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PEPTÍDEOS ANTIMICROBIANOS

Maura Vianna Prates Carlos Bloch Júnior


Aluna de doutorado do curso de Pós-graduação do Departamento de Professor adjunto do Instituto de Química da Universidade
Biologia Celular da Universidade de Brasília/UnB. de Brasília/UnB, Pesquisador do Cenargen/Embrapa.
mprates@unb.br cbloch@cenargen.embrapa.br

Uma alternativa no combate a microrganismos resistentes


Fotografias gentilmente cedidas pelo Prof. Antônio Sebben

s ameaças à saúde de pesquisa, assim como a indústria far- pacientes e funcionários.


seres vivos causadas por macêutica para desenvolvimento de O corpo humano é um conhecido
infecções de microrganis- novas drogas que sejam capazes de habitat de uma microflora muito di-
mos resistentes a antibió- lidar efetivamente com as estratégias versificada, composta de populações
ticos e a vários agentes de adaptação que esses organismos benéficas, populações prejudiciais à
germicidas vêm atingindo índices ja- elaboram, em face de todo o tipo de saúde e populações que vivem co-
mais registrados. Muitos microrganis- situação adversa. mensalmente, as quais exercem pou-
mos têm desenvolvido resistência tan- O surgimento da resistência a an- ca influência sobre seu hospedeiro
to contra os já bem estabelecidos timicrobianos é um exemplo clássico em condições normais. A respeito
antibióticos de uso convencional de evolução em resposta a uma forte dos microrganismos patogênicos, a
quanto contra os antibióticos de últi- pressão de seleção. Hospitais e ou- maior preocupação é o surgimento
ma geração (Austin D. J., et al., 1999), tros estabelecimentos constituem uma de cepas resistentes aos antimicrobi-
causando graves problemas de saúde comunidade ecológica particular, na anos disponíveis. Entretanto, os mi-
pública e vultosos prejuízos econô- qual diversos tipos de micróbios cir- crorganismos comensais estabelecem
micos. O impacto da crescente resis- culam e interagem entre si direta- um tipo de problema diferente da-
tência de microrganismos a medica- mente, por meio da reprodução e da quele imposto pelos microrganismos
mentos e a substâncias específicas troca de plasmídeos, e/ou indireta- patogênicos. Sob condições normais,
tem movimentado vários grupos de mente, por meio de interações entre eles vivem em locais como a pele ou
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o trato respiratório, causando pouco
ou nenhum problema. Porém, quan-
do transferidos para regiões estéreis,
como a corrente sangüínea e os pul-
mões, eles podem ser maléficos e
provocar sérios distúrbios na saúde
do hospedeiro (Stewart F. M., et al.,
1998).
Uma vez que os antimicrobianos
são introduzidos para tratar os verda-
deiros patógenos e não os comen-
sais, vários fatores de transferência
de resistência são assim dissemina- Figura 1a:
dos e podem ser transmitidos a linha- Phyllomedusa tarsius:
gens sensíveis, por meio do contato "Perereca da Floresta"
entre as células. Muitos fatores de - espécie amazônica
virulência, como, por exemplo, os de
Staphylococcus aureus, são carrega-
dos por plasmídeos e podem ser resistência à meticilina (http:// empregados como os da classe dos
consignados entre diferentes linha- www.bhj.org/journal/1997/3901_jan/ benzimidazóis, das estrobilurinas, das
gens. Sem dúvida, esse é o principal special_064.htm). fenoxiquinolinas e das anilinopirimi-
mecanismo para o rápido espalha- Infecções causadas por microrga- dinas (Steffens, J. J., et al., 1996).
