ARE
Clássicos Históricos Especial 211
Estados Unidos, 1853
Mudança de planos?
Ao se alistar na Marinha, Benjamin Swain tem um objetivo bem definido:
tornar-se oficial, casar-se com uma mulher especial e usar seu conhecimento
para projetar navios destinados à armada de guerra. Começando como um
marinheiro de escalão inferior, seu primeiro trabalho é ensinar navegação na
Academia Naval em Annapolis, uma tarefa bastante simples. Até que conhece a
filha do almirante, Sophie Harrington. Impulsiva e rebelde, é também linda, algo
que ele deseja ardentemente ignorar. Nada irá arruinar seus planos. Nem mesmo
a filha única de seu superior. Mas fingir que Sophie não existe é como gritar ao
vento, e logo tudo que Benjamin deseja é tomar aquela mulher nos braços e
ouvi-la dizer "Eu te amo"...
CHE 211 - Sandra Madden - A FILHA DO ALMIRANTE
Marina
Digitalização e Revisão:
Formatação: Morgana
Capítulo I
Abril de 1853
O primeiro dia claro de fins de abril ostentava o cheiro fresco de
primavera e o alegre ar de verão. Uma brisa leve e salgada prometia uma
ocasião perfeita para velejar.
A chalupa de quinze pés de Benjamin Swain, a Dama de Nantucket,
balançava presa à âncora junto aos barcos de pesca e veleiros, na doca da
cidade, em Annapolis. A uma distância acessível a pé da Academia Naval, a
pitoresca marina adentrava o porto de Annapolis, onde o rio Severn
encontrava a baía de Chesapeake.
— Olá!
Ao ouvir o chamado da voz feminina, a curiosidade de Benjamin se
aguçou. Seu olhar desviou-se da âncora em sua mão para o píer.
Protegendo os olhos do brilho do sol na água, tentou descobrir quem o
chamava. "Ah, não! Sophie Harrington."
Um profundo mau presságio o engolfou quando viu Sophie avançar
num andar requebrado. Ela revirava a sombrinha azul de babados tão
descuidada como uma menina de escola, sem saber que provocava um
arrepio nos cabelinhos da nuca de Benjamin.
Ele não se assustava com facilidade. Fora condecorado por bravura
em ação. Mas, ao observar a jovem de vestido azul chegando perto,
experimentou uma incômoda sensação de aturdimento.
Vira Sophie Harrington pela primeira vez apenas na semana anterior,
na parada. E embora não a conhecesse formalmente, ouvira o bastante
para saber que ela deveria ser evitada a qualquer custo. De acordo com as
histórias que circulavam pela Academia Naval e por toda Annapolis, a srta.
Harrington usava calções até os joelhos e fora expulsa não uma, mas duas
vezes de exclusivas escolas femininas.
Havia rumores de que possuía seis gatos e falava sozinha. Embora
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obedecer.
— Benjamin optou por sair pela tangente. — Sempre obedeço a
ordens.
Sophie seguia a caminho da chapeleira quando parará para admirar a
paisagem. Seus sentidos zuniam, conferindo-lhe renovado entusiasmo com
a aproximação da primavera. Contemplara o céu anil, a disposição
multicolorida dos barcos na marina e o rude e belo marujo a trabalhar em
sua reluzente chalupa branca.
Ela o reconhecera. Ouvira falar daquele oficial de ombros largos e
sabia seu nome. Sem uma decisão consciente, So-phie viu-se a caminhar
na direção do píer... e de Benjamin Swain.
Com toda probabilidade, ele ouvira falar de pelo menos uma de suas
escapadas. Alguns dos rumores que circulavam a respeito de Sophie eram
verdadeiros, mas não todos. Ela era ousada, mas não tão corajosa a ponto
de tomar parte em algumas das mais audaciosas atividades que lhe
atribuíam.
— Claro que você obedece a ordens. Eu não haveria de esperar que
fizesse menos.
— Se o almirante me ordenar que a ensine a navegar, ficarei
contente em cumprir com meu dever. — Swain lhe sorriu enviesado. Seus
olhos de um azul índigo luziram de arrogância.
Ele sabia que jamais receberia uma ordem assim. E Sophie nunca
fora envolvida pelo desejo de rasgar a camisa de um rapaz antes. Mas era
tudo no que ela conseguia pensar ao conversar com Benjamin Swain. Um
rasgo aqui, outro ali...
— Eu deveria avisá-lo de que meu pai faz tudo o que quero — ela
blefou.
Na verdade, não poderia se recordar da última vez em que o
almirante lhe fizera as vontades.
Ao olhar para Benjamin Swain, Sophie não poderia encontrar nada
suave ou bonito nele. De fato, eram suas formas rudes que o tornavam tão
atraente. Alto, ossatura forte, musculoso, o instrutor de vela era uma
figura que chamava a atenção. Irradiava uma atitude de orgulhosa
prepotência, de "Quem se importa?", que, para ela, tinha o apelo da
franqueza e irreverência.
Abaixo da camisa branca de Benjamin, de mangas enroladas até os
cotovelos, ela podia seguir as trilhas das veias que lhe subiam pela pele
bronzeada dos antebraços. O colarinho aberto revelava de relance um
instigante tufo de pêlos castanhos e crespos.
menina.
Duas horas mais tarde, depois de sair da chapeleira, ela caminhava
pela calçada da rua Pinkney em direção às docas. O Dama de Nantucket
tinha zarpado, mas um jovem aspirante negociava o aluguel de um veleiro
por uma hora.
Sophie fez o que qualquer um em seu lugar faria se desejasse
navegar, e se aproximou do rapaz, hesitante e inexperiente pelo jeito,
assim que ele terminou a transação.
O moço alto e desajeitado franziu o cenho para Sophie, como se
quisesse reconhecê-la, mas não conseguiu se lembrar nem de sua face,
nem de seu nome. Sorriu, nervoso.
Com o fito de deixá-lo à vontade, ela o cumprimentou, alegre:
— Olá. Meu nome é Sophie. Não creio que nos conheçamos.
O jovem ficou rígido e endireitou os ombros. Empinou o queixo.
— Joseph Baker, aluno do quarto ano.
A boa sorte de Sophie continuava a todo vapor. Joseph devia ser
mais inexperiente que seus colegas de turma mais antiga.
— É um prazer conhecê-lo, Joseph. Descansar — continuou, ao vê-lo
parecer quase uma estátua.
— Obrigado... senhorita. — Ele relaxou a postura, mas seu pomo-de-
adão subiu e desceu como se engolisse em seco.
— Sabe velejar?
— Bem... — Ficou vermelho. — Tive meia dúzia de aulas, mas não
estou no ponto ainda. Tenho de praticar. O marinheiro Swain diz que sou
muito lento.
Lenta era a velocidade certa para a primeira lição de Sophie. Quanto
mais demorasse o aspirante para içar uma vela, mais ela sentia que
poderia aprender.
Joseph Baker possuía um charmoso sotaque sulista e inocentes olhos
cor de avelã. Sophie encantou-se de imediato por ele. A insegurança com
relação à perícia do mocinho em navegar não a dissuadiu. Tinha certeza de
que poderiam dar uma volta pela baía.
— Talvez eu possa ajudar. Vai praticar vela hoje?
— Sim, senhorita. Acabei de alugar esse veleiro.
— Gostaria de ir junto... se eu puder. — Ela bateu os cílios, com
fingida inocência.
— Estou aprendendo o ofício também.
Capítulo II
— Ai!
— Agarre! — ele ordenou, antes de mergulhar.
Quando Benjamin emergiu, Sophie segurava o salva-vidas. O artefato
escapou-lhe das mãos, mas ele estava lá para ampará-la. Com um braço a
envolvê-la pela cintura, Benjamin puxou-a para si.
— Não se mexa, respire apenas — avisou-a, ao dar uma braçada de
lado, em direção ao bote.
Benjamin sentiu o tremor que sacudia Sophie como se Tosse o seu.
Mas continuou nadando. Por fim, após muito esforço, alcançaram o velho
bote. Ele se ergueu até se jogar dentro da embarcação, enquanto Sophie
se agarrava do lado, buscando fôlego.
Buscando até os ossos, Benjamin inclinou-se e a trouxe para a
segurança do bote. Os dentes dela batiam, e Sophie tremia, descontrolada.
Ele agarrou-a pelos antebraços até que se firmasse.
— O... obrigada — Sophie murmurou, com um sorriso envergonhado.
— Você salvou minha vida.
Punhados de cabelos molhados caíam-lhe pelas faces e pelos ombros
numa cortina ensopada. O vestido grudava-se a suas generosas curvas. O
pavor fulgurava em seus olhos. Ela estava diante dele, tão vulnerável
como nunca e mais bela do que uma mulher tinha o direito de ser.
Se Sophie fosse alguém que não a filha do almirante, Benjamin
poderia enlaçá-la para confortá-la, até que seu medo passasse e os dentes
não mais rangessem. Um simples ato humanitário poderia ser mal-
interpretado, entretanto. Por isso ele a soltou e a fez sentar-se na prancha
que servia de banco.
do bote.
A filha do almirante saltou de susto. A cor sumiu de seu rosto até
ficar tão pálida que Benjamin julgou que fosse desmaiar. Mas Sophie era
valente, teve de admitir. Por isso, corajosa, agarrou-se aos lados do bote e
mordeu o lábio.
— Gostaria que você não contasse a minha família sobre esse...
incidente.
— Quem sabe no futuro você não coloque rapazes inocentes em
apuros, não é?
— Joseph garantiu que sabia velejar.
Ainda inconsciente, o moço não pôde se defender.
— Alguns aspirantes acham que sabem mais do que de fato sabem.
— Um traço que partilham com seus instrutores? Embora ela
estivesse ensopada e tremendo, o estoque de
pura audácia não fora afetado.
— Eu a avisei, senhorita, mas você disse que sabia nadar. E também
que ficaria segura velejando.
— Acho que exagerei...
— Não me diga! — resmungou entre os dentes, ao se debruçar sobre
os remos.
Benjamin corria contra o tempo, contra a borrasca iminente.
A chuva desabou quando faltavam ainda quinze metros para
alcançarem a doca.
Sophie se ajoelhou e fitou-o com aqueles incríveis olhos turquesa.
— Eu ficaria em débito eterno com você, se não contasse o que
houve a meu pai.
Com aquele olhar cravado no dele, era difícil para Benjamin conseguir
recusar o pedido.
— Por favor, marinheiro Swain...
Ele experimentou uma penosa sensação. Sabia que deveria relatar o
incidente, mas quando Sophie encolheu-se diante de outro raio que cruzou
o céu, deu-se conta de que não poderia.
— Nunca tive o prazer de conversar com o almirante, Sophie. Não
vejo motivo para isso agora. Prometa-me apenas que ficará longe da doca
e de qualquer barco.
— Prometo... até aprender a nadar.
sempre passando. Além daquilo que podia captar por intuição ou observar,
Wesley permanecia um estranho para ela. E esse triste fato a magoava.
Sophie fora criada por uma sucessão de babás depois que a mãe
morreu ao dar à luz. Assim que alcançou idade suficiente, seu tirânico pai a
mandou para um internato. Sempre que ela se comportava mal, Wesley
ameaçava mandá-la para Saint Louis para viver com tia Edith, a irmã
solteira dele.
Sophie sentia-se abençoada por possuir uma imaginação fértil. Se
não fossem os personagens que invocava e amigos que fazia, teria uma
vida solitária.
Os óculos do almirante espetavam-se no nariz bulboso enquanto
aquele olhar de um cinza escuro fuzilava pela armação, de um jeito muito
familiar. Sophie já vira aquele olhar antes. Várias e numerosas vezes. De
algum modo, sempre conseguia enfurecer Wesley ao procurar alargar os
próprios horizontes.
— O que tem a dizer por você, mocinha?
Se não fosse pela chuva contra as vidraças, o som do coração
acelerado de Sophie ecoaria pela sala. Já era bem ruim ser objeto da fúria
do pai de novo, mas ter o marujo Swain por testemunha deixava as coisas
piores.
— Peço desculpas, senhor. Não vi mal algum em aprender a velejar.
— Mulheres não velejam! Mulheres não são fortes o bastante para
fazer o que é necessário. E é de conhecimento geral que membros de seu
sexo são incapazes de manter a cabeça no lugar quando ocorrem
problemas. A tempestade que enfrentou é apenas um exemplo.
— Mas eu não...
— Você insiste em ir contra a natureza.
— Estaria bem se não fosse pela tempestade, o que não me fez
perder a cabeça. O marinheiro Swain pode confirmar...
— Não arraste o marujo para esse assunto! — seu pai resmungou.
— Não, senhor...
Em tais situações, a barba escura do almirante e o bigode faziam
Sophie lembrar-se das caricaturas do diabo. Sem os chifres, é claro. Os
pêlos finos, muito bem aparados, pareciam em desacordo com sua
compleição sólida, de barril. Nem o uniforme da Marinha poderia esconder
o fato de que o peito de Wesley Harrington era tão redondo quanto sua
cintura. Mas Sophie guardou tais observações para si mesma.
— Você é uma moça afortunada. Se não fosse pela ação rápida de
Swain, poderia estar morta!
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nenhum!".
— O quarto no sótão está vazio e pronto para ocupação imediata. —
O almirante correu a mão pelos cabelos. — Ou, se preferir, pode ficar com
o cômodo vago fora da cozinha, quando a camareira de Sophie vai
embora. Abigail planeja sair numa questão de dias.
Benjamin permaneceu ouvindo, mas incapaz de compreender as
palavras.
— Eu o aguardo para se instalar na casa Dulany, Swain.
— Está me dizendo para que me mude para cá, senhor?
— Sim. Além disso, ordeno que se certifique de que Sophie não faça
nada para pôr em perigo o casamento que trabalhei tanto para arranjar.
Como complemento, você deve assegurar-se de que nenhum mal lhe
aconteça antes que ela esteja casada.
— Mas, senhor, e meus alunos, minhas aulas de navegação? —
Benjamin objetou com tanta veemência quanto se atreveu.
