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E COMPETITIVIDADE DA CADEIA
AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE
NO BRASIL
Brasília – 2000
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
ã 2000 Instituto Euvaldo Lodi
SEBRAE Nacional
Confederação Nacional da Agricultura
SEBRAE Nacional
SEPN 515 – Bloco C – Lote 3
70770-530 – Brasília, DF
Tel: (61) 348-7100
Fax: (61) 347-4120
http://www.sebrae.org.br
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Índice
1. Introdução .......................................................................................................... 13
2. Metodologia ....................................................................................................... 17
2.1. Referencial Conceitual ............................................................................................... 17
2.1.1. Competitividade X Agribusiness .................................................................. 17
2.1.2. Agronegócios: A Nnecessidade do Enfoque Sistêmico .................................. 19
2.2. Definição e delimitação da cadeia a ser estudada ........................................................ 22
2.3. Procedimentos Metodológicos ................................................................................... 23
2.3.1. Levantamento de Antecedentes .................................................................... 24
2.3.2. Identificação de Agentes Chave da Cadeia ................................................... 26
2.3.3. Definição de Roteiros de Entrevistas ............................................................. 26
2.3.4. Pesquisa de campo ...................................................................................... 26
2.3.5. Sistematização das Informações ................................................................... 27
2.3.6. Definição de Políticas e Estratégias ............................................................... 28
2.3.7. Priorização das Medidas Propostas .............................................................. 28
2.3.8. Elaboração do Relatório Final ...................................................................... 28
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.1.13. Agentes da Cadeia ....................................................................................... 90
4.2. Consumo de Carne Bovina no Brasil .......................................................................... 92
4.2.1. Consumo atual ............................................................................................. 92
4.2.2. Relação Preço-Consumo ............................................................................. 92
4.2.3. Efeito de Renda ........................................................................................... 93
4.2.4. Efeito Substituição ........................................................................................ 94
4.2.5. A Evolução do Consumo ............................................................................. 94
4.2.6. Consumo futuro: projeção ............................................................................ 96
4.2.7. Tendências de consumo .............................................................................. 103
4.2.7.1. Comportamento do Consumidor no Mundo e no Brasil ................. 103
4.2.7.2. Qualidade Percebida ..................................................................... 105
4.2.7.3. Preferências do Consumidor em relação a diferentes formatos de
ponto de vista ............................................................................... 106
4.3. O Segmento de Distribuição de Carne Bovina .......................................................... 108
4.3.1. Papel dos Canais e Principais Segmentos .................................................... 108
4.3.2. Caracterização ........................................................................................... 108
4.3.2.1. Gestão Interna .............................................................................. 108
4.3.2.1.1. Descrição geral dos formatos de pontos de venda ......... 108
4.3.2.1.2. Aspectos relevantes da gestão interna............................ 110
4.3.2.1.2.1. Recursos Humanos ................................... 110
4.3.2.1.2.2. Formação de Aquisição ............................ 111
4.3.2.1.2.3. Infra-estrutura ........................................... 111
4.3.2.1.2.4. Sistemas de Informação ............................ 112
4.3.2.1.2.5. Marketing ................................................ 112
4.3.2.1.2.6. Novas formas de gestão (ECR/SCM)
e seus impactos na gestão do negócio
varejo de carnes........................................ 114
4.3.2.2. Insumos ........................................................................................ 116
4.3.2.2.1. Embalagens .................................................................. 116
4.3.2.3. Tecnologia .................................................................................... 121
4.3.2.3.1. Cadeia do Frio ............................................................. 121
4.3.2.3.2. Tecnologia de Informação ............................................. 123
4.3.2.4. Estrutura de Mercado ................................................................... 125
4.3.2.4.1. Distribuição de Comercialização.................................... 125
4.3.2.5. Ambiente Institucional ................................................................... 129
4.3.2.5.1. Impactos das Portarias 304 e 145 ................................. 129
4.3.2.5.2. Fiscalização da Prática .................................................. 130
4.3.2.5.3. Exigências de Rastreabilidade ........................................ 130
4.3.2.6. Relações de Mercado ................................................................... 132
4.4. O Segmento de Abate e Processamento .................................................................. 137
4.4.1. Introdução Geral ........................................................................................ 137
4.4.2. Porte do Setor ........................................................................................... 138
4.4.2.1. Introdução .................................................................................... 138
4.4.2.2. Estrutura do Parque Industrial ....................................................... 139
4.4.3. Aspectos Tecnológicos ............................................................................... 141
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.4.3.1. Introdução .................................................................................... 141
4.4.3.2. Nível Tecnológico ......................................................................... 143
4.4.3.2.1. Equipamentos ............................................................... 144
4.4.3.2.2. Processos ..................................................................... 144
4.4.3.2.3. Instalações Industriais ................................................... 149
4.4.3.2.4. Aquisição tecnológica ................................................... 150
4.4.3.2.5. Informatização e Automação ......................................... 150
4.4.3.3. Subprodutos e Efluentes ................................................................ 150
4.4.3.4. Pesquisa e Desenvolvimento .......................................................... 153
4.4.3.5. Investimentos ................................................................................ 153
4.4.4. Insumos ..................................................................................................... 156
4.4.4.1. Matéria-prima ............................................................................... 156
4.4.4.1.1. Qualidade dos animais .................................................. 158
4.4.4.1.2. Formas de Pagamentos ................................................. 159
4.4.4.1.3. Contratos ..................................................................... 160
4.4.4.1.4. Processamento ............................................................. 161
4.4.4.2. Aditivos, Embalagens Envoltórios .................................................. 163
4.4.4.2.1. Tripas e Envoltórios ...................................................... 163
4.4.4.2.2. Aditivos ........................................................................ 164
4.4.4.3. Mão-de-obra ............................................................................... 164
4.4.5. Estrutura de Mercado ................................................................................ 164
4.4.5.1. Introdução .................................................................................... 164
4.4.5.2. Economia de Escala ...................................................................... 165
4.4.5.3. Questões Locacionais ................................................................... 166
4.4.5.3.1. Deslocamento das Planta de Abate ............................... 166
4.4.5.4. Concentração das Empresas ......................................................... 169
4.4.5.4.1. Distribuição dos Abates ................................................ 169
4.4.5.5. Distribuição de Empresas Frigoríficas e Ociosidade ....................... 172
4.4.6. Gestão ....................................................................................................... 175
4.4.6.1. Introdução .................................................................................... 175
4.4.6.2. Eficiência Administrativa ................................................................ 176
4.4.6.2.1. Custos e Controles Financeiros ..................................... 177
4.4.6.2.2. Produtividade ............................................................... 178
4.4.6.2.3. Sistemas de Informação ................................................ 178
4.4.6.3. Sistemas de Qualidade .................................................................. 179
4.4.6.4. Qualificação e Conforto da Mão-de-Obra .................................... 179
4.4.6.5. Planejamento Estratégico .............................................................. 180
4.4.6.5.1. Marketing .................................................................... 181
4.4.6.5.2. Pesquisa e Desenvolvimento .......................................... 182
4.4.6.5.3. Assistência a Produtores ............................................... 182
4.4.7. Ambiente Industrial .................................................................................... 183
4.4.7.1. Crédito ......................................................................................... 183
4.4.7.2. Endividamento .............................................................................. 183
4.4.7.3. Legislação e Portarias ................................................................... 184
4.4.7.4. Inspeção ....................................................................................... 187
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.4.7.5. Tributação .................................................................................... 189
4.4.7.6. Abate Clandestino ........................................................................ 190
4.4.7.7. Entidades de Representação ......................................................... 191
4.4.8. Relações de Mercado ................................................................................ 191
4.4.8.1. Comercialização e Rastreabilidade ................................................ 191
4.4.8.1.1. Rastreabilidade ............................................................. 192
4.4.8.2. Contratos ..................................................................................... 194
4.4.8.3. Alianças ........................................................................................ 195
4.4.9. Infra-Estrutura ............................................................................................ 196
4.4.9.1. Transporte .................................................................................... 196
4.4.9.1.1. Adequação ................................................................... 196
4.4.9.1.2. Sistema Viário ............................................................... 199
4.5. Sistemas de Produção de Gado de Corte ................................................................ 200
4.5.1. Caracterização dos sistemas produtivos ...................................................... 200
4.5.2. As fases de produção ................................................................................. 201
4.5.2.1. A fase de cria ............................................................................... 202
4.5.2.2. As fases de recria e engorda ......................................................... 209
4.5.3. Incorporação de tecnologia, práticas de manejo e evolução dos índices
de produtividade ........................................................................................ 213
4.5.3.1. Expansão das pastagens cultivadas ................................................ 213
4.5.3.2. Uso de alimentos suplementares/semiconfinamento ........................ 214
4.5.3.3. O uso de culturas forrageiras ......................................................... 216
4.5.3.4. O controle sanitário ....................................................................... 216
4.5.3.5. A prática da castração .................................................................. 217
4.5.3.6. Uso de anabolizantes .................................................................... 218
4.5.3.7. O melhoramento genético do rebanho ........................................... 218
4.5.3.8. Evolução dos índices de produtividade ......................................... 219
4.5.4. O Segmento de Insumos ............................................................................ 220
4.5.4.1. Definição ...................................................................................... 220
4.5.4.2. Características do Setor de Insumos Veterinários e Nutrição Animal .... 220
4.5.4.2.1. Setor de Insumos Veterinários ....................................... 220
4.5.4.2.2. Setor de Insumos para Nutrição Animal ........................ 223
4.5.4.2.3. O Setor de Sementes Forrageiras .................................. 225
4.5.4.2.4. Outros Insumos ............................................................ 226
4.5.5. Estrutura de Mercado ................................................................................ 229
4.5.5.1. Caracterização do Rebanho .......................................................... 229
4.5.5.2. Distribuição geográfica do rebanho ................................................ 233
4.5.5.2.1. Rebanho de corte vs. Leite ............................................ 236
4.5.5.3. Tamanho das propriedades .......................................................... 238
4.5.5.4. Aspectos Fundiários ..................................................................... 239
4.5.6. Gestão ....................................................................................................... 241
4.5.6.1. Gerenciamento de custo de produção ............................................ 241
4.5.6.2. Investimentos e gerenciamento financeiro ....................................... 242
4.5.6.3. Critérios para tomada de decisão .................................................. 242
4.5.6.4. Capacitação de mão-de-obra ....................................................... 243
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.5.7. Ambiente institucional ................................................................................. 243
4.5.7.1. Efeito da tributação ....................................................................... 243
4.5.7.2. Efeito da política sanitária .............................................................. 244
4.5.7.3. Efeito das portarias que regulam a comercialização ........................ 245
4.5.7.4. Efeito da política comercial ............................................................ 245
4.5.7.5. Efeitos das políticas de pesquisa e assistência técnica ..................... 245
4.5.7.6. Efeito da legislação trabalhista ....................................................... 246
4.5.8. Relações de Mercado ................................................................................ 246
4.5.8.1. Fatores que Influenciam a Venda ................................................... 246
4.5.8.2. Agentes envolvidos na comercialização de animais na pecuária de
corte ............................................................................................. 251
4.5.8.2.1. Leiloeiros ...................................................................... 252
4.5.8.2.2. Corretores .................................................................... 253
4.5.8.3. Comercialização de Animais para Abate e Processamento ............. 254
4.5.8.3.1. Corretores .................................................................... 254
4.5.8.3.2. Marchants ................................................................... 255
4.5.8.3.3. Frigoríficos ................................................................... 256
4.5.8.3.4. Frigoríficos Clandestinos ............................................... 256
4.5.8.4. Canais de Comercialização ........................................................... 257
4.5.8.5. Organização da comercialização .................................................... 260
4.5.8.5.1. Rastreabilidade ............................................................. 262
4.5.8.5.2. Aspectos Mercadológicos ............................................. 263
4.5.8.5.2.1. A Formação dos Preços ........................... 265
4.5.8.5.2.2. Margens de Comercialização..................... 270
4.6. Setor de Couro e Derivados .................................................................................... 272
4.6.1. Introdução e delimitação do Setor .............................................................. 272
4.6.2. Ambiente Institucional ................................................................................ 274
4.6.2.1. Legislação ambiental trabalista ....................................................... 275
4.6.2.2. Aspectos Fiscais ........................................................................... 276
4.6.2.3. Comércio Exterior ........................................................................ 277
4.6.2.4. Associações de Representação de Interesses ................................ 278
4.6.3. Tendência de Mercado ............................................................................... 279
4.6.4. Tecnologia ................................................................................................. 280
4.6.4.1. Fluxo Tecno-Produtivo em Curtumes ............................................ 280
4.6.4.2. Organizações de Apoio Tecnológico ............................................. 282
4.6.4.3. Principais Obstáculos e Tendências ............................................... 283
4.6.5. Insumos ..................................................................................................... 284
4.6.5.1. Problemas de qualidade do couro ................................................. 284
4.6.5.2. Insumos Químicos ......................................................................... 287
4.6.5.3. Estrutura de Mercado: insumos químicos ....................................... 288
4.6.6. Estrutura ...................................................................................................... 290
4.6.6.1. Desempenho exportador ............................................................... 290
4.6.6.2. Características gerais da estrutura de mercado ............................... 301
4.6.6.2.1. Curtumes ...................................................................... 301
4.6.6.3. Distribuição especial e aproveitamento de economias de escala ...... 305
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
4.6.6.4. Estrutura de derivados de couro .................................................... 308
4.6.7. Gestão ....................................................................................................... 313
4.6.7.1. Principais tendências ..................................................................... 313
4.6.7.2. Utilização de ferramentas de gestão ............................................... 314
4.6.8. Relações de Mercado ................................................................................ 315
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
APRESENTAÇÃO
Este trabalho é fruto da parceria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio do
Instituto Euvaldo Lodi (IEL Nacional), com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), para realizar estudos sobre
a eficiência econômica e a competitividade das Cadeias Produtivas Agroindustriais brasileiras, da
produção primária, até o processo industrial e a comercialização.
A escolha da Cadeia Produtiva da Pecuária de Corte para a primeira etapa dos estudos
levou em conta a sua importância econômica e social, nos setores primário e secundário, pois reúne
micro, pequenos, médios e grandes empresários em todas as regiões do País. Destaque- se que em
todas as suas etapas, o trabalho contou com a colaboração inestimável dos Presidentes da CNA,
Antônio Ernesto de Salvo, e do Conselho Deliberativo do Sebrae, Pio Guerra Júnior.
O objetivo dos estudos foi o de identificar os gargalos existentes ao longo da Cadeia Produtiva
e propor soluções de curto, médio e longo prazo. Os estudos envolvem a análise dos problemas da
produção primária, englobando a comercialização e distribuição dos produtos para as unidades
industriais e consumo in natura, o beneficiamento, comercialização e distribuição dos itens
industrializados. Envolvem também a comercialização nos mercados interno e externo, avaliando as
dificuldades logísticas, tarifárias, mercadológica, tecnológicas e de informação, que contribuem
para reduzir a competitividade da Cadeia Produtiva.
Trata-se de um trabalho inovador, na medida em que participaram das fases de levantamento
de informações e análise todos os segmentos que compõem a Cadeia Produtiva. Isto permitiu
avaliar de forma integrada a sua competitividade e eficiência, com uma análise sistêmica, e não
apenas aspectos de negócios isolados.
O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, com aproximadamente 145
milhões de cabeças. As exportações de carne bovina in natura, industrializadas e de couro, em
1999, somaram aproximadamente US$ 1,5 bilhão. Este número pode crescer sensivelmente, segundo
os estudos, se houver uma redefinição de estratégia e reestruturação da Cadeia Produtiva como um
todo, eliminando problemas como a grande variação no padrão de qualidade dos animais e de
sistemas de abate e comercialização.
Os estudos sobre a Cadeia Produtiva da Pecuária de Corte foram realizados por um consórcio
formado por instituições das Universidades Federais de Viçosa, em Minas Gerais, e São Carlos,
em São Paulo, selecionado por meio de edital, e os resultados amplamente debatidos durante um
workshop realizado em outubro de 1999, em Brasília, com a participação de técnicos, pesquisadores
e empresários ligados ao setor.
Os resultados dos estudos, enriquecidos pelos debates desse workshop, foram encaminhados
à autoridades públicas e representantes de entidades de classe. Esperamos que as propostas formem
uma agenda de discussões para transformá-las em projetos e ações que assegurem cada vez mais
a competitividade da pecuária de corte brasileira nos mercados interno e externo.
Deputado Moreira Ferreira – Presidente da CNI
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
1. Introdução
A economia brasileira tem passado por rápidas transformações nos últimos anos. Instituições
e comportamentos típicos de um ambiente inflacionário, fechado à concorrência internacional e
marcado pela politização do sistema de preços vêm sendo rapidamente modificado pelas reformas
em curso na economia desde o início dos anos 90. Neste contexto ganham espaço novas concepções,
ações e atitudes, em que produtividade, custo e eficiência se impõem como regras básicas de
sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado. Ajustar-se a este novo
contexto é portanto prioridade zero dos agentes econômicos. Já não há espaço para comportamentos
passivos e/ou respostas ex-post às mudanças nas condições de mercado e de concorrência.
As recentes mudanças impõem novas formas de organização, atuação e articulação entre os
agentes econômicos públicos e privados. O Estado, antes “protetor” e intervencionista, vem
assumindo posturas menos defensivas, desregulamentando atividades e criando condições para a
ação da concorrência nos mercados. Por outro lado, a influência do setor privado nas ações
governamentais vem adquirindo – e esta tendência tende a reforçar-se – caráter cada vez mais
“técnico”, e subordinado às preocupações mais gerais como manutenção da estabilidade
macroeconômica, restruturação produtiva e modernização da economia e do próprio Estado.
Este novo contexto tem efeitos contraditórios a curto e médio prazo. Ao mesmo tempo que
ele aponta para novas perspectivas, coloca também problemas e desafios a serem vencidos e,
sobretudo, exige um grande esforço de adaptação por parte das empresas e produtores
agropecuários. Em busca de melhores condições de competitividade, setores e indústrias vêm se
deslocando espacialmente, promovendo substancial reestruturação produtiva e organizacional,
redefinindo estratégias e desenvolvendo novos mercados e produtos.
A possibilidade de a pecuária bovina brasileira inserir-se com sucesso nesta nova dinâmica
competitiva dependerá em grande parte da capacidade de coordenação dos agentes sócio-
econômicos da sua cadeia produtiva. É necessário que os agentes que a compõe tenham consciência
das dificuldades (estruturais e transitórias) que os afetam individualmente e daquelas que interferem
no desempenho da cadeia como um todo. Conhecimento do próprio mercado, domínio de
informações relevantes e capacidade para interpretar e transformar essas dificuldades em propostas
e ações estratégicas adequadas à nova situação é o grande desafio do sistema agroindustrial da
carne bovina brasileira.
As especificidades do setor agroindustrial de carne bovina em face das mudanças econômico-
institucionais em curso sugerem, por si só, uma agenda que leve à tomada de decisões estratégicas
sem as quais o seu futuro poderá ser fortemente comprometido. Antes de mais nada é preciso
destacar que a competitividade do setor é construída sistemicamente, ou seja, ao longo de toda a
cadeia (complexo) produtiva que compõe este setor do agronegócio. Em termos genéricos, esse
complexo inclui desde as indústrias e serviços responsáveis pelo suprimento à produção, até a
infra-estrutura básica de transporte e comunicação, passando pelos produtores rurais que criam os
animais, o segmento de frigoríficos industrial, as redes de distribuição e consumo e os prestadores
de serviços gerais de marketing.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 13
A competitividade deste sistema é severamente prejudicada pela sua diversidade e
descoordenação. Existe um grande número de produtores pecuários, dado o seu tamanho, nível de
capitalização e localização, que adotam diferentes sistemas de criação e uma grande variedade de
raças. O abate e comercialização também apresentam semelhante heterogeneidade, verificando-se
desde organizações clandestinas, não inspecionadas e com precárias condições sanitárias, até
frigoríficos modernos, com tecnologias avançadas e formas de distribuição integrada da produção.
O maior concorrente da carne bovina, a carne de frango, avançou no processo de integração e
coordenação da cadeia agroindustrial e conseguiu colocar no mercado uma gama de produtos com
preços extremamente competitivos. Um movimento semelhante pode ser observado na cadeia de
carne suína que, embora não tenha avançado tanto quanto o setor de aves, encontra-se mais integrada
e logrou elevar a produtividade e reduzir custos ao longo de todos os elos da cadeia. Criou-se,
assim uma barreira à elevação do preço da carne bovina como forma de compensar sua ineficiência,
colocando-se em pauta a necessidade de competir sistemicamente. Além do fator preço, vale
destacar os esforços de diferenciação de produtos que os sistemas agroindustriais de frangos e
suínos têm empreendido nos últimos anos. O resultado desses esforços pode ser medido pelo
número de lançamento de novos produtos por esses dois setores. O objetivo primeiro desses
lançamentos tem sido o de aproximar os produtos comercializados às necessidades dos consumidores
atuais (alimentos congelados, pratos pré-preparados, etc.). Esse movimento não é observado na
cadeia agroindustrial da carne bovina no Brasil.
Além da pressão exercida no mercado interno pela carne de frango e suína, adicionam-se
mais dois fatores. Em primeiro lugar, a plena vigência a partir de 1995 do Tratado de Assunção que
criou o Mercosul e aumentou as pressões exercidas pela concorrência da produção oriunda dos
países-membros. Esta liberalização tem sido especialmente eficaz na contenção dos preços no
período da entressafra. Por outro lado, deve-se considerar que o MERCOSUL não coloca apenas
problemas, mas também oportunidades e desafios: uma vez consolidado, representará um universo
estável de 200 milhões de consumidores, ampliando consideravelmente o horizonte competitivo de
setores produtivos que, devido a sua localização geográfica fronteiriça –, longe dos centros dinâmicos
do país – eram até então penalizados.
O segundo fator, detentor de pressões altistas de preços, advém do próprio setor. O
crescimento da produção sob regimes de confinamento e semi confinamento tem elevado a oferta
na entressafra, contribuindo para a atenuação dos ciclos de preço interno da pecuária.
Não há dúvidas de que as mudanças ao nível do mercado consumidor, assim como a exposição
dos consumidores locais a novos produtos, irão requerer uma reestruturação do setor nos próximos
anos, a começar por um esforço coordenado visando aumentar a qualidade e a produtividade ao
longo de toda a cadeia produtiva e demais elementos sistêmicos – tais como nova logística e
relocalização da produção, transportes, diversificação de produto, genética dos animais, embalagens,
equipamentos de refrigeração/conservação, insumos pecuários, estruturas de comercialização etc.
– que afetam e determinam o nível de produtividade.
A estabilização da economia, embora ainda não totalmente consolidada, tem colocado novos
desafios e aberto novas oportunidades: De um lado, restabeleceu os mecanismos de concorrência
14 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
que estavam totalmente embotados pela inflação e sua cultura; de outro lado, restabeleceu o “valor
do dinheiro” e o horizonte de planejamento das empresas. Esses elementos têm forte impacto
sobre o sistema produtivo, especialmente por que evidenciam as ineficiências e “gorduras” mascaradas
pela inflação e pelos mecanismos de indexação.
Um outro efeito importante da estabilização sobre o setor pode advir da possibilidade de
crescimento sustentado de renda da população, em particular das camadas mais pobres, e de uma
melhoria da distribuição dessa mesma renda. Isso significa que o mercado interno de carne e
derivados pode crescer devido a incorporação desses novos consumidores ao mercado. A
substituição de proteína vegetal por animal, caso da carne bovina, é uma conseqüência bem conhecida
do aumento de renda de uma determinada população. Entende-se que os estrangulamentos externos
que afligem a economia brasileira devem ser superados para que esse cenário seja concretizado.
Nesse caso, os agentes devem estar preparados para aproveitar as oportunidades desse novo quadro.
Todos esses aspectos acabam por criar oportunidades e desafios que deverão ser enfrentados
de forma coordenada, e que envolvem ações das empresas do setor e políticas governamentais em
nível federal, estadual e até mesmo municipal. Com essa motivação, o Instituto Euvaldo Lodi
(IEL), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e o Serviço Brasileiro de Apoio à
Pequena e Micro Empresa (SEBRAE Nacional), lançaram em 1998 um Edital de Concurso
para a contratação de serviços de consultoria no âmbito do “Programa de Reestruturação Produtiva
da Cadeia Agroindustrial”, visando a elaboração de um “Estudo sobre a Eficiência Econômica e
Competitividade da Cadeia Agroindustrial da Pecuária de Corte no Brasil”. A proposta vencedora
foi a apresentada pelo Consórcio formado entre a Fundação Arthur Bernardes, vinculada à
Universidade Federal de Viçosa (FUNARBE – UFV), e a Fundação de Apoio Institucional
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Universidade Federal de São Carlos (FAI
– UFSCar). Trata-se de parceria interinstitucional especialmente constituída para participar do
referido processo competitivo de seleção dos executores do estudo.
O Edital do Concurso de Seleção previu um prazo de execução de seis meses para os trabalhos
e estabeleceu como orientação geral que o estudo abrangeria “...desde a produção do boi até o
setor de frigorífico industrial, incluindo couro e derivados, na importação e exportação,
destacando os micro e pequenos produtores envolvidos ao longo dessa cadeia produtiva”.
Ainda como diretrizes básicas, o Edital definiu os seguintes tópicos para abordagem:
a – identificação e quantificação dos fatores que afetam a eficiência e a competitividade das cadeias
agroindustriais do ponto de vista do setor privado e público;
b – proposta de um conjunto de recomendações para os setores público e privado, visando aumentar
a competitividade das cadeias estudadas;
c – contribuição para a ampliação dos conhecimentos dos fatores que afetam a competitividade das
cadeias agroindustriais, por meio de estudos inéditos e inovadores, capazes de nortear o
planejamento dos setores privado e governamentais nessa área;
d – contribuição de forma inequívoca, indicando elementos e direções específicas, para uma melhoria
nos processos de reformas de políticas das empresas e do Poder Público;
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 15
e – contribuição para o melhor desempenho econômico-financeiro dos setores e elos das cadeias
eleitas para os estudos;
f – indicação da importância estratégica que esses setores têm, do ponto de vista social, para o
resgate da dívida social do País indicando, inclusive, a eficiência social dos setores em questão.
g – proposta de um conjunto de recomendações diretas de políticas para os setor público e de
diretrizes para o setor privado para aumentar a eficiência econômica e a competitividade das cadeias
estudadas ;
h – contribuição para um diálogo competente e duradouro com os órgãos responsáveis pelas
políticas públicas, no sentido de atacar diretamente os pontos de estrangulamento que prejudicam
a eficiência econômica e a competitividade das cadeias estudadas.
