentos suplementares/semiconfinamento/confinamento
Em inúmeras fazendas brasileiras, onde são adotadas estratégias de manejo de pastagem
que garantam o suprimento irrestrito de forragem, ao longo do ano, animais que pesam à desmama
150 a 180 kg, aos sete meses de idade, têm sido abatidos dos 28 aos 32 meses de idade com peso
de 450 a 480 kg, em regime exclusivo de pasto (Boin e Tedeschi, 1997).
Mais comumente, os animais, em fase de recria/engorda, exibem ganho de peso médio diário
de 400 a 700 kg durante os meses chuvosos. Nos meses de seca, ocorre normalmente perda de
peso, de intensidade variável, em função da qualidade da pastagem. Nestas condições torna-se
indispensável a suplementação alimentar dos animais na seca de forma a possibilitar a redução da
idade de abate.
A suplementação com volumosos, tais como feno e silagem é muito pouco usada em gado de
corte. Uma prática de maior aceitação, de baixo custo e fácil adoção, é o diferimento de pastagens,
que consiste em se vedar parte das pastagens no fim da estação chuvosa, possibilitando o acúmulo
de forragem para utilização no período seco. Entretanto, as sobras de forragem e pastagens de
verão diferidas, destinadas à alimentação do gado na seca têm elevado teor de fibras e são muito
pobres em proteínas.
A população microbiana do rúmen dos bovinos, responsável pela digestão da fibra das
forragens, necessita para o seu desenvolvimento de cerca de 1% de nitrogênio na matéria seca da
forragem, o que corresponde de 6 a 7% de proteína. As pastagens de verão diferidas para o
período seco contêm nível de proteína bastante abaixo do mínimo, o que restringe o desenvolvimento
da população microbiana, diminuindo o consumo e digestibilidade do pasto pelo animal.
O fornecimento de suplementos alimentares, durante a seca, para bovinos de corte, em fase
de recria, tem-se difundido nas áreas criatórias de maior importância. Destacam-se pela maior
adoção, as misturas minerais proteinadas, contendo uréia, e os suplementos proteinados enriquecidos
com fontes energéticas. Havendo disponibilidade de pasto seco (feno em pé) tais suplementos,
fornecidos em quantidades controladas, agem corrigindo ou minimizando a deficiência de proteína
do alimento, elevando o seu consumo e digestibilidade, o que resulta em ganho de peso moderado
ou diminuição da perda de peso dos animais na seca, possibilitando a redução da idade de abate e
de primeiro parto. Pode-se esperar o ganho adicional diário de peso de 180 g para as primeiras
450 g e concentrado rico em proteína (30 a 40% de proteína) consumidas. Uma vez atendida a
deficiência de proteína, pode-se esperar ganho adicional de 40 g de peso para cada 450 g de
suplemento energético ou protéico adicional (Gill e Lusby, 1998).
Os animais que perdem peso ou têm ganho moderado na seca podem apresentar ganho mais
rápido que o normal no início da estação chuvosa. Este ganho mais rápido é conhecido como ganho
compensatório.

214 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
No semiconfinamento, quantidades mais elevadas de suplementos proteico-energéticos
(geralmente 1% do peso vivo) são fornecidas, durante a seca, a animais em fase de engorda,
mantidos em pastos reservados para tal fim, possibilitando ganhos de peso diários de 0,7 a 1,0 kg
e o abate precoce dos animais na entressafra.
Na engorda em confinamento, rações balanceadas são fornecidas a animais mantidos em
currais, durante a seca, possibilitando a engorda e o abate em idade precoce, na entressafra, e
permitindo a engorda de grande número de animais em pequenas áreas. Neste sistema, a engorda
tem duração de 90 a 120 dias.
As práticas de engorda em confinamento e semiconfinamento têm-se difundido principalmente
nas regiões produtoras de grãos onde seu custo é mais baixo.
Na engorda em semiconfinamento, e em confinamento o lucro depende da diferença dos
níveis de preço verificados na safra (início da engorda) e entressafra (final da engorda). Existe,
portanto, risco associado ao processo de engorda.
O uso de suplementos proteinados é uma das práticas em maior expansão na produção de
gado de corte, especialmente, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Em Goiás, seu uso já atinge a
60% do rebanho, conforme informações de técnicos ligados ao setor.
O semiconfinamento desperta interesse crescente, muitas vezes substituindo a engorda em
confinamento. Seu emprego é maior no Sudeste e Centro-Oeste, embora já seja adotado em todas
as regiões.
O volume de animais engordados em confinamento tem variado de 700.000 a 1.400.000
por ano (Zimmer e Euclides, 1997). Essa modalidade de engorda é praticada em escala variável em
todas as regiões fisiológicas, sendo entretanto mais comum nas regiões Sudeste, Sul e Centro-
Oeste. Segundo informações colhidas, em Goiás, o número de animais confinados, após grande
expansão que atingiu a 500.000 cabeças por ano, retraiu-se, estabilizando-se em cerca de 100.000
cabeças.
Prevê-se para os próximos anos, grande aumento da utilização de suplementos alimentares
concentrados para animais em recria/engorda. À medida que se generalizarem práticas de semi-
confinamento e confinamento, grandes quantidades de grãos terão de ser utilizadas para estas
finalidades. Para cada boi engordado em confinamento ou semi-confinamento estima-se um consumo
de concentrados de cerca de 300-300 kg, num período de 120 dias.
A suplementação de vacas de cria é ainda prática pouco utilizada no Brasil. Entretanto, tem
se elevado o uso de sal proteinado para esta categoria, sendo que o Estado de Goiás lidera o seu
emprego.
Uma prática pouco comum, de interesse na produção de novilhos precoce, é a suplementação
dos bezerros na fase de aleitamento, como forma de se elevar seu peso à desmama. Seu emprego
é fundamental nos programas de produção de novilhos superprecoces (abate aos 12-13 meses de
idade).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 215
A modalidade de suplementação para bezerros mais utilizada é o fornecimento de concentrado
em cochos mantidos em cercados colocados no pasto, que permitem a entrada dos bezerros,
impedindo o acesso das vacas. Essa forma de suplementação, conhecida como Creep feeding,
além de permitir o desmame de bezerros com peso elevado, possibilita sua adaptação a rações
contendo níveis elevados de concentrados (85-90%), utilizadas após a desmama na engorda em
confinamento, com duração de 150-180 dias.
Os bezerros utilizam com grande eficiência as rações concentradas oferecidas à vontade, na
fase de amamentação, ficando a conversão alimentar próxima a 2:1, enquanto na fase de confinamento
a conversão é cerca de 5:1.
4.5.3.3. O uso de culturas forrageiras
Nas áreas de clima subtropical da região Sul, o inverno chuvoso favorece o crescimento das
culturas anuais de inverno, sendo comum o uso do azevém, cornichão, aveia, centeio e triticale, no
Rio Grande do Sul. No verão, são utilizadas culturas de milheto e sorgo.
No Centro-Oeste, constatou-se o uso de aveia preta, no inverno, e milheto, no verão, nas
regiões de integração cultura/pecuária do Mato Grosso do Sul, e alguma utilização do milheto no
Mato Grosso, enquanto em Goiás as culturas forrageiras anuais têm uso muito restrito.
Como forma de atenuar as secas prolongadas do Nordeste, nas regiões de Caatinga, uma
alternativa que tem sido recomendada é a associação Caatinga, capim-buffel e leucena (CBL), além
dos suplementos tradicionais constituídos pelo mandacaru, maniçoba, melancia de cavalo, etc.
A fenação é prática pouco empregada no Brasil. O diferimento de reservas de pasto
acumuladas no período chuvoso, para uso na época seca ("feno em pé"), é o recurso mais utilizado
nas regiões de inverno não-chuvoso. O diferimento de pastagens torna-se indispensável quando se
pretende adotar o uso de suplemento proteinado ou no semiconfinamento.
4.5.3.4. O controle sanitário
Do ponto de vista sanitário, causa maior preocupação a febre aftosa, que impede a exportação
de carne in natura para os Estados Unidos e países da Europa.
A doença não foi ainda erradicada do Brasil, com ocorrências de focos no Nordeste, Norte
e Tocantins. No Mato Grosso do Sul, embora o Estado conte com sistema organizado de vigilância,
cobrindo todo o território e vacinando quase a totalidade do rebanho, surgiram recentemente dois
focos, aparentemente ocasionados pela introdução de animais de países vizinhos. Os Estados do
Tocantins, Bahia, Sergipe e Rio de Janeiro, com sistemas de vigilância sanitária deficientes e baixa
cobertura vacinal, são considerados pelo Ministério da Agricultura, Estados de alto risco de
contaminação. Os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás e Mato Grosso têm sistemas
de vigilância sanitária eficiente e têm todo o território coberto pelo Programa de Erradicação da
Febre Aftosa. Os únicos Estados do País que possuem o certificado de zonas livres de aftosa com
vacinação, conferido pela Organização Internacional de Epizootia (OIE), são o Rio Grande do Sul
e Santa Catarina.

216 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Entre as zoonoses, a cisticercose ocorre em todo o País e a raiva bovina constitui problema
em várias regiões. Algumas doenças, como a brucelose e tuberculose, aparentemente, ocorrem
com maior freqüência no rebanho leiteiro.
O controle da brucelose e outras doenças que afetam a reprodução, tais como a tricomonose
e campilobacteriose tem sido considerado prioritário pelos médicos veterinários que atuam na área,
que recomendam ainda atenção para as doenças viróticas IBR e BVD.
Constatou-se que tem ocorrido, na maioria das regiões, vacinação sistemática contra as
clostridioses, empregando-se vacinas polivalentes, o que tem possibilitado o controle do carbúnculo
sintomático, gangrena gasosa, hepatite necrótica e outras clostridioses, o que tem concorrido para
uma redução sensível da mortalidade.
De forma geral, os criadores se queixam do preço da vacina, especialmente da vacina contra
a febre aftosa, que tem uso generalizado.
4.5.3.5. A prática da castração
Bovinos jovens não-castrados, manejados em regime intensivo, ganham peso mais
rapidamente e apresentam melhor eficiência de utilização dos alimentos que os castrados. Esses
animais têm sido utilizados em larga escala em alguns países da Europa, como a Suécia. Seu potencial
de ganho de peso e sua eficiência de utilização dos alimentos igualam ou superam os animais castrados
tratados com anabolizantes e, quando alimentados com ração bem balanceada e abatidos
precocemente, produzem carne de boa qualidade. Os animais não-castrados têm, entretanto, menor
tendência de deposição de gordura que os castrados e, por isso, quando criados em regime exclusivo
de pastagem e abatidos jovens, tendem a não formar a camada mínima de gordura subcutânea
necessária à proteção da carne contra a "queima" e desidratação nas câmaras frias. Além disso,
quando abatidos em idade avançada, apresentam, com freqüência, carne escura e menos macia,
sendo discriminados pelos frigoríficos.
Animais não-castrados, quando abatidos tardiamente, são muito mais sujeitos a estresse no
processo de transporte e durante o período de espera antes do abate. O estresse e a agitação
desses animais pode determinar, em parte deles, a exaustão das reservas musculares de glicogênio,
importantes para a queda do pH da carne, após o abate, com reflexos negativos sobre a maciez da
carne, capacidade de retenção de água e especialmente sobre a cor da carne, ocorrendo maior
incidência de carcaça com carne escura (dark cutting).
Nas regiões Norte e Nordeste, os consumidores manifestam a preferência por esse animal,
por produzir carne magra. Nas regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste, a grande maioria dos animais
é castrada nas fases de cria e recria. Entretanto, tem sido crescente a oferta de animais não-castrados
no Centro-Oeste, uma vez que o produtor prefere ser penalizado em cerca de 5% no preço do boi
inteiro pesado, capitalizando o maior potencial de ganho de peso animal. A discriminação contra
boi inteiro depende do nível de oferta de animais para abate, sendo maior em épocas de muita
oferta. Varia também de frigorífico para frigorífico.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 217
4.5.3.6. Uso de anabolizantes
Constatou-se que anabolizantes são empregados nas diferentes regiões fisiográficas, em escala
variável, embora sem declaração oficial. No Rio Grande do Sul, a FARSUL manifesta-se contrária
a liberação do seu uso no Estado, mesmo que venha, no futuro, a ser permitido no País.
Vários produtos anabolizantes comerciais têm uso liberado e generalizado nos USA, onde o
FDA (Food and Drug Administration), com base em vasto volume de informações de pesquisa,
constatou que o mesmos, quando usados de forma apropriada, são seguros para a saúde humana.
Os anabolizantes proporcionam melhoria de 10 a 25% no ganho de peso e de 5 a 10% na eficiência
de utilização dos alimentos. Nos USA, o seu uso traz benefício econômico da ordem de US$ 25,00
a 75,00 por cabeça, acima dos custos do produto (PRESTON, 1998).
A pesquisa tem revelado que vacas gestantes e animais inteiros têm, normalmente, níveis de
hormônio sexuais muito mais elevados que animais implantados com anabolizantes. Não há dúvida,
entre a maioria dos técnicos brasileiros, quanto ao efeito favorável sobre o ganho de peso e conversão
alimentar que os anabolizantes podem proporcionar, especialmente em animais castrados alimentados
intensivamente. Reconhece-se também que os produtos à base de hormônios naturais são seguros,
quando utilizados convenientemente. Entretanto, conforme bem dito por Meirelles (1998), no III
Encontro Nacional de Novilho Precoce, a questão de usar hormônio não se prende à discussão
científica, que já está ultrapassada, o que se discute é se convém ou não, comercialmente. Este é o
sentido de não usar hormônio no Brasil, como vantagem comparativa. A exportação brasileira é
feita 60% para a Europa e a Europa simplesmente não compra de quem usa hormônio.
4.5.3.7. O melhoramento genético do rebanho
Há duas maneiras básicas para o melhorista ou criador mudar a constituição genética do
rebanho, promovendo o melhoramento genético. A primeira delas seria por meio da seleção, que
consiste em se escolher os animais que serão os pais da próxima geração. A segunda seria por meio
do cruzamento entre indivíduos de diferentes raças ou espécies, conforme já referido anteriormente.
Na verdade, o processo de seleção deve estar sempre presente, mesmo nos programas de
cruzamento. Nestes, quando se usa os mestiços para a reprodução, a seleção tem participação
direta no programa, pois é necessário que se faça a escolha dos animais de reprodução com base
em seu mérito genético. A seleção estará, de forma indireta, nos programas de cruzamento, quando,
dentro de cada raça, são escolhidos os reprodutores a serem utilizados.
A seleção de reprodutores nacionais, com base no desempenho de sua progênie, passou a
viabilizar-se, a partir da década de 80, com as publicações feitas pela ABCZ/EMBRAPA, dos
resultados de avaliação de touros, contendo a classificação dos animais, de acordo com o seu
mérito genético.
Metodologia mais moderna e precisa de avaliação passou a ser utilizada no Brasil, para
touros de raças de corte zebuínas e européias, na década de 90, com a introdução da metodologia
de Modelos Mistos, sendo adotado o Modelo Animal, que permite que se considerem características
múltiplas, não apenas o peso, e informações do animal e dos parentes.

218 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Os produtores são avaliados com base em sua diferença esperada na progênie (DEP). A
DEP é a diferença esperada na média do desempenho das progênies futuras de um touro, em
relação a média das diferenças esperadas futuras das progênies de todos os touros que participaram
da mesma avaliação, quando todos são acasalados com vacas que tenham o mesmo potencial
genético. Touro com DEP mais elevado para a característica que se deseja seria o escolhido.
Hoje já existe um volume bastante amplo de informações sobre touros nacionais, baseadas
no conceito de DEP, graças a programas bem delineados que são conduzidos no Brasil, podendo-
se citar:
· Avaliação Nacional de Touros das Raças Zebuínas, convênio da EMBRAPA (CNPGC) –
ABCZ – MAA.
· Avaliação de Touros Jovens, envolvendo o CNPGC–ABCZ – Centrais de IA – Produtores
– Universidades.
· Programa de Melhoramento Genético da Raça Nelore – USP – Ribeirão Preto.
· Programa de Melhoramento de Bovinos de carne – PROMEBO, Associação Nacional de
criadores Herd Book Collares.
O acesso dos criadores a sêmen de reprodutores melhorados restringe-se aos rebanhos de
elite. As estimativas colhidas de uso de inseminação artificial nos rebanhos de corte, nas várias
regiões, indicaram que apenas cerca de 2% das vacas são inseminadas, embora dados da ASBIA
mostrem crescimento da venda de sêmen no País. O criador dos rebanhos comerciais pode-se
beneficiar, de forma indireta, do progresso verificado nos rebanhos de elite, ao adquirir seus
reprodutores em rebanhos cada vez mais melhorados. A IA, em gado de corte, tem sido usada em
proporção limitada, mesmo em países de pecuária evoluída. Estima-se que a IA seja utilizada
anualmente em, apenas, cerca de 5% das vacas no rebanho de corte dos Estados Unidos da
América.
Ampla gama de produtos para a sincronização de cios já existe e novos produtos estão
sendo aperfeiçoados no sentido de facilitar o uso da IA em condições de criação extensiva podendo-
se antever sua expansão nos próximos anos.
4.5.3.8. Evolução dos índices de produtividade
De maneira geral, pode-se dizer que houve evolução significativa dos índices de produtividade
do rebanho de corte, nos últimos anos.
A idade de abate, conforme informações colhidas em inúmeras entrevistas, sofreu redução,
nas principais áreas produtoras, de 4 a 4,5 anos para 3 a 3,5 anos, em função do maior emprego de
suplementos alimentares na seca e também, segundo o ANUALPEC 98, porque com a estabilização
econômica, os pecuaristas que tradicionalmente abatiam animais com 19 a 20 arrobas passaram a
vendê-los mais jovens, com 16 arrobas. Isto teria, segundo a mesma fonte, resultado numa redução
do rebanho da ordem de 20 milhões de cabeças e na elevação do volume de abates. Além disso, a
menor carga animal estaria possibilitando a recuperação das pastagens, com melhoria das condições
de cria e recria.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 219
A idade de primeiro parto, segundo constatou-se nas entrevistas, também reduziu-se para
cerca de 3,5 anos, em várias regiões.
Melhoria foi igualmente apontada nos índices de mortalidade, pela adoção de esquemas
mais adequados de vacinações.
Outros fatores que, certamente, têm contribuído para a melhoria dos índices são o aumento
da participação das pastagens cultivadas no total e a maior participação das novas regiões de
fronteira agrícola na produção nacional. Além disso, segundo opiniões colhidas em vários estados,
à medida que a nova geração de pecuaristas vai assumindo os negócios, ocorre maior receptividade
a novas tecnologias.
4.5.4. O Segmento de Insumos
4.5.4.1. Definição
Por insumos entende-se a combinação dos fatores de produção (matéria-prima, energia,
horas trabalhadas etc.) que entram na produção de determinada quantidade de bens ou serviços.
No caso da bovinocultura de corte, existem insumos que podem ser imprescindíveis ou não
e utilizados de maneira direta ou indireta na produção da carne.
O sistema de produção adotado e o nível tecnológico da propriedade, determinarão o grau
de sofisticação e necessidade do uso de determinados insumos.
Como insumos de ação direta podemos citar os concentrados protéicos e energéticos
utilizados na alimentação animal, as vacinas, os vermífugos, os carrapaticidas e os antibióticos.
De ação indireta temos os fertilizantes, corretivos, herbicidas e adubos utilizados no cultivo e
manejo das pastagens.
O objetivo do uso de insumos na produção animal, é a melhoria dos índices zootécnicos e
eficiência produtiva da atividade (conversão alimentar – CA, Kg de carne/ ha, U.A/ ha, etc.).
A biodiversidade entre as regiões e rebanhos nacionais tem possibilitado às grandes empresas
o lançamento de produtos diversificados e específicos, exigindo o correto uso e conhecimento
técnico na sua manipulação. Alguns desses produtos, quando mal utilizados resultam em índices
negativos de eficiência produtiva.
4.5.4.2. Características do Setor de Insumos Veterinários e Nutrição Animal
4.5.4.2.1. Setor de Insumos Veterinários
Segundo Neves (1995), no setor de insumos veterinários encontram-se as principais empresas
multinacionais de base química e farmacêutica, voltadas para a produção de princípios ativos de
fármacos.
Uma forte característica do setor é o dinamismo e constante busca por novos produtos, com
altos investimentos em P&D determinados pelo seu curto ciclo de vida.
As 10 maiores empresas do setor no mundo podem ser observadas na Tabela 4.5.4.

220 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.5.4
10 Maiores Empresas do Setor no Mundo em 1993

Ranking Empresa US$


1 Hoffman La Roche 1.100
2 Rhone Poulenc 932
3 Merk Ag Vet 695
4 Smithkline Beechan 614
5 Bayer 605
6 Mallinokrodt (Pitman) 592
7 Pfizer 578
8 BASF 570
9 Hoechst 444
10 Elanco 439

Fonte: Adaptado de NEVES (1995) – Animal Pharm of 1994.


O volume do rebanho bovino brasileiro, que corresponde a 70% do total no Mercosul, 160
milhões de cabeças, justifica o investimento do setor no País (Tabela 4.5.5)
Tabela 4.5.5
População Animal do Mercosul, 1991

Fonte: NEVES, 1995 – GATT.


Na Tabela 4.5.6 podemos observar a participação por tipo de animal nos dois principais
mercados para insumos veterinários do Mercosul, Brasil e Argentina, respectivamente.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 221
Tabela 4.5.6
Participação por tipo de animal no consumo de insumos veterinários (1993)

DIVISÃO POR ANIMAIS % BRASIL % ARGENTINA


Bovinos 62 75
Ovinos 04 Junto com bovinos
Aves 15 13
Suínos 08 -
Pets 04 05
Eqüinos 05 Junto com outros
Outros 02 07
Total 100 100

Fonte: NEVES (1995) – SINDAN (Sindicato das Indústrias de Defensivos Animais do Brasil) e
CAPROVE (Câmara de Produtos Veterinários da Argentina).

