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Dossier Legionella
Autor: Eng.os0DUFRH0DULR'RQLQHOOL&DOHI¿

O problema Legionella é, de facto, ainda hoje caracterizado Formas clínicas da Legionelose


(pelo menos no nosso país) por muitas incertezas e indeter- Do ponto de vista clínico, a legionelose pode manifestar-se sob
minações. E esta situação pode colocar seriamente em difi- duas formas: a febre de Pontiac e a doença do Legionário.
culdade os operadores de instalações térmicas (projetistas,
instaladores, gestores de instalações), já que: A febre de Pontiac manifesta-se após um período de incuba-
ção variável entre 1 e 2 dias, e é caracterizada por uma forte
1. não lhes permite prever e colocar em prática as defesas cor- febre, dores musculares, dores de cabeça e (mas não sempre)
retas contra um perigo cuja gravidade não é lícito duvidar; distúrbios intestinais. Não há pneumonia, mesmo que, nalguns
2. os expõe a graves riscos profissionais, com acusações de casos, haja tosse. Esta forma da doença é frequentemente
vários graus que podem chegar, no caso de morte, até ho- confundida com uma gripe normal. Poderá não ser necessária
micídio involuntário; terapia antibiótica, nem recuperação hospitalar.
3. pode induzi-los em erros tais, que comprometam as presta- A doença do Legionário manifesta-se após um período de in-
ções e a funcionalidade das instalações. cubação variável entre 2 a 10 dias (em média 5 ou 6). Pode
causar febre alta, dores musculares, diarreia, dores de cabe-
ça, dores no tórax, tosse geralmente seca, (mas também pode
ser purulenta), insuficiência renal, confusão mental, desorien-
tação e letargia. É uma infeção que não se distingue claramen-
LEGIONELOSE te de outras formas, atípicas ou bacterianas, de pneumonia.
A terapia baseia-se no tratamento com antibióticos, para além
QUADRO CLÍNICO das normais medidas de apoio respiratório. Se for diagnos-
ticada tardiamente ou se se manifestar em indivíduos muito
débeis, a doença pode levar à morte.
O termo legionelose abrange todas as formas de infeção cau-
sadas pelas várias espécies de bactérias aeróbias do género Modo de transmissão da doença
Legionella. A legionelose contrai-se respirando água contaminada difundi-
Até hoje, foram identificadas mais de 40 espécies desta bacté- da em aerossol, isto é, em microgotas. A doença não se pode
ria: a pneumophila é a espécie mais perigosa, sendo respon- contrair bebendo água contaminada, ou por transmissão dire-
sável por cerca de 90% dos casos de legionelose. ta de pessoa para pessoa.

Notas históricas
O termo Legionella teve origem num trágico encontro de ex-
-combatentes da guerra do Vietname (correntemente desig-
nados “legionários”) em julho de 1976, num hotel de Filadélfia
(EUA). Durante esse encontro, com cerca de 2.000 participan-
tes, 221 foram atingidos por pneumonia aguda, sendo que 34
não conseguiram sobreviver.
Alguém colocou a hipótese de se tratar de um ataque bioló-
gico por parte dos russos. Posteriormente, descobriu-se que
a causa de tais mortes era devida à presença de bactérias,
anteriormente desconhecidas, que se desenvolveram na ins-
talação de climatização do edifício, e às quais foi dado o nome
de Legionella. Inquéritos posteriores atribuíram à mesma bac-
téria numerosos casos e epidemias de pneumonia aguda, cuja
causa não tinha sido ainda identificada.

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Indivíduos mais expostos à doença CONDIÇÕES PARA O


A legionelose também pode atingir pessoas saudáveis, como DESENVOLVIMENTO DA LEGIONELLA
de facto demonstra o caso dos legionários de Filadélfia. Toda-
via, os fatores que predispõem a doença são: A bactéria da Legionella está presente nos rios, lagos, poços
e águas termais.
• a imunodeficiência, Pode encontrar-se também nas redes de distribuição, pois é
• as doenças crónicas, capaz de superar, sem grandes problemas, os tratamentos
• o tabaco, normais para a água potável.
• o alcoolismo, Todavia, apenas a presença desta bactéria não constitui peri-
• a idade, go para as pessoas. As bactérias tornam-se perigosas apenas
• o sexo do paciente. quando subsistem simultaneamente as seguintes condições:

O gráfico em baixo evidencia a incidência da idade e do sexo 1 - Temperatura ótima de desenvolvimento


nos casos registados em França em 1998 (fonte: Dr. Bénédicte varia entre 25 e 42ºC

 
Decludt-Janssens, InVS, colóquio CSTB/RISE, 16 de Dezem- o crescimento das bactérias é máximo a cerca de 37ºC
bro de 1999).

