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«Imagina-te num corpo». Quer dizer: ver o seu corpo é praticá-lo
enquanto imagem, é exercitar o «ser-enquanto-imagem» do corpo. Todo
e qualquer corpo recusa a presença simples das coisas que são puramente
vivas, quer dizer, que estão inseridas numa presença que seja pura carne.
Contudo a carne é, talvez, o pesadelo fundamental da nossa cultura: está
omnipresente mas é quase indetectável. A dimensão carnal interpõe-se
entre a imagem e o corpo, o que provoca um estremecimento simultâneo
da imagem e do eu, uma dúvida sobre a verdadeira situação do vivo.
Hipótese que aqui avançamos: o Holocausto terá sido uma maqui-
naria de marcação da omnipresença do carnal, uma espécie de chuva
política e escatológica que, ao avançar no centro e leste da Europa, avivava
a percepção da potência biológica, aniquilando, ao mesmo tempo, a velha
cultura imagética do corpo. Como uma chuva radioactiva que se deposita
na paisagem, há uma cinza viva que tudo recobre. Semeava-se, progres-
sivamente, uma cultura onde a carne passara a ser a combustão em que
ardiam as esperanças de que o regresso, essa ligação idealizada entre corpo
e imagem, seria ainda uma potencialidade estética e uma força política.
Permanece, portanto, a dúvida de que esse processo tenha sido encerrado
em 1945. E permanece, não tanto nos campos do ético ou do político, mas
nas práticas da imagem que são já sinal, como dirá Roberto Esposito, da
«experiência cada vez mais intensa da indistinção entre o político e a vida».1
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e sistémicas e, em segundo, coisas éticas e intersubjectivas. Queremos,
então, partir, não desse sentido do acontecimento já decorrido, mas antes
do acontecimento que só ocorreu porque, no seu interior, o Holocausto
abriu clareiras libertas de toda a previsão, de toda a espera, de toda a apre-
ensão e refractárias a todo o sentido retrospectivo.
Na temporalidade do acontecimento, podemos ser afectados porque
este se faz anunciar, porque dele temos sinais prévios ou porque se
desdobra suicientemente para que possamos, a partir de uma conlu-
ência de sinais, ter subitamente a percepção, a partir do seu interior, do
que acontece. Mas também podemos, após um acontecimento fulgurante
ou demasiado traumático, constituí-lo e experimentá-lo retrospectiva-
mente, ou seja, viver o acontecimento temporalizado a partir do passado.
Em qualquer dos casos, a temporalidade do acontecimento é paradoxal: o
acontecimento é o que amadurece, psicológica ou historicamente, mas,
ao mesmo tempo, é o que aparece de súbito, lançando-nos na perturbação.
O acontecimento não está inteiro no mundo (o Holocausto nunca o estará),
mas também não se situa fora deste. A sua abertura abre um lugar sem
situação. O Holocausto faz-se holocausto de todos os dias.
Repugna-nos, sabemo-lo, retirar algum sentido exemplar do Holo-
causto, algum sentido que o coloque numa escala comparativa, que o rela-
tivize. Mas, a partir de um plano fenomenológico, que não é o do sentido
relexivo, mas o da constituição da experiência, o Holocausto é um aconte-
cimento que expõe o próprio acontecer na sua regularidade mais nua:
a O acontecimento é, aí, uma mudança projectada, mas tudo nele se imobi-
liza porque a única mudança é o próprio acontecer, que tudo absorve.
b O acontecimento constitui uma novidade, mas, a partir do seu interior, o
novo dilui-se.
c O acontecimento é possível, mas as condições da sua possibilidade
parecem nunca ter sido reunidas.
d O acontecimento dá-se num mundo, mas, ao dar-se, o mundo cessa
naquilo que se abre aí, e que não é já o mundo.
Estes são traços do Holocausto, mas não na medida em que visem uma
qualquer precisão da cena da Shoah ou forneçam uma qualquer interpre-
tação a partir de um hipotético distanciamento. Vejamos: o cerne do que
acontece aí tem a ver com a entrada num mundo de extermínio incomen-
surável que seria errado ler como o im do mundo, já que nunca se mostra
escatologicamente caracterizado. Na Shoah, tudo o que sustenta o mundo
é destruído, mas nada inaliza esse mundo, nada aponta uma escatologia.
