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PSICÓLOGO FELIPE SARAIVA NUNES DE

PINHO - CRP 11/02527


Doutor em Filosofia

A Linguagem
enquanto
construção e ação
sobre o Mundo
February 25, 2018
Felipe Pinho

1.  Introdução
 
Esse artigo é fruto de um processo
mais amplo e pessoal de
compreensão dos fenômenos ligados
à linguagem. Processo esse que se
faz com angústia e preocupação.
Preocupação porque os estudos da
linguagem parecem estar dispersos
em vários ramos da ciência que
muitas vezes não trocam
conhecimentos entre si, como a
filosofia, a linguística, a psicologia, a
sociologia, entre outros. Angústia
porque, ao tentar montar esse
quebra cabeça, encontro muito mais
choques e divergências, algumas
vezes entre simples conceitos ou
denominações, do que diálogos e
contribuições.
 
 
 
O que proponho nesse artigo
é discutir a concepção da
linguagem enquanto
construção da realidade
humana e ação dos sujeitos
sobre o mundo, usando
algumas contribuições da
Psicologia, da Filosofia, da
Pragmática e da Análise do
Discurso.
Compreender a linguagem
enquanto construção da
realidade humana e ação do
sujeito sobre o mundo é, ao
mesmo tempo, integrar e
superar duas outras
concepções de linguagem, a
concepção da linguagem
enquanto representação do
mundo e a concepção da
linguagem enquanto uma
língua, um código, um
instrumento de transmissão
de informações.
A linguagem, do ponto de
vista desse trabalho, não
corresponderia somente à
língua, mas seria uma
maneira que os sujeitos
humanos encontram de
significar a realidade, de
construir a realidade humana
a partir da realidade
concreta.
 
2.  A linguagem como
representação
 
A finalidade da filosofia é o
esclarecimento lógico do
pensamento. (Wittgenstein,
Ludwing. Tractatus Lógico-
Philosophicus. 3º ed – São
Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo,
2001: 4.112 ).
 
A concepção de linguagem
enquanto representação do
mundo, apresentada a seguir,
se apoiará na leitura do
Tractatus Lógico-
Philosophicus de
Wittegeinstein (2001), que
considero ser uma obra que
concentra muito bem as
idéias dessa concepção. 
A linguagem no Tractatus é
considerada
representacionista visto que
ela tem como função
primordial representar a
realidade. Para Wittegeinstein
os limites da linguagem são
os limites do mundo.
Para o autor do Tractatus os
nomes adquirem significado
ao atuarem, na linguagem,
como representantes
(referência) de um objeto
presente na realidade; um
nome simboliza algo que ele
nomeia. Essa representação é
convencional, ou seja, a
natureza do nome e do
nomeado são diferentes. O
significado de um nome é o
objeto que ele nomeia.
Os nomes, presentes em uma
figuração, não correspondem
apenas às propriedades do
nomeado, mas às
propriedades que os
nomeados possuem no
contexto de uma figuração na
realidade. Para que uma
proposição seja verdadeira é
necessário que a posição
relativa do nome na figuração
signifique a posição do
nomeado no fato possível
afigurado.
Os nomes seriam meras
convenções. Poderíamos
substituir a palavra cadeira,
por exemplo, pela variável x:
daria o mesmo. O importante
é que tanto a palavra cadeira
como a variável x, que
representam um objeto em
uma figuração, correspondam
ao mesmo em um fato no
mundo. Um nome isolado não
tem significado, ele só tem
significado ao designar um
objeto no interior de uma
proposição.
No caso da proposição, esta é
composta de nomes (que
mantêm relações projetivas
que os conectam aos objetos
que eles nomeiam) e ela
relata um fato, ou seja,
apresenta como esses nomes
estão, ou podem estar,
combinados na realidade. Se
o que a proposição
representa é algo que existe
no real, ela é dita verdadeira.
Se, ao contrário, o que ela
representa é algo que não
existe no real, ela é dita falsa.
No entanto, o sentindo da
proposição é independente de
sua verdade ou falsidade.
Assim como acrescenta
Santos,
 
No que importa à lógica, esse
sentido é aquilo que, sendo
um fato, torna a proposição
verdadeira, não o sendo, a
torna falsa. (SANTOS, Luiz H.
L. A essência da proposição e
a essência do mundo. IN:
Wittgenstein, Ludwing.
Tractatus Lógico-
Philosophicus. 3º ed – São
Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo,
2001).
 