Como chegara a isso, ter de atuar como babá de uma moça? No
mínimo, deveria estar se preparando para velejar com os aspirantes no
cruzeiro de verão a bordo do USS Preble.
— Continuará a ministrá-las, marinheiro Swain. Suas aulas são de
manhã, não são?
— Sim, senhor.
— Minha filha nunca se levanta antes do meio-dia. Benjamin agarrou-
se a uma última tentativa:
— Creio que a Srta. Harrington poderia se ressentir comigo se eu agir
com ela como um cão de guarda.
— Sophie não precisa saber. Direi a minha filha que você está me
assessorando num projeto importante. Aquele navio a vapor que
mencionou. Para ela, você estará a meu dispor.
— A senhorita vai acreditar?
— Claro. Não percebeu? Minha menina presta pouca atenção a
qualquer coisa que eu diga. Sophie pensará que o recompensei com uma
honrosa atividade por tê-la salvado.
— Sim, senhor... — Benjamin estava atordoado.
— Não me esquecerei desse serviço a mim, e a Sophie, quando
chegar a hora de você receber novas ordens.
Um misto de emoções mescladas ribombou no íntimo de Benjamin,
inclusive raiva, desapontamento e orgulho ferido. Se seu futuro
Capítulo III
Não foi surpresa ver a filha de seu oficial comandante surgir pela
alameda. No intuito de andar mais depressa, Sophie segurava as saias
acima dos tornozelos torneados e atraentes.
Alheia ao fato de ser observada, Sophie correu para o portão dos
fundos.
—Vai aonde?—Benjamin perguntou, ao sair das sombras. Sophie
estacou. Depois de uma pausa, voltou-se para confrontá-lo. Ao se dar
conta de que apenas sua estatura poderia ser fator de intimidação, ele
empertigou-se, endireitou os ombros, jogou o quadril para frente, cruzou
os braços, arqueou uma sobrancelha e endereçou-lhe um olhar firme.
— Marujo... marinheiro Swain... — Os olhos dela pareceram dobrar
de tamanho. Ficou ainda mais adorável.
— Boa noite, Srta. Harrington. Adorável e inocente demais.
— Vai a algum lugar, senhorita?
Sem luvas ou bolsa, Sophie não parecia vestida para sair. Mas
rumara para o portão dos fundos, que se abria para uma estreita viela que
conduzia à via pública.
Desafiadora, ela afirmou petulante:
—Para ser franca, estou de saída para ver Flora Muldoony.
— Flora?
Espantado, Benjamin descruzou os braços e plantou os punhos nos
quadris, a encarar Sophie com olhos estreitados. Ela não poderia estar se
referindo à mesma Flora que Benjamin conhecia.
— Aquela que trabalha na Taverna Reynolds?
— Você a conhece, Sr. Swain?
— Sim.
Flora fora a primeira mulher que Benjamin conhecera em sua
chegada a Annapolis. A corajosa garçonete era uma mulher do mundo, um
mundo muito diferente daquele habitado pela filha do almirante.
— Flora é... minha amiga — Sophie sussurrou.
— Flora, a criada da taverna, é sua amiga?!
— É difícil encontrar amigas. Nos internatos em que vivi, cresci entre
homens a maior parte do tempo. Com exceção de umas poucas ex-colegas
e esposas de oficiais da Marinha que estão espalhadas pelo país, da
Virgínia até a costa do Pacífico, não tenho intimidade com muitas
mulheres.
Benjamin não poderia negar que a vida na Marinha era dura para o
Era o primeiro comentário que Benjamin ouvia sobre Sophie que fazia
sentido. Desde que a beijara, via-se sob algum tipo de sortilégio.
Compreendeu seu erro assim que seus lábios tocaram os dela. Se fosse de
fato um homem de fibra, teria impedido Sophie de deixar a residência do
jeito ortodoxo: na ponta da espada.
— Mas ela parece muito elegante — emendou Zachariah. — Gasta
todo o dinheiro do almirante em compras.
Benjamin tomou uma atitude capaz de encerrar a conversa, que se
tornava cada vez mais perturbadora para ele:
— Mais uma rodada e mais uma modinha, e poderemos dizer que foi
uma noite e tanto. Teremos aulas de manhã e eu preciso me mudar.
Contudo, a cantoria terminou de repente. Um tiroteio abafou o
vozerio.
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
— Tem certeza de que quer que o mundo inteiro leia o que Flora lhe
conta?
— Não é apenas sua história — Sophie retrucou, um tanto indignada.
— Acrescentei meus próprios sentimentos e experiência aos modos de Fifi
LaDeux, é lógico.
— Ei, Flora, encha o copo!
A garçonete olhou para a extremidade do bar, onde um homem alto
segurava sua caneca vazia.
— Flora não pode ficar conversando com você agora, Sophie. Não
percebe?
Desesperada, Sophie agarrou Flora pela manga.
— O que eu deveria fazer? E se meu caderno foi jogado fora durante
a faxina de primavera?!
— Segure-se nos cascos, já irei aí! — Flora gritou para o cliente
sedento. Com um suspiro, fincou os cotovelos no balcão e inclinou-se para
responder a Sophie: — Você escreverá seu romance de novo, só que desta
vez o fará melhor e depois o mandará para uma daquelas companhias
editoras de que ouvi falar, em Nova York ou Boston.
Flora poderia não ser a melhor fonte de informação, mas era a mais
segura. Sophie poderia confiar nela.
— Mas isso levará meses. Estarei casada até lá!
Os cachos vermelhos dançaram nos ombros expostos de
Flora, quando ela sacudiu a cabeça. A criada era uma bela garota que
fizera a própria vida desde que ficara órfã. Sophie dera a Fifi, a heroína de
sua ficção, os lábios polpudos e os cabelos ruivos dela. Guardara as
orelhas grandes da amiga para outra personagem, outro romance.
— Já pensou em fugir, Sophie?
— Não!
— Flora! Outra rodada aqui! — Um senhor sentado sozinho à mesa
lateral ergueu sua caneca.
Logo, cada homem na taverna estaria levantando as suas, também
vazias.
A garçonete o dispensou como se ele fosse um inseto peçonhento.
— Flora precisa ir agora, Sophie. Ela a encontrará na doca por volta
do meio-dia, amanhã.
Desapontada ao extremo, Sophie teve de concordar. Sentia-se
pesada como se tivesse triplicado de tamanho sem uma gota para beber
— Não sei.
"Arrumar uma mulher e uma dose de uísque", Benjamin suspeitava.
Mas isso não faria a relutante noiva de Ferguson sentir-se melhor.
Ofereceu o braço a Sophie.
— É provável que ele tenha ido visitar o senador. Andrew é bom
amigo do senador Smith, que mora na rua Charles.
— E isso, sem dúvida — Benjamin afirmou, como se fosse razoável
alguém visitar uma pessoa àquela hora da noite. — Vamos levá-la para
casa antes que apareça mais outro conhecido. Detestaria ter de enfrentar
seu pai. Ela o encarou.
— Mas papai gosta de você.
— Não tanto quanto do capitão Ferguson. O almirante não ficaria
contente em me ver com você sozinho num horário destes.
— Porque você é apenas um marinheiro, Benjamin?
— Não. Porque você é uma mulher comprometida.
"E porque sou apenas um marujo", admitiu consigo mesmo. Não
tinha direito de se interessar pela filha única do almirante.
Ouviu-a deixar escapar um suspiro débil. Sophie, contudo, não voltou
a dizer palavra até que se aproximaram do quartel.
— Quando chegarmos ao portão, eu continuarei sozinha. Eles irão
pará-lo, e nunca me param.
— Por quê?
Ela lhe endereçou um sorriso luminoso.
— Sou a filha do almirante. E conhecida por minha ousadia. Ninguém
se atreve a me questionar. Receiam que eu possa responder!
Benjamin apurou os ouvidos de novo. Erguendo a cabeça do
travesseiro, apoiou-se nos cotovelos. A princípio, confundira o leve roçar
em sua porta com o som de um rato no telhado. Mas concluiu que se
tratava de um ser humano. E alguém que não queria ser ouvido.
"E agora?"
Jogou as cobertas e acendeu o lampião na mesa-de-cabeceira. Duas
passadas no estreito quarto do sótão era tudo de que precisava para
chegar à porta. Segurando o lampião, entreabriu-a.
— Olá, Benjamin.
— Sophie?!
— Sei que é tarde, mas... eu tenho... um problema sério. Um dilema.
— O quê?!
— Posso entrar?
Capítulo VII
— Machucou?
— Não muito.
— Não se mexa. E fique quieta.
— Incomoda-se de eu me sentar?
— No leito? — indagou, constrangido.
Sophie não esperou pela resposta. Afundou no colchão, parecendo a
Bela Adormecida que acabara de despertar.
Com um suspiro, Benjamin correu a mão pelos cabelos. Ela se
sentara aonde poderia. Não havia uma cadeira ali. O espaço comportava
apenas uma cama estreita e uma cômoda com uma jarra e bacia. Ganchos
na parede serviam de cabides.
Os olhos de Sophie encontraram os dele por um instante, e depois se
desviaram para baixo. Benjamin tornou-se, de repente, objeto de intenso
escrutínio. E então Sophie soltou uma risadinha.
— Alguma coisa engraçada? Não costumo achar graça em nada às
duas da manhã!
— Não, não. É que eu não imaginava que você usasse camisolão.
— Como hóspede na casa do almirante, sou obrigado a estar
composto o tempo todo.
— É... um camisolão muito bonito. Listrado de azul, de colarinho
aberto. De flanela?
Benjamin se balançou num pé e no outro.
— Minha mãe o fez para mim.
— É evidente que é uma boa costureira.
A mãe de Benjamin passara a vida inteira costurando, cozinhando e
cuidando com amor de sua família. Porém, agora estava doente e
recusava-se a deixar a ilha. Não queria abandonar os amigos e o lugar
onde nascera.
Benjamin se preocupava muito com ela, a imaginar se o dinheiro que
lhe enviava todo mês era suficiente. Uma mulher corajosa que enfrentara
muitas lutas e pesares no correr dos anos, sua mãe nunca lhe pedia. Se o
dinheiro não desse, jamais pensaria em pedir mais.
— Você não veio aqui para admirar meu camisolão, Sophie — ele
disse.
A presença dela ali não apenas despertara a culpa de Benjamin com
respeito à mãe, mas provocara uma sensação de formigamento em suas
entranhas desde o instante em que a deixara entrar.
almirante.
Ela rumou para a saída, ombros arqueados.
— Papai nunca entenderá por que eu escrevi um romance.
— Você tem de contar a ele e fazê-lo entender, se necessário. Se o
livro foi roubado mesmo, confessar ao almirante é a única atitude a tomar.
Não pode fazer segredo disso.
Com a mão na maçaneta, Sophie fitou Benjamin por sobre o ombro.
— Não vai me ajudar a achá-lo, então?
— Fale com o almirante. Ele pode não ser tão duro quanto você
pensa.
Ela voltou-se e caminhou até Benjamin.
— Papai não entenderá e... Oh, seria muito melhor se eu pudesse
recuperar o diário sem ter de contar ao almirante! Quando eu encontrar
meu romance, e eu o encontrarei, ele me possibilitará procurar uma
editora.
Sophie não desistia. A despeito de tudo, Benjamin sentiu admiração
pela determinação dela. E apesar de compreender sua relutância em
enfrentar o pai, ela não tinha alternativa.
— Terá de revelar a ele, Sophie.
Sua paciência estava por um fio. Por inúmeras razões, Benjamin mal
podia esperar para que ela se fosse. Era como uma sereia do mar a
chamar os marinheiros para a tragédia. No presente caso, ele.
Sophie não apenas implorava para que se juntassem num conluio
contra o almirante, mas também o provocava sem misericórdia com aquela
camisola e o négligé, os mais perturbadores que já vira na vida. A estampa
delicada de flores sugeria que o céu na terra jazia por baixo do tecido.
Será que Sophie julgava que Benjamin ficara cego e abobado de repente?
— Não posso procurar papai. Ele jamais compreenderá. Nunca
compreendeu nada com respeito a mim.
— Se o almirante souber que o diário sumiu, existe a possibilidade
de que a ajude, mesmo se por interesse próprio, a achá-lo.
— Ah, Benjamin, meu livro foi roubado. Eu jamais o deixaria fora do
lugar.
— Roubado... Quem faria algo semelhante?
— Alguém como eu, que também queira ser escritor, por exemplo.
Um dos estranhos que entraram em meu quarto enquanto estive
adoentada, como... você. — Os olhos de Sophie se arregalaram. — Você!
páginas!
Ao lado dela, Benjamin lançou-lhe um olhar impaciente de soslaio e
pigarreou.
Sophie sabia que aquilo era uma maneira de empurrá-la para a parte
mais difícil da confissão. Ignorou-o. Mal conseguia respirar.
— Eu gostaria de recuperá-lo.
— Se quiser desperdiçar seu tempo, não posso impedi-la, mas não
permitirei que isso atrase os preparativos para seu casamento.
— Obrigada, papai.
Benjamin tornou a pigarrear, dessa vez mais forte.
Embora quisesse o apoio de Swain, Sophie começou a achar que
cometera um erro. Ele não a deixaria sair dali sem contar a história toda.
Diante disso, endireitou os ombros e procurou ser forte. E tomou coragem
para dizer, numa enxurrada de palavras:
— Papai, o romance foi roubado antes que eu tivesse a chance de
mudar os nomes, e o seu é mencionado várias vezes.
— O quê?! — Em questão de segundos, o rosto do almirante assumiu
uma perigosa tonalidade rubra. Os olhos se arregalaram. — Você
mencionou meu nome?! De que maneira?!
— O pai de Fifi LaDeux é baseado no senhor.
— Quem é essa Fifi?!
— A heroína de meu romance, As Românticas Aventuras de Fifi
LaDeux, uma Mulher Solteira.
Erguendo o olhar aflito para o teto, o pai, horrorizado, levou a mão à
garganta como se vida se lhe esvaísse.
— Estou arruinado! Serei expulso da Marinha!