mento de linhagens com resistência nismos resistentes não atingem so- Nos últimos anos, tem-se consta-
múltipla (Brock, T. D., et al.,1994). mente a saúde humana. Na pecuária, tado que mesmo fungicidas de amplo
Além disso, o problema da resistên- grandes são os problemas enfrenta- espectro de ação como o Benomyl,
cia introduz questões relacionadas dos pelos criadores de gado leiteiro tornaram-se alvo de resistência. O
com a duração e com a intensidade susceptível à mastite, uma condição emprego deste fungicida tem-se mos-
do tratamento, com as estratégias que inflamatória da glândula mamária cau- trado cada vez mais ineficiente para
envolvem o uso de várias drogas sada por bactérias, (S.aureus, E. coli combater a antracnose, doença pro-
concomitantemente e com o rigor e P. aeruginosa, principalmente) que vocada pelo gênero Colletotrichum
que deve ser obedecido por parte acarreta mudança das características sp., em culturas de diversas fruteiras
dos pacientes. físicas do úbere e do leite, em vacas. susceptíveis e, sobretudo, contra a
As perdas na indústria leiteira dos doença da “flor preta” em morango
PROBLEMÁTICA DA Estados Unidos somam mais de dois (Tanaka, M. A. S., et al., 1997).
RESISTÊNCIA A DROGAS bilhões de dólares por ano. Os custos Conforme comentado anterior-
incluem a diminuição da produção e mente, o uso indiscriminado de dro-
A infecção hospitalar vem desper- a perda da qualidade do leite, seja gas é o principal fator de indução à
tando interesse não somente para a provocada pela inflamação propria- resistência; contudo, a prevenção
área sanitária como também para a mente dita, seja causada pelo uso de desse abuso não é garantia de que a
econômica, devido, sobretudo, à ver- antibióticos para o tratamento e as susceptibilidade seja um fator rever-
satilidade com que os microrganis- despesas com veterinários, com labo- sível, uma vez que os efeitos provo-
mos causadores têm driblado a ação ratórios e com a perda dos animais cados pelos antimicrobianos na fisio-
de drogas. A infecção hospitalar atin- (http://classes.aces.uiuc.edu/AnS- logia e ecologia dos microrganismos
ge dois milhões de norte-americanos ci308/mastitisintro.html). impossibilitam, cada vez mais, o re-
a cada ano e cerca de setenta mil O mesmo quadro pode ser verifi- torno ao estado de susceptibilidade
acabam morrendo. O S. aureus é um cado no que diz respeito aos fitopa- anterior. Dessa forma, o uso de novas
dos microrganismos mais comumen- tógenos. O surgimento de resistência tecnologias para o desenvolvimento
te encontrados em hospitais e um dos de fungos fitopatogênicos de impor- de drogas mais eficazes constitui uma
principais agentes causadores da in- tância agronômica é considerado um estratégia promissora no campo da
fecção hospitalar. A resistência da fator limitante na eficácia e na vida biotecnologia, uma vez que possibi-
bactéria S. aureus a antibióticos vem útil das mais variadas estratégias de litará a iniciativa de prospeção de
crescendo assustadoramente, mesmo controle de doenças (Heaney S., et novas classes de moléculas naturais
em se tratando de drogas poderosas al., 1994). Muitos gêneros tais como e/ou sintéticas, capazes de neutrali-
e de amplo espectro como a metici- Aspergillus, Botrytis, Venturia, Ustila- zar ou de danificar o patógeno-alvo
lina. Em 1981, 5% da população de S. go, Marnaporte, Colletotrichum, Al- ao invés de inviabilizá-lo genetica-
aureus eram resistentes a este antibi- ternaria, Cercospora, Cladosporium mente, inibindo assim o desenvolvi-
ótico. Dez anos depois a porcenta- e Penicillium, têm desenvolvido es- mento da resistência (Heinemann, J.
gem aumentou para 38% e as estima- tratégias elegantes de resistência con- A., et al, 2000). Atualmente, peptíde-
tivas atuais são de cerca de 50% de tra os fungicidas mais amplamente os antimicrobianos de origem animal
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gas como o LOCILEX™, que é um
creme de uso tópico com ação micro-
bicida e empregado no tratamento da
infecção de úlceras diabéticas. Além
disso, derivados da magainina II têm
sido amplamente aplicados nas tera-
pias contra o câncer, no tratamento
de conjuntivites, de acne, de doenças
sexualmente transmissíveis, de mico-
ses, além de serem drogas promisso-
ras no tratamento da gripe (http://
www.magainin.com).