Dessa maneira o sentido de
uma proposição é dado a
partir do significado de seus
constituintes e pela
possibilidade sintática da
ocorrência desses
constituintes em proposições
ou, dito de uma outra
maneira, pela possibilidade
dos objetos, que estão
nomeados nela, se
combinarem na realidade.
Uma proposição pode ter
sentido e ser falsa, pois ela
pode representar algo que
poderia existir, mas que, no
entanto, ainda não existe.
Mais uma vez recorrendo a
Santos temos que,
 
cada proposição é feita
verdadeira ou falsa por uma
porção da realidade, pela
existência ou inexistência na
realidade de uma tal
combinação – um fato.
Perguntar pelas condições
lógicas em que uma
proposição ganha sentido é
perguntar pelas condições
em que ela, através da
articulação de símbolos que
se referem a elementos da
realidade – levada a cabo de
determinadas maneiras,
eventualmente indicadas por
outras espécies de símbolos,
os chamados símbolos
lógicos – logra identificar o
fato possível de cuja
existência ou inexistência
como uma porção da
realidade depende sua
verdade ou falsidade.
(SANTOS, Luiz H. L. A
essência da proposição e a
essência do mundo. IN:
Wittgenstein, Ludwing.
Tractatus Lógico-
Philosophicus. 3º ed – São
Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo,
2001).
 
A proposição só pode existir
pelo fato de a linguagem
manter com a realidade um
isomorfismo, no sentido de
que compartilham uma
mesma “forma lógica”. Para
Wittegeinstein, haveria uma
estrutura comum entre a
realidade e a linguagem que a
representa. Essa estrutura,
ou de certa forma, essa “lei”,
é o que garantiria a
possibilidade da linguagem
poder representar a realidade
ou um fato da realidade. Essa
estrutura é a lógica. O mundo
de Wittgenstein é um mundo
Lógico. A realidade seria
constituída ou seguiria as
normas da lógica, assim
como a linguagem. Dessa
forma, uma proposição
poderia dizer algo a respeito
da realidade, porque a
relação que encontramos
entre os elementos da
preposição representa a
mesma relação que
encontramos entre os
elementos da situação, ou
fato.
Para o autor, a nossa
linguagem também seguira
outras “leis” ou regras, como
a gramática, por exemplo.
Assim, seria necessário
aplicar um “modelo da
lógica”, abstrair da proposição
seus componentes materiais
e os substituir por variáveis,
para assim, obter-se um
“protótipo lógico”, uma
proposição que seria capaz
de representar esse fato de
forma geral, como uma
equação matemática. Ao
fazermos isso revelaríamos a
forma lógica da preposição.
 Assim, a leitura do Tractatus
nos deixa entender que uma
linguagem que não fale de
objetos, não teria sentido. Por
isso Wittegeinstein condenou
as discussões a respeito da
Ética e de Deus, visto que
estes não são objetos, ou
seja, não estão na realidade.
A linguagem, nessa
concepção
representacionista, é vista
como mera substituta da
realidade. Os nomes seriam
substitutos dos objetos e as
proposições substitutas das
relações entre estes. Ah! Sim!
Sobre o resto, o que não se
pode dizer, deve-se calar.
 