— Não escrevi meu livro para destruí-lo, papai, e sim para ganhar
minha independência. Não quero me casar com Andrew Ferguson, nem
com nenhum outro. Eu me sustentarei escrevendo romances.
— Antes de você nascer, não havia notícias de loucura na família —
o almirante declarou, num tom glacial.
Sophie baixou os cílios, incapaz de suportar aquela acusação. Embora
acostumada àquilo, a desaprovação paterna a cortava como a lâmina de
um punhal.
O almirante se voltou para Benjamin.
— Encontre o diário de minha filha e será designado para um navio
dentro de trinta dias.
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CHE 211 - Sandra Madden - A FILHA DO ALMIRANTE
— Sim, senhor.
— Não poupe despesas. Devolva o romance de Sophie antes que se
transforme num constrangimento que eu não poderia superar. E ache-o
antes que o capitão Ferguson fuja dela como se fosse a própria Medéia.
— Meus alunos...
— O capitão Ferguson será designado a assumir suas aulas, por
enquanto.
Em menos tempo do que levaria para escrever seu nome, Sophie fora
banida do assunto. Seu pai e Benjamin Swain propunham-se a resolver a
questão como se ela não existisse. Furiosa, cerrou os punhos, tomada de
frustração.
— Se o marinheiro Swain recuperar meu romance, papai, o que vai
acontecer comigo?
— Você se casará com Andrew Ferguson.
— Não! — Incapaz de refrear a indignação, Sophie bateu o pé e
enfrentou o almirante.
— Por que não oferece uma troca como fez com Benjamin?
O almirante retraiu-se por trás de um olhar de mártir.
— É o que quer, Sophie? Se ela não firmasse posição já, tudo estaria
perdido.
— Se eu recuperar o livro, posso oferecê-lo para uma editora sob um
pseudônimo, como George Sand...
— George Sand?
— George é mulher, papai. Uma autora. Como George Sand, eu
assumiria outro nome, talvez masculino.
Os olhos do almirante se estreitaram. Embora a corja tivesse voltado
ao normal, continuava com o maxilar cerrado.
— E tem mais, não é?
— Sim. Se eu vender meu romance, poderei ganhar minha
independência. Não serei forçada a me casar com o capitão Ferguson.
— Acredita mesmo que pode encontrar seu diário?
— Sim.
O sisudo militar soltou uma risada. Fazia anos que Sophie não ouvia
dele nenhuma demonstração de alegria.
— Está bem, minha incorrigível filha. Se encontrar o caderno perdido,
poderá ganhar...
canela, Lulu.
— E um é para você, sei disso.
— Gosto muito dos bolinhos de canela de Lulu — Sophie disse a
Benjamin, com um sorriso luminoso.
— Quer um pouco de chá ou chocolate com os muffins!
— Para mim, nada — Benjamin afirmou.
Sophie quis chá e, assim que Lulu se afastou, inclinou-se para
Benjamin, murmurando:
— Lulu é viúva e tem um filho. Seu sonho é que o garoto freqüente a
Academia algum dia.
Benjamin a encarou, desconfiado.
— Por que será que estou com a estranha sensação de que isso é
um encontro às escondidas?
— Não quero que meu pai pense que estamos em conluio. Se ela
soubesse...
— Benjamin, você tem de me ajudar. — Segurou-lhe a mão. —
Temos de trabalhar juntos.
— Não ouviu o que o almirante falou? — Ele experimentava um
prazer enorme com a suavidade e o calor daquela mãozinha. Com uma
impressionante força de vontade, soltou-se. — Se eu recuperar o romance
de Fifi, serei recompensado com o embarque num navio.
— E isso é o que quer mais do que tudo?
— Sim. A menos que a Marinha quisesse construir um dos navios a
vapor que projetei. Embora eu receie que isso jamais virá a acontecer,
gostaria ainda mais.
As sobrancelhas de Sophie se juntaram numa expressão de mágoa.
— Mais do que fazer um ato nobre e salvar uma mulher inocente do
casamento com um velho ogro do mar?
— Ogro do mar? Está falando de Andrew?
— Sim.
— E você seria a jovem inocente?
— Ele me tratará como meu pai, Benjamin.
— Espero que se livre dessa. É uma moça inteligente, e lenho certeza
de que irá sair-se com um belo esquema para evitar o casamento com o
capitão Ferguson.
— Sua confiança em mim não é compartilhada por muitas pessoas.
Capítulo VIII
"Família" foi a única palavra que conseguiu entender. Por que a mulher
sussurrava estava além da compreensão de Sophie. Abigail não fizera
segredo do fato de que seus parentes precisavam dela em casa.
— Claro... Sabe para onde ela foi?
— Os familiares moram nos arredores de Washington, em Falls
Church, eu creio.
— E qual o sobrenome de Abigail, Mildred?
— Grant. Abigail Grant.
Mildred dera trabalho a Benjamin. Embora em aparência desse a
impressão de um galho frágil, que se quebra com facilidade, possuía uma
vontade férrea. A lealdade da governanta foi um bálsamo para Sophie.
— Mais uma coisa. Durante a faxina de primavera, foi jogado fora
algo do quarto da srta. Harrington?
— Não, nada. Ela é quem deve decidir o que guardar e o que
descartar. E estava doente.
— Foi de muita ajuda, Mildred.
De fato. Sophie agora sabia que seu diário não fora jogado fora por
descuido. Benjamin concluíra o mesmo.
— Obrigada. Poderia me dizer o que vem a ser tudo isso afinal?
— Sinto muito.
A entrevista terminara. Com receio de ser surpreendida
bisbilhotando, Sophie esgueirou-se dali sem esperar para descobrir se
conversariam mais.
Abigail foi sua camareira pelos últimos três anos. Sophie ficara
arrasada ao perdê-la. Tinha saudade daquela mocinha tímida e calada.
Nunca teria suposto que Abigail fosse a culpada. Não seria capaz de furtar
um grampo de Sophie. Mas, num momento como aquele, cada
possibilidade deveria ser explorada.
Abigail tivera acesso ao diário. E Sophie resolveu seguir um plano.
Em questão de uma hora, estava no escritório do pai, na Academia. O
almirante não erguera os olhos desde que Sophie irrompera pelo aposento.
Sua pena traçava linhas no papel enquanto ele continuava atrás da
escrivaninha, a terminar o que quer que fosse que escrevia. Resolvida a
ser paciente, ela ficou de pé, à espera.
Embora não conseguisse imaginar que a querida Abigail lhe furtara o
romance, precisava ter certeza. E, na eventualidade de a antiga
empregada ser a culpada, Sophie pretendia chegar à garota antes de
Benjamin Swain.
— Eu disse isso?
— Sim.
— Quando tivermos o dinheiro na mão, iremos procurar o padre.
Lágrimas encheram os olhos dela. A gravidez era de sete meses,
embora ela por sorte não parecesse maior que a maioria das mulheres com
quatro.
Sua mãe a escorraçara porta afora, e agora Fletcher se esquivava de
torná-la uma mulher honesta. Entregou-lhe o grosso caderno preto.
— E o romance de Sophie. Porém é mais como um diário, um relato
de vida.
— Você leu? Ela diz coisas pesadas?
Fletcher era analfabeto, mas Abigail lia e escrevia. Freqüentara a
escola por quatro anos.
— Sophie comenta da primeira vez que fez amor, mas não menciona
o nome do homem. Porém, pela descrição, acho que é o novo instrutor de
navegação, o marinheiro Benjamin Swain. Sophie dedicou as últimas
páginas a ele. Repete como é bonito, como é alto e... como gostaria de
tocar seu... — Abigail interrompeu-se. — É muito particular para que eu
repita.
Com um sorriso de malícia, Fletcher esfregou as mãos.
— Ótimo! Não arranjaríamos dinheiro com um livro sem segredos. E
sem dinheiro, não posso me casar com você. E assim, ficará com o
pequeno bastardo nas mãos.
Aquele soco verbal doeu tanto que Abigail levou a mão ao ventre,
que se contraiu. O pranto rolou por suas faces, transformando Fletcher
num borrão. Aquele não era o mesmo homem que a seduzira com palavras
doces quando ela viera para casa em uma das visitas para a mãe, meses
atrás.
Abigail nem mesmo se sentia muito contente pelo fato de ter
ocultado algo de Fletcher. Não lhe contara como Sophie descrevera o pai
no romance. Fletcher, na certa, a obrigaria a pagar mais se soubesse sobre
o almirante.
— Jamais imaginei que você pudesse ser tão cruel.
— E eu nunca pensei que você fosse de ficar chorando sem cessar.
Acha que pode parar de se lamentar e escrever um bilhete para a srta.
Sophie?
— Eu... creio que sim.
"Fletcher tem de se casar comigo. Mas e se ele se recusar?" Ela
Capítulo IX
Meu Deus, Sophie está usando calção!" Não apenas Benjamin tinha
de servir de acompanhante, mas de uma mulher naqueles trajes!
Cumprimentou-a com formalidade. Não a perdoara ainda por tê-lo
empurrado para dentro do riacho.
— Bom dia, sita. Harrington.
— Bom dia, marinheiro Swain. Parecer estar ótimo o clima para
velejar.
Benjamin desviou os olhos para as amplas pantalonas de cor rosa
que ela usava por baixo da saia em balão e a túnica de brocado.
— Também está bom para uma viagem por terra.
— Levará horas tediosas até chegar a Georgetown.
— Eu seguirei a cavalo ao lado do coche, desfrutando a paisagem.
As claras tentativas de Sophie em fazê-lo desistir de acompanhá-la
eram esperadas. Em outras circunstâncias, ele as acharia divertidas.
Benjamin baixou o tom:
— O almirante sabe o que está usando?
— Meu pai saiu para o escritório antes que eu descesse para o
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CHE 211 - Sandra Madden - A FILHA DO ALMIRANTE
Pegando uma das botinas, ela usou o salto para bater uma, duas...
seis vezes.
E então, por fim, a maçaneta girou.
Com o lençol preso ao redor, Sophie tentou fingir surpresa, ao vê-lo.
— Benjamin!
— O que você quer, Sophie?
— Como?
— Não bateu na porta seis vezes? Ela deu de ombros.
— Pode ser.
— Por quê?
Sophie respirou fundo.
— Flora saiu e estou assustada. Por favor, entre aqui.
— Não.
O estouro de um raio e o ribombar de trovões sacudiram as paredes.
A tremer, ela implorou:
— Pelo amor de Deus, entre e converse comigo até eu ficar tão
cansada que adormeça a despeito dos raios.
Com um suspiro pesado, Benjamin cerrou as pálpebras e entrou.
— Ainda está bravo comigo por tê-lo empurrado para dentro do
riacho?
Benjamin aproximou-se, de cenho franzido.
— Estou cansado. Eu dormia, Sophie. E se for descoberto no quarto
da filha do almirante, serei expulso da Marinha. Mais provável ainda, serei
enforcado.
Outro raio explodiu perto dali, banhando o quarto num brilho
espectral de prata. Sem conseguir raciocinar, Sophie cobriu o rosto e
correu para Benjamin. Agarrou-se a ele, contra a sólida estrutura daquele
corpo.
Devagar, os braços dele a rodearam, rígidos a princípio, e em seguida
firmes e protetores. De encontro a ele, Sophie sentiu-se protegida. O
aroma másculo que vinha dele entorpeceu-lhe os sentidos e a acalmou. E
quando parou de tremer, Benjamin guiou-a de volta à cama.
— Por que tem tanto medo de raios, Sophie?
— Minha amiga Mary foi atingida e morta por um. Fomos
companheiras de quarto no internato por mais de dois anos. Ela era como
uma irmã para mim.
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CHE 211 - Sandra Madden - A FILHA DO ALMIRANTE
Lágrimas que Sophie não conseguiu mais conter escorreram por suas
faces. Detestava ser assim tão fraca. Lutou para se recompor e tentou
explicar:
— Mary tinha apenas doze anos, um a mais que eu. E num piscar de
olhos se foi. Eu a vi cair do carvalho onde costumávamos nos encontrar.
— Sinto muito. — O braço de Benjamin circundou-a pelo ombro e ele
apertou Sophie ainda mais, conferindo-lhe seu calor e sua energia. —
Perder Mary pode ter sido difícil para você, mas foi um acidente raro. Um
terrível e fortuito acidente.
— Não tem medo algum de raios, Benjamin?
— Não, mas entendo o perigo que são e uso de cautela. Com um
suspiro fundo, Sophie enxugou o pranto no lenço de renda.
— O que você teme?
Benjamin olhou para a frente, para a escuridão.
— Eu... não sei.
— Não temia as enormes baleias? Li que são dez vezes maiores que
as baleeiras, algumas vezes tão grandes como navios.
Benjamin assentiu.
— Sim, vi animais do tamanho de um navio algumas vezes.
— Conte-me sobre a última ocasião em que saiu ao mar para caçá-
las.
— Por quê? Não tem nada de interessante nisso.
— Uma história poderá me ajudar a esquecer a tempestade.
— Não sei...
— Por favor, Benjamin. Ele respirou fundo.
— Eu estava a bordo do Trina, uma baleeira que acabara de vender
para pagar as dívidas de jogo de meu irmão Matt. listávamos no oceano
fazia quase cinco meses antes de encontrarmos um grupo grande de
baleias. Havia pelo menos uma dúzia.
— Deviam ter adentrado longe o Atlântico.
— É verdade. Fazia um frio de rachar quando baixamos (>s botes.
Descemos dois, naquele dia. Eu liderava a primeira tripulação. íamos atrás
de um macho gigantesco. No primeiro ataque, ã baleia aproximou-se de
nós e atingiu as costas de Billy. Ele manejava o arpão. Quando caiu, bateu
a cabeça o desmaiou, e então eu tomei seu lugar.
Benjamin calou-se por instantes.
— Quando recebi seu bilhete, pensei que uma visita sua era bom
demais para ser verdade!
Na escola, Rosalind sempre se mostrara encantada em juntar-se a
Sophie em qualquer tipo de comportamento rebelde ou em trapalhadas. Só
precisava de um mínimo de inspiração. Com as pupilas a luzir de
ansiedade, agarrou as mãos da amiga.