SUBSTÂNCIAS BIOATIVAS
DE ORIGEM NATURAL

Venenos e toxinas de origem na-


tural há muito representam uma fon-
te de fascínio para o homem, graças
aos seus extraordinários efeitos far-
Figura 1b: Leptodactylus ocellatus: "Rã-Manteiga" - macológicos. Sua utilização científica
amplamente distribuída no Brasil tem contribuído com sucesso para a
elucidação de vários mecanismos fi-
estão sendo utilizados como mode- diferenças significativas encontradas siológicos, como demonstrado por
los para o desenho de novas drogas na sensibilidade entre os microrga- Claude Bernard em seus experimen-
com aplicação nas áreas agrícola e de nismos e as células vegetais têm tos clássicos da década de 1850, com
saúde. Para tanto, seqüências anfifíli- mostrado que tais peptídeos podem o “curare” (Erspamer, V., 1994), as-
cas de peptídeos vêm sendo dese- ser úteis como modelos para o dese- sim como sua exploração industrial
nhadas, sintetizadas e testadas in vi- nho de genes de resistência (Powell, para o uso terapêutico, a exemplo de
tro, a fim de permitirem a obtenção W. A., et al., 1995). várias comunidades indígenas e na
de genes com potencial de resistên- O uso das magaininas na agricul- medicina popular (Daly et al. 1992).
cia a fitopatógenos, bem como com- tura não se restringe a cultivares Os vertebrados, mais precisamen-
postos ativos para a fabricação de frutíferos ou alimentícios de um modo te os anfíbios da ordem Anura, repre-
drogas de amplo espectro e de múl- geral, mas abrange também o ramo sentam um verdadeiro laboratório de
tipla aplicabilidade. de plantas ornamentais geneticamente bioquímica, tendo em vista o arsenal
Um exemplo dessa abordagem modificadas, as quais expressam ge- de toxinas que fabricam. Nas células
são os análogos sintéticos da magai- nes de magaininas resistentes a fun- que revestem as paredes de glându-
nina II, peptídeo proveniente da se- gos e outros patógenos causadores las granulares presentes na pele des-
creção da pele do anfíbio africano de lesões. Da mesma forma, a magai- ses animais é produzida uma varieda-
Xenopus laevis (Zasloff, M., 1987) nina II já vem sendo utilizada como de de princípios ativos que compre-
que foram testados com sucesso na princípio ativo na fabricação de dro- endem moléculas alifáticas, aromáti-
inibição da germina- cas e heterocíclicas, além
ção de conídios de de uma diversificada gama
Cryphonectria parasi- Figura 1c: de esteróides, de alcalói-
tica, Fusarium oxys- Dendrobates galactonotus: des, de aminas biogêni-
porum f. sp. lycopersi- Espécie amazônica cas, de derivados guani-
ci, e Septoria musiva, dínicos, de proteínas e de
e que não provoca- peptídeos, incluindo-se
ram nenhuma interfe- na produção desses dois
rência detectável na últimos, seus precursores
germinação de pólen e todo o sistema enzimá-
dos organismos hos- tico envolvido na sua bi-
pedeiros, além de se- ossíntese. Essas molécu-
rem eficazes também las acumulam-se em grâ-
contra as bactérias nulos, os quais compõem
Agrobacterium tume- a luz de glândulas dérmi-
faciens, Erwinia cas e são liberadas medi-
amylovora e Pseudo- ante estímulos apropria-
monas syringae. As dos. Seu papel é muito
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diversificado sobre as funções fi- daquele constituído pelas célu-
siológicas da pele ou na defesa las T e B do sistema imune, e
contra predadores e microrganis- detêm a capacidade de promo-
mos. Grande número desses com- ver a síntese de peptídeos de
postos já se encontra caracteriza- baixa massa molecular com ati-
do estrutural e funcionalmente vidade antimicrobiana de am-
(Sebben, A. et al., 1993). plo espectro, efetivos contra bac-
Entre todos os tipos de molé- térias e fungos. Tal ocorrência
culas mencionados acima, os pep- poderia explicar a acentuada
tídeos têm despertado bastante resistência desses grupos de an-
interesse devido às suas ativida- fíbios a doenças (Nicolas, P e
des como mediadores farmacoló- Delfour, A., 1994).