3.  A linguagem como língua.
Nessa concepção, a
linguagem é vista como um
código, um instrumento de
transmissão de informações
entre sujeitos, uma língua. A
língua, enquanto código, seria
um conjunto de signos que se
combinam segundo regras, e
que é capaz de transmitir
uma mensagem, informações
de um emissor a um receptor.
Esse código deve, portanto,
ser dominado pelos falantes
para que a comunicação
possa ser efetivada. Como o
uso do código que é a língua
um ato social, envolvendo
conseqüentemente duas
pessoas, é necessário que o
código seja utilizado de
maneira semelhante,
preestabelecida,
convencionada para que a
comunicação se efetive.
(Travaglia, 1997:22).
Assim a linguagem, nesta
concepção, se resumiria ou
teria o mesmo significado de
língua. 
O privilégio dado ao estudo da
língua enquanto código
dominou, durante décadas, os
trabalhos lingüísticos. Duas
escolas se destacam: O
Estruturalismo saussuriano e
o Gerativismos de Chomsky.
Saussure (2003), em “seu”
livro póstumo Curso de
Lingüística Geral, considerado
um marco dos estudos
estruturalistas na lingüística,
apresenta uma dicotomia
que, para ele, é primordial
para o estabelecimento da
Lingüística enquanto ciência:
a dicotomia entre língua e
fala. O objeto de estudo que a
lingüística deve tomar para si
é a língua, algo que seria
“social” e universal. Como
afirma Saussure, a “língua,
distinta da fala, é um objeto
que se pode estudar
separadamente” (: 22). Ela
seria “um objeto de natureza
concreta, o que oferece
grande vantagem para o seu
estudo” (: 23) e ela seria o
“produto social depositado no
cérebro de cada um” (: 33).
Para Saussure, a língua
sendo “social” (social = geral)
significa dizer que ela
independe dos indivíduos, da
maneira como os indivíduos a
utilizam subjetivamente; e
mesmo não existindo, na
verdade, apenas uma língua,
mas várias, haveria algo
universal a elas, uma mesma
estrutura.
  Nessa perspectiva, a língua,
enquanto estrutura, poderia
ser estudada. Poderiam ser
estudados seus mecanismos,
suas leis, sua formação. A
fala, ao contrário, seria o
lugar do caos.
Temos como exemplo forte
dessa idealização a Teoria
Gerativa de Chomsky, com a
sua Gramática Universal e
seus estudos baseados em
um falante ouvinte ideal.
Nessa teoria, o que seria
universal e geral seria a
competência, enquanto o
individual seria a
performance.
O falante ouvinte ideal não
seria um falante ouvinte real,
que utilizaria a língua em
uma situação concreta e real,
mas um falante ouvinte
criado a partir de um uso
hipotético e ideal da língua,
ou seja, sem os problemas
enfrentados em uma situação
de comunicação.
A teoria Gerativa dominou por
várias décadas grande parte
dos trabalhos e estudos na
área da lingüística. Porém,
por seu forte apelo ao estudo
do sistema e por
desconsiderar outros pontos
importantes concernentes ao
discurso e ao usuário,
começou a gerar insatisfação
no meio lingüístico, o que
acabou desencadeando o
surgimento de várias outras
correntes, que procuraram
dar ênfase aos estudos da
linguagem dentro de seu
contexto de uso e de
produção. Veremos a seguir
um pouco da concepção
pragmática.
 
4. A linguagem como
construção do mundo.
 
4.1. A linguagem como
Prática Social
 
Como vimos, durante várias
décadas, dominaram a
produção científica no campo
da Lingüística, trabalhos
inspirados principalmente em
duas escolas: o
estruturalismo saussuriano,
com sua dicotomia entre a
língua (sistema) e a fala (uso),
dando privilegio à primeira, a
língua, concebida como um
uma estrutura, e a teoria
Gerativa de Chomsky, com
sua concepção de Gramática
Universal e com seu par
competência/desemepenho,
dando privilégio à
competência, concebida como
uma conjunto de regras
inatas presentes na mente
dos sujeitos.
Na ânsia em encontrar um
objeto de estudo para essa
nova ciência, que satisfizesse
os rigorosos critérios
científicos inspirados nas
ciências naturais e exatas do
modelo positivista, a maioria
desses estudos retirava a
língua de seu meio natural e a
estudava enquanto um objeto
“inspirador” de si mesmo, ou
seja, independente do falante
(sujeito/usuário) e do
contexto sócio-histórico no
qual era produzida. Contra
essas idéias e estudos, temos
a Pragmática.
Uma definição bastante
difundida da Pragmática, é
que esta é “o estudo dos atos
lingüísticos e dos contextos
nos quais são executados”
(Stalnaker, 1982). Essa
concepção se apóia nos
trabalhos de Austin (1990),
sobre os atos de fala. Austin
procura mudar a perspectiva
do estudo do significado, que
antes estaria inscrito nas
palavras, ou seja, para
compreender uma sentença
bastava entender o
significado de seus
constituintes, para a
perspectiva de que o
significado de uma sentença
só pode ser corretamente
estabelecido quando se
compreende e se estuda a
situação e condição de uso
desta sentença.
Essa mudança de
perspectiva, do estudo da
sentença para o estudo dos
atos de fala, passa a
compreender e considerar a
linguagem a partir de seu uso
e como uma forma de ação,
de ato. A linguagem é vista
então como tendo um
objetivo, uma finalidade. Ela
passa também a obedecer a
certas convenções e normas
sociais que a respaldem (não
se pode dizer qualquer coisa
em qualquer lugar).
Assim como acrescenta
Danilo Marcondes S. Filho,
em sua introdução ao livro de
Austin, Quando dizer é fazer
(1990),
 