O Contrato foi assinado em 21 de Janeiro de 1999, quando efetivamente iniciaram-se as
atividades do Consórcio. Essas foram periodicamente acompanhadas pelos contratantes por meio
de relatórios parciais de andamento, apresentados em março, abril, maio e junho de 1999.
O relatório final, ora apresentado, está organizado em sete capítulos e três anexos. Seguindo
esta introdução, o Capítulo 2 discute o embasamento teórico-conceitual do estudo e descreve os
procedimentos metodológicos adotados. Em seguida, (Capítulo 3) é oferecida um visão geral do
agronegócio da carne bovina em nível internacional, destacando-se os principais atores e a inserção
do Brasil neste mercado globalizado. No Capítulo 4, a Cadeia Produtiva da Carne Bovina no Brasil
é caracterizada e analisada. Subdividida em seis itens, a caracterização inclui o ambiente institucional
do agronegócio carne, os padrões de consumo, o segmento de distribuição, os sistemas de produção
e comercialização de gado de corte, o segmento de abate e processamento e o setor de couro e
derivados. O Capítulo 5 dá continuidade à discussão sobre a avaliação do desempenho da cadeia,
enfocando os fatores críticos que contribuem favorávelmente e desfavoravelmente para sua eficiência
e competitividade. Finalmente, o Capítulo 6 mostra as proposições e recomendações do Estudo,
enquanto os anexos relacionam as instituições e indivíduos contactados, os instrumentos de coleta
de dados (roteiros de entrevistas) utilizados e a bibliografia de referência.
16 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
2. METODOLOGIA
2.1. Referencial Conceitual
2.1.1. Competitividade x Agribusiness
O termo competitividade, embora faça parte obrigatória do vocabulário contemporâneo de políticos,
empresários, lideranças sindicais e patronais, entre outros, encontra na literatura científica especializada
várias interpretações diferentes. Diferentes são também as formas pelas quais os pesquisadores vêm
tentando mensurar essa competitividade e identificar os principais fatores que a afetam.
Ferraz et alli (1996) identificam duas vertentes diferentes de entendimento do conceito de
competitividade. Na primeira delas a competitividade é vista como um “desempenho” de uma
empresa ou produto. Nesse caso, os resultados das análises traduzem-se na determinação de uma
dada competitividade revelada. O principal indicador de competitividade revelada, segundo essa
ótica de entendimento, estaria ligada à participação de um produto ou empresa em um determinado
mercado (market share). A utilização do market share como medida de competitividade é a
contribuição mais útil e difundida da economia neoclássica para os estudos de competitividade.
Segundo essa visão, o mercado estaria, de alguma forma, sancionando as decisões estratégicas
tomadas pelos atores. A participação das exportações de um dado setor no mercado internacional
pertinente seria um indicador adequado de competitividade internacional. Assim, a competitividade
de uma nação ou setor seria o resultado da competitividade individual dos agentes pertencentes ao
país, região ou setor. Em um conceito mais amplo, a competitividade de uma nação pode ser vista
como sendo “... a capacidade de uma nação sustentar uma taxa de crescimento e padrão de vida
adequados para seus cidadãos enquanto proporciona ocupação (emprego) sem reduzir o potencial
de crescimento e o padrão de vida das gerações futuras” (Landau, 1992:15). Obviamente que
esse conceito de competitividade depende das condições expostas no início do parágrafo.
Esse mesmo conjunto de autores (Ferraz et alli, 1996) identifica uma segunda faceta das
análises em termos de competitividade. Nessa outra visão do conceito, a competitividade é vista
como “eficiência”. Nesse segundo caso, trata-se de tentar medir o potencial de competitividade
de um dado setor ou empresa. Essa predição do potencial competitivo poderia ser realizado por
meio da identificação e estudo das opções estratégicas adotadas pelos agentes econômicos face as
suas restrições gerenciais, financeiras, tecnológicas, organizacionais, etc. Dessa forma, existiria uma
relação causal, com algum grau determinístico, entre a conduta estratégica da firma e o seu
desempenho eficiente. Assim, a idéia de base dessa ótica de análise remete diretamente ao paradigma
seminal da organização industrial (estrutura conduta desempenho).
Considerando que essas duas abordagens são insuficientes para analisar o problema os autores
concluem pela seguinte definição de competitividade: “... a capacidade da empresa formular e
implementar estratégias concorrenciais que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura,
uma posição sustentável no mercado” (Ferraz et alli, 1996:3).
Essa definição procura driblar o caráter estático das abordagens apresentadas anteriormente
focando sua atenção no processo que leva a um determinado grau de competitividade e não nos
resultados ex post de um dado comportamento estratégico. Essa abordagem empresta da área de
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 17
estratégia das organizações grande parte da sua idéia de base. Segundo essa escola de pensamento,
a competitividade seria o resultado da diferença entre o valor que a firma é capaz de gerar para
seus clientes e os custos para gerar esse valor (Porter, 1990). Em que pese todo o caráter explicativo
de análises em termos estratégicos, vale ressaltar a incapacidade de estudos desse tipo fornecerem
hipóteses que possam ser testadas estatisticamente para generalizar situações e, em um segundo
momento, a incapacidade de realizar predições quantitativas de efeitos da adoção de políticas
públicas e decisões gerenciais internas às firmas sobre a competitividade de uma dada indústria
(Kennedy et alli, 1998).
Nessa mesma linha de pensamento, Harrison & Kennedy (1997) sugerem que um framework
adequado para analisar a competitividade de uma firma deveria levar em consideração o referencial
teórico da economia neoclássica e da área de gestão estratégica. Segundo esses autores a
competitividade estaria ligada aos seguintes conjuntos de fatores: intensidade e adaptação de
tecnologias ao negócio da firma, custos e condições de obtenção dos insumos (custos, qualidade e
coordenação), grau de diferenciação (políticas de produção, de qualidade e de serviços), economias
de escala e escopo, fatores externos (políticas governamentais e variáveis macroeconômicas).
Embora esse framework esteja, segundo os autores, fundamentado na economia neoclássica e na
área de gestão estratégica, ele introduz vários conceitos oriundos da área da organização industrial
(OI). Segundo essa metodologia de análise a competitividade seria medida em termos de market
share e lucratividade da firma. Esses resultados seriam capazes de espelhar a “capacidade de
obter lucratividade e gerar valor a custos iguais ou inferiores àqueles de outros concorrentes em um
mercado específico (Harrison & Kennedy,1997; Kennedy et alli, 1998).
As abordagens de competitividade examinadas até o momento encontram na firma seu espaço
de análise privilegiado. Assim, a competitividade de um dado setor ou nação seria a soma da
competitividade dos agentes (firmas) que o compõe. No caso dos agronegócios, como será visto
na seção seguinte, existe um conjunto de especificidades que resultam na definição de um espaço
de análise diferente dos convencionalmente admitidos em estudos de competitividade. Esse espaço
de análise é a cadeia de produção agroindustrial. Assim, os estudos de competitividade, dentro de
uma visão de agronegócios, devem efetuar um corte vertical no sistema econômico para a definição
do campo de análise. Nesses casos, a competitividade desse sistema aberto definido por uma dada
cadeia de produção agroindustrial, não pode ser vista como a simples soma da competitividade
individual dos seus agentes. Existem ganhos de coordenação, normalmente revelados em arranjos
contratuais especialmente adequados às condições dos vários mercados que articulam essa cadeia,
que devem ser considerados na análise de competitividade do conjunto do sistema. Dessa forma,
qualquer modelo metodológico e conceitual que se pretenda adequado para a análise de
competitividade em agronegócios deve, necessariamente, levar em consideração os ganhos potenciais
de uma coordenação eficiente. Esse assunto será melhor explorado na seção seguinte.
Van Duren et alli (1991) desenvolveram um referencial metodológico para a análise de
competitividade que considera os elementos característicos do agronegócio. Segundo esses
pesquisadores, a exemplo de outros autores citados anteriormente, a competitividade poderia ser
medida pela participação de mercado e pela rentabilidade (de uma dada cadeia ou de uma firma).
18 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A conjunção do impacto de uma série de fatores teria como resultado uma certa condição de
competitividade para um dado espaço de análise. Esses fatores poderiam ser divididos em quatro
grandes grupos: fatores controláveis pela firma (estratégia, produtos, tecnologia, política de RH e
P&D, etc.); fatores controláveis pelo governo (políticas fiscal e monetária, política educacional, leis
de regulação do mercado, etc.); fatores quase-controláveis (preços de insumos, condições de
demanda, etc.) e fatores não controláveis (fatores naturais e climáticos). Ações de coordenação
que visem aumentar a competitividade da cadeia como um todo estão incluídas pelos autores no
grupo dos fatores controlados pelas firmas e pelo Estado. Essa situação é o que efetivamente
encontra-se na prática. Assim, esse modelo reconhece a importância de ações sistêmicas que afetam
a competitividade da cadeia como um todo e dos agentes que a integram. Esse aspecto será discutido
em maiores detalhes na seção seguinte.
Dessa forma, o framework esboçado no parágrafo anterior revela-se extremamente útil
para o desenvolvimento desse trabalho. Grande parte desses conceitos e idéias serão utilizados ao
longo de todo esse relatório.
Para finalizar pode-se dizer que, a exemplo de outros autores, esse trabalho considera que a
competitividade é a capacidade de um dado sistema produtivo obter rentabilidade e manter
participação de mercado no âmbito interno e externo (mercado internacional), de maneira sustentada.
2.1.2. Agronegócios: a necessidade do enfoque sistêmico
A metodologia de análise proposta toma por referência conceitual principal o enfoque sistêmico
de produto (commodity systems approach, ou CSA), complementado pelo enfoque mais recente
de supply chain management (SCM). A utilização conjunta desses dois modelos é interessante
porque o primeiro está mais relacionado com a observação macro do sistema e as medidas de
regulação dos mercados, geralmente implementadas por órgãos governamentais, enquanto o segundo
enfoca os mecanismos de coordenação do sistema implementados por seus próprios integrantes
(empresas privadas).
A abordagem sistêmica do CSA está fundamentada em estudos originalmente desenvolvidos
nas ciências biológicas e engenharias, que encontraram receptividade em outras disciplinas a partir
da década de 40, principalmente em razão dos trabalhos de um grupo de pesquisadores do Instituto
de Tecnologia de Massachussets (MIT), nos EUA.
Em sua definição clássica, um sistema é compreendido por dois aspectos: uma coleção
de elementos e uma rede de relações funcionais, as quais atuam em conjunto para o alcance de
algum propósito determinado. De forma geral, esses elementos interagem por meio de ligações
dinâmicas, envolvendo o intercâmbio de estímulos, informações ou outros fatores não específicos,
tal como ocorre na área das ciências sociais.
A principal característica dessa definição é que a interdependência dos componentes é
reconhecida e enfatizada na abordagem sistêmica. Além disso, a generalidade dessa perspectiva
permite o estudo de questões diversas sob esse ângulo, possibilitando, em princípio, o melhor
entendimento de fatores que afetam critérios de desempenho global (competitividade), fatores esses
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 19
que podem estar presentes em quaisquer dos elementos constituintes do sistema. Por exemplo, em
análises do desempenho de sistemas não é incomum a identificação de problemas que, embora
aparentes apenas em determinado componente, tenham sua origem em outros componentes
remotamente localizados no espaço ou no tempo. Mais especificamente, para os sistemas de
comercialização de carne bovina, os problemas de qualidade dos produtos nos balcões dos
supermercados podem ter sido causados pela adoção de sistemas de criação pecuária inadequados,
ou ainda por práticas inadequadas realizadas nos frigoríficos. Com efeito, as inter-relações dos
elementos de um sistema, geralmente, envolvem mecanismos de propagação e realimentação, os
quais dificultam a identificação de ciclos de causa-efeito ou de estímulo-resposta, a partir de análises
tradicionais segmentadas por elementos.
O enfoque sistêmico do produto é guiado por 5 conceitos chave1: (1) verticalidade – isso
significa que as condições em um estágio são provavelmente influenciadas fortemente pelas condições
em outros estágios do sistema; (2) orientação por demanda – a idéia aqui é que a demanda gera
informações que determinam os fluxos de produtos e serviços mediante o sistema vertical; (3)
coordenação dentro dos canais – as relações verticais dentro dos canais de comercialização,
incluindo o estudo das formas alternativas de coordenação, tais como contratos, mercado aberto
etc., são de fundamental importância, motivo pelo qual serão consideradas em maiores detalhes
mais adiante; (4) competição entre canais – um sistema pode envolver mais que um canal (por
exemplo, exportação e mercado doméstico), restando à análise sistêmica de produto buscar entender
a competição entre os canais e examinar como alguns canais podem ser criados ou modificados
para melhorar o desempenho econômico; e (5) alavancagem – a análise sistêmica busca identificar
pontos chaves na seqüência produção-consumo em que as ações podem ajudar a melhorar a
eficiência de um grande número de participantes da cadeia de uma só vez.
A partir do final dos anos 60, diversas análises de cadeias agroalimentares foram realizadas
nos Estados Unidos, tomando o enfoque sistêmico de produto como referencial de pesquisa. Estudos
foram realizados por Universidades, em parceria com o Departamento de Agricultura, para os
setores de suinocultura, avicultura, carne bovina, laticínios e grãos, entre outros2. A motivação para
essa série de estudos foi a necessidade de melhor compreender as formas de organização das
cadeias agroalimentares norte-americanas, que, à época, passavam por transformações significativas
nos padrões de controle e coordenação vertical. A predominância até então típica dos mercados
locais, como principais coordenadores das relações entre produtores, processadores e outros atores
nas cadeias agroalimentares, estava sendo mudada para a de sistemas mais complexos de
coordenação, envolvendo contratos, integração vertical ou parcerias. Os padrões de controle nas
cadeias produtivas moviam-se cada vez mais para empresas de fora do setor de produção agrícola.
A avaliação dos efeitos dessas mudanças sobre o desempenho do setor seria, portanto, relevante
elemento na formulação de políticas para o setor agroalimentar.
O enfoque sistêmico orientou também, na década de 70, uma série de estudos, visando à
melhoria das cadeias de comercialização de produtos agroalimentares na América Latina, incluindo
¹ STAATZ (1997).
² Ver, a respeito, FRENCH (1974) E MARION (1986).
20 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
o Brasil3 . Mais recentemente, vem servindo de referência para novos estudos de comercialização e
segurança alimentar na América Latina e África4.
Outra característica fundamental do enfoque sistêmico é que o sistema não se constitui na
mera soma das partes de um todo. Assume-se que o sistema expresse uma totalidade composta
dos seus elementos constituintes, tais como pecuaristas, cooperativas, frigoríficos, sindicatos, etc.
Entretanto, a noção de sistema é maior do que a soma das partes, ou seja, deve-se demonstrar que
o sistema se caracteriza pelos padrões de interações das partes e não apenas pela agregação
destas. A identificação dos elementos, juntamente com as suas propriedades isoladas, não é suficiente
para expressar um sistema. Nessa estrutura conceitual, as propriedades relacionais não são redutíveis
a propriedades atomísticas. O sistema agroindustrial provém de padrões sistemáticos de interação
dos pecuaristas, cooperativas, sindicatos, frigoríficos, supermercados, consumidores etc., e não da
agregação de propriedades desses componentes.
Em síntese, o enfoque sistêmico de produto oferece o arcabouço teórico necessário à
compreensão da forma como a cadeia funciona e sugere as variáveis que afetam o desempenho do
sistema. Entretanto, outro modelo é mais adequado quando se buscam medidas a serem
implementadas pelas empresas integrantes do sistema com vistas à melhoria de suas posições
competitivas: o Supply Chain Management.
Recentemente, dentro da mesma lógica de sucessão de etapas produtivas, logísticas e
comerciais definindo um espaço de análise interessante para incrementar a eficiência do sistema, foi
desenvolvida a noção de Supply Chain Management. A noção básica de Supply Chain
Management (SCM) ou Gestão da Cadeia de Suprimentos, se aproxima muito da abordagem de
CSA e Filière. Segundo Bowersox e Closs (1996) o SCM é baseado na crença de que a eficiência
ao longo do canal de distribuição pode ser melhorada por meio do compartilhamento de informação
e do planejamento conjunto entre seus diversos agentes. Canal de distribuição aqui poderia ser
entendido como o caminho pelo qual passa o gado de corte desde a propriedade rural até a mesa
do consumidor final. Esse conceito é relevante para o estudo de cadeias produtivas pois tem como
foco a coordenação e a integração de atividades relacionadas ao fluxo de produtos, serviços e
informações entre os diferentes.
Dentro das questões básicas que afetam a cadeia de gado de corte, a noção de Supply
Chain Management será importante nas discussões que envolvem problemas de coordenação
entre os elos/agentes das cadeias, reedistribução de tarefas entre os elos e os novos padrões de
consumo que envolve o valor que o consumidor percebe como diferenciais na decisão de compra.
O conjunto de idéias ligado às noções de CSA e de Filière (cadeia produtiva) vêm encontrando
grande sucesso junto à comunidade acadêmica, governamental e empresarial como ferramenta de
compreensão do funcionamento das cadeias agroindustrias. No entanto, ao passo que essas idéias
vêm-se mostrando muito úteis na elaboração de políticas setoriais públicas e privadas, portanto
aplicáveis ao conjunto de atores de uma dada cadeia produtiva, elas vêm se mostrando menos
³ Esses estudos estão publicados na série Marketing in Development Communities Series, da Michigan State University.
4
Alguns desses trabalhos estão resumidos no livro Prices, Products and People editado por Gregory Scott (Lynne Publishers
Boulder, 1995).
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 21
eficientes em apontar às empresas ferramentas gerenciais que permitam operacionalizar ações
conjuntas que aumentem o nível de coordenação da cadeia. A aplicação dos conhecimentos ligados
à noção de SCM como forma de aumentar o nível de coordenação da cadeia ainda é pouco
explorada no Brasil e no exterior. Dessa forma, esse trabalho, no âmbito do estudo proposto,
procurou aplicar essa nova ferramenta de análise ao problema da competitividade da carne bovina,
possibilitando novos resultados e proposição de ações.
2.2. Definição e delimitação da cadeia a ser estudada
A Figura 2.1 representa esquematicamente a cadeia agroindustrial da carne bovina no Brasil,
incluindo seus principais subprodutos (comestíveis e não-comestíveis) e identificando os principais
atores e suas relações sistêmicas. Essa proposta de trabalho adotou como espaço de análise o
conjunto de agentes representados na referida figura.
Figura 2.1
Definição e delimitação da cadeia a ser estudada
22 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A indústria de insumos pode ser dividida em três segmentos: alimentação animal, indústria de
defensivos animais e genética animal. Esses são elementos fundamentais para a produtividade da
pecuária, em especial para o encurtamento do período de abate, o que tem implicações sobre a
qualidade da carne e do couro. A atividade de pecuária, por sua vez, pode ser dividida em três
segmentos: cria (produção de bezerros), recria (cria de bezerros e novilhos) e engorda (terminação
dos animais para abate). Freqüentemente essas atividades localizam-se na mesma propriedade,
mas como o uso dos fatores de produção é distinto em cada uma delas, há ganhos na localização de
cada atividade em regiões em que esses fatores sejam mais abundantes.
Vale ainda destacar a importância e o caráter sistêmico da influência dos agentes relacionados
às atividades de apoio à cadeia agroindustrial da pecuária bovina brasileira. A dinâmica de
funcionamento de uma dada cadeia produtiva, em seus aspectos de qualidade e competitividade, é
fortemente condicionada pelo desempenho adequado de seus agentes de apoio. Entre essas atividades
de apoio, que com os macrossegmentos da cadeia em questão constituem o espaço analítico que
será objeto do trabalho, pode-se citar: sistema financeiro, políticas governamentais, indústria de
embalagens, indústria de aditivos, agentes de inspeção sanitária, agentes de transporte, sistema de
Pesquisa e Desenvolvimento, associações de classe, políticas de comércio exterior e políticas de
renda. Cada um desses grupos de agentes pode impactar de maneira decisiva os vários elos da
cadeia produtiva. Esse é, por exemplo, o caso das inovações tecnológicas na cadeia. Nessa cadeia,
assim como na maioria das cadeias agroindustriais, o fluxo de inovações tecnológicas é exógeno,
ou seja, as principais inovações de produto e processo são geradas em indústrias consideradas de
apoio à cadeia (embalagens, aditivos, etc). Vale ainda destacar o papel preponderante que o sistema
financeiro pode exercer como agente de desenvolvimento de todos os macrossegementos da cadeia.
Políticas de financiamento adequadas são indispensáveis para o desenvolvimento harmonioso de
todos as organizações atuantes nesse sistema. Políticas governamentais, notadamente de comércio
exterior e de renda, também são instrumentos poderosos para compreender o funcionamento da
cadeia. Além disso, podem representar, quando bem equacionadas e aplicadas, ferramentas
importantes de dinamização da cadeia. É ainda importante destacar o papel disciplinador dos orgãos
de inspeção sanitária ao longo de toda a cadeia. O serviço de inspeção sanitária, se devidamente
reformulado e adequado à realidade da cadeia, pode impulsionar de forma decisiva o aumento de
qualidade dos produtos derivados da carne bovina no Brasil.
2.3. Procedimentos Metodológicos
A literatura sobre estudos de cadeias agroalimentares mostra que diversos métodos de busca
de informações e análise têm sido empregados, isoladamente ou de forma combinada. Embora nem
sempre a justificativa pela opção metodológica esteja explicitada em tais estudos, algumas
considerações de caráter geral podem ser inferidas, permitindo a determinação de fatores críticos a
serem avaliados a esse respeito. A diversidade de objetivos dos estudos de cadeias agroalimentares
e a multiplicidade de questões relacionadas com recursos físicos, financeiros e humanos, disponíveis
para os estudos, impedem uma recomendação universal de opção metodológica para a busca de
informações. Em geral, métodos mais precisos de coleta de informações são mais caros e demorados.
Em alguns casos, quando o objetivo principal do trabalho é buscar medidas de intervenção que
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 23
melhorem o desempenho da cadeia, é preferível abrir mão do rigor estatístico dos dados em função
de vantagens como redução de custo e rapidez. Considerando-se as diretrizes e objetivos para
esse estudo, o método empírico aqui proposto enquadra-se nesse último enfoque.
Os objetivos dos estudos, sua abrangência nacional e a limitação do período de execução,
tornaram recomendável a adoção do enfoque metodológico denominado como “método de pesquisa
rápida” (rapid assessment ou quick appraisal). Esse enfoque tem sido utilizado em análises de
sistemas agroalimentares quando as restrições de tempo ou de recursos financeiros impedem a
realização de avaliações baseadas em métodos convencionais de pesquisa amostral (surveys), ou
quando o interesse está em obter conhecimento amplo sobre os componentes do sistema estudado.
Trata-se, na verdade, de um enfoque pragmático, que utiliza, de forma combinada, métodos de
coleta de informação convencionais e no qual o rigor estatístico é flexibilizado, em favor da eficiência
operacional. Sua associação ao referencial conceitual sistêmico tem orientado diversos estudos de
sistemas agroalimentares em países em desenvolvimento (Morris, 1995; Holtzman, 1993).
O enfoque proposto é caracterizado por três elementos principais: o uso maximizado de
informações de fontes secundárias, a condução de entrevistas informais e semi-estruturadas com
“elementos chave” da cadeia estudada e a observação direta dos estágios que a compõem.
A implementação empírica da pesquisa reconhece o caráter multidisciplinar da análise sistêmica.
Para tal, constituiu-se uma equipe técnica inter e intradisciplinar, composta por especialistas em
zootecnia, engenharia de alimentos, economia e administração de empresas. Essa equipe foi dividida
em sub-equipes de acordo com a vantagem comparativa de seus membros para a coleta de
informações sobre os diferentes elos da cadeia de pecuária de corte.
O projeto como um todo, respeitando as premissas metodológicas já apresentadas, foi dividido
em oito etapas principais (ver Quadro 2.1). Vale acrescentar que, além das etapas que são objeto
desse relatório, o processo metodológico global da proposta ainda prevê a realização de um
workshop em que as conclusões e propostas constantes nesse trabalho serão discutidas pelos
vários representantes de instituições afetas à cadeia agroindustrial em questão. O objetivo último
desse workshop é, por meio desta discussão, chegar a uma agenda de trabalho, envolvendo o
poder público e os vários agentes privados da cadeia, que permita o aumento da competitividade
da cadeia agroindustrial da carne bovina no Brasil.
A seguir serão descritas, sucintamente, cada uma das etapas de desenvolvimento do projeto.
2.3.1. Levantamento de Antecedentes
Anteriormente ao início de trabalho de levantamento de dados secundários (levantamento de
antecedentes), foi realizado um encontro de trabalho (workshop) de dois dias com o conjunto de
pesquisadores seniores do projeto.
Esse workshop apresentou os seguintes objetivos principais:
– Contextualizar o projeto e sensibilizar a equipe para a sua importância.
– Apresentar os mecanismos de coordenação e de controle para os trabalhos a serem
efetuados pela equipe.
24 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
– Realizar uma série de apresentações técnicas que permitissem um nivelamento dos
conhecimentos de todos os participantes da equipe nos vários aspectos relacionados ao
funcionamento das cadeias (aspectos técnicos, econômicos, comerciais, logísticos, legais,
etc.).
– Definir as atividades que permitissem o cumprimento das etapas propostas no cronograma
de execução do projeto, os pesquisadores responsáveis por atividade e os prazos
pertinentes.
– Identificar e definir os parâmetros de execução das principais atividades que permitirão a
execução das etapas posteriores do projeto.
Quadro 2.1
Etapas de desenvolvimento do projeto
Levantamento de Antecedentes
Pesquisa de Campo
Essa etapa do trabalho constituiu-se em uma busca e análise exaustiva de informações oriundas
de fontes secundárias. Essas informações, sistematizadas e analisadas, permitiram uma descrição
precisa da organização do sistema agroindustrial da pecuária de corte, bem como a avaliação do
comportamento passado de algumas variáveis relacionadas com seu desempenho. Essa fase permitiu
um diagnóstico preliminar do sistema agroindustrial da pecuária de corte no Brasil e proporcionou
a definição mais precisa das necessidades de busca de informações adicionais em trabalho de
campo.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 25
A revisão bibliográfica foi dividida nos seguintes tópicos:
– Aspectos gerais de mercado (consumo atual, consumo futuro, aspectos da produção atual,
produção futura, mercado externo, balanço oferta-demanda.
– Atividades de mercado dos produtores.