gicos e à descoberta de moléculas O lume das glândulas sero-
homólogas ou análogas em teci- sas e das parotóides é rico em
dos do trato gastrointestinal e grânulos que armazenam secre-
sistema nervoso de mamíferos. O Figura 2: ções tóxicas. Em situações de perigo,
exemplo mais freqüente de molécu- Exemplar adulto de Physalaemus um estímulo nervoso é recebido pe-
las encontradas em ambos os grupos fuscomaculatus. Notar o aspecto las paredes glandulares provocando
são as taquicininas, as ceruleínas, o granuloso da pele dorsal. Marca- a contração da musculatura local e
hormônio liberador de tirotropina, as do pelo acúmulo de glândulas causando uma descarga sincronizada
bobesinas e os peptídeos opióides granulosas do seu conteúdo. Após a liberação da
(Erspamer, V. e Melchiorri, P., 1980). secreção, o sistema glandular inicia
O primeiro relato da ocorrência seu processo de regeneração, que
de peptídeos com atividade antibac- pode variar de poucas horas a alguns
teriana e hemolítica na pele de anfí- hidratação da pele por onde ocorrem dias, dependendo da espécie de an-
bio data de 1969, quando foi identi- cerca de 90% das trocas gasosas (Orr, fíbio, até que o conteúdo do lume
ficada a bombinina, um peptídeo de R. T., 1986). glandular seja reconstituído (Delfino,
24 resíduos de aminoácidos, prove- As glândulas granulares, também G., et al., 1990).
niente da secreção cutânea do anuro chamadas glândulas serosas ou de
europeu Bombina variegata (Csor- veneno, podem estar distribuídas ao PEPTÍDEOS ANTIMICROBIANOS
das, A. e Michl, H., 1970). No final da longo de todo o corpo ou concentra-
década de 1980, foram isoladas as das em algumas áreas, formando pro- Mais de cinqüenta peptídeos anti-
magaininas de Xenopus laevis (Zaslo- tuberâncias, especialmente na região microbianos de anfíbios já foram iso-
ff, M., 1987) e, somente a partir daí, dorsal do animal (Duellman, E. W. e lados, tendo como principal caracte-
outros peptídeos com atividade mi- rística a natureza catiônica e a capa-
crobicida de origens diferentes co- cidade de permeabilizar membranas
meçaram a ser estudados mais deta- de microrganismos. Podem ser agru-
lhadamente. Atualmente, as magaini- pados segundo sua estrutura primá-
nas representam uma das mais bem ria e muitos são encontrados em
estudadas classes de peptídeos anti- indivíduos do mesmo gênero e até
bióticos, os quais são considerados mesmo em indivíduos de gêneros
efetores da imunidade inata, agindo distintos, pertencentes à mesma subfa-
em uma primeira linha de defesa mília ou não. Em 1970, a bombinina
contra infecções bacterianas e fúngi- foi descrita como um peptídeo anti-
cas nos organismos superiores (Zas- bacteriano e hemolítico isolado da
loff, M., 1992; Boman, H. G., 1995; Figura 3: secreção da pele do anfíbio B. varie-
Corte histológico da pele de anfí-
Nicolas, P., 1995; Barra, D., et al., gata (Csordas, A. e Michl, H., 1970).
bio mostrando a epiderme (E) e as
1998). Pouco tempo depois, outras bombi-
glândulas granulosas (G) e muco-
ninas foram detectadas na secreção
sas (M) localizadas na derme.
GLÂNDULAS DE VENENO do mesmo anfíbio, as quais diferiram
Aumento: 100 X
entre si por poucos resíduos de ami-
Coloração: Azul de toluidina
Especificamente nos anfíbios há noácidos (Simmaco, M., et al., 1991).
pelo menos dois tipos de glândulas Peptídeos do tipo bombinina tam-
dérmicas denominadas mucosas e Trueb, L., 1986). Em muitas espécies, bém foram isolados da espécie B.