A liderança do mercado nacional para insumos é regida pela empresa TORTUGA, de


origem nacional, com faturamento de US$ 103,459 milhões, o que representa 14,97% do mercado
interno, porém sua atuação limita-se ao mercado de rações e não de insumos veterinários.
Tabela 4.5.7
Maiores Empresas de Produtos Veterinários no Brasil (1994)
Valores em Milhões de US$
EMPRESA ORIGEM FATURAMENTO % PRODUTOS
Tortuga Nacional 103,459 14,97 R
M.S.D. Agvet Estrangeira 80,271 11,62 T
Pfizer Estrangeira 65,785 9,52 T,V
Rhodia Estrangeira 45,254 6,55 T,V
Mallinkrodt Estrangeira 36,448 5,27 T,V
Químio (Hoechst) Estrangeira 33,858 4,90 T
Bayer Estrangeira 33,846 4,90 T,V
Ciba-Geigy Estrangeira 32,353 4,68 T
Cyanamid Estrangeira 27,802 4,02 T
Vallée Nacional 27,409 3,97 T,V
Outros - 204,501 29,6 -
TOTAL 690,986 100

Fonte: Adaptado de NEVES (1995)


Obs.: T = produtos terapêuticos, V = vacinas e R = rações

222 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Os laboratórios multinacionais, quando agregados, totalizam 13 companhias (Gazeta
Mercantil), cuja participação nas vendas chega a 60% do total do mercado.
É provável que o mercado brasileiro obedeça, em percentuais, a mesma segmentação que
ocorre no mundo, ou seja, a liderança do setor bovino, seguido por suínos, aves, ovinos e outros
(Tabela 4.5.8).
Tabela 4.5.8
Distribuição percentual por segmento de mercado no Mundo – 1990

Segmentos Bovinos Suínos Aves Ovinos Outros


Participação % 30 20 20 10 20

Fonte: NEVES (1995) – SINDAN e CAPROVE

A tabela acima não considera a divisão entre bovinos de leite e carne, porém o julga-se que
o desenvolvimento tecnológico sofrido pela bovinocultura de carne tenha aumentado sua participação
no mercado de insumos veterinários. A validade da afirmação pode ser reforçada pela demanda de
vacinas para febre aftosa no ano de 1998, cujo principal "usuário" é o bovino de corte incentivado
pelas campanhas de erradicação da doença.
4.5.4.2.2. Setor de Insumos para Nutrição Animal
O setor de insumos direcionados à nutrição animal tem acompanhado a tendência de
crescimento dos insumos veterinários impulsionado pelo desenvolvimento das técnicas produtivas
do setor.
O conceito de precocidade, intensamente discutido por pesquisadores, para ser válido depende
diretamente do uso de rações, concentrados protéicos e energéticos, ionóforos, sais minerais, sais
proteinados e núcleos vitamínicos.
Dentro do processo intensivo de produção, a nutrição animal responde em média por 70%
dos custos totais, ou seja, um mercado enorme de oportunidades.
Os principais insumos, concentrados energéticos e protéicos, que compõem uma ração
balanceada são os farelos de milho, soja, algodão e trigo. Como suplementos protéicos podem ser
utilizados também farinha de carne e sangue, em escala menor.
Os estudos dirigidos para sistemas produtivos intensivos, têm pesquisado a utilização de
subprodutos e resíduos da agroindústria na alimentação animal como redutores de custo.
Bagaço de cana-de-açúcar, polpa cítrica, caroço de algodão, cevada e levedura são alguns
exemplos de complementos alternativos da alimentação animal. O fluxo do rebanho nacional em
direção ao Centro-Oeste baseia-se em parte nesta afirmativa.
A principal cadeia produtiva consumidora de ração continua sendo a avicultura, porém,
como podemos observar na Tabela 4.5.9 é nítido o crescimento da bovinocultura (corte e leite).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 223
Tabela 4.5.9
Consumo de Rações
Em mil toneladas por espécie

1996 1997 1998*


Avicultura 15.252,00 16.340,00 17.288,00
Corte 12.622,00 13.889,00 14.713,00
Postura 2.630,00 2.452,00 2.575,00
Suínos 8.493,00 8.950,00 9.400,00
Bovinos 1.239,00 1.780,00 1.958,00
Pet Foods 420,00 550,00 640,00
Eqüinos 222,00 350,00 260,00
Outros 386,9 745,00 780,00
Totais 26.012,90 28.715,00 30.326,00

Fonte: Panorama Setorial/ Gazeta Mercantil – Sindirações


* Previsão
A Tabela 4.5.10 mostra o ranking das maiores fabricantes de rações segundo a receita
operacional líquida.

224 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.5.10
Ranking das maiores fabricantes de rações.

Fonte: Balanço Anual e Panorama Setorial


4.5.4.2.3. O Setor de Sementes Forrageiras
De acordo com Zimmer e Correa (1993), citados por Zimmer e Euclides (1996), no Brasil
tropical são semeados anualmente cerca de 5.500.000 ha de pastagens perenes, gastando-se, em
média, 15 kg de semente por hectare. Isto implica uma demanda de 80.000 toneladas de sementes
por ano. A participação de cada forrageira no total é mostrada na Tabela 4.5.11.
Pelos dados pode-se ver que a Brachiaria brizantha é a forrageira que desperta o maior
interesse, atualmente, com participação de 50% do mercado, e que, em conjunto, as braquiárias
representam cerca de 80% da venda de sementes de forrageiras tropicais.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 225
Tabela 4.5.11
Quantidades de sementes produzidas das principais forrageiras tropicais. Estimativas
1990/91 e 96/97

Fonte: ZIMMER e EUCLIDES (1997)


Além das gramíneas tropicais, Zimmer e Euclides (1996) destacam, pela relevância, as
produções de sementes de Azevém (Lolium mutiflorum), que atinge 8000 t, de aveia preta com
100.000 t e milheto com 15.000 t, sendo as duas últimas utilizadas principalmente para cobertura,
em área de plantio direto, e, em menor escala, como culturas forrageiras anuais, para pastejo.
4.5.4.2.4. Outros Insumos
Novas tecnologias têm sido introduzidas na produção de gado de corte. Merece destaque a
participação crescente de sêmen e embriões no mercado de insumos, como instrumento para o
melhoramento genético dos rebanhos de elite. Além disso, a inseminação artificial assume importância
nos programas de cruzamento entre raças européias e zebuínas, em vista da baixa adaptabilidade
dos reprodutores de várias raças européias ao meio tropical.
Empresas multinacionais estão apostando no mercado brasileiro e investindo em reprodutores
e centrais de inseminação, ou mesmo na importação direta de sêmen e embriões.
Nas Tabelas 4.5.12 e 4.5.13 são apresentadas informações sobre o volume de sêmen
importado e produzido no Brasil, de reprodutores de raças de corte e na Tabela 4.5.14 são mostradas
as participações percentuais das seis raças de corte, com maior participação no mercado de sêmen
no Brasil, no ano de 1995, 1996 e 1997.

226 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.5.12
Sêmen importado – participação por empresas

FONTE: ASBIA, 1999

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 227
Tabela 4.5.13
Sêmen nacional – participação por empresas

1996 1997 1998


No Empresa Importadora UF Doses Part. % Doses Part. % Doses Part. %
1 Pecplan ABS Imp. Exp. SP 806.833 35,25 954.764 34,34 975.252 31,66
Ltda.
2 Lagoa da Serra S/A SP 760.823 33.24 765.919 27,55 827.003 26,85
3 Nova Índia Genética S/A MG 102.757 4,49 193.635 6,96 302.124 9,81
4 Com. Agrop. Rodrigues da SP 41.166 1,80 132.345 4,76 250.027 8,12
Cunha S/A
5 Yakult S/A Ind. Com. SP 16.082 0,70 38.660 1,39 130.208 4,23
6 Sembra Tec. Prod. Reprod. SP 133.238 5,82 140.341 5,05 127.018 4,12
Ltda.
7 Central do Campo Sêmen MS --- --- --- --- 113.914 3,70
Embriões
8 Tairana S/A Central de C SP 70.449 3,08 150.349 5,41 103.046 3,35
Sêmen
9 Cidasc Cia In Des Sta SC 58.075 2,54 62.959 2,26 66.551 2,16
Catarina
10 Transêmen Centro de GO 12.710 0,56 54.636 1,97 50.618 1,64
Transf. Embrião
11 Caiado Fraga Genética S/A ES 32.729 1,43 39.243 1,41 47.115 1,53
12 Central Riograndense de RS 20.640 0,90 46.700 1,68 44.709 1,45
Ins Art
13 Azul Insem Art Ltda. RS 15.488 0,68 24.397 0,88 26.461 0,86
14 Pedra Bonita Genética BA 15.247 0,67 16.980 0,61 15.865 0,52
Animal
Empresas desativadas 202.435 8,85 159.394 5,73 --- ---
Total de doses 2.288.672 100,00 2.780.322 100,00 3.079.911 100,00
Evolução - % 21,48 10,77

Resumo Geral - 1998


Total de Sêmen Nacional 2.288.672 55,50 2.780.322 53,97 3.079.911 52,27
Total de Sêmen Importado 1.834.770 44,50 2.371.013 46,03 2.813.432 47,73
Total Geral de Doses 4.123.442 100,00 5.151.335 100,00 5.893.343 100,00
Evolução 24,93 14,40

FONTE: ASBIA, 1999.

228 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.5.14
Participação percentual de sêmen das seis raças de corte mais importantes de 1995 a 1997
Raça 1995 1996 1997
% % %
Nelore 31,3 26,2 24,0

Red Angus 6,3 8,8 14,0

Limousin 9,8 10,6 12,5

Simental 16,6 18,6 14,5

Nelore Mocho 7,2 7,6 9,4

Aberdeen Angus 4,5 4,3 4,7


Fonte: ASBIA, 1999. Dados transformados
4.5.5. Estrutura de Mercado
4.5.5.1 Caracterização do Rebanho
Fonte de dados
Existem basicamente 3 fontes de dados referentes ao rebanho bovino brasileiro. O IBGE, a
FNP e a Secretaria de Defesa Sanitária do Ministério da Agricultura. As informações mais detalhadas
estão no Censo Agropecuário do IBGE, publicado a cada dez anos. Séries históricas são encontradas
no Anuário Estatístico do Brasil (também do IBGE), na publicação ANUALPEC (da FNP) e nas
informações levantadas pela Secretaria de Defesa Sanitária do Ministério da Agricultura. Como o
período coberto por essas publicações nem sempre é o mesmo, é necessário combinar os resultados
de todas elas, mesmo que seus métodos sejam diferentes. Os dados anterior a 1990 podem ser
obtidos junto ao IBGE. Como o período após 1994 não foi coberto pelos dados do IBGE1,
apenas a FNP e a Secretaria de Defesa Sanitária apresentam-se como fontes que permitem alguma
inferência
As metodologias adotadas por todas as fontes estatísticas não são apresentadas
detalhadamente nos documentos levantados durante a revisão de literatura desta pesquisa. Entretanto,
algumas informações puderam ser obtidas por meio de entrevistas com técnicos dessas instituições.
Essas informações são apresentadas a seguir.
Segundo argumentos de José Vicente Ferraz, consultor da FNP, dispostos no ANUALPEC
(1999), é a partir de dados básicos, considerados em princípio exatos, obtidos de levantamentos
censitários no Brasil promovidos normalmente pelo IBGE, com periodicidade decenal, que todas
as instituições, inclusive o próprio IBGE, fazem suas inferências e projeções estatísticas utilizando
modelos apropriados.
1
No tocante aos dados do IBGE, estes foram até 1994, quando a fonte foi o Anuário Estatístico do Brasil. Os dados de 1996 (na
verdade, 1995/96) são do censo Agropecuário. Evitou-se misturar os dados do Censo com os do Anuário porque as metodologias
são distintas. Usou-se, portanto, ora uma fonte, ora outra.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 229
Segundo informações do IBGE, nos anos entre os censos, levantamentos de dados estatísticos
sobre efetivos do rebanho bovino são realizados anualmente, por meio da Pesquisa da Pecuária
Municipal. Nesse levantamento, diversos órgãos estaduais, produtores rurais e a Secretaria de
Estado da Fazenda colaboram na avaliação do efetivo do rebanho dos diferentes municípios
brasileiros.
Para a FNP, as divergências entre as informações podem ser explicadas pelas constantes
revisões necessárias para que os dados apresentem-se mais próximos da realidade. Isto ocorre
devido ao fato dos levantamentos censitários serem realizados apenas a cada dez anos e de seus
resultados serem divulgados dois ou três anos após o recolhimento das informações. Desta forma,
a reavaliação dos dados durante o intervalo intercensitário torna-se fundamental, pois as variáveis
que alimentam o modelo de inferência estatística estão sempre em mudanças, fazendo-se necessário
ajustar o modelo constantemente.
Ainda segundo informações de José Vicente Ferraz, o ajustamento do modelo é realizado
por meio de amostragens realizadas anualmente nos diferentes estados brasileiros por meio de
diversos colaboradores, como Ematers, corretores, pecuaristas, cooperativas e outras entidades
que acompanham a evolução do rebanho bovino em suas respectivas regiões. Essas informações
são acopladas em um modelo matemático adequado para realizar correlações e projeções estatísticas
capazes de promover inferências dos dados da maneira mais próxima da realidade. Em seguida, é
realizado uma calibragem dos valores, sendo comparados com outras instituições e desempenho
de outros setores, como por exemplo couro, para avaliar o tamanho do rebanho bovino.
No tocante aos dados da Secretaria de Defesa Sanitária, as informações sobre o quantitativo
de rebanho bovino originam-se dos cadastros de propriedades pecuárias realizados por órgãos
municipais vinculados às Secretarias Estaduais da Agricultura. Para coleta de dados, todos os
pecuaristas são visitados, pelo serviço social, para identificar a população bovina conforme sua
faixa etária.
Por trabalhar diretamente com dados coletados em propriedades pecuárias, as informações
da Secretaria de Defesa Sanitária mostram-se confiáveis, embora não considerem a quantidade de
animais encontrados em propriedades agrícolas. Entretanto, a exigência de um documento emitido
por Órgãos Municipais para o trânsito de animais sugere que as informações apresentam-se próximas
da realidade.
Evolução do rebanho
Apesar da dificuldade de se compatibilizar os dados das fontes citadas, provenientes de
metodologias distintas, o que é possível inferir é que o rebanho provavelmente cresceu
expressivamente até o início da década de 1990, estabilizando-se a seguir, e vindo a reduzir-se na
segunda metade da década de 1990. Os dados do IBGE apresentados na Figura 4.5.1, sugerem
um crescimento da ordem de mais de 20% do rebanho bovino, entre 1985 e 1994. Este
comportamento é contestado pelos dados da FNP (Figura 4.5.2), que sugerem uma estagnação
durante a primeira metade da década de 1990, com redução do rebanho após 1995. Os dados
apresentados pela Secretaria de Defesa Sanitária (Figura 4.5.3) mostram a mesma tendência explicitada

230 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
pelos dados da FNP: após crescer até o início da década de 1990, o rebanho bovino brasileiro vem-se
mantendo estacionado, ou até mesmo se reduzindo, na segunda metade da década de 1990.
Figura 4.5.1
Evolução do Rebanho Bovino Brasileiro 1985-1994
Dados do IBGE

200
152,1 154,2 155,1 158,2
132,2 135,7 139,6 144,2 147,1
150 127,6
milhões de
cabeças 100

50

0
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994
anos

Concluindo: os números absolutos divergem, como é de se esperar em decorrência de


métodos distintos de coleta de informações. Como é impossível dizer quais são os números exatos
(embora os da Secretaria de Defesa Sanitária pareçam mais precisos), resta analisar as tendências,
que são mesmo mais relevantes, para os objetivos do presente estudo, do que os valores absolutos.
Figura 4.5.2
Evolução do Rebanho Bovino no Brasil – 1989-1998
Dados da FNP

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 231
Figura 4.5.3
Evolução do Rebanho Bovino no Brasil – 1990-1998
Dados da Secretaria de Defesa Sanitária/Ministério da Agricultura

175
milhões de cabeças

150
125
100
75
50
25
0
90

91

92

93

94

95

96

97

98
19

19

19

19

19

19

19

19

19
Anos

Vale ressaltar que, a observação de uma única variável, tal como o tamanho do rebanho,
pode distorcer o que realmente está ocorrendo com a oferta de carne bovina brasileira. A estagnação
e/ou redução do rebanho bovino brasileiro pode sugerir tanto a estagnação do setor quanto a sua
modernização, pela eliminação de animais pouco produtivos e a adoção de sistemas produtivos
mais eficientes. A opção por uma destas duas explicações depende do comportamento temporal
do abate.
As Figuras 4.5.4 e 4.5.5 mostram, por meio de ambas as fontes de dados utilizadas, que o
abate bovino tem crescido. Os dados do IBGE (Figura 4.5.4) certamente subdimensionam o número
de animais abatidos, por desconsiderarem o abate clandestino; mas mesmo esses dados mostram
tendência crescente de abate. Analisando os dados da FNP (Figura 4.5.5), que cobrem o período
mais recente, verifica-se que a quantidade abatida tem-se mantido, nos últimos dois anos, na casa
dos 30 milhões de animais, em detrimento da redução do rebanho após 1995.

232 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 4.5.4
Evolução do Abate Bovino no Brasil
Número de Cabeças – IBGE
20
18 17,17
15,51
16
milhões de cabeças

14,56 14,95
13,46 13,36 13,93
14
11,91
12 10,22 10,61
9,07 10,59

10
8
6
4
2
0
1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
Anos

Figura 4.5.5
Evolução do Abate Bovino no Brasil
Número de Cabeças – FNP

45
40
milhões de cabeças

35 27,10 32,10
28,90 30,20 30,20 30,40
30 28,00 28,40
24,20 24,40
25
20
15
10
5
0
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Anos

O crescimento contínuo do abate, num ambiente de estagnação ou crescimento lento do


rebanho, sugere ganho de eficiência do setor. Se o crescimento do abate fosse devido unicamente
à eliminação de matrizes, esse comportamento não seria sustentável no longo prazo.
4.5.5.2. Distribuição geográfica do rebanho
No tocante aos aspectos regionais, a distribuição do rebanho apresenta duas dimensões. A
primeira, mais fácil de ser quantificada, é o tamanho do rebanho propriamente dito. A segunda, é a
configuração do rebanho, ou seja, a participação de cada categoria animal: vacas, bezerros, bois
magros e animais em engorda. Esta última dimensão está relacionada à distribuição regional das
etapas do processo produtivo, ou seja, à especialização de algumas regiões nas atividades de cria,
recria ou engorda.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 233
A distribuição do rebanho bovino nacional, segundo o Censo Agropecuário de 1995/96
(Tabela 5.5.15), mostra o predomínio dos Estados do Centro-Oeste, onde se encontra cerca de
um terço do rebanho nacional. Nesta região, destacam-se os Estados do Mato Grosso do Sul e
Goiás, representantes de respectivamente, 12,91% e 10,77 % do rebanho nacional. Em segundo
lugar ficam os Estados do Sudeste, com destaque para Minas Gerais, que detém 13,10% do
rebanho total, ou seja, a maior participação em relação ao rebanho nacional. Em seguida estão os
Estados do Sul, Nordeste e Norte.
Tabela 4.5.15
Distribuição geográfica do rebanho bovino brasileiro
por Estados da Federação, em 1996
Nº de cabeças %
BRASIL 153058275
Norte 17276621 11,29
Rondônia 3937291 2,57
Acre 847208 0,55
Amazonas 733910 0,48
Roraima 399939 0,26
Pará 6080431 3,97
Amapá 59700 0,04
Tocantins 5218142 3,41
Nordeste 22841728 14,92
Maranhão 3902609 2,55
Piauí 1704389 1,11
Ceará 2382474 1,56
Rio Grande do Norte 954347 0,62
Paraíba 1327826 0,87
Pernambuco 1930672 1,26
Alagoas 968462 0,63
Sergipe 940996 0,61
Bahia 8729953 5,70
Sudeste 35953897 23,49
Minas Gerais 20044616 13,10
Espírito Santo 1788748 1,17
Rio de Janeiro 1813743 1,19
São Paulo 12306790 8,04
Sul 26219533 17,13
Paraná 9900885 6,47
Santa Catarina 3097351 2,02
Rio Grande do Sul 13221297 8,64
Centro-Oeste 50766496 33,17
Mato Grosso do Sul 19754356 12,91
Mato Grosso 14438135 9,43
Goiás 16488390 10,77
Distrito Federal 85615 0,06
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 1995-1996

234 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Essas informações pontuais obscurecem as tendências que vêm ocorrendo no setor. Nesse
sentido, a Tabela 4.5.16 e a Figura 4.5.6 permitem inferir que a participação das regiões Nordeste,
Sul e Sudeste está diminuindo, ao mesmo tempo em que aumentam as participações do Centro-
Oeste e da região Norte. A figura mostra que a participação da região Sudeste ainda crescia em
1960, vindo depois a reduzir-se expressivamente após essa data. As participações do Sul e do
Nordeste apresentam comportamento muito semelhante, reduzindo-se, a taxas modestas, durante
todo o período. A participação do Centro-Oeste aumentou continuamente durante todo o período,
seguindo, porém, uma taxa maior entre 1960 e 1980, período de intensificação de ocupação desta
região. A região Norte, por sua vez, mostra-se como uma região de ocupação mais tardia, tendo
seu rebanho bovino crescido expressivamente após 1985. Em apenas 10 anos, entre 1985 e 1995,
a participação percentual da região Norte no rebanho bovino nacional quase triplicou (aumentou de
4,2% para 11,3%).
Tabela 4.5.16
Evolução do Rebanho Brasileiro de Bovinos
por regiões (em 1000 cabeças)

REGIÃO 1940 1960 1980 1985 1995


NE 7665 11566 21506 22287 22842
CO 5112 10533 33261 39595 50766
SU 8664 11678 24495 24742 26219
SE 11957 20840 34835 35661 35954
NO 999 1235 3989 5359 17274
TOTAL 34387 55841 118086 127643 153055
Fonte: Censos Agropecuários do IBGE.
Figura 4.5.6
Participação das diversas Regiões no Rebanho Bovino do Brasil
1940 a 1995 – Dados do IBGE

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 235
Com respeito à segunda dimensão da distribuição regional, a especialização regional do
rebanho, Marques & Aguiar (1993) destacam que a distribuição geográfica das etapas ou fases do
processo produtivo da pecuária bovina de corte segue um padrão ditado pelos custos de transporte
e pelo valor das terras. Em geral, as atividades de cria e recria são feitas em áreas mais afastadas
dos centros consumidores, enquanto a engorda é realizada mais próxima desses centros. É ainda
comum, no Brasil, produtores que têm propriedades na região Centro-Oeste (região de terras mais
baratas e afastadas dos principais centros consumidores) e na região Sudeste (onde as terras são
mais caras e próximas dos centros de consumo), realizando cria e recria na primeira região e
engorda na segunda. Portanto, o reduzido grau de verticalização das etapas do processo produtivo
está relacionado com a distribuição geográfica destas etapas.
Mais recentemente, entretanto, uma nova tendência tem sido verificada, mudando o panorama
tradicional apontado acima. Essa nova tendência aponta para a instalação de frigoríficos nas áreas
de fronteira, o que torna-se viável pelo barateamento do transporte de carne desossada. Mais uma
vez são os custos de transporte os determinantes da distribuição regional da produção. Com isso,
torna-se mais viável a verticalização das etapas do processo produtivo de bovinos de corte e
reduz-se a especialização regional em cada uma dessas etapas.
4.5.5.2.1. Rebanho de corte versus leite e porcentagens de machos e fêmeas
Os dados apresentados nas Figuras 4.5.1, 4.5.2 e 4.5.3 dizem respeito ao rebanho total.
Entretanto, embora o rebanho bovino brasileiro seja constituído em sua maioria por bovinos de
corte, parte do rebanho é constituído por bovinos de leite e de trabalho, além de ser composto por
machos e fêmeas.
Conforme dados do IBGE dispostos na Tabela 4.5.17, 74,48% do rebanho brasileiro é
formado por bovinos de corte e 21,48% por bovinos de leite. O restante do rebanho divide-se
entre pecuaristas que criam gado de corte e leite simultaneamente (3,86%) e pecuaristas que
utilizam os animais para trabalho (1,7%). No que diz respeito à participação relativa do rebanho de
corte nas diversas regiões, é interessante verificar a relevante participação do Centro-Oeste,
principalmente nos Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, que apresentam 96,34% e
93,99 % de bovinos de corte em seu rebanho total, respectivamente. Em seguida, destacam-se os
Estados do Norte, como Amapá e Roraima, que apresentam, respectivamente, 91,85% e 91,65%
de seu rebanho destinado à produção de carne. Em relação à intensidade de produção do gado de
leite, nota-se a marcante presença do Ceará, que apresenta 52,19% de seu rebanho direcionado
à criação de gado leiteiro, sendo seguido pelo Estado do Rio de Janeiro, com 48,89%, e Minas
Gerais, com 47,32%.

