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SUBSÍDIOS
PARA O
DEBATE
Brasil
2017
1
2
SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
SUBSÍDIOS
PARA O
DEBATE
Brasília, 2017
3
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Michel Temer
SECRETÁRIO NACIONAL DE
POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
Juvenal Araújo
Distribuição e Informações
4
SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
Secretaria Nacional de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial
Conselho Nacional de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial
IV Conferência Nacional de
Promoção da Igualdade Racial - IV CONAPIR
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EXPEDIENTE
Conteúdos e redação
Ana Karyna Sobral
Ana Lúcia Pereira
Daniel Garcia Dias
Edgard Aparecido de Moura
Eliseu de Oliveira Neto
Flávio Robin da Silva Correia
Gabriela Cruz da Silva
Ircílio Chissolucombe
Ismália Afonso
John Land Carth
Kátia Favilla
Luiz Carlos de Lima
Marcus Vinícius Barbosa Peixinho
Raquel Dias
Rogério Vilela B. de A. Franco
Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira
Revisão de texto
Dênis Rodrigues da Silva
Coordenação editorial
Subcomissão de Metodologia, Temas, Subtemas e Relatoria
6
SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
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Deuzília Pereira da Cruz
(Grupo de Mulheres Negras Dandaras no Cerrado - GMNDC/CNPIR)
Eduardo Gomor
(Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão - MPOG/CNPIR)
Edvaldo Pereira Brito
(CNPIR)
Ericka Siqueira Nogueira Filippeli
(Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres -SPM/SeGov/CNPIR)
Frei David Raimundo Santos
(Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes - EDUCAFRO/CNPIR)
Hélcio Eustáquio Rizzi
(Fundação Nacional do Índio - FUNAI/MJSP/CNPIR)
Henoc Pinto Neves
(Centro de Artesanatos Tikuna Içaense - CAITI/CNPIR)
Iêda Leal de Souza
(Central Única dos Trabalhadores - CUT/CNPIR)
Ircílio Chissolucombe
(Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC/
CNPIR)
Jason Cirqueira dos Santos
(Ministério do Trabalho - MT/CNPIR)
João Mendes da Rocha Neto
(Secretaria de Governo - SeGov/CNPIR)
Jorge Adolfo Freire e Silva
(Ministério da Cultura - MinC/CNPIR)
José Carlos Calon
(Centro de Estudos e Discussões Romani - CEDRO/CNPIR)
Juliana Ferreira Simões
(Ministério do Meio Ambiente - MMA/CNPIR)
Kátia Favilla
(Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário - MDSA/CNPIR)
8
SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
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COORDENAÇÃO EXECUTIVA DA IV CONAPIR
Adeildo Araújo
(MNU/CNPIR)
Andréa Valentim Alves Ferreira
Coordenadora-Geral de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da
Igualdade Racial/SEPPIR/MDH
Arilson Ventura
(CONAQ/CNPIR)
Byany Sanches Mourão
(RAN/CNPIR)
Dandara Tonantzin Silva Castro
(UNE/CNPIR)
Gabriela Cruz da Silva,
Coordenadora-Geral de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR/MDH
José Carlos Calon
(CEDRO/CNPIR)
Rogério Vilela B. de A. Franco
Coordenador de Articulação de Políticas de Ações Afirmativas/SEPPIR/MDH
Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira
(CNPIR)
Sionei Ricardo Leão de Araújo
Coordenador-Geral do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial/
SEPPIR/MDH
SUBCOMISSÃO DE METODOLOGIA, TEMAS, SUBTEMAS E RELATORIA
Andréa Valentim Alves Ferreira
Coordenadora-Geral de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da
Igualdade Racial/SEPPIR/MDH
Ângela Cristina Santos Guimarães
(UNEGRO/CNPIR)
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
Ircílio Chissolumcombe
(MCTIC/CNPIR)
Kátia Favilla
(MDSA/CNPIR)
Patrícia Tiomno Tolmasquim
(CONIB/CNPIR)
Ualid Hussein Ali Mohd Rabah
(FEPAL/CNPIR)
SUBCOMISSÃO DE COMUNICAÇÃO
Dara Sant’Anna Carvalho Ignácio
(UNE/CNPIR)
11
Milton Santos Silva
(RNLGBT/CNPIR)
Nuno Coelho de Alcântara Junior
(APN/CNPIR)
Raquel Dias
(MEC/CNPIR)
Ubiraci Matildes de Jesus
(FNMN/CNPIR)
SUBCOMISSÃO DE LOGÍSTICA
Antônio Carlos Basílio da Silva
(Instituto Nacional de Tecnologia Social – INATES/CNPIR)
Célia Zenaide da Silva
(CFP/CNPIR)
Floraci Pereira dos Santos
Chefe de Divisão de Serviços Gerais/Secretaria Executiva/MDH
Hugo Nister Pessoa Teixeira
Assistente/SEPPIR/MDH
Luana Carolina Corrêa Martins