granulares, além das glândulas paro- essas glândulas, juntamente com as orientalis e mostraram pouquíssima
tóides posteriores aos olhos da mai- glândulas parotóides secretam subs- variação em relação aos encontrados
oria dos anuros. As mucosas encon- tâncias bioativas que constituem um em B. variegata. As bombininas pos-
tram-se distribuídas no tegumento e “novo” sistema de defesa coordena- suem amplo espectro de ação contra
sua secreção umectante promove a do pelo sistema nervoso, diferente microrganismos em geral, porém apre-
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sentam toxicidade se- zante. As dermaseptinas
letiva contra células Peptídeos Anfíbios são moléculas catiôni-
sangüíneas, provocan- Magaininas Xenopus sp. cas de 24 a 34 resíduos
do a lise das mesmas Bombininas Bombina sp. de aminoácidos que for-
(Gibson, B. W., et al., Dermaseptinas Phyllomedusa sp. mam uma cadeia linear
1991). Brevininas Rana brevipoda com estrutura secundá-
A secreção da pele Caerinas Litoria sp. ria aleatória em solven-
de Xenopus laevis tam- Gaegurinas Rana rugosa te aquoso, porém orde-
bém tem sido objeto Rugosinas Rana rugosa nada (α-hélice) quan-
de intensa investigação. Buforina Bufo bufo do em meio apolar (Mor,
Nessa secreção, foram Ranalexinas Rana catesbeiana A., et al., 1991; Mor, A.
detectados o TRH (hor- Xenoxinas Xenopus sp. e Nicolas, P., 1994a; Mor,
mônio liberador de ti- Temporinas Rana temporaria A., et al., 1994; Mor, A.
rotropina), a xenopsi- Maculatinas Litoria genimaculata e Nicolas, P., 1994b).
na e a ceruleína, com Esculentinas Rana esculenta Outras espécies, tais
potente atividade hipo- Pipininas Rana pipiens como P. rhodei e P.
tensora. Além desses PGLa Xenopus laevis burmeisteri, também
peptídeos bioativos, Xenopsina (fragmento precursor) Xenopus laevis têm sido investigadas
foram encontrados ain- Levitídeo (fragmento precursor) Xenopus laevis como prováveis produ-
da peptídeos homólo- Ceruleína (fragmento precursor) Xenopus laevis toras de peptídeos anti-
gos às bombininas, de- Ceruleína Litoria cerulea microbianos, da família
nominados magaini- Frenatina Litoria infrafrenata das dermaseptinas.
nas, que também são Além disso, peptídeos
encontradas no estômago do anfíbio, no que se refere ao conteúdo de relacionados com as dermaseptinas
porém sem função definida nesse peptídeos antimicrobianos da pele. foram detectados em outros hilídeos
órgão. Foram detectados peptídeos com ati- dessa subfamília, nas espécies Pa-
Os peptídeos de defesa isolados vidade antimicrobiana nas espécies chymedusa dacnicolor e Agalychnis
da pele de Xenopus sp. estão agrupa- R. esculenta (Simmaco, M., et al., annae, ambas provenientes da Amé-
dos em subfamílias de acordo com 1993, 1994), R. brevipoda (Morikawa, rica Central (Wechselberger, C., 1998)
sua origem biossintética. A xenopsi- N., et al., 1992), R. catesbeiana (Cla- .