— O que pretende fazer enquanto permanecer aqui, em Washington?
— Vim procurar minha ex-criada, Abigail. Sairei com Flora amanhã
bem cedo. A mãe de Abigail mora em Falls Church e é lá que espero
encontrá-la.
— Por quanto tempo acha que ficará fora?
— Não mais que dois dias. Mas preciso me livrar do marinheiro
Swain.
— Quem é ele?
— O cão sentinela que meu pai colocou em meus calcanhares.
Um sorriso conspiratório torceu os cantos da boca de Rosalind.
— Gostaria que eu mantivesse o marinheiro ocupado?
— Oh, sim!
— Será um prazer ajudá-la.
E ajudou. Durante e depois do jantar, Rosalind envolveu-se numa
conversa sem fim com Benjamin. Bateu as pálpebras de um jeito
provocante, tocou piano e cantou para ele.
Sophie começou a não gostar da idéia de deixar Benjamin a sós com
Rosalind, pois a amiga poderia devorá-lo. Mas quem sabe a antiga
companheira de escola ficasse feliz em dar ao instrutor de navegação
tantos filhos quantos ele pudesse contar.
Não era isso o que Sophie queria para si. No improvável caso de o
almirante permitir que se casasse com Benjamin Swain, ela não poderia
dar a seu belo herói a família que cie desejava.
O pensamento pesou-lhe no coração. Porém não tinha tempo para
ficar se lamentando. Pretendia encontrar Abigail pela manhã e, se tudo
saísse bem... seu diário.
Capítulo X
— Proteger do quê?
— De si mesma.
— Não quero, nem preciso de você.
Sorridente, Benjamin tirou-lhe as rédeas da mão. Ela era a primeira
mulher que lhe dizia que não o queria.
— Vai ter de me agüentar por algum tempo, de qualquer jeito.
Sophie ergueu o queixo.
— Não há escolha, eu creio.
— Não.
Benjamin conduziu os cavalos, e Sophie seguiu sem mais objeções ao
lado dele pela trilha que levava à cidade. A manhã fora feita para uma
caminhada. Margaridas despontavam nas campinas de ambos os lados da
estrada de terra, junto com uma colorida paisagem de boninas e pervincas
em meio à grama verde. Havia ainda enormes carvalhos brancos e uma
profusão de cerejeiras em flor.
— Abigail devolveu seu romance?
— Ela não está com meu diário.
— A moça tem um amante? Sophie parou no mesmo instante.
— Como sabe? Benjamin deu de ombros.
— É só uma suposição.
Ela continuou a andar, as feições contraídas.
— Abigail vai se casar em breve. É por isso que saiu do emprego. Não
foi embora porque me roubou.
— Falou com ela com franqueza?
— Sim.
— E acha que lhe contou a verdade?
— Evidente!
Mas Sophie não soava convincente. Benjamin passara horas demais
com ela para reconhecer a diferença entre sua atitude e seus sentimentos.
Sabia quando se sentia confusa, zangada ou vulnerável. E quando estava
feliz. Por isso, constatou, num súbito insight, que jamais conhecera uma
mulher tão bem. Aquilo o surpreendeu.
— Receio que seja muito influenciável e que por isso não esteja
pronta para uma vida independente — disse, com total honestidade.
— Sua opinião pouco me importa, marinheiro Swain. Sou capaz de
cuidar de mim mesma.
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CHE 211 - Sandra Madden - A FILHA DO ALMIRANTE
— Quer reaver meu romance antes de mim, Benjamin. Finge ser meu
amigo, mas se prepara para me trair.
— Entenda como quiser.
Sophie lançou-lhe um olhar de soslaio.
— Quanto tempo acha que ficaremos à espera?
— Até a garota se ver livre. Pode ser em duas ou em doze horas. A
mãe dela parece ser bastante dura.
— Trata Abigail de forma abominável!
— É evidente.
— Mas Abigail está apaixonada. Espera um filho.
— Uma moça solteira, grávida e sem dinheiro ou marido é uma
mulher em desespero, Sophie.
— Pedi a ela que voltasse comigo, porém está muito apaixonada para
ouvir-me. Se Fletcher amasse Abigail, teria se casado com ela de imediato.
— Concordo — Benjamin afirmou, embora não conhecesse muitos
homens que tivessem corrido para o altar, não importava quais fossem as
circunstâncias.
Ao contrário, a maioria de seus amigos teria fugido à simples menção
da palavra "casamento". Sophie suspirou fundo.
— Pobre Abigail... Receio que possa levar uma vida infeliz.
— A existência humana é um jogo. Todos fazemos nossas próprias
escolhas.
— Eu adoraria ter uma escolha!
Benjamin não tinha uma resposta pronta para uma verdade tão
lamentável. Seu coração pareceu apertado por uma mão gigante. Com um
sorriso triste, levou os cavalos para fora da estrada, em direção à campina.
— Vou esperar ali, atrás daqueles arbustos, mas você está livre para
ir até a cidade e procurar por Fletcher.
— Você sabe muito bem que não sou livre para coisa alguma. Mas
algum dia serei.
Se Sophie tivesse nascido homem, teria comandado uma frota de
navios baleeiros.
— Eu não ficaria surpreso — respondeu Benjamin.
— E então nenhum homem jamais me dirá o que fazer de novo.
— Sim, mas, enquanto isso, eu sugeriria que em vez de procurar por
Fletcher Thurman, você visse se encontra uma hospedaria em Falls
Capítulo XI
Benjamin Swain a lutar por sua honra. Se algo acontecesse a ele enquanto
ela se escondesse atrás de uma porta trancada, jamais se perdoaria.
Correu degraus abaixo. A indignação sobrepujou o medo. Resolvida a
ajudar Benjamin em vez de vê-lo ferido, pegou uma velha cadeira e
esperou pela oportunidade. Se o atrevido ousasse atacar de novo, ela
arrebentaria a cadeira na cabeça de Cadê.
Seu coração ameaçou parar quando Cadê arremeteu contra Benjamin
de cabeça baixa como um touro enlouquecido c acertou direto a barriga
dele. Uma dor lancinante espalhou-se pelo ventre de Sophie como se ela
tivesse recebido o impacto.
Swain gemeu e rodou nos calcanhares quando Cadê lhe acertou um
soco no queixo.
Sophie, com a respiração presa na garganta, segurava a cadeira com
tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Mas o rapaz gastara sua
última gota de energia.
Os olhos esgazeados pareciam estar fora de foco quando Benjamin se
voltou. Em segundos, o forte marujo desfechou um poderoso golpe na
mandíbula de Cadê e depois na altura de seu estômago. O filho do
reverendo se dobrou como um leque chinês.
Quando Cadê se esparramou no piso, Sophie largou a cadeira e
correu para a escadaria e para o quarto de número dois. Benjamin não
precisava mais dela. Ele lhe salvara a honra.
Por um longo instante, ninguém no bar se moveu. Então, o taverneiro
encheu um copo curto e empurrou-o para onde Benjamin se recostara,
contra o balcão, recuperando o fôlego. Um entrechocar de canecas e um
coro de aplausos quebraram o silêncio.
Com um aceno para a platéia, Benjamin dirigiu-se a Hank e pediu
dois ensopados, uma tina e jarras de água quente para um banho, além de
um saco de sal para o aposento dos dois. Arranhado, cheio de coceiras e
ardendo, subiu as escadas.
A porta estava trancada.
— Sophie, é Benjamin. Abra.
Ela entreabriu uma fresta e espiou para fora. Sem paciência para
joguinhos, ele empurrou a porta com força e entrou.
— Obrigada, Benjamin. Obrigada pelo que fez lá embaixo.
— Não fale nisso.
Ele desabou na beirada da cama e olhou para as bolhas nos braços.
Como aquilo cocava!
Esfregou o queixo. Ardia tanto que Benjamin julgou que pudesse tê-
lo quebrado. Quem diria que um rapaz embriagado poderia fazer tamanho
estrago?
— Seu olho inchou — Sophie disse baixinho, ao se ajoelhar e fitá-lo.
— Deve ser por isso que vejo tudo borrado. Creio que estará preto e
azulado pela manhã.
— Correu um olhar rápido pelo ambiente.
Um velho lampião estava aceso sobre uma mesa. Benjamin
reconheceu o cheiro: óleo de baleia. O quarto pouco iluminado tinha uma
janela, com cortinas desbotadas.
A mobília simples incluía uma cama larga o suficiente para alguém de
bom tamanho, uma bancada com uma jarra e uma bacia para higiene,
bem como uma cadeira de encosto reto. O chão de tábua crua não tinha
tapete. O quarto não era, de modo algum, ao que a filha do almirante
estava acostumada.
— Sente dor? — Sophie quis saber, no mesmo tom rouco e reverente
que usava desde que Benjamin entrou ali.
Aquela nova Sophie, diferente da mulher que ele conhecia, o
confundiu e o deixou ainda mais cauteloso.
— Já estive pior.
Ela estendeu a mão e tocou-lhe o queixo.
— Está machucado.
Aquele toque na mandíbula dolorida de alguma forma aliviou-lhe o
sofrimento. Sophie correu os dedos gentis sobre a parte avermelhada. E o
coração de Benjamin disparou como louco, sem ritmo, fora de controle.
Com um suspiro fundo, cerrou as pálpebras e se permitiu desfrutar do
calor daquela carícia.
Deus do céu, ia perder a cabeça!
Com um gesto brusco, afastou a mão de Sophie. O carinho o excitara
e o colocara num estado em que não poderia mais confiar em si próprio.
Como chegaram àquele ponto? Sophie Harrington, a filha de seu oficial
comandante, uma jovem comprometida com outro, um diabrete de
calções, ali, no mesmo quarto, sob o mesmo teto!
— Eu o machuquei, Benjamin?
— Estou irritado. O olhai' preocupado de Sophie encontrou o dele,
poças de luz e cor cambiantes, que o levaram de volta aos balsâmicos dias
no Caribe e o encheram de uma nova quentura que se espalhou por suas
veias como um doce xarope a lhe acalmar os extremos da própria alma.
apareceu com uma bandeja coberta. Sophie empurrou a bacia para o lado
para dar lugar ao jantar.
Com agradecimentos por ter colocado Cadê em seu devido lugar, os
homens encheram a tina de cobre e saíram.
Benjamin descobriu a bandeja. Duas tigelas de um grosso ensopado
fumegante, duas canecas de cerveja e um saco de sal. Poderia imaginar as
conversas lá embaixo sobre o que ele e Sophie iriam fazer com o sal.
Ela olhou para a tina.
— Ou nossa comida vai ficar fria ou a água da tina.
— Entre no banho enquanto ainda está quente. Eu descerei.
— Se comermos primeiro, a tina esfriará, e você poderá tomar um
banho de imersão depois que eu puser o sal.
Benjamin não entendia as mulheres. Aquela em particular.
— Achei que queria banhar-se.
— Você precisa mais que eu.
— Perdão?
Ela endereçou-lhe um sorriso encantador.
— Por causa das coceiras.
Na verdade, os resultados do encontro com a hera venenosa lhe
davam mais tristeza que o queixo dolorido ou o olho inchado. Naquele
instante, Benjamin faria tudo para que sua pele sarasse, porém não
cederia no orgulho.
— Posso esperar, Sophie. Vamos comer.
— Você é muito teimoso.
E aquela era a mais geniosa das jovens. Sophie se sentou na beira da
cama, e Benjamin puxou a cadeira, que tinha uma perna mais curta pelo
menos uns cinco centímetros que as demais.
Sophie espiou dentro da caneca.
— Você pediu cerveja?
— Já bebeu cerveja antes?
Claro, ela nunca bebera. Ele pedira sem pensar.
— Não, bebo chá ou leite.
— Então talvez não devesse começar agora. Sorrindo, Sophie ergueu
a caneca.
— Mas é uma oportunidade para experimentar algo novo que poderia
— Estamos atrás da mesma coisa, nós dois, e você está louca para
assumir riscos. Se algo ruim lhe acontecer, o almirante me fará carregar
urinóis.
— Embora reaver meu diário signifique tudo para mim, nada significa
para meu pai, a não ser salvar sua reputação.
E não escrevi sobre ele em especial. Fui esperta e descrevi o
almirante com outro tipo de caráter.
Um desejo avassalador de pôr fim à discussão tomou conta de
Benjamin. Se tomasse Sophie nos braços, comprimisse seu corpo contra o
peito, baixasse a boca sobre a dela e a beijasse com ardor... ela poderia
parar de tagarelar.
E talvez parasse de tentar conseguir-lhe a ajuda. E até mesmo de
pensar naquele diário por um glorioso momento.
Benjamin se agitou com aquela solução. Suas entranhas se
inquietaram e se aqueceram. A virilha esquentou. Todavia, tomá-la seria
perdê-la. Perderia tudo por que lutara até então.
Deu um salto, e empurrou a cadeira para trás.
— Vou descer para jogar cartas. Você terá bastante tempo para
tomar seu banho.
— Mas... e suas coceiras?
— Jogar baralho irá me distrair.
Ele esperava por isso, com ardor. Por um instante, ao se imaginar
enchendo Sophie de beijos, a coceira constante fora esquecida.
Rumou para a saída.
— Não importa o que faça, não vá se cocar, Benjamin.
— Não espere acordada, Botão-de-ouro.
Benjamin estava mais preocupado com outras coisas que com as
brotoejas. A dor que experimentava nada tinha a ver com a hera venenosa
e tudo com seu autocontrole.
Fazer a coisa certa e honrada algumas vezes era penoso...
Instantes depois de Benjamin sair, Sophie despiu o calção manchado
de grama, jogou a túnica para o lado, tirou o corpete, as saias e anáguas e
entrou na tina tépida.
A despeito de seu desapontamento, um banho jamais lhe parecera
tão maravilhoso como aquele, no pequeno aposento, à luz de um lampião
bruxuleante.
Teve esperança de que Benjamin a beijasse. No fundo, vinha
ansiando que ele lhe desse outro beijo, e seu desejo não vinha de
interesse literário. Nem mesmo pensara em descrever uma sensação tão
pessoal num romance.