(FENAFAL/CNPIR)
Rogério Vilela B. de A. Franco
Coordenador de Articulação de Políticas de Ações Afirmativas/SEPPIR/MDH
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
SUMÁRIO
ORGANIZAÇÃO DA IV CONAPIR___________________________________________ 7
APRESENTAÇÃO_______________________________________________________ 14
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS____________________________________________ 45
13
APRESENTAÇÃO
14
SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
• IV – “Discriminação
múltipla ou a gravada dos
afrodescendentes” – avanços
15
mais pobres e marginalizados. Estudos
e pesquisas de órgãos nacionais e
DO RECONHECIMENTO DOS
internacionais demonstram que pessoas
afrodescendentes ainda têm acesso
AFRODESCENDENTES
limitado a educação de qualidade,
serviços de saúde, moradia e segurança.
20
SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
DA GARANTIA DE JUSTIÇA
Praticamente não existem dados oficiais
sobre a presença dos Povos Ciganos e de
sua distribuição pelo território nacional, o
que indica o grau de invisibilidade que o DOS AFRODESCENDENTES
Estado brasileiro tem conferido às etnias
ciganas. É urgente que seja realizado um ACESSO À JUSTIÇA E
censo demográfico indicando quantos ENFRENTAMENTO AO RACISMO
são e onde estão os ciganos e suas
comunidades. A LG UMAS ME DI DAS P RO P O STAS
PELA DÉCADA INTERNACIONAL DE
O Racismo Institucional atinge de AFRODESCENDENTES
maneira cruel os Povos Ciganos, com
crianças fora das escolas; alto grau de 1. Introduzir medidas para garantir a
analfabetismo entre jovens e adultos; igualdade perante a lei, especialmen-
dificuldades de acesso à assistência te no desfrute do direito à igualdade
social – inclusive de idosos(as) –; pessoas de tratamento perante os tribunais e
ainda sem Registro Civil de Nascimento outros órgãos de administração da
e todas as dificuldades advindas daí, Justiça;
como a burocracia para sepultamentos;
resistência dos governos municipais 2. Eliminar estereótipos institucionaliza-
para permissão de permanência de dos relacionados à população afro-
comunidades itinerantes, entre outros. descendente e aplicar sanções apro-
priadas contra autoridades policiais
Os Povos Ciganos têm direito a escola, que agem com base na filtragem
saúde, moradia e segurança como racial;
seres humanos e cidadãos e cidadãs
brasileiros(as) que são! Seus direitos 3. Assegurar que a população afrodes-
básicos e fundamentais precisam ser cendente tenha acesso pleno e efetivo
garantidos, como a inviolabilidade de a proteção e recursos perante os tri-
seus lares, e as comunidades ciganas bunais nacionais competentes e outras
devem ter acesso a serviços e à instituições estatais contra quaisquer
promoção social, respeitadas a sua atos de discriminação racial e o di-
tra jetória e costumes, assim outros povos reito de buscar reparação adequada
e comunidades tradicionais. ou satisfação perante esses tribunais
por qualquer prejuízo sofrido em razão
dessa discriminação;
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Os jovens representam 54,8% da
população carcerária brasil eira.
12. Estimular os governos a desenvolverem Considerando-se os dados do InfoPen -
programas culturais e educacionais Levantamento Nacional de Informações
que visam combater o racismo, dis- Penitenciárias sobre a população no
criminação racial, xenofobia e intole- período de 2005 a 2012 e as estimativas
rância correlata e melhorar o enten- para a população brasileira acima de
dimento mútuo entre diversas culturas 18 anos no mesmo período, é possível
e civilizações; observar que o encarceramento de
negros aumentou mais do que o
13. Realizar campanhas efetivas de mídia encarceramento de brancos.
para melhorar a prevenção, combate
e erradicação de todas as manifesta- Em 2012, para cada grupo de 100
ções de racismo, xenofobia e intole- mil habitantes brancos acima de 18
rância correlata. anos havia 191 brancos encarcerados,
enquanto para cada grupo de 100 mil
SISTEMA PRISIONAL habitantes negros acima de 18 anos
havia 292 negros encarcerados, ou seja,
O perfil socioeconômico das pessoas proporcionalmente o encarceramento
privadas de liberdade é majoritariamente de negros foi significativamente maior
composto por pessoas negras e pardas, do que o de brancos.