na e a ceruleína são moléculas de rk, D. P., et al., 1994) R. rugosa (Park, As dermaseptinas exercem ativi-
estrutura e atividades farmacológicas J. M., et al., 1994; Suzuki, S., et al., dade lítica sobre bactérias gram-posi-
análogas às da neurotensina e da 1995) e R. temporaria (Simmaco, M., tivas e gram-negativas, protozoários
gastrina/CCK (colecistocinina) dos et al., 1996) denominados esculenti- ciliados, leveduras e fungos filamen-
mamíferos, respectivamente. Esses nas, brevininas, ranalexinas, rugosi- tosos em concentrações micromola-
peptídeos adotam a estrutura de hé- nas e temporinas, respectivamente. A res (Fleury, Y., et al., 1998). Contudo,
lice anfifílica quando em ambiente particularidade encontrada nos pep- tais efeitos citolíticos não foram ob-
hidrofóbico, sendo ativos em doses tídeos desse gênero é a sua estrutura- servados em células de mamíferos,
micromolares contra uma variedade ção secundária, a qual é decisiva no devido, possivelmente, à estrutura e
de bactérias gram-positivas, gram- modo de interação toxina/microrga- à composição da membrana celular
negativas, fungos e leveduras (Be- nismo, distinta de todas as outras até desses animais. De fato, estudos de
vins, C. L. e Zasloff, M., 1990). As então descritas (Simmaco M., et al., citólise usando lipossomas de dife-
magaininas I e II são peptídeos ho- 1998). rentes composições fosfolipídicas e
mólogos que possuem um amplo Na América do Sul, os hilídeos da crescente concentração de colesterol
espectro de ação antimicrobiana. Em subfamília Phyllomedusinae consti- (característica de animais superiores)
doses micromolares, interrompem o tuem uma fonte muito rica de peptí- mostraram maior resistência dessas
crescimento e/ou induzem a lise os- deos antimicrobianos. Atualmente membranas artificiais à ruptura (Ba-
mótica de diversos tipos de bactérias quatro espécies do gênero Phyllome- tista, C. V. F., 1999). A adenoregulina
gram-positivas e gram-negativas e de dusa vêm sendo estudadas: P. bicolor de P. bicolor é um peptídeo de estru-
protozoários. Elas são capazes de (Daly, J. W., et al., 1992; Mor, A., et al., tura similar às dermaseptinas, mas foi
induzir uma lise irreversível das célu- 1994; Charpentier, S., et al., 1998), P. isolada primeiramente por sua fun-
las tumorais hematopoiéticas e de sauvagei (Mor, A., et al., 1991; Mor, A. ção farmacológica neurotransmisso-
tumores sólidos de diversas origens, e Nicolas, P., 1994a), P. distincta ra, que consiste na sua capacidade de
mas não provocam efeito sobre célu- (Batista, C., et al., 1999) e P. tarsius induzir a ligação de agonistas aos
las diferenciadas de eucariotos (Zas- (Prates, M. V., 1999). Nesse gênero receptores A1 de adenosina, prova-
loff, M., 1987). foram detectados potentes agentes velmente devido à presença de D-
As espécies do gênero Rana de antimicrobianos denominados der- aminoácidos em sua composição
diferentes áreas geográficas têm-se maseptinas, com amplo espectro de (Daly, J. W., et al., 1982). Posterior-
mostrado igualmente interessantes, atividade antimicrobiana e cicatri- mente, foi relatada sua atividade an-
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timicrobiana, semelhante a das ou- madoras de bombas, as quais podem idêntica ou similar nos mamíferos e
tras dermaseptinas. ser a chave para a elucidação do invertebrados. Sua presença nos ver-
Da mesma forma, muitas espécies mecanismo de resistência contra di- tebrados, considerada como efetora
australianas de anfíbios do gênero versas classes de antibióticos (Stover, ancestral da imunidade, possui muito
Litoria têm sido estudadas por apre- C. K., 2000). A hipótese aceita atual- mais que um significado vestigial.
sentarem peptídeos antimicrobianos. mente sugere que bactérias gram- No que diz respeito às vantagens,
As espécies L. xanthomera e L. chloris negativas, grupo do qual a P. aerugi- não é surpreendente o que esse
revelaram a presença de peptídeos nosa faz parte, podem resistir ao sistema de defesa química pode
antimicrobianos denominados caeri- efeito letal de muitos antimicrobia- conferir ao hospedeiro. De fato, um
nas (Stone, D. J. M., et al., 1992; nos, utilizando uma estratégia de repertório fixo, porém extenso, de
Steinborner, S. T., et al., 1997; Stein- bombeamento dos agentes químicos pequenos peptídeos antimicrobia-
borner, S. T., et al., 1998), e as espé- para fora das células bacterianas mais nos oferece aos animais superiores
cies L. splendida e L. cerulea, o pep- rapidamente do que seu acúmulo no um modo de controle particular-
tídeo ceruleína, todos ativos contra interior destas. Dessa forma, tais pro- mente rápido e eficaz contra a pro-
bactérias gram-positivas (Stone, D. J. teínas formadoras de bombas teriam liferação microbiana (Nicolas, P. e
M., et al., 1992; Waugh, R. J., et al., a capacidade de conferir a essas Delfour, A., 1994).