– Processos de comercialização (canais de comercialização, estrutura de mercado, preços e
margens de comercialização, segmento de processamento, segmento de varejo).
– Aspectos institucionais.
Participaram da elaboração dos documentos primários da revisão bibliográfica todos os
pesquisadores seniores e juniores do projeto. Coube à coordenação do projeto a elaboração do
documento final de diagnóstico.
2.3.2. Identificação de Agentes Chave da Cadeia
O objetivo dessa etapa foi o de identificar os principais agentes econômicos e sociais que
pudessem, em um primeiro momento, auxiliar no entendimento da dinâmica competitiva da cadeia
e, em um segundo momento, auxiliar na implementação das propostas que advirão do estudo. Esse
conjunto de atores é formado por agentes econômicos privados e públicos. Fazem parte desse
conjunto: produtores, intermediários, empresas processadoras, atacadistas, varejistas, associações
de classe e comercial, bem como outras instituições/indivíduos que atuam na cadeia. Pequenas
amostras desses indivíduos foram identificadas para a condução de entrevistas informais, conduzidas
por grupos de pesquisadores.
2.3.3. Definição de Roteiros de Entrevistas
Com base nas duas etapas metodológicas precedentes, tornou-se possível definir os roteiros
estruturados de entrevista e os agentes a serem entrevistados, em conformidade com a metodologia
traçada para os trabalhos de campo.
Vale salientar que foram elaborados diferentes roteiros de entrevista, segundo o perfil do
entrevistado e/ou o segmento da cadeia agroindustrial em que ele está inserido. Assim, foram
elaborados cinco guias de entrevistas destinados a avaliar as questões relativas a produção
agropecuária, ao processo de abate e industrialização da carne, ao processo de comercialização da
carne, a averiguação das questões institucionais pertinentes à questão, além de um guia de entrevista
específico para a compreensão da problemática do couro. Houve uma preocupação especial em
considerar o caráter sistêmico do encadeamento entre os segmentos, buscando-se sempre contemplar
aspectos relacionados às ligações à montante e a jusante dos segmentos enfocados. Os roteiros de
entrevista encontram-se no Anexo 1.
2.3.4. Pesquisa de campo
A pesquisa de campo buscou colher novas informações sobre a realidade da cadeia estudada
e verificar as hipóteses iniciais do projeto. Para instrumentalizar essa busca de informações, foram
utilizados os guias de entrevista mencionados anteriormente.
26 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As pesquisas de campo abrangeram um conjunto de estados da Federação, regionalmente
representativos, que possuíam na cadeia agroindustrial da pecuária de corte uma de suas atividades
econômicas relevantes. A equipe de pesquisadores do projeto foi dividida de forma a entrevistar
atores da cadeia nos seguintes estados:
– Região Sul: Rio Grande do Sul.
– Região Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
– Região Centro-Oeste: Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
– Região Norte: Pará e Rondônia.
– Região Nordeste: Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Cabe também ressaltar que os guias de entrevista utilizados foram discutidos e aprovados
por representantes do IEL/CNI e da CNA, em reunião realizada para esse fim.
Foram entrevistados 117 informantes, englobando todos os segmentos da cadeia produtiva
da pecuária de corte no Brasil. Esses atores foram selecionados intencionalmente, em função de
sua representatividade e importância relativa na cadeia estudada, nos contextos regional e nacional.
A relação completa de entrevistados está apresentada no Anexo 2.
É interessante observar que nos trabalhos de campo, durante o processo de condução de
entrevistas, a equipe teve a preocupação de observar in loco, de forma participativa, as operações
e fluxos característicos da cadeia agroindustrial da carne bovina. Houve oportunidade para a visita
a um grande número de propriedades, frigoríficos, abatedores, curtumes, açougues, supermercados,
feiras livres e outros locais onde se processam as atividades do fluxo produção – processamento –
distribuição de carne bovina, nas principais regiões do País. Essas observações, além de permitirem
a realização de um trabalho de “sintonia fina” nas informações obtidas nas entrevistas formais,
possibilitaram o enriquecimento do conhecimento da equipe sobre a dinâmica da cadeia estudada,
o que redundou na melhor qualidade das análises.
2.3.5. Sistematização das Informações
O grande volume de informações coletadas, a heterogeneidade das fontes, a ampla abrangência
do estudo e a natureza interdisciplinar da equipe de execução, são fatores que tornaram necessária
a realização de um cuidadoso trabalho de sistematização.
O trabalho de sistematização foi conduzido por intermédio de um processo de uniformização
do formato da apresentação dos relatórios de entrevistas e dos dados complementares obtidos
pelas equipes que visitaram as cinco regiões geográficas do país. A organização lógica reproduziu
a divisão da cadeia produtiva em seus segmentos constitutivos e, dentro destes, nas principais
dimensões de eficiência e competitividade enfocadas (tecnologia, gestão, relações de mercado,
etc.).
Essa etapa também envolveu uma reunião de trabalho com todos os integrantes da Equipe
nas dependências da Universidade Federal de Viçosa. Essa reunião, de dois dias, contou com a
participação de um total de 14 pessoas (oito pesquisadores principais e seis auxiliares).
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 27
Os objetivos da reunião foram:
– Permitir aos pesquisadores a apresentação dos resultados obtidos na pesquisa de campo
para, a partir de uma análise nacional que contemplasse as especificidades regionais,
identificar padrões de concorrência e principais fatores condicionantes da competitividade
para o conjunto da cadeia da carne bovina no Brasil.
– Discutir a estrutura do relatório final.
– Discutir uma proposta de formato básico para o workshop final.
2.3.6. Definição de Políticas e Estratégias
A partir dos resultados da pesquisa de campo, potencializados pela sistematização das
informações e pela reunião mencionada na etapa anterior, foi realizado um novo trabalho de análise
dos dados levantados no pré-diagnóstico (levantamento dos antecedentes), agora complementados
pelas informações dos trabalhos de campo. O objetivo foi o de identificar, de maneira mais precisa,
os principais problemas que condicionam a competitividade da cadeia de pecuária de corte no
Brasil. Como forma de propor medidas de intervenção para a melhoria do desempenho do sistema,
foram analisadas as causas subjacentes aos problemas, bem como os sintomas aparentes.
2.3.7. Priorização das Medidas Propostas
Essa etapa consistiu da elaboração de uma pauta de sugestões de políticas, públicas e privadas,
que permitiriam aumentar a competitividade da cadeia brasileira de carne bovina.
Fez parte importante dessa etapa metodológica uma nova reunião de toda a equipe para
elencar e priorizar essas proposições. Essa reunião, também de dois dias, envolveu os pesquisadores
juniores e seniores do projeto. Assim, o objetivo último dessa reunião foi o de discutir os relatórios
redigidos por cada pesquisador e reuni-los na forma final do relatório a ser entregue aos contratantes.
Essa reunião, conforme já foi mencionado, também teve como objetivo ratificar a programação do
workshop e, principalmente, discutir as propostas de políticas públicas e privadas que constam
desse relatório.
2.3.8. Elaboração do Relatório Final
Essa etapa constituiu-se na elaboração desse relatório final.
28 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O AGRONEGÓCIO DA CARNE BOVINA
NO MUNDO
Nesse capítulo, apresenta-se de maneira sumariada as principais tendências da produção,
do consumo, dos preços, do processamento e dos fatores que afetam o comércio internacional da
carne bovina. O posicionamento do Brasil em relação à cada um desses aspectos, é ressaltado,
sempre com os olhos voltados para a questão das tendências e possíveis estratégias para o aumento
da competitividade. A maior parte das informações tem como fonte o relatório do Rabobank (1998),
sobre a indústria da carne bovina, e a maior parte dos dados utilizados foi obtida do banco de
dados da FAO.
3.1. A Produção
A evolução da produção, do abate e peso das carcaças em nível mundial é mostrada na
Figura 3.1 a seguir, para o período de 1980 a 1997. O crescimento médio da produção para o
período como um todo foi de 0,92% ao ano, apresentando contudo um crescimento maior nos
últimos anos. Esse crescimento é função direta do número de abates e do peso das carcaças dos
animais. Enquanto o número de abates sofreu pequenas oscilações ao longo do período, o peso
das carcaças tem sofrido um aumento contínuo em função das melhorias genéticas e do uso de
novas práticas de alimentação e manejo dos rebanhos. Pode-se notar uma queda da produção no
início dos anos 90, explicada pela redução do peso das carcaças dos animais no abate, que ocorreu
em função da liquidação dos rebanhos das economias centralizadas do leste europeu, quando da
mudança dos regimes político-econômicos.
Figura 3.1
Produção mundial, número de abates e peso das carcaças. 1980-1997
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 29
Os dados sobre a distribuição da produção de carne bovina no mundo, são apresentados na
Tabela 3.2, para os quinqüênios 1980 a 1995; e para o ano de 1997.
Em termos regionais a maior produção se dá na América do Norte, com os Estados Unidos
isoladamente sendo o maior produtor mundial, com aproximadamente 20% do total.
A América do Sul vem a seguir, destacando-se as produções do Brasil, da Argentina e do
Uruguai. Enquanto a produção da Argentina tem declinado com o passar dos anos, a do Brasil tem
mostrado um enorme dinamismo, com a quase duplicação da produção no período entre 1980 e
1997. As melhorias das pastagens, na alimentação e os investimentos na genética do rebanho, são
tidos como os grandes responsáveis por esse crescimento no Brasil. No entanto, por ser ainda um
pequeno participante no mercado internacional, o aumento da produção brasileira foi deslanchado
basicamente pelo aumento da demanda doméstica, pelo aumento na renda e queda nos preços
reais da carne.
A queda da produção Argentina tem sido explicada pelos altos preços relativos dos grãos,
que tem forçado uma substituição em favor da produção de grãos, ao invés da criação de gado. A
Argentina foi, no entanto, considerada livre da febre aftosa por vacinação e dada sua competitividade
em nível internacional, espera-se que ela retome o crescimento da produção.
A União Européia já foi a segunda região maior produtora de carne bovina em nível mundial.
Em 1985, a produção Européia de 8 milhões de toneladas, correspondia à 105% da auto-suficiência
regional, graças aos subsídios concedidos pela Política Agrícola Comum (CAP). A Crise da “vaca
louca” (BSE) provocou uma severa queda no consumo e nos preços, que juntamente com a redução
dos subsídios às exportações têm provocado uma queda significativa na produção.
Para muitos países a produção tem sido elevada devido aos subsídios concedidos de forma
direta e indireta aos produtores. A Tabela 3.1 apresenta um indicador que mede o nível de suporte
recebido pelos produtores dos países da OCDE. Trata-se da participação percentual do valor
bruto das transferências aos produtores no valor bruto da produção (ao nível da porteira). O valor
bruto das transferências inclui pagamentos implícitos e explícitos, tais como subsídios de preços
(produtos ou insumos), isenção de impostos, pagamentos, etc., ou seja, mede mais do que subsídios
propriamente ditos. Como as contribuições do produtor (e.g. impostos sobre a produção ou
exportação) são deduzidas, é possível que para alguns países ou anos se encontre um valor negativo,
significando que o valor pago é superior ao suporte recebido. Observa-se que o nível de suporte ao
produtor é baixo nos países tradicionalmente exportadores (Austrália, Nova Zelândia e EUA) e
elevado na Europa, Japão e Coréia. Nos anos 90, o nível de suporte oferecido na Europa foi
particularmente crescente.
30 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Tabela 3.1
Estimativa do Nível de Suporte ao Produtor: Carne Bovina
(% do valor bruto das transferências aos produtores no valor bruto da produtividade)
Fonte: FAO
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 31
O que tem chamado a atenção é a produção de carne bovina na Ásia. A produção na região
triplicou nos últimos 15 anos, com os números para a China sendo particularmente relevantes. O
peso das carcaças quase duplicou no período de 1980 a 1997 e a produção cresceu mais de 15
vezes. As previsões para a China são de contínuo crescimento da produção, devido a fatores tais
como: o crescimento econômico, melhorias nas facilidades de processamento, falta de controle
ambiental e estímulo governamental ao consumo de carne bovina (o aumento no consumo de carne
produzida a partir de pastagens, reduziria o consumo de substitutos alimentados por grãos).
No Japão, espera-se uma retração da produção interna em razão da perda de competitividade,
com a liberalização do comércio.
Na Oceania (Austrália e Nova Zelândia), o principal fator que tem afetado a produção é a
seca. A produtividade, medida pelo peso da carcaça, tem aumentado continuamente na região e
espera-se que a Austrália se torne o principal fornecedor de carne bovina para os demais países da
Ásia. Com relação à Nova Zelândia, espera-se que o crescimento do rebanho leiteiro produza mais
novilhos que vão aumentar a produção de carne no futuro.
A produção nos países do Leste Europeu sofreu uma queda brusca com as mudanças de
regime político, mas parece estabilizada a partir de 1995, com novas expectativas de crescimento.
Com relação aos países da Antiga União Soviética, os sistemas ultrapassados de produção
e distribuição entraram em colapso após 1990, e a produção e produtividade têm se reduzido
drasticamente. Não há expectativa de qualquer melhoria significativa em um futuro próximo.
A tendência na direção de um maior peso no abate tem sido um importante fato na direção
do crescimento da oferta de carne em nível mundial. Essa já é uma tendência estabelecida nos
países desenvolvidos, mas só agora começa a tomar força nos países em desenvolvimento. O
melhoramento genético tem uma importância capital na produção, apesar de seu efeito lento, levando
ao aparecimento de novas raças com crescimento rápido, com pouca gordura e com alto peso no
abate.
A melhoria na qualidade das instalações, das rações, com melhores taxas de conversão, a
introdução dos promotores de crescimento, também têm sido importantes, por aumentarem a taxa
de crescimento e a razão quantidade de carne/gordura no peso total.
Para a maioria das regiões, no entanto, os ciclos de produção são o fator mais importante
na indústria da carne bovina. Os movimentos cíclicos refletem tanto fatores exógenos à indústria,
como as condições climáticas, a oferta e preços dos grãos, a oferta competitiva das outras
carnes e as condições de mercado, como os fatores endógenos, relacionados à percepção que
os produtores têm sobre o mercado e os riscos de preço da atividade. As decisões de produção
são tomadas baseadas nos níveis de preços correntes, ocorrendo um intervalo entre a
implementação da decisão e a sua efetiva realização. Esse intervalo deve-se ao fator biológico
que requer tempo para a produção de novos animais para o mercado. A alta oferta em um
período serve para baixar os preços de bezerros e novilhas. Como conseqüência, os novilhos
são abatidos precocemente, o que acaba reduzindo a oferta total de carne e elevando os preços.
32 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Em resposta, os produtores param de abater as novilhas e aumentam o número de bezerros para
a engorda. Assim começa um novo ciclo.
Estudos têm mostrado que o ciclo da carne bovina leva em média 10 anos, com um período
de expansão que varia entre 6 e 8 anos, e um período de contração que varia de 3 a 10 anos.
A lucratividade da indústria da carne bovina está também, diretamente relacionada aos ciclos
de produção. Como os preços no varejo são relativamente estáveis, os lucros da indústria tendem
a estar ligados aos preços do boi gordo. Quando há uma deficiência de oferta de boi gordo, os
abatedores tendem a aumentar os preços, fazendo o contrário nos picos de produção.
A Figura 3.2 mostra os preços de exportação da carne bovina para quatro importantes
regiões produtoras e o Brasil. Os preços apresentados são nominais e expressos em dólares norte-
americanos, sendo portanto, afetados por mudanças nas taxas de câmbio. Pode-se notar que os
preços menores são aqueles para os países em que o sistema de alimentação predominante é
baseado em pastagens (Austrália, Argentina e Brasil). Nos Estados Unidos e Europa, onde a
alimentação predominante é baseada em grãos, os preços são relativamente maiores. Os preços de
exportação da Europa mostram-se menores do que os dos Estados Unidos somente em razão dos
subsídios recebidos pelos exportadores europeus. No entanto, de maneira geral, os preços na
Europa são maiores do que aqueles para os Estados Unidos.
Figura 3.2
Preços de exportação da carne bovina. Principais regiões produtoras. 1980/1997.
5 União
Européia
4.5
4
Argentina
3.5
Australia
3
2.5
Estados
2 Unidos
1.5 Brasil
0.5
0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 33
problemas sanitários como a BSE, a E. coli e a contaminação das rações por dioxina.
Os preços têm apresentado uma tendência de queda desde 1994/95. A produção conjunta
de carnes nos Estados Unidos (bovina, suína e de aves) tem crescido significativamente e colocado
pressão baixista nos preços da carne bovina. O aumento do custo da alimentação também nos
Estados Unidos, tem reduzido as margens de lucro e forçado uma redução nos rebanhos bovinos
de corte, desde 1996, efeito típico das fases de contração dos ciclos, baixando os preços.
Em outras regiões produtoras, os preços da carne bovina têm sido pressionados negativamente
em função dos ganhos de produtividade das outras carnes, como as de porco e de frango. Períodos
de seca na Austrália e Argentina também exercem pressão para baixo nos preços.
3.2. O Consumo
O consumo mundial de carne bovina apresenta duas características marcantes. A primeira
diz respeito a uma mudança nos padrões alimentares por que tem passado a sociedade, influenciada
principalmente pelo crescimento da renda, pelas mudanças nos preços relativos das carnes
concorrentes e também, por uma preocupação crescente com a saúde e a conservação do meio
ambiente. A segunda característica, está diretamente relacionada à primeira e diz respeito à
estabilidade esperada no consumo de carne bovina no futuro. Efeitos compensatórios entre as
regiões desenvolvidas e as em desenvolvimento do mundo, explicam porquê o consumo parece ter
atingido uma certa estabilidade.
O consumo mundial de carnes tem aumentado continuamente desde 1980, como mostrado
na Figura 3.3. Esse aumento é atribuído principalmente ao crescimento da população e da renda,
particularmente, na região asiática. Nota-se no entanto, que o aumento no consumo das carnes de
porco e de frango, tem sido maiores do que aqueles da carne bovina. O consumo de carne bovina
tem aumentado muito lentamente no mundo como um todo e mais rapidamente na Ásia. Na Europa
e nos países da antiga União Soviética, a queda tem sido mais drástica, em função dos diversos
problemas sanitários e de mercado enfrentados na primeira região, e dos problemas político-
econômicos enfrentados pela segunda.
34 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 3.3
Consumo mundial de carnes bovina, suína e de frango (t). Período 1980-1997.
90000000
80000000 Carne
Bovina
70000000
60000000
50000000 Carne
de
40000000 Frango
30000000
20000000 Carne
Suína
10000000
0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 35
Tabela 3.3
Consumo aparente de carne bovina. Principais regiões e países. 1980 a 1990
e 1997. Mil Toneladas
Fonte: FAO
A queda de consumo na Europa Central e nos países da antiga União Soviética deve-se
basicamente a queda da renda, à supressão dos subsídios à produção e, aos altos preços da carne
bovina, quando da transição daquelas economias para o livre mercado. Não se espera para breve
qualquer recuperação do consumo per capita.
Novamente, chama a atenção o crescimento verificado no consumo da China. O grande
crescimento verificado é explicado pelo estímulo governamental à produção e ao consumo, ao
aumento da renda disponível e à expansão verificada nas cadeias de alimentação como os fast
food, hotéis e restaurantes. Outros países da Ásia onde o consumo tem aumentado são o Japão e
a Coréia do Sul. Explica-se o crescimento do consumo no Japão pela maior abertura comercial e
na Coréia, pelo aumento na renda ocorrida nos últimos anos. Ressalta-se a posição de importadores
daqueles países. Em termos per capita, o consumo médio dos países asiáticos ainda está longe
daqueles dos países desenvolvidos. Isso significa que o consumo deve continuar aumentando,
especialmente em função do crescimento das rendas, da ocidentalização das dietas e dos menores
custos, em razão da redução das barreiras comerciais.
36 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Na América do Sul, o consumo de carne bovina tem sido relativamente estável. A Argentina
e o Uruguai apresentam os mais altos consumos per capita do mundo. Apesar de ter se mantido
estável, o consumo per capita tende a ser reduzido naqueles países, em função dos altos preços
relativos da carne bovina, no pequeno crescimento do poder aquisitivo das populações e da
preocupação com a saúde. No Brasil, ao contrário, nota-se um forte crescimento no consumo
aparente da carne bovina, pelo menos até 1995. O Capítulo 5.2 discute em maior detalhe a questão
do consumo de carne bovina no Brasil.
O crescimento do consumo na América do Norte tem sido inexpressivo. Há uma estabilidade
do consumo nos Estados Unidos e Canadá e um pequeno crescimento no México. O consumo per
capita nos Estados Unidos tem caído, devido às preocupações com a saúde e uma conseqüente
mudança para o consumo das carnes de porco e de frango.
Na Oceania, Austrália e Nova Zelândia apresentam uma tendência de queda no consumo, à
medida que a carne bovina vem sendo substituída também, pelas carnes relativamente mais baratas
de porco e de frango.
Entre os fatores que têm contribuído para o aumento do volume produzido da carne bovina,
mas para um decréscimo do consumo per capita pode-se citar: os econômicos e demográficos, os
sociais e, aqueles relacionados ao marketing do produto.
Como fatores econômicos e demográficos que afetam tanto a demanda individual como a
demanda da indústria têm-se, o crescimento da população, a renda per capita, o preço da carne
bovina e o das substitutas. Como fatores sociais, pode-se mencionar os relacionados à reputação
da qualidade e da conveniência da carne, assim como aqueles relacionados às questões sanitárias
do produto e do processo de produção. O terceiro conjunto de fatores engloba as condições de
marketing e distribuição do produto no varejo e nas cadeias de alimentação.
A tendência do crescimento da população mundial é um importante fator do aumento da
demanda futura de carne. Atualmente a população mundial tem crescido à taxa de 1,6% ao ano, e
essa é uma possível tendência de crescimento da demanda por carne bovina. As regiões que têm
apresentado as maiores taxas de crescimento populacional são a Ásia (que concentra 60% da
população mundial) e a África, onde espera-se um pequeno impacto futuro no consumo. O
crescimento moderado nas populações das América do Sul e do Norte, não devem compensar o
declínio verificado no consumo de alguns países, principalmente da Europa, onde o crescimento da
população é nulo ou negativo.
Como qualquer outro alimento, para que a carne atinja um padrão de consumo estável, é
necessário um nível mínimo de renda. Desde que a carne bovina é relativamente cara, o consumo
está diretamente relacionado à renda, e o consumo de carne bovina nos países com renda alta é
maior do que naqueles países de renda baixa. Tal ligação evidencia que será nas regiões do mundo
que experimentam certo desenvolvimento, como a Ásia, onde as possibilidades de crescimento de
consumo são maiores.
O preço relativo da carne bovina quando comparado aos preços de outros tipos de carne, é
um dos mais importantes determinantes da demanda. A Figura 3.4 mostra o comportamento dos
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 37
preços das carnes bovina, suína e de frango no mundo e bovina para o Brasil. Pode-se verificar que
os preços da carne bovina têm mantido certa estabilidade na última década, comparado com as
demais carnes. Se for considerado que aqueles preços são nominais e não levam em consideração
as taxas de inflação, pode-se concluir que os preços reais da carne bovina vêm caindo relativamente
aos demais. Os preços brasileiros apresentam um comportamento muito similar aos mundiais nos
últimos anos, sendo menores por refletirem uma produção básica à partir de pastagens.
Figura 3.4
Preço das carnes bovina, suína e de frango no mundo, e bovina no Brasil . Período 1980-
1997 US$/Kg.
- Carne Bovina
38 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
De um modo geral, o envelhecimento das populações as tem levado à uma preocupação
maior com a saúde. O estilo de vida atual, envolvendo pouco exercício físico, tem enfatizado a
importância de uma dieta saudável aos consumidores. A melhoria dos processos tecnológicos e
nos ingredientes, tem colocado à disposição dos consumidores uma enorme variedade de produtos
com baixos teores de gordura, ausência de aditivos químicos e baixos níveis de colesterol. O
consumidor está mais hábil a absorver essas informações e mais consciente também do problemas
éticos e ambientais. Portanto, ele exige mais informações não só sobre o produto, mas também
sobre o processo de produção. A preocupação com o meio ambiente, com o uso de hormônios e
com as doenças, tem exigido garantias cada vez maiores por parte dos consumidores. Aqui entra a
questão da certificação da origem e das condições de produção da carne e, dos rótulos contendo
as características do produto, que se tornam mais importantes a cada dia nos principais países
importadores.
Graças à maiores rendas e ao atual estilo de vida, as pessoas estão comendo mais fora de
casa e as cadeias de fast food e restaurantes têm aumentado sua participação no mercado.
Todos esses fatores têm influenciado a demanda e provocado uma grande variação regional.
Se o objetivo é manter ou aumentar o nível de consumo atual, a indústria de carne deve responder
cuidadosamente a esse novo comportamento dos consumidores.
3.3. O Comércio Internacional
Como o comércio de qualquer produto, o comércio da carne bovina depende das vantagens
comparativas em termos dos custos de produção, que estão diretamente relacionados à
disponibilidade de terra, de boas pastagens, de grãos e de condições climáticas adequadas.
O crescimento histórico que se verifica no volume comercializado de carne bovina é resultado
da prosperidade econômica dos novos mercados, das mudanças tecnológicas que permitem que as
características do produto sejam mantidas e do desenvolvimento dos sistemas modernos de
produção. Apesar disso, uma tendência decrescente tem surgido desde o início dos anos 90. As
explicações são o colapso dos mercados da antiga União Soviética e dos países da Europa Central,
a quebra de confiança dos consumidores da América do Norte, da União Européia e do Japão,
afetando enormemente as importações e as reformas na Política Agrícola Comum (CAP) da União
Européia que tem reduzido as exportações.
Em termos de valor, o comércio tem crescido significativamente (Figura 3.5). Os preços de
exportação também têm aumentado, mas flutuado em linha com os ciclos de produção. Picos de
preços foram obtidos nos anos de 1980 e 1990, refletindo períodos de retração nos ciclos de
produção dos Estados Unidos e Europa.
Duas regiões do mundo destacam-se no comércio de carne bovina, em função da incidência
da febre aftosa (Foot and Mouth Disease). A primeira é livre da doença e é formada pelos países
do Pacífico, incluindo os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia e a Ásia. Além da ausência
da febre aftosa, outras características daquela região são os preços relativamente altos em razão da
ausência de subsídios às exportações, e uma forte demanda pela carne produzida a partir dos
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 39
grãos. A segunda área, engloba a União Européia, a Europa Central, o Oriente Médio, a África
e a América do Sul. O comércio nessa região é predominado por grandes volumes oriundos da
União Européia, onde as exportações são subsidiadas e portanto com preços artificialmente
baixos.