Porém, julgou que Benjamin pudesse ter razão. Será que ela caíra no
hábito de viver só para o que poderia escrever algum dia? "Misericórdia!"
Ao afundar na água, recordou-se de Abigail. Até mesmo aquele
quarto pobre era melhor que o casebre em que sua antiga criada estava
confinada. Sophie se afligia com a segurança e o bem-estar de Abigail. Ao
mesmo tempo, tinha a sensação de que a jovem não fora honesta com ela.
Admirava a aparente devoção da garota por Fletcher Thurman e sua
coragem de optar por ter um filho, mas Sophie suspeitava que as coisas
estavam interligadas. Talvez Thurman, o pai da criança, tivesse persuadido
Abigail a furtar seu caderno.
Um complô improvável! Bebera cerveja demais, viajara muito e por
muito tempo nos últimos dois dias.
Como não estaria exausta quando suas emoções brincavam de
gangorra de uma hora para outra? Se pelo menos pudesse convencer
Benjamin a trabalhar com ela na recuperação do romance...
Detestava enfrentar um homem que lhe tirava a respiração sempre
que se aproximava. Isso a deixava numa tremenda desvantagem. Tinha de
sobrepujá-lo em astúcia, e no entanto seu corpo conspirava contra ela,
ganhando vida de uma maneira excitante sempre que Benjamin se achava
por perto.
Seu pulso disparava como o de uma menina de escola quando
Benjamin lhe endereçava aquele sorriso enigmático, quando encontrava
aqueles profundos olhos azuis cintilantes.
Contra sua vontade, Benjamin Swain despertava-lhe vontades que só
ouvira descritas nas palavras de Flora. A ousada garçonete insinuara a
necessidade de a mulher ser preenchida por um homem, tal como uma
jarra vazia que devesse ser cheia de cerveja forte.
Flora avisara Sophie para ficar atenta a um anseio misterioso, um
calor derretido, para prestar atenção à insistente necessidade de tocar um
rapaz ou de ser apertada contra um peito. Sophie rira, sem acreditar que
algo semelhante fosse possível. Até que o arrogante marujo Swain a
conquistou com uma piscadela e um sorriso de viés.
Porém, se não encontrasse seu diário depressa, teria de se casar com
o capitão Ferguson, o que lhe parecia mais do que nunca um destino
terrível.
Abigail dobrava a roupa lavada com sua mãe, à luz do lampião.
Sentia-se tão fraca que receava que seus ossos pudessem se quebrar. No
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CHE 211 - Sandra Madden - A FILHA DO ALMIRANTE
Capítulo XII
— Sim.
Benjamin olhou para o sabonete perfumado que esfregava no peito e
no ventre. Que graça. Iria ficar cheirando como uma rosa. Como uma
mulher.
— Descobri algumas coisas enquanto jogava Sophie.
— Como o quê?
— Fletcher Thurman, o namorado de Abigail, não é boa coisa. Parece
que não trabalha e tem uma reputação de fazer negócios escusos.
— Acha que ele forçou Abigail a pegar meu diário?
— É possível.
Ela jogou o lençol de lado e escorregou para fora do leito.
— Aonde vai?
— É difícil conversar de longe. — Sophie se aproximou dele. — Só
cheguei mais perto.
— Está perto demais.
O sorriso que Sophie esboçou o deixou preocupado. Confundiu-o. Se
não fosse absurdo, concluiria que ela o provocava.
No entanto, uma mulher que pretendia continuar tão casta e pura
como a neve recém-caída não brincaria com as necessidades de um
homem. Benjamin reforçou sua vontade. Se não quisesse ser expulso da
Marinha, era melhor proteger a virgindade de Sophie.
Era uma lástima, contudo. Ela fora feita para o amor. Benjamin vira
atrizes no palco que Sophie faria enrubescer. Construída com as linhas
esguias de um veloz barco a vela, suas curvas sedutoras, a cintura fina, os
seios fartos e orgulhosos prometiam prazeres incríveis. Todavia, poderia
ela prezar um simples mortal mais que sua própria independência?
Benjamin duvidava.
— Vai procurar Fletcher Thurman amanhã, antes de voltarmos para a
casa de Rosalind?
— Não tenho idéia do que irei fazer Sophie. — O sabonete
escorregou-lhe da mão. Ao tatear para procurá-lo, a barra perfumada
deslocou-se para debaixo de seu traseiro. Tentou pegá-la, mas quando
ergueu a cabeça Sophie estava a um passo da tina. — O que faz aqui?
— Você tem um belo corpo... Ele juntou os joelhos depressa.
— Volte para a cama.
— Sabe quantas pinturas existem de mulheres nuas, e como são
poucas aquelas de homens nus?
Olhou pelo pequeno espaço que os separava. Viu-a nas sombras a fitá-lo
com indisfarçável admiração. E naquele momento ele soube que estava
perdido. Agarrou a toalha e, encarando-a, ergueu-se na água.
— Foi ótimo conhecê-la também, Sophie Harrington... romancista.
O ambiente mergulhou num silêncio tão profundo que Benjamin
poderia ouvir o próprio coração bater. Incapaz de se mover ficou ali,
pingando na tina como algum velho demente. Apenas a toalha o cobria do
abdome às partes íntimas.
Sophie virou-se e seguiu para o leito. Sem mais uma palavra, apagou
o lampião.
— Devo fazer minhas preces agora. Boa noite, Benjamin.
— Boa noite, Sophie.
Logo cedo, na manhã seguinte, Sophie voltou com Benjamin até a
residência de Abigail para outra visita.
— Você vai ficar do lado de fora. Desta vez, eu mesmo interrogarei a
moça — disse ele, ao se aproximarem do casebre.
— Acha que arrancará alguma informação que eu não conseguiria?
— Sim. Aquela confiança a irritou.
— Por que não posso estar presente quando interrogá-la? Dê-me
uma boa razão.
— Eu estava lá ontem quando a inquiriu?
— Não. Mesmo assim, acho que conseguiremos mais se trabalharmos
juntos.
Uma batida na porta não recebeu resposta. Benjamin rumou para os
fundos, seguido de perto por Sophie.
A Sra. Grant trabalhava numa tina enorme, lavando roupas no
esfregador, com os nós dos dedos ralados.
Benjamin aproximou-se com seu sorriso desconcertante.
— Bom dia, Sra. Grant. Ela o encarou com certo cinismo.
— Bom dia...
— Vim ver sua filha.
— Abigail não está aqui.
— Sabe onde eu poderia encontrá-la?
— Não. Fugiu. Foi atrás daquele sem-vergonha, Fletcher Thurman, eu
suponho.
Sophie postou-se ao lado de Benjamin.
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CHE 211 - Sandra Madden - A FILHA DO ALMIRANTE
— Sabe para onde Fletcher foi? A sra. Grant fez uma careta.
— Não, e não me importa. O cretino prometeu que traria dinheiro. E
que compraria uma casa e se casaria com minha menina. Soprou fumaça
ao vento, e Abigail, aquela estúpida, acreditou nele.
— Abigail não é estúpida.
— E que tipo de dama é a senhorita?! Onde está sua acompanhante?
— Não preciso de acompanhante. — Sophie empinou o queixo. — Sou
uma mulher independente.
— Ah! — A mãe de Abigail jogou a cabeça para trás, e uma mecha de
cabelos grisalhos lhe caiu sobre os olhos. — Não, Srta. Harrington, não é.
Olhe para mim e verá uma mulher independente. Observe-me bem de
perto. Jamais houve nenhum homem para me sustentar, nem a meu bebê.
Nunca. Ele morreu antes de Abigail nascer.
O nó na garganta de Sophie cresceu como uma bola. Ela não sonhava
com o tipo de independência que a lavadeira conhecia, jamais considerava
vir a ter uma vida assim.
— O almirante Harrington me designou para proteger a Sra.
Harrington nesta visita — disse Benjamin. — Para todos os efeitos, sou eu
seu acompanhante.
A Sra. Grant afastou os fios brancos dos olhos com as costas da mão.
— E quem irá proteger a jovem dama de você? Benjamin reagiu com
um franzir de testa e um prolongado pigarrear.
— Pode ter certeza de que Sophie Harrington está segura comigo.
A Sra. Grant não pareceu impressionada.
— Não imagina onde Fletcher ou sua filha possam estar?
— Não, senhorita, e que bons ventos os levem.
A expressão de Benjamin permaneceu serena ao se despedir da
amarga mãe de Abigail.
— Obrigado por sua ajuda, Sra. Grant. Tenha um bom dia. — Com
um ligeiro gesto de cabeça, virou-se e saiu do quintal. Sophie correu para
alcançá-lo.
— O que faremos agora?
— Por que continua usando o pronome "nós"? — ele perguntou, sem
parar. — Você e eu não estamos ligados.
— Seguimos atrás da mesma coisa.
— Por motivos diferentes. Eu estou comprando minha liberdade, não
a sua. Procure se lembrar disso.
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Capítulo XIII
imagina. É a única mulher que poderia parecer aborrecida por ter aquele
marujo lindo como acompanhante.
— Não fiquei aborrecida o tempo todo — admitiu Sophie, baixinho.
Terminou o banho de certa forma descansada, mas logo depois via-se
de pé em frente ao espelho, com Flora drapeando e prendendo o traje em
estilo de toga emprestado por Rosalind.
Por fim, a garçonete recuou para apreciar seu trabalho.
— Flora diz que o vestido está perfeito.
— Acho que sim. — Sophie lançou um olhar de relance para o
espelho. — Mas não pareço que vou a um baile de máscaras.
— Quando ouvir a música esquecerá seu problema... o que, na
humilde opinião de Flora, você precisa fazer. Ficou por demais arrasada.
— Também ficaria arrasada se seu romance tivesse sumido e
Benjamin Swain corresse para reavê-lo.
Flora jogou a cabeça para trás e gargalhou.
— O que escreveu sobre ele?
— Nada de mais. Só um parágrafo ou dois.
— Parágrafos maliciosos? — brincou Flora. Seus olhos verdes
faiscavam de divertimento.
— Como pode rir quando uma vida inteira está em jogo? Minha vida!
Em vez de dançar, eu deveria descansar, raciocinar, planejar.
— Tome cuidado com o que está planejando, amiguinha. Eu lhe direi
com muita franqueza, sendo eu mesma uma mulher independente: esse
nem sempre é um caminho feliz.
— Farei com que eu seja feliz.
— A partir de amanhã. Hoje, Flora acha que você será a bela do baile
de máscaras. Rosalind lhe emprestou um vestido que fará com que todos
os olhos a sigam quando caminhar.
Sophie meneou a cabeça, com cuidado para não soltar uma das
pregas do trabalho de Flora.
— Não me importo de ser a bela.
— Rosalind disse a sua criada, que me contou, que ela espera ser
convidada para sua casa em breve. Está um fala-tório só na cozinha. Sua
colega de escola tem a impressão de que você há de querer lhe retribuir a
hospitalidade. E, em Annapolis, Rosalind Montrose planeja encontrar um
belo oficial da Marinha, tal como Benjamin Swain, para desposá-la.
— Mas Benjamin não é um oficial.
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Sophie teve de morder a língua para não perguntar a Flora o que ela
sabia sobre as mulheres de Benjamin. Prostitutas sempre freqüentavam a
Taverna Reynolds, e ela vira os olhares de cobiça que Benjamin recebia
das garotas quando andava pela rua.
Será que ele gostava das altas ou das mignon! Estaria inclinado para
alguma em particular? Se alguém soubesse, seria Flora. Mas Sophie não
poderia questionar sem parecer Interessada nos assuntos de Benjamin.
— Acho que você poderia ir ao baile de máscaras.
— Flora precisa dormir Sophie.
— Passou uma noite insone? Ficou tão preocupada comigo assim?
— Na realidade, Flora ficou preocupada com você, mas Graham e eu
passamos a noite no gazebo ao lado do lago.
— O que faziam lá?
— O que acha?
— Não tem medo de que... possa ficar numa situação delicada?
— Flora já lhe disse que existem meios para evitar tais problemas.
Porém não me importaria de dar um filho a Graham.
— Não?
Com um sorriso quase constrangido, Flora meneou a cabeça.
A garçonete queria ter um bebê! Abigail logo daria à luz, e Rosalind
expressava o desejo de conceber filhos, de preferência com Benjamin.
Parecia que as mulheres que Sophie conhecia melhor não tinham medo de
fazer amor. Nem de engravidar. Por outro lado, não compartilhavam do
histórico familiar de Sophie.
Com relutância, seguiu pelo corredor, em direção à música e às
risadas. Pelo menos Benjamin também estaria lá. Não deveria ficar no
quarto a traçar planos para capturar Fletcher Thurman. E até seria possível
divertir-se um pouco com aquele marujo de derreter corações.
— Não esqueça seu dominó! — E Flora correu atrás de Sophie com
Capítulo XIV
— Com todo o respeito, senhor, sua filha alega ter uma |imaginação
fértil, mas talvez o diário não seja tão...
— Soube de alguma coisa?
— Abigail Grant está prestes a dar à luz e quer se casar com o pai da
criança.
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CHE 211 - Sandra Madden - A FILHA DO ALMIRANTE
Nada mais seria o mesmo entre os dois outra vez, e não tinha
ninguém além dela mesma para culpar. Mas aquele beijo... Haveria
sempre de se recordar do beijo de Benjamin. Swain interrogou dois
lavradores que tinham visto Fletcher na véspera, porém uma busca pela
área norte não revelou traço de Thurman ou Abigail.
— Amanhã de manhã começarei de novo a procura.
— Por favor, Benjamin, não vamos parar agora. Há um celeiro logo
ali na estrada, olhe.
— Sophie apontou colina abaixo. — Por favor, vamos verificar antes
de desistirmos.
Para alegria de Sophie, Benjamin concordou e incitou o cavalo para
frente.
A estrada de terra conduzia a um celeiro abandonado e às ruínas de
uma casa de fazenda que queimara até o chão, meses atrás. Onde a cor do
celeiro não mudara do vermelho para o tom de ferrugem, a pintura
descascara. As dobradiças de uma porta tinham se perdido, fazendo com
que a porta ficasse um tanto aberta, meio caída.