O mundo transforma-se em despojo, deixa de sustentar qualquer partici-
pação, em sentido clássico, nos acontecimentos. Libertados os campos, há
aí prisioneiros vivos, mas não há sobreviventes do que aconteceu. Este acon-
tecimento liberta-se de toda a crença interna de que ainda hajam sujeitos do
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Holocausto, quer aqueles que voltariam a lançar-se como Dasein no mundo,
justiceiros da História, quer aqueles que icam para, em voz apenas, enun-
ciar o im, justiceiros do Celeste. Libertados os campos, o mundo liberta-se
da caracterização daqueles que a ele pretendem voltar como dotados de
uma intencionalidade que lhe seja anterior e adquirida nesse não mundo,
nesse «imundo». Em última análise, o Holocausto enterra o mundo exterior
dentro de si, convoca-o no pressuposto da alienação irrevogável de tudo o
que é exterior. Desta forma, o Holocausto é a imagem perfeita. A imagem a
que nada pode escapar, o sol negro da modernidade.
Todos, algozes e vítimas, se dedicavam, no período da húbris inal, a
enterrar os testemunhos possíveis. As fotograias do Sonderkommando2
pertencem, precisamente, a esse excesso no próprio reino do exces-
sivo. A pressão faz-se sentir com o recuo da frente leste e com a chegada
maciça dos judeus húngaros. Nesse período, todos parecem produzir
uma Auschwitz ctónica, enterrada, mas sempre a querer vir à superfície.
O facto de que uns o façam para ocultar os seus crimes e os outros para os
denunciar não é o mais signiicativo: a convicção de que o mundo exterior
nunca poderia acreditar ou compreender o que ali sucedia é partilhada por
ambos os grupos. Nesse sentido, a divisa colocada no acesso ao campo «o
trabalho liberta» não é apenas cínica: todo o campo converge nessa liber-
tação da referencialidade da experiência.
O trabalho é imenso, organizado e sistémico, simultaneamente
weberiano e sadiano. O que esse trabalho faz é devorar o seu material, a sua
techné e o seu télos. Talvez aqui, e não tanto numa suposta adesão espiritual
ao Nazismo, o pensamento heideggeriano encontre a sua concretização:
este é um mundo onde trabalhar signiica abolir toda a distinção entre a
teoria e a prática. Como lembra Michel Henry, teoria signiica «ver a coisa
no seu aparecer, ver o próprio aparecer»3. Ora a produção do campo, a sua
prática, não visa uma divergência criativa entre prática e teoria, mas cons-
titui antes a in-produtiva desaparição do mundo manifestada através do
apagamento para o mundo daqueles que nele entram. Mas de que mundo
falamos? Não se substitui o campo ao mundo? O campo é um mundo em
perda de existências, «estado de excepção», como é bem conhecido.
———————
2 Em Agosto de 1944, alguns membros do Sonderkommando, judeus constituídos em equipas
especiais encarregadas de manusear os corpos, os pertences, os dejectos e o sangue dos
executados, conseguem fotografar clandestinamente algumas fases do seu trabalho. Estas
fotograias são extremamente raras e as que sobreviveram resumem-se, praticamente, às
quatro aqui apresentadas. São imagens roubadas ao medo, ao escrúpulo e à urgência. Apa-
rentemente, tal bastou para que fossem quase sempre consideradas como documentalmente
inúteis. ¶ Quando, em 2000, o ilósofo Georges Didi-Huberman publica um texto sobre estas
imagens e, sobretudo, sobre a sua natureza de imagens, com um duplo regime histórico
e estético, abre-se imediatamente uma polémica com autores como Gérard Wajcman e
Elisabeth Pagnoux. Em 2003, surgirá um livro híbrido de Didi-Huberman, simultaneamente
relexivo e de ataque, intitulado Images Malgré Tout.
3 henry, Michel (1975), O Conceito de Ser enquanto produção, in Phainomenon, 13, p. 194.
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Mas isso não explica por que razão o campo se transforma, no último
ano do seu funcionamento, num lugar prioritário na rede de comunicações
alemã, um destino prioritário para os caminhos-de-ferro do Reich. O campo
é como um poço que serve quase toda a Europa, diriam alguns que é como
o seu buraco negro, se quiséssemos dar-lhe algo do enigma prestigioso da
cosmologia. Ora, nada há aí de enigmático: trata-se apenas de evacuação.