236 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.5.17.
Percentagem de Gado de Corte (GC), Gado de Leite (GL), Gado de Corte e Leite
(GC+GL) e Gado de Trabalho (GT), em 31 de Julho de 1996, no Brasil e Estados da
Federação
nº cabeças % GC % GL % GC+GL % GT
BRASIL 153058275 74,48 21,48 3,86 1,7
Norte
Rondônia 3937291 74,34 22,38 3,28 0,01
Acre 847208 82,57 13,59 3,74 0,1
Amazonas 733910 80,02 16,61 3,36 0,01
Roraima 399939 91,65 5,64 2,7 0,01
Pará 6080431 86,5 10,06 3,23 0,21
Amapá 59700 89,14 8,05 2,79 0,01
Tocantins 5218142 91,85 5,43 2,7 0,03
Nordeste
Maranhão 3902609 82,51 12,74 4,51 0,24
Piauí 1704389 72,33 21,04 6,48 0,15
Ceará 2382474 38,14 52,19 9,52 0,15
Rio Grande do Norte 954347 43,49 46,73 9,13 0,65
Paraíba 1327826 47,47 41,07 10,85 0,6
Pernambuco 1930672 45,25 44,11 8,64 2
Alagoas 968462 58,37 33,4 6,73 1,5
Sergipe 38027 60,83 31,71 7,31 0,15
Bahia 8729953 72,24 21,64 5,78 0,34
Sudeste
Minas Gerais 20044616 46,46 47,32 6,1 0,11
Espírito Santo 1788748 56,41 36,68 6,88 0,02
Rio de Janeiro 1813743 44,77 48,89 6,27 0,07
São Paulo 12306790 72,97 24,06 2,93 0,04
Sul
Paraná 9900885 75,43 20,88 3,6 0,1
Santa Catarina 3097351 51,28 40,86 7,1 0,76
Rio Grande do Sul 13221297 78,95 17,94 2,64 0,47
Centro-Oeste
Mato Grosso do Sul 19754356 96,34 2,89 0,76 0,01
Mato Grosso 14438135 93,99 5,11 0,89 0,01
Goiás 16488379 74,76 20,38 4,85 0,01
Distrito Federal 85615 62,7 32,88 4,42 -
Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 1995-1996
Entre os fatores que interferem no desenvolvimento dos diversos tipos de pecuária destaca-
se o perfil geográfico da região. A característica geográfica que mais interfere no processo de
decisão do pecuarista em relação a escolha entre o tipo de bovino a produzir é o relevo. Relevo
mais acidentado dificulta a criação extensiva de bovinos de corte, sendo mais característico nestas
regiões a criação de bovinos de leite. Relevo com declividade menos acentuada propicia melhor

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 237
área de pastagem, assim como condições mais adequadas à produção de forrageiras para a
alimentação suplementar em épocas de seca, apresentando portanto melhores aptidões geográficas
para a criação de bovinos de corte.
A Tabela 4.5.18 mostra que o rebanho brasileiro com finalidade de corte apresenta maior
proporção de machos nas faixas menores de 2 anos. As fêmeas dentro do rebanho são principalmente
fêmeas adultas utilizadas para pré-produção. Além disso, verifica-se que mais de 60% do rebanho
é composto por animais com mais de 2 anos. Com exceção das fêmeas e touros retidos para
reprodução, animais com mais de 2 anos já estariam em condições de ser enviados ao abate em
países de maior produtividade pecuária.
Tabela 4.5.18
Percentagem de machos e fêmeas no rebanho bovino brasileiro com finalidade de
corte, por idade, em 31 de julho de 1996

Fonte: IBGE (Censo Agropecuário de 1996).


4.5.5.3 Tamanho das propriedades
O tamanho médio das propriedades é um importante indicador da estrutura do mercado, em
nível de produção de bovinos. Sua relevância deve-se ao fato de possibilitar inferências referentes
ao grau de concentração do mercado, visto que quanto maior o tamanho médio das propriedades,
maior a concentração do mercado e o poder de barganha dos pecuaristas frente a seus fornecedores
e compradores.
Para obter informações mais pertinentes à realidade do mercado, torna-se interessante associar
o tamanho das propriedades à produção de bovinos e ao número de estabelecimentos responsáveis
pela produção. Dessa forma, se a predominância da produção estiver em grandes propriedades
representadas por um pequeno número de estabelecimentos, pode-se inferir que o mercado é mais
concentrado e os produtores dispõem de considerável poder de barganha para influenciar seus ganhos.
Segundo dados do IBGE, dispostos na Tabela 4.5.15, a maior parte do rebanho brasileiro
(38,74%) dispõe-se em áreas entre 100 e 1000 ha, categoria em que se encontram apenas 9,35%
dos estabelecimentos nacionais. Em seguida, destacam-se áreas maiores de 1000 ha, que apresentam
27,19% do rebanho nacional, distribuídos em apenas 0,94% dos estabelecimentos. Em áreas
entre 10-100 ha, dispõe-se 24% do rebanho, sendo 34,06% dos estabelecimentos responsáveis
por este rebanho. Por último, estão os estabelecimentos com menos de 10 ha, que representam
somente 8,25% do rebanho e 43,96% dos estabelecimentos. Dessa forma, verifica-se que apesar
da maior parte dos estabelecimentos encontrar-se em áreas com menos de 100 ha, a maior parte
do rebanho bovino encontra-se em poucas e maiores propriedades.

238 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Em relação às diversas regiões do País, conforme outros dados já haviam apontado, percebe-
se uma grande concentração do mercado produtor de bovinos na região Centro-Oeste, onde a
criação predomina em estabelecimentos de grande porte. Nessa região, grande parte do rebanho
encontra-se em áreas maiores que 1000 ha, onde existem o menor número de estabelecimentos.
Na região Norte e Nordeste, a maior parte da produção concentra-se em áreas entre 10 e 1000
ha, na qual percebe-se considerável participação de pecuaristas no estrato de área até 100 ha.
Entretanto, na região Norte, os Estados de Roraima e Pará mostram-se com maior rebanho em
áreas maiores que 1000 ha, sendo este mercado muito concentrado, pois neste estrato de área
existe um número muito pequeno de pecuaristas. Em contrapartida, embora com uma produção
pouco expressiva, no Nordeste existe uma quantidade significativa de pecuaristas em estratos de
área até 10 ha, mostrando a importância da participação de pequenos pecuaristas nessa região. Na
região Sudeste, apesar da maior parte dos estabelecimentos situarem-se em áreas de 10-100 ha, a
maior parte do rebanho concentra-se entre 100 e 1000 ha. No Sul, apesar do rebanho concentrar-
se em áreas entre 100 e 1000 ha, na qual existe baixa participação de pecuaristas, o Estado de
Santa Catarina apresenta uma interessante peculiaridade. Nesse Estado, a maior parte do rebanho
(41,83%) encontra-se em propriedades com no máximo 10 ha, sendo sua produção realizada por
71,54% de pecuaristas. Isto se explica pela elevada participação do rebanho de leite nesse Estado,
conforme mostrou a Tabela 4.5.17.
Embora não existam dados discriminados por estado e por estratos de área apenas para
bovino de corte, a comparação das Tabelas 4.5.17 e 4.5.19 permite inferir que a produção de
gado de corte concentra-se em propriedades maiores, enquanto a de leite se dá em propriedades
menores. Os estados que possuem mais de 40% do rebanho composto por animais de leite, tais
como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, entre outros, possuem
quase todos o seu rebanho em propriedades com menos de 1000 ha. Em contrapartida, estados
que possuem mais de 90% do rebanho destinado à produção de carne, tais como Roraima, Pará,
Tocantins, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, possuem parcela significativa de seus rebanhos em
propriedades com mais de 1000 ha. Portanto, pode-se dizer que, com algumas possíveis exceções,
os grandes pecuaristas se dedicam à pecuária de corte, enquanto os pequenos e médios se dedicam
à pecuária leiteira.
4.5.5.4 Aspectos fundiários
Outro aspecto relevante em relação ao rebanho bovino é a condição do produtor. A Tabela
4.5.20 mostra que cerca de 95% dos pecuaristas do Brasil são proprietários. Esse dado é relevante
no sentido de que estudos têm mostrados que os proprietários são mais propensos a investir na
propriedade. Em regiões onde as pastagens precisam ser implantadas (pastagens artificiais) e
conservadas, a propriedade da terra pode ser um fator determinante da produtividade do rebanho.
Exceções parciais à regra, são os Estados do Nordeste, onde, embora predominem os proprietários,
a participação dos ocupantes é bastante alta, aproximando-se de 10% do rebanho em alguns
estados, como o Piauí e o Ceará. Outra exceção, a maior delas, é o Distrito Federal, onde os
arrendatários possuem cerca de um terço do rebanho. Nesse caso, diferentemente dos ocupantes,
uma renda é paga ao proprietário da terra. Também no Rio Grande do Sul, onde predominam as

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 239
pastagens naturais, a participação dos arrendatários é expressiva (mais de 5% do rebanho), embora
bastante menor do que no Distrito Federal.
Tabela 4.5.19
Percentagem de cabeças de bovinos e estabelecimentos por Estado da Federação e
estrato de área, em 1996
1 - 10 ha 10 - 100 ha 100 - 1000 ha + de 1000 ha Sem. decl.
% cabeças % estab. % cabeças % estab. % cabeças % estab. % cabeças % estab. % cabeças % estab.
Brasil 8,25 43,96 24,00 34,06 38,74 9,35 27,19 0,94 1,81 11,70
RO 5,82 31,38 45,63 57,11 33,35 7,18 14,45 0,43 0,75 3,90
AC 6,14 39,81 33,46 48,34 33,93 5,32 25,32 0,66 1,15 5,89
AM 14,17 37,25 42,42 43,78 29,32 6,75 10,48 0,35 3,61 11,88
RR 3,28 18,08 21,47 53,33 31,97 15,32 41,41 7,90 1,11 5,37
PA 3,62 22,21 26,03 56,84 32,31 12,63 36,54 1,82 1,50 6,50
AP 1,65 11,69 20,04 48,18 46,59 29,07 30,73 5,06 0,99 6,00
TO 0,75 6,48 14,15 48,11 45,18 38,51 39,68 5,75 0,25 0,84
MA 6,1 15,67 29,09 33,12 36,32 9,01 19,34 0,70 9,15 41,50
PI 15,95 28,32 35,25 30,13 26,56 6,05 7,54 0,23 14,71 35,27
CE 20,19 35,47 36,20 23,83 24,07 4,09 4,19 0,08 15,34 36,53
RN 16,95 36,29 33,09 22,81 32,91 5,17 5,52 0,24 11,52 35,50
PB 22,16 51,02 34,40 22,74 32,94 4,71 4,35 0,14 6,15 21,39
PE 26,80 53,69 37,00 19,21 23,78 2,67 3,44 0,09 8,97 24,33
AL 18,84 56,35 38,41 23,71 34,14 3,76 3,85 0,08 4,75 16,10
SE 16,92 54,22 36,90 32,26 36,69 5,65 6,97 0,18 2,53 7,68
BA 14,57 45,65 33,08 36,10 34,42 6,59 14,34 0,48 3,59 11,18
MG 6,74 32,30 34,97 50,28 45,46 14,22 12,14 0,66 0,69 2,55
ES 7,81 36,82 37,67 50,10 42,96 9,47 10,51 0,37 1,05 3,25
RJ 10,37 38,31 38,51 46,55 43,39 11,65 6,92 0,29 0,82 3,20
SP 6,21 33,68 31,86 50,26 45,53 12,52 15,51 0,64 0,89 2,89
PR 16,49 61,78 29,73 25,12 43,34 5,16 8,99 0,20 1,45 7,74
SC 41,83 71,54 31,93 17,48 19,86 1,99 2,99 0,07 3,39 8,91
RS 19,23 67,21 19,03 19,05 39,92 5,23 20,20 0,48 1,62 8,03
MS 0,48 15,50 4,19 34,77 31,93 34,76 63,18 12,73 0,21 2,24
MT 1,13 17,20 11,69 49,48 32,43 24,71 54,47 6,45 0,28 2,16
GO 1,28 12,34 17,80 52,92 49,65 30,46 30,99 3,43 0,28 0,86
DF 9,37 31,39 35,82 46,20 45,01 15,61 8,24 0,89 1,57 5,91

Fonte: Censo Agropecuário, 1995-1996.

240 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 4.5.20
Percentagem do rebanho segundo as condições do produtor
nos diversos Estados da Federação brasileira, em 1995/1996

Fonte: Censo Agropecuário de 1995/96 – IBGE.


4.5.6. Gestão
4.5.6.1. Gerenciamento do custo de produção
Embora seja de importância fundamental para a tomada de decisão dos pecuaristas, o custo
de produção é uma variável desconhecida pela imensa maioria dos produtores brasileiros. Com
honrosas exceções de alguns produtores mais tecnificados, a grande maioria não tem nem como
saber quanto está tendo de lucro (ou prejuízo), ou que ajustamentos podem ser feitos para reduzir
custos e melhorar a rentabilidade de suas propriedades.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 241
É interessante notar que este quadro se refere ao ano de 1999, cinco anos após o
aprofundamento da liberalização comercial, num período marcado pela concorrência da carne
importada dos países do Mercosul. Ou seja, mesmo a exposição à concorrência internacional não
foi suficiente para que os pecuaristas melhorassem seus mecanismos de controle sobre a produção.
Este aspecto surge como importante ponto de estrangulamento da cadeia produtiva da pecuária
de corte, já que informações fundamentais para a decisão empresarial não são levantadas. Dessa
forma, o processo de decisão, como se verá mais adiante, acaba baseando-se em informações
imperfeitas e em regras de eficácia duvidosa.
4.5.6.2. Investimentos e gerenciamento financeiro
Os produtores de todas as regiões brasileiras apontaram a necessidade de fazer investimentos
para a modernização de suas atividades, mas a carência de fontes adequadas de financiamento
desses investimentos tem retardado esse processo. Em geral, reclama-se que as taxas de juros
cobradas pelos órgãos financiadores é incompatível com a rentabilidade do setor.
Algumas fontes de financiamento propõem-se a financiar determinados investimentos de maior
prazo, como é o caso do BNDES, do Banco do Nordeste, da SUDENE, entre outros agentes de
desenvolvimento. Alguns desses financiamentos estão ligados à operações específicas, tal como à
aquisição de equipamento, enquanto outros se relacionam à adoção de determinados sistemas
produtivos, tal como a vinculação ao programa de Novilho Precoce. Mas, além da elevada taxa de
juros, as elevadas exigências burocráticas para a liberação dos empréstimos, conforme argumentam
diversos pecuaristas, inviabiliza a utilização dessas fontes por boa parte dos usuários potenciais.
Resultado: os produtores mais capitalizados utilizam recursos próprios para investimentos, enquanto
outros não investem como desejariam.
Na questão do autofinanciamento, um fator que vem a prejudicar ainda mais os pecuaristas
é a forma de pagamento pelos animais abatidos2 . Como o pagamento não é feito à vista, muitos
produtores utilizam notas promissórias para antecipar, junto à rede bancária, seu recebimento, e
assim financiar o custeio de suas atividades e a compra de animais para engorda. Entretanto, as
elevadas taxas de juros cobradas pelos bancos nessas operações, enfraquecem ainda mais a posição
financeira dos pecuaristas.
4.5.6.3. Critérios para tomada de decisão
A falta de controle de custos, apontada anteriormente, faz com que os pecuaristas baseiem-
se em apenas um ou poucos parâmetros para tomar a decisão de vender os animais. Surgem então
"receitas", tais como comparar o preço do boi gordo com o preço de animais para reposição. Em
muitos casos, os preços do boi gordo são comparados com o preço do bezerro, em outros, com o
preço do boi magro, dependendo de o produtor se dedicar à cria e engorda ou apenas à engorda.
A fragilidade dessas regras é clara, quando se leva em conta que o animal para reposição
não é a única fonte de custo para o pecuarista. O aumento do custo dos demais insumos (vacinas,

2
Ver detalhes no item 4.5.6

242 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
ração, assistência veterinária etc.) aumentaria a proporção ótima entre boi gordo e animais de
reposição, sendo contrário o efeito em caso de redução do custo dos demais insumos. Dessa
forma, a própria melhoria tecnológica da produção, com conseqüente redução de custos, deveria
alterar a "regra" de comercialização dos pecuaristas.
Além das "regras" de preços, algumas vezes as decisões são tomadas em função de situações
contingenciais. Alguns produtores vendem quando necessitam de capital de giro, enquanto outros o
fazem quando não têm mais como manter os animais no pasto. Este último argumento tem sido
muito adotado em regiões do Nordeste que têm sofrido efeitos sérios de secas nos últimos anos.
Na negociação do preço, muitos produtores disseram levar em conta o preço médio do boi
gordo calculado pela ESALQ/BM&F. Esse preço médio para o Estado de São Paulo, anunciado
diariamente, parece ter reduzido a incerteza dos pecuaristas quanto à evolução de preços, reduzindo
a assimetria de informações que tinham em relação aos frigoríficos. Outros levam em conta a escala
dos frigoríficos, tentando identificar, por meio do excesso (ou carência) de oferta, uma provável
redução (ou aumento) dos preços.
Em suma, a carência de controles gerenciais tem levado os pecuaristas ao uso de regras de
decisão muitas vezes inadequadas no sentido de maximizar seus lucros. Isso mostra que de nada
adiantaria a adoção de tecnologia moderna, caso os mesmos cuidados não fossem tomados sob a
ótica gerencial.
4.5.6.4. Capacitação de mão-de-obra
O nível de capacitação da mão-de-obra utilizada nas propriedades é baixíssimo. Em muitos
casos, os trabalhadores são mesmo analfabetos. Se para boa parte da pecuária nacional, em que o
nível de tecnificação é incipiente, a desqualificação profissional não representa maior problema no
exercício das tarefas do dia-a-dia, nas propriedades mais modernas este entrave pode ser fundamental.
Diversos produtores reclamaram das dificuldades encontradas para a implantação de sistemas
mais avançados de produção, tal como o novilho precoce, devido à desqualificação dos
trabalhadores. No caso do analfabetismo, qualquer atividade que implique em leitura de manuais,
rótulos de produtos, ou coisa que o valha, torna-se inviável.
Algumas iniciativas têm sido feitas para tornar os trabalhadores rurais mais capazes, em que
se destaca o trabalho do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). Embora ainda não
tenha a dimensão que seria necessária, o treinamento da SENAR foi elogiado por diversos produtores
entrevistados em diversas regiões do País.
4.5.7. Ambiente institucional
4.5.7.1. Efeito da tributação
A questão tributária é apresentada por quase todos os participantes da cadeia de pecuária
de corte, não só pelos pecuaristas, como uma das que mais afeta a competitividade do setor. Essa
questão, que tem inclusive gerado uma "guerra fiscal" entre os estados, afeta a distribuição espacial
do abate bovino e é apontada como a principal causa do abate clandestino.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 243
O principal imposto a afetar a pecuária é o ICMS, conforme já discutido no item 4.1. Esse
imposto tem diferido expressivamente de estado para estado, com objetivos de proteger a produção
doméstica, beneficiar consumidores ou modernizar o setor. Quando visa proteger a produção
doméstica, o sistema consiste em reduzir a alíquota (ou a base de cálculo) para o animal abatido
dentro do estado, em relação àquele que é transportado vivo para outro estado. Esse procedimento
favorece os frigoríficos domésticos, mas penaliza os pecuaristas. Pois os preços tendem a ser
deprimidos devido às barreiras à exportação. Modelos econômicos de equilíbrio espacial mostram,
de maneira bastante clara, que barreiras ao comércio inter-regional diminuem o preço onde existe
excesso de oferta (estados produtores) e aumentam o preço onde há excesso de demanda (estados
importadores).
Quando os impostos são utilizados como instrumentos de modernização do setor, geralmente
dão-se incentivos, via redução de impostos, para a adoção de determinadas tecnologias. Como
exemplo, poder-se-ia citar os programas de novilho precoce do Mato Grosso do Sul ou da Bahia,
onde as tarifas caem cerca de 50% quando os animais produzidos são enquadrados como novilhos
precoces. O que a experiência desses estados tem mostrado, entretanto, é que o impacto da redução
tarifária acaba sendo pequeno, em função da grandeza do abate clandestino.
Devido a todas as dificuldades levantadas, há um certo consenso entre pecuaristas das diversas
regiões do País de que haveria ganho de eficiência com a redução dos impostos, a unificação dos
diversos tipos de impostos, tais como o INSS Rural, o PIS e o Cofins e a uniformização das
políticas fiscais dos diversos estados. Há também defesa da vinculação de parte da receita a
programas que beneficiassem o setor.
4.5.7.2. Efeito da política sanitária
A fragilidade da política nacional de defesa animal tem afetado os produtores no sentido de
reduzir suas possibilidades de comércio. Entre as doenças que afetam o rebanho, a principal ainda
é a febre aftosa.
As práticas básicas de controle da aftosa envolvem a vacinação do rebanho e o controle das
fronteiras. Embora a primeira medida venha sendo tomada de forma adequada em alguns Estados
da Federação, a segunda tem-se mostrado bastante problemática. Dessa forma, a entrada de animais
contaminados provenientes de outras regiões é por vezes utilizada como argumento para justificar
focos de aftosa. Exemplos de problemas dessa natureza foram os focos encontrados recentemente
no Mato Grosso do Sul, onde todos os agentes entrevistados consideraram o sistema de controle
da doença no Estado excelente, atribuindo a origem dos focos à entrada de animais provenientes da
Bolívia e do Paraguai. Outros estados bastante preocupados com o controle da doença, como a Bahia,
encontram enormes dificuldades de controle em decorrência de suas grandes áreas de fronteira com
regiões contaminadas. Um estado que talvez possa ser uma exceção a esse problema é o Rio Grande do
Sul, que faz divisa com a Argentina e Uruguai, países livres da febre aftosa.
Por tudo isso, torna-se fundamental um programa de controle coordenado e fiscalizado em
nível nacional. Isso implica conscientização e responsabilização dos pecuaristas sobre o controle da
aftosa. A falta de consciência das implicações dessa doença ressaltam em algumas entrevistas, em