Benjamin foi incapaz de recusar o pedido de Sophie, embora a
escuridão da noite se aproximasse. Quando aqueles extraordinários olhos
de água-marinha, sombrios de desapontamento, encontraram os dele, seu
peito reagiu com um aperto insuportável. Naquele fugidio momento,
Sophie lhe parecera tão doce e vulnerável como uma sereia perdida nas
ondas de um estranho mar desconhecido.
Assim que chegaram ao celeiro, ele desmontou e estendeu os braços
para auxiliar Sophie. As mãos dela pousaram-lhe nos ombros, as dele a
circundá-la pela cintura. Benjamin ergueu-a, segurou-a. Não queria que
seu corpo deslizasse contra o dela e, ao mesmo tempo, desejava muito
que isso acontecesse.
Imobilizado pela indecisão, Benjamin hesitou. O olhar d# Sophie
estava cravado no dele. A pulsação em suas veias acelerou como se de
repente ele estivesse em perigo. Respirando fundo, tirou-a do cavalo e
colocou-a no solo com firmeza, longe de si.
— Não se mova — avisou-a num tom rouco, antes de se voltar para
amarrar os cavalos numa carroça quebrada, perto dali.
Sophie fitava a entrada do celeiro como se quisesse que Abigail,
Fletcher e seu diário estivessem lá dentro.
— Entrarei primeiro, Sophie. Fique atrás de mim. Benjamin nem
mesmo sugeriu que ela esperasse até que
ele revistasse o celeiro. Teimosa demais para aceitar ordens, Sophie
faria o que lhe aprouvesse, o que poderia ser mais arriscado do que se
ficasse perto dele.
A tensão deixou Benjamin de músculos retesados. Mente alerta, ele
receava que pudessem cair numa armadilha.
Avançou com cautela. Por tudo que sabia, Fletcher poderia estar
armado e preparado para atirar. Se algo acontecesse a Sophie, Benjamin
jamais se perdoaria.
Benjamin esgueirou-se pela porta aberta. Esperou até que sua visão
se ajustasse à diferença de claridade. A fresta de luminosidade da porta e
uma larga abertura no teto proporcionavam iluminação.
Apressado, Benjamin deu quatro passadas e chegou a um espaço
aberto usado para guardar carroças, foices e utensílios de lavoura.
Decidido a investigar o paiol primeiro, rumou para a escada que
conduzia ao andar superior. Sophie apoiou-se numa engenhoca de ceifar
enquanto subia. Uma fina camada de feno velho cobria o chão, e num
canto, ao fundo, uma enxerga de cavalo fora estendida sobre um monte de
palha. Duas velas, queimadas até o toco, se achavam de um lado da
manta.
— Eles estiveram aqui — Sophie murmurou, atrás de Benjamin.
— Alguém esteve aqui — corrigiu-a.
— As baias estão vazias.
— Não desanime. Só começamos a procurar.
— Mas estou ficando sem tempo. A oportunidade de viver como
sonhei se esvai a cada minuto.
Ao ver-lhe a expressão angustiada, Benjamin se esqueceu do que
significava para ele recuperar o diário. Tudo parecia menos importante do
que salvar o sonho impossível e improvável de Sophie.
Ele se rendera.
— O mais provável é que Fletcher e Abigail estejam se mudando de
um lugar para outro, escolhendo refúgios abandonados como este. Olhe. —
Pegou Sophie pela mão e puxou-a para baixo, forçando-a a se sentar nos
calcanhares como ele, examinando os tocos de vela.
— Faz pouco que essas velas terminaram de queimar.
— Acha que estiveram aqui ontem?
Benjamin não sabia, mas sentindo uma imperiosa necessidade de lhe
manter a esperança viva confirmou.
— Nós os encontraremos amanhã.
Capítulo XV
Benjamin não iria se culpar por ter feito amor com Sophie. Um
homem poderia ser arrastado a ir tão longe! Porém, Deus do céu, o que
fizera? E com a filha do almirante!
Passaria o resto da vida confinado numa pequena cela em alguma
ilha esquecida. Contudo, sempre se lembraria da hora encantada que
tivera com Sophie Harrington.
Jamais experimentara a avassaladora paixão que sentira ao tomar
para si o corpo flexível e adorável. Sophie o fizera ultrapassar as fronteiras
do êxtase. Fazer amor adquirira um significado inteiramente novo e muito
perturbador.
Quando Benjamin saiu do celeiro, seus joelhos bambeavam como os
de uma menina de escola. Abalado, confuso e flutuando no que parecia
uma fina película de ar que o sustinha acima do chão, acompanhou Sophie
para casa num pesado silêncio.
Até poucos dias atrás, era um homem honrado de intenções
honradas. Sophie o tornara incapaz de honradez no que lhe dizia respeito.
Consumido de desejo por uma mulher que jurara conquistar a
liberdade e independência a qualquer custo, ele temia pela própria
sanidade.
Para seu alívio, Sophie parecia perdida em conjecturas e não quis
conversa, ou pior, explicações. Benjamin lançou-lhe um olhar de esguelha.
Ela ostentava uma expressão sonhadora. Um ligeiro sorriso brincava no
canto de seus lábios, inchados pelos beijos dele. Se não estivesse
enganado, havia um brilho novo e diferente em seus olhos.
— Sophie... tomei sua... sua mais preciosa dádiva, e eu...
— Não diga mais nada, Benjamin. Fiz minha escolha, uma da qual
não me arrependo e jamais me arrependerei. — Ao fitá-lo enviou-lhe um
deslumbrante sorriso.
Benjamin conteve a respiração. Poderia haver uma mulher mais bela,
mais encantadora?
Seu coração disparou no peito como o de um adolescente
apaixonado. Benjamin faria qualquer coisa por Sophie, a não ser aquilo
que ela mais desejava. Quando recuperasse o diário, entregá-lo-ia ao
almirante ou enfrentaria uma existência atrás de uma escrivaninha em
terra.
Despediu-se de Sophie na porta dos fundos da mansão. Embora se
sentisse relutante em deixá-la, Sophie, em evidente estado de enlevo,
irradiava luminosidade ao lhe desejar boa noite.
Ele não compreendia os próprios sentimentos... ou os dela.
Quando chegou ao quarto no sótão, duas cartas o esperavam. Com a
pulsação acelerada, abriu a primeira com visível impaciência. Era de Matt,
portanto significava que seu irmão ainda estava vivo. Na breve mensagem,
Matt dizia que estava de partida dos campos de ouro e retornando para
Nantucket. Prometia vir a Annapolis para visitar Benjamin antes de seguir
para casa, para assumir os cuidados com a mãe.
Pobre Matt. Benjamin podia ler nas entrelinhas. Seu irmão não se
saíra bem nas minas e se voltara para o único caminho que lhe restava:
cuidar da mãe. Benjamin ficou agradecido.
A segunda missiva continha um convite para a recepção no ar livre
do tenente Gilbert Frawley e senhora ao cair da noite seguinte. O motivo
era celebrar a conclusão dos mais novos dormitórios da Academia.
Benjamin nunca fora antes convidado para uma das festas de gala
dos Frawley, e eles recebiam com freqüência. Não participava de festas no
jardim. Não conseguia equilibrar xícaras de porcelana no joelho. Não tinha
treinamento no uso do garfo adequado.
Deixou o convite de lado. Queria apenas um gole de uísque, uma
sonora canção e um bom charuto. Contudo, não linha dúvida de que
Sophie compareceria, acompanhada de Andrew Ferguson. Talvez ele
devesse ficar a postos.
Sophie acordou pela manhã com um sorriso. Seu corpo murmurava
de alegria, seu coração se rejubilava. Não havia dúvida de que o doce
estado de languidez tinha a ver com o ato de amor com Benjamin.
Se pelo menos ele estivesse ali na cama, com ela! Da próxima vez...
e prometeu a si mesma que haveria uma próxima vez... queria virar a
mesa e seria ela a fazer amor com o instrutor de navegação.
Por mais que apreciasse ficar deitada durante todo o dia, linha muito
que fazer. Havia inúmeros casebres abandonados na região que poderiam
servir de esconderijo para Fieicher e Abigail.
Porém, primeiro precisava ir ver Flora. Sua amiga se gabava de ter
um pequeno frasco de pílulas francesas de uso feminino que prometiam
purificar o sistema. A idéia de ter um filho de Benjamin deixava Sophie
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Abigail.
— Quando tudo acabar, quero que vá para casa comigo. — Sophie
desejava com fé que Abigail fosse uma das afortunadas mulheres que
sobreviviam aos rigores de um parto.
A jovem deixou escapar um gemido abafado.
— Empurre! — Sophie recordou-a, esperando soar tão autoritária
como Flora.
— Força!
Cuspindo o pano da boca, Abigail soltou um grito agoniado e apontou
para o pé da cama.
Sophie saltou e correu a tempo de ver uma cabeça apontando entre
as coxas dela.
— Jesus! — Afastando a camisola de Abigail até acima do ventre,
uma mescla de deslumbramento e excitação apertou o estômago de
Sophie. — Empurre!
O rostinho e os ombros da criança apareceram.
Abigail urrou.
O coração de Sophie ameaçava saltar pela boca.
— Mais uma vez, Abigail! Força!
Com um poderoso esforço que sacudiu a cama e vibrou no último
arranco da jovem mãe, o bebê nasceu, com um vagido de protesto.
Lágrimas de alívio e alegria escorreram pelas faces de Sophie quando
a criaturinha escorregou para suas mãos. Segurou a criança, desajeitada,
temendo que pudesse machucá-la e, com toques gentis, limpou a boca do
recém-nascido, provocando uma explosão de gritos de indignação. Incapaz
de controlar o fluxo da própria emoção ou os arrepios, Sophie aninhou a
criança molhada e enrugada nos braços.
— É uma menina, Abigail. E é linda!
— Dê-me meu bebê, srta. Sophie.
Abigail estava viva e parecia esplêndida! A despeito do excessivo suor
e das manchas arroxeadas sob os olhos, a nova mãe vivia e parecia bem.
E mais feliz do que jamais Sophie pudera imaginar.
Sophie depositou o bebê sobre o colo de Abigail.
— Acho que a próxima coisa a fazer é cortarmos o cordão. — E olhou
ao redor à procura de algo para concluir a tarefa.
Enquanto procurava, a porta se abriu e Flora irrompeu para dentro
com uma profusão de coisas de bebê. Sophie sorriu para ela.
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que fizesse, mas não se desviava de Sophie. Não a vira o dia todo, e não
conseguia fartar-se de vê-la. Além disso, ela lhe devia algumas
explicações. Onde estivera e o que estaria aprontando?
A oportunidade de conversar com Sophie não se apresentou. Assim
que os cumprimentos e gentilezas foram trocados, Andrew postou-se ao
lado de Benjamin e lhe deu um tapinha nas costas como se fossem
colegas.
— Você ficará interessado em saber, Swain, que em complemento às
aulas de sua turma, consegui implementar o içamento de velas e o uso de
vapor em uma embarcação. Minhas idéias progressistas de engenharia não
sofreram com sua nova incumbência.
Ele se vangloriava, o asno pomposo. E tinha mau hálito.
— Estou ansioso para ver seu navio — afirmou Benjamin, todo gentil.
— Não encontrará um melhor. Estarei no leme dirigindo o futuro da
Marinha.
Era mais provável que Ferguson ficasse estacionado na popa, a
admirar o passado.
Benjamin sorriu como se concordasse com a noção absurda de
Ferguson sobre velas e vapor. Além de tudo o mais, era óbvio que faltava
presciência ao capitão. Navios de guerra movidos a vapor e, quem sabe,
submersíveis, eram sem dúvida o futuro da frota.
— Ouviu dizer que em breve a Companhia Collins estará lançando um
navio a vapor para viagens transatlânticas, capitão? Querem competir com
Cunard, e eu não ouvi menção a velas.
— Ótimo para um empreendimento comercial, mas as velas são
parte integrante da tradição da Marinha.
— Ficarei ansioso para seguir a bordo de sua embarcação. —
Benjamin deduziu que discutir não adiantaria nada.
Era uma pena, mas muitos oficiais navais compartilhavam da atitude
de Andrew, que precisava mudar se a Marinha quisesse sair de seu estado
atual de estagnação.
Antes que Benjamin pudesse se dirigir a Sophie, o almirante
Harrington pegou-o pelo cotovelo e guiou-o para longe da filha, que
pareceu aborrecida com isso. Benjamin sentiu o mesmo.
Quando se viu longe de ouvidos indiscretos, a expressão agradável
de Harrington transformou-se numa careta ameaçadora.
— Ainda não localizou aquele sujeitinho, o tal Fletcher?
— Não, senhor, mas estou perto. Durante a maior parte do dia,
Capítulo XVI
urso. Fazia quatro anos que vira Matt, durante os quais se preocupara,
temera e imaginara que ele perdera a vida nos rudes campos de ouro da
Califórnia.
— Jamais fiquei tão feliz em ver alguém!
— Ora, você nunca disse isso antes! — Matt afastou-se. A audácia
ainda brilhava em seus olhos azuis, mas o rosto de adolescente escurecera
pelo sol até a textura de uma vela sela de couro.
— Jamais me senti do jeito que me sinto agora.
— Macacos me mordam se você não é um marujo da Marinha de
guerra! Nossa mãe me escreveu, dizendo que você se fora e se alistara,
mas era difícil acreditar que meu velho irmão iria aceitar ordens de algum
marinheiro do governo.
— É duro, mas aceito. Sabe as colinas da Califórnia não lhe causaram
danos, Matt. Você me parece bem, muito bem.
Embora os cabelos desgrenhados de Matt indicassem a necessidade
de um bom corte, continuava um rapaz bem-apessoado. Sua aparência
ficara mais interessante com o passar dos anos e a experiência adquirida.
— Estou bem, de fato. — Riu e enfiou a mão pelos cabelos em
desalinho. — Vim vê-lo para uma visita rápida antes de tomar o caminho
de Nantucket. Mamãe me disse que você estava aqui. Recebeu minha
carta?