jovens, oriundas de espaços populares,
com baixa escolaridade e pertencentes Algumas medidas importantes a serem
às camadas mais pobres da população. tomadas:
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Para Amartya Sen o desenvolvimento não comunidades quilombolas e dos povos
deve ser medido somente pelo aumento indígenas encontram-se na área rural do
da industrialização, avanços tecnológicos, país (Caderno de Resultados População
aumento do PIB, da renda média per Negra, BSM, 2015).
capita, mas sim deve incluir indicadores
de melhoria da vida dos indivíduos, com 10,3 milhões de famílias que estão
o fortalecimento de suas liberdades. O inseridas no Cadastro Único dos
acesso à saúde, educação, a garantia Programas Sociais são chefiadas por
dos direitos civis, o direito ao território, negras/os, destas, 67% são beneficiárias
devem ser incluídos nas políticas de do Programa Bolsa Família e 88% são
desenvolvimento. “O que as pessoas chefiadas por mulheres negras. Do total
conseguem realizar é influenciado por de famílias beneficiárias do Bolsa Família,
oportunidades econômicas, liberdades 75% são de famílias de negras e negros.
políticas, poderes sociais e por condições
habilitadoras, como boa saúde, educação “O racismo e seus refl exos na
básica e incentivo e aperfeiçoamento de dis tribuição dos recursos são
iniciativas” (SEN, 2010, pág. 18). e l e m en to s es tr u t ur an tes d a
desigualdade social no Brasil. O
A ONU, no documento sobre a Década peso de seus efeitos é reafirmado
Internacional de Afrodescendentes, por meio da evidenciação estatística
destaca a importância da participação de sua magnitude. A persistência
de negras e negros nos processos da diferenciação racial no acesso
decisórios e na distribuição igualitária a serviços públicos, na aquisição
dos benefícios resultantes deste de cap acidades e n a posição
desenvolvimento. social desvela as consequências da
atuação sistemática de mecanismos
Segundo o Caderno de Resultados de produção e reprodução das
População Negra, analisando a superação desigualdades em vários campos da
da pobreza de junho de 2011 a abril de vida social.” (SILVA, 2013, pág. 14).
2015, apesar da redução da pobreza
multidimensional entre pretos, pardos A agenda mundial dos Objetivos de
e indígenas de 12,26% em 2002 para Desenvolvimento Sustentável-ODS é
1,7% em 2013, há ainda uma grande composta por 17 objetivos e 169 metas.
diferença quando observada em relação Os ODS 1. Erradicação da Pobreza e o 10.
aos brancos, que possuíam em 2013 taxa Redução das Desigualdades apresentam
de 0,5%. Esta diferença é ainda mais diversas metas, como:
acentuada quando analisado o meio
rural, sendo de 4,9% para pretos, pardos a) “1.5 Até 2030, construir a
e indígenas e de 0,4% para os brancos. resiliência dos pobres e daqueles em
Importante destacar que a maioria das situação de vulnerabilidade, e reduzir
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
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A Política Nacional de Saúde Integral da também a redução das iniquidades de
População Negra expressa o compromisso raça/cor, gênero, identidade de gênero,
de governo com a diminuição das desigual- orientação sexual, geracionais e de classe.
dades sociais que acometem a população
negra, sendo o racismo uma de suas ex- As estratégias do III Plano Operativo es-
pressões mais fortes. Reafirma também tão estruturadas em 05 eixos: Acesso da
as responsabilidades de cada esfera de População Negra às Redes de Atenção à
gestão do SUS na implementação de suas Saúde; Promoção e Vigilância em Saú-
ações e na articulação com outros setores de; Educação Permanente em Saúde e
do governo e da sociedade civil, em es- Produção do Conhecimento em Saúde
pecial com os movimentos sociais negros. da População Negra; Fortalecimento da
Participação e do Controle Social e Mo-
A construção da Política Nacional de Saú- nitoramento e Avaliação das Ações de
de Integral da População Negra conta Saúde para a População Negra.
