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Economia

Michael Roberts: Produtividade,


deflação e depressão

postado em: 02/02/2014

(*) Texto original disponível em SinPermiso.

O crescimento global da produtividade se desacelerou pelo terceiro ano consecutivo,


segundo estatísticas do grupo privado Conference Board dos Estados Unidos. A
organização estima que a produção por trabalhador tenha crescido somente 1,7% em
2013, frente a 1,8% em 2012, 2,6% em 2011 e 3,9% em 2010.
O crescimento se desacelerou somente em três anos seguidos, durante as recessões de
2001 e na grande recessão de 2008. E estes números incluem as economias emergentes
da Índia e da China, que cresciam rapidamente até então.

Esta desaceleração me parece outro sinal de que a economia mundial (ou pelo menos as
economias capitalistas avançadas) se deparam com uma depressão. Também demonstra
que o capitalismo mundial não é capaz de um crescimento dinâmico (veja meu texto
Crise ou colapso, no original, ¿Crisis o colapso?).

Examinei os dados da organização e calculei o crescimento da produtividade nas


economias avançadas desde 1960. Este é o gráfico resultante.

Crescimento anual da produtividade nas economias avançadas (BIP real por


trabalhador) em %
No gráfico seguinte, é possível notar que o dinamismo das economias avançadas foi
desaparecendo década após década.

Média de crescimento de produtividades em economias avançadas (%)

A globalização e a revolução da tecnologia da informação nos anos 1990 reverteram a


diminuição do crescimento da produtividade naquela década mas, neste século, o
crescimento da produtividade das economias avançadas foi se estancando. Somente o
crescimento da produtividade nas economias emergentes permitiu um crescimento da
produtividade mundial perto de 2% ao ano. E, conforme mostram os dados do grupo,
não impediu a desaceleração do crescimento da produtividade nos últimos três anos.

O crescimento real do PIB pode ser considerado resultado de dois fatores: o crescimento
do emprego. O primeiro mostra a mudança no novo valor agregado pelo trabalhador
empregado regular, e o segundo mostra o número de empregados adicionais – ou seja,
aqueles que são contratados para eventualmente cobrir os empregados regulares. O
ponto de vista neoclássico majoritário é que estes componentes são independentes um
dos outros e são exógenos à economia. Os avanços tecnológicos e o crescimento da
população seriam variáveis independentes aos processos do modo de produção
capitalista.

O ponto de vista marxista é justamente contrário: são endógenos. Na economia


marxista, o crescimento do emprego não depende do crescimento da população como
tal, mas sim da demanda de mão de obra do setor capitalista da economia. O
investimento capitalista é a variável determinante, e o emprego é a dependente. A
acumulação de capital pode ser positiva para o emprego quando o investimento cresce,
mas também pode ser negativa quando as máquinas ou a tecnologia (robôs) substituem
a mão de obra (veja meu texto Maçãs, robôs e plutocratas, no original Manzanas, robots
y plutócratas ). O crescimento da produtividade é realmente a outra face do crescimento
do investimento. A acumulação de capital tem por objetivo aumentar a rentabilidade
mediante a introdução de novas técnicas que aumentem a produtividade e a mais-valia
relativa. Nenhuma técnica nova é introduzida, a menos que o capitalista individual
pense que, com isso, oferecerá mais valor do que se não o fizesse.

O problema no processo de produtividade capitalista é que o impulso para conseguir


uma produtividade maior para ter vantagens competitivas diante de outros rivais
capitalistas provoca a queda potencial da taxa de beneficio que, com o tempo, impõe o
aumento da taxa de mais-valia e outros fatores que contrastam com esta tendência (veja
meu texto Michael Heinrich, as leis de Marx e a teoria da crise, no original, Michael
Heinrich, las leyes de Marx y la teoría de la crisis ).

Isso leva a uma crise de rentabilidade que pode ser resolvida somente mediante uma
crise e a desvalorização do capital existente empregado, com a finalidade de reiniciar o
processo de acumulação e de crescimento de novo.