— Ontem mesmo.
Matt deixou escapar um muxoxo.
— E possível cruzar o país mais depressa do que o correio funcionar
no prazo.
— Quando chegou a Annapolis?
— Faz pouco, na última diligência da tarde. Fui até os alojamentos,
mas não o achei.
— Eu estava... numa recepção ao ar livre.
— O quê?! Recepção ao ar livre?! — Matt soltou uma gargalhada que
ecoou pela taverna e quase sacudiu o teto.
Benjamin endireitou-se numa postura de "atenção".
— O pessoal da Marinha cumpre as funções a que é obrigado.
— Acho que é melhor voltar a Nantucket comigo, Benjamin, antes
que a Marinha faça de você um rato.
— Vamos nos sentar.
Com a mão nas costas do irmão, Benjamin conduziu-o até uma
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— O quê?
— Tenho meus próprios planos para o futuro de Fletche Thurman.
— Aquele sujeito é perigoso, Sophie. Fique longe dele e deixe que eu
cuido disso.
— E depois vai entregar meu romance a meu pai e sairá de Annapolis
no primeiro navio que partir do porto.
— Você está escrevendo um novo romance, eu vi o outro diário.
Talvez seja aquele com o qual ganhará sua independência. E nesse caso,
ambos teremos conquistado o que buscávamos.
— E assim parece que não poderíamos mais ficar juntos.
— Talvez não. Porém sempre poderemos ser amigos. Não importa
onde eu estiver no mundo, sempre comprarei e lerei seus romances. E lhe
escreverei longas cartas de meu navio, descrevendo tudo à vista. Você
será a primeira a ver meus projetos para os navios que levarão a Marinha
para o futuro.
— Calou-se e tomou-lhe as mãos nas suas. — E você me i escreverá
do chalé da rua Príncipe George contando sobre sua última escapada.
— Sim, sim, eu contarei!
— Temos nossas lembranças.
— E temos esta noite.
— O quê? Como poderia pensar em fazer amor com a filha do
almirante em seu quarto? Que tipo de tolo faria uma coisa louca e ousada
dessas debaixo do teto do oficial comandante?
Ele. Naquele instante, ao fitar os olhos luminosos de Sophie,
Benjamin sentiu-se esse tipo de tolo.
O momento seguinte apagou toda dúvida e o bom senso que lhe
restara.
— Se esta for nossa última vez juntos, eu gostaria de recordar o
amor que partilhamos Benjamin. Portanto, tranque a porta e deixe-me
amá-lo.
Era arriscado. Se fosse flagrado no leito de Sophie, Benjamin seria
trancado a ferros e jogado numa prisão pelo resto da vida.
— Sei o que estou lhe pedindo, e entenderei se preferir sair.
Aquilo não soava como palavras da desafiadora e impudente Sophie
que ele conhecia; nem era a futura romancista inclinada a conduzir
pesquisas íntimas. 0 desejo aprofundara o tom e emprestara à voz dela
uma rouquidão incomum. De uma nova mulher. Que o desejava.
raios de sol, mas um olhar lhe bastou para que se desse conta de que o
dia nascera fazia algum tempo. O astro-rei ardia forte já, os raios a se
infiltrar pelas janelas.
Estendeu a mão para o travesseiro ao lado. Puxou-o e enterrou a
face na fronha macia. Aspirou fundo, tomada de languidez. O aroma viril
de Benjamin Swain se agarrou à fronha onde a cabeça de seu amado
descansou até as horas mais densas da noite. Em algum momento, bem
depois de Sophie ter adormecido aninhada nos braços dele, Benjamin se
foi.
A serenidade interna que muitas pessoas conheciam, mas que
sempre se esquivou dela, Sophie encontrou por fim junto de Benjamin.
Envolvida por aquele abraço caloroso e forte, sentiu-se mais leve que o ar
que respirava. Seus pés não mais tocavam o chão, e Sophie vagueara por
trilhas de imaculadas nuvens brancas. Pairara sobre luminosas águas de
um azul tranqüilo.
Sem jamais ter feito amor com um homem, uma tímida incerteza
reprimiu Sophie no início. Todavia, quando pousou as palmas naquele
tórax compacto, os dedos a formigai ao toque dos músculos rijos, dos
pêlos encrespados, da carne irregular, em questão de minutos sua inibição
se dissipou, substituída por uma paixão avassaladora.
Aquela, porém, fora a última noite, e essa era a nova manhã. Com
relutância, pôs o travesseiro de lado. Gostaria de poder afastar as
lembranças de Benjamin com a mesma facilidade. Se não pudesse ter o
belo marinheiro consigo, não teria nada.
Mas ainda lhe restava um sonho. Depois de se vestir apressada,
Sophie recusou o desjejum e saiu para uma missão mais importante, uma
que poderia lhe mudar o destino.
— Espere, Srta. Harrington! "O assistente de papai. Droga!"
Sophie estava a caminho da casa de Flora, com a intenção de
interrogar Abigail antes de Benjamin. Tinha planos de procurar Fletcher
Thurman por conta própria.
Ciente de que poderia precisar de mais que determinação para
recuperar seu romance, carregava uma pistola Derringer na bolsa. O
pequeno revólver era a última palavra em armas. Sophie o emprestara da
caixa de armamentos do almirante com a certeza razoável de que o sumiço
não seria notado por algumas poucas horas. Também enfiara as economias
na bolsa. Em um ano, poupou trinta dólares da mesada. Em sua opinião,
aquela era uma grande quantia de dinheiro, mais do que valia a
informação contida no diário.
O bandido teria de se dar por satisfeito com muito menos do que
Capítulo XVII
ergueu a cabeça e marchou para fora do escritório sem um olhar para trás.
Conhecia seu histórico. Mais de um marinheiro enfrentara a morte
por se recusar a obedecer a uma ordem do almirante. Mesmo assim, ela
não poderia voltar para o quarto quando todos os seus sonhos
desmoronavam em tomo dela como uma chuva de cinzas.
Benjamin encontrou-se com seu irmão do lado de fora da diligência,
ao raiar do dia. Estar com Matt de novo fora unia bênção, e não porque
seu irmão fosse agora um homem rico Saber que ele triunfara e superara
todos os obstáculos dava lhe um enorme prazer.
Ver que Matt se tornou um homem amadurecido com planos de fincar
raízes em Nantucket removia um lastro de remorso dos ombros de
Benjamin. Não seria mais apenas ele o responsável pela mãe; não mais
teria de se preocupai em povoar o mundo com pequenos Swain.
Imensas nuvens pesadas e cinzentas rolavam pelo firmamento,
prometendo tempestade antes que o dia findasse Benjamin correu para o
quarto de Flora, em cima do estábulo. Se tivesse sorte, e era hora de a
sorte aparecer, arrancaria em breve informações de Abigail. Decidido a
encontrar e capturar Fletcher Thurman antes do meio-dia, Benjamin
imaginava que poderia ter seus papéis de embarque a hora do jantar.
Subiu as escadas da residência de Flora de dois em dois degraus.
Sem tentar ocultar a ansiedade, bateu na porta. Depois de esperar um
pouco, ninguém veio atendê-lo. Apurou a audição. Nenhum choro de
criança. Nenhum barulho. Se Abigail tivesse sumido, ficaria furioso.
Cruzando os braços, Benjamin olhou para a porta fechada como se
ela pudesse lhe dar respostas. Ouviu o som abafado enquanto pesava as
opções que lhe restavam. Não hesitou Com o ombro, arrombou a porta. —
Flora!
A pobre Flora jazia amarrada e amordaçada no chão. Seus olhos
verdes reluziam de ira, seus cabelos ruivos caíam em uma massa
embaraçada. Apenas de camisola, parecia ter começado o dia pelo lado
errado da cama. Não que Benjamin ousasse mencionar o fato a ela.
Ao se agachar ao lado da lívida mulher, Benjamin tirou-lhe o lenço
desbotado que lhe tapava a boca. Em vez de agradecer, Flora gritou:
— Se eu pegar aquele maldito, eu o matarei!
Seus braços estavam manietados atrás das costas, as pernas, presas
pelos tornozelos. Benjamin trabalhou rápido para libertá-la.
— Isso quer dizer que conheceu Fletcher Thurman?
— Ele pegou Abigail e o bebê. Que tipo de homem ameaça matar a
própria filha?!
quem não gosto, ou meu pai me porá na diligência para Saint Louis. Estas
são minhas opções! Flora colocou o pé descalço sobre as costas de Sophie.
— Ninguém pode forçá-la a se casar ou deixar a cidade.
— Meu pai tem seus meios. A garçonete suspirou.
— Benjamin está fazendo isso para seu próprio bem. Ele não quer
que você se machuque.
Apoiada nos cotovelos, Sophie esticou-se e olhou por sobre o ombro,
vendo a ruiva que a mantinha cativa.
— Benjamin não sabe o que é bom para mim, Flora. Andrew
concordou em pagar o resgate se meu pai assinar os papéis de dispensa de
Benjamin. Andrew ficará com meu romance, e Benjamin será mandado
para o mar. O almirante Johnson não olhará para seus projetos de navio, e
ele não viverá uma vida independente.
— O capitão Ferguson é um homem ciumento.
— Não tem razão para isso.
— Claro que tem. Deve ter notado o jeito como Benjamin a olha. A
cidade inteira sabe que Benjamin Swain está louco de amor por você.
— Não!
— Não falam mais de seus calções, mas do belo casal que você e o
instrutor de navegação fazem.
— É apenas falatório. Será que sempre serei perseguida por esse tipo
de coisa?
— Pela primeira vez, é verdade.
Por mais que Sophie desejasse acreditar em Flora, julgava
impossível. Benjamin jamais dissera que a amava, nunca indicara que
haveria de preferir ficar em Annapolis com ela que fora, no mar.
Embora se orgulhasse de possuir uma formidável imaginação, Sophie
não poderia permitir que seus devaneios criassem pernas e fugissem de
seu controle. Benjamin Swain já lhe roubara o coração e a fizera renegar o
voto de castidade. Não poderia deixar que ele interferisse em sua
derradeira determinação.
— Não tenho tempo para mexericos, Flora. Se Fletcher Thurman
chegar à ponte e pegar o resgate, meu romance será destruído. Meu pai e
Andrew irão jogá-lo no fogo. Meses de escrita terminarão em cinzas, e eu
não terei chance de viver por minha conta, como sempre sonhei. Alguém
mais, que não serei eu, irá morar no chalé da rua Príncipe George.
Não mencionou o que poderia acontecer se Wesley ou Andrew lessem
o diário. Se o almirante se reconhecesse, iria deserdá-la, e Andrew saberia
viver a vida com que sonhava no chalé dos Bailey, na Rua Príncipe George.
— Volte! — gritou para Flora, antes de correr para a mata, em
direção ao moinho.
E Sophie se foi, em desabalada carreira.
Ela diminuiu o passo quando chegou perto. A porta estava aberta e
batia com o vento, que ganhava força a cada minuto. Os primeiros outros
sons que escutou foram o choro do bebê e os soluços de Abigail.
Receando o pior para a antiga criada e a criança, refreou o impulso
de irromper moinho adentro. Em vez disso, entrou com cuidado, a se
esgueirar pela escuridão.
Quando sua visão se ajustou à pouca luz, Sophie reagiu com um arfar
horrorizado. Benjamin jazia no solo. Abigail, agarrada à criança, se
agachava ao lado dele, a implorar:
— Levante-se, Benjamin. Por favor, meu Deus, faça-o se levantar!
Arrojando-se para o lado dele, sem pensar em si mesma, Sophie caiu
de joelhos.
— O que aconteceu?
— Fletcher... Fletcher tinha uma faca. — Abigail soluçou. Pôs-se de
pé e se afastou. O bebê chorou mais alto quando a mãe o colocou num
monte de feno a um canto.
— Benjamin, Benjamin, você pode me ouvir?! — Sem esperar pela
resposta, Sophie rolou o corpo inconsciente para cima, com a ajuda de
Abigail.
Seus olhos caíram sobre o diário. Seu precioso romance ficara sob o
peito dele e lhe aparara o sangue. "Sangue!"
O sangue manchava a jaqueta azul e a camisa branca. Sophie rasgou
uma tira de Unho da anágua. Seus dedos tremiam tanto que mal
conseguia desabotoar os botões da camisa de Benjamin. Ao comprimir o
pano sobre o ferimento, os olhos dele se entreabriram.
— Sophie?
— Não fale. Você ficará bem. Voltaremos para a cidade e o levaremos
a um médico o mais rápido possível.
Ele respirou com dificuldade, murmurando:
— Pegue seu livro, Sophie. Vá embora, saia daqui. Lágrimas
escorreram pelo rosto dela.
— Mas e sua designação para o navio, seus projetos navais? —
perguntou.
Capítulo XVIII
Sophie pensou que seu coração fosse se partir. Paralisada por uma
dor tão palpável que mal a deixava respirar, afastou as mechas que tinham
caído sobre a testa de Benjamin. Dividida entre fugir e ficar ao lado dele
pressionou o ferimento mais firme.
Incapaz de estancar o sangramento encostou o ouvido no peito dele e
ouviu as fracas batidas do coração de Benjamin. Um calafrio a percorreu e
lhe enregelou os ossos.
Se Sophie quisesse reclamar o futuro que sonhara por tanto tempo,
teria de correr. Não havia escolha a não ser aventurar-se pela tempestade
para salvar seu sonho... ou Benjamin.
— Não houve nada que eu pudesse fazer para impedir Fletcher de
esfaquear o marinheiro Swain — Abigail choramingou.
indignada.
Com um suspiro, Sophie voltou-se e rumou para a escada.
— Voltarei tão cedo quanto possível.
Reunindo mais coragem do que jamais acreditaria que possuísse,
Sophie saiu correndo do moinho em meio à tempestade.
Sophie irrompeu pela porta do hospital da Academia Naval, aos
gritos, pelo corredor vazio:
— Dr. Collins! Dr. Collins!
O médico atendeu ao chamado de imediato. Ensopada até os ossos e
a molhar o chão brilhante, Sophie descreveu as condições de Benjamin e
onde ele fora mortalmente ferido.