Infraestruturas em risco
Em relação às considerações anteriormente apresentadas, as 2- Ambiente aeróbio
infraestruturas e as instalações mais expostas à bactéria são:

 
isto é ambiente com presença de oxigénio

• hospitais, clínicas e afins;


• hotéis, quartéis, parques de campismo e estruturas de
receção e afins; 3 - Presença de elementos nutritivos
• instalações para atividades desportivas e escolas;
biofilme, escórias, iões de ferro e de calcário,

 
• edifícios com torres de arrefecimento;
outros microorganismos
• piscinas;
• estâncias termais;
• fontes decorativas e cascatas artificiais.
4 - Pulverização da água
com formação de microgotas

 
com diâmetros variáveis de 1 a 5 micron

5 - Alto nível de contaminação


geralmente esse nível deve ultrapassar os 1000 Cfu/l

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Cfu/l é a unidade de medida que avalia a contaminação da Fontes decorativas


água, e indica a quantidade de microrganismos presentes num
litro de água. Aparelhos de distribuição de oxigénio
Relativamente ao limiar de perigo, em França, a Direção Geral
de Saúde fixou os seguintes valores: Sistemas de arrefecimento de máquinas e utensílios

- 1.000 Cfu/l para as zonas que recebem público;


HABITAT DA LEGIONELLA
- 100 Cfu/l para as zonas reservadas a pessoas debilitadas ou NAS INSTALAÇÕES
com imunodeficiência.
A Legionella é um inimigo que deve ser bem conhecido, caso
contrário arriscamo-nos a enfrentá-lo com armas completa-
INSTALAÇÕES E PROCESSOS mente inadequadas.
TECNOLÓGICOS EM RISCO
Onde vive e como se desenvolve a Legionella
Os primeiros casos de Legionella foram atribuídos, quase ex- Nas instalações, a Legionella pode encontrar-se isolada ou
clusivamente, a bactérias provenientes de torres de arrefeci- como hóspede de protozoários como as amibas. Para além
mento, condensadores evaporativos e unidades de tratamento disso, isolada ou hóspede de protozoários está presente:
de ar. Assim, durante vários anos, pensou-se que as instala-
ções de climatização fossem as principais, senão as únicas, 1. livre na água;
responsáveis pela propagação da doença.
Na realidade não é assim, pois estão em risco todas as insta- 2. fixa a biofilmes, isto é, a agregados constituídos por outras
lações e processos tecnológicos que comportam um aqueci- bactérias, algas, polímeros e sais naturais.
mento moderado da água e a sua nebulização.
Em seguida, será apresentada uma lista das instalações e dos É mesmo nestes agregados que a Legionella encontra o su-
relativos pontos “críticos” e de maior risco: porte indispensável para viver e desenvolver-se.
Por sua vez, os biofilmes desenvolvem-se onde existem os
Torres de arrefecimento necessários suportes de fixação, substâncias nutritivas e tem-
• torres de humidade de circuito aberto, peraturas adequadas. São condições que, por exemplo, se
• torres de circuito fechado, podem encontrar nas torres evaporativas ou nos tubos que
• condensadores evaporativos. transportam água quente a velocidades baixas, ou seja, a ve-
locidades que não dificultam, com turbulências, a fixação e o
crescimento dos biofilmes.
Instalações de climatização
• humidificadores de filme molhado, Onde e como se pode esconder a Legionella
• nebulizadores, Nos biofilmes, a Legionella pode não só desenvolver-se, como
• separadores de gotas, também esconder-se. E este facto deve ser cuidadosamente
• filtros, levado em conta já que torna os tratamentos de desinfeção,
• atenuadores acústicos. que agem apenas localmente, não fiáveis.
Consegue, por exemplo, que numa instalação de água quente
sanitária, não seja suficiente realizar a desinfeção (química ou
Instalações hidrossanitárias térmica) apenas no termoacumulador, esperando que, mais
• tubagens, tarde ou mais cedo, o circuito de recírculo leve as bactérias a
• termoacumuladores, passar através do próprio termoacumulador. Será uma espe-
• válvulas e torneiras, rança completamente vã, pois as bactérias podem encontrar
• chuveiros, refúgios seguros nos biofilmes.
• banheiras.
Avaliação da contaminação
Sistemas de emergência A presença de biofilmes, pode, para além disso, comportar
• sistema anti-incêndio de sprinkler. erros de grande relevância ao determinar os níveis de conta-
minação das instalações.
Piscinas e banheiras De facto, durante as operações de avaliação, os biofilmes
• piscinas e banheiras de hidromassagem, podem romper-se (devido a fortes diferenças térmicas, turbu-
• banheiras quentes. lências imprevistas ou choques mecânicos) e libertar grandes