A combinação de barreiras sanitárias e preços diferentes nas duas regiões tem como implicação
um pequeno comércio entre elas. No entanto, espera-se uma mudança nessa situação à medida
que os acordos comerciais reduzam as barreiras ao comércio, que os países da América do Sul
atinjam o status de países livres da febre aftosa e que a atração pelos mercados asiáticos torne-se
mais intensa.
Figura 3.5.
Qualidade e valor das exportações mundiais de carne bovina. 1980-1997.
8,000,000
7,000,000
6,000,000 Quantidad
Quantidade
e (Mt)
(Mt)
5,000,000
4,000,000
3,000,000
Valor
2,000,000 (1000$)
1,000,000
0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996
40 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As exportações da Nova Zelândia consistem da carne produzida à base de pastagens, e dos
rebanhos especializados na produção de leite e carne. Os Estados Unidos, a China, o Japão e a
Coréia do Sul são os maiores compradores.
Na América do Norte, Estados Unidos e Canadá experimentaram uma grande expansão
das exportações entre 1987 e 1997, devido basicamente às compras do Japão. As exportações
dos Estados Unidos tornaram-se mais competitivas nos mercados internacionais como resultado
dos baixos preços domésticos, de uma taxa de câmbio favorável e por uma preferência do mercado
pela carne resfriada (chilled). Os mercados asiáticos em geral têm apresentado grandes
oportunidades para a expansão das exportações da carne produzida à base de grãos. Os Estados
Unidos são também um grande importador de carne mais barata, produzida à base de pastagens,
para ser utilizada na produção de carne enlatada (corned beef) e hambúrgueres na sua grande
cadeia de fast food.
O crescente mercado asiático é abastecido quase que totalmente pela Austrália e Estados
Unidos. Uma forte demanda regional e um melhor acesso aos mercados em razão das liberalizações
comerciais, permitem prever ainda um crescimento substancial nas exportações para aquela região.
Apesar de estar crescendo em termos absolutos, a participação da região do Atlântico no
comércio mundial de carne bovina tem caído em termos relativos e representava somente 30% do
total em 1997.
Mesmo sem levar em consideração o comércio intra-europa a União Européia constitui-se
no maior exportador regional. Os principais mercados para as exportações da União Européia
estão no Oriente Médio, Norte da África e Leste Europeu. Contudo, o nível das intervenções
internas tem sido reduzido, e os acordos firmados quando da Rodada Uruguai do GATT, começam
a se efetivar, já se verificando uma tendência de queda nas exportações da União Européia. Também,
um acordo especial firmado com a Austrália assegura que a União Européia exporte para a região
do Pacífico, somente sem subsídios, o que afeta a competitividade européia. Tal acordo tem
prejudicado mais a Alemanha, a França e a Dinamarca, que exportam maior quantidade para fora
da União Européia. O futuro das exportações da União Européia vai depender das reformas que
estão sendo efetuadas na sua Política Agrícola Comum, e de como a imagem do produto foi danificada
pelas contínuas crises. O comércio intra-europeu corresponde à aproximadamente 65% das
exportações de carne bovina e é nessa área que a crise da BSE teve um impacto mais significativo.
Segundo a secretaria de agricultura dos Estados Unidos (USDA) o medo da BSE na Europa
representou uma queda de 40% nas exportações da carne. Com a imagem bastante desgastada em
função daquela crise, a Europa vive agora a crise da dioxina.
Alguns países da América do Sul são exportadores tradicionais de carne bovina, como a
Argentina, o Uruguai e o Brasil. A Argentina em 1997, foi considerada pela Organização Internacional
de Epizootias, livre da febre aftosa (por vacinação), e com isso tem conseguido aumentar suas
exportações. Tem conseguido também penetrar em mercados como Rússia, África do Sul e Polônia,
o que tem compensado parcialmente a queda ocorrida nas vendas para a União Européia, Estados
Unidos e Brasil. Juntamente com o Uruguai a Argentina tem negociado com os países da Ásia no
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 41
intuito de ampliar as exportações para aquele mercado. No entanto, a política de risco zero adotada
pelos países asiáticos continua atuando como uma forte barreira ao comércio. No caso do Brasil,
as exportações argentinas têm declinado porque no Brasil a produção tem crescido continuamente,
reduzindo as necessidades de importações.
3.4. O Brasil e o Comércio Mundial
A posição do Brasil como exportador tem se firmado cada vez mais. Nos últimos anos as
exportações aumentaram, apesar da valorização da moeda e da falta de subsídios. A declaração de
que os Estados do Sul do Brasil (Santa Catarina e Rio Grande do Sul), estão livres da febre aftosa
deverá dar um novo incentivo às exportações. A Figura 3.6 mostra as exportações brasileiras de
carne bovina no período de 1980 a 1997 em termos de quantidade e valor nominal. A grande
instabilidade na série é função dos diversos planos econômicos adotados no país, que afetaram
diretamente o poder de compra dos consumidores e conseqüentemente as exportações. Assim é
que, logo após os anos de 1996 (Plano Cruzado), 1990 (Plano Collor) e 1994 (Plano Real), as
exportações caem drasticamente, em razão do aumento do poder de compra pela fixação dos
preços e/ou salários, e da maior demanda pela carne internamente.
Figura 3.6.
Quantidade e valor das exportações de carne bovina do Brasil. 1980-1997.
700000
Valor
600000
(1000US$)
(1000US$)
500000
400000
Quantidade
300000 (Mt)
200000
100000
0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996
42 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
1998. Contudo, os Estados Unidos e o Canadá não importam nenhuma carne in natura do Brasil.
Ocorreu também alguma exportação de carne industrializada do Brasil para o Japão, naquele
período, mas em quantidades irrisórias. Pode-se notar também, que o Brasil exportou para alguns
países da Ásia (Hong Kong e Cingapura), mas as mesmas têm diminuído à cada ano. Entre os
outros destinos das exportações, destacam-se Israel e Arábia Saudita nas exportações de carne
in natura e, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, nas exportações de carne
industrializada.
Tabela 3.4
Exportações Brasileiras de Carne Bovina, por Países e/ou Regiões de Destino.*
Período 1993/1998. Toneladas.
Países e/ou
Regiões 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Industrializada
União 79299 63218 57543 48230 46779 53090
Européia (61,18) (57,25) (60,40) (55,02) (53,40) (50,06)
América do 29690 28098 20835 25900 30495 39711
Norte (22,90) (25,45) (21,87) (29,55) (34,81) (37,44)
Japão 1067 722 158 905 677 625
(0,82) (0,65) (0,17) (1,03) (0,73) (0,59)
Outros 19563 18345 16708 12616 9644 12625
(15,09) (16,62) (17,54) (14,39) (11,00) (11,90)
Total 129619 110383 95243 87650 87596 106050
in natura
União 46542 44435 26947 35622 37699 49478
Européia (46,89) (56,45) (71,85) (76,35) (71.89) (61,19)
Ásia 12530 12024 5679 4251 4036 4986
(12,62) (15,27) (15,14) (9,11) (7,69) (6,16)
Outros 40106 22254 4873 6778 10677 26252
(40,40) (28,27) (12,99) (14,53) (20,36) (32,47)
Total 99261 78718 37505 46656 52441 80850
Total Geral 228880 189101 132748 134306 140037 186900
Fonte: Anualpec
* Os valores entre parênteses representam valores percentuais.
A Figura 3.7 mostra a evolução da percentagem das exportações de carne bovina, de acordo
com o tipo, no período compreendido entre 1985 e 1997. Pode-se notar que a carne bovina
industrializada tem prevalecido nas exportações brasileiras com tendência decrescente nas
exportações de carne in natura. As exportações de carne com osso e de carne salgada seca ainda
persistem, mas com tendência a desaparecer.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 43
Em termos de acesso aos mercados, as exportações brasileiras têm enfrentado restrições em
quase todos os países. Nos Estados Unidos, onde existe uma cota global para a carne bovina em
torno de 700 mil toneladas, Austrália e Nova Zelândia têm cotas de aproximadamente 380 e 210
mil toneladas, respectivamente, enquanto o Brasil tem que competir com outros países por uma
cota de 65 mil toneladas. Acordos sanitários bilaterais têm facilitado o acesso ao mercado dos
Estados Unidos, e ao Uruguai e Argentina foram concedidas cotas de 20 mil toneladas. No mercado
europeu, existe a chamada cota Hilton, que funciona como “uma compensação” dada pela União
Européia aos países exportadores de carne bovina, pelos prejuízos causados por suas políticas
agrícolas protecionistas. A cota Hilton envolve cortes selecionados com altos preços, e de maneira
geral, uma tonelada dessas carnes equivalem à várias toneladas das partes de qualidade inferior. A
cota atual do Brasil é de 5 mil toneladas, enquanto aquela da Argentina é de 28 mil toneladas. Além
da cota Hilton, a União Européia determina outra cota para carnes transformadas (cota GATT),
com o volume variando de acordo com as necessidades dos países que compõem a União Européia.
No ano de 1998, a cota GATT foi fixada em de 53,7 mil toneladas, sobre as quais a incidência
de impostos é menor. No mercado asiático e, principalmente no Japão, os problemas são as rigorosas
barreiras sanitárias aliadas às tarifas de importação.
Figura 3.7.
Exportação percentual de carne bovina por tipo. Brasil. Período de 1985 a 1997
70.00
Carne Bovina
40.00 Desossada
30.00
Carne Seca
Salgada
20.00
10.00 Carne
Industrializada
0.00
1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997
44 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
industrializada são mínimas. A quase totalidade das importações (mais de 95% ) tem como origem
os parceiros comerciais do Mercosul. Pode-se verificar, no entanto, que as importações da Argentina
têm-se reduzido, enquanto aquelas do Uruguai têm aumentado. As importações dos Estados Unidos
aumentaram em termos absolutos e relativos no período, enquanto aquelas oriundas de outros
países (Irlanda, Dinamarca, Austrália e Itália) têm correspondido a menos de 1% do total.
Novamente, chama-se a atenção para o aumento das importações que ocorreu com a implantação
do Plano Real (1994), devido ao aumento do poder de compra dos consumidores domésticos e à
política de sobrevalorização da moeda nacional.
Tabela 3.5
Importações Brasileiras de Carne Bovina in natura, por Países de Origem.*
Período 1994 -1988. Toneladas
Fonte: Anualpec
Um balanço entre importações e exportações no caso brasileiro, mostra que o saldo tem
sido favorável ao País. Há uma tendência de redução nas importações pelo contínuo aumento na
produção interna, e uma tendência de crescimento na exportações pela liberalização dos mercados.
Como meta, a Agência de Desenvolvimento de Agronegócios estabelece que as exportações
brasileiras cresçam dos 430 milhões de dólares em 1997 (2,5% do mercado mundial), para 4,4
bilhões (20% do mercado), no ano de 2002. Contudo, não se deve esquecer os problemas a serem
enfrentados nesse mercado, como a queda relativa de preços dos bens substitutos (carnes de
frango e de porco), as mudanças de hábito alimentar relacionadas à uma alimentação “mais saudável”
e de maior conveniência, as barreiras comerciais (tarifárias, sanitárias e ambientais) e os problemas
macroeconômicos (desvalorizações cambiais e instabilidade de preços), que certamente terão papel
fundamental no atingimento daquela meta, inclusive por serem muitos deles independentes das
decisões nacionais.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 45
4. CARACTERIZAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA DE CARNE BOVINA
4.1. Aspectos Institucionais
4.1.1. Introdução
Os fluxos de produto no sentido de produção – distribuição, e de informações e recursos
monetários, no sentido oposto, ocorrem sob um complexo aparato de normas, regulamentos,
mecanismos e políticas públicas, cujas características afetam diretamente a performance global.
Nesta seção são abordados temas relativos a esses aspectos na seguinte ordem: efeitos do Plano
Real sobre a cadeia produtiva, alguns aspectos do comércio internacional de carne bovina, programas
de produção de novilho precoce, tributação, alterações recentes na legislação sanitária, fiscalização,
impactos econômicos e perspectivas de erradicação da febre aftosa, criação de agências de defesa
agropecuária, disponibilidade de crédito, disparidade e ausência de informações estatísticas, e P&D
na cadeia de carne bovina e coordenação dos agentes da cadeia.
4.1.2. Efeitos do Plano Real sobre a Cadeia Produtiva
As reformas em curso na economia desde o início dos anos 90 e o Plano Real estabeleceram
novos parâmetros para todas as atividades produtivas do país. O ambiente econômico transformou-
se rapidamente, obrigando os agentes a abandonarem comportamentos típicos de um ambiente
inflacionário e fechado à concorrência internacional.
Por um lado, o controle da inflação e a estabilidade de preços agrícolas desde o Plano Real
modificaram o papel que a terra cumpria como ativo especulativo, reserva de valor. Atividades
pouco intensivas, como a pecuária tradicional, passaram a remunerar insuficientemente o capital
imobilizado em terras, levando a substituição por outras mais rentáveis. Por outro, o regime cambial
adotado até janeiro de 1999, que resultou na sobrevalorização do real, tornou as exportações
brasileiras de carne bovina menos competitivas.
O processo, em curso, de reestruturação do setor, é afetado pelos sobressaltos da política
macroeconômica. O padrão de financiamento externo adotado a partir da implantação do Plano
Real para fazer frente aos crescentes saldos negativos na conta corrente do balanço de pagamentos
mostrou-se insustentável. As crises asiática e russa demonstraram a fragilidade das políticas
monetária e cambial brasileira, forçando o governo a adotar medidas de ajustamento que
culminaram no acordo com o FMI no final de 1998. O governo passou a tomar medidas de
contenção de gastos, elevação de impostos e manutenção de taxas de juros extremamente
elevadas.
No final de 1998, já havia consenso entre os analistas de que o PIB deveria cair em 1999.
Do ponto de vista da cadeia de carne bovina os impactos não eram claros. De um lado não se
esperava queda abrupta do consumo, pois os alimentos têm um comportamento mais estável do
que os bens menos essenciais. Era previsível, no entanto, que o desemprego e a queda na renda
induziriam a um movimento descendente na qualidade da demanda, o que favoreceria os cortes
mais baratos de carne bovina e a carne de frango. Por outro lado, a crise poderia manter reduzida
a oferta de crédito para toda a economia. O aumento da inadimplência, a contração das fontes
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 47
externas de recursos e o aumento das taxas de juros deveriam reforçar um comportamento cauteloso
na concessão do crédito (Faveret Filho, 1998).
Em janeiro de 1999, a política de taxas de juros elevadas e o acordo com o FMI, com metas
definidas de ajuste fiscal, mostraram-se insuficientes para manter o regime cambial de bandas.
Diante do rápido esgotamento das reservas, o governo foi obrigado a abandonar sua política de
sustentação da paridade do real em relação ao dólar e permitiu que a moeda se desvalorizasse.
Essa desvalorização, a muito reivindicada por diversos setores empresariais, tornou as exportações
brasileiras mais competitivas, ao mesmo tempo que onerou produtos importados. No setor de
carne bovina, frigoríficos, pecuaristas e analistas estimavam um crescimento de até 40% das
exportações em 1999, passando de 345 mil toneladas em 1998 para 485 mil toneladas. Existe
consenso de que a desvalorização beneficiou o Brasil em relação a carne argentina, cujos preços
permanecem atrelados ao dólar (Agência Estado, 1999).
O impacto positivo, entretanto, foi sentido pelos frigoríficos voltados para exportação. Alguns
foram reabertos e outros passaram a operar com 100% de sua capacidade, adquirindo carcaças
de outros frigoríficos e expandindo sua própria capacidade. A desvalorização parece ter sido
suficiente para compensar a pressão tanto por parte dos importadores, que forçaram a obtenção
de descontos, como por parte dos pecuaristas, que inicialmente passaram a segurar o boi gordo no
pasto, forçando a valorização, em reais, da arroba do boi1.
Não há dúvidas quanto à melhoria da competitividade do País nas exportações de carne,
mesmo admitindo uma elevação nos custos em moeda nacional. Porém, para a maioria dos frigoríficos
que operam no mercado interno, a expansão nos custos de produção foi acompanhada por uma
estagnação na demanda devido à crise econômica. Essa demanda, que já não se mostrava expressiva,
tende a ter um efetivo desvio para alternativas mais acessíveis, como frango e ovos. Com os preços
mais altos da carne bovina e com os mesmos padrões salariais (queda de poder aquisitivo), espera-
se uma queda na demanda interna. De fato, a capacidade ociosa nos frigoríficos voltados para o
mercado interno tem atingido 80% em alguns estados. Para as empresas em que há espaço para
exportação, certamente o quadro é menos grave (Molinari, 1999).
4.1.3 Alguns Aspectos do Comércio Internacional de Carne Bovina
Durante o desenrolar da Rodada Uruguai do GATT (encerrada em dezembro de 1995), o
Brasil, para defender os seus pleitos na área agrícola, articulou-se com o grupo de Cairns (alguns
países agroexportadores) e apoiou a campanha anti-subsídios dos Estados Unidos. Conforme foi
acertado na OMC, os preparativos para a próxima rodada deverão começaram em 1999 e um
programa de trabalho para a área agrícola está sendo organizado pelo Comitê de Agricultura da
organização.
¹ O preço da arroba do boi em dólar despencou após a mudança cambial, e os pecuaristas retraíram as vendas. O bom regime de
chuvas em toda a região Centro-Sul permitiu que àqueles que tinham boi para venda pudessem optar pela paralisação das vendas. O
quadro, que caminhava para uma baixa de preços em moeda nacional, acabou se revertendo completamente com a mudança
cambial.
48 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
O Brasil está em posição confortável para aumentar fortemente sua influência e beneficiar-se
das futuras negociações da OMC. Nesse sentido, é fundamental que os países do Mercosul atuem
como um grupo nas próximas negociações. É provável que a principal pressão para abertura dos
mercados venha dos EUA, Canadá, Argentina e outros exportadores.
O enquadramento do RS e SC como áreas livres de aftosa (por vacinação) coloca novas
perspectivas e problemas a serem resolvidos. No âmbito do Ministério da Agricultura e demais
órgãos envolvidos com questões ligadas à exportação de carne foram propostas ações no sentido
de agilizar os procedimentos, como é o caso dos acordos sanitários com outros países. A idéia é
simplificar o caminho para os empresários saírem em busca de novos mercados para a carne bovina
(DBO Rural, jul. 1998).
O fato de o Sul do Brasil, Uruguai e Argentina terem boa situação em relação à febre aftosa
é bastante promissor, pois permitiria articulações comerciais visando atender o mercado externo. O
rebanho argentino diminuiu nos últimos dois anos e aquele país tem enfrentado sérias dificuldades
para cumprir contratos negociados no exterior. O Brasil tem apenas dois estados considerados
livres da febre aftosa, mas sua produção é pequena. A Argentina tem comprado o produto da
Austrália e da Nova Zelândia e, com isso, a pecuária brasileira deixa de beneficiar-se como
fornecedora do parceiro comercial do Mercosul.
Os EUA estabelecem uma cota global para carne bovina por eles importada. Em 1997, esta
cota era de 696.621 toneladas. Destas, 378.214 foram para a Austrália, 213.402 para a Nova
Zelândia, 20 mil tanto para a Argentina quanto para o Uruguai e 64.805 para outros países sem
especificação, todas sujeitas a acordos sanitários bilaterais (Baldinelli, 1997). A cota argentina foi
negociada em 1994 na Rodada Uruguai do GATT, entrando em vigência em 1997, quando foram
solucionadas as restrições sanitárias até então existentes (Argentina foi considerada livre da febre
aftosa).
Existe também a chamada cota Hilton, que se refere ao tratamento que a UE concede a
cortes especiais de carne bovina. Teve origem na Rodada Tokio do GATT em 1979 e está atrelada
a uma compensação que a UE oferece a alguns países pelos prejuízos que suas políticas agrícolas
protecionistas causam. Os cortes Hilton são partes selecionadas de alto preço. Dessa maneira, a
UE pode oferecer compensação importando alimentos de alto preço, mas de baixo volume. Esses
cortes especiais são vendidos fundamentalmente em países mais ricos, principalmente a Alemanha,
que possuem consumidores de maior poder aquisitivo e capazes de pagar os altos preços cobrados
nos lugares onde são servidos, geralmente restaurantes e hotéis de luxo. Daí serem informalmente
conhecidos como cortes Hilton. Inicialmente, os EUA obtiveram uma cota de 10 mil toneladas
anuais, a Argentina e Austrália 5 mil cada, o Uruguai 1 mil. O Brasil obteve uma cota menor e o
Canadá juntou-se à cota dos EUA. A Argentina, assim como outros países, obteve aumentos
expressivos como compensação pelos danos causados pela entrada da Grécia, Portugal e Espanha
na UE, bem como pelos prejuízos nas exportações de oleaginosas. Hoje a cota Argentina alcança
28 mil toneladas e a do Brasil 5 mil. Em 1996, aproximadamente 1/3 do valor das exportações
Argentinas eram constituídos por esses cortes. Cabe notar que os cortes Hilton representam apenas
entre 5% e 10% do peso de uma rês (Baldinelli, 1997).
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 49
O acordo Agrícola da Rodada Uruguai do GATT estabeleceu uma cota para as importações
de carne bovina por parte da UE. Nesta cota, estão incluídas a cota Hilton e outras cotas especiais,
sendo o volume restante chamado de cota GATT. Trata-se, portanto, de um resíduo que compreende
carnes congeladas in natura sobre as quais incide um Import Levy (ou “direito fiscal
compensatório”), cujo valor nivela os preços dos produtos importados aos preços praticados no
mercado doméstico (Jank, 1996).
4.1.4. Programas de Produção de Novilho Precoce
A reestruturação da cadeia de carne bovina no Brasil tem sido levada a cabo mediante
inúmeras ações de instituições públicas e privadas, não raro atuando conjuntamente. dentre os
programas existentes, destacam-se aqueles voltados para a erradicação da febre aftosa e os
programas estaduais de incentivo à produção de novilho precoce. Existem ainda as alianças
mercadológicas, geralmente atreladas aos programas de novilho precoce.
A Associação Brasileira de Novilho Precoce procurou, por muitos anos, sensibilizar criadores,
autoridades governamentais e os segmentos industrial e comercial a promoverem ações visando à
melhoria da produção e produtividade do rebanho bovino, bem como a oferta aos consumidores
de uma carne de melhor qualidade. O primeiro resultado de maior impacto dessa ação ocorreu em
1992, quando foi lançado pelo governo do Mato Grosso do Sul o primeiro Programa Estadual de
Estímulo à Criação do Novilho Precoce, iniciativa seguida pelo Estado do Mato Grosso, em 1993,
pelos Estados de Minas Gerais e Goiás, em 1994, e São Paulo, em 1995. Os Estados do Paraná,
Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia também contam hoje com programas desta natureza.
Por meio da redução do ICMS e/ou estabelecimento de linhas especiais de financiamento,
como na Bahia, procura-se incentivar o abate de bovinos jovens. Em alguns estados, a redução do
ICMS chega até 50% da taxa normal por ocasião do abate. Entretanto, esse estímulo tem sido
comprometido pela sonegação fiscal e, em alguns estados, onde o ICMS já se encontra reduzido
para a atividade, o ganho não é significativo. Na verdade, o verdadeiro estímulo para o pecuarista
tende a ser o fato de que ele pode ganhar simplesmente por estar vendendo um animal muito mais
jovem e de melhor qualidade. O sistema de produção de novilho precoce apresenta maior produção
por área, com melhor rentabilidade e maior lucro2. Para os frigoríficos, a vantagem encontra-se na
possibilidade de se obter um animal com maior rendimento de carcaça e de melhor qualidade. É
comum os pecuaristas receberem um prêmio, que pode chegar a 2% sobre a cotação da arroba.
As novilhas, geralmente desvalorizadas no sistema tradicional, são cotadas ao mesmo preço do
novilho nesse novo sistema. Para maiores detalhes sobre as vantagens técnicas e econômicas do
sistema de produção do novilho precoce ver seção 4.4.
² Estudo realizado pela FNP Consultoria & Comércio comparou três sistemas de produção: Sistema 1, produção de bovinos para
abate com 32-36 meses; Sistema 2, produção de bovinos precoces para abate com 22-24 meses; e Sistema 3, produção de bovinos
superprecoces para abate com 13-14 meses. O Sistema 2, produção do novilho precoce foi o que exibiu melhor rentabilidade,
porque tira proveito do baixo custo e do elevado rendimento da recria a pasto e o confinamento, na fase de terminação, permite
eliminar uma geração de bovinos do pasto, abrindo espaço para o aumento do rebanho de cria. Anualpec 98 Anuário da Pecuária
Brasileira. FNP Consultoria & Comércio, São Paulo 1998.
50 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Os programas de novilho precoce estão, geralmente, associados à formação de alianças
mercadológicas entre produtores, frigoríficos e supermercados para comercialização de carnes
diferenciadas, sendo a primeira delas criada no Rio Grande do Sul. Em 1999, já haviam várias
alianças constituídas no país (RS, SP, BA, MT, MG e SC). (Sobre as alianças mercadológicas ver
Capítulo 4.3).
A seguir são destacados alguns programas estaduais:
4.1.4.1. Programa Novilho Precoce no Estado do Mato Grosso do Sul
O programa foi lançado em janeiro de 1992 e teve como passos iniciais a criação de uma
câmara setorial consultiva, na qual congregava interesses dos diversos elos da cadeia. Adotou-se
um incentivo fiscal de 33,33%, com adicional de 16,16% para aqueles pecuaristas que dispusessem
de informações completas e detalhadas de seu processo de produção (Pinto, 1995). A princípio,
os pecuaristas não recebiam prêmio ao fornecer, para a aliança mercadológica do Estado, os seus
novilhos precoces. A vantagem encontrava-se no fato de que os frigoríficos pagavam o mesmo
preço do boi gordo pelas novilhas (DBO Rural, jun. 1998). Em nossa pesquisa de campo, pôde-se
constatar que os incentivos para a expansão do sistema de criação não tem sido nem preço nem
redução da tributação, mas o fato do pecuarista ter descoberto ser esse um meio de girar o seu
capital em tempo mais curto. A criação de novilho precoce, embora não seja uma prática generalizada
é uma realidade constatada não apenas no Mato Grosso do Sul, mas em todo o Centro-Oeste. A
queda na idade média do abate é forte evidência e conseqüência de sua aceitação. No estado, em
1999, integravam o programa aproximadamente 1200 produtores.
