Você está na página 1de 2

Universidade Federal do Rio de Janeiro

IP – Instituto de Psicologia
Psicologia da Percepção
Nome: Cíntia Gonçalves Faria
DRE: 115090231

1- Em “Post-scriptum sobre as sociedades de controle”, Deleuze descreve o modo como


novas armadilhas e certos perigos se estabelecem, principalmente após a Segunda
Guerra Mundial, que se diferenciam do aparato disciplinar descritos por Michel
Foucault em seu livro Vigiar e Punir. A passagem da sociedade disciplinar para a de
controle não deve ser entendida como cronológica ou linear e sim como processos,
uma série de transformações que marcam a sociedade de controle, mas que ainda
guardam traços da disciplina.

Inicialmente, Deleuze articula essas mudanças à espacialidade, aos modos de habitar o


espaço e ordenar os corpos nele, o próprio sentido que a organização do espaço tem na
gestão das vidas e na dinâmica da sociedade. Na sociedade disciplinar havia todo um
cuidado em criar tecnologias de ordenar os espaços interiores, de organizar fronteiras
entre o dentro e o fora, o privado e o público, o interior e o exterior, objetivando
incluir para excluir, construindo um dispositivo de observação e vigilância dos
espaços internos – através das prisões, das escolas, dos manicômios ou das fabricas. Já
o controle opera por outros canais, que não são mais dependentes dessas fronteiras
espaciais, investindo na dissolução desses limites, operando tanto nos espaços abertos
quanto nos interconectados. A vigilância se dá independentemente de onde se esteja,
deslocando-se para onde o sujeito estiver, acoplando-se nos próprios dispositivos de
comunicação, por exemplo, não necessitando construir espaços específicos para ser
exercida. Deleuze também aponta que a disciplina operava por moldes que
estabeleciam modelos a serem seguidos, trabalhando no domínio das identidades, onde
os sujeitos eram demandados alcançar uma normatividade, produzindo indivíduos
dentro de um projeto normatizador e de adequação, com uma história, um currículo
profissional, sendo gerido em certa totalidade de sua vida. Já o controle opera por
modulações, modulando os sujeitos, não se preocupa com essa totalidade da vida de
cada um, exigindo não uma adequação aos moldes – que se tornam obsoletos com
facilidade, mas uma modulação às exigências necessárias, uma adaptação e adequação
a qualquer circunstância, uma superação constante, uma capacidade de se transformar
e de sair da zona de conforto.

Na disciplina, a própria dinâmica da saúde se dava de um modo diferente. Na


sociedade de controle, há uma saúde de prevenção, certo capital saúde, onde
indivíduos saudáveis começam a se comportar como indivíduos doentes.

Além dessa dimensão dos sujeitos nunca estarem prontos, de precisarem estar sempre
melhorando, o controle não se preocupa com os indivíduos em sua integridade, mas
atua sobre dividualdiades, parcelas atomizadas de cada um, partes divididas dos
indivíduos.

A sociedade disciplinar impunha um limite sobre as liberdades, já na sociedade de


controle atua-se no âmbito onde as possibilidades se dão como ilimitadas e a liberdade
sem fronteiras, na sociedade disciplinar temos o peso da norma e na sociedade de
controle temos o da insuficiência, no qual o sujeito nunca está à altura do que deseja.

2 – As práticas contemporâneas de exposição de si caracterizam um tempo onde os


indivíduos ao tornarem público seus discursos, passam a existir. Seus modos de vida e
existência se dão por esses atos de publicização e exposição de si, ao passo que ao
fazerem isso, se apropriam de certa identidade, seja no âmbito virtual ou não. Ser visto
passa a condicionar a existência dos sujeitos, independentemente se o que tornam
público seja autêntico. O que é publicado, de alguma forma, passa a ser importante e
um caráter fundamental para esse sujeito ser o que é. Dessa maneira, o olhar do outro
ganha também um papel central: impõe um limite, uma normatividade, constituí
modos de operar e se comportar. Na sociedade de controle, onde os limites do que é
público e privado são dissolvidos, onde para ser vigiado não se precisa estar em
nenhum lugar específico, essa possibilidade de que tudo esteja acessível aos olhos de
todos, de que todas as ações dos indivíduos possam ser não apenas registradas, mas
publicadas, acaba também por se tornar algo pelo qual as pessoas se excedem, se
colocam como desejosas de uma transparência que nunca se dá completamente,
transparência a qual as relações não suportam, criando um embate entre sujeitos que
não conseguem lidar com essa impossibilidade de que tudo seja possível de ser visto,
vigiado, controlado. Esse fenômeno é bem retratado no episódio “Toda a sua história”
da série Black Mirror, onde há uma realidade que possibilita registrar e gravar todas as
memórias que alguém venha a ter, a partir de um dispositivo instalado nos olhos dos
sujeitos. A partir disso, um casal acaba se encontrando numa situação onde o parceiro
não suporta que haja nada que escape aos seus olhos, ao seu controle de poder ver o
que sua mulher falou em determinado momento, seus antigos relacionamentos, suas
lembranças passadas e atuais. Ele não conseguir lidar com a impossibilidade de uma
transparência total entre os dois, o que acaba arruinando sua relação. A questão é que
ainda com o dispositivo que permite retornar e ver todas as coisas que foram vividas e
faladas, o conflito não se resolve; a confiança não se reestabelece, a crença um no
outro não se soluciona pelas imagens gravadas de suas experiências. A confiança e as
relações de confiança não se dão por exigirem provas, mas justamente por não
necessitarem delas e é também por isso que o casal acaba por se separar. Este é um
problema que ainda que pareça distante tecnologicamente, é muito próximo de nossa
contemporaneidade e de nossa dinâmica de controle.

Você também pode gostar