O campo é a Europa que evacua. Fenómeno pouco visível, mas que impõe
a sua força a toda a nova Europa. «O campo devora corpos?», perguntarí-
amos, se ainda estivéssemos na lógica mítico-mágica da manducação. Não
exactamente: o campo é, corporalmente, a função escatológica da Europa.
Ele fecha-se naquilo que é um sinal da sua genealogia moderna ou, como
escreve Bauman, «é tanto um produto como um fracasso»4 da Modernidade.
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Cremação de corpos nas fossas de incineração face à câmara de gás do crematório V de Auschwitz,
Agosto de 1944, Oswiecim, Museu de Estado de Auschwitz-Birkenau, negativo 280. Por membro
anónimo do Sonderkommando de Auschwitz.
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Cremação de corpos nas fossas de incineração face à câmara de gás do crematório V de Auschwitz,
Agosto de 1944, Oswiecim, Museu de Estado de Auschwitz-Birkenau, negativos 281. Por membro
anónimo do Sonderkommando de Auschwitz.
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Mulheres conduzidas para a câmara de gás do crematório V de Auschwitz, Agosto de 1944, Oswiecim,
Museu de Estado de Auschwitz-Birkenau, negativo 282. Por membro anónimo do Sonderkommando de
Auschwitz.
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Árvores perto do crematório V de Auschwitz, Agosto de 1944, Oswiecim, Museu de Estado de
Auschwitz-Birkenau, negativo 283. Por membro anónimo do Sonderkommando de Auschwitz.
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é o que cresce pela força da nossa interpelação. Os topoi da paisagem
dominam as imagens, mas exactamente como o traço que é lá deixado sem
intenção. Ou melhor, que «é intencionalmente rasurado», como é próprio
da paisagem na pintura moderna. Paisagem e ausência encontram a sua
ininita reverberação. Algo de uma ética levinasiana ecoa aqui: o traço
faz-se notar como perturbação da ordem do mundo. Perturbação que nos
reenvia para um passado inalcançável onde nada disto teria sido possível.
Sem essa procedência do «absolutamente ausente», que é a solicitação
pós-teológica do Holocausto inscrita no acontecer, seríamos levados a
concordar com Wajcman quando este diz que «toda a imagem é airmativa
e não pode mostrar o ausente». Contudo, há lacunas do corpo que se abrem
na imagem. Sucintamente, há isso no corpo que recusa ser imagem, e há
êxtases do corpo que tendem para a imagem.
Esse pressuposto exigiria que aqui efectuássemos aqui uma operação
complexa em torno da cisão soma / eikon, para a qual não temos o espaço
necessário. Diremos simplesmente que estes corpos só chegam a nós
através de imagens sobreviventes, eles que são quase nada, vultos anónimos,
rasurados, fora de enquadramento, fantasmáticos. Estas imagens, após
um longo silenciamento, têm vindo a adquirir um estatuto nas ambíguas
querelas éticas e estéticas do nosso tempo, assim como, acima de tudo, no
iconoclasmo tardo-moderno.
A tradição iconoclástica temia a sensualidade e a carnalidade das
imagens. Temia-se, ainal, que a encarnação se ixasse em janelas pictó-
ricas que passariam a ixar-nos com um olhar feito de carne, dessa carne
do mundo tão mais difícil de circunscrever que a do corpo. Se o olho vê o
mundo, é o olho que é ameaçado em primeiro lugar pelo mundo. Sendo o
olho um dispositivo orgânico da distância, ele é, contudo, sede de uma ferida
e, consequentemente, operador de tentativas de sutura da falha, sede, ainal
de contas, da «pulsão escópica». Estas imagens revestem-se desse qualidade
de um relance que nos sobressalta, só comparável à visão do sexo materno
naquilo que este reveste de inquietante cruzamento entre consciência de si
e acesso ao mundo num corpo inconsciente. A comparação é violenta, bem
sabemos, mas impõe-se, precisamente, porque, desde o Holocausto, adqui-
rimos a consciência de que partes do mundo se fecharam para sempre a um
olhar directo, curioso, simplesmente humano, simplesmente ético.