Podemos afirmar, então, que
quando analisamos a
linguagem nossa finalidade
não é apenas analisar a
linguagem enquanto tal, mas
investigar o contexto social e
cultural no qual é usada, as
práticas sociais, os
paradigmas e valores, a
“racionalidade”, enfim, desta
comunidade, elementos estes
dos quais a linguagem é
indissociável. (...) a linguagem
como ação, como forma de
atuação sobre o real, e,
portanto, de constituição do
real, e não meramente de
representação ou
correspondência com a
realidade. (:11).
 
Fairclough (2001), em seu
livro Discurso e mudança
social, propõe um modelo
tridimensional de Análise de
Discurso, compreendendo a
análise da prática discursiva,
do texto e da prática social.
Para o autor,
 
O discurso é uma prática, não
apenas de representação do
mundo, mas de significação
do mundo, constituindo e
construindo o mundo em
significado. (...) O discurso
contribui, em primeiro lugar,
para a construção do que
variavelmente é referido
como ‘identidades sociais’ e
‘posição de sujeito’ para os
‘sujeitos’ sociais e os tipos de
‘eu’ (ver Henriques et al.,
1984; Weedon, 1987)[1]. (...)
Segundo, o discurso contribui
para a construir as relações
sociais entre as pessoas. E,
terceiro, o discurso contribui
para a construção de
sistemas de conhecimento e
crença. (: 91)
 
O discurso mantém com a
estrutura social uma relação
dialética, ou seja, ao mesmo
tempo em que é construído
por ela, contribui para sua
construção.
 
4.2. A expulsão do paraíso.
Quem mandou nomear?
 
Tu comerás o teu pão no suor
do teu rosto, até que te tornes
na terra, de que foste
formado. Porque tu és pó, e
em pó te hás de tornar. (Livro
do Gênesis: Condenação de
Adão e Eva e expulsão do
paraíso)
 
É nesse ponto que procuro
distinguir a diferença entre
língua e linguagem. A língua
seria compreendida como
código, ficaria restrita às
palavras, e aos estudos da
gramática. A língua,
considerada aqui como
código, teria significado
estático, o tipo de significado
que encontramos no
dicionário, independente do
uso e dos sujeitos. Já a
linguagem seria
compreendida enquanto a
ação da língua, ou seja, a
língua em seu contexto sócio-
histórico de produção e de
uso. O significado da
linguagem, visto aqui como
não estático (fixo), só se daria
por meio da interação do
sujeito com o mundo e com
os  outros. O sujeito,
utilizando-se da linguagem,
construiria o próprio mundo.
 
Sentava-se crocitando no
escuro quando de repente
despertou para a consciência
e se descobriu. Ele não sabia
onde estava ou como tinha
começado a existir, mas
respirou e teve vida, ele viveu.
Tudo o mais à sua volta
encontrava-se no escuro e ele
não conseguia ver coisa
alguma. (...) A terra era argila
e tudo à volta dele era argila
morta. (...) depois ele se
sentou de novo em meditação
refletindo sobre o que poderia
existir em toda essa funda
escuridão que o rodeava. (...)
Ele então enterrou algo, mas
não sabia o que era. E ao
voltar encontrou naquele
lugar um arbusto e a terra
não era mais estéril, pois a
argila nua estava agora
coberta de arbustos e tinha
grama também. (...) ele agora
rastejava e sentia a água, e a
terra, os arbustos viraram
árvores e as árvores
florestas. (RASMUSSEN,
Knud. The Eagles’s Gift. In:
FRANZ, Marie-Louise von.
Mitos de Criação. São Paulo:
Paulus: 2003).
 