244 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
que pecuaristas justificaram a não vacinação argumentando que o preço da vacina (cerca de R$
0,50 por dose) é excessivamente elevado. Ora, num cenário como esse, os esforços de vacinação
por parte de pecuaristas mais conscientes tornam-se inócuos.
4.5.7.3. Efeito das portarias que regulam a comercialização
O setor de produção pecuária é o que, aparentemente, menos está sendo afetado pelas
portarias.
4.5.7.4. Efeito da política comercial
Todo o setor de pecuária de corte foi fortemente impactado pela política comercial brasileira
nos últimos cinco anos. Ao mesmo tempo em que barreiras à importação foram removidas, a
sobrevalorização cambial tornou os produtos brasileiros pouco competitivos, particularmente em
relação à carne importada dos países do Mercosul. Como resultado, as exportações brasileiras de
carne reduziram-se expressivamente, enquanto as importações aumentaram.
Esse quadro deve alterar-se a partir desse ano, devido à desvalorização do real e à posterior
liberação do mercado de câmbio. Embora esses resultados ainda não tenham se materializado,
devido à queda dos preços internacionais em dólar e também devido à defasagem natural das
exportações, cujos contratos são acertados com alguma antecedência, as expectativas dos agentes
do setor têm sido bastante favoráveis. Exemplos da nova expectativa são alguns frigoríficos que se
encontravam desativados e estão sendo reativados para atender à exportação.
Além da questão cambial, outras questões têm impedido um melhor desempenho das
exportações. Aspectos sanitários, particularmente a aftosa, têm impedido a exportação de carne in
natura para países como os Estados Unidos. Restrições têm ocorrido também na participação em
mercados mais atraentes, tal como o composto pela cota Hilton.
4.5.7.5. Efeito das políticas de pesquisa e assistência técnica
Com poucas exceções, as entrevistas realizadas junto a pecuaristas enfatizam a carência da
assistência técnica pública nas diversas regiões do País. O quadro apresentado é de que os grandes
produtores têm buscado assistência privada, seja contratando profissionais por tempo integral ou
pagando consultoria a consultores privados, enquanto os pequenos têm ficado desassistidos. Embora
em alguns estados exista assistência técnica pública de razoável qualidade, esta tem sido insuficiente
ou tem priorizado, em alguns casos, a agricultura. Outra fonte de assistência técnica privada que
tem sido bastante importante é a prestada por vendedores de insumos.
No tocante às pesquisas, esforços têm sido feitos por órgãos públicos estaduais, pela
EMBRAPA e pelas universidades. Os resultados das pesquisas têm oferecido diversas alternativas,
sob o ponto de vista tecnológico, para os problemas enfrentados pelos pecuaristas. Portanto, o
problema parece não estar na geração de tecnologia, mas sim na utilização da mesma. Esta esbarra
nos problemas identificados anteriormente: desconhecimento das alternativas (devido à assistência
técnica deficiente), desqualificação para a adoção das técnicas (desqualificação da mão-de-obra,
nos diversos níveis) e carência de recursos financeiros (juros excessivamente elevados).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 245
4.5.7.6. Efeito da legislação trabalhista
Em geral, os pecuaristas consultados consideram a legislação trabalhista inadequada para as
peculiaridades da atividade rural. Além de considerarem os custos trabalhistas muito elevados,
alegam que as dificuldades impostas à manutenção dos trabalhadores morando na propriedade e a
questão de horas-extras deveriam ser revistas.
4.5.8. Relações de Mercado
As relações dos pecuaristas brasileiros com o mercado revelam até que ponto estes têm ou
não influência na comercialização de seus animais, e, conseqüentemente, sobre a renda que obtêm
na atividade. A determinação do grau de influência destes sobre os elementos condicionantes do
mercado no qual operam, sabidamente e relativamente competitivo pelo lado da oferta, e oligopsônico
pela lado da demanda, pode ajudar na identificação de pontos críticos favoráveis ou desfavoráveis
ao aperfeiçoamento do relacionamento entre os atores dessa cadeia produtiva, particularmente, no
seu primeiro elo, no sentido de reduzir conflitos e ampliar margens de lucro para ambos segmentos.
A atuação dos pecuaristas brasileiros sobre as bases da negociação no mercado não é tão
limitada como em geral se supõe para produtores, nem tão extensa como se desejaria que fosse.
De certa forma, constata-se que eles dispõem de elementos que lhes concedem um certo "poder de
mercado", ou , uma certa "queda de braço" com os frigoríficos, seus compradores. Tal poder, ainda
que muito restrito, porém, é capaz de influenciar os resultados da negociação na venda de seus
animais, a seu favor, obviamente. Os grandes pecuaristas, sem dúvida, possuem essa "queda de
braço" ou poder de barganha muito maior que os pequenos.
4.5.8.1. Fatores que Influenciam a Venda
Segundo De Zen (1993), os fatores que os pecuaristas mais observam quando do momento
de vender os animais, além da tradicional necessidade de "fazer caixa", ou seja de usar as reservas
que são os animais no pasto, são: a) as relações de troca entre boi gordo e boi magro e entre boi
gordo e bezerros; b) as relações entre boi gordo e os bens duráveis; c) as taxas de juros reais
praticada no mercado; d) o prazo de pagamento; e) a cotação dos animais em dólar; e f) a utilização
da nota promissória rural e outros.
O fator considerado mais importante na relação do pecuarista com o mercado, diretamente
relacionado com os preços do animais, é a relação entre boi gordo e boi magro e a relação entre
boi gordo e bezerro. Ou seja, quantos animais o pecuarista consegue repor com a venda de um boi
gordo. Na verdade, essas relações mostram mais a preocupação do pecuarista em manter-se
lucrativamente na atividade, no longo prazo, do que com a necessidade de apenas ter dinheiro para
resolver problemas ou aplicações financeiras de curto prazo, vendendo boi numa situação
desfavorável, embora, às vezes, seja forçado a isso por outros motivos que se verá mais adiante.
Uma relação bem sucedida, na média, seria 1,5 boi magro para cada boi gordo (16,5
arrobas),1,8 garrotes para cada boi gordo e 2,5 bezerros para cada boi gordo. Essas, segundo De
Zen (1993), são as mais comuns. Segundo se constatou em visita recente a região Centro-Oeste,
na realização dessa pesquisa, a relação de 1 boi gordo para 3 bezerros é considerada ótima; 1 para

246 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4, excelente. Já houve tempo em que se teve a relação 1 para quatro, que já não ocorre mais nos
últimos anos. No mercado, o que se vê nos últimos anos e meses é que essa relação tem estado em
queda. Atualmente gira em torno de 2,2, bem abaixo da considerada ideal, ou seja, menos bezerros
são adquiridos com a venda do animal gordo.
No curto e longo prazo, a variação na relação de troca boi gordo/bezerro tem várias
implicações para as relações de produção e de mercado do pecuarista e representam fatores críticos
ao desempenho dessa importante cadeia produtiva.
Aumentos na relação de troca boi gordo/bezerro resultam: a) de aumentos no preço do boi
gordo, com o preço do bezerro permanecendo estável; b) de aumentos no preço do bezerro que
sejam menos do que proporcionais aos aumentos do preço do boi gordo; c) de reduções no preço
do bezerro, permanecendo o preço do boi estável; e d) de reduções no preço do bezerro menos
que proporcionais às reduções no preço do boi gordo.
Geralmente, as variações no preço do boi gordo e do bezerro acontecem ao mesmo tempo,
na mesma direção e proporção, já que o pecuarista recriador tende a demandar mais, ou menos,
bezerros para reposição, à medida que o preço do boi gordo sobe mais, ou menos. Assim, por
exemplo, se o aumento no preço de boi gordo for igual ao aumento no preço do bezerro,
conseqüentemente, a relação de troca tende a permanecer a mesma. Porém, se o aumento no
preço do boi gordo for menor do que o aumento no preço do bezerro, a relação de troca irá
diminuir. Uma diminuição nessa relação significa valorização de bezerros em relação ao boi gordo,
e, portanto, maior dificuldade de reposição para o recriador , além do encarecimento do processo
produtivo, ou seja, carne mais cara e, conseqüentemente, uma cadeia produtiva menos competitiva.
Se o aumento no preço do boi for maior do que o aumento no preço do bezerro, a relação
de troca irá aumentar. Um aumento nessa relação significa desvalorização de bezerros em relação
ao boi gordo, e, portanto, maior facilidade de reposição para o recriador, como também diminuição
do custo de produção, ou seja, produção mais barata de carne, e logo, uma cadeia produtiva mais
competitiva.
Se o preço do boi sobe e o preço do bezerro sobe mais do que proporcionalmente ao
aumento do preço do boi gordo, a relação boi gordo/bezerro cai. Isso significa uma valorização de
bezerros, devido a uma menor oferta destes, frente a uma maior demanda, que pode ser conseqüência
de abate de matrizes, ou de aumento de custo de produção. Nesse caso, a cadeia produtiva estaria,
relativamente, menos competitiva, ou estaria mais caro produzir carne.
Com uma relação de troca em queda e abaixo do ideal, os pecuaristas podem decidir entre
três alternativas:
a) vender o boi gordo, mesmo que seja desfavorável no momento, e comprar animais de
reposição desvantajosamente;
b) vender o boi gordo, mesmo que seja desfavorável no momento, e não comprar animais de
reposição de imediato, aplicando o dinheiro a juros, e aguardando uma relação mais favorável no
futuro próximo, já que, se esperar muito, a relação poderá piorar ainda mais. Por exemplo, na

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 247
época das águas, a demanda por bezerros tende a aumentar naturalmente e tornar os bezerros mais
caros; e
c) não vender, retendo assim o boi gordo no pasto (ou no confinamento) diminuindo a oferta
e esperar uma relação mais favorável no futuro próximo.
Essas várias possibilidades de ação dos pecuaristas revelam que eles têm, até certo ponto,
alguma margem para negociação, não sendo de todo, obrigado a vender, ou a aceitar as condições
vigentes no mercado num dado momento. Eles têm uma margem para negociação.
O que tem acontecido com a relação boi gordo/bezerro nos últimos anos? Segundo Barros
et alli (1997), Barros et alli (1998b) e Barros et alli (1999b), a relação boi gordo/bezerro tem
caído consistentemente. Isso mais em função de queda no preço do boi devido à maior oferta e
menor demanda e valorização de bezerro também ao mesmo tempo. Em janeiro de 1997, ficou em
torno de 2,39; em janeiro de 1998, em 2,31; e em fevereiro de 1999, em 2,2. Essa queda mostra
que a cada dia tem ficado mais difícil para o pecuarista encontrar bezerros para recria ou reposição.
Uma primeira conseqüência é que isto tem forçado muitos pecuaristas a optar pela verticalização
na atividade, fazendo a cria, recria e engorda ao mesmo tempo. Embora essa relação baixa, no
curto prazo, seja desfavorável ao pecuarista e à cadeia produtiva, já que significa animais mais
caros e carne mais cara, porém, no longo prazo é positiva, já que aumenta a verticalização da
atividade, tornando a cadeia produtiva, nesse particular, mais eficiente e mais competitiva.
Resumindo, pode-se concluir que a queda na relação de troca pode estar sugerindo mudanças
tecnológicas no processo de produção, especialmente na fase de cria ou de fornecimento de bezerros
para a recria. Aparentemente o que tem acontecido é que o processo de recria e engorda tem-se
modernizado mais do que o processo de cria. O recriador tem enfrentado quedas no preço do boi
gordo (ou preços baixos, ou desfavoráveis) e preços de bezerros mais caros, ao longo dos últimos
anos, mediante redução de custo (melhoria tecnológica de manejo, principalmente), podendo sustentar
uma oferta relativamente crescente de animais para abate. Isso só tem sido possível porque esse
pecuarista se modernizou tecnologicamente, principalmente no manejo e engorda de animais.
Já o processo de cria, aparentemente, está defasado tecnologicamente e comparativamente
ao processo de recria. Mesmo porque, o avanço tecnológico no processo de cria é mais complexo,
já que envolve principalmente melhoramento genético do rebanho, o que por si só é caro, difícil e
demorado para se obter resultados.
Portanto, avanços na cadeia produtiva, passam necessariamente, por avanços no processo
de cria, principalmente. A idéia é continuar pesquisando novos cruzamentos, buscando maior
fertilidade e produtividade do rebanho de corte, mediante melhor manejo, ou então continuar no
processo de verticalização da atividade, em que se tem a cria, recria e engorda juntos.
Outros pontos importantes influenciam indiretamente a relação de troca boi gordo/ bezerro.
Segundo Barros et alli (1998a) e Barros et alli (1999b) nos últimos anos, os diferenciais de preços
de boi gordo e bezerro entre as principais regiões produtoras vêm diminuindo devido à maior
informação de mercado disponível aos pecuaristas. Isso faz com que as relações de troca se
equiparem entre regiões. Além disso, a relação boi gordo/bezerro vem tornando-se cada vez mais

248 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
estável no País. No primeiro caso, significa que se tem agora maior transparência de mercado, o
que reduz, de certa forma, o comércio de animais mais dispendioso inter-regionalmente. No segundo
caso, diminui-se o caráter especulativo da atividade de compra e venda de animais, tornando os
pecuaristas mais preocupados em obter produtividade e redução de custos na obtenção de lucros,
do que com a especulação propriamente dita . Ambos os casos são fatores bastante favoráveis à
maior competitividade da cadeia produtiva, na medida em que se configure em maior intensidade
essa realidade em todo o País.
Um fator considerado muito importante nas relações do pecuarista com o mercado refere-
se ao pagamento dos animais na efetivação da venda. Segundo De Zen (1993), o prazo de
pagamento está entre os mais importantes fatores citados na sua pesquisa. De fato, o pagamento
representa um ponto importante, diretamente relacionado com a questão da credibilidade e confiança
nas relações interpessoais na cadeia produtiva. Uma vez que ocorra desconfiança quanto ao não
cumprimento do pagamento ou insatisfação quanto a sua forma, as relações comerciais tornam-se
tensas e conflituosas e adicionam mais risco e incerteza sobre um mercado, por si só, já sujeito a
muitas oscilações. Isso, conseqüentemente, diminui o desempenho e a competitividade da cadeia.
Duas características básicas afetam o pagamento de animais vendidos para abate: o prazo e
a forma como o animal é pesado (vivo ou morto). Com relação ao prazo, os animais gordos são
vendidos, segundo De Zen (1993), em cerca de 98% dos negócios, com prazo médio de 20 dias
para pagamento. Já segundo Barros et alli (1998h), "a forma de comercialização do boi gordo
também é um fato que sempre ofereceu margem a deslizes no pagamento. Afinal de contas, o boi
tem um dos maiores prazos de comercialização entre os produtos agropecuários: em média, um
produtor vende seus animais e recebe o pagamento com 30 dias de prazo. Logo, a comercialização
da carne é financiada pelos produtores do boi. Os frigoríficos não usam capital de giro. Portanto,
são dependentes naturais de crédito".
De acordo com as visitas recentes feitas a campo, constatou-se que o prazo de pagamento
predominante na aquisição de bois para abate é de trinta dias, sobre o peso morto. Nesse particular
constatou-se o que já se esperava, ou seja, reclamações sobre esse tipo de prática de pagamento,
considerando-se que este só causa insegurança e reduz a liquidez. Em função das inadimplências
dos frigoríficos existentes, esse sistema deveria ser mudado para uma prática de pagamento à vista.
A desconfiança, em certo casos, é ainda maior com relação aos chamados marchants. Os
instrumentos de mercado financeiro, como as notas promissórias rurais, que transformam os negócios
a prazo em transações à vista são bastante utilizados, pelo menos na região Centro-Oeste, conforme
constatou essa pesquisa. Já segundo De Zen (1993), as Notas Promissórias Rurais (NPR) eram
utilizadas por cerca de 38% dos pecuaristas. A grande maioria não as utilizava porque simplesmente
desconhecia a operação, e não devido às taxas de juros cobradas.
Já com relação à prática de pagamento com base no peso vivo, essa é mais comum no
Estado do Rio Grande do Sul e menos comum no restante do País, onde há preferência pela forma
de venda na base do peso morto. No caso do pagamento com base no peso vivo, ou do "animal em
pé", geralmente estima-se quanto de rendimento de carcaça terá o animal para efetivar a venda.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 249
Normalmente, esse gira em torno de 52 a 53%. Alguns produtores insistem nessa forma de
pagamento por desconfiarem dos compradores.
Na venda de animais de reposição, segundo De Zen (1993), a maioria dos negócios realiza-
se à vista, em caso especiais podem aparecer prazos de 8 a 10 dias.
As cotações dos animais em dólar foram apontadas como outra forma de indicar o momento
de vender pelos pecuaristas na pesquisa de De Zen (1993). De maneira geral, a faixa de preços
indicada como ideal, segundo De Zen (1993), naquele período, situava-se em US$ 25,00 por
arroba, valores do dia do recebimento efetivo (descontando o prazo de pagamento ), ou entre
US$ 27,50 e US$ 31,70 para cotações com 20 dias de prazo. No ano de 1998, a cotação média
esteve em torno de US$ 23,50 por arroba, segundo a Revista Preços Agrícolas, (1998). Atualmente,
após a desvalorização do real em janeiro de 1999, a cotação caiu para um valor em torno de 18
dólares por arroba, de janeiro a junho de 1999. A previsão, de acordo com a Revista Preços
Agrícolas, (1999e), é de chegar a 20 dólares em outubro, mês de pico de entressafra; ou seja, 20%
menor do que a cotação no mesmo mês, do ano de 1998.
Em geral , o comportamento normal do pecuarista é considerar a média histórica do preço
do boi gordo cotado em dólar, para ver se chegou o momento de vender. Nesse sentido, a cotação
é uma aliada na tomada de decisão de vender. Uma cotação abaixo da ideal, ou da média histórica
atrasa a decisão de venda. Por outro lado, uma cotação acima apressa a decisão de venda. No
momento atual em que a política do governo é de taxa de câmbio flutuante, essa tem trazido grande
incerteza para o pecuarista que fica indeciso quanto a reter animais no pasto ou não. Uma política
de câmbio fixo, como foi durante os quatro primeiros anos do plano real, embora beneficiasse os
pecuaristas, no sentido da estabilidade e do planejamento, prejudicou a cadeia produtiva, à medida
que sobrevalorizou a carne brasileira para exportação.
Independentemente de qual seja a atividade, a taxa de juros praticada no mercado é um fator
relevante que influencia as decisões do produtor de fazer maior ou menor investimento. No caso da
pecuária de corte, porém, essa influência é particularmente grande e bastante peculiar à atividade.
Por tradição e/ou conservadorismo é comum o pecuarista preferir ter seu dinheiro investido em
animais do que tê-lo nos bancos, rendendo juros. Os animais, bezerros, garrotes e bois constituem
ativos de grande liquidez, além de ganhar em peso ao longo do tempo. Apesar disso, a taxa de
juros exerce bastante influência nas suas decisões no momento da venda dos mesmos. Assim, uma
taxa de juros baixa faz com que o pecuarista prefira retardar a venda de animais, que supostamente
irão render mais depois de algum tempo. Uma taxa de juros alta faz com que ele apresse a venda
dos animais, mas não pensando na possibilidade direta e principal de fazer aplicações financeiras
lucrativas. O pecuarista recriador, ao vender boi gordo, está pensando basicamente na reposição
de bezerros e bois magros. Caso a relação boi gordo/bezerro/boi magro seja favorável, a sua
primeira intenção é adquirir os animais de reposição e permanecer mais lucrativamente na atividade.
Se a taxa de reposição é desfavorável, e a taxa de juros é alta, ele irá aplicar o dinheiro por algum
tempo, até que a relação boi gordo/bezerro/boi magro melhore. Então ele irá tirar o dinheiro da
aplicação para adquirir os bezerros ou os bois magros e continuar na atividade. Numa situação

250 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
econômica de incerteza, a influência da taxa de juros é sempre menor. O pecuarista vai preferir
sempre ter seu capital investido em animais do que correr risco com aplicações financeiras,
aparentemente mais lucrativas, ou seja, com taxas de juros elevadas. Entretanto, a permanecerem
essas taxas elevadas por muito tempo, sem dúvida, o pecuarista também vai acabar preferindo ter
dinheiro a juros do que aplicado em animais. Portanto, para a cadeia produtiva, uma política de
taxas de juros reais elevadas é prejudicial. Uma política de estabilização com taxas de juros reais
baixas é fator extremamente favorável ao bom desempenho dessa cadeia produtiva, principalmente
no segmento da produção.
As comparações entre o boi gordo e os bens duráveis são também muito utilizadas pelos
pecuaristas na decisão de vender. Entre as relações citadas, é comum a relação entre tratores e
caminhonetes (o ideal seria, por exemplo, conseguir com 80 bois gordos adquirir uma D-20, (De
Zen, 1993). Os insumos aparecem em segundo plano, ainda que reconheçam que a melhoria das
pastagens é necessária e que, para isso, é preciso fazer uso de técnicas de manejo que envolvam o
uso desses insumos.
Foram identificados nessa pesquisa vários outros fatores influenciando a tomada de decisão
dos pecuaristas quanto ao momento de venda dos animais, como a prática de acompanhar as
escalas de abate dos frigoríficos determinadas de acordo com avaliação destes da tendência de
queda ou aumento no preço do boi em função da queda de consumo esperada ou excesso de
oferta de animais. Se a escala estiver preenchida por mais de três semanas, significa que deverá
ocorrer uma tendência de queda nos preços. Nesses casos, os pecuaristas podem tentar reter
animais para reduzir a oferta e aumentar os preços. Em regiões de maior concentração de frigorífico
esse fator possui relativa importância, principalmente, se os pecuaristas forem organizados a ponto
de poder avaliar corretamente as escalas de abate. Caso contrário é um fator pouco relevante.
4.5.8.2. Agentes envolvidos na comercialização de animais na pecuária de corte
Os fluxos e canais de comercialização na produção de animais na pecuária de corte no
Brasil apresentam variações de acordo com os sistemas típicos de produção em uso em cada
região produtora do País. Para facilitar a análise da comercialização nesses canais, é necessário,
inicialmente, identificar genericamente cada agente envolvido ao longo desse segmento da cadeia
produtiva da carne bovina. As informações usadas para identificação desses agentes para a
esquematização dos canais de comercialização foram obtidas de fontes diversas, tais como: De
Zen (1994), Bliska et alli (1996) , Lamounier (1996), Preços Agrícolas, (1991/1999), bem
como de visitas feitas pela equipe de pesquisadores responsáveis por este estudo às principais
regiões produtoras do País.
Comercialização de Animais de Reposição
A comercialização de animais de reposição se dá, grosso modo, em dois formatos básicos.
Um é o formato mais voltado para a venda de grande número de animais de raças um pouco mais
especializadas, em sistemas mais tradicionais de produção, em regiões de terras pouco valorizadas,
baixa densidade demográfica e com pastagens naturais em abundância. Nesses casos, também o
mais comum é o predomínio da produção extensiva na forma de cria-recria-engorda, cada uma

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 251
separadamente, Lamounier (1996) e Bliska (1996). Outro formato, é a comercialização voltada
para a venda de pequeno número de animais, em regiões menos especializadas, de gado misto, em
que a cria-recria-engorda pode dar-se, ou não, em uma mesma propriedade, porém sem
confinamento. Nesse segundo caso, a comercialização de animais de reposição não é tão relevante
No primeiro caso, a comercialização de animais de reposição, bezerros e bois magros, ocorre
conforme é ilustrado na Figura 4.5.7. Nela se identificam, genericamente, os seguintes tipos de
intermediários:
Figura 4.5.7
Agentes Envolvidos na Comercialização de Animais
Processo Tradicional de Cria-Recria-Engorda

Fonte: Pesquisa
4.5.8.2.1. Leiloeiros
Em locais determinados, com maior ou menor infra-estrutura de currais, bebedouros,
restaurantes e locais para diversão e acomodação, os animais trazidos de diversas fazendas são
separados, para serem leiloados, em lotes mais ou menos uniformes, de acordo com a categoria,
idade, raça e prazo de pagamento.
O local de realização do leilão, além de fácil acesso, deve permitir o exame detalhado dos
lotes antes do início do evento para a realização da venda por meio do Leiloeiro ou, atualmente,
por meio de organizações especializadas em leilões, organizadas na forma de Empresa Leiloeira
(Hasegawa, 1995). O Leiloeiro opera como um intermediário-agente, comissionado pelos
compradores ou vendedores. No processo de leilão, ele funciona como um balizador de preços, à
medida que os compradores fazem lances dos preços que estão dispostos a pagar por animal do
lote leiloado. O lance é feito a partir de um valor denominado lance "mínimo ou inicial" para a
aquisição dos animais – bezerros ou bois magros – expostos nos lotes.
A comissão ou taxa de serviço varia de 1,5% a 4% ad valorem cobradas de ambas as
partes. Mas, algumas empresas leiloeiras acabam não cobrando a taxa do vendedor quando o lote