4.1.4.2. Programa de Carne Qualificada de Bovídeos no Estado de São Paulo
O programa foi lançado em 1995 com objetivo de reduzir a idade de abate para os bovinos
de corte, e aumentar a oferta de carne de melhor qualidade, especialmente no período de entressafra.
Para induzir o crescimento do nível tecnológico, utilizou-se de mecanismos de benefícios fiscais,
mediante redução do ICMS na forma de crédito presumido, para animais abatidos precocemente.
Com o novo sistema de tributação, a produção normal teria um imposto de 7%, enquanto a incentivada
pagaria uma média de 4,37% (Anjos, 1995). Para 1999, a previsão é de abate de pelo menos
52.000 novilhos (DBO Rural, set. 1998). No início de 1999, haviam aproximadamente 200
pecuaristas participando do programa (sendo que destes apenas 95 estavam abatendo e 15
respeitando a freqüência de abate). Participavam da aliança mercadológica formada sob coordenação
do FUNDEPEC apenas um frigorífico e uma rede de supermercados.
4.1.4.3. Programa Estadual de Apoio à Produção de Novilho Precoce – Minas Gerais
Lançado em 1994, o programa oferece ao pecuarista produtor de novilho precoce um incentivo
fiscal, via redução de crédito presumido, de 50% do valor do ICMS. Sendo 7% o valor do ICMS
calculado quando da venda de animais, o pecuarista recebe pela produção do novilho precoce
mais 3,5% do seu valor de venda (peso final). O programa é coordenado pela Secretaria da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, contando com a participação da EMATER–
MG, IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária), Ministério da Agricultura e Secretaria de Estado da
Fazenda.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 51
4.1.4.4. Programa Novilho Precoce – Bahia
O pecuarista cadastrado no programa é beneficiado com incentivo fiscal de 3,5% da pauta
do ICMS e é recomendado para financiamento em bancos oficiais, especialmente o Banco do
Nordeste. Existe uma parceria entre a Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária, a
EBDA (pesquisa agropecuária) e a EMBRAPA para realização de assistência técnica e treinamento
de pecuaristas e seus funcionários visando melhorar o manejo e a gestão da propriedade. O Banco
do Nordeste destina uma linha de crédito (FNE/BNDES/PROGER – FAT/PRONAF) para
pecuaristas que comprovadamente utilizem a tecnologia recomendada para produção de novilho
precoce e estejam localizados nas regiões estabelecidas. Objetiva-se viabilizar a adoção de
tecnologias que propiciem a redução da idade de abate para no máximo 30 meses. A primeira
aliança mercadológica já está em funcionamento e compreende uma cooperativa de pecuaristas,
um frigorífico e uma rede de supermercados. Até 1998, existiam 717 pecuaristas cadastrados e
600 ativos. Em 1996, quando iniciou-se o programa, foram abatidos 541 animais, crescendo este
número para 13.895 em 1997 e 27.999 em 1998. O maior número de produtores concentra-se no
extremo sul do Estado.
Em 1996, foi proposto o Programa de Produção do Novilho Precoce como Projeto
Estratégico Selo Agrícola do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. A proposta tinha como
fundamentação a importância estratégica da certificação e da avaliação de conformidade no processo
de formação de blocos econômicos e de redução de barreiras não-tarifárias, no qual o Brasil deve
ocupar posição de destaque nas negociações já desencadeadas.
Em novembro de 1997, o Ministério da Agricultura lançou o selo de qualidade da carne
bovina, marcando a abertura do 2o Encontro Nacional do Novilho Precoce. A proposta de
certificação ainda encontra-se em discussão, sem que tenha ocorrido avanços significativos. Esse
tema tem se tornado de extrema importância, dado que em período recente tem aumentado no país
o número de propostas de certificação e selos de qualidade. Esse excesso tende a prejudicar uma
possível estratégia de conscientização do consumidor em relação aos atributos de qualidade da
carne bovina, pois poderá levar à uma proliferação de conceitos e marcas que confundem mais do
que informam.
O Programa Nacional de Carne Bovina de Qualidade/Novilho Precoce tem sido executado
por meio do Programa Novas Fronteiras do Cooperativismo (PNFC), do MAA, e tende a crescer.
Segundo dados do PNFC, em 1997, o abate esteve ao redor de 1 milhão de cabeças, ou 4% do
total de matanças brasileiras de bovinos, e espera-se chegar a 3 milhões ou 12% do total nos
próximos dois ou três anos. Para isso, procurar-se-á aumentar o número de produtores credenciados
e de estados com Alianças Mercadológicas em operação. O PNFC atua por meio de assessoria,
cursos, palestras, dias de campo, workshops, etc., tratando de vários temas desde a produção até
marketing. Recentemente, foi firmado um convênio com o FUNDEPEC de São Paulo com o
objetivo de repassar a experiência paulista para o Brasil. Trata-se do Projeto Desenvolvimento da
Cadeia Mercadológica de Carne com Qualidade. Está previsto também o desenvolvimento de um
software de gestão e rastreabilidade.
52 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Em março de 1998 foi lançado o Programa Nacional do Novilho e da Novilha Superprecoce,
desenvolvido pela Unesp de Botucatu e a Assocon – Associação Nacional dos Confinadores, com
o apoio do governo federal, empresas e outras Universidades e Institutos de Pesquisa. O programa
visa aumentar a taxa de desfrute dos rebanhos bovinos, abatendo animais aos 12 e 13 meses de
idade. O pecuarista integrado ao programa será assistido diretamente pela diretoria técnica da
Assocon e pelos Núcleos Regionais de Tecnologia e Produção de Novilhos Superprecoces. Todos
os pecuaristas do Brasil podem participar do programa desde que estejam integrados aos Núcleos
Regionais (Revista dos Criadores, abr. 1998).
Avalia-se que é cedo para afirmar que os programas de melhoria da qualidade da carne e
alianças mercadológicas não alcançaram os resultados esperados. Alguns fatores em particular
tornam essas iniciativas lentas e difíceis de serem institucionalizadas na cadeia de gado de corte no
Brasil. A primeira delas é o fato de tratar-se de uma iniciativa que envolve conscientização e adesão
de diferentes agentes e empresas da cadeia produtiva. Essa conscientização acaba por trazer uma
busca de mudança na cultura de condução do negócio (em cada elo da cadeia produtiva) e inclui
um processo de aprendizagem de novas formas de competição e cooperação pelos agentes. Outro
fator a ser considerado é a mudança que deve acontecer no comportamento de compra do
consumidor final, que pouco a pouco, a partir da mercadoria estar disponível no ponto de venda
com regularidade, começa a experimentar e tornar-se cliente do produto diferenciado.
Esses fatores, trazem uma série de conseqüências. Por exemplo, para que o varejo compre
e disponibilize em algumas lojas o produto de uma aliança, é preciso que haja regularidade de
entrega, em quantidades e qualidade, fatores estes que são de responsabilidade do frigorífico e do
pecuarista, que levam um certo período de tempo para oferecer tal garantia. Em troca, ele deve
oferecer aos frigoríficos e produtores participantes da aliança um feedback sobre o comportamento
dos consumidores em seus pontos de venda. Para que uma aliança cresça e gere benefícios nos
moldes de uma autêntica parceria na cadeia de carne bovina, Fearne (1998) sugere que os seus
integrantes resistam à oportunidades de aceitar, comprar ou vender produtos fora da aliança,
considerem os retornos a serem advindos da aliança sob a ótica de longo prazo e mantenham-se
independentes, mas trabalhando de forma a criar sinergia com seus parceiros nas mais diversas
atividades produtivas.
4.1.5. Tributação
No final da década de 70 até meados dos anos 80, as alíquotas do então ICMS para
produtos agropecuários variavam de 4,52% a 17,8%, dependendo do estado. A partir de 1984, a
alíquota de ICMS passou a ser de 17% e única em todo o Território Nacional. Tem-se atribuído a
esse aumento de tributação a ampliação da economia informal, com reflexos diretos sobre o abate
clandestino, e a conseqüente queda na qualidade da carne oferecida à população. Dados evidenciam
que à medida que a alíquota foi elevada, houve aumento na sonegação e, conseqüentemente, uma
arrecadação relativamente menor (Anjos, 1995). Em 1992, o Convênio ICMS nº 83 autorizou a
redução de base de cálculo de produtos da cesta básica. Assim, vários estados incluíram os produtos
pecuários nas respectivas relações de produtos com alíquota de 7% autorizada pelo convênio
(Petti, 1996). Entretanto, parcela significativa dos produtos saídos do setor escapam ao pagamento
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 53
de impostos, seja devido ao abate clandestino, seja devido à sonegação no abate legalizado. Por
não arcar com impostos, a carne clandestina pode chegar aos açougues e ao consumidor 30% mais
barata (Revista Nacional da Carne, 1998).
Existe ainda uma guerra fiscal entre os estados, onde cada governo tenta proteger sua produção
e suas empresas, mas acaba prejudicando, principalmente, os frigoríficos de fronteira, que precisam
comprar animais de estados vizinhos, pagando impostos mais elevados. Isso prejudica também os
pecuaristas que tentam obter melhores preços em outros estados. No Mato Grosso do Sul, por
exemplo, o ICMS para a carne desossada destinada para fora do Estado é de 2%, enquanto o
ICMS para boi vivo destinado para fora do Estado é de 12%. O conjunto de regimes especiais e
incentivos fiscais naquele estado tem sido bem sucedido no sentido de atrair frigoríficos. É comum
a prática de proteger os frigoríficos locais elevando-se o valor da pauta para níveis considerados
fora do contexto de mercado3. Assim, se o pecuarista deseja vender o gado gordo para São Paulo,
precisa recolher antecipadamente alíquota de 12%, sobre animais que supostamente pesam 18
arrobas, o que inibe a venda de gado para fora do Estado. O Estado de São Paulo, por sua vez,
incentivou a reabertura de frigoríficos isentando totalmente o ICMS (que era de 7%) na compra de
gado efetuada dentro do Estado. Práticas de proteção semelhante aos exemplos acima são
observadas em vários Estados da Federação.
A fragilidade financeira da indústria frigorífica tem sido atribuída em boa parte à concorrência
predatória das empresas que sonegam, o que é favorecido pelas elevadas alíquotas do ICMS.
Muitos frigoríficos constituem uma firma oficial para fins fiscais, e mantêm um nome permanente
para uso externo. Uma vez por ano, geralmente, dão baixa na firma oficial e criam outra como
forma de livrar-se dos débitos fiscais.
Pecuaristas e frigoríficos, por meio de suas entidades representativas, têm recorrentemente
proposto a redução do imposto e a equalização de sua cobrança pelos estados. Contudo, nem a
União nem os Estados concordam com qualquer proposta que implique renúncia fiscal e perda de
arrecadação.
A Associação Brasileira da Indústria Frigorífica (ABIF) e o Sindicato da Indústria do Frio
do Estado de São Paulo (Sindifrio) conseguiram que a carne fizesse parte da cesta básica. Porém,
esperava-se uma redução, e até exclusão de alguns impostos, mas isso ainda não aconteceu (Revista
Nacional da Carne, dez. 1998). Existe a expectativa de redução do ICMS, tanto na carne como
nos demais produtos considerados na chamada cesta básica, seja contemplada na reforma tributária4.
A ABIF defende a adoção da uniformização tributária, em termos nacionais, e a isenção de impostos
como o PIS/Cofins para os alimentos que compõem a cesta básica5.
3
Valor da pauta aplicado em vendas interestaduais para efeito de cálculo do ICMS.
4
Segundo Resende, a desoneração do ICMS na cesta básica teria um impacto equivalente ao aumento de 10% a 11% no salário
mínimo (DBO Rural, abril 1998).
5
Equiparar o ICMS e as pautas fiscais dos Estados inibiria a guerra fiscal. Revista Nacional da Carne, n. 246, p. 6-10, agosto 1997
(Entrevista com sem espaço Antônio Russo Neto, presidente da ABIF). O Ministro da Fazenda Pedro Malan, em recente reunião
coordenada pela CNA, garantiu que deverá negociar com os governadores uma maneira de reduzir a carga tributária incidente sobre
a pecuária de corte (Folha de Paraná, 7/2/98).
54 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As barreiras políticas para a uniformização ou isenção do ICMS são enormes. Argumenta-
se que o ICMS é importante fonte de receita governamental nos estados onde a pecuária bovina
tem uma grande participação na geração da renda e este seria o maior obstáculo para sua eliminação.
Entretanto, deve-se destacar que esses estados vêm sistematicamente renunciando a cobrança
desse imposto como mecanismo de atração de investimentos (vários frigoríficos instalaram-se na
região atraídos, entre outros fatores, pelo incentivo fiscal). Na verdade, a eliminação do ICMS
pode significar muito mais o fim de uma arma na guerra fiscal do que uma redução de receita.
Fernando Resende, presidente do IPEA, mostra-se cético quanto à possibilidade de o governo
vir a mexer, a curto prazo, no imposto e nos encargos sociais (FUNRURAL, PIS, Cofins). Hoje,
os 3,65% cobrados de PIS e Cofins sobre o faturamento das empresas incide em cascata. Além da
seguridade social, isso envolve recursos de estados e municípios que não estão dispostos a negociar
(DBO Rural, abril 1998).
Outro problema relativo à tributação diz respeito à fixação da pauta sobre a qual incide o
ICMS. O cálculo do ICMS é feito em uma base fixa – chamado “preço de pauta’’ – que corresponde
ao valor de um bovino terminado padrão. Há estímulo para o abate de animais com peso acima do
padrão, o que reduz as despesas tributárias sobre a receita dos frigoríficos, mas desincentiva o abate
de animais jovens de melhor qualidade.
A redução do ICMS nos programas de novilho precoce foi uma tentativa de solucionar o
problema acima. Por meio dos programas, o produtor pode conseguir até 50% de redução de impostos.
Vale ressaltar que o ICMS atualmente cobrado em alguns estados sobre a comercialização de bovinos
tem sido reduzida para valores muito baixos, o que reduz significativamente o efeito do incentivo fiscal.
Para os governos, entretanto, a produção do novilho precoce representa a antecipação de dois anos
na arrecadação, além da elevação dessa arrecadação em função do aumento da produção.
Um outro efeito esperado da redução do ICMS, em alguns estados, é a queda no abate
clandestino. Contudo, esse é um efeito cuja dimensão ainda está por ser medida. Devemos observar
que a clandestinidade não está vinculada apenas à cobrança de ICMS, mas também à cobrança de
outros tributos (Cofins, FUNRURAL) e, principalmente, aos custos relativos ao atendimento da
legislação sanitária (que é um custo inerente aos frigoríficos legalizados e fundamental para garantir a
segurança dos alimentos). Muitos frigoríficos recentemente instalados no Centro-Oeste, por exemplo,
receberam significativa isenção fiscal e nem por isso o abate clandestino foi eliminado na região. Além
disso, a sonegação não é uma característica apenas dos clandestinos, mas também de muitos agentes
legalmente constituídos e, não raro, com a conivência dos governos estaduais. Isso significa que,
mesmo que a tributação seja zero, ainda assim haveria incentivo e disposição para a clandestinidade.
A mudança do local de desossa da carne poderá também trazer aumento da arrecadação,
como conseqüência, do maior valor agregado à carne. A magnitude do valor oferecido à tributação
também seria maior e os serviços de arrecadação, via diminuição da área de atuação dos abates
clandestinos, seriam facilitados (TecnoCarnes, nov./dez.1996).
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 55
Tabela 4.1.1
Tabela Principais tributos incidentes na cadeia de carne bovina
Alíquota (%) Base de Cálculo Incidência na Cadeia Características
PIS 0,65 Faturamento Todas as empresas Cascata
COFINS 2,1 Faturamento Todas as empresas Cascata
CPMF 0,38 Movimentação Toda a cadeia (pessoas Cascata
financeira física e jurídica)
CSLL 8 Lucro líquido Todas as empresas Cascata
ITR 0,03 a 20 Valor da terra nua Pecuária Depende do grau de
utilização e tamanho do
imóvel
INSS 2,1 Faturamento Pecuária Não pode ser diferido
(FUNRURAL)
ICMS 0 a 12% Valor agregado Todas as empresas Principal objeto da guerra
fiscal
Quadro 4.1.1
Impacto das contribuições cumulativas PIS, COFINS e CPMF
(exemplo hipotético)
Suponha uma cadeia produtiva que compreenda 6 elos, correspondendo 5 transações de
compra e venda (por exemplo, Criador Recriador Frigorífico Atacadista Varejista
Consumidor). Suponha ainda que as transações tenham os seguintes valores em Reais: 100,
110, 120, 130 e 140 (ver Tabela abaixo). Ou seja, o valor adicionado na primeira transação é 100,
ao qual serão adicionados 10 em cada transação subseqüente. Considera-se neste exercício apenas
o impacto do PIS, da COFINS e da CPMF. Sobre as transações 1 e 2, supõe-se apenas a
incidência da CPMF, dado que PIS e COFINS não incidem sobre os pecuaristas. Considerando
que a soma das alíquotas (PIS+COFINS+CPMF) é igual a 3,13%, esta será a alíquota incidente
sobre as transações 3, 4 e 5.
Nessa cadeia produtiva seriam pagos R$ 13,45 de tributos em cascata sobre um valor
adicionado total de R$ 140,00 , ou seja, 9,6%.
Simulação do impacto das contribuições cumulativas (PIS, COFINS e CPMF) sobre uma
cadeia produtiva hipotética.
Cabe analisar a magnitude do valor dos impostos e contribuições em cascata que incidem
sobre a cadeia de carne bovina. Apenas o somatório das alíquotas do PIS, COFINS e CPMF é
igual a 3,13%, que, teoricamente, incide sobre cada transação realizada entre as empresas. O valor
total pago pela cadeia será mais elevado quanto maior for o número de transações e quanto maior
56 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
for o valor adicionado nas primeiras etapas em relação às últimas (Rezende, 1991). O Quadro
4.1.1 apresenta um exercício em que a taxa acumulada destes três impostos alcança 9,6% sobre o
valor total adicionado pela cadeia produtiva.
Algumas considerações devem ser feitas a respeito da reforma tributária. As principais
justificativas apresentadas pelo Ministério da Fazenda para sua proposta de reforma são as seguintes
(Ministério da Fazenda, 1999):
Os tributos concentram-se demasiadamente sobre o consumo, acarretando perda de
competitividade da economia, não alinhamento com sistemas tributários de outros países, redução
de receitas potenciais devido à exploração de uma base estreita e da guerra fiscal e evasão fiscal em
função da complexidade do sistema.
Existe uma multiplicidade de impostos e contribuições administrados por diferentes níveis
de governo (IPI, COFINS e PIS/PASEP pelo Governo Federal, ICMS pelos estados e ISS pelos
municípios), além de incidência cumulativas, chamadas de impostos em cascata (PIS, COFINS e
ISS).
O IPI e o ICMS têm estrutura obsoleta, com vários níveis de alíquotas e bases de cálculo,
que variam de acordo com os estados ou regiões.
O sistema estimula a guerra fiscal entre os estados porque admite que os mesmos concedam
incentivos e benefícios unilateralmente.
Abaixo são citados os principais pontos da proposta de reforma apresentada pelo Ministério
da Fazenda (Ministério da Fazenda, 1999). Alguns possíveis impactos sobre a cadeia produtiva da
carne bovina são também apresentados. Deve-se ressaltar que apenas uma investigação mais
profunda, com exercícios de simulação mais sofisticados, poderão revelar, com maior precisão e
segurança, esses impactos. Esta tarefa, contudo, foge ao escopo deste trabalho.
Proposta:
Extinção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto sobre
Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), da contribuição para o Programa
de Integração Social (PIS), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da
Contribuição Social do Salário-Educação e da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (COFINS).
Instituição de um Imposto da Federação, sobre Circulação de Bens, Mercadorias e
Serviços (novo ICMS), com características de imposto sobre valor agregado, partilhado entre
a União, e os Estados, e entre estes e seus respectivos Municípios na forma de fundo de
participação, regulamentado pela União, arrecadado e fiscalizado pelos Estados.
Racionalização e simplificação das contribuições sociais, resultantes da limitação
da respectiva esfera de incidência, que passa a excluir o lucro, da admissibilidade de cobrança,
na forma de adicional, para contribuintes do Imposto sobre Circulação de Bens, Mercadorias
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 57
e sobre Prestações de Serviços e da não-cumulatividade nos casos em que, aplicáveis a não
contribuintes desse Imposto, recaírem sobre a receita ou sobre o faturamento.
Considerações:
Em substituição ao IPI, ICMS e contribuições sociais seria instituído o IVA (imposto
sobre o valor agregado, chamado também de novo ICMS), cuja alíquota deveria ser suficiente
para suportar a carga tributária dos impostos e contribuições extintos. Considerando que (i) a
alíquota desse novo tributo teria de ser maior do que a do atual ICMS e (ii) o setor paga hoje muito
pouco deste último, dadas as isenções concedidas, é possível levantar a hipótese de que haverá
uma elevação da tributação sobre a cadeia produtiva. Entretanto, se a carne for considerada um
item essencial (ver a seguir), com alíquota diferenciada, tal situação pode não ocorrer. Vale destacar
que uma tributação mais elevada, poderá estimular ainda mais a sonegação no setor, contribuindo
para alimentar a atual estrutura de competição desleal.
A inclusão das contribuições sociais no novo IVA pode prejudicar aqueles elos da cadeia
que atualmente contribuem menos para esse tributo, como é o caso dos pecuaristas (pessoa física)
que não estão sujeitos ao PIS e COFINS. Este poderá ser um ônus adicional para estes agentes,
quando estiverem sujeitos ao novo IVA.
Proposta:
IVA terá uma alíquota única, admitida por lei complementar a fixação de alíquotas
diferenciadas em função da essencialidade do produto. Em qualquer caso, a alíquota será
uniforme em todo o território nacional.
Considerações:
Se a carne bovina passar a ser considerada um produto essencial, no sentido de elevar a
qualidade da alimentação, o dispositivo acima pode permitir reduzir o ônus tributário da cadeia.
Proposta:
criação de órgão que, entre outras atribuições, poderá padronizar procedimentos e
fomentar a integração e cooperação entre as administrações tributárias estaduais e federal.
Considerações:
Dada as diferenças regionais no que diz respeito à capacidade de fiscalização e arrecadação,
a passividade de organismos fiscalizadores em alguns estados poderá ter o mesmo significado das
isenções hoje concedidas. Seria imprescindível que o novo órgão proposto acima tivesse não apenas
caráter regulatório, mas também fosse um fórum deliberatório no sentido de estabelecer sanções
contra as administrações que, propositalmente, mantivessem uma fiscalização ineficaz.
Proposta:
Possibilidade de delegar aos Estados a instituição do imposto sobre a propriedade
territorial rural.
58 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Considerações:
O ITR é um imposto que atinge uma ponta da cadeia produtiva. A possibilidade de
delegar a sua instituição aos estados abre um novo caminho para diferenças nas tributações e
retorno da guerra fiscal, o que pode prejudicar a eficiência na alocação de recursos no setor pecuário.
Proposta:
Substituição da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira por
Imposto sobre a Movimentação Financeira, dedutível de outros tributos ou contribuições
federais.
O ideal seria a extinção da CPMF, contudo, caso ela seja transformada em imposto
permanente, é fundamental para a cadeia que este imposto seja dedutível de outros tributos. A atual
CPMF é um imposto cumulativo que tende a onerar substancialmente cadeias produtivas que
possuem um número elevado de transações entre agentes, como a cadeia de carne bovina. A
possibilidade de dedução elimina esta distorção.
Desoneração das exportações e dos bens de capitais, sobre os quais deixam de incidir
tanto os tributos pagos em decorrência da circulação de bens e das prestações de serviços,
quanto as contribuições cobradas com base na receita ou no faturamento.
A desoneração das exportações, inclusive das contribuições sociais sobre o faturamento,
permitirá aumentar a competitividade da indústria frigorífica exportadora.
Transição gradual, pelo prazo total de 12 (doze) anos, entre o sistema tributário
atual e aquele introduzido pela emenda proposta, a fim de possibilitar a realização de ajustes
advindos de eventuais perdas de receita, bem como permitir, no caso do Imposto da Federação
sobre a Circulação de Bens, Mercadorias e sobre Prestações de Serviços, a migração para a
sistemática de tributação das vendas no local de destino.
Criação de um Fundo de Equalização constituído com recursos provenientes de
parcela da receita do Imposto da Federação sobre a Circulação de Bens, Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços, destinado à compensação de eventuais quedas da receita disponível
da União, dos Estados e do Distrito Federal, bem assim como a estimular o incremento da
eficiência da arrecadação das unidades federadas.
A distribuição de receita entre os Estados passará a ser feita com base no local de
destino dos bens e serviços. Como atualmente a distribuição da receita do ICMS obedece a
um critério misto de origem e destino, a proposta prevê um período de transição de um
regime para o outro, com duração de doze anos.
A proposta de transição gradual e criação de um Fundo de Equalização permite quebrar
a resistência de estados que sofrerão queda na arrecadação. Para a cadeia de carne bovina, essa
proposta pode ser de grande importância se a carne for considerada um produto essencial e tenha
forte redução de tributação. Nesse caso, os principais estados produtores podem sofrer perda de
receita. Contudo, deve-se considerar que os incentivos fiscais já concedidos ao setor reduziram
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 59
severamente a carga tributária real incidente sobre a cadeia. É necessário realizar uma análise mais
profunda a fim de testar a hipótese de que essas alterações não resultarão em redução do ônus
tributário da cadeia, dados os incentivos já concedidos.
Quanto à proposta de tributação no destino, é mais fácil prever que os estados que são
hoje exportadores líquidos seriam prejudicados.
Possibilidade de criação de mecanismos de compensação para os beneficiários de
incentivos fiscais concedidos por prazo certo que sejam extintos em função das mudanças
propostas.
A reforma altera parâmetros de decisão empresarial ao extinguir incentivos existentes. Um
projeto, cuja implantação foi baseada nos parâmetros pré-reforma, poderia ser prejudicado, pois
haveria alteração nas estimativas de rentabilidade. A proposta visa evitar maiores impactos sobre
estes projetos. Entretanto, no ambiente de “guerra fiscal” dos últimos anos, ocorreram medidas
defensivas por parte de alguns estados visando preservar a capacidade competitiva das empresas
domésticas. Em outras palavras, foram concedidos incentivos para as empresas locais com objetivo
de neutralizar benefícios obtidos por concorrentes que estavam sendo atraídos para outros estados.
Pela proposta atual, os benefícios concedidos a estes últimos poderão ser mantidos, mas não está
claro se os benefícios concedidos aos primeiros poderão ser sustentados quando o novo IVA
substituir os tributos anteriores. Esse é um ponto que poderá criar uma situação de conflito.