1993). Já as espécies L. infrafrenata e bactérias a propriedade de resistên- As possibilidades de aplicação
L. genimaculata apresentaram peptí- cia (Nikaido, H., 1998). Ainda não foi dos peptídeos antimicrobianos pela
deos denominados frenatinas e ma- esclarecido o procedimento da evo- agroindústria, assim como pela in-
culatinas (Raftery, M. J., et al., 1996; lução das bombas. Especula-se que dústria farmacêutica, são inúmeras.
Rosek, T., et al., 1998), sendo o elas teriam surgido da necessidade Um trabalho sistemático de prospe-
primeiro de amplo espectro e o se- dos microrganismos em eliminar to- ção dessas moléculas, com identifi-
gundo, com atividade semelhante à xinas naturalmente presentes no seu cação e síntese química em larga
das caerinas. ambiente (Greenberg, E. P., 2000). escala, possibilitará, não somente
Na tabela, estão listados os princi- Sabendo disso, torna-se cada vez um grande avanço na produção de
pais peptídeos com atividade antimi- mais importante a investigação e a novas drogas, melhor conhecimen-
crobiana encontrados nas secreções descoberta de drogas capazes de atu- to biológico das espécies doadoras,
da pele ou em outros órgãos de arem diretamente sobre a parede e a reconhecimento do valor de cada
anfíbios anuros. membrana plasmática, provocando uma delas, como novas categorias
lise e morte celular, ao primeiro con- de recursos genéticos e, por fim, a
CONCLUSÃO tato. Até onde se tem registro, sabe- necessidade de preservação desses
se que mesmo os mais sofisticados animais.
O recente progresso da indústria mecanismos de defesa desenvolvi- Agradecimentos: Os autores de-
farmacêutica relacionado com a des- dos pelos microrganismos ainda não sejam agradecer ao Professor Antô-
coberta e a produção de novos agen- são suficientes para neutralizar uma nio Sebben pelas fotos deste artigo,
tes antimicrobianos não vem alcan- ação do tipo detergente produzida à EMBRAPA-CENARGEN e à Funda-
çando o sucesso desejado na conten- por peptídeos de caráter catiônico. ção Universidade de Brasília.
ção da mutagênese de resistência a O modo de defesa mediado pela
drogas desenvolvida pelos microrga- resposta humoral e celular confere Referências Bibliográficas
nismos. Enquanto os mecanismos de aos vertebrados uma proteção espe-
resistência criados por muitos micró- cífica e de longa duração contra os AUSTIN, D. J., KRISTINSSON, K.
bios vêm-se tornando cada dia mais microrganismos patogênicos, porém G. e ANDERSON, R. M., (1999).
eficazes, as drogas conhecidas mos- não é de forma alguma adaptado Proc. Natl., Acad. Sci. USA, 96:1152-
tram-se cada vez menos eficientes no para responder rapidamente e de 1156.
combate às patologias. A resistência maneira eficaz a uma invasão micro- BATISTA, C. V. F. (1999) Tese de
microbiana a drogas é um problema biana local, por ocasião de uma le- Doutorado, Universidade de Brasí-
complexo, uma vez que consiste no são. Uma das descobertas mais inte- lia-DF.
produto de um processo natural e, ressantes a esse respeito revelou que, BATISTA, C. V. F., SILVA, L. R.,
muito mais que isso, essencial, não além da resposta imune celular alta- SEBBEN, A., SCALONI, A., FERRA-
somente para a origem, como tam- mente específica, os vertebrados pos- RA, L., PAIVA, G. R., OLAMENDI-
bém para a evolução de todos os suem um mecanismo químico de PORTUGAL, T., POSSANI, L. D. e
seres vivos, o qual fundamenta-se na defesa, composto por peptídeos an- BLOCH JR., C. (1999). Peptides
mutação espontânea, na transferên- timicrobianos, análogo ao encontra- 20:679-686.
cia e recombinação de genes, crian- do em invertebrados (Boman, H. G. BARRA, D., SIMMACO, M. e BO-
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