— Irei com o senhor, eu lhe mostrarei onde...
— Não há necessidade de que saia na tempestade de novo, srta.
Harrington. Não se preocupe, conheço o moinho. Posso encontrá-lo sem
dificuldade.
Sophie ia argumentar, mas naquele instante a porta do hospital
bateu e se abriu como se empurrada por uma lufada forte de ventania. O
almirante se dirigiu a ela, transtornado
— Minha filha está doente?!
— Não, senhor. — O Dr. Collins esboçou um sorriso tranqüilo e
cordial. — Mas um banho quente e cama seriam excelentes para a Srta.
Harrington.
— Venha, Sophie.
Ela não ousou protestar. A raiva gélida e sombria que luzia nos olhos
de seu pai ameaçava explodir a qualquer momento. Confiante de que o
médico iria ao encontro de Benjamin de imediato, empinou o queixo e
precedeu o ai mirante, ao deixar o recinto.
Benjamin viveria, e seu diário era dele para que fizesse o que lhe
aprouvesse.
Benjamin sentia-se emergir de um escuro nevoeiro. Avançava
devagar pela escuridão úmida. Quando por fim a nevou se dissipou,
substituída por uma luz embaçada que vinha de cima, ele abriu os olhos, a
pestanejar.
Onde estava?
Seu peito doía como se tivesse sido atingido por um ferio quente.
— Marinheiro Swain? Benjamin virou a cabeça.
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— Aspirante Baker?
O alto e desajeitado rapaz sorriu-lhe e ergueu-se da cadeira a um
canto onde estivera sentado, atento. Cumprimentou Benjamin com uma
saudação formal:
— Sim, senhor. Como está se sentindo, senhor?
— Como um homem que esteve à deriva no mar sem uma vela, por
vários meses. Fraco, em outras palavras. E tenho uma dor pavorosa no
tórax. Alguém me tirou o coração? — brincou, tentando minorar a própria
condição.
— Não, senhor. O Dr. Collins o suturou, mas não tinha certeza de
como estaria quando recobrasse a consciência.
Benjamin olhou ao redor, para o quarto todo branco.
— Onde estou?
— No novo hospital, senhor.
Claro. Embora não tivesse entrado na nova enfermaria, fazia sentido
ter ido parar ali, diante da dor que sentia. E então Benjamin recordou.
Fletcher Thurman. A faca.
— Tenho um corte de faca.
— Sim, senhor. Mas ficará novo em folha. Todos da quarta série se
ofereceram como voluntários para cuidar do senhor. Nós nos revezamos
em turnos desde o começo, quando foi trazido para cá.
— O começo? Quem me trouxe ao hospital?
Antes de desmaiar, a última coisa de que Benjamin se recordava era
de ver as faces de Flora, Abigail e Sophie. As mulheres o fitavam com
variados graus de pavor nos semblantes.
Joseph encheu um copo de água da jarra da mesa-de-cabeceira.
— Tanto quanto sei, o Dr. Collins o encontrou.
— Bem, posso agradecer ao Dr. Collins, mas não sei como agradecer
a uma classe inteira de aspirantes.
— Voltando à ativa tão cedo quanto possível. — O aspirante
estendeu-lhe a água. — O capitão Ferguson não sabe tanto sobre
navegação quanto o senhor. E não creio que goste muito também.
Sentimos sua falta.
Benjamin sorriu.
— E eu senti falta de vocês. Ao dizer isso, percebeu que falara a
verdade.
Gostava das expressões ansiosas dos rapazes quando velejavam
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bandido, Thurman?
— Ele me esfaqueou e correu.
Com um pesado suspiro, o almirante tirou os óculos e começou a
limpá-lo no canto do casaco.
— Um lavrador ladrão nos enganou a todos. O capitão Ferguson
esperou por quatro horas na chuva torrencial para entregar o resgate a
Thurman, e o bandido não mostrou o focinho.
— Talvez eu o tenha assustado.
— É muito provável. Mesmo assim, o safado nos sobrepujou. —
Wesley devolveu os óculos ao nariz. — Você foi ferido, e Andrew está
acamado, com pneumonia.
Benjamin reprimiu um sorriso. Quem a não ser Andrew ficaria à
espera por quatro horas, na chuva?
— Por favor, leve meus votos de pronta recuperação ao capitão
Ferguson.
— Diante do sumiço do diário, ele resolveu não se casar mais com
Sophie.
"Covarde!"
— Não posso culpá-lo — prosseguiu o almirante Harrington. —
Andrew também requereu uma transferência para o serviço naval tão logo
esteja bem de saúde.
— O capitão deve estar desapontado. — Benjamin tentou fazer uma
expressão séria, embora as agradáveis notícias da iminente partida de
Ferguson o deixassem feliz.
O almirante Harrington alisou a barba em V já bem grisalha.
— Só posso transferir um de vocês, e Andrew tem posto superior.
Por mais surpreendente que fosse Benjamin não experimentou a
menor pontada de desapontamento.
— Compreendo senhor.
— Até que o diário de Sophie seja encontrado, minha posição é frágil.
Posso ter ainda minha carreira em ruínas,
— Sua filha é firme em suas decisões. No final, ela pode ter
recuperado o romance. Duvido que Sophie tenha desistido.
— Ela não tem opção a não ser desistir. Estou enviando minha filha
para morar com minha irmã em Saint LOUIS, Deus sabe que tentei, porém
não posso aprovar nem compreender suas idéias estranhas e seu
comportamento.
Capítulo XIX
Antes que ele soubesse o que ela iria fazer, a bela e atrevida filha do
almirante beijou-lhe a palma. O roçar cálido e suave daqueles lábios
macios contra a pele sensível desferiu faíscas por suas veias. A carícia
tinha uma ternura que nunca conhecera, jamais sentira.
Com a mão de Benjamin entre as suas, Sophie aninhou-a contra os
seios.
— Um dia julguei que queria viver uma vida celibatária, mas há
pouco descobri que sou bastante inadequada para uma existência assim
tão fria.
Os pensamentos tumultuados de Benjamin se evaporaram ao
primeiro ranger da cama. Arregalou os olhos.
— Sophie! O que está fazendo?
— Quero ficar perto de você mais uma vez. — E ela se aconchegou.
Antes que Benjamin tivesse tempo de explicar como aquilo poderia
parecer se alguém entrasse no quarto, alguém o fez.
— O que significa isso?! — gritou o Dr. Collins. — 0 que virá a seguir,
quando um aspirante e um instrutor partilham a mesma cama?!
Sophie saltou do leito de Benjamin tão depressa que o quepe caiu-lhe
da cabeça e uma cascata de longos cachos dourados despencou-lhe pelos
ombros.
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levados em consideração?
Sophie sentiu os joelhos amolecerem. Se não estivesse sentada,
cairia, sem dúvida.
— Não estou desistindo, papai. A realidade é que o marinheiro Swain
merece mais do que eu. Ele dará um excelente oficial um dia, e o senhor
será reconhecido também por qualquer recomendação que tenha lhe dado.
O almirante a analisava com suspeita.
— Você se tomou de afeições pelo marinheiro?
Sophie engoliu em seco.
— Essa é a única coisa honrada a fazer.
— Eu já designei o capitão Ferguson para o serviço do mar.
— Andrew deixou a Academia?
— Sim.
— Ele não se despediu.
— Pode culpá-lo? Sim, Sophie poderia.
— Creio que um adeus seria a atitude correta. Eu gostaria da
oportunidade de ajeitar as coisas com ele.
— Talvez. Ou quem sabe eu não julgasse prudente para você.
Intrigada ao ouvir a afirmativa do pai, Sophie aventurou-se a dizer:
— Mas o senhor tentou, e eu aprecio o fato de ter procurado
encontrar para mim um marido respeitável.
— Pois é. De qualquer maneira, quando dispensei Andrew, usei a
única vaga disponível para mim, agora.
Sophie saltou da poltrona.
— Oh, não! Deve haver alguma coisa que possa fazer!
— Eu poderia mandar por mensageiro os projetos de Swain ao
almirante Johnson, se isso a deixar satisfeita.
— Sim, por favor, obrigada! E quando surgir outra oportunidade de
designação?
— Assinarei as ordens de transferência do marinheiro Swain.
Grata e com um sorriso feliz, Sophie virou-se para sair.
— Vou buscar o diário para o senhor.
— Espere!
Sophie voltou-se. A barganha transcorrera bem. Pela primeira vez,
desapontamentos de novo.
— E vai ficar? — Ficando de pé, fez Sophie se erguer. — Eu também
muitas vezes me pronunciei com raiva. A despeito de meus resmungos,
sentirei muita saudade se você for para Saint Louis. Temos uma porção de
coisas a aprender um com o outro, Sophie. Diga que ficará em Annapolis.
Ela sentiu como se o sol tivesse raiado dentro de seu peito, a
espalhar luz e calor por todas as células. Sem se conter, deu um beijo
firme na face de seu pai.
— Pensei que o senhor jamais me pediria isso! Contudo... — Esboçou
um sorriso atrevido.
— ...há uma condição.
Na noite seguinte, depois de receber alta do hospital, Ben-jamin
refugiou-se em seu veleiro. Estendeu uma manta no convés e recostou a
cabeça contra uma almofada roliça. Dormiria a bordo do Dama de
Nantucket debaixo de um céu estrelado.
Grato por estar vivo e de volta a seu barco, cantarolou baixinho uma
canção. Porém, não pôde espantar a tristeza que o invadia. Duvidava que
mesmo um passeio ao luar pela baía lhe restaurasse o ânimo. Perder
Sophie era como perder o coração, renunciando à alma.
A bela rebelde nem mesmo sabia que caíra de amores por ela. Ele
não lhe dissera. Em vez disso, devolvera-lhe o diário com a esperança de
que pudesse tornar os próprios sonhos realidade.
Benjamin demonstrou seu amor da única maneira que poderia.
Mesmo que o almirante viesse a considerar uma permissão para que a filha
se casasse com um simples marinheiro, não poderia impedir que Sophie se
fosse, pois amava-a demais.
O ruído de passos no píer acabou com seus devaneios. Benjamin
ergueu a cabeça para escutar.
— Benjamin! Benjamin, você está aí?
Não havia engano. O murmúrio cantante e suave era de Sophie. A
incansável filha do almirante fora a sua procura outra vez, na calada da
noite, na doca. E Benjamin que julgara que ela estaria em Nova York, ou
pelo menos Saint Louis, por essas horas!
Sophie avançou mais um pouco. Benjamin olhou em sua direção e a
viu ali, a espiá-lo. Exibia um sorriso largo, satisfeito.
— Imaginei que o encontraria aqui. Posso me juntar a você?
Se Benjamin aprendera alguma coisa até então era que não poderia
impedir Sophie Harrington de fazer o que queria. Assim, levantou-se e
estendeu a mão para ajudá-la. Com um ligeiro salto, a sempre sorridente
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planejava.
— E por quê?
— Quero ter filhos. Seus filhos, Benjamin.
Ele trouxe Sophie de encontro ao peito, para sentir as curvas
voluptuosas daquele corpo contra o seu, para pousar os lábios naquela
boca, para certificar-se de que aquela mulher era real. Ela se aconchegou a
ele, suave como seda, quente como o sol de verão. Era de verdade.
Benjamin subjugara baleias poderosas e homens guerreiros, mas
encontrara seu par em Sophie Harrington. E esperava que, pelo resto de
seus dias, tivesse a sensibilidade e sabedoria para honrá-la como uma
mulher independente e respeitada, cuja opinião pudesse ser ouvida.
Entretanto, naquele instante, o desejo de fazer amor com ela
sobrepujou qualquer outro pensamento ou emoção. Ansiava por sentir
seus seios roliços e nus nas palmas das mãos, para vê-la se incendiar e
derreter-se, a esperar por ele. A filha do almirante a deusa do amor
mostrava-se por fim desmascarada, e queria-o também.
— Você é a única mulher que eu gostaria que tivesse meus filhos.
— Quando poderemos começar?
— Já velejou ao luar?
Capítulo XX
ouro.
Foi difícil para ela manter o passo quando Benjamin se apressou em
chegar ao portão e à rua. Depois de apenas duas quadras, Sophie parou.
— Esta é a rua Príncipe George.
— Eu sei, venha.
Mais curiosa do que nunca, Sophie o seguiu. Benjamin parou em
frente ao chalé dos Bailey.
— Querido, o chalé foi vendido semanas atrás... Ele assentiu.
— Sophie, lembra-se de eu ter lhe contado que meu irmão caçula foi
para a Califórnia para procurar ouro?
— Lembro. — Ela ficou a imaginar o que tinha uma coisa com a
outra. Onde se encaixava nisso o chalé?
— Matt encontrou ouro e me pagou o que me devia. Recuperou a
fortuna da família. Ganhou muito dinheiro. Não sou um pobre que precisa
viver com o salário de um marinheiro ou com o pagamento de um oficial
de navio. — Balançou as chaves diante dela. — Comprei o chalé dos Bailey.
— Benjamin!
— Tive medo de que alguém o adquirisse antes que você vendesse
seu primeiro romance.
— Eu te amo!
Enlaçando os braços em torno dele, ela o beijou como se aquele fosse
seu último momento.
Quando por fim Sophie interrompeu a carícia, Benjamin cambaleou
por um momento, como se fosse perder o equilíbrio.
— Para dentro, para dentro, antes que a cidade inteira esteja falando
de nós!
— Fazer a cidade inteira comentar é o que eu mais quero!
Os cantos dos lábios de Benjamin se curvaram num sorriso enviesado
antes que ele enfiasse as chaves do chalé na mão de sua noiva.
— Este sempre será nosso lar, Sophie. Não importa por onde
possamos perambular, sempre voltaremos a nosso lar, na rua Príncipe
George, que daqui para a frente será conhecido como o chalé dos Swain.
Rindo por entre as lágrimas, Sophie abriu a porta com a mão trêmula
e foi recebida pelo convidativo aroma de laranjas e cravos, uma mistura
fresca e deliciosa.
Olhou ao redor, maravilhada.
*****