A proposta federal inclui ainda a extinção do ISS. Para compensar a perda do ISS
por parte dos municípios, será criado um IVV – Imposto de Vendas a Varejo, que incidiria
sobre a mesma base do IVA.
IVV incidirá cumulativamente ao IVA na comercialização a varejo dos produtos da cadeia.
Trata-se de mais um imposto sobre o consumo, altamente regressivo, pois onera os custos da
alimentação da básica, e não simplifica a administração do sistema tributário.
4.1.6. Alterações Recentes na Legislação Sanitária
Desde 1950, os produtos de origem animal têm sido objeto de regulamentação. Por meio da
Lei nº 1.283 e do Decreto nº 30.691, o Ministério da Agricultura passou a disponibilizar de
instrumentos para estabelecer normas, infrações, e penalidades a serem adotadas junto aos
estabelecimentos que operam com produtos de origem animal. Desde aquela época, o governo tem
interferido na classificação e padronização das carcaças de bovinos, bubalinos e suínos, assim
como em questões relativas a higiene, inspeção industrial e sanitária, e transporte do boi e da carne.
As transformações econômicas e sociais determinam constantes alterações nessa legislação. É
necessário adaptá-las aos novos padrões de consumo da população e às imposições de novas leis
ambientais. No Quadro 4.1.2 podem ser observadas algumas destas alterações.
60 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Quadro 4.1.2
Evolução Histórica da Regulamentação da Cadeia Bovina
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 61
Continuação
62 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
As medidas adotadas a partir das Portarias 304 e 145 tiveram como objetivo principal, “...
introduzir modificações racionais e progressivas para que se alcancem avanços em termos higiênicos,
sanitários e tecnológicos na distribuição e comercialização de carne bovina, bubalina e suína, visando
principalmente à saúde do consumidor” (Portaria 304). Além de procurar defender a saúde do
consumidor, as Portarias também tiveram, por princípio, a reorganização de toda a cadeia
agroindustrial da pecuária de corte no Brasil.
Esperava-se que a Portaria 304 contribuísse para combater o abate clandestino e a sonegação
fiscal. Entretanto, alguns problemas na sua elaboração e implantação fizeram com que a mesma não
lograsse o êxito esperado. Uma de suas limitações, estava no seu alcance limitado e no fato de se
concentrar nas principais cidades do País, onde o abate clandestino é considerado menor.
As medidas também deveriam dar condições para o início de uma uniformidade na tipificação
e classificação das carcaças. A Portaria 145 estabelece janeiro do ano 2000 como o prazo para a
implantação da Tipificação de Carcaças como referência para a remuneração dos animas no abate
(Portaria 145). Até o momento, grande parte da venda dos animais é feita com o boi em pé, sem
qualquer tipo de classificação ou acompanhamento, o que provoca na maioria das vezes perdas
para o produtor. Para isso a Portaria prevê a edição de um livro a ser elaborado pelas entidades de
representação das indústrias de carnes e varejistas. Até o momento, apesar da existência da portaria
de 1988 – Portaria SIPA nº 5, que institui a tipificação, muitos frigoríficos e pecuaristas ainda não
negociam os animais segundo as normas existentes.
As reações do setor às portarias representam os conflitos de interesses existentes. A principal
crítica vem por parte das Associações de Açougueiros que teme a extinção da profissão com a
obrigatoriedade da venda de carne já desossada e embalada. Para o presidente do Sindicato dos
Açougueiros Empregados por Estabelecimentos Comerciais e Industriais do Estado de São Paulo,
Roberto Ferreira, “...muitos açougues não têm condições de implementar as exigências sanitárias e
frigoríficas da Portaria 145 e passarão apenas a comercializar a carne desossada, demitindo os
açougueiros” (Folha do Paraná, 11/12/1998). Segundo esta visão, a imposição da medida liquidaria
os açougues, deixando a comercialização da carne nas mãos dos supermercados. Esta, entretanto,
não é uma opinião unânime no setor. Poderá haver maior especialização dos açougues e do
açougueiro, que passarão a preparar cortes especiais e realizar o atendimento personalizado desejado
pelo consumidor. Trata-se de uma mudança de estratégia para melhor se adaptar a um mercado
cada vez mais exigente. Nesse sentido, entende-se que o principal problema enfrentado pelos
açougues é o deslocamento dos consumidores para os supermercados, que muitas vezes são capazes
de oferecer maior variedade de opções de carne, além de praticarem preços mais competitivos em
função de trabalharem com volumes superiores de produtos6.
Outra conseqüência pode ser uma maior aproximação entre os agentes da cadeia,
principalmente entre frigoríficos, supermercados e açougues no sentido de se poder atender exigências
de qualidade nas carnes ofertadas.
6
Espera-se que desapareça, não a figura do açougueiro, mas o lombador, que faz o transporte das carcaças do caminhão – nem
sempre frigorificado – para os açougues.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 63
A dimensão geográfica do País e as diferenças culturais estabelecem problemas para aplicação
das Portarias 304 e 145, assim como apresentam uma certa flexibilidade com relação a determinados
artigos. Um exemplo da flexibilidade da Portaria 145 está na manutenção do osso em alguns cortes da
carne, como ocorre nos estados do Sul onde existe a tradição do consumo de carnes com osso, como
a costela e o dianteiro. Nesse caso, tanto o açougue como os supermercados poderão vender a carne
com osso desde que embalados, identificados e acondicionados em containers apropriados e
devidamente aprovados para a finalidade (Portaria nº 145). A comercialização da carne com osso
também continuará livre entre matadouros-frigoríficos que possuam SIF, assim como para
estabelecimentos com inspeção estadual ou mesmo municipal, desde que o varejista esteja habilitado
para realizar a desossa mediante um projeto que o transforme em entreposto com desossa aprovada.
Existe maior dificuldade para aplicação das Portarias nos Estados do Norte e Nordeste do
País. Em alguns Estados destas regiões, a fiscalização é pouco eficiente, seja no que diz respeito à
temperatura em que a carne é mantida seja quanto à identificação e procedência da mesma. Deve-
se considerar o caráter cultural, não só nas regiões Norte e Nordeste, de grande parte da população
consumidora que tem preferência pela carne com osso e pela carne “quente”7 . Nesse caso será
necessário um programa de conscientização da população sobre as qualidades da carne resfriada e
os problemas provocados pela carne quente. Porém, para isso será necessário uma maior
convergência entre governos e agentes privados da cadeia.
Existem, porém, alguns municípios do Nordeste que fogem à regra. O município de Jequié,
Bahia, foi o primeiro no Estado a cumprir inteiramente a Portaria 304 e, com isso, tornou-se apto a
implementar normas mais rígidas de controle sanitário, como a desossa dos cortes destinados à
estabelecimentos varejistas (Portaria 145). Para se adequar às exigências da Portaria 304, foram
implantadas barreiras nas entradas do município, por onde passa apenas carne com inspeção federal
ou estadual. Também existe um forte controle sobre o abate no frigorífico da cidade, o que garante
que toda a carne, inclusive de caprinos, ovinos e carne de sol, apresente qualidade que atenda às
exigências da Portaria. O frigorífico e os açougueiros tiveram apoio do Banco do Nordeste mediante
financiamento para modernização e adaptação dos estabelecimentos às novas regras. A prefeitura
municipal atua por meio da distribuição de cartilhas educativas e da criação de um número telefônico
para recebimento de denúncias. Com a permissão de entrada no município apenas de carne fiscalizada,
houve uma maior procura pela carne no frigorífico da cidade, que com isso viu sua capacidade ociosa
reduzir drasticamente. Como resultado, a arrecadação de ICMS aumentou (Diário Oficial da Bahia).
A venda interestadual da carne é realizada com muita freqüência. São Paulo, por exemplo,
recebe animais e carne dos Estados de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás. Nesse caso,
a carne com osso só poderá ser enviada de um estado para outro se os matadouros-frigoríficos,
ou entrepostos, possuírem registro no órgão de fiscalização. O frigorífico de origem irá editar um
documento contendo marca, certificado sanitário e nota fiscal, além da identificação da carne. O
entreposto, ou frigorífico que receber a carne no outro Estado, irá fazer a desossa respeitando a
Portaria, colocando a marca na carne, embalando e obedecendo a temperatura adequada.
7
Carne vendida sem passar pelo resfriamento. Por ter um aspecto mais vermelho, é preferida pela população em detrimento da
carne resfriada, de tonalidade mais clara.
64 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A negociação interestadual da carne poderá tornar-se bastante comum a partir da total
implantação da Portaria 145. Como grande parte da oferta de animais encontra-se nos Estados da
região Centro-Oeste do País, os grandes frigoríficos, que se encontram próximos ao consumidor
potencial das regiões Sul e Sudeste, irão adquirir a carne, com osso ou não, de frigoríficos localizados
nas regiões produtoras dos animais. Poderão, então, desossar, embalar ou processar a carne nas
suas plantas e enviar aos supermercados, açougues, comércio atacadista, ou mesmo exportar. Esta
é, na realidade, uma prática que já está se verificando.
No Rio Grande do Sul, Estado onde o processo de implantação da Portaria se encontra
bastante avançado, existe forte resistência quanto à aceitação da obrigatoriedade da desossa da
carne. Cortes com osso são utilizados na elaboração dos principais pratos da culinária gaúcha.
Segundo os sindicatos da indústria e do varejo, a implantação da Portaria beneficiaria os clandestinos
uma vez que a fiscalização seria mais intensa e rígida sobre as empresas regularmente instaladas.
O controle de qualidade nos frigoríficos tem também sido objeto de regulamentação. A Portaria
046 orienta a indústria frigorífica que está voltada para o comércio interestadual e/ou internacional na
implantação do Sistema de Prevenção e Controle, com base na Análise de Perigos e Pontos Críticos
de Controle, do inglês Hazard Analysis and Critical Control Points – HACCP (ver Quadro 5.1.3).
O Sistema é uma abordagem científica e sistemática para o controle de processo, elaborado para
prevenir a ocorrência de problemas, assegurando que os controles são aplicados em determinadas
etapas da produção de alimentos, em que possam ocorrer perigos ou situações críticas. Além de
assegurar melhor gerenciamento da qualidade do processo industrial, espera-se que a implantação do
HACCP torne mais eficaz o Serviço de Inspeção Federal, sem contudo substituí-lo.
Quadro 4.1.3
Sistema HACCP
É um sistema de análise que identifica perigos específicos e medidas preventivas para seu
controle, objetivando a segurança do alimento, e contempla para a aplicação, nas indústrias sob
SIF, também os aspectos de garantia da qualidade e integridade econômica.
Baseia-se na prevenção, eliminação ou redução dos perigos em todas as etapas da cadeia
produtiva. Constitui-se de sete princípios básicos, a saber: (1) identificação do perigo; (2)
identificação do ponto crítico; (3) estabelecimento do limite crítico; (4) monitorização; (5) ações
corretivas; (6) procedimentos de verificação; e (7) registros de resultados.
Os procedimentos e os compromissos a serem assumidos pela indústria de produtos de origem
animal devem ser descritos em um plano, por meio do programa de controle de qualidade dinâmico,
fundamentado nos princípios do Sistema HACCP. O plano será implantado após a apresentação da
documentação e aprovação pelo DIPOA. Após a aprovação e implantação do plano, o DIPOA
exercerá as prerrogativas que lhe conferem os textos legais pertinentes para realizar auditoria no
plano de cada estabelecimento. Somente o DIPOA poderá validar e realizar auditorias nos Planos
HACCP dos estabelecimentos que fazem comércio interestadual e internacional.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 65
Nos Estados Unidos, em 1996, o USDA publicou regulamentação requerendo que as
indústrias cárneas adotassem HACCP8. Considerando que esta é uma medida que tende a ser
adotada em vários países e que as regras do comércio internacional estabelecem a equivalência de
sistemas de inspeção, a aplicação de programas com base no Sistema de HACCP torna-se um
requisito de grande importância. Sua implantação passa a ser imprescindível para atendimento das
exigências internacionais.
Historicamente, a exigência de padrões internacionais de qualidade tem forçado o setor a
modernizar-se sob pena de ser excluído do mercado mediante imposição de barreiras sanitárias.
No momento em que o problema da febre aftosa está sendo vencido e mais uma barreira está
sendo derrubada, uma outra está sendo erguida: a rastreabilidade do produto. Após a crise da
“vaca louca” na Europa, há uma preocupação no sentido de serem criados mecanismos mais efetivos
de controle sanitário em toda a cadeia produtiva, bem como em recuperar a confiança do consumidor
em relação à carne bovina. Várias redes de supermercados estão estabelecendo alianças com seus
fornecedores e oferecendo o máximo de informações possíveis sobre a carne vendida. Isso implica
em rastrear o produto desde o nascimento do bezerro até a gôndola dos varejistas, a fim de que
todas as informações pertinentes à qualidade carne (data de nascimento, sexo, raça, tratamentos,
alimentação, etc.) estejam disponíveis para o consumidor final. A França adota a rastreabilidade
desde a década de 60 e, por isso, foi um dos primeiros países a exigir idêntico procedimento dos
seus parceiros comerciais. A partir do ano 2000, toda a carne exportada para a Comunidade
Econômica Européia deverá ser rastreada.
Diante do novo desafio, o Ministério da Agricultura e Abastecimento aproximou-se do setor
privado com objetivo de elaborar uma proposta de implantação da rastreabilidade. Sua prática no
País está restrita às experiências de formação de alianças mercadológicas e à produção de novilho
precoce. Destacam-se a proposta do PNFC de implantação do Sistema de Informação do Novilho
Precoce, o programa de rastreabilidade da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul e a
rastreabilidade realizada pelo FUNDEPEC – SP por meio de sua aliança mercadológica. A partir
dessas experiências, está sendo proposto um Programa Nacional de Identificação de Registro de
bovinos, que deverá evoluir para uma proposta concreta a ser estabelecida por meio de nova
portaria governamental.
4.1.7. Inspeção e Fiscalização
Em 1950, foi consolidada a legislação sanitária no Brasil com a instituição do RIISPOA –
Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Ver Quadro 4.1.1).
O Brasil estava reingressando no mercado internacional de carne bovina e era necessário atender
às exigências sanitárias dos importadores. A implantação da nova legislação forçou a modernização
de vários frigoríficos.
8
Segundo Crutchfield et alli (1997), a redução de patogênicos resultante da implantação do HACCP nos EUA reduz custos (com
tratamentos médicos, perda de produtividade no trabalho, mortes prematuras, etc.) para a sociedade. Para um período de vinte
anos, espera-se uma economia de custos estimada entre um mínimo de US$ 1.9 bilhões e um máximo de US$ 171.8 bilhões. Estes
benefícios superam os custos do HACCP em valor que varia de US$ 1.1 a US$ 1.3 bilhões em vinte anos. (Crutchfield, 1997).
66 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Em 1971, foi criada a Lei de Federalização da inspeção (Lei 5.760), por meio da qual toda
a inspeção passaria a ser federal. Naquele momento a indústria organizada operava com 60% de
ociosidade. Objetivava-se afastar (fechar) o parque industrial que não atendia os requisitos mínimos
da legislação sanitária (matadouros municipais, clandestinos, etc.) e expandir a indústria sob o
Serviço Federal de Inspeção (SIF). A federalização foi progressiva, atingindo 9 a 10 estados. As
normas impostas disciplinavam todos os aspectos técnicos dos frigoríficos implantados ou em reforma.
O SIF fez mais do que inspeção, pois desenvolveu um trabalho de planejamento, difusão de tecnologia
e avaliação econômica.
Durante o período em que esteve vigente a federalização do abate, foram realizadas muitas
interdições, o que levou muitos estudiosos da área a concluir que uma política como aquela só seria
possível devido ao regime militar vigente na época. O fim da federalização iniciou-se no Governo
Geisel, quando inicia-se o processo de abertura política do País. Houve movimento de pressão
contra o fechamento dos matadouros e empresas que não se ajustaram às novas regras. O lobby
do setor levou-os à modificação da lei em 1976, permitindo que estados e municípios participassem
da inspeção. Em 1989, a inspeção passou definitivamente a ser também uma tarefa de estados e
municípios: o SIF se encarregaria dos estabelecimentos que comercializassem carne entre estados
e com o exterior, os serviços de inspeção estaduais (SIE) seriam responsáveis por estabelecimentos
que comercializassem dentro do respectivo estado e os serviços de inspeção municipais (SIM)
pelos estabelecimentos responsáveis pela carne comercializada dentro do município.
Atualmente, a falta de pessoal habilitado e credenciado (pelo Ministério, Secretarias Estaduais
e Municipais) para inspecionar os abates e fiscalizar a comercialização de carnes no varejo é um
dos principais problemas da cadeia. O Ministério da Agricultura não tem recursos para implementar
muitas de suas tarefas nesse campo, tendo recentemente cancelado um concurso para contratação
de 250 novos fiscais (Cardoso, 1998).
Admite-se que a indústria nacional, com a desativação e paralisação de vários frigoríficos de
melhor categoria técnica do País e o surgimento de outras unidades de menor porte e de padrão
inferior, perdeu muito em qualidade. Mesmos alguns estabelecimentos sob inspeção federal, que
em geral são mais bem fiscalizados, apresentam baixa qualificação técnica e higiênica, em face da
precariedade das instalações, falta de dependências como câmaras frias e de anexos para o
aproveitamento econômico dos subprodutos, bem como do tratamento de águas residuárias,
indispensáveis à preservação do meio ambiente.
Os abatedouros municipais, na sua maioria, possuem instalações deficientes sob todos os
aspectos, abatendo poucos animais (a maioria de descarte) nas piores condições higiênico-sanitárias
possíveis. Apresentam-se como um risco para a saúde pública, tal como o abate clandestino. Fazem,
no conjunto com abates vinculados aos Serviços Estaduais e ao clandestino, uma matança altamente
expressiva no cômputo nacional (Picchi, 1999).
O que se observa de fato é um avanço da legislação sanitária muito à frente da capacidade
de fiscalização/inspeção. A mudança da legislação federal transferiu aos estados e municípios um
conjunto de responsabilidades que estes não estão encontrando condições de atender. Em alguns
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 67
estados, notadamente no Norte e Nordeste, nem mesmo a legislação sanitária encontra-se plenamente
regulamentada. Para fazer frente às deficiências de pessoal, tem-se utilizado um recurso que está se
tornando comum e aceito pelos órgãos estaduais e municipais de inspeção: os próprios frigoríficos
estão assumindo a responsabilidade pelo pagamento dos salários dos médicos veterinários que
desempenham a atividade fiscalizadora. Trata-se de expediente que limita a necessária independência
e autonomia de um profissional que atua como agente do poder público.
Outro recurso usado na área de inspeção é o estabelecimento de convênios com prefeituras
para a disponibilização de médicos veterinários para as tarefas de inspeção municipal e estadual9.
Entretanto, os baixos salários têm inibido essa prática, notadamente em áreas mais afastadas dos
grandes centros, onde mesmo os profissionais recém-formados não vêem atratividade nessas
oportunidades de emprego.
Dada a situação caótica da fiscalização/inspeção e a incapacidade das três instâncias de
governo de responderem efetivamente pelas funções que a lei lhe atribuiu, tem sido aceito pelo
setor a criação de instituições independentes (FUNDEPECs, FEFA – Fundo de Erradicação da
Febre Aftosa, institutos e/ou agências executivas), geridas e financiadas com a participação de
representantes da cadeia produtiva. Faz-se urgente e necessário reavaliar os modelos de inspeção
existentes. Implantação de novos instrumentos de controle de qualidade (rastreabilidade e HACCP),
aumenta o custo do sistema e incentiva a clandestinidade, o que torna imperativo o seu combate. A
clandestinidade não existe em função simplesmente dos impostos, como querem fazer crer muitas
vozes empresariais. Os impostos podem chegar a zero e ainda assim haverão tentativas de eliminar
os custos com a saúde pública, o que implica exercício de polícia por parte dos órgãos de fiscalização/
inspeção e de cidadania (conscientização da população).
4.1.8. Impactos Econômicos e Perspectivas da Erradicação da Febre Aftosa
Com a desvalorização do Real no início de janeiro de 1999, as exportações dos produtos
brasileiros, aí incluído o setor de carnes, ganharam novo impulso para competir no mercado
internacional. Porém no caso da carne bovina in natura, e em menor grau da carne suína, um forte
obstáculo impede que o país conquiste uma fatia maior do mercado, a exemplo do que vem
ocorrendo com a Argentina nos últimos anos. Trata-se da febre aftosa que, apesar de não afetar os
seres humanos, é motivo suficiente para que muitos países estabeleçam uma barreira sanitária contra
a carne brasileira10 .
9
Existe, por exemplo, convênio entre o SIF e o Fundepec (SP) para o treinamento de mais de 2.000 veterinários, que em 1999 vão
ajudar na fiscalização e fechamento de abatedouros municipais irregulares e sem condições de funcionamento. O objetivo é iniciar
essa ação em São Paulo e, posteriormente, estendê-la para todo o País. (Entrevista do Doutor Ícaro Damásio Alves, chefe do SIPA/
DFA/SP. Revista Nacional da Carne, dez. 1998)
10
“A febre aftosa é conhecida nas Américas desde 1870.... Nas décadas de 1960 e 1970, os países da América do Sul definiram
programas de controle da enfermidade. A doença é altamente contagiosa e ataca animais de casco aberto. ... Os sintomas são febre,
tristeza, salivação abundante, pêlos arrepiados, dificuldade de alimentação, mortalidade de terneiros e diminuição na produção de
leite. ... A transmissão ocorre por contato com reses, produtos, animais ou objetos infectados. Os novilhos portadores perdem de
12% a 24% de peso e levam de 78 a 125 dias para se recuperarem, as mortes chegam a 1%”. Do Pasto para o prato, todo o cuidado
é pouco. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 29 maio 1998.
68 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
O Quadro 4.1.4 demonstra a trajetória dos estados brasileiros na tentativa de erradicação da
doença, desde que a mesma foi identificada pela primeira vez. No Brasil, apenas o Rio Grande do Sul
e Santa Catarina possuem o certificado de zona livre de febre aftosa com vacinação11. Por estarem a
mais de dois anos sem notificação de focos da doença, os dois Estados impetraram junto a Organização
Internacional de Epizootia (OIE), órgão da ONU para sanidade animal, pedido para reconhecimento
como zonas livres de febre aftosa com vacinação, tendo sido aceito em maio de 1998.
Quadro 4 .1.4
História da Erradicação da Febre Aftosa no Brasil
· 1870: O vírus da aftosa entra na América do Sul com a importação de bovinos da Europa, onde a doença era
conhecida desde 1546.
· 1919: Começa no Brasil o combate à doença de forma organizada por meio da implantação do Código de
Política Sanitária.
· 1951: É implementado um programa nacional de combate à doença, sem resultados satisfatórios por carência
de recursos financeiros e humanos e de uma vacina eficiente.
· 1963: O governo brasileiro institui a campanha contra a febre aftosa.
· 1965: É implantado o Programa de Combate à Febre Aftosa (RS, SC, PR, SP, MG, BA, ES, MT, GO, TJ e SE).
· 1968: O Banco Interamericano de Desenvolvimento financia o Projeto Nacional de Combate à Febre Aftosa.
· 1987: É instalado o Projeto de Combate das Doenças dos Animais. Criado o Convênio de Cooperação Técnica
Internacional entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
· 1992: As ações meramente de controle foram substituídas por medidas restritivas.
· 1993: O último foco de aftosa é registrado no Rio Grande do Sul.
· 1995: É criado o Comitê Nacional de Saúde Animal.
· 1995 (maio): O último foco de aftosa é registrado no Paraná.
· 1995 (agosto): O último foco de aftosa é registrado em Goiás.
· 1996 (janeiro) : O último foco de aftosa é registrado no Mato Grosso.
· 1996 (março) : O último foco de aftosa é registrado em São Paulo.
· 1996 (maio) : O último foco de aftosa é registrado em Minas Gerais.
· 1997: A Organização Internacional de Epizootias recebe relatório sobre sanidade dos rebanhos gaúcho e
catarinense.
· 1998 (março) : Detectado foco de febre aftosa no Município de Porto Murtinho (MS), depois de 4 anos sem
focos no Estado.
· 1998 (27 de maio) : Representantes de 151 países na OIE concedem o título de zona livre de aftosa com
vacinação ao Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
· 1999: O Centro-Oeste brasileiro começa a luta para também ganhar o reconhecimento. Rio Grande do Sul e
Santa Catarina dão o pontapé para conseguir o título como zona livre de aftosa sem vacinação.
· 1999 (janeiro): Detectado novo foco de febre aftosa no Estado do Mato Grosso do Sul, levando o Estado a ser
retirado do Circuito Pecuário Centro-Oeste que inicia processo de sorologia para conseguir título de zona livre
de febre aftosa com vacinação.
11
Segundo o Capítulo 2.1.1 do Código Zoosanitário Internacional, a definição e os critérios para a classificação de cada região são:
país livre de febre aftosa onde não há prática de vacinação; país livre de febre aftosa onde há prática de vacinação; zona livre de
febre aftosa onde não há prática de vacinação; zona livre de febre aftosa onde há prática de vacinação; (Organização Internacional
de Epizootias (OIE)).
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 69
Com isso, esses dois Estados passaram a ser, junto com a Argentina e o Paraguai, as únicas
áreas livres de febre aftosa com vacinação da América do Sul12 . Esse certificado serve como um
selo de qualidade para os criadores desses estados e deveria, conseqüentemente, abrir as portas
para importantes mercados consumidores como a Europa, os Estados Unidos e, principalmente, a
Ásia, onde o consumo da carne bovina vem registrando os maiores índices de crescimento. Porém,
mesmo com o certificado completando mais de um ano, tanto Santa Catarina como o Rio Grande
do Sul apresentam problemas para incrementar suas exportações e tirar melhor proveito do
certificado.
O primeiro problema enfrentado decorre da falta de matéria-prima. Para obter o certificado,
os dois Estados tiveram suas fronteiras fechadas para a entrada de animais e carne com osso
procedente de outros Estados. Porém, a oferta existente internamente não tem sido suficiente para
atender nem mesmo a demanda local. O segundo problema que impede um crescimento das
exportações desses dois Estados é que, potenciais países importadores da Ásia, só aceitam o
certificado de área ou país livre da febre aftosa sem vacinação. A curto prazo, o efeito do certificado
é menor do que as expectativas iniciais. Esse problema é agravado pelas medidas adotadas pelos
Estados Unidos, que utilizam a febre aftosa como uma barreira não tarifária e não apresentam
nenhuma expectativa para reconhecer apenas alguns estados como áreas livres. Isso pode ocorrer
até mesmo em função de que, com a certificação dos rebanhos do circuito pecuário Centro-Oeste,
o volume de oferta de carne no mercado internacional tende a se elevar consideravelmente,
pressionando ainda mais os seus preços. Os países asiáticos tendem a seguir as decisões norte-
americanas.
