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A mudança nos sistemas de produção demarcada pela Revolução

Industrial carrega consigo o inicio de uma nova configuração nos processos


sensoriais, mudança na experiência humana e chegada da modernidade. Esse
processo foi caracterizado por uma reorganização da vida cotidiana
impulsionada pelo avanço do capitalismo, evolução dos meios de transporte e
de comunicação, crescimento do tráfego urbano, produção em massa de
mercadorias e uma reestruturação nas divisões de trabalho. Isso inicia uma
sucessiva mudança espacial que culmina com o desenvolvimento das cidades.
É também durante a modernidade e o desenvolvimento das cidades que
a arte cinematográfica se estabelece. Entendida no primeiro momento
portadora de uma função documental, as primeiras imagens de que temos
conhecimento não possuem a intenção de contar histórias. A câmera de
cinema chega como um meio de transporte que leva o espectador a vistas de
um espaço que passava por um processo constante de reinvenção. Desse
modo, os filmes passaram a produzir uma prática espacial urbana, um
processo que envolvia novas formas de visualização do movimento das
atividades cotidianas relacionadas aos espaços públicos da cidade.

Essa nova dimensão da realidade proporciona ao espectador outra


relação com o meio urbano. A cidade passa a ser consumida imageticamente
através dos recortes estéticos produzidos pela arte cinematográfica. Através de
sua poética, da forma em que se estabelece o fazer fílmico, com seus códigos
e métodos específicos e pelo modo com o qual eles são orquestrados, o
cinema surge então como um grande produtor de imagens e experiências de
cidade.
Baseado nessas considerações foi realizado um trabalho de análise do
filme baiano Cidade Baixa (2005), dirigido por Sérgio Machado, como um modo
de se pensar a cidade. A cidade baixa é uma região central de Salvador, que
embora abrigue pontos turísticos como o Mercado Modelo e o Elevador
Lacerda, é apresentada no filme através de imagens muito mais íntimas do
local.
O filme vai trazer especialmente esse contraste existente na Cidade
Velha, com seus casarões seculares em estado de degradação, apostando
numa câmera que foge ao distanciamento e que, de modo contrário, mergulha
no cerne dessa cidade em ruínas, mas carregada de vida que abriga a parcela
mais marginalizada da população. A proposta de Sérgio Machado nada mais
foi que ambientar e trazer para o espectador o universo aonde a narrativa e os
personagens dialogam entre si e com o quinhão da cidade que lhes foi
destinado

Cidade Baixa é um filme, acima de tudo, de consagração à vida em


todas as suas manifestações. Deste modo, entende-se a vida em seu sentido
mais amplo, não se referindo apenas a história pessoal dos personagens, mas
a toda a vida latente que há nas ruas da cidade de Salvador. Assim, a câmera
ganha contornos corpóreos e se mistura ao espaço com uma intimidade capaz
de percorrer o que há de mais orgânico e visceral desse urbano que lateja e
encarna o desejo dos corpos que abriga.

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