Os iconoclastas do Holocausto, que falam a partir de mundo de imagens,
só podem agora exercer a sua interdição sobre imagens que eles próprios
colocam no estado de excepção. As quatro fotograias do Sonderkommando,
sendo imagens extremas, viram a sua excepcionalidade aprofundar-se desde
o dia em que saíram de Auschwitz-Birkenau. Lanzman e outros decretaram
que «não há imagens da Shoah». O que querem dizer, já que conhecem estes
documentos, é que «não há imagem verdadeira da Shoah». O que querem
dizer é que não há imagem nenhuma que possa desfazer esse nó terrível
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entre o mal radical e a mais desconcertante banalidade. Didi-Huberman, por
seu lado, é inutilmente professoral quando qualiica de trivialidade a air-
mação de que «nem todo o real é solúvel na imagem»7. Enquanto Lanzman
e outros absolutizam o real, Didi-Huberman absolutiza o acesso noético ao
Holocausto, o acto de consciência dirigido a este.
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ica de um tal processo é o esplendor incompreensível das coisas. Os muros
do campo e o arame farpado não conservam o esplendor das coisas no seu
exterior. Pelo contrário: é lá dentro que ele se manifesta, brutalmente.
Com a brutalidade das coisas que não precisam de ser chamadas, que não
reconhecem nenhum nome. O negativo daquilo que Kafka disse ser «o
esplendor da vida que nos cerca sempre e completamente, mas oculto atrás
da superfície, invisível, longínquo. Se o chamarmos pelo nome adequado,
ele virá». No campo, e estas fotograias mostram-no, a vida está inteira,
mas sem nome a que possa responder.
O campo de extermínio, enquanto experiência vivida, tem, assim, essa
singular capacidade de minar por dentro toda a narrativa do Holocausto
até hoje tentada. O processo de emergência das narrativas sobre o Holo-
causto não será tão diferente de outros processos eventualmente próximos.
Na verdade, ele parece ser acompanhado, como se de uma face obscura se
tratasse, pela questão da representação do Gulag, menos enraizada meta-
isicamente, mas profundamente cínica e complexa. Jorge Semprun, no
prefácio que escreveu para a recolha de fotograias do Gulag publicada
por Tomasz Kizny, escreve explicitamente: «Parece-me que a comparação
objectiva, documentalmente fundada, entre os dois sistemas totalitá-
rios, será a última etapa que nos resta percorrer a im de pormos um im
à cegueira ocidental perante o Gulag»9. A polémica em torno do texto de
Didi-Huberman parece-me, pelo contrário, ser um indicador seguro de
que não nos aproximámos de uma capacidade signiicativamente mais
profunda de estarmos perante as imagens do Gulag e, por outro lado, que as
condições para começarmos a pensar (ou sequer a procurar) uma icono-
graia do Gulag têm vindo a degradar-se nos últimos anos.
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Neste ininito, não podemos associar um sujeito ético ou teológico
nem dele fazer um princípio. Pelo contrário, o que aqui temos é a exigência
de uma resistência ética. Mas, ao contrário de Lanzmann, acrescentare-
mos que não se trata aqui de resistência à exposição destas imagens, à sua
leitura em provocação ao ininito silêncio que Auschwitz foi. Todo o debate
em torno da adopção testemunhal destas fotograias depara necessa-
riamente com uma resistência fenoménica que nelas habita. O que aqui
acontece é a ininitude associada ao traço, conceito levinasiano da própria
ausência radical de um Ininito qualiicado ontoteologicamente. Enquanto
traço, estas imagens mostram-se como interpelação que reside na sua pró-
pria resistência à apropriação.
Entrar nestas imagens, olhá-las, supor que o olhar deste Sonderkom-
mando se prendia melhor àquele mundo que as suas próprias mãos, suadas
e com grande diiculdade em ixar a máquina, é penetrar num mundo que,
tendo abandonado todo o projecto, ainda assim liberta as sombras dos
projectos, deixando-os correr por ali. Nesse mundo, ser projecto humano,
projecto-de-si, já não se refere ao futuro, que foi eliminado, mas aparece
antes como incontrolável mobilidade das representações do futuro, que
são aí as únicas representações internas.
———————
10 lévinas, Collected Philosophical Papers, p. 54.
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