As expectativas eram grandes, uma vez que a Argentina e o Uruguai, que possuem o certificado
desde 1997, registraram forte crescimento nos seus embarques, a ponto da Argentina ter que
importar carne da Austrália e da Nova Zelândia para poder cumprir os contratos já fechados. Com
isso, os dois Estados sulinos teriam condições, caso houvesse oferta, de abastecer a Argentina ou
os países com as quais a mesma mantém relacionamentos comerciais. Na verdade, o sucesso dos
argentinos e uruguaios deve ser atribuído, em grande medida, à sua maior agressividade em termos
de marketing. São as associações e sindicatos das empresas – e não como no Brasil, onde cada
indústria necessita buscar seus compradores – que realizam esta tarefa. No Uruguai, as empresas
possuem apoio governamental por meio do Instituto Nacional de Carnes (INAC), que ativamente
divulga e promove a carne no exterior. Na Argentina, o governo promoveu jantares a base de carne
argentina e espalhou lobistas por todo o território norte-americano divulgando o produto (Zero
Hora, 21/05/1999).
O Rio Grande do Sul e Santa Catarina esperam entrar com pedido do certificado de zona
livre de febre aftosa sem vacinação no final de ano 2.000 ou em 2.001. Para isso, estão fechando
cada vez mais o seu território para a entrada de carne de outros estados. Para entrar, a carne com
osso e os animais têm que ter a Guia de Transporte de Animais (GTA), na qual há informações
12
Segundo o Boletim da OIE, na América do Sul, os países livres da doença sem vacinação são: o Chile, a Guiana, o Suriname, a
Guiana Francesa e mais recentemente o Uruguai. (Organização Internacional de Epizootias (OIE)).
70 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
sobre a identificação dos animais, a rota do caminhoneiro, os postos de fiscalização e os exames
feitos nos animais. Em Santa Catarina, por exemplo, no caso de um caminhão encontrar-se em uma
rota diferente da estabelecida na GTA, os animais são confiscados e abatidos, sem nenhum tipo de
compensação.
Se o Rio Grande do Sul e Santa Catarina já se preparam para pedir o certificado de área
livre de febre aftosa sem vacinação, os Estados que fazem parte do chamado Circuito Pecuário
Centro-Oeste (ver mapa 4.1.1) se preparam para iniciar o processo de pedido do certificado de
zonas livres de febre aftosa com vacinação. A exceção do Mato Grosso do Sul, que registrou dois
focos nos últimos dois anos, os demais Estados do Circuito – São Paulo, Goiás, Paraná, Mato
Grosso, Distrito Federal e Minas Gerais – iniciaram em julho de 1998 o processo de realização do
inquérito sorológico do rebanho. Este último constitui primeiro passo para a obtenção do certificado
que poderá ser obtido na reunião anual da OIE em maio de 2000.
Mapa 4.1.1
Programa de Erradicação da Febre Aftosa – Regionalização com base nos
circuitos pecuários
Em função do aparecimento de um novo foco de febre aftosa no Mato Grosso do Sul, mais
precisamente na Região de Naviraí, em janeiro de 1999, o Estado – detentor do maior rebanho
brasileiro de gado de corte, com cerca de 22 milhões de cabeças – teve o seu processo de
transformação em área livre de febre aftosa atrasado e foi excluído do Circuito Pecuário Centro-
Oeste13. Os animais devem passar por uma quarentena antes que possam ser comercializados com
13
A princípio, as primeiras notícias eram de que os animais das duas fazendas onde foi detectado o foco não haviam sido vacinados,
porém não se descartou a hipótese de que os animais, a exemplo de Porto Murtinho, tenham vindo clandestinamente do Paraguai,
uma vez que é de conhecimento geral que muitos pecuaristas possuem fazendas naquele país; onde promovem a recria para,
posteriormente, trazerem os animais para o Brasil para a engorda ou terminação. (JOSE, 1998).
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 71
os demais estados do Circuito, bem como o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nesse período,
os animais terão de passar por dois exames sorológicos, no período de 30 dias, garantindo a
ausência de atividade viral, e serem imediatamente encaminhados para os frigoríficos onde será
feito o abate. Mesmo animais abatidos no próprio estado, só podem entrar no Circuito se os cortes
estiverem desossados, uma vez que o osso é um dos agentes transmissores do vírus da febre aftosa.
Os demais Estados do Circuito Pecuário Centro-Oeste não apresentam foco da doença
desde maio de 1996 (Tabela 4.1.2). Com o início do processo de realização do inquérito sorológico
em agosto de 1999, existem grandes chances desses Estados serem também considerados zonas
livres de febre aftosa.
Tabela 4.1.2
Focos de Febre Aftosa no Circuito Pecuário Centro-Oeste entre 1992/1998
– Em número de casos –
72 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Grosso pelo Instituto de Defesa Agropecuária (INDEA), o fundo é formado por órgãos do governo
como o INDEA, e a Delegacia Federal da Agricultura e por órgãos privados como o Sindicato das
Empresas Leiloeiras, Federação da Agricultura do Estado e o Sindicato dos Frigoríficos. Apesar
da coordenação e execução do programa de erradicação da febre aftosa serem feitos pelo governo,
o presidente do FEFA nunca poderá ser ligado a uma das instituições públicas que formam o fundo.
Outros estados já começam a se espelhar nos programas de São Paulo e Mato Grosso para
a formação de fundos e programas para a erradicação e controle da febre aftosa. Entre esses
estados, merecem destaque o Pará, que possui o maior rebanho bovino do Norte do país, a Bahia
e o Mato Grosso do Sul. Em Pernambuco, foi criado o programa de agentes municipais de
desenvolvimento rural, em que a comunidade indica indivíduos para serem os agentes. Esses agentes
são financiados pelo PRONAF e são treinados para dar assistência a um determinado número de
propriedades, inclusive vacinando o rebanho.
Com relação aos Estados do Circuito Leste, apesar da grande redução no número de focos,
o que sinalizaria um caminho em direção a erradicação da febre aftosa, existem alguns problemas
de ordem estrutural como postos de fiscalização, legislação específica sobre o “rifle sanitário”14 e
pessoal, o que vem atrasando o andamento do processo nessa região.
Além dos Circuitos Centro-Oeste e Leste, ainda travam uma dura batalha contra o vírus da
febre aftosa os Circuitos Nordeste e Norte. Nesses existem vários problemas, como o insuficiente
número de escritórios e sua má distribuição, além da falta de veículos e principalmente de mão-de-
obra especializada para acompanhamento e detecção da doença. Na maioria dos estados desses
dois circuitos, parece haver um consenso de que grande parte dos problemas de sanidade dos
rebanhos está na falta de conscientização dos próprios produtores para a importância da vacinação.
Esses fatores dificultam o trabalho no sentido da erradicação da doença, e transforma toda a região
em “reserva do vírus”.
O comportamento epidemiológico da doença oferece uma vantagem para o seu controle. As
maiores fontes de disseminação da doença são as chamadas áreas endêmicas primárias, onde
normalmente predomina o sistema de cria. Como os bezerros são vendidos para recria e engorda
em outros locais, funcionam como disseminadores da doença (DBO Anuário Pecuária de Corte
1998). Áreas endêmicas primárias já foram identificados em oito Estados do País: RS, MS, SP,
MG, GO, MT, ES e BA. O Circuito Nordeste é importador de animais, abastecendo-se
principalmente em núcleos em que a aftosa já está sob controle (MG, GO, ES). O problema maior
seria a consecução de um controle mais rígido em áreas da BA e do TO (Estado que ainda não foi
devidamente caracterizado).
14
“Esse tipo de procedimento, ainda não praticado nos Circuitos Norte e Nordeste por falta de recursos, é rotina no Centro-Oeste,
Leste e Sul. O Ministério da Agricultura está aconselhando os Estados que caminham para a erradicação da doença (com ausência
de casos há mais de dois anos), a elaborarem legislações próprias, instituindo o chamado “rifle sanitário” e a criação de fundos
especiais para viabilizar essa medida. Em caso de foco, todo o rebanho seria sacrificado e seu proprietário indenizado.... O
Ministério da Agricultura já tentou criar uma legislação federal nesse sentido, mas depende de aprovação legislativa. Um projeto
de lei incluindo a aftosa entre as doenças passíveis de sacrifício, em caso de detecção de focos em áreas livres, está tramitando no
Congresso a quatro anos, sem que seja incluído na pauta de votação. Ante essa demora, a saída seria realmente partir para legislações
estaduais, especialmente nos Estados que desejam pleitear o status de zona livre de aftosa com vacinação, pois eles teriam grandes
prejuízos com a reintrodução da doença em seu território (DBO – Anuário Pecuária de Corte 1998).”
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 73
Apesar do novo foco no Mato Grosso do Sul e dos problemas enfrentados nos Circuitos
Norte e Nordeste, o Ministério da Agricultura ainda trabalha com o ano de 2.007 como prazo para
a erradicação da febre aftosa em todo o território brasileiro, dois anos antes do previsto para a
erradicação em toda a América Latina.
4.1.9. Proposta de Criação de Agências Executivas de Defesa Agropecuária
Em 1996 foi criado o Programa de Reorientação Institucional do Ministério da Agricultura –
PRIMA com objetivo de reformular o MAA a partir da visão de cadeias produtivas e adequá-lo
aos novos padrões de concorrência a que o setor produtivo encontra-se submetido. Dentro desse
programa, articulou-se com o Ministério da Administração e da Reforma do Estado a transformação
da Secretaria de Defesa Agropecuária em Agência Executiva, uma nova autarquia com maior grau
de autonomia, conforme exposto a seguir.
O Projeto Agências Executivas do MARE não institui uma nova figura jurídica na administração
pública. Trata-se de uma qualificação a ser conferida por decreto presidencial a autarquias ou
fundações já existentes. Uma autarquia ou fundação, por exemplo, tem duração indeterminada,
mas sua qualificação como Agência Executiva depende da vigência de um contrato de gestão a ser
estabelecido com seu Ministério supervisor. A não-prorrogação de um contrato de gestão desqualifica
a autarquia ou fundação como Agência Executiva, com a conseqüente perda das autonomias
conferidas nas áreas de orçamento e finanças, gestão de recursos humanos e serviços gerais, e
contratação de bens e serviços.
Uma instituição, para ser qualificada como Agência Executiva, deve apresentar um plano
estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional. No contrato de gestão, são estabelecidos
objetivos estratégicos e metas, preferencialmente quantificáveis, a serem atingidos em determinado
período de tempo. Devem ser também construídos indicadores de desempenho – um número ou
percentual, que servirá para medir o grau de atingimento de um objetivo e/ou meta. Os indicadores
permitiriam avaliar o desempenho da Agência na consecução dos compromissos pactuados.
A Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura e Abastecimento tem
coordenado esforços no sentido de se reestruturar, conforme estabelecido no Plano de
Desenvolvimento da Nova Política Nacional de Defesa Agropecuária. Com isso pretende-se, por
um lado, estabelecer novos parâmetros de funcionamento e métodos de trabalho que melhorem o
Sistema de Segurança, Proteção e Defesa Agropecuária e, por outro lado, transformar o órgão em
autarquia e habilitá-lo à qualificação de Agência Executiva.
“De uma maneira resumida, essa nova política deverá permitir:
Uma maior competitividade do setor agroprodutivo do país;
Um maior controle sanitário e fitosanitário dos produtos, serviços e insumos
agropecuários;
A criação de benefícios ao consumidor nacional, aos clientes e aos agentes
econômicos do sistema, permitindo o exercício do poder de fiscalização e proteção ao cidadão
e ao agronegócio nacional com efetividade.
74 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
A estrutura de funcionamento e os métodos de trabalho do novo Sistema deverão atender
aos seguintes objetivos básicos:
Dar conformidade internacional aos agroprodutos brasileiros;
Melhorar a qualidade da agricultura;
Diminuir os riscos do intercâmbio comercial brasileiro;
Abrir novos mercados;
Reduzir a parcela do ‘Custo Brasil’ de responsabilidade do atual modelo de Defesa
Agropecuária;
Adequar as ofertas de serviços às demandas reais e
Melhorar a qualidade dos serviços prestados”.
(Plano de Desenvolvimento da Nova Política Nacional de Defesa Agropecuária, PNDA,
Projeto e Termo de Referência – VF 01/97, dezembro de 1997).
A Agência Nacional de Defesa Agropecuária a ser criada seria supervisionada pelo Ministério
da Agricultura e Abastecimento, que teria o contrato de gestão como instrumento fundamental de
controle. Nesse sentido, tornar-se-ia fundamental fortalecer sua capacidade supervisora a fim de
que ele exerça um acompanhamento e uma avaliação efetiva do desempenho da Agência. De
acordo com o Projeto Agências Executivas do MARE
“... a avaliação oficial de desempenho da instituição deverá ser efetuada por um comitê
de avaliação, no qual estarão representados o Ministério supervisor, o MARE, como gestor
do Projeto Agências Executivas, o sistema de controle interno do Governo Federal, podendo
ainda estarem representados os usuários/clientes e outras instituições, governamentais ou
não, que, de alguma forma, impactem ou sejam impactadas pela atuação da agência (Plano
Diretor de Reforma da Política Nacional de Defesa Agropecuária, sumário executivo, Brasília, DF,
julho 1998)”.
De acordo ainda com a proposta do MARE, o acompanhamento e avaliação das Agências
Executivas devem ser realizados também pela sociedade e para tanto é necessário implementar
mecanismos que garantam o fluxo de informações entre a instituição e a sociedade. Todos os
documentos – contrato de gestão, relatórios de desempenho, decisões, etc. – devem ser tornados
públicos, por meio do Diário Oficial da União e outros meios de comunicação, inclusive a internet.
As instituições deverão buscar mecanismos de comunicação com seus clientes e usuários.
O Contrato de Gestão deve conter também as condições de sua revisão, suspensão e rescisão
no caso de não-atendimento das metas estabelecidas; além da definição de responsáveis e de
conseqüências decorrentes do descumprimento dos compromissos pactuados.
Em alguns estados, o processo de criação de uma agência de defesa agropecuária já avançou
além do estágio que ainda se encontra a agência federal do MAA. Este é o caso, por exemplo, da
criação da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), na qual estabeleceu-se
nos seguintes moldes:
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 75
“... autarquia sob regime especial, com personalidade jurídica de direito público,
autonomia administrativa e financeira, patrimônio próprio, vinculada à Secretaria da
Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária.
A administração da ADAB será objeto de Contrato de Gestão celebrado entre a Diretoria
e a Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária, no prazo máximo de 90 (noventa)
dias após a nomeação do Diretor Geral (Lei Estadual Número 7439 de 18 de janeiro de 1999) ’’.
Já em funcionamento, a ADAB deverá realizar concursos para a contratação de mais técnicos
para exercício das atividades de fiscalização. Deve-se destacar que o nível de organização e
confluência de interesses dos agentes da cadeia no Estado da Bahia contribuiu para que esse
processo avançasse.
Na verdade, no MAA discute-se o estímulo à criação de agências estaduais, as quais deverão
firmar contratos de gestão com o Ministério. As fontes de recursos para financiar suas operações
poderiam ser as seguintes: dotações orçamentárias, empréstimos do Banco Interamericano de
Reconstrução e Desenvolvimento e cobrança de taxas (para certificação de origem, para análises
laboratoriais, para habilitar profissionais no sistema, etc.), receitas provenientes da aplicação de
multas, etc. Encontra-se em discussão a possibilidade de se criar uma taxa, a ser cobrada por
animal abatido, para financiar as operações de inspeção. A experiência do FUNDEPEC (SP)
revelou que este expediente não é muito eficiente em termos de arrecadação, sendo grande a
inadimplência. A cobrança de uma taxa sobre as emissões de GTAs (Guia de Trânsito de Animais)
tem-se revelado um mecanismo mais bem sucedido (em Minas Gerais pelo IMA (Instituto Mineiro
de Agropecuária) e em São Paulo pelo FUNDEPEC, por exemplo).
A criação das agências de defesa agropecuária, federal ou estaduais, suscita um conjunto de
questões. Em primeiro lugar, caberia analisar o caminho a ser tomado no processo de reestruturação
do antigo sistema, notoriamente falido no âmbito da maioria dos governos estaduais e municipais e
com reputação abalada no âmbito do governo federal com a crise do SIF. Muitos argumentam em
favor da federalização, pautados pelo seu sucesso vis a vis a incapacidade demonstrada pelos
estados e municípios de exercerem suas funções. Mesmo em alguns países desenvolvidos, onde as
instâncias locais de administração pública dispõem de mais recursos, não se acredita na eficiência
da descentralização, sendo federal o sistema de inspeção (por exemplo nos EUA, Austrália e Nova
Zelândia). Esse parece ser um caminho politicamente difícil no Brasil e vai de encontro a todo
processo de criação das Agências e de descentralização administrativa já desencadeado pelo MARE.
Trata-se de uma discussão polêmica que foge ao escopo deste trabalho.
Considerando o avanço já alcançado no processo de criação das agências, a dificuldade
política e legal de se reverter em favor da federalização e a situação caótica da fiscalização e dos
serviços de inspeção, especialmente os estaduais e municipais, a melhor opção é adotar uma postura
pragmática, ou seja, propor ações no sentido de garantir o efetivo controle das agências por parte
da sociedade. Esta é, na verdade, uma possibilidade que o sistema atual não oferece efetivamente.
Conforme visto acima, cabe à agência formular metas e estabelecer indicadores de
desempenho, sendo sua avaliação realizada por meio da comparação dos resultados alcançados
76 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
com o desempenho pretendido. O acompanhamento e avaliação passam a ser elementos fundamentais
para que a agência desempenhe o papel para a qual foi criada. Nesse sentido, três ações são
necessárias. Em primeiro lugar, é imperativo fortalecer a capacidade supervisora do órgão a qual
ela está subordinada. Isso significa que o Ministério e as Secretarias Estaduais devem estar preparados
tecnicamente para exercer as funções de formulação e avaliação de diretrizes e políticas de defesa
agropecuária. Em segundo lugar, é preciso garantir a efetiva representatividade dos agentes da
cadeia produtiva, inclusive consumidores, nas decisões que dizem respeito à formulação e
acompanhamento dos objetivos e metas das agências executivas. Um dos elementos mais importantes
deve ser a criação de canais de participação dos usuários/clientes. Em terceiro lugar, a divulgação
de metas e indicadores de desempenho deve ser ampla o suficiente para alcançar toda a população
que, em última instância, é a financiadora e beneficiária do novo sistema. Todas as organizações
envolvidas, governamentais e não-governamentais, (associações e sindicatos da cadeia produtivas,
associações de consumidores, Procon, outros órgão relacionados com a saúde pública, imprensa,
etc.) deveriam ser sensibilizadas no sentido de exercer funções fiscalizadoras, de formação e
orientação da opinião pública e de denúncia em caso de desvio dos interesses públicos.
Um ponto polêmico na proposta de criação das agências é a autonomia na obtenção de
novas fontes de financiamento para as operações de defesa sanitária. Abre-se caminho para que os
próprios agentes da cadeia passem a ser responsáveis pela manutenção do sistema. Três questões
aparecem com relevância quando se trata desse tema. A primeira, refere-se ao fato de que os
mecanismos de financiamento não devem afetar o papel fiscalizador da agência. Isso exige a
eliminação de mecanismos como os que têm sido efetivados em alguns estados onde, por exemplo,
o frigorífico paga o salário do veterinário responsável pela inspeção oficial. Nesse sentido, o
fortalecimento do controle social sobre a agência, conforme apresentado no parágrafo anterior é de
fundamental importância. Segundo, a criação de novas formas de arrecadação tende a aumentar o
custo da cadeia. Em princípio, esses custos poderiam ser absorvidos pelo aumento da eficiência da
cadeia, na medida em que as ações da própria agência contribuam para isso. Alternativamente,
pode esse custo adicional servir de argumento para as negociações visando a eliminação de impostos
(ICMS) da cadeia produtiva. Terceiro, a agência, ao estabelecer novas fontes de recursos, verá o
Estado tentado a retirar sua parcela de contribuição mediante redução de dotações orçamentárias
destinadas ao setor. Este é um risco inevitável e faz parte da estratégia governamental, ao estimular
a criação de novas agências, aliviar as pressões sobre os seus disputados recursos.
4.1.10. Disponibilidade de Crédito
O salto de qualidade em tecnologia, aprimoramento genético, melhoria das pastagens, etc.,
demanda linhas de crédito de longo prazo e juros compatíveis. Com a estabilidade da economia
propiciada pelo Plano Real, o preço, até então inflado das terras, especialmente das ocupadas com
pecuária, desabou de 30% a 40% em média. Vender terras para financiar a melhoria das pastagens
passou a não ser uma opção atrativa para os produtores que desejassem tecnificar-se. Uma saída
para o pecuarista seria recorrer ao crédito de investimento. Porém, são unânimes as queixas relativas
às elevadas taxas de juros, mesmo aquelas praticadas pelo BNDES, frente a baixa rentabilidade
do setor, especialmente o segmento da pecuária extensiva.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 77
Constata-se que a maioria dos pecuaristas operam com auto-financiamento. Apesar de
existirem recursos e linhas de crédito disponíveis nos bancos (principalmente Banco do Brasil,
BASA, Banco do Nordeste e alguns bancos privados), as taxas de juros (normalmente 8% mais
TJLP) são desencorajadoras em face da instabilidade da atividade. Os créditos oferecidos são na
maioria para custeio, sendo pouca a disponibilidade para investimento, que é fundamental para
elevar a produtividade. Este último, quando existe, restringe-se à compra de reprodutores.
Praticamente em todo o País, os pecuaristas se queixam do elevado custo do crédito face à
rentabilidade do setor. A ausência de crédito barato os tem conduzido a uma posição conservadora
em relação ao endividamento. Por um lado, isso tem contribuído para evitar problemas de
endividamento elevado ou inadimplência nesse elo da cadeia produtiva, mas, por outro, reduz o
ritmo de modernização do setor.
Em que pese a característica de autofinanciamento dos produtores, o crédito rural concedido
para a pecuária bovina cresceu nos anos 90, especialmente nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste
(Figura 4.1.1 e Tabela 4.1.3). Os financiamentos do BNDES para o setor também apresentaram
um grande crescimento (Figuras 4.1.2 e 4.1.3). O crédito destinado à criação de bovinos passou
de US$ 3,8 milhões em 1990 para US$ 60 milhões em 1998; para a industrialização (abate de
reses e preparação de produtos da carne) passou de 18,8 milhões em 1990 para US$ 110,1
milhões em 1997. No início da década, a bovinocultura era marginal nos financiamentos do Banco,
mas após reformulação nas políticas operacionais, que flexibilizou os critérios de apoio, a criação
de bovinos passou a receber um volume crescente de recursos. Porém, devido às incertezas
macroeconômicas, a demanda por crédito tende a retrair-se e os agentes financeiros tendem a ser
mais cuidadosos nos repasses das linhas de longo prazo. Deve-se ressaltar que 95% dos recursos
concedidos pelo BNDES para agropecuária é realizado por meio de agentes financeiros, o que
significa que a alocação segue critérios de mercado. O aumento da inadimplência, a contração das
fontes externas de recursos, o aumento das taxas de juros e a retração da demanda interna tendem
a reforçar um comportamento cauteloso na concessão do crédito.
78 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 4.1.1
Financiamentos Concedidos para Pecuária Bovina, por meio do Sistema Nacional de
Crédito Rural – 1990/96 – (Em R$ milhões)
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 79
Continuação
Pernambuco 24 27 41 22 20 32 72
Alagoas 12 9 7 11 8 32 51
Sergipe 18 13 11 13 3 29 41
Bahia 69 70 59 65 30 104 152
SUDESTE 199 282 251 330 286 351 251
Minas Gerais 65 69 69 151 112 153 109
Espírito Santo 7 6 10 5 13 13 6
Rio de Janeiro 29 12 17 24 21 24 7
São Paulo 98 195 155 150 140 160 129
SUL 278 264 339 328 343 258 262
Paraná 67 73 129 173 230 98 79
Santa Catarina 134 135 143 87 57 92 105
Rio Grande do Sul 77 56 68 69 56 68 78
CENTRO-OESTE 235 124 153 393 412 398 272
Mato Grosso do Sul 76 43 69 159 171 141 69
Mato Grosso 113 31 46 106 120 101 52
Goiás 41 44 36 122 110 139 144
Distrito Federal 4 6 2 6 12 17 7
80 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Figura 4.1.3
Desembolsos do BNDES para Abate de Reses, preparação de produtos da carne
– US$ mil –
120.000
110.000
100.000
90.000
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997*
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 81
Brasil, sua utilização ainda é restrita. Em 1999, o Governo Federal autorizou a internacionalização
desses mercados, na expectativa de que capitais privados externos possam ser atraídos para a compra
e financiamento da produção (Ministério da Agricultura e do Abastecimnento, 1999).
Os frigoríficos enfrentam maiores dificuldades de financiamento de capital de giro, principalmente
devido à elevação nos custos e à exigência dos pecuaristas de pagamento à vista nos momentos de
instabilidade. Estes últimos adotam uma postura cautelosa diante do aumento do risco de não recebimento.
O segmento voltado para exportação tem maior facilidade na obtenção de recursos, especialmente por
meio dos Adiantamentos sobre Contratos de Câmbio (ACC), que são antecipações de vendas a termo
para o mercado internacional. Esses recursos têm sido utilizados para compra de boi gordo no mercado
interno com a finalidade de honrar compromissos de exportação.
É necessário considerar a necessidade de financiamentos para os frigoríficos e agentes que irão
incorporar a desossa em suas atividades. Na Região Centro-Oeste, a redução do ICMS para carnes
desossadas tem estimulado a realização de investimentos nessa área (que podem variar de R$ 500 mil a
R$ 1.500 mil). Existem recursos creditícios do Fundo Constitucional do Centro-Oeste e do FINAME/
BNDES disponíveis para esses investimentos15. Entretanto, dado o elevado nível de endividamento
nesse elo da cadeia produtiva, a análise de risco realizada pelos bancos, geralmente, desaconselha a
concessão de recursos, especialmente para aqueles frigoríficos voltados exclusivamente para o mercado
interno.