com princípios e diretrizes, além da pre-
visão de acompanhamento e avaliação O Plano inclui também povos e comuni-
subsidiados pelo Comitê Técnico de Saú- dades tradicionais ao estimular o pre-
de da População Negra, tanto em nível enchimento pelas equipes de Atenção
nacional, quanto em instâncias estaduais Básica do campo “é membro de povo ou
e municipais. O estabelecimento deste comunidade tradicional?”, que consta na
Plano é um dos padrões de uma gestão ficha de cadastro do sistema E-SUS/AB.
descentralizada e participativa, proposta A coleta desta informação é importante
pelo Ministério da Saúde, para garan- para tomada de decisões, pela gestão do
tir a promoção de equidade em saúde SUS, voltadas a atenção à saúde dessas
com participação social para além de populações. Além disso, reconhece que as
Conferências Nacionais de Saúde e do comunidades tradicionais de matriz afri-
Conselho Nacional de Saúde cana e toda cultura derivada da presença
negra no Brasil são espaços de produção
Com o objetivo de estabelecer estraté- de saúde e de reafirmação de cidadania.
gias de aplicação da Política de Saúde
da População Negra, o III Plano Operativo CULTURA
da Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra – publicado em abril de O Brasil é famoso mundialmente pela
2017 – visa garantir o acesso da popula- miscigenação de seu povo, fato louvado
ção negra às ações e serviços de saúde de forma clara pela sua cultura popular.
de forma oportuna e humanizada, con- Infelizmente não lembramos o custo des-
tribuindo para a melhoria das condições sa miscigenação, que na verdade teve a
de saúde desta população. O Plano visa cultura indígena apagada, a cultura negra
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
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vantar suspeitas dos capatazes. Durante
décadas a capoeira foi proibida no Brasil. RACISMO E CULTURA
A liberação da prática aconteceu apenas
na década de 1930, quando uma variação Estudar as relações entre o racismo e a
(mais para o esporte do que manifestação cultura é levantar a questão da sua ação
cultural) foi apresentada ao então presi- recíproca. Se entendermos cultura como
dente Getúlio Vargas pelo Mestre Bimba, “conjunto dos comportamentos motores
que adorou e a chamou de “único esporte e mentais nascido do encontro do ho-
verdadeiramente nacional”. Atualmente a mem com a natureza e com o seu seme-
Capoeira é Patrimônio Cultural Brasileiro, lhante”, devemos dizer que o racismo é
recebendo em 2014 o título de Patrimônio um elemento cultural. Através do humor,
Cultural Imaterial da Humanidade. histórias e chistes, o ódio, a xenofobia e
o preconceito passam a permear sim a
A África é o continente com maior diversi- cultura de um povo. Segundo a Escala de
dade cultural de todo o mundo. As religi- Preconceito de Allport (ALLPORT, 1954)
ões de matriz africana foram duramente temos as seguintes categorias:
atacadas pelos católicos brasileiros, então
pouco da cultura de origem se manteve. ANTILOCUÇÃO - É um grupo ma joritário
Da miscigenação dessas religiões surgi- fazendo humor abertamente sobre um
ram novas crenças, que chamamos de grupo minoritário. A fala se dá em termos
Candomblé (que teve origem no nordeste de estereótipos e imagens negativas. Ela,
brasileiro) e a Umbanda (com origem no além de criar um ambiente preconceitu-
Rio de Janeiro). Na religião podemos ver oso, agressivo e hostil, ainda estabelece
com clareza a força do racismo, perene o cenário para erupções mais sérias de
até os dias de hoje, onde terreiros são in- preconceito. Depois de anos, o Brasil tem
vadidos, destruídos. A hegemonia cultural conseguido enfrentar seu humor racista,
mostra seu lado mais cruel ao associar machista e homofóbico, mas com forte
o Exu (um orixá das religiões africanas) reação de humoristas e da população
como sinônimo do demônio (símbolo do que deseja seguir fazendo piada sobre
mal na religião cristã). populações estigmatizadas. Uma par-
cela de humoristas mais enga jados tem
Os negros e negras serviram a casa gran- levantado a bandeira de que humor se
de por séculos. Talvez isso explique que faz com os poderosos, isto é, não se faz
foi na alimentação é onde houve o me- piada com minorias, mas sim como forma
nor apagamento da cultura negra. São de protesto.