O que taxas de crescimento da produtividade demonstram é que a capacidade do


capitalismo (ou pelo menos das economias avançadas) para gerar uma produtividade
maior está diminuindo. Os capitalistas reduziram a participação do novo valor-trabalho
e aumentaram a participação dos benefícios para compensar.
Mas, sobretudo, fizeram cortes na taxa de acumulação do capital na “economia real”,
tentando obter benefícios extras na especulação financeira e imobiliária. Este é o
crescimento do stock acumulado do capital nas economias capitalistas avançadas.

Crescimento médio do stock de capital nas economias avançadas (%)


Temos, então, um crescimento anual da produtividade de menos de 2% no mundo – isto
é, aproximadamente 3% nas economias emergentes e menos de 1% nas economias
avançadas, que atualmente representam 52% do PIB mundial (a provisão é que caia para
48% em 2025)

Conforme o grupo escreveu: “Os mercados emergentes, e especialmente a China,


supõem a maior parte do crescimento da produtividade do mundo. Mas os anos de fácil
e rápida melhora parecem ter terminado. Visto que estes países continuam sendo
significativamente menos produtivos em dólares do que as economias maduras, a
contínua transferência da atividade econômica fora destes se soma à desaceleração
global da produtividade”.

A história da produtividade se repete para o crescimento do emprego nas economias


avançadas. O crescimento do emprego é muito menor que 1% ao ano no século XXI.

Economias avançadas: crescimento do emprego médio anual (%)


Se, ao crescimento da produtividade, for agregada uma taxa anual de crescimento do
emprego em nível mundial de somente 1%, o resultado será de um crescimento mundial
pouco maior que 3% ao ano durante a próxima década (e de 2% ao ano nas economias
avançadas), a menos que esta taxa “depressiva” do crescimento e do emprego seja
resultado simplesmente de uma recessão cíclica e volte a crescer quando a economia
mundial se recuperar. A evidência dos dados sugere que não é assim, e que o
dinamismo do capitalismo mundial está diminuindo porque a rentabilidade continua
sendo baixa segundo os padrões da época dourada da década de 1960, e para baixo dos
níveis, inclusive, da década de 1990.

A economia neoclássica gosta de usar uma forma mais sofisticada para medir a
produtividade, chamada produtividade total dos fatores. Mede-se, assim, não somente a
produtividade da mão de obra empregada, mas também a produtividade conquistada
pelas inovações. Na realidade, é somente um valor resultante da diferença entre o
crescimento do PIB real e dos insumos da produtividade da mão de obra e do “capital”.
Portanto, na realidade, é um quadro bastante falso. Mas usando a produtividade total
dos fatores para aquilo que diz medir, o grupo estima que o índice tenha caído para algo
menor do que zero na economia mundial em 2013, o que indica “estancamento na
alocação eficiente e na utilização ótima dos recursos”.

Pior ainda, à medida que o crescimento da produtividade se retarda, parece que a


inflação mundial também está desacelerando em várias economias chave em direção a
uma deflação de preços – outro indicador clássico de depressão. O que preocupa o FMI
e sua diretora-gerente, Christine Lagarde, que pediu aos bancos centrais que atuassem
contra o “monstro da deflação”. Nós, os mortais comuns, pensaríamos que o
congelamento ou a queda dos preços é uma boa notícia para nossa carteira na vida
cotidiana mas, para os estrategistas do capital, quer dizer margens de benefício mais
estreitas, crescimento do investimento mais fraco e o fim da 'recuperação'. Se as pessoas
esperam que os preços caiam, contenham seus gastos e esperem que o façam. E se não
há inflação, as empresas e os governos com grandes dívidas não encontram alívio na
redução do valor real da dívida. De forma que precisam empregar mais impostos ou
benefícios para pagar a dívida.

A desaceleração da produtividade e da deflação da dívida: esses sim são sérios


indicadores desta época depressiva!

(*) Michael Roberts é um reconhecido economista marxista britânico que trabalhou por
30 anos na City londinense como analista econômico e publica no blog “The Next
Recession”.

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