252 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
é defendido. Aparentemente, o grande aumento do número de empresas leiloeiras no passado
recente, tornou o mercado desse tipo de serviço mais competitivo. Essas reduziram a comissão, ou
taxa de serviço cobrada, e passaram a oferecer transporte gratuito, tentando garantir a clientela
face à concorrência.
A empresa leiloeira assim como os próprios compradores participantes, devem honrar os
seus compromissos, para que se mantenha a credibilidade de ambas as partes. Se o leilão não se
realiza dentro das regras pré-estabelecidas, de forma clara e imparcial, os participantes não têm
motivos para continuar participando do evento. Da mesma forma, o comprador que não paga
devidamente pelo lote arrematado não consegue participar dos leilões seguintes.
Com o uso do leilão, os recriadores e invernistas não precisam mais sair à procura de bezerro
e boi magro nas propriedades dos criadores com a incerteza de realizar as suas aquisições para
prosseguirem as suas atividades. Por outro lado, os criadores se vêem livres do trabalho de reunir
o rebanho, cada vez que um comprador chega na propriedade, para examinar a mercadoria. O
leilão ainda oferece ao comprador quantidade e a possibilidade de escolha do padrão da mercadoria.
Por essas vantagens, o leilão dinamiza o processo produtivo da pecuária bovina de corte.
A participação do leilão como forma de venda de animais de reposição chegou a representar
cerca de 60% dos negócios realizado, segundo De Zen (1993). No entanto, apesar de toda a
importância que ela representou para a modernização da comercialização nas principais regiões
produtoras, nos últimos dois anos, ela perdeu grandemente sua força, reduzindo drasticamente essa
participação, passando a representar apenas de 10 a 20% do total das vendas de reposição de
animais, segundo se ouviu nas recentes entrevistas feitas pela equipe deste estudo. Cita-se como as
principais causas, a estabilização da economia que reduziu, substancialmente, a margem de lucro
das empresas leiloeiras, principalmente daquelas que apostavam na especulação como forma de
ganhar dinheiro, e, além da falta de capital de giro suficiente de que essas não dispunham.
Recentemente, (Barros et alli, 1999b) analisando o mercado de reposição de animais,
mostraram que a comercialização destes parece ter entrado numa nova fase. Os leilões parecem ter
modificado um pouco desde que a economia se estabilizou, e, ao que tudo indica, estão mais
próximos da realidade. Passaram por um período de renovação e estão agora mais estáveis, o que
é benéfico para a cadeia produtiva de carne, inclusive para o produtor que tem uma referência
melhor de preços em sua região.
4.5.8.2.2. Corretores
Geralmente são intermediários-agentes, que recebem comissão do comprador (Recriador
ou Invernista), para aquisição de bezerros ou bois magros dos criadores. Também, podem ser
agentes comissionados pelos criadores, principalmente os grandes. Segundo esta pesquisa, atualmente,
a participação dos corretores como agentes de compra e venda de animais de reposição gira em
torno de 10 a 20%, nas principais regiões produtoras.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 253
4.5.8.3. Comercialização de Animais para Abate e Processamento
A comercialização de animais para abate e processamento possui vários formatos, dependendo
da região, e níveis de desenvolvimento econômico e cultural onde ela ocorre, conforme já foi dito
anteriormente. Entretanto, analítica e genericamente falando, consegue-se distinguir dois formatos
mais comuns: o primeiro é o que sucede à produção de animais mais especializados, de grandes
propriedades, produzidos em larga escala; e, o segundo é o que sucede à produção de animais
menos especializados, de pequenas propriedades, mais atomizadas e que também, produz pequeno
número de animais por propriedade.
Genericamente, se agrupa ambos os formatos num só, para se caracterizar os diversos agentes
neles envolvidos. Depois, no entanto, faz-se uma distinção das diferenças entre ambos.
Assim, na comercialização de animais para abate e processamento, os agentes envolvidos e
os canais de aquisição do boi gordo podem ser vistos conforme ilustrado na Figura 5.5.8. Nela são
identificados os seguintes agentes: a) Corretores; b) Marchants; e c) Frigoríficos e Matadouros.
4.5.8.3.1. Corretores
São intermediários-agentes, comissionados que fazem aquisições de animais para donos
de Frigoríficos ou para Varejistas (Supermercados e Açougues), ou vendas para produtor de boi
gordo, principalmente para grandes pecuaristas. Os corretores podem ser do tipo Corretor
Exclusivo, se trabalha para um frigorífico, varejista ou pecuarista específico, e do tipo Corretor
Não-Exclusivo, se trabalha para vários frigoríficos, varejistas, produtores indistintamente. Outra
forma de aquisição de bois gordos é a que é feita diretamente pelo frigorífico por meio de seu
Agente Comercial, no caso, um empregado do próprio frigorífico e que, portanto, não pode ser
caracterizado como um agente, já que não é comissionado, mas sim, assalariado ou empregado
da empresa frigorífica.
Segundo De Zen (1993), existia nas regiões de negociação uma proliferação de "escritórios
compradores" (firmas especializadas em comprar bois gordos, fazendo isto para vários frigoríficos
ao mesmo tempo). Entretanto, atualmente, de acordo com esta pesquisa, constatou-se que houve
mudança significativa na participação dos corretores, qual seja, uma grande redução, principalmente
na região Centro-Oeste e Sudeste. Essa participação, estaria, hoje, em torno de 10 a 20%, sendo
portanto, a maior parte das aquisições de animais feitas por via direta, ou seja, por meio dos
gerentes comerciais das empresas frigoríficas. Olhando do ponto de vista da eficiência, pode-se
dizer que tanto para o produtor quanto para o frigorífico, essa é uma mudança que representa um
fator positivo para a cadeia, já que mostra um produtor mais bem informado, mais em contato com
a mídia e mais atuante no processo de comercialização. Também, é positivo quanto à redução de
intermediários, que geralmente reduzem as margens de ganho tanto do produtor quanto dos
frigoríficos.

254 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 4.5.8
Agentes Envolvidos na Comercialização de Animais para Abate e Processamento
Brasil (1999)

Fonte: Elaborado por Rezende, 1999. DER/UFV/Viçosa/MG


4.5.8.3.2. Marchants
Bastante comum na comercialização de animais, em todas as regiões produtoras do País, os
marchants atuam tanto na compra de bezerros e garrotes como de bois gordos, especialmente,
nas áreas de pequena produção em regiões menos desenvolvidas. Esses constituem uma categoria
de intermediário que podem assumir tanto o papel de agente corretor, que não têm a posse econômica
dos animais adquiridos, (talvez o mais comum), quanto o papel de intermediário comerciante, quando
têm a posse econômica dos animais. Geralmente, os marchants adquirem bois gordos diretamente
dos pecuaristas para abate em frigoríficos de terceiros, no qual costumam pagar uma taxa pelo
abate. Posteriormente, vendem a carne a estabelecimentos comerciais varejistas, principalmente
açougues.
Nesta pesquisa, os marchants foram mais citados na região Norte, Nordeste e em partes
das regiões Sudeste, mas são encontrados em todo País e com nomes típicos em cada uma dessas,
tais como: "gato", "catireiro", e outros. Acredita-se, que na média, a participação desses agentes na
comercialização de animais para abate seria em torno de 5 a 10%.
Na Bahia, os marchants assumem papel importante, pois é para eles que os pecuaristas
preferem vender seu gado. Isso porque, segundo os pecuaristas, eles pagam com 20 dias de prazo,
enquanto os frigoríficos costumam não pagar. Também, na Bahia, os marchants fazem importação
de gado vivo, ou carne resfriada, de outros estados (Maranhão, Goiás, Mato Grosso do Sul) e

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 255
costumam utilizar a capacidade ociosa dos frigoríficos, para, mediante uma taxa de abate, abater
seus animais nesses, negociando-os diretamente com os agentes de distribuição. Com os pecuaristas
vendendo direto aos marchants, os frigoríficos/abatedouros baianos têm visto seus negócios se
agravarem e muitos têm abandonado as atividades desativando os abatedouros.
No Rio Grande do Norte, predomina a figura do marchant, que paga taxas de abate aos
abatedouros e distribui a carne aos varejistas e o preço pago pelos marchants é maior do que o
oferecido pelos frigoríficos. Uma das razões para este fato é que o produto comprado pelos
marchants tem como destino mais provável os abatedouros clandestinos em que a sonegação
mantém o custo baixo.
Em Minas Gerais, também existe a presença da figura de marchants que adquirem os animais
e realizam o abate em frigoríficos estabelecidos, sob pagamento de taxa de abate.
4.5.8.3.3. Frigoríficos
Na comercialização, os frigoríficos podem representar, não apenas um local onde ocorrem o
abate dos animais e o armazenamento das carnes em ambiente frio para terceiros, mas também uma
instituição de comercialização, do tipo intermediário-comerciante-atacadista que adquire, por meio
de corretores ou não, bois gordos para abate, ou para abate e processamento de carne. Nesses
frigoríficos, os animais são abatidos e separados nas peças "típicas" a serem processadas ou
industrializadas em seguida, ou serem remetidas para outras unidades frigoríficas de processamento,
ou entrepostos de processamento, industrialização e revenda.
Em algumas regiões, os frigoríficos funcionam apenas como abatedouro, e não como uma
instituição intermediária na comercialização. Nesse caso, funcionam apenas como uma instituição
auxiliar prestadora de serviço para intermediários varejistas, como supermercados, açougues,
boutiques e marchants, que adquirem animais na região próxima do abatedouro e se utilizam dele
como local para o abate e primeiro processamento da carne adquirida.
Atualmente, grande mudança tem ocorrido com as funções que os frigoríficos desempenham,
em virtude do seu deslocamento para regiões mais distantes do mercado e das Portarias 304 e
145. Alguns têm achado mais econômico não mais fazer abate, e sim somente a desossa, ou então
fazer a desossa e a industrialização.
Grandes empresas do ramo de produtos industrializados de carne, declararam nessa pesquisa
que muitas deixaram de abater animais e passaram a comprar dianteiros e ponta de agulha no
mercado, principalmente em função da reduzida margem de lucro do ramo de abate e da dificuldade
de se colocar traseiros no mercado.
4.5.8.3.4. Frigoríficos Clandestinos
Os frigoríficos são fiscalizados pelo governo, por meio do SIF. São três os tipos de fiscalização:
municipal, estadual e federal. Devido à ineficiência na fiscalização, principalmente a municipal, muitos
frigoríficos operam de forma clandestina pela falta de inspeção. (Panorama Setorial – Gazeta
Mercantil, 1998). Segundo Lyra Júnior, da ABIF, citado por Hossepian (1998), 45% da carne
bovina vendida no País não é inspecionada pelo Governo Federal. O restante, ou é fiscalizado pelo

256 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
estado ou município, ou não tem nenhum tipo de controle. É difícil precisar a porcentagem do que
realmente é clandestinidade. De acordo com essa pesquisa, as recentes reduções nos impostos nos
diversos estados produtores, ICMS, principalmente, têm feito diminuir a clandestinidade, já que
isso tira parte das vantagens desses abatedouros. Mas, ainda assim, as porcentagens citadas
continuam altas, variando de 20 a 60%, o que na média representaria 40 a 45%. Os "clandestinos",
ou frigoríficos clandestinos, têm constituído fator crítico fortemente desfavorável para um melhor
desempenho da cadeia produtiva da carne, porém de difícil solução. Segundo observações de
técnicos do setor, não é tanto o imposto ICMS em si que gera o problema, mas o conjunto de
impostos. Esses somados representam quase 20% de carga tributária e, pagando-se um, tem-se
que pagar os demais. Por isso, optam por sonegar tudo. Além disso, a clandestinidade é favorecida
por uma população, na maior parte de baixa renda, que desconhece problemas de qualidade, ou
está disposta a adquirir produtos de baixa qualidade, sem inspeção, porém, de menor preço.
Um outro fator que tem contribuído para a redução dos abates clandestinos é o aumento dos
abates legais que têm resultado da aplicação das Portarias 304/145, pelos frigoríficos regionais
legalmente implantados. Apesar de continuarem a agir, principalmente junto a pequenos
estabelecimentos de pequenas cidades e periferia dos grandes centros urbanos.
4.5.8.4. Canais de Comercialização
A identificação dos canais de comercialização permite uma melhor determinação dos possíveis
pontos críticos de estrangulamento ao longo da cadeia produtiva, como ausência de concorrência,
má logística de escoamento da produção (transporte, processamento e armazenamento), nível de
organização e integração dos agentes, e possibilidades de rastreabilidade.
Conforme já foi dito, as peculiaridades regionais, em termos de diversidade de processos
produtivos, desigualdades econômicas, sociais, culturais, institucionais, legais e outras, fazem com
que cada região tenha os seu canais de comercialização também peculiares.
A Figura 4.5.9 é uma tentativa de ilustrar uma realidade genérica e simplificada dos principais
fluxos de comercialização de animais de reposição, bois gordos e carne bovina que costumam
ocorrer no Brasil, nas suas diferentes regiões produtoras. Desse modo, foi possível conhecer, por
meio da literatura e das visitas recentes a campo, uma estimativa razoável da importância relativa de
cada um desses agentes no sistema. Mesmo assim, dada às peculiaridades regionais acima
mencionadas e o caráter de grande informalidade ou clandestinidade dessa cadeia produtiva é
temeroso afirmar quanto de produto segue por cada um dos canais ilustrados.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 257
Figura 4.5.9
Canais de Comercialização de Animais de Reposição, Boi Gordo para Abate e Carne
Bovina. Brasil (1999)

Fonte: Pesquisa
Entretanto, a partir do sistema identificado nesta pesquisa e ilustrado na Figura 4.3, pode-se
deduzir, acerca da existência de dois sistemas básicos de comercialização, denominados aqui de
Sistema A e Sistema B.
O Sistema A representaria a comercialização mais comum praticada em áreas tecnológica e
economicamente mais avançadas, independentemente das regiões onde se encontram, Sudeste ou
Centro-Oeste, por exemplo, e com produção em larga escala, em nível de propriedade rural. Esse
sistema de comercialização seria conforme abaixo representado:
SISTEMA A
Criadores---Corretores----Recriadores----Produtores de Boi Gordo----Frigoríficos----
Indústrias Frigoríficas----Distribuidores Atacadistas----Supermercados/Boutiques/Mercado Externo
O Sistema B representaria a comercialização comumente praticada em áreas tecnológica e
economicamente menos desenvolvidas, independentemente das regiões onde se encontram, e com
produção em pequena escala, em nível de propriedade rural. Esse sistema seria conforme abaixo
representado:
SISTEMA B
Criadores----Marchants(Corretores)----Recriadores----Produtores de Boi Gordo----
Marchants----Matadouros/Frigoríficos Clandestinos----Açougues/Feiras livres

258 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
No sistema A, a presença do intermediário-agente-corretor é cada vez menos significativa,
querendo dizer que cada vez mais a comercialização de animais tende para uma forma mais direta
de negociação entre os comerciantes da cadeia, eliminando os agentes no processo. Por outro
lado, no sistema B, a presença de intermediários-agentes é mais forte e significativa, tendendo até
mesmo para a presença de atravessadores.
Ambos os sistemas, A e B, podem ser considerados, no segmento de produção e abate e
processamento como sistemas em que ocorrem grande concorrência, ou mesmo uma concorrência
excessiva. Entretanto, ainda assim, ambos apresentam vários pontos críticos favoráveis e
desfavoráveis à competitividade da cadeia produtiva da carne bovina nacional.
Como fatores fortemente favoráveis ao desempenho da cadeia produtiva da carne bovina no
País, o sistema A, na comercialização de animais, apresenta: em primeiro lugar, o fato de comercializar
animais de uma forma mais direta, com menor intermediação e conseqüentemente, com menores
custos e margens de comercialização; em segundo lugar, o fato de operar com economias de escala
com grande número de animais sendo comercializados por meio desse canal; em terceiro, possuir
bom nível de informação, principalmente de preços e condições de mercado; e em quarto, pelo fato
de oferecer um produto de melhor qualidade, exatamente por ser tecnologicamente mais avançado.
Dessa forma, constitui-se num sistema de comercialização que, por apresentar maior produtividade
e eficiência confere maior competitividade à cadeia, na sua tarefa de prover tanto o abastecimento
de grandes centros urbanos do País, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, como também, de
exportar grandes volumes de carnes.
Além dos fatores fortemente favoráveis que o sistema A apresenta para o melhor desempenho
da cadeia, já mencionados, há outro, que é o potencial enorme que ele possui de ser melhorado
mais rapidamente, ou seja, oferecer maior volume de produto, de qualidade superior à atual, no
curto e médio prazo, se mudanças institucionais adequadas forem implementadas, por exemplo,
redução de impostos.
Com relação ao sistema B, os fatores fortemente favoráveis que apresenta, na comercialização
de animais, são: em primeiro lugar, a sua capacidade de comercializar ou agregar uma vasta
quantidade de animais dispersos por um grande número de propriedades rurais produtoras por
todo o País; em segundo lugar, a sua capacidade de atender o grande mercado de pequenas e
médias cidades do extenso território nacional com suas particularidades regionais.
Os fatores desfavoráveis a esse sistema, porém, são muitos. Em primeiro lugar, oferece
produto de qualidade ruim: animais velhos; em segundo lugar, oferece produto de qualidade duvidosa
do ponto de vista da sanidade: animais doentes; em terceiro lugar, opera na clandestinidade: sem
fiscalização e com sonegação. Todos estes são pontos críticos fortemente desfavoráveis à
competitividade da cadeia produtiva da pecuária nacional. Além desses, há outros pontos
desfavoráveis: maior número de intermediários e atravessadores no sistema, em conseqüência da
pouca informação e comunicação (sistema de transporte precário), maior custo operacional de
comercialização, maiores margens de comercialização, etc.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 259
4.5.8.5. Organização da comercialização
Como se viu na seção anterior, na descrição dos sistemas A e B de comercialização de
animais no País, observa-se que estes trazem em si diferentes níveis de organização da
comercialização.
O Sistema A, é sem dúvida, mais organizado que o Sistema B, levando-se em conta os níveis
de informação, coordenação e administração do processo de comercialização existentes num e
noutro.
Com relação ao nível de informação, observa-se que os pecuaristas no Sistema A são bem
informados, conhecendo bem as cotações histórica e atual obtidas pelo animais no mercado, como
cotações em dólar/arroba, relação de troca preço de boi/preço de boi magro e bezerro, taxas de
juros e outras informações pertinentes aos seus negócios com a pecuária de corte. Assim, por
exemplo, observa-se que os pecuaristas, embora não se organizem formalmente e comumente em
associações do tipo cooperativa são, entretanto, capazes de exercer influência sobre preços
negociados com os compradores, à medida que decidem fazer maior ou menor retenção de animais
no pasto, quando julgam que o preço está baixo, principalmente quando a relação de troca boi
gordo/bezerro é desfavorável, como já foi visto. Geralmente, possuem boas informações de mercado,
porque a maior parte deles vive nos centros urbanos e estão ligados aos principais meios de
comunicação.
O Sistema A é também melhor coordenado em razão da existência de um sistema de
informação no qual os produtores e agentes de comercialização têm a posse e contato com as
facilidade dos equipamentos desse sistema, como fax, telefone, telefone celular, boas rodovias,
além da existência de melhor estrutura institucional pública e privada de apoio a atividade, como
bancos, comissões, associações, federações, sindicatos, institutos e outros.
Também, a coordenação no Sistema A, apesar de não generalizada tem sido aumentada e
melhorada em várias regiões mediante crescente atividade de integração, tanto no processo de
produção, por meio dos sistema integrados de produção intensivo e semi-intensivo de animais
superprecoces e precoces, de confinamento e semiconfinamento, quanto no processo de
comercialização, por meio das chamadas alianças mercadológicas surgidas nos últimos anos. Nessas
alianças, a organização caminha na direção de uma maior integração vertical na cadeia produtiva e
de uma melhor administração do processo produtivo-comercial, visando reduzir custos e incertezas
de mercado, bem como garantir fornecimento de produto de qualidade, com lucro.
Segundo Pires (1998); Santiago (1970), citado por Lamounier (1996), em sistemas integrados
de produção intensivo e semi-intensivo, de animais de melhor qualidade em terras mais valorizadas,
como o de novilho superprecoce, precoce, de confinamento, ou semiconfinamento, a intermediação
ocorre, geralmente, apenas na aquisição de bezerros para engorda, se estes não são produzidos na
própria fazenda. Já a revenda dos bois gordos superprecoces, precoces, confinados ou
semiconfinados pode se dar tanto por meio dos Corretores Exclusivos, Corretores Não-Exclusivos
e Agentes Comerciais, como por meio de contratos de integração.

260 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A integração pode ser parcial, entre o pecuarista e o frigorífico por exemplo, ou numa forma
mais completa, entre Pecuarista/Frigorífico/Supermercado/Açougues e Boutiques de Carnes, em
que há um acordo mais amplo, usualmente denominado de aliança mercadológica entre as partes.
Há vários exemplos de "alianças mercadológicas" já em andamento no País, segundo Pires
(1998), a "aliança" entre o Hipermercado Carrefour e um grupo de pecuaristas do Mato Grosso; a
aliança desenvolvida pelo FUNDEPEC no Estado de São Paulo entre os frigoríficos Gejota
(Promissão) e Bertin (Lins) e quatro redes de supermercados (Cândia, Sé, Casas Moreiras e Pão
de Açúcar), e, por último, a aliança do Programa Nacional da Carne Qualificada de Novilho Precoce
do Ministério da Agricultura e Abastecimento junto com a ABNP (Associação Brasileira do Novilho
Precoce). Segundo este autor, são experiências novas, ainda não consolidadas que, apesar das
dificuldades, trarão muitos benefícios para a cadeia produtiva no futuro próximo.
Também, de acordo com esta pesquisa, as visitas recentes feitas a campo permitiram observar
o avanço rápido e positivo das alianças mercadológicas no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul do
País, como O Procarnes no Mato Grosso do Sul, o programa "Boi Jovem" da Rede de
Supermercado Carrefour no Mato Grosso, o Goiáscarne em Goiás, o Coograp/Frimasa/Petipreço
na Bahia e outros que são exemplos de alianças bem encaminhadas.
As recentes Portarias 304 e 145, ao exigirem qualidade dos animais abatidos têm também
ajudado na reestruturação da cadeia produtiva e do processo de comercialização e, principalmente
na formação e expansão das alianças mercadológicas, que ao que parece vieram para ficar, atendendo
sobretudo nichos de mercado e mercados internacionais.
A administração do Sistema A é também melhor do que do Sistema B, decorrente da existência
de um melhor nível de informação, que por si só sugere melhor meio de coordenação e administração.
Também, como foi verificado nas visitas recentes a campo, percebe-se que os pecuaristas,
principalmente os médios e grandes, possuem melhor visão empresarial e administrativa para conduzir
sua atividade e, segundo se ouviu, tem havido uma grande renovação de pecuaristas tradicionais,
nessas regiões, grandes produtoras, por uma geração mais jovem, mais bem equipada empresarial
e administrativamente, na condução dos negócios, o que reflete diretamente num processo de
comercialização de animais melhor organizado e administrado. Com relação ao setor frigorífico,
apesar das dificuldades financeiras que muitos vêm enfrentado, observa-se que administrativamente,
pelo menos os mais estáveis, apresentam uma boa administração, embora com grande espaço para
aperfeiçoamentos.
Na prática e no geral, entretanto, não é comum haver nenhuma forma de contrato formal
entre pecuarista e frigorífico na aquisição de animais para abate. Na prática, o que existe é uma
parceria tácita, ou tradição de entrega de animais para um mesmo frigorífico, o que, por parte dos
pecuaristas, se baseia essencialmente na credibilidade da empresa, e por parte desta, em alguns
casos, o reconhecimento de animais de melhor qualidade/padrão. Embora se deseje algum tipo de
integração com os pecuaristas, essa é bastante dificultada face, principalmente, ao longo tempo que
se leva para um boi estar em ponto de abate.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 261
4.5.8.5.1. Rastreabilidade
A rastreabilidade na cadeia produtiva da carne bovina e na pecuária de corte é uma exigência
recente, principalmente para animais abatidos com vistas ao mercado internacional, que começa a
ser pensada e praticada ainda incipientemente no País. Está bem relacionada com o nível de
organização e coordenação existente na cadeia produtiva. Nas regiões mais tradicionalmente
exportadoras, como a região Sul e Centro-Oeste, essa preocupação é mais visível e praticada em
alguns casos, e onde é mais provável a possibilidade de sua realização mais intensamente no futuro.
Na região Sudeste, os frigoríficos, de modo geral, não têm uma preocupação sistematizada
com relação à rastreabilidade, exceto, alguns mais voltados para a exportação, por exigência dos
importadores. Entretanto, há exceções visando o mercado interno. No entanto, de acordo com
esta pesquisa, há entre os que fazem a desossa, crescente preocupação em passar a incluir nos
rótulos as informações sobre a origem e condição de produção do produto.
Em Goiás, por exemplo, a rastreabilidade do produto já faz parte da preocupação dos
frigoríficos entrevistados, motivada pelo interesse dos clientes. Já há a decisão desses, de colocarem,
em todas as embalagens, etiqueta contendo origem do lote, peso do animal, sexo e idade. Redes de
supermercados estão estabelecendo parcerias com os bons frigoríficos, buscando qualidade e
uniformidade do produto. Numa dessas associações, o Carrefour, por intermédio do frigorífico
Goiáscarne, está selecionando pecuaristas e estabelecendo contratos de fornecimento de quantidades
fixas de animais de abate. Pelo contrato, figurarão nas prateleiras, além do nome do Carrefour e do
Goiáscarne, fotografias das fazendas fornecedoras do produto e todos os dados na embalagem.
Também o supermercado Bretas abrirá duas lojas que só venderão, em Goiânia, novilhos precoces
do Goiáscarne. Parcerias semelhantes são estabelecidas entre o frigorífico Friboi e empresas como
os Supermercados Bom Preço, Pão de Açúcar etc.
Alguns frigoríficos disseram que já estão se preparando para quando ela vier e se tornar uma
realidade concreta, e não vêm dificuldade em estabelecer controle de animais por origem, idade,
sexo, peso, etc. Alguns, até já fazem isso automaticamente, por meio das fichas de controle que
fazem com seus clientes tradicionais
No Rio Grande do Sul , conforme constatou-se nesta pesquisa, o setor já observa experiências
isoladas de rastreabilidade de produtos voltados ao segmento de alta renda do mercado interno.
Esta, no entanto, ainda não apresenta o mesmo nível de precisão do sistema exigido pela UE, que
exige a identificação por animal, enquanto no Rio Grande do Sul observa-se a identificação de
proprietários fornecedores.
Na região Sudeste, há também os frigoríficos exportadores que já possuem sistemas de
rastreabilidade implantados, mas apenas por lote. A mesma situação acontece no mercado nacional
nos grandes frigoríficos em especial, e nos pequenos abatedouros, que já atendem à Portaria 304,
com a diferença de que, neste caso, contrariamente aos exportadores, não se consegue ainda
estabelecer maiores detalhes de informação quanto à qualidade, sexo, etc., já que o mercado
interno ainda não tem um grau elevado de exigência nesse tipo de conhecimento.