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quantidades de bactérias que alteram, de modo considerável, Relativamente ao tratamento térmico, o seu ponto forte (as-
o nível efetivo de contaminação da instalação. Portanto, as sim como no caso da filtragem), encontra-se no facto deste
medidas obtidas não são sempre seguras, e nos casos dúbios poder exercer uma completa ação bactericida, sem qualquer
devem ser refeitas. adição de produtos químicos e sem haver necessidade (como
no caso dos raios UV) de sistemas integrantes.
Ações que dificultam a formação dos biofilmes A sua ação baseia-se no facto das temperaturas elevadas
Assim, procurar dificultar a formação dos biofilmes é de gran- causarem a morte das bactérias em geral, e da Legionella em
de importância na luta contra a Legionella. E para tal fim, geral- particular. O diagrama abaixo apresentado indica os tempos
mente, pode afirmar-se o seguinte: de sobrevivência da Legionella quando varia a temperatura da
água.
- é aconselhável utilizar reservatórios de água e tubos com su-
perfícies de baixa aderência para limitar as possibilidades de
fixação dos biofilmes;
- pelo mesmo motivo, deve dimensionar-se os tubos com ve-
locidades elevadas, ainda que, a este respeito, não seja pos-
sível fazer referência a valores certos;
- não se deve deixar estagnar a água e, por isso, devem evi-
tar-se termoacumuladores com ligações altas, coletores com
diâmetros demasiado grandes e ligações mortas para servir
possíveis utilizações futuras.

TRATAMENTOS DE DESINFEÇÃO

São tratamentos que têm como objetivo eliminar, ou limitar de


modo significativo, a presença da Legionella nas instalações.
Contudo, estes tratamentos nem sempre obtêm sucesso, de-
vido aos seguintes fatores:

- escasso conhecimento dos problemas relativos à presença


dos biofilmes;
- aquisição incompleta dos dados inerentes às características
específicas das instalações;
- consideração escassa dos fenómenos ligados aos depósitos
de calcário e à corrosão;
- conhecimento inadequado dos tempos de contacto neces-
sários entre substâncias desinfetantes e bactérias.

Dentro destes tratamentos incluem-se:

- tratamento com cloro;


- bióxido de cloro;
- iões positivos de cobre e de prata; Este diagrama (derivado de um estudo de J.M. HODGSON
- ácido peracético; e B.J. CASEY) é já assumido a nível internacional como um
- bactericidas de síntese; ponto de referência seguro para a desinfeção térmica da Le-
- ozono; gionella e, de facto, substituiu os velhos diagramas decidida-
- água oxigenada catalizada; mente menos fidedignos e mais penalizantes.
- filtragem; Na prática, o diagrama assegura-nos que, se a água for man-
- raios ultravioleta (UV); tida acima dos 50°C, não há qualquer perigo de desen-
- tratamentos térmicos. volvimento da Legionella, pelo contrário, a sua eliminação
ocorre ao fim de algumas horas.
De seguida, examinaremos especificamente a aplicação dos
tratamentos térmicos nas instalações de produção de água
quente sanitária.