Esse mito, que relata a
criação do mundo, de uma
tribo indígena do rio Noatak
(Alaska-EUA), representa bem
o que a grande maioria desse
tipo de mito representa: o
despertar da consciência. O
próprio mito de criação
católico, presente na bíblia, é
também um exemplo típico. O
que encontramos nesses
mitos? A criação do mundo,
do universo, das coisas, e
principalmente do homem.
Se procurarmos uma
explicação da psicologia
junguiana a respeito desses
mitos e de seus significados,
veremos que eles
representam a passagem do
mundo do inconsciente que,
ao ser nomeado[2] pelo
criador, passa para o mundo
da consciência. Se pegarmos,
por exemplo, o simbolismo da
escuridão como
representando o inconsciente,
teremos que ao nomear as
coisas, ao tocá-las (como
temos nesse mito), ou mais
precisamente em “faça-se
luz” (Gênesis), as coisas se
iluminam, ou seja, adquirem
uma luz que as tornam
possíveis de serem vistas, o
que representa a consciência
delas.
 
No princípio criou Deus o céu
e a terra. A terra, porém,
estava vazia e nua: e as
trevas cobriam a face do
abismo; e o espírito de Deus
era levado por cima das
águas. Disse Deus: faça-se
luz; e fez-se luz. E viu Deus
que a luz era boa; e dividiu a
luz das trevas. E chamou à
luz de dia, e às trevas de
noite; e da tarde e da manhã
se fez o primeiro dia. (Livro
do Gênesis).
 
  E Deus fez o mesmo com
todas as coisas...
As coisas não existiam antes
de “Deus”, elas foram criadas
por ele. E como ele as criou?
Através da nomeação. Ele deu
nome às coisas e elas
adquiriram existência. Ou
seja, as coisas passaram a
existir a partir da linguagem,
no momento em que foram
nomeadas, significadas.
Se “Deus” existiu ou existe, é
um questionamento sem
sentido, ou pelo menos sem
sentido para os objetivos
desse trabalho, mas o que
podemos argumentar é que o
homem, ele sim, em algum
momento, passou a existir.
Não falo aqui do homem
biológico, mas sim do homem
lingüístico, o homem da
linguagem. O ser humano
adquiriu a sua existência
enquanto humano no
momento em que ele criou a
linguagem, no momento em
que ele utilizou a linguagem
para criar o mundo ao seu
redor, não o mundo-em-si
(que também é sem sentido),
mas o mundo humano, o
mundo da linguagem.
As coisas-em-si já existiam
antes mesmo do homem.
Estão aí os estudos
arqueológicos para nos
provar isso. E durante
milhares de anos o “projeto
de homem” também existiu
no meio dessas coisas-em-si,
nesse mundo das trevas. Lá
só podemos especular que o
“projeto de homem” vivia
como qualquer animal, em
um mundo sem linguagem,
ou melhor, em um mundo
sem a linguagem da
consciência. Em algum
momento da história, o
“projeto de homem” passou a
se relacionar de maneira
diferente com o mundo, com
a natureza, com os outros
homens, e com ele próprio.
Ele deu nome às coisas. Ao
nomear as coisas, o “projeto
de homem” criou um outro
mundo, em uma outra
dimensão diferente da
dimensão das coisas-em-si, a
dimensão da linguagem, e foi
transportado a ela, tornando-
se homem, e “expulso do
paraíso”, condenado a nunca
mais ter acesso ao mundo-
em-si, mas somente ao
mundo da linguagem, ao
mundo dos nomes, dos
signos.
A questão da expulsão do
paraíso cabe aqui, posto que
apenas “Deus” tinha o poder
de nomear as coisas, ou seja,
de criar o mundo. A serpente
prometeu a Eva que ela, ao
comer a maçã, “abriria seus
olhos” e ficaria tão sábia
quanto “Deus”, deduzindo-se
que assim ela também teria o
poder de “criar” as coisas. O
final “trágico” todos já
sabemos e até hoje “temos de
pedir perdão por esse
pecado”.
O homem, ao adquirir o poder
de nomear as coisas, de criá-
las, o poder da linguagem, foi
expulso do paraíso, ou seja,
do mundo das coisas-em-si.
O projeto filosófico de “voltar
às coisas-em-si” (e quem
sabe um dia poder voltar ao
paraíso e sair desse mundo
falso das sombras, “mundo
das aparências”) é impossível
do ponto de vista humano,
pois, para que o homem
pudesse ver as coisas-em-si,
ele deveria deixar de ser
homem; e, mesmo assim, o
que ele visse não teria
qualquer significado e, se
tivesse, não seria um
significado compreensível
para o homem. É por isso que
no mito da caverna o homem
que viu as coisas-em-si teve
de morrer, posto que o que
ele viu nunca poderia ser
entendido, pertencer, nem ser
aceito no mundo dos homens.
Jung também tem uma
concepção parecida tal como
nos apresenta Marie-Louise 
von Franz:
 