No setor varejista, deve-se ressaltar a necessidade de reestruturação dos açougues, que passaram
a ter um novo papel a desempenhar após as Portarias 304 e 145. Em São Paulo, por exemplo, o
financiamento necessário para a reforma dos açougues que integrarão a rede AçouCia, uma iniciativa do
Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas de São Paulo, poderá ser obtido com recursos do
FAT. Uma linha de financiamento foi criada pelo Banco do Nordeste, na qual tem também permitido a
adequação de um conjunto de açougues às Portarias, tendo o aval da associação dos açougueiros.
O que tem limitado a disponibilidade de crédito investimentos na pecuária é a instabilidade do
retorno financeiro, notadamente para pecuária extensiva e/ou produtores com menor rebanho. Na verdade,
a agropecuária tem especificidades que requerem instrumentos de crédito apropriados. De um lado, os
ciclos de produção mais longos e rígidos dificultam, e na maioria dos ramos continuam impedindo, a
compatibilização dos fluxos de receitas e gastos. Como o processo de produção é contínuo, gasta-se ao
longo de todo o período, mas a receita só pode ser realizada após a venda de animais. O resultado é uma
discrepância entre fluxo de gastos e receitas e uma elevação do capital de giro necessário para sustentar
o processo de produção. Esta rigidez, e a dependência da natureza, elevam os riscos envolvidos na
produção, seja devido às flutuações aleatórias das condições naturais, seja devido à maior dificuldade
para responder às mudanças nas condições de mercado. A ocorrência de flutuações de preços, às quais
os pecuaristas nem sempre estão em condições de analisar, conduz a tomadas de decisões equivocadas
quanto ao momento de se realizar a venda de seu produto. Por exemplo, é comum ouvir que “os
pecuaristas só vendem na baixa”. Esta especificidade tem duas implicações relevantes para a compreensão
15
Os fundos constitucionais foram criados pela Constituição de 1988 (regulamentados pela Lei nº 7827 de 27-9-1989) e são
constituídos com 3% das arrecadações do Imposto de Renda e proventos de qualquer natureza, e do IPI (Gasques & Vila Verde, 1995).
82 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
do papel do crédito: uma maior variabilidade da renda do pecuarista e um risco mais elevado. A maior
variabilidade da renda existe devido a alternância de anos bons e anos ruins. Por sua vez, a taxa de juros
está diretamente correlacionada ao risco, de forma que um nível de risco mais elevado implica em juros
mais altos sob a ótica de quem empresta.
Esse fato introduz uma inadequação entre as condições exigidas pelos bancos para realizar
empréstimos e as condições aceitáveis pelos produtores. Enquanto para os bancos um risco mais elevado
requer taxa de juros mais elevada, para o produtor o efeito seria exatamente o contrário: um nível de risco
mais elevado teria de ser “compensado” por taxas mais baixas e por redução da utilização de recursos de
terceiros. Para reduzir os riscos e incertezas envolvidos no negócio rural, os bancos exigem garantias que
em último caso pode atingir os bens do mutuário e seus avalistas. Como reação, e também para reduzir
seus riscos, os produtores rurais desenvolvem uma atitude “conservadora” e cautelosa em relação aos
empréstimos, já que alguns resultados negativos podem custar o seu próprio patrimônio. Daí a explicação
da presença marcante dos governos, em quase todo o mundo, na área do crédito rural.
Entretanto, taxas de juros muito baixas tendem a “afrouxar” o rigor na avaliação dos projetos e
a própria rentabilidade mínima necessária para financiá-los, ou seja, os recursos passam a ser utilizados
com menos rigor, pois o custo da ineficiência é relativamente baixo. Taxas de juros mais elevadas
produziriam melhor seleção dos projetos, já que apenas os mais rentáveis seriam compatíveis com o
pagamento futuro do empréstimo. Os produtores também teriam de estar mais atentos à eficiência na
utilização dos recursos. Ou seja, há uma tensão permanente entre crédito, taxa de juros, crescimento
da atividade e eficiência econômica. Quando essa tensão cede demasiado para um lado, por exemplo,
redução de liquidez e taxas muito elevadas, compromete-se o ritmo de modernização da atividade, já
que apenas alguns projetos gerarão fluxos de rendimentos futuros compatíveis com o pagamento dos
juros. Por outro lado, taxas muito baixas podem produzir desperdício de recursos escassos, seja pela
má seleção de projetos seja pelo desvio ou má utilização dos recursos.
Muito mais importante do que taxas de juros subsidiadas, ou muito baixas, seria a estabilidade
de preços e de rentabilidade, que poderia ser conquistada por meio de uma coordenação mais
efetiva da cadeia. Essa afirmativa advém da argumentação que se segue.
Do ponto de vista dos credores, o custo de operação do crédito (COC) é composto de:
Custos de mobilização dos recursos, ou seja, a taxa de juros paga aos poupadores (r p) e
Custos de transação do crédito (CTc), que incluem os custos de informação sobre os
tomadores de empréstimos e os custos de gestão do crédito (iniciar, administrar e obter o reembolso
dos créditos) (Buainain et al., 1998).
COC = rp + CTc
Os custos de mobilização dos recursos que atualmente têm sido destinados para financiamento
da pecuária de corte e investimentos em frigoríficos são baixos quando comparado aos custos de
captação no mercado. Tratam-se de recursos mobilizados por meio de mecanismos de captação e/
ou destinação compulsória, como o FAT, o PIS/PASEP, os Fundos Constitucionais e as exigibilidades
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 83
sobre os depósitos à vista e a poupança verde. Para algumas dessas fontes (Fundos Constitucionais
e depósitos a vista), existe maior flexibilidade na fixação de taxas de juros mais baixas, dado que os
custos de mobilização dos recursos, rp, é baixo. Entretanto, os custos de transação (CTc) podem
tornar-se extremamente elevados para quando se trata da pecuária bovina e frigoríficos, pois a
rentabilidade do negócio e capacidade de pagamento dos demandantes de crédito são de difícil
previsão, o que eleva o risco. A contrapartida bancária de um risco maior é uma taxa de juros
igualmente superior. Se a taxa de juros, por razões de política, é fixa e limitada (como ocorre para
as aplicações das exigibilidades do Sistema de Crédito Rural e determinadas operações do BNDES,
por exemplo), as instituições financeiras utilizam outros prêmios para aumentar a receita esperada
das transações e/ou são extremamente seletivas quando aos clientes e projetos.
O que normalmente se recomenda em uma situação como a apresentada acima é uma reforma
da política de taxas de juros que dê mais flexibilidade a sua fixação. Entretanto, essa reforma não
é suficiente. A rentabilidade instável da atividade, que afeta a solvência dos mutuários, não está
necessariamente ligada à disponibilidade de crédito, como havíamos sugerido, mas a fenômenos
que existem na dinâmica produtiva, como (1) tecnologias pouco adequadas; (2) baixo acesso a
insumos chaves; (3) infra-estrutura de comercialização insuficiente e ineficiente, etc. Subsídios às
taxas de juros não tem nenhum efeito sobre esses fenômenos. Nesse sentido, é fundamental eleger
os tipos de projetos a financiar que tenham as melhores condições de êxito. Como o custo dessa
avaliação é elevado, torna-se muitas vezes prudente, sob a ótica das instituições financeiras, alocar
recursos para setores onde o risco é menor.
A solução do problema pode passar por inovações financeiras que necessariamente devem
reduzir os custos de transação e o risco tanto para o credor como para o mutuário. A redução do
risco exige uma disponibilidade maior de informação e, em conseqüência, maiores custos de
transação. O critério para que uma inovação financeira seja aceitável é que seu efeito na redução
do risco seja muito maior que seu efeito no aumento do custo. A grande dificuldade quando se tem
um número grande de instituições operando com créditos que se destinam a um mesmo setor está
no fato de que a pulverização termina por inflar os custos de transação. Cada instituição é obrigada
a manter um staff capacitado no ramo ou pagar consultores, o que onera demasiadamente os
custos de transação. Não é possível ganhar escala, nem traçar uma política regional ou nacional de
desenvolvimento para o setor. Esta é a realidade presente na cadeia de pecuária bovina de corte no
Brasil, onde agências financeiras estatais são extremamente seletivas e cautelosas, os bancos privados
raramente se dispõem a operar no setor, e não há uma política comum que os oriente nas análises
dos projetos. O esforço empreendido por associações de agentes junto a instituições bancárias
(por exemplo, a ABCZ e o Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas do Estado de São
Paulo junto ao Banco do Brasil) no sentido de obter crédito para seus associados é uma tentativa
de solucionar o problema. São, contudo, tentativas cujo alcance é limitado, dado o tamanho e a
importância econômica da cadeia.
Uma inovação mais ousada seria a criação de um fundo rotativo e específico, gerido por uma
instituição capacitada para dar pleno suporte aos agentes financeiros. Os recursos para a formação
de um fundo desta natureza poderia advir de diversas fontes, desde fundos e exigibilidades já
84 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
existentes até da criação de novas fontes, o que é recomendável (taxas, empréstimos internacionais
com intermediação governamental, etc.). As formas de captação e o próprio formato institucional
da organização gestora seriam, na verdade, resultado da estrutura de coordenação da cadeia
produtiva. Dado que essa estrutura de coordenação é ainda caótica, ou mesmo inexistente, como
será visto adiante, é possível que o próprio esforço para a criação do fundo, iniciado por alguma
organização privada ou pelo próprio Estado, opere como um elemento aglutinador de interesses.
Haveria, assim, um mecanismo de retroalimentação no processo de criação do fundo e formação
de uma estrutura de coordenação. A organização gestora do fundo poderia, por exemplo,
desempenhar o papel de executora de um programa de fortalecimento da competitividade da cadeia,
o qual seria resultado do próprio esforço de coordenação empreendido por agentes mais
representativos.
4.1.11. Disparidades e Ausência de Informações Estatísticas
As informações estatísticas disponíveis sobre os produtos, insumos e subprodutos da cadeia,
quando existem, são extremamente díspares e apresentam confiabilidade discutível. Os cálculos de
produtividade e o dimensionamento dos distintos elos da cadeia são prejudicados por essa
anormalidade. Nessa seção são indicados os principais problemas e soluções encontradas quanto
a esse aspecto.
Um dos indicadores de produtividade mais utilizados na pecuária bovina é a taxa de desfrute,
na qual mede o abate em relação ao tamanho e ritmo de crescimento do rebanho. A taxa de
desfrute pode servir de proxy para um conjunto de indicadores de produtividade – a melhoria dos
pastos, o confinamento, o uso de inseminação artificial e a transferência de embriões. Entretanto, o
cálculo da taxa de desfrute no Brasil é prejudicado devido a existência de grande controvérsia
sobre o efetivo de bovinos e o número de abates no Brasil. Os dados disponíveis são extremamente
dispares e requerem cautela quanto a sua utilização.
A Pesquisa Mensal de Abate (PMA) é realizada pelo IBGE desde 1976 (ver Quadro 4.1.5).
Sua utilização para cálculo da taxa de abate (abate/rebanho) revela resultados completamente
diferentes daqueles que poderiam ser esperados (Petti, 1996). Para certos períodos, ocorre queda
na taxa de abate, quando, por meio da observação de outras variáveis, a atividade apresenta
ganhos tecnológicos. Tem sido consenso na literatura que a PMA não foi capaz de captar o total de
abate ocorrido no País. As dificuldades operacionais dos levantamentos, sonegação de informação
e abate clandestino são apontadas como as principais causas.
Em 1989 e 1990, o IBGE levantou informações sobre a quantidade de couros crus
inteiros de bovinos de procedência nacional. Essa pesquisa, realizada por meio de aplicação
de questionários, obteve resultados bastante acima daqueles obtidos pela PMA e passou a
ser realizada anualmente com o nome de Pesquisa Anual do Couro, PACo. Um dos principais
resultados da PACo foi evidenciar que a taxa de abate era maior do que a calculada pela
PMA.
O IBGE recomenda a PMA para obtenção de dados relativos à idade, sexo, peso médio,
sazonalidade, taxas de variação e tendências, dado sua representatividade próxima a dois terços
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 85
do total de couros bovinos adquiridos e processados nas indústrias de curtume do país. A PACo é
recomendada para dados absolutos, isto é, a quantidade de bovinos abatidos.
Além das pesquisas do IBGE, existem ainda as estimativas de empresas de consultoria, das
quais destacam-se as da Lazzarini & Associados e da FNP Consultoria & Comércio. Os dados das
empresas confirmam a orientação do IBGE de que a PACo resulta em valores mais próximos do
abate em termos absolutos e de que a PMA deve ser usada para observar tendências. Existe similaridade
no padrão das taxas de crescimento anual calculadas segundo a PMA e a Lazzarini & Associados.
Deve-se destacar que nos últimos anos (1992 a 1996) existe uma tendência de redução da
diferença entre a PMA e as demais estimativas. Isso se deve principalmente à redução nas alíquotas
de ICMS em alguns Estados, o que provavelmente contribuiu para reduzir a sonegação. Outro fator
que deverá contribuir para melhorar a qualidade das informações estatísticas sobre gado bovino no
país é a obrigatoriedade de se implantar a rastreabilidade. O sistema proposto para o Rio Grande do
Sul, que poderá servir de modelo para o País, apóia-se na criação de uma central informatizada, com
um banco de dados, ligada em rede com sindicatos rurais e associações de criadores. Esses, por sua
vez, seriam receptores de informações oriundas das propriedades.
Quanto às informações sobre produtos finais mais elaborados da indústria frigorífica, o mercado
de embutidos é o segmento que apresenta maiores dificuldades em termos de registro. O inverso
ocorre no mercado de conveniência (produtos customizados, produtos de massa e alimentos semi-
prontos), cujos dados são fornecidos em seminários, congressos, empresas de pesquisa e por meio
dos próprios fabricantes (Revista Nacional da Carne, set. 1998).
O fluxo de informações entre os diversos agentes da cadeia produtiva é ainda muito pequeno,
senão nulo. Dois fatos novos que poderão provocar significativas mudanças neste aspecto: são a
mudança do local da desossa e a exigência de rastreabilidade. A mudança do local da desossa exigirá
maior troca de informações entre frigoríficos e varejistas, especialmente no sentido de promover
oferta de cortes especiais. Ferramentas de gestão, como ECR, tendem a ser difundidas por imposição
da própria concorrência, ampliando assim não apenas o fluxo mas o volume de informações disponíveis
aos agentes. A rastreabilidade implicará, obrigatoriamente, no estabelecimento de um fluxo de
informações que, se levada às suas últimas conseqüências, inicia-se no criador e termina no consumidor
final de carne bovina.
86 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
Quadro 4.1.5
Algumas fontes de informação estatística sobre abate de bovinos no Brasil
Pesquisa Mensal de Abate – IBGE. A PMA é realizada por meio de uma amostragem
estratificada. A população/objetivo está dividida em dois conjuntos. O primeiro é composto pelos
estabelecimentos industriais que se dedicam ao abate, de acordo com Censo Industrial. O segundo
é composto por municípios com mais de 50 mil habitantes passíveis de realizarem o abate de
animais em matadouros municipais, charqueadas, postos de matança, estabelecimentos
rudimentares, etc.; é respaldado pelo Censo de Serviços. O cadastro é atualizado sistematicamente
por meio de informações oriundas das Agências de Coleta e dos censos econômicos. A amostragem
é redimensionada a cada Censo Industrial.
Pesquisa Anual do Couro – IBGE. A PACo foi uma pesquisa especial implementada
para detectar o nível de defasagem dos resultados obtidos pela PMA. A indústria do couro é
altamente concentrada, o que facilita a pesquisa. Em 1989, segundo a PACo, as principais fontes
de couros verdes de origem nacional eram os matadores-frigoríficos (43,9%) e os intermediários
(40,9%), sendo o restante procedente de matadouros municipais (3,4%), outros curtumes (2,6%)
e origem não-identificada. Dada a pequena quantidade de estabelecimentos curtidores de couros
bovinos, o método empregado é o censitário. O IBGE recomenda a PACo para dados absolutos,
isto é, a quantidade de bovinos abatidos.
Lazzarini & Associados. Estimam o abate mediante dados de produção de couros de
origem nacional fornecidos pelo Centro de Curtumes do Brasil (CICB). O peso médio das carcaças
é obtido por meio de dados do IBGE, efetuando-se uma correção “para baixo”, uma vez que
consideram que nos abates informais há maior participação de fêmeas que nos abates sobre
controle fiscal. Estimam também o efetivo do rebanho por meio de extrapolação. A taxa de abate
resultante dos dados da PACo do IBGE é considerada baixa pelos técnicos da empresa, o que se
deve à clandestinidade do mercado.
FNP Consultoria & Comércio. Não utiliza dados de couros, exceto para checagem de
resultados. Considera que nesse campo há dificuldades na obtenção de informações e que a
própria informação, dividida em couros importados e nacionais, é pouco precisa. A empresa
calcula o abate mediante modelo econométrico baseado no rebanho. Utiliza dados do IBGE para
as Regiões Sul e Sudeste e estima os dados das demais Regiões por considerá-los irreais. Nessas
últimas, existe uma tendência do proprietário em informar um rebanho acima do real devido aos
incentivos fiscais e a preocupação de ter sua terra classificada como improdutiva e suscetível de
desapropriação para Reforma Agrária. Para a estimativa são utilizados dados da EMATER, como
vacinação, por exemplo. O abate é calculado a partir da definição de 40 tipos de rebanhos (utilizando
as microrregiões homogêneas do IBGE) existentes no País, definidos segundo uma combinação
de índices de produtividade: idade do rebanho, idade da primeira cria, fertilidade, idade de abate,
taxa de natalidade e de mortalidade, clima, variação do abate em função dos movimento de
mercado, peso médio das carcaças, etc.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 87
4.1.12. P&D na Cadeia de Carne Bovina
Existem inúmeras organizações de caráter público e privado envolvidos com P&D na cadeia
de carne bovina no Brasil. A Embrapa, por meio de seus centros (CNPGC, Campo Grande;
CPPSE, Fazenda Canchin, São Carlos; CPPSUL, Bagé), tem desenvolvido pesquisas voltadas
para a produção pecuária, com bons resultados na geração de tecnologias relativas a genética
animal, manejo, alimentação e recuperação de pastagens. Empresas agropecuárias de caráter privado
têm também investido em P&D, notadamente em melhoramento genético, forrageiras e pastagens.
Seu objetivo principal tem sido a comercialização de sêmen, tourinhos e sementes de alta qualidade.
Nesse sentido, a FINEP vem apoiando experiências de melhoramento genético do rebanho bovino
brasileiro. Até junho de 1998, foram destinados R$ 40 milhões para 13 projetos. A região Centro-
Oeste tem sido o alvo principal dessas iniciativas (Rumos, 1998).
Um dos trabalhos de destaque desenvolvido na área de melhoramento genético está sendo
realizado pela Associação Brasileira de Criadores de Zebu em parceria com a EMBRAPA, a USP/
Ribeirão Preto, criadores e centrais de inseminação. Alguns resultados são disponibilizados por
meio da publicação anual do “Sumário de Touros”, em que são apresentadas pesquisas com touros
de várias raças como Nelore, Guzerá, Indubrasil e Gir.
O mercado de insumos agropecuários no Brasil é dominado por um conjunto de empresas,
na maioria multinacionais, que também possuem centros de pesquisa no Brasil e no exterior. A
pesquisa Top of Mind da Revista Rural, realizada junto a uma amostra de 250 produtores rurais,
destacou as seguintes empresas: Tortuga (sal mineral), Purina (ração), Ivomec (vermífugo), Topline
Acatak (parasiticida), Rhodia/Merial (vacinas), Coimma (troncos), Filizola (balança), Gerdau
(arame), Pecplan – ABS e Lagoa da Serra (inseminação), Pencivet (antibióticos), Agroceres
(sementes) e Serrana/IAP (fertilizantes) (Rural, jun. 1998).
Muitas empresas de insumos agropecuários realizam extensão rural como estratégia de
vendas e, assim, têm ocupado o espaço deixado pelo setor público nessa atividade. É raro,
senão inexistente, a presença de frigoríficos cumprindo essa função. Embora seja possível encontrar
frigoríficos adotando ações cooperativas com açougues, seja patrocinando cursos de formação
e/ou desenvolvimento profissional, seja participando de alianças mercadológicas que envolvem
adoção de novas técnicas de corte.
Na área de processamento de carne destacam-se as pesquisas realizadas pelo Centro de
Tecnologia de Carnes do ITAL, que vem modernizando suas instalações laboratoriais visando
implantar um programa de certificação para produtos cárneos (Arina, 1996. ).
Os frigoríficos, entretanto, na sua maioria não dispõem de laboratórios ou departamentos de
P&D. A exceção fica por conta daqueles mais voltados para exportação ou que tem oferecido
embutidos e porcionados. Nestes casos é comum observar-se trabalho conjunto com fornecedores
de insumos, geralmente visando testar ou desenvolver novo produto (por exemplo, cola de carne
visando aproveitamento de aparas). Espera-se que concentração da desossa em empresas de
maior porte proporcione melhores condições de pesquisa e desenvolvimento de novos cortes, bem
como novas técnicas relacionadas à sanidade e durabilidade da carne (Arina,1996). Também nesse
88 ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL
sentido, o setor de embalagens, por meio de várias empresas tem se preparado para introduzir e
difundir inovações nos próximos anos.
Em diversas universidades e centros de pesquisa ligados às Secretarias de Estado são
desenvolvidos inúmeros projetos nas áreas de Biologia, Zootecnia, Engenharia de Alimentos,
Economia e Administração Rural voltados para os diversos elos da cadeia de carne bovina. Também
tem sido grande o número de softwares produzidos por organizações nacionais voltados para o
gerenciamento da pecuária.
Bliska e Gonçalves (1998) detectaram demandas de P&D para a cadeia de carne bovina no
16
Brasil . As principais demandas tecnológicas concentram-se nos seguintes pontos:
“(a) Cruzamentos Industriais: seleção de características desejáveis, tais como
precocidade e eficiência biológica, especialmente quanto ao peso e desenvolvimento de
carcaças; estudos sobre volume e quantidade de carne produzida; produção de novilhos com
gorduras monoinstauradas; obtenção de animais com maior velocidade de ganho de peso.
(b) Manejo nutricional: redução dos custos de produção por meio da utilização de
rações de custo mínimo; contornar ou minimizar a redução na produção de carne proveniente
do sistema de produção à pasto, nos períodos de seca.
(c) Produção de novilho precoce: estudos comparativos (animais precoces/animais com
idade convencional de abate, sobre rendimento, sabor, maciez, suculência e aceitabilidade
pelo consumidor.
(d) Caracterização da carne bubalina in natura: análise sensorial em função do sexo
e idade do animal, quanto a maciez, sabor, qualidade visual, e outros e sobre sua aceitabilidade
pelo consumidor; estudos de estabilidade durante o período de armazenamento.
(e) Comportamento das doenças no campo e prevalências para seu controle efetivo:
realização de pesquisas com respaldo em dados reais.
Principais demandas não-tecnológicas:
(a) Avaliação de produtos gerados: pesquisa de mercado, para conhecer melhor o
consumidor final, para que as pesquisas de desenvolvimento de produtos possam se bem-
direcionadas.
(b) Definição de aspectos ideais em termos de saúde do consumidor: a discussão atual
não vem sendo conduzida de forma cientificamente correta; ela está mais relacionada a
modismos e padrões culturais.
(c) Produção de novilho precoce: análises quantitativas para quantificar ganhos e perdas
do mercado e análises econômicas clássicas, como margens e custos.
16
Ver também BLISKA, F. M. de M; RAZOOK, A. G; PITUCO, E. M; ALLEONI, G. F; COUTINHO FILHO, J. L. V; GONÇALVES,
J. R. e LEME, P. R. Prospecção de demandas tecnológicas na cadeia produtiva de carne bovina no Estado de São Paulo. Nova
Odessa: ITAL/IZ, 1998.
ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E COMPETITIVIDADE DA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA PECUÁRIA DE CORTE NO BRASIL 89
(d) Sanidade animal: realização de diagnósticos diferenciais das doenças reprodutivas,
para utilizá-los de forma metódica e sistemática.
(e) Redimensionamento de impostos e taxas: em todos os segmentos da cadeia.
(f) Capacitação de laboratórios de controle de qualidade: insumos e produtos.
(g) Melhorar o relacionamento e a coordenação ao longo da cadeia: melhorar a
integração entre os elos.
(h) Aumentar a eficiência das negociações internacionais: negociar acordos favoráveis
à cadeia”.
4.1.13. Agentes da Cadeia
Existe um grande número de agentes envolvidos em cada elo da cadeia produtiva da carne
bovina no Brasil. Não se pode falar em grupos de produtores, frigoríficos ou distribuidores que
efetivamente exerçam um papel de liderança nacional. O número de associações e entidades de
classe (de produtores, de indústrias e de varejistas), estaduais e nacionais, supera o necessário e
conduz a superposição de funções. Em grande medida, isso se deve aos conflitos de interesses. A
cadeia como um todo, ou mesmo qualquer um de seus elos, carece de uma organização hegemônica
que lhe represente e porque exerça funções de coordenação. Essa ausência é uma das principais
responsáveis pela perda de competitividade.
Existem ações em nível nacional e estadual no sentido de buscar uma coordenação mais
efetiva das ações desses agentes. Em nível nacional, a Confederação Nacional da Agricultura e o
Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte têm conseguido aproximar diversas entidades a
fim de buscar soluções comuns para os problemas da cadeia. Por meio dessas entidades foi possível
estabelecer um canal de comunicação entre o setor privado e o governo, no qual algumas parcerias
têm sido concretizadas. As mudanças recentes na legislação sanitária, por exemplo, foram discutidas
nesse fórum antes de serem editadas. Entretanto, existem outros interlocutores na área industrial,
como a Associação Brasileira da Indústria de Frigoríficos (ABIF) e a Associação Brasileira das
Indústrias Exportadoras de Carnes Industrializadas (ABIEC)17, cujos interesses conflitam com aqueles
de organizações dominadas por pecuaristas.
Nas últimas décadas tem-se observado o estreitamento dos canais de comercialização de
produtos agroindústrias. Esse fato tem implicações para a cadeia de carne bovina. A participação
dos supermercados é crescente, estabelecendo-se situações de oligopsônio. Esse é mais um foco
de conflito que tem os esforços de uma coordenação mais efetiva. Na Europa, ao contrário, a
concentração do varejo nas mãos das grandes redes de supermercados tem contribuído para
restabelecer a confiança do consumidor em relação a carne bovina após a crise da vaca louca. São
estas grandes redes que têm assumido funções de coordenação na cadeia.
17
A ABIEC é o interlocutor governamental para o estabelecimento de critérios para distribuiç