262 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.5.8.5.2. Aspectos Mercadológicos
A partir das entrevistas realizadas com vários técnicos e empresários mais experientes nas
diversas regiões produtoras da pecuária de corte nacional, constatou-se, com relação à
comercialização de animais, a existência de alguns problemas mercadológicos que representam
pontos críticos para o desempenho e competitividade dessa cadeia produtiva.
Basicamente, e mais especificamente, detectou-se problemas mercadológicos
relacionados: a) à qualidade dos animais produzidos ligados a problemas de sanidade, higiene,
sexo, raça, idade e peso, dando margem para vários diferenciais de preços impostos no momento
da compra e venda dos animais; b) à ausência de programa de promoção institucional nacional,
ou marketing, valorizando a carne bovina pelas associações, federações e sindicatos de
produtores pecuaristas etc.; c) o transporte de animais vivos, em que ocorre perdas indiretas
devido a esfolamento da pele e da carne; d) à venda e abate clandestino de animais nas mais
precárias situações de higiene, fiscalização e sonegação; e, e) a preço, controle de oferta e
demanda, com fortes oscilações no mercado, gerando incertezas e dificuldades de atuação
mais efetiva, no planejamento e administração da atividade. Todos esses fatores constituem
pontos críticos desfavoráveis à comercialização e serão, de uma maneira ou de outra, abordados
neste estudo em outras seções. Nesse ponto será abordado apenas a questão mercadológica
relacionada ao preço dos animais.
Conforme dito acima, o aspecto mercadológico fundamental para o bom desempenho da
comercialização de animais e que afeta todas as relações do produtor e demais agentes na cadeia
produtiva com o mercado é o preço obtido pelos animais no momento da venda. Em geral, por se
tratar de um produto agropecuário, sua produção é afetada por diversos fatores controláveis e
incontroláveis: pelo clima (estacional e cíclico); pela raça, tecnologia, natureza perecível (precocidade,
qualidade, estocabilidade); pelo número de empresas produtoras, localização, dispersão (logística,
transporte e organização); e outros fatores. Em conseqüência, a oferta de animais também torna-se
mais ou menos incontrolável, causando, por sua vez, um mercado de preços oscilantes. Entretanto,
ainda que oscilante, os preços apresentam um comportamento até certo ponto previsível. Nesse
aspecto então, é que, quanto mais se conhece esse comportamento dos preços, mais fácil fica de se
prever e antecipar ações mais efetivas para minimizar as incertezas e os riscos a que a atividade fica
exposta ante esse caráter oscilante dos preços.
Como são muitos os fatores que afetam a oferta e o preço de animais no mercado, analisa-
se aqui apenas aqueles mais diretamente ligados à quantidade de animais produzidos do que à
qualidade propriamente dita.
O mercado da pecuária de corte bovina subdivide-se em vários mercados ao longo do canal
de comercialização em que, nos seus diferentes níveis, produtor, atacado e varejo, ocorrem a
cotação de preços dos diversos "produtos" comercializados. Assim, há o mercado de bezerros, o
mercado de garrotes, o mercado de boi magro, o mercado de boi gordo, o mercado de carcaças
de boi, o mercado atacadista de carnes (dianteiro, traseiro, ponta de agulha) e o mercado varejista
de carnes (alcatra, filé mignon, picanha, etc.).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 263
Em geral, são publicados em boletins informativos, jornais e revistas especializados os seguintes
preços, conforme esquema abaixo:
a) Mercado Produtor e Atacadista de Animais
Preços Recebidos pelo Produtor
Preço de Bezerro
(animais até 18 meses)
(peso médio 4 a 8 arrobas)
Preço de Garrote
(animais de 18 a 24 meses)
(peso médio entre 8 e 11arrobas)
Preço de Boi Magro
(animais de mais de 24 meses)
(peso médio entre 10-12 arrobas)
Preço de Boi gordo
(Animais de 36 a 48 meses)
(peso médio de 16,5 arrobas)
b) Mercado Atacadista de Carnes
Preço do Dianteiro
Preço do Traseiro
Preço da Ponta de Agulha
Preço da Carcaça de Boi
Preço da Carne Desossada
Preço do Boi Equivalente
Preço de Charque
c) Em Nível de Varejo – (Preços Pagos Pelos Consumidores)
Preços de Carne de Primeira
Preços de Carne de Segunda
O jornal Gazeta Mercantil publica cotações diárias dos preços de boi gordo (330 arrobas)
fornecidos pela Bolsa de Mercadoria & Futuros de São Paulo: cotações diárias, por região produtora,
de preços de boi gordo e boi magro, bezerro macho (7/12 meses) e garrote (12/30 meses), em
reais, por cabeça, fornecidos pela Associação Nacional de Abatedouros, e as cotações diárias dos
preços de dianteiro, traseiro, ponta de agulha, charque, no mercado atacadista de carne, fornecidos
pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) e Coordenadoria de Assistência Técnica e Integral
(CATI) de São Paulo.

264 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As principais praças ou locais de negociação onde se formam os preços de animais para
abate e reposição estão localizadas em importantes cidades das principais regiões produtoras do
País, ou sejam: Presidente Prudente, Araçatuba, Bauru e Marília, no Estado de São Paulo; Três
Lagoas e Campo Grande, no Estado do Mato Grosso do Sul; Cuiabá, no Estado do Mato Grosso;
Uberaba e Uberlândia, em Minas Gerais, Londrina e Maringá, no Paraná; Goiânia e Barra do
Graça no Estado de Goiás (Barros et alli, 1998a).
Presidente Prudente é a região paulista mais importante em termos de pecuária de corte,
pois possui um rebanho grande, composto principalmente por animais de raças voltadas ao corte.
Destaca-se como praça principal para a compra e venda de bezerros.
Araçatuba é muito importante por se tratar da região onde grandes pecuaristas fixam suas
residências, e também por contar com importantes frigoríficos. Destaca-se também, tanto na
comercialização de bezerros como de boi gordo.
Essas duas regiões podem ser consideradas os dois mais importantes termômetros para os
preços de animais de corte no interior de São Paulo.
Três Lagoas é uma região onde a influência de compradores paulistas é muito forte. No
caso de animais de reposição, o fato de ser uma região em que a atividade de cria sempre foi muito
importante, a torna ponto de referência na formação dos preços de reposição no mercado paulista.
Campo Grande também é importante na formação desses preços, por concentrar a
comercialização da região norte do Estado. A oferta de animais tanto para a reposição como para
abate, na capital sul mato-grossense, é muito grande. É um mercado de intensa atividade.
Essas praças, além de constituírem ponto de referência para formação de preço, servem,
também para identificação dos principais fluxos de comercialização e referência para o cálculo de
custos e de margens de comercialização. Também servem como termômetro para medir o nível de
desenvolvimento da cadeia produtiva.
Essas regiões têm grande representatividade para o mercado de animais de reposição em
praticamente todo o País, apesar de que, nos últimos anos, os diferenciais de preços têm-se reduzido.
Essa redução pode ser creditada a alguns fatores básicos como: estabilidade, até recentemente,
dos preços, melhora do sistema de informações e aumento de frigoríficos em regiões mais distantes.
A estabilidade nos preços confere maior transparência ao mercado e, com os novos meios de
informação, o produtor de bezerro sabe melhor e mais rapidamente qual o preço do animal em
outra região. (Barros et alli, 1998a).
4.5.8.5.2.1. A Formação dos Preços
Diversos fatores cooperam para a formação de preços na pecuária bovina. Há fatores
estruturais e temporais relativos tanto à oferta quanto à demanda do produto, nos mercados interno
e externo.
Basicamente, os fatores estruturais mais importantes são os relacionados com o caráter sazonal
e cíclico da produção. Os fatores temporais, tendências e variações irregulares, além de outros,

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 265
como preços de outras carnes, principalmente de frango, também exercem influência, porém, em
menor intensidade.
O mercado da pecuária bovina de corte apresenta característica estrutural significativa. Ao
se analisar a evolução dos preços e da produção, ao longo de um ano, e ao longo de períodos de
6 a 7 anos, em média, nota-se que ambos apresentam flutuações sazonais e cíclicas acentuadas,
caracterizando os fenômenos conhecidos como "ciclos do gado".
Como na maioria dos processos de produção agropecuárias, o setor de bovinocultura de
corte também apresenta períodos de safra e entressafra, ocasionados por diversos fatores naturais,
que influem de forma incisiva na produção pecuarista, principalmente se esta é assentada numa
forma extensiva de criação dos animais.
Estudos feitos por vários autores para várias regiões do País mostram que existe uma variação
estacional de preços ao analisar-se as médias de preços mensais em vários períodos (de 1 ano
cada), observando que alguns meses apresentam constantemente, preços mais elevados, outros
médios e outros baixos.
Couto (1997), em estudos sobre previsão de preços para pecuária de corte, determinou os
componentes estacional, cíclico e de tendência nas flutuações de preços de boi gordo no Estado de
São Paulo.
Conforme se observa na Figura 4.5.10, os preços de boi gordo apresentam nitidamente um
período de preços baixos que correspondem à safra do boi ou à maior oferta de animais gordos
para abate. Esse período descendente de preços vai de novembro a maio. O período de preços
altos, que corresponde à entressafra, ou à menor oferta de bois para abate, compreende os meses
de maio a novembro. O pico de preço alto é o mês de outubro. O pico de preço baixo é maio.
Figura 4.5.10
Componentes de "Sazonalidade" dos Preços Médios Mensais Recebidos pelos
Produtores (R$/arroba de Boi Gordo)

Fonte: (Couto,1997)
Esse comportamento se repete, com algumas variações, em todas as regiões do País.

266 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Kassouf & Hoffmann (1988), por exemplo, estudaram a previsão de preços do boi gordo
no Estado de São Paulo e identificaram tanto as variações cíclicas, quanto as estacionais destes, no
Estado. Em relação ao ciclo estacional, esperam que a adoção de novas técnicas, como a
complementação alimentar no inverno e a engorda em confinamento, além da formação de estoques
reguladores, contribuirão para diminuir a intensidade dessas oscilações observadas.
Silva e Lemos (1996), fizeram uma análise comparativa dos preços recebidos pelos produtores
de bovinos de corte nos Estados do Maranhão, Piauí e Ceará e identificaram o padrão sazonal das
flutuações dos preços do boi gordo, transacionado naqueles mercados. Os resultados obtidos
indicaram a existência de um padrão estacional definido dos preços de boi gordo nos respectivos
Estados, e diferenças significativas entre os preços nos Estados, meses e anos. Caracterizaram-se
ainda os meses de safra e entressafra nos três Estados, no período considerado. Os níveis de
preços mais baixos ocorrem em torno do mês de julho e os mais altos nos meses de janeiro,
fevereiro e março. Os autores sugeriram políticas de formação e distribuição de estoques reguladores,
com vistas a beneficiar tanto a produtores, com estabilização de suas rendas, quanto a consumidores,
com a estabilização de seus orçamentos familiares.
Garcia (1982), fez um estudo sobre análise harmônica aplicada às variações de preço do boi
no Pantanal Mato-Grossense. Sobre o preço real do boi magro, durante o período de 1950/81,
concluiu que: a) a trajetória de tendência permite identificar ciclos pecuários em torno de oito anos;
b) os preços reais do boi magro seguem "pari passu" as mudanças dos preços reais do boi gordo
que, segundo as estimativas dos coeficientes de elasticidade-preço, são de iguais intensidade e
sentido; c) os ciclos sazonais do preço do boi magro (Campo Grande, MS) e do boi gordo
(Araçatuba, SP) foram identificados, tendo-se verificado que a freqüência de maior intensidade
(doze meses) era significativamente reduzida na sua amplitude, no caso do boi magro, pela
sobreposição de outros harmônicos.
O crescente desenvolvimento da criação de bovinos em confinamento, bem como a formação
de estoques reguladores por parte do Governo Federal e dos frigoríficos privados, tendem a minimizar
essas oscilações de preços decorrentes do período safra-entressafra. As intervenções do Governo
nesse mercado, principalmente na década de 80, foi feita de forma desordenada e dramática
(conforme ocorreu nos períodos de congelamento de preços), levando em última instância ao
desestímulo à produção e à adoção de práticas especulativas por parte de alguns agentes.
Mais conhecido como ciclo do gado, esse ciclo se deriva das próprias características da
interação entre demanda e oferta de carne, nos mercados nacionais e internacionais. Dado que a
capacidade de resposta dos produtores às sinalizações da demanda no mercado em questão é
limitada pela grande defasagem de tempo que ocorre entre a decisão de aumentar sua produção e
o efetivo aumento. Esse processo é melhor explicado por Júnior (1993), em que ele ressalta que:
"...a formação destes ciclos plurianuais, decorrem basicamente das expectativas das cotações do
boi no futuro. Se a tendência do preço do boi gordo for declinante e o pecuarista projetá-la para
o futuro, não haverá estímulo para a produção e retenção de matrizes. Os produtores necessitando
cobrir seus custos, e estando os preços baixos levarão maior número de animais ao abate, incluindo

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 267
suas matrizes, o que acentuará a tendência de baixas nos preços pelo excesso de oferta. Contudo,
essa matança indiscriminada de animais acarretará, em algum tempo, escassez de boi gordo, o que
fará reverter essa tendência, com altas de preços. Havendo uma expectativa de permanência dessa
alta de preços, a produção será estimulada e matrizes e bezerros serão retidos, reduzindo ainda
mais a oferta de animais para abate e acentuando a tendência altista dos preços. Entretanto,
futuramente essa retenção de animais ocasionará novo excesso de oferta e o conseqüente declínio
de preços, dando início à nova fase de queda de preços, e assim sucessivamente..." Lamounier
(1996) .
A Figura 4.5.11 ilustra o ciclo pecuário, ou também ciclo plurianual dos preços médios
mensais de boi gordo, recebido pelos produtores do Estado de São Paulo, de acordo com Couto,
1997.
Figura 4.5.11
Componente "Ciclo Plurianual" dos Preços Médios Mensais Recebidos pelos
Produtores (R$/arroba de Boi Gordo)

Fonte: (Couto,1997)
Conforme observa Couto (1997), o componente plurianual mostra que há um período de 6
anos nos quais os preços seguem um período ascendente de 3 anos e um descendente de 3 anos.
Nota-se pelo gráfico que nos últimos anos a amplitude de variação do ciclo vem–se reduzindo
fortemente.
Segundo Kassouf & Hoffmann (1988), ficou evidente, no seu trabalho, a existência de
variações cíclicas nos preços da carne, ao longo da série histórica, com características repetitivas
bem definidas que as tornam previsíveis, citando Mueller (1987), que diz que as intervenções
governamentais, no mercado de carne, têm sido imediatistas e intempestivas, não contribuindo para
amortecer aquelas variações cíclicas. Declaram ser óbvia a importância de políticas anticíclicas,

268 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
que evitassem o abate excessivo de matrizes, em períodos de preços baixos, causando o enorme
crescimento do preço alguns anos depois.
Estudos mais recentes da FNP Consultoria & Comércio (1997), tentam contestar a idéia do
ciclo pecuário de 6 anos. Para estes, desde 1986 a pecuária deixou de ter um ciclo previsível de
seis a sete anos.
Como pode-se observar na Figura 4.5.11, os picos de alta e de baixa dos preços pecuários
vêm se repetindo de quatro em quatro anos. Os últimos picos de alta ocorreram em 1986, 1990 e
1994, enquanto os picos de baixa ocorreram em 1984 – na transição do ciclo de seis para o de
quatro anos, 1988,1992, 1996 e 1998.
Segundo a FNP, o ciclo pecuário ainda é, em todo o mundo, o fator de maior importância na
determinação dos preços. E, também em todo o mundo, sua duração é de quatro anos, ou seja, a
distância entre os picos de preços é de quatro anos. Acreditava-se que o ciclo pecuário durava seis
anos no Brasil, diferentemente do resto do mundo, porque a idade de abate aqui era mais elevada.
Partindo do pressuposto de que a duração devia variar entre seis e sete anos, o ciclo tornara-
se imprevisível: uma premissa incorreta, segundo os analistas da FNP. Segundo estes, talvez o ciclo
da pecuária brasileira tenha se reduzido para quatro anos, porque a dinâmica da atividade mudou.
A velocidade da transmissão de informações aumentou muito e também cresceu a participação de
outras carnes no mercado, trazendo um novo equilíbrio de forças, afetando a oferta e a demanda
de carnes. "O equilíbrio já é muito semelhante ao existente no restante do mundo. Talvez o período
de duração do ciclo pecuário não esteja tão vinculado ao comprimento do ciclo de produção como
se imaginava. O mercado pecuário brasileiro amadureceu muito nos últimos anos e por isso tornou-
se parecido com o de outros países. Até poucos anos atrás, produzia-se, no Brasil, para um mercado
carente de alimentos, com consumidores dispostos a aceitar, sem maiores exigências, tudo o que
lhes fosse oferecido. Hoje, com o mercado de alimentos no Brasil praticamente saturado, constata-
se que o comportamento de consumidores e produtores está mudando rapidamente. No novo
ambiente, é natural que o ciclo pecuário também mudasse, por mais que se tenha demorado a
perceber".
Conforme assinalado anteriormente, outros fatores afetam o comportamento dos preços de
carne bovina no mercado. Segundo várias pesquisas, os preços da carne de frango são os mais
importantes, pois a concorrência entre elas é mais forte. Por exemplo, (Bacchi, 1995) estudou a
causalidade entre preços no mercado de carnes do Estado de São Paulo. Segundo ele, os testes de
causalidade indicaram que variações no preço de frango causam variações no preço de bovino e
suíno. Afirma que esse resultado é compatível com a hipótese de que a tendência decrescente dos
preços de bovino e suíno nos últimos anos, período em que o frango passa a ser representativo na
alimentação do brasileiro, é decorrente da queda dos preços de frango, ocasionada pelo
desenvolvimento tecnológico ocorrido no setor. Acrescenta ainda que: "De fato, a avicultura brasileira,
caracterizada atualmente como uma atividade com elevado grau de integração vertical, tem acompanhado
os avanços tecnológicos dos países desenvolvidos, que são os grandes produtores mundiais de frango.
Enquanto isso, a bovinocultura e a suinocultura, setores em que a adoção de tecnologia não tem sido
uniforme nas diferentes zonas criatórias, não tem obtido resultados satisfatórios".

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 269
Outro estudo de Bacchi e Hoffmann (1995), sobre previsão de preços de bovino e frango
com modelos de séries temporais, de maneira geral, obteve, com os modelos propostos para a
série de preços de bovino, boas previsões. A introdução da variável explicativa "preço de frango"
nos modelos estabelecidos para essa série melhorou as previsões um passo a frente.
Segundo a Revista Preços Agrícolas (1999), antes da crise cambial, os preços da carne
bovina e de frango, na falta de eventos imprevisíveis, como secas e geadas apresentavam uma
tendência de relativa estabilidade nos últimos dois anos, com pequenas oscilações.
A produção da carne de frango ajusta-se mais rapidamente às variações de preço do que a
de bovino, fazendo com que os investimentos na produção se adaptem com maior facilidade ao
volume vendido. Isso acontece porque o ciclo de produção de frango é muito mais curto que o da
carne bovina. Entretanto, nos últimos anos, as promoções de frango têm afetado a demanda por
carne bovina, e dessa forma, modificam as relações entre esses preços.
Havendo promoções de carne de frango, a saída de carne bovina fica mais fraca e, com isso,
nos frigoríficos, os abates são reduzidos, provocando queda no preço da arroba. Isso tem acontecido
com freqüência e os mercados destes dois tipos de carne encontram-se bastante vinculados.
Pode-se concluir, portanto, que o conhecimento do comportamento dos preços de animais
no mercado, é um aspecto mercadológico, de fato, fundamental, especialmente para os pecuaristas.
Quanto mais transparente for esse mercado mais fácil fica a tomada de decisão do pecuarista e dos
compradores de animais, permitindo, desse modo, um melhor bom desempenho de todos e uma
maior competitividade da cadeia.
4.5.8.5.2.2. Margens de Comercialização
A grande multiplicidade de possibilidades de fluxos de comercialização devido à interferência
de vários agentes envolvidos ao longo do processo de comercialização de animais, carne e um
número variado de subprodutos (couro, ossos, chifres, etc.) torna o cálculo das margens de
comercialização extremamente limitado.
As margens de comercialização medem o valor apropriado pelos intermediários no processo
de comercialização agrícola. Portanto, elas incluem o custo de comercialização (custos de
transporte, armazenamento, processamento, promoção etc.) e o lucro obtido pelo intermediário.
Existem basicamente duas maneiras de apresentar a margem: absoluta e relativa. A margem
absoluta é o valor monetário recebido pelo intermediário (preço de venda menos preço de compra
da matéria-prima), enquanto a margem relativa é este mesmo valor dividido pelo preço no varejo.
Portanto, a margem relativa mostra a participação percentual do intermediário no preço pago
pelo consumidor.
De Zen (1995), estudou a variação nos preços de carne bovina nos diversos níveis de mercado
(produtor, atacado e varejo) e viu que, no período de julho a dezembro de 1995, a margem do
produtor se situou em torno de 60% do preço de varejo; a margem do atacado em torno de 10%,
e, a margem do varejo, em torno de 30%.