(...) temos de nos lembrar
também de um outro fato, a
saber, que nós não podemos
falar de nenhuma espécie de
realidade exceto em sua
forma como conteúdo de
nossa consciência. Como
Jung assinalou, a única
realidade sobre a qual
podemos nos pronunciar é
aquela da qual estamos
cientes. (...) Em termos
práticos, portanto, podemos
asseverar que a única
realidade que nos é possível
mencionar ou com a qual
efetivamente lidamos é a
imagem da realidade
presente no campo de nossa
consciência (FRANZ, Marie-
Louise von. Mitos de Criação.
São Paulo: Paulus: 2003).
 
A única realidade que existe é
a realidade da linguagem
(quando falo em linguagem,
falo de linguagem consciente,
ou linguagem da consciência,
visto que os estudos
junguianos apontam para
uma linguagem do
inconsciente). Dessa maneira,
a linguagem não é
representativa do real ou de
uma realidade, ela é a
realidade.
O mundo não é composto por
objetos em si, mas sim
composto da construção, a
partir da linguagem, desses
objetos.
Essa concepção se
assemelha àquela dos
sofistas, na qual o homem,
por ser a medida de todas as
coisas[3], é impedido assim
de ter sobre as coisas uma
medida única. Um dos
filósofos representativos
dessa filosofia, Górgias[4],
afirma que mesmo se
pudesse conhecer o real não
se poderia dizê-lo. Para ele a
realidade não pode tornar-se
nosso discurso, a linguagem
não diz o real. A linguagem,
dessa forma, revelaria
apenas a própria linguagem.
[5]
 
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
 
Fairclough, Norman. Discurso
e mudança social. Brasília:
Editora Universidade de
Brasília (UNB), 2001.
 
FRANZ, Marie-Louise von.
Mitos de Criação. São Paulo:
Paulus: 2003).
 
MAINGUENEAU, D. Novas
tendências em Análise do
Discurso. Tradução de Freda
Indursky. Campinas, SP:
Pontes: Ed. da Unicamp, 1997
 
TRAVAGLIA, L.C. Gramática e
Interação: uma proposta para
o ensino de gramática no 1º e
2º graus. 2. ed.São Paulo:
Cortez,1997.
 
Wittgenstein, Ludwing.
Tractatus Lógico-
Philosophicus. 3º ed – São
Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo,
2001).
 
Wikipédia, a enciclopédia
livre. IN:
http://pt.wikipedia.org/wiki/P
%C3%A1gina_principal Site
acessado em 17 de fevereiro
de 2006.
 
 
 
[1] Citação do autor.
 
[2] Processo, entendido aqui, de
transpor para o âmbito da linguagem
um objeto concreto e real.
 
[3] Protágoras: "O homem é a medida
de todas as coisas".
 
[4] Górgias de Leontini (480 a.C. - 375
a.C.) foi professor de retórica, filósofo
e embaixador em Atenas.
 
[5] Fonte: Wikipédia – site:
http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A
1gina_principal.

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