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PREVENÇÃO E DESINFEÇÃO NAS Para obter a desinfecão térmica destas instalações pode-se:
INSTALAÇÕES DE PRODUÇÃO DE ÁGUA
QUENTE SANITÁRIA 1) fazer o by-pass da misturadora com uma válvula elétrica de
duas vias comandada por um relógio programador;
Como possíveis tratamentos térmicos de desinfeção, a legis- 2) fixar (com a ajuda de um termóstato) a 60°C a temperatura
lação italiana prevê: de produção da água quente;
3) ativar a válvula de by-pass durante meia hora no período
1. o choque térmico para ser aplicado no caso de contamina- noturno, considerado o menor consumo de água, fazendo
ção grave da instalação; circular água a 60°C.
2. a desinfeção térmica para ser utilizada como sistema pre-
ventivo de forma a eliminar a Legionella. Esquemas para realizar a desinfeção térmica
Para efetuar a desinfeção térmica, podem ser utilizados es-
Choque térmico quemas semelhantes aos apresentados em baixo na página
Elevar a temperatura da água até 70-80°C continuamente du- seguinte.
rante três dias, e deixar correr a água todos os dias, através O primeiro esquema utiliza uma misturadora eletrónica com
das torneiras, durante 30 minutos. Alguns autores aconselham programador para dois níveis de temperatura: o nível para o
o esvaziamento preventivo dos reservatórios de água quente, a funcionamento normal, e o nível para a desinfeção térmica.
sua limpeza e a execução de uma descontaminação com cloro Por sua vez, o segundo utiliza uma misturadora termostática e
(100 mg/l para 12-14 horas). É fundamental verificar que, du- válvulas de duas vias comandadas por um relógio programa-
rante o procedimento, a temperatura da água nos pontos mais dor. As válvulas de duas vias são colocadas em by-pass da
distantes atinja ou exceda os 60°C; se esta temperatura não for misturadora e no circuito de recírculo, assim como é indicado
atingida e mantida, o procedimento não fornece garantias. no esquema da página seguinte.
No fim do procedimento devem efetuar-se levantamentos de No regime normal, a válvula de recírculo está aberta e a de
água e dos sedimentos nos pontos mais distantes da instalação, by-pass da misturadora está fechada. Pelo contrário, durante
e proceder a um controlo bacteriólogico. Em caso de resultado a desinfeção térmica a válvula de by-pass está aberta e a de
desfavorável, o procedimento deve ser repetido até se atingir recírculo está fechada.
uma descontaminação comprovada. Após a descontaminação,
o controlo microbiólogico deve ser repetido periodicamente.
CONCLUSÃO
• Vantagens
Não necessita de equipamentos especiais e, por isso, pode Em conclusão, é possível reter que nas instalações de água
ser colocado em prática de imediato, vantagem muito impor- quente sanitária a forma mais segura, e também mais vanta-
tante na presença de um surto epidémico. josa, para evitar a difusão da Legionella, é mudar das instala-
ções que funcionam a temperaturas médio-baixas (40-42°C)
• Desvantagens para as instalações a temperaturas médio-altas (52-54°C), ou
Requer tempo e pessoal, ou a instalação de sondas à distân- seja, mudar das instalações que nas suas redes favorecem
cia para controlar a temperatura da água nos pontos mais dis- o crescimento da Legionella para instalações que provocam
tantes, nos reservatórios e o tempo de escoamento da água. a sua morte. E isto pode fazer-se através de soluções, como
Para além disso, é uma modalidade de desinfeção sistémica, aquela proposta anteriormente.
mas temporária, já que a recolonização da instalação hídrica É muito provável, contudo, que a Legionella constitua um pas-
pode verificar-se num período de tempo variável de algumas so evolutivo na história das instalações sanitárias, sendo uma
semanas a alguns meses após o choque térmico, se a tempe- espécie de marco memorável, para lá do qual o panorama
ratura da água que circula regressar abaixo dos 50°C. muda nitidamente.
Até ao momento, passos evolutivos assim tão claros foram
Desinfeção térmica determinados apenas pela emergência de novos produtos ou
No caso de instalações de dupla regulação, a primeira (cons- por acontecimentos políticos e económicos, tais como, a crise
tituída por um termóstato regulado entre 55-60°C) serve para energética dos anos setenta que, de facto, levou à substituição
regular a temperatura de acumulação, enquanto a segunda das instalações centralizadas pelas de zonas.
(constituída por uma misturadora) serve para regular a tempe- Aqui, pelo contrário, encontramo-nos face a algo novo e de
ratura de distribuição da água quente a 42-44°C. todo imprevisível: uma simples bactéria cuja existência, até há
pouco tempo, era mesmo ignorada; um organismo unicelular
Com base nas temperaturas normalmente utilizadas, a Legio- de tal forma pequeno que pode caber um bilião de vezes num
nella não pode desenvolver-se nos termoacumuladores, mas milímetro cúbico, e contudo, tão importante para estar atual-
apenas nas redes de distribuição e de recírculo. mente em todas as páginas de jornais.

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