270 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Segundo esse mesmo autor, as margens de comercialização variam no varejo e em nível do
produtor, mais do que em nível de atacado, quando se considera os preços de carne no varejo de
forma diferenciada, ou seja, quando se considera preços de carne de primeira e segunda
separadamente. No estudo feito, as margens de varejo, do produtor e do atacado variaram,
respectivamente, em 20%, 26% e 11%. A expectativa de que quedas nos preços de boi gordo
fossem absorvidas pelos frigoríficos não se configurou, no período analisado.
Os frigoríficos, embora mais organizados e bem informados, não puderam manter margens
fixas ou controlar o mercado. Tiveram de repassar para os supermercados as quedas verificadas no
preços em nível de produtor. A explicação, segundo o estudo, é que o preços de carne de primeira
evoluem de modo diferente dos preços da carne de segunda. Os supermercados são "pressionados"
pelos consumidores a não subir o preço de carnes de segunda, enquanto a de primeira não sofre
tanta pressão, por atender consumidores mais ricos.
Um estudo sobre a margem dos frigoríficos foi recentemente feito por De Zen et alli. (1999).
Esses autores verificaram que a margem de venda de carne desossada sofreu muita variação até
meados de 1993, estabilizando-se desde então. No tocante à carne com osso, que representa a
maior parcela dos negócios dos frigoríficos, sua margem tem apresentado tendência de queda
contínua. Portanto, os resultados apresentados por De Zen et alli. (1999) sugerem que os frigoríficos
não têm aumentado seus recebimentos por suas atividades, verificando-se mesmo redução no caso
da carne com osso.
Parré (1997), examinou o impacto dos preços de subprodutos e dos custos de
comercialização, na formação das margens de comercialização da carne bovina no Estado de São
Paulo, no período de março de 1994 a junho de 1996. O estudo constata a importância da
consideração dos subprodutos, na avaliação da margem de comercialização, e mostra que os
impactos originários da produção e do consumo nas margens de comercialização predominam
sobre os impactos causados pelos insumos de comercialização. Segundo esses autores, a margem
de comercialização do atacado de carne bovina gira em torno de 8%, quando não se considera os
subprodutos no cálculo, e eleva para em torno de 16% quando estes são considerados.
Segundo a Revista Preços Agrícolas (jan. 1999), "as margens de comercialização dos
frigoríficos vêm diminuindo, nos últimos anos, melhorando apenas para aqueles que optaram
pela comercialização da carne desossada".
E quanto ao varejo? A Participação do varejista sobre o preço final é apresentada na Figura
que se segue. Utilizando os preços mensais do atacado de traseiros especiais, ponta de agulha e
dianteiro, no Estado de São Paulo (IEA), calculou-se o preço médio mensal do atacado. Isso foi
feito por meio das informações apresentadas por Canto (1986), que considera os seguintes pesos
médios: 115,25 kg para traseiros especiais, 29,40 kg para pontas de agulhas e 90,55 kg para
dianteiro. A divisão do preço médio de carne bovina no varejo na cidade de São Paulo (IEA) pelo
preço médio calculado, permite a formação do índice apresentado na Figura 4.5.12.
A interpretação do índice é a mesma que se dá para a margem relativa. Um aumento do
preço no varejo em relação ao do atacado sugere que a participação do varejista vem aumentando.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 271
A figura mostra claramente que, após uma queda no início da década de 1990, a participação do
varejo tornou-se relativamente estável até meados de 1994 (início do Plano Real). Entretanto, durante
os últimos 5 anos houve um aumento de cerca de 30% do preço do varejo em relação ao atacado.
Esse resultado precisa ser analisado com cuidado, pois aumento de margem não é
necessariamente aumento de lucro. Teoricamente, a margem pode aumentar também em decorrência
de aumento do custo de comercialização, seja por aumento de preços de insumos, seja por adição
de novos serviços.
Teria havido esse aumento de custo para os varejistas? Aparentemente não. O período de
crescimento da margem foi marcado por enorme concentração das cadeias de supermercados e
por uma participação cada vez maior do supermercado na comercialização de carne. Houve ainda
ganho de escala, o que deveria ter reduzido o custo unitário de comercialização. A observação
dessas variáveis parece sugerir que o lucro do varejo tem realmente aumentado desde o início do
Plano Real, em detrimento de consumidores e demais participantes do mercado.
Figura 4.5.12
Índice de carne bovina (Preço no varejo/Preço no atacado)
Dados básicos do IEA
Índice (Janeiro de 1990 = 100)

140
120
100
80
60
40
20
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Anos

4.6. Setor de Couro e Derivados


4.6.1. Introdução e delimitação do setor
O setor de couro e derivados encontra-se entre os setores em que o Brasil tradicionalmente
apresenta fortes indicadores de competitividade. As receitas de exportação desse grupo de produtos
em muito supera aquelas obtidas pelo segmento de carnes, o que faz desse setor um importante
elemento do sistema agroindustrial de bovinocultura de corte.
Mesmo diante de indicadores que atestam a importância do setor de couro e derivados, há
ameaças de relevo ao desempenho do setor, dadas sobretudo pela concorrência direta de países

272 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.6.6.2. Características gerais da estrutura de mercado
Esta seção apresenta uma análise do ambiente competitivo, incluindo estrutura de mercado e
o conjunto de estratégias que vem caracterizando o setor. Do exame dessas estratégias pode-se
concluir sobre a capacidade de concorrência futura das empresas que as implementam. Pretende-
se, com isso, enriquecer a análise da competitividade aqui empreendida, incorporando três elementos
à avaliação da competitividade: 1) os ganhos de custos derivados de estratégias de relocalização e
aproveitamento de economias de escala e escopo; 2) a utilização de ferramentas de gestão (seção
4.6.7.2); e 3) relações de mercado, avaliando a capacidade de coordenação entre os elos da
cadeia produtiva (seção 4.6.8).
4.6.6.2.1. Curtumes
Os curtumes no Brasil constituem um mercado pouco concentrado, dada a presença de
inúmeras empresas, com participações modestas no mercado. Conforme pode ser observado na
Tabela 4.6.9, a maior empresa, em termos de faturamento (receita operacional líquida) detém apenas
12,5% do total do mercado, sendo seguida por cerca de 25 empresas que detêm entre 1% e 10%
do mercado. Deve-se acrescentar que há inúmeros curtumes artesanais, sem qualquer registro
formal, mas que empregam, nas regiões menos desenvolvidas, um grande número de pessoas. Sua
produção volta-se, prioritariamente, para o mercado regional de calçados rústicos e, em especial,
para o segmento de artefatos de couro artesanais. Como conseqüência, a indústria de curtumes é
bastante fragmentada e heterogênea.
Esse padrão de estrutura de mercado, no entanto, não é observado quando se tem como
referência a participação nas exportações. Embora a maior empresa tenha uma pequena participação
no total de exportações, o número de empresas que participa desse mercado é consideravelmente
reduzido. Desse modo, a análise da estrutura de mercado dos curtumes indica uma relativa
desconcentração, porém alguma barreira de mobilidade entre as empresas que atuam no mercado
externo e interno. Essas barreiras podem estar sendo atenuadas com o desenvolvimento das
exportações de wet blue. Segundo pesquisa realizada na Unisinos, o grau de concentração de
mercado (Herfindahl-Hirshman), além de baixo em termos absolutos (0,018)2 vem decrescendo
nos últimos anos (Abril, 1997, p. 76).

2
De acordo com o Merger Guidelines, considera-se um mercado desconcentrado aquele que apresenta um índice de Herfindahl-
Hirshman inferior a 0,08 (ou 800, conforme o modo de cálculo).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 301
Tabela 4.6.9
As Maiores Empresas de Curtumes: 1996

302 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Continuação

Fonte: Gazeta Mercantil – Balanço Anual e Panorama Setorial e Revista Couro Business, ano I,
n.1, julho/ago. 98
Embora os dados apresentados na Tabela 4.6.9 não discriminem a que etapa do
processamento cada curtume se dedica, segundo entrevistas foi possível diagnosticar a presença de
quatro tipos de curtumes, em termos das etapas que realizam: a) curtumes integrados, que realizam
todas as etapas, do couro verde ao acabado; b) curtumes de wet blue, que se dedicam apenas à
primeira etapa de curtimento; c) curtumes de acabados, que adquirem o wet blue e o transformam
em crust (semi-acabados) e acabados; e d) seções de acabamento, que realizam apenas a etapa
final de acabamento, utilizando-se do crust como matéria-prima (Alcala, 1996). Essa divisão entre
curtumes é, no entanto, insuficiente para compreender a inserção competitiva de cada grupo. Do
ponto de vista de concorrência, além da etapa tecnológica a que se dedicam, deve-se segmentar os
curtumes segundo os seguintes parâmetros: a) destino da produção (mercado interno versus mercado
externo); e b) capacitação tecnológica. Assim, pode-se dividir a indústria de curtumes em cinco
grupos estratégicos principais³, podendo a mesma empresa atuar em mais de um desses grupos.
Um resumo desses grupos e suas principais características é apresentado no Quadro 4.6.3. Para
cada um dos grupos há um conjunto de fatores-chave para a competitividade, como, no caso de
curtumes exportadores de wet blue, a proximidade da matéria-prima e a escala de produção. O
primeiro elemento garante vantagens absolutas de custo, uma vez que o couro verde é um dos
principais componentes do custo final. O segundo elemento, a escala de produção é importante por
viabilizar a utilização dos canais de exportação individuais. Este grupo não enfrenta fortes obstáculos,
uma vez que o domínio da tecnologia e o processo de venda, por se tratar de uma commodity, são
relativamente simples. Nesse sentido, o principal obstáculo é o fato de tratar-se de um produto de
baixo valor agregado, sendo comercializado com margens pequenas e forte concorrência por preços.
Os três primeiros grupos apresentam alguma barreira de mobilidade, ou seja, não é automática a
entrada de outros curtumes em cada um desses grupos, o que deve estar associado a uma maior
rentabilidade.

3
Esses cinco grupos não esgotam todas as possibilidades, mas representam a atuação da maior parte dos curtumes brasileiros.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 303
Quadro 4.6.3
Grupos Estratégicos em Curtumes

Principais Grupos Fatores de sucesso Obstáculos Barreiras de


Estratégicos mobilidade
Exportadores de Wet blue, Proximidade da oferta Produto de baixo valor Média, dada pela
abastecendo ou não o de couro verde agregado escala de produção
mercado interno (ex: Centro-Oeste)

Escola elevada
Exportadores de cruste e Domínio de tecnologia Distribuição complexa pela Elevada, dada pelo
acabados diversidade de produtos domínio da tecnologia,
Escola elevada marketingt e escala
Dificuldade de fornecimento
Esforços de marketing just in time para indústria
externa de calçados e
artefatos

Barreiras tarifárias
Produção de crust e Necessidade de Competição com couro Média, dada pelo
acabados para mercado coordenação estrita importado via drau back domínio da tecnologia
interno (tecnificados) com empresas de
calçados e artefatos
(produção em clusters)

Relação profunda com


organizações do apoio
à capacitação
tecnológica
Produção para mercado Baixos custos Ausêcia de padronização Não há
enterno (não-tecnificados,
independente da etapa a Mercado informal (não Baixa capacidade gerencial
que se dedicam) arca com custo
ambiental e fiscal)
Curtumes artesanais Mão-de -obra familiar. Dificuldade de acesso a Não há
Exploração de nichos canais de distribuição
de mercado
Problemas na absorção de
novas tecnologias/baixa
capcidade gerencial

Dificuldade de renoação de
fontes de tenino natural

304 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.6.6.3. Distribuição espacial e aproveitamento de economias de escala
A seguir são apresentados, na Tabela 4.6.11, os dados de tamanho e distribuição espacial
dos curtumes, permitindo uma análise dos movimentos de relocalização dos curtumes, em direção
à oferta de couro, e do aproveitamento de economias de escala.
Tabela 4.6.11
Número de Estabelecimento Curtidores por Estado Brasileiro 1986/96

Fonte: RAIS/ABICOURO
A primeira importante informação que pode ser depreendida a partir da Tabela 4.6.11 é a
redução do número de curtumes entre 1987 e 1996. Esse processo pode estar associado com uma
relativa concentração de mercado, provavelmente associada com uma maior inserção dos curtumes
no mercado internacional. Uma vez que freqüentemente há barreiras à entrada para a atividade de
exportação, é possível que o crescimento das exportações diretas de couro tenha sido acompanhado
de uma exclusão de curtumes não capacitados.
Outro dado relevante presente na Tabela 4.6.11 é a concentração dos curtumes nos estados
que apresentam maior número de frigoríficos, como Rio Grande do Sul e São Paulo. O recente
processo de deslocamento de frigoríficos para a região Centro-Oeste, acompanhando a evolução
da pecuária de corte, deve também provocar alterações na localização de curtumes. De fato, apesar

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 305
da queda do número de curtumes em todo o Brasil, nos Estados de Goiás e Mato Grosso do Sul
pode-se observar um pequeno aumento do número de estabelecimentos.
De maneira geral, pode-se observar que em um período de 10 anos (1986 a 1996) o segmento
de curtimento e outras preparações do couro, segundo dados da RAIS, reduziu seu número de
funcionários formalmente contratados, passando de um total de 63.347 em 1986 para 51.442
funcionários em 1996. Essa redução pode representar um aumento de automação e melhor
qualificação da mão-de-obra do setor (justificada pelo aumento da remuneração média em alguns
estados – Tabela 4.6.13). Por outro lado, trata-se de um importante indício de perda de
competitividade da indústria de curtumes ou, ao menos, de sua capacidade de gerar emprego e
renda.
Analisando separadamente os estados, notamos que, sem dúvida alguma, o Rio Grande do
Sul é o Estado com maior número de funcionários neste período. Dos Estados do Nordeste do
País, o Ceará tem-se destacado, apesar também da redução do quadro de funcionários. O Rio de
Janeiro apresentou uma acentuada queda do quadro de mão-de-obra. Nesse caso, poderia-se
explicar por meio do aumento da mão-de-obra em outras regiões, como o Centro-Oeste (MT, MS
e GO). Isso significa que as atividades deste segmento estariam deslocando-se de uma região para
outra do País. O Rio de Janeiro, por vários anos teve a maior remuneração média neste segmento
(Tabela 4.6.13), enquanto os Estados do Centro-Oeste, além de ter menor remuneração no início
do período, têm atraído para seus territórios as indústrias de abate e frigorífica, devido ao aumento
das atividades da pecuária de corte e incentivos fiscais na região. Os Estados de São Paulo e Minas
Gerais, até o ano de 1993 tiveram também redução da quantidade de mão-de-obra no segmento,
porém, a partir desta data retomaram seu crescimento.
Tabela 4.6.12
Evolução do Número de Funcionários no Brasil no Período de 1986 a 1996
(Segmento de Curtimento e Outras Preparações do couro)
ESTADOS 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
RONDÔNIA 15 26 21 11 22 19 13 8 15 18
ACRE 32 2 4 4 3 6 21 1 26
AMAZÔNAS 25 38 25 170 184 4 100 36
RORAIMA 1.101 6 10 9 7 10 1 1
PARÁ 3 915 781 783 642 344 283 231 227 141 176
TOCANTINS 59 92 121 110 137 87 177 216
AMAPÁ 7
MARANHÃO 69 125 305 166 114 59 29 18 124 120 179
PIAUÍ 288 302 338 329 321 283 272 260 547 652 534
CEARÁ 3.300 3.586 4.503 4.738 3.819 2.626 2.863 2.349 1.094 914 867
RIO GRANDE DO 478 515 643 650 553 634 566 650 567 614 473
NORTE
PARAÍBA 462 520 506 495 459 390 306 156 369 479 274
PERNAMBUCO 713 680 705 650 571 402 322 321 713 705 806
ALAGOAS 80 54 71 80 76 86 73 56 38 32 31
SERGIPE 329 515 435 189 13 11 9 7 11 29 77
BAHIA 1.211 983 1.376 1.279 1.383 1.201 1.121 1.099 1.031 1.062 994
MINAS GERAIS 4.413 5.015 5.389 4.900 4.263 3.753 2.936 3.061 4.076 4.255 4.454
ESPÍRITO SANTO 34 19 11 15 10 9 12 11 91 117 128

306 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Continuação
RIO DE JANEIRO 2.281 2.682 2.026 1.717 1.545 1.027 318 532 319 294 187
SÃO PAULO 11.042 10.788 11.296 11.242 9.134 8.539 6.802 6.836 12.782 12.844 11.182
PARANÁ 4.001 4.312 5.045 5.514 5.185 4.551 3.749 3.785 4.237 5.414 4.058
SANTA CATARINA 1.697 1.242 1.661 1.837 1.821 1.868 2.162 2.276 2.279 2.139 1.796
RIO GRANDE DO SUL 30.900 31.501 36.391 36.865 31.481 28.086 24.916 26.844 30.569 25.563 22.652
MATO GROSSO 266 285 333 294 341 325 126 140 468 441 558
MATO GROSSO DO 101 112 186 350 447 559 465 346 241 789 647
SUL
GOIÁS 538 592 632 551 533 508 263 297 1107 933 1072
TOTAL 63.347 64.852 72.668 72.735 62.825 55.418 47.895 49.615 61.010 57.831 51.442

Fonte: Rais
Com relação à remuneração dos funcionários neste segmento (curtimento e outras preparações
do couro), podemos observar que, em geral, ao longo destes 10 anos, houve um aumento na
remuneração média, o que pode-se novamente associar à melhor qualificação da mão-de-obra. Entre
os diversos estados, o Rio de Janeiro apresenta uma situação particular, uma vez que até 1991 tinha a
maior remuneração média do País. Desde então passou a trabalhar com uma remuneração mais
compatível com os outros estados. Isso demonstra um aumento da competitividade de outras regiões
relativamente aos curtumes fluminenses, o que se refletiu na intensa redução do número de curtumes
nesse Estado (Tabela 4.6.11). Em contraposição, os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, que
juntos possuem 52% dos estabelecimentos deste segmento, trabalharam com uma remuneração média
crescente ao longo destes anos e em geral, acima da média dos demais estados.
Tabela 4.6.13
Evolução da remuneração média (salários mínimos) no período de 1986 a 1996
(segmento de curtimento e outras preparações do couro)
ESTADOS 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
RONDÔNIA 1,47 1,51 2,23 2,05 1,52 1,71 1,34 2,03 1,34 1,68
ACRE 2,70 0,99 0,99 1,17 0,99 1,31 1,46 0,87 1,13
AMAZONAS 1,82 1,76 2,76 3 2,41 2,41 1,13 4,07 2,72
RORAIMA 1,37 2,24 3,01 2,74 1,00 1,04
PARÁ 2,05 2,30 1,67 1,81 2,11 2,42 2,68 2,24 2,70 2,93 2,44
TOCANTINS 1,36 2,28 1,77 1,12 1,76 1,98 2,19 1,94
AMAPÁ 1,12
MARANHÃO 1,39 1,55 1,47 1,27 1,39 1,25 1,48 1,17 3,05 2,78 2,08
PIAUÍ 1,89 2,41 2,06 2,17 2,1 2,75 3,29 3 3,08 2,69 2,89
CEARÁ 1,33 1,33 1,14 1,24 1,49 1,73 1,56 1,52 2,28 2,78 2,30
RIO GRANDE DO 1,79 1,81 1,60 1,75 2,14 2,03 2,04 1,87 2,36 1,93 2,19
NORTE
PARAÍBA 1,68 1,66 1,45 1,51 1,51 1,7 1,79 1,86 2,58 1,88 2,03
PERNAMBUCO 1,58 1,76 1,68 1,66 2,01 2,1 2,08 2,07 2,87 2,82 2,72
ALAGOAS 1,34 1,41 1,07 1,11 1,32 1,24 1,43 1,24 1,19 1,35 1,31
SERGIPE 2,02 2,10 2,04 1,77 3,55 4,34 1,81 1,31 2,66 1,30 1,33
BAHIA 2,08 2,44 2,06 1,88 2,46 2,78 2,44 2,4 3,10 3,55 3,35
MINAS GERAIS 1,78 1,81 1,83 1,62 2,27 2,43 2,41 2,35 3,02 2,91 3,04
ESPÍRITO SANTO 1,09 1,11 1,44 0,82 1,1 1,44 1,5 1,48 1,44 1,62 1,67
RIO DE JANEIRO 4,15 4,52 4,64 4,7 4,69 4,37 2,07 2,95 2,76 2,45 2,80
SÃO PAULO 2,44 2,91 2,70 2,65 3,2 3,39 3,62 3,44 3,71 4,10 4,32
PARANÁ 2,01 2,18 2,03 2,23 2,97 3,08 3,22 3,27 2,75 3,30 3,15
SANTA CATARINA 1,73 1,59 1,61 1,57 1,97 2,08 2,33 2,31 2,91 3,40 2,71
RIO GRANDE DO SUL 2,51 2,70 2,35 2,46 2,95 3,22 3,61 3,31 4,16 4,01 3,89
MATO GROSSO DO 1,53 2,02 1,58 1,82 2,43 2,21 2,45 2,96 3,07 3,24 3,11
SUL
MATO GROSSO 1,86 1,95 1,64 1,17 1,52 2,06 2,3 2,14 2,49 2,77 3,05
GOIÁS 1,59 1,78 1,64 1,52 1,63 1,5 2,08 1,26 2,20 2,48 2,40

Fonte: Rais

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 307
Analisando detalhadamente os quatro estados de maior participação no emprego no setor
de curtumes – RS, SP, PR e MG –, nota-se que as empresas de maior porte, ou seja, que trabalham
com o maior número de empregados, estão localizadas nos Estados de São Paulo e Rio Grande do
Sul (Figura 4.6.6). Em seguida vem o Paraná, com alta porcentagem de funcionários trabalhando
em empresas com porte de 100 a 499 empregados. Dado que a produção primária de couro
(abate) tem crescido fortemente no Centro-Oeste, pode-se concluir que há custos logísticos
decorrente da localização de curtumes. Os Estados de SP e RS possuem grandes estabelecimentos
e necessitam de matéria-prima produzida em outras regiões. O motivo para a persistência dessa
disfunção locacional está na presença de custos fixos irrecuperáveis (não realocáveis sem custos)
na atividade de curtumes. Desse modo, a atual disposição espacial dos curtumes é resultado de
investimentos passados, quando a maior parte do abate concentrava-se nos Estados de RS e SP.
Figura 4.6.6
Porcentagem de funcionários por classe de tamanho nos estados relevantes
no setor de curtimento e outras preparações do couro

35

30

25
% de Funcionários

RS
20 SP
MG
15
PR
10

0
0 1A4 5A9 10 A 19 20 A 49 50 A 99 100 A 249 250 A 499 500 A 999

Classes de Tamanho (número de empregados)

Fonte: RAIS
No segmento de curtumes há concentração regional do tipo clusters, ou seja, existem pólos
que concentram em uma dada região geográfica várias empresas e instituições interconectadas
trabalhando em um determinado setor econômico. Neste ambiente uma empresa aproveita
informações, tecnologias, estrutura de comercialização, entre outros, que são gerados pela atividade
conjunta das demais empresas (spillovers). Dessa forma, a aglomeração (cluster) confere maior
competitividade à todas as empresas. A formação e disponibilidade de mão-de-obra especializada
(Senai de Estância Velha – RS e Senai de Franca – SP), a realização de economias de escala e de
escopo, investimentos governamentais e operações de crédito e financiamento facilitadas, são algumas
das vantagens competitivas da organização em clusters (Porter, 1998).
4.6.6.4. Estrutura em derivados de couro
O setor de derivados de couro é composto principalmente por empresas de pequeno porte,
com uma distribuição espacial distinta conforme o setor. No caso de calçados, as empresas são

308 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
regionalmente aglomeradas em algumas cidades, que caracterizam pólos de produção. A aglomeração
permite a geração de mão-de-obra qualificada via learning by doing ou mesmo via treinamento
formal em escolas do SENAI, como é o caso do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, e de
Franca, no interior de São Paulo. Outras cidades que se destacam nesse tipo de produção são Belo
Horizonte – MG, Jaú – SP e Birigui – SP (Salomão, 1998). Em contraposição, no caso de artefatos
de couro, a produção é mais dispersa, concentrando-se mais perto dos principais mercados
consumidores: Rio de Janeiro e São Paulo. Essa característica da distribuição espacial da produção
é um dos fatores que explica a maior competitividade do segmento de calçados frente ao de artefatos
de couro, evidente no desempenho exportador de cada segmento.
Por se tratar de produtos tradicionalmente intensivos em trabalho, a produção de derivados
de couro beneficia-se dos baixos custos da mão-de-obra. Era nesse elemento que baseava-se a
competitividade da indústria brasileira. Com a consolidação da produção do sudeste asiático (China,
Indonésia e Tailândia), fundada em custos do trabalho ainda mais baixos que os brasileiros, a
produção nacional foi pressionada a promover a qualidade do produto, passando a concorrer, com
custos relativamente mais baixos, no mercado até então dominado pela Itália. Alterações recentes
na produção desses principais atores do comércio internacional colocam a produção nacional de
calçados em uma concorrência ainda mais acirrada. A China passa a ofertar produtos de maior
qualidade, competindo na mesma faixa que os produtos brasileiros, apresentando adicionalmente
vantagens de frete no principal mercado consumidor das exportações brasileiras: os EUA. De
outro lado, a Itália implementou uma estratégia de terceirização da produção, fazendo uso dos
baixos custos da mão-de-obra do leste europeu. Como conseqüência, os produtos italianos passam
a apresentar preços mais competitivos. O resultado desse movimento duplo dos principais
competidores das empresas brasileiras é o estreitamento da faixa em que atuavam, exigindo o
movimento simultâneo de aumento de qualidade e redução de custos.
Com a abertura de mercado e valorização do real entre 1994 e 1998, o padrão de concorrência
do mercado internacional transferiu-se, em alguma medida, para o mercado interno, que passou a
receber produtos provenientes do sudeste asiático. Essa mudança na concorrência interna promoveu
alterações na estrutura produtiva de calçados e artefatos de couro, estando especialmente pressionada
a produção de bens de qualidade inferior, que competiam diretamente com os baixos preços dos
produtos importados. Nesse processo de reestruturação, pode-se destacar como principais
alterações na indústria: a) a redução do número de empresas; e b) a relocalização dos
estabelecimentos na busca de incentivos fiscais e menores custos da mão-de-obra, o que afetou
especialmente o pólo de produção de calçados de Franca – SP.
Esse movimento é visível nos dados da RAIS, que permitem uma análise da distribuição espacial
da produção. A fabricação de calçados de couro encontra-se bastante concentrada nos Estados do
Rio Grande do Sul, que detêm 66,42% dos funcionários desta área, São Paulo, com 19,47% dos
funcionários e Minas Gerais, com 6,89 % (Figura 4.6.7). Apenas nesses três estados, trabalham
92,78% dos funcionários deste segmento, concentrados em microregiões em que se formam os clusters
já citados. Entre os três estados com maior concentração de funcionários, o Rio Grande do Sul possui
os estabelecimentos de maior porte, seguido de São Paulo e Minas Gerais.

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 309
Figura 4.6.7
Porcentagem de funcionários por estado no setor de fabricação de calçados de couro

70 66,42

60

50
% de Funcionários

40

30
19,47
20

10 6,89

0,01 0,02 0,05 1,34 0,09 0,76 0,19 0,01 0,38 0,05 0,25 0,49 0,79 2,28 0,06 0,02 0,4 0,02
0
PA TO PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF

Estados

Fonte: RAIS
Essa configuração é bastante distinta daquela verificada no segmento de calçados de outros
materiais. A Figura 4.6.8 mostra que os Estados Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais
ainda continuam sendo os primeiros em relação à quantidade de funcionários, com 71,59 % (juntos).
Porém, começam a surgir outros pólos bastante significativos na fabricação de calçados de outros
materiais (plásticos, etc.), como Ceará e Paraíba, com 20,35% dos funcionários.
Figura 4.6.8
Porcentagem de funcionários por estado no setor de
fabricação de calçados de outros materiais

35
32,08

30 27,55

25
% de Funcionários

20

15 12,59 11,96

10 7,76

5
1,90 1,49 1,81
0,01 0,02 0,03 0,08 0,01 0,20 0,54 1,23 0,01 0,01 0,73
0
PA MA CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO

Estados

Fonte: RAIS

310 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A análise por porte de estabelecimento indica que justamente nesses Estados do Nordeste
brasileiro encontra-se a maior proporção de empresas de maior porte (Figura 4.6.9). Há duas
possíveis explicações para essa diferente configuração no caso de calçados de outros materiais.
De um lado, a concessão de incentivos fiscais – um dos motivos que têm estimulado a relocalização
das empresas – é mais facilmente captado pelas grandes empresas, assim explica-se porque o
perfil das empresas operantes no NE, região que tem oferecido incentivos fiscais significativos, é
de maior porte. De outro lado, a maior presença de calçados de outros materiais decorre da
importância da formação de clusters na concorrência, no segmento de calçados de couro. Uma
vez que não há clusters definidos no NE, há uma desvantagem relativa da região neste segmento,
principalmente pela possibilidade de oferta de couro e possibilidade de fornecimento em just in
time. Esse limite não é da mesma magnitude no segmento de outros materiais, beneficiando-se a
região do NE da presença do pólo petroquímico de Camaçari. É possível prever o cenário de
aumento da produção de derivados de couro no NE, com o progressivo estabelecimento de
clusters ligados ao couro, principalmente no Ceará, Bahia e Paraíba. Esse movimento já é visível
nos investimentos de grandes curtumes, como a Bracol, em estabelecimentos de alto conteúdo
tecnológico na região.
Figura 4.6.9
Porcentagem de funcionários por classes de tamanho nos estados mais
relevantes do setor de fabricação de calçados de outros materiais

Classes de Tamanho (número de empregados)

Fonte: RAIS
No caso do segmento de 'malas e valises' e 'outros artefatos', a distribuição espacial da
produção é absolutamente distinta da observada em calçados. A lógica da produção em clusters
confere vantagens de custo e, principalmente, atualização tecnológica, o que permite a disputa nos
concorridos mercados externos. No caso de malas e valises de couro, a distribuição espacial da
produção concentra-se junto ao mercado consumidor interno (RJ e SP), o que lhe permite alguma
vantagem no atendimento desses mercados, por menores custos logísticos e percepção de

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 311
idiossincrasias do consumo interno. No entanto, essa localização da produção não se mostra
adequada para capacitar as empresas para a concorrência no mercado externo.
Segundo dados da RAIS (Figura 4.6.10), no segmento de malas e valises de couro, os
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais possuem o maior
número de funcionários, sendo que 65,59 % dos funcionários que trabalham neste segmento estão
localizados nos dois primeiros Estados. São Paulo, além de possuir o maior número de empregados,
também possui o maior número de estabelecimentos, o que representa 37,5 %, seguido de Rio
Grande do Sul (15,4%), Rio de Janeiro (13,9%) e Minas Gerais (13,4%). Portanto, a localização
dessas indústrias não está necessariamente ligadas às indústrias de curtimento de couro.
Figura 4.6.10
Porcentagem de funcionários por estado no setor de fabricação de malas e valises para
viagem, de couro

Fonte: RAIS
No segmento de artefatos de couro (cintos, bolsas etc.), os funcionários estão mais
concentrados nos Estados de São Paulo (37,36%), Rio Grande do Sul (29,19%), Minas Gerais
(14,64%) e Rio de Janeiro (7,99%). Existe alguma sinergia desse segmento com o de calçados
femininos, na confecção de conjuntos. Esse é um dos motivos que explica a sua localização dividida
entre os clusters de calçados e o mercado consumidor nacional, que é a característica do segmento
de malas e valises de couro.
Uma situação digna de nota é o caso do Estado do Ceará que, embora ainda incipiente, sua
participação destaca-se frente aos outros estados do Nordeste brasileiro. Essa situação acompanha
aquela observada em outros segmentos, como na fabricação de calçados de couro e no curtimento
e outras preparações do couro.

312 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 4.6.11
Porcentagem de funcionários por estado no segmento de fabricação de artefatos
de couro

40 37,36

35

29,19
30
% de Funcionários

25

20
14,64
15

10 7,99

3,86
5
1,86 1,19
0,02 0,08 0,1 0,01 0,14 0,99 0,45 0,03 0,05 0,9 0,11 0,17 0,03 0,81 0,03
0
AM PA TO PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF

Estados

Fonte: RAIS
4.6.7. Gestão
4.6.7.1. Principais tendências
O setor coureiro passa por modificações – dadas sobretudo pela alteração nas tendências
de consumo e no padrão de concorrência no setor de derivados – que exigem a adoção de diferentes
ferramentas de gestão. Esta seção pretende identificar quais são as principais tendências em
ferramentas de gestão para, em seguida, avaliar o seu efetivo uso pelo setor. Algumas estratégias
(componentes da gestão das empresas), como a relocalização das unidades e as tendências de
integração vertical são mais apropriadamente tratadas nas seções 4.6.5 e 4.6.8, respectivamente.
No primeiro caso, a discussão de distribuição espacial da produção já contemplou as estratégias
de relocalização. Do mesmo modo, as estratégias de integração vertical são justificadas em um
contexto de ganhos derivados da coordenação vertical entre os elos da cadeia produtiva (relações
sistêmicas), sendo mais adequadamente tratada na próxima seção.
Como principais estratégias observadas no setor como um todo, pode-se destacar:
a) A automação da produção, permitindo o aumento da qualidade e uniformidade do produto e,
a depender da relação de preços entre máquinas e salários, uma redução dos custos variáveis. Como a
estrutura salarial é dispersa no Brasil, espera que a automação venha a ser adotada primeiramente nos
curtumes de São Paulo, uma vez que os custos da mão-de-obra são maiores nesse Estado.
b) Implantação de gestão da qualidade, programa definido em dois níveis: qualidade total e
gestão ambiental (ISO 14.000).

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 313
c) Modificação do perfil da produção, aumentando a participação dos produtos mais
intensivos em couro, material que o Brasil apresenta vantagens de custo;
d) Introdução de tecnologias CAD-CAM (computer aided design e computer aided
manufacturing), ampliando o componente de design nos produtos.
e) Disseminação de ferramentas de gestão de suprimentos, como just in time e kanban, que
permitem a redução de estoques.
f) Articulação de ações coletivas de capacitação tecnológica, treinamento gerencial e
comercialização, como a participação em feiras.
4.6.7.2. Utilização de ferramentas de gestão
Uma importante característica da indústria de curtumes, apresentada em detalhe na seção anterior,
é a sua heterogeneidade. Essa característica revela-se fortemente na utilização de ferramentas de
gestão, com intensa utilização por alguns grupos de curtumes e absoluto desconhecimento por parte
de outros. Tomando-se como referência a classificação de curtumes desenvolvida na Tabela 4.6.10,
os três primeiros grupos de curtumes apresentam-se adiantados na utilização das ferramentas de
gestão descritas na seção 4.6.7.1, enquanto o quarto grupo (curtumes voltados ao mercado interno,
não-tecnificados) e, sobretudo, o quinto grupo (curtumes artesanais) estão longe de apresentar um
uso adequado de ferramentas de gestão. A primeira e essencial distinção a ser feita refere-se à capacidade
gerencial. A predominância de empresas familiares, aliada à pouca qualificação e capitalização de
diversos proprietários, conduz a uma situação de problemas gerenciais agudos. Nos grupos de maior
qualificação gerencial a adoção de ferramentas de gestão é, naturalmente, mais disseminada.
Essa heterogeneidade transparece na proposta de implantação de gestão da qualidade total
em curtumes do Rio Grande do Sul, coordenada pela AICSUL (Associação das Indústrias de
Curtumes do Rio Grande do Sul). Os curtumes de maior qualificação gerencial – como o Arthur
Lange ou Bender, entre outros de maior porte – já encontram-se adiantados na utilização dessa
ferramenta. Por outro lado, curtumes familiares de pouca qualificação gerencial são pouco sensíveis
às novas técnicas. Como conseqüência, apenas 20 curtumes aderiram ao programa. Mesmo com
uma adesão relativamente pequena, o programa revela uma adaptação do setor que não era verificada
em períodos de menor concorrência.
Entre essas mudanças, pode-se destacar o trabalho do CTCCA, antecipando-se a possíveis
problemas de práticas neoprotecionistas que venham a limitar as exportações brasileiras de couro
e derivados. O centro prepara-se para o fornecimento de 'selo ambiental', permitindo que curtumes
que realizem adequadamente a gestão ambiental pleiteiem a certificação de ISO-14000, uma
necessidade para a exploração de importantes segmentos de mercado no futuro. Para isso, o centro
vem empenhando-se na disseminação de informação a respeito de técnicas de tratamento de efluentes
e no estudo de alternativas para pequenos curtumes, como o estabelecimento de usinas de tratamento
comunitárias e/ou um depositário de resíduos sólidos.
Do ponto de vista de marketing, há necessidade de aperfeiçoamento, em especial no segmento
de couros acabados, dada a diversidade de produtos finais, e de derivados em geral. No caso de

314 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
calçados, embora o produto brasileiro goze de reputação, suas vendas são FOB, sendo a marca
utilizada para a venda no exterior de propriedade e controle do importador. Esse é um importante
segmento de mercado que pode ser explorado, mas o Brasil pode almejar adentrar mais nos
segmentos que exijam estabelecimento de marca, uma vez que domina a tecnologia e pode produzir
a custos competitivos. O principal movimento da década, na área de desenvolvimento de produto,
atesta a passividade do setor em termos de marketing. Como uma das principais vantagens
comparativas do Brasil é a disponibilidade de matéria-prima a baixos custos, o perfil da produção
para exportação vem se voltando para produtos mais intensivos em couro, como o wet blue.
A utilização de equipamentos de CAD-CAM permite a redução de perdas decorrentes de
cortes e, no caso de derivados, maior incorporação de design. Sua utilização no setor de couros é
ainda limitada, sendo mais comum no segmento de calçados. No caso da gestão de suprimentos via
just in time, há diversos ganhos possíveis, especialmente na relação entre curtumes de acabados e
indústrias de derivados de couro. Sua utilização, no entanto, tem sido pequena, o que conduziu
diversas empresas de calçados à integração vertical para trás no acabamento do couro. Esse ponto
é explorado em maior detalhe na próxima seção.
Finalmente, cabe comentar a existência de ações coletivas voltadas à difusão de tecnologias,
implementadas por associações isoladamente ou em parcerias, o que confere ao setor uma capacitação
tecnológica incomum para um setor com seu grau de fragmentação. Este é mais um dos ganhos
derivados da existência de clusters, em especial do Vale dos Sinos, que permite a interação entre as
diversas associações de representação de interesses. Como exemplo desse tipo de ação, a ABRAMEQ
e a ASSINTECAL (Associação Brasileira das Indústrias de Componentes de Couro e Calçados)
lideraram um programa de reestruturação de empresas, como ênfase à capacitação e treinamento
gerencial, adequação de produtos e processos produtivos, promoção comercial, e participação em
Feiras e Missões Empresariais. Normalmente, essas ações eram articuladas pela indústria calçadista,
o principal segmento exportador. Com a crescente inserção de curtumes nos mercado internacional,
observa-se atualmente a disseminação de ações como essas também em curtumes, coordenadas pelo
CICB, AICSUL, SINDICOURO e demais organizações de apoio.
4.6.8. Relações de Mercado
Há possibilidade de estabelecimento de contratos de fornecimento de couro para curtumes e
destes para empresas de artefatos de couro, realizando economias de logística e pré-processamento
nos frigoríficos, conforme as necessidades dos segmentos à jusante da cadeia produtiva.
Essa vantagem comparativa, no entanto, não tem sido plenamente aproveitada, uma vez que
diversos curtumes têm optado pelas exportações de wet blue, sem estabelecer uma relação direta
com as empresas locais de derivados de couro. Estas abastecem-se de frigoríficos menores que,
em geral, fornecem o couro salgado. Com problemas derivados do sistema de produção da pecuária
de corte e da falta de relacionamento estável com frigoríficos e curtumes, as empresas posicionam
os seus produtos no mercado de consumo regional de baixo valor.
Neste ponto reside uma das ameaças à indústria de derivados de couro. A abertura de
mercado permitiu a importação de produtos do sudeste asiático, cuja vantagem competitiva encontra-

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 315
se no segmento de baixo preço. A adequada inserção do Brasil é a promoção da qualidade de seus
produtos, permitindo o aumento do consumo interno e, principalmente, o crescimento das
exportações. No planejamento estratégico elaborado pela CICB, em março de 1996, um dos
compromissos assumidos entre as partes da parceria: curtumes e frigoríficos, é de que a aparação
e o pré-descarne do couro, sejam executados no frigorífico.
Em geral, os frigoríficos entregam o couro verde para os curtumes em um sistema de vendas
denominado "bica corrida", em que não há um sistema adequado de classificação. Aqui reside o
principal problema identificado no sistema de comercialização de couro, uma vez que os defeitos das
peles não são identificados por ocasião da venda e, por conseqüência, não há remuneração distinta
conforme o produto. Não havendo estímulos financeiros para as práticas benéficas ao couro, frigoríficos
e pecuaristas mantêm as práticas tradicionais, que hoje implicam custos elevados ao sistema produtivo.
Conforme exposto na seção 4.6.5, 60% dos defeitos das peles ocorrem na criação, 10% no transporte,
15% na esfola e 15% na conservação, parte dela dentro do frigorífico. Em outras palavras, os defeitos
ocorrem até o processo de "bica corrida", que pode ser caracterizado como uma "vala comum", em
que a qualidade da pele não é comercialmente distinguida. Há algumas exceções em termos de
comercialização de couro, como iniciativas da Braspelco em remunerar o pecuarista pela qualidade
do couro, mas tratam-se de casos isolados no sistema de pecuária de corte brasileiro.
Atualmente, tem-se observado algumas tentativas de terceirização do beneficiamento do couro
wet blue por parte dos frigoríficos. Uma vez que muitos curtumes apresentam capacidade ociosa,
alguns frigoríficos tentaram terceirizar o processamento primário do couro (wet blue), com o objetivo
de agregar valor ao couro cru verde e obter melhores preços no mercado. Essa estratégia coloca o
benefício de práticas benéficas ao couro feitas dentro do frigorífico, responsáveis por cerca de 30%
dos defeitos, no cálculo econômico do curtume. Assim, espera-se uma redução dos defeitos. A
terceirização e subcontratação de serviços também é realidade na indústria de calçados. A Arezzo
por exemplo, somente industrializa 1/3 do total de suas vendas, o restante é produzido por terceiros.
Já a verticalização dentro do setor coureiro-calçadista, é uma prática utilizada há algum
tempo por grandes grupos. A Bracol por exemplo, grupo pertencente à família Bertin, investe na
industrialização do couro desde 1975. O grupo possui quinze fazendas, três frigoríficos, nove
curtumes, uma fábrica de calçados, uma de ração animal, uma de carne industrializada, uma fábrica
de latas para corned beefs, uma de charque, uma de sabão e detergentes e uma de ossos para
cachorros (feitos de raspa de couro). O couro, após ser separado do corpo do animal no frigorífico,
segue diretamente para a descarnadeira automática do curtume, assim o grupo apropria-se das
economias derivadas de uma estrita coordenação entre frigorífico e curtumes. Este é o primeiro
passo de uma série de tratamentos que vão desdobrá-lo em subprodutos, incluindo desde gelatinas,
cervejas, iogurtes, balas, cosméticos, cremes, cápsulas de gel, chicletes até ossos e brinquedos
comestíveis para cães.
Segundo Ferreira (1997), a parceria com frigoríficos e as verticalizações Frigoríficos x wet
blue são tendências que estimularão a melhoria da qualidade, uma vez que a prática ineficiente de
comercialização via "bica corrida" é eliminada. O autor acredita também que, se o livre mercado

316 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
prevalecer, as empresas brasileiras de curtumes terão acabadoras próprias ou em parceria com
outros países.
Entretanto, as estratégias de verticalização por parte de frigoríficos, para a produção de wet
blue, somente serão viáveis do ponto de vista econômico se os seguintes elementos forem observados:
a) escala suficiente de operação; e b) inexistência ou pequena presença de capacidade ociosa no
segmento de curtumes na região em questão. Não existe propriamente uma escala mínima de operação,
que depende do número de fulões que o curtume opera, mas pode-se dizer que um curtume médio
tem como escala ideal de operação 400 peças/dia (ou múltiplos inteiros desse montante). Além disso,
os gastos necessários com tratamento de efluentes encarecem relativamente mais os pequenos curtumes.
Desse modo, frigoríficos de pequeno porte não apresentam escala suficiente para uma integração
vertical no processamento de wet blue. Outro elemento que pode inviabilizar a estratégia de verticalização
é a presença de capacidade ociosa em curtumes da região em que opera o frigorífico. Nesse caso, a
terceirização (arrendamento da capacidade ociosa dos curtumes estabelecidos por parte do frigorífico)
surge como uma alternativa interessante para ambas as partes.
Adicionalmente, alianças estratégicas, fusões, aquisições, incorporações nacionais e
internacionais são necessárias para possibilitar logística, ganhos de escala e custos de comercialização
em nível mundial. Deve-se atentar que, embora esse processo possibilite a melhora de qualidade do
wet blue e o aumento de suas exportações, para o restante da cadeia produtiva pode-se observar
um efeito perverso, já discutido na seção 4.6.6. O aumento das exportações de wet blue ocorre
com freqüência em prejuízo às exportações de couros acabados e de calçados, o que pode implicar
uma queda do saldo da balança comercial do setor.
Com o aumento das exportações de couro wet blue, os curtumes horizontais, ou seja, que
possuem a parte molhada (beneficiamento do couro até wet blue) e a parte seca (beneficiamento
até o acabado) estão dando espaço aos chamados "curtumes de pasta" e firmas acabadoras. Os
"curtumes de pasta" são firmas com poucos funcionários (1 ou 2) que compram o couro cru
diretamente do frigorífico, terceirizam o seu beneficiamento até o estágio wet blue e exportam. Este
novo segmento, o "curtume de pasta", traz alguns problemas para o setor, como:
· Desemprego, uma vez que para se fazer o couro wet blue, não se utiliza 10% da mão-de-
obra que seria necessária para fazer o couro acabado.
· Capacidade ociosa dos curtumes, uma vez que as instalações necessárias para se fazer o
couro wet blue não chegam a 10% do necessário e do que se tem para fazer o couro acabado.
· Perda de tecnologia do setor, porque estamos apenas fazendo o estágio inicial do
beneficiamento do couro, em que não se exige investimentos em tecnologia, bastando para tanto
um barracão e um tambor para o cromo (fulão).
· Redução das divisas, porque para US$ 1,00 do wet blue exportado, poderia se ganhar
US$ 9 a 10,00 no couro acabado.
As firmas (curtumes) acabadoras surgiram para atender uma necessidade da indústria
calçadista do mercado interno, ou seja, ela trabalha o couro do wet blue até o acabado. Essa
necessidade da indústria calçadista surgiu por dois motivos principais:

ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 317

Você também pode gostar