famosos os pratos vatapá, acara jé, caru-
ru, mungunzá, sarapatel, baba de moça, ESQUIVA - O contato com as pessoas do
cocada, bala de coco, atualmente reco- grupo minoritário passa a ser ativamente
nhecidos como comida do Brasil. evitado pelos membros do grupo ma jo-
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
ritário. Pode não se pretender fazer mal negra se encontra, mas também dessa
diretamente, mas o mal é feito através do perpetuação do racismo na cultura e da
isolamento. Isso pode ser visto em favelas, escalada de intolerância e ódio.
guetos. Muitas vezes essa esquiva busca
justificativa no medo da criminalidade, O que existe de mais cruel no racismo
sem uma reflexão sobre porque os ne- cultural é sua capacidade de renovação
gros, ciganos, ou mesmo LGBTs estão na e refinamento.
situação de marginalidade. Vira um efeito
de auto alimentação do racismo com um Com o embate promovido pelos movi-
medo simbólico. mentos sociais e a com evolução da ci-
ência, o racismo vulgar e simplista que
DISCRIMINAÇÃO - É a negação propria- achava no biológico a base material da
mente dita de oportunidades e serviços doutrina (forma comparada de crânios,
ao grupo discriminado, acrescentando quantidade e configuração dos sulcos do
preconceito à ação. A população negra encéfalo, características das camadas
sofre isso claramente no Brasil, em rela- celulares do córtex, dimensões das vérte-
ção a empregos, salários, saúde, educa- bras, aspecto microscópico da epiderme
ção, moradia etc. Um bom exemplo pode etc.) foi sendo substituído por argumen-
ser conferido no artigo Grávidas negras tação mais fina e portanto mais difícil de
e pardas recebem menos anestesia no combater.
parto, disponível no endereço eletrônico
https://www.geledes.org.br/gravidas-par- O racismo declarado, pautado na melani-
das-e-negras-recebem-menos-anestesia- na, tende a ficar mais sutil. O ódio que se
-no-parto/. pretende racional, individual, determina-
do, genotípico e fenotípico, transforma-se
ATAQUE FÍSICO - O grupo ma joritário em racismo cultural. O objeto do racismo
vandaliza as coisas do grupo minoritário, já não é o “conceito de raça”, mas uma
queimam propriedades e desempenham certa forma de existir. Os “valores oci-
ataques violentos contra indivíduos e gru- dentais” reúnem-se singularmente ao já
pos. Danos físicos são perpetrados contra célebre apelo à luta da “cruz contra o
os membros do grupo minoritário. crescente”. Então surge uma ode contra a
cultura islâmica como se essa fosse uma
EXTERMÍNIO - Quando o grupo ma jo- única. Faz-se o embate contra as culturas
ritário busca a exterminação do grupo de periferia, sem mencionar que são as
minoritário. Segundo o Índice de Vulne- vinculadas à população negra. Cria-se
rabilidade Juvenil à Violência e Desigual- uma ideia cultural coletiva de desejo de
dade Racial 2014, no Brasil, o jovem negro paz e ordem, de combate ao crime, quan-
tem 2,5 vezes mais chance de ser morto. do o que está por traz é o extermínios das
Logicamente esse dado vem da condi- populações marginais, para desta forma
ção de marginalidade que a população exterminar quem está na periferia.
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É impossível subjugar homens e mulhe- DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA
res sem inferiorizá-los(as). O racismo é a
explicação emocional e afetiva, algumas
OU AGRAVADA DOS
vezes intelectual, da inferiorização, per-
mitindo a prática desta e negando sua
AFRODESCENDENTES
própria situação de opressor. Se enten-
dermos que cultura é uma série de refe- DIREITOS SEXUAIS E
rências, pensamentos e reflexões de um REPRODUTIVOS E A
povo, veremos que ela pode armazenar VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
o ódio, a intolerância. Porém é também
através dela, seja via políticas públicas ou DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA
movimento social organizado, que o ódio OU AGRAVADA DOS
pode ser enfrentado, debatido e vencido. AFRODESCENDENTES: GÊNERO
As ações culturais, que são afirmativas e
empoderadoras são a ferramenta para O enfrentamento da discriminação
se mudar a visão de um povo sobre si. experimentada por indivíduos e grupos
requer ferramentas adequadas às
É fundamental que as políticas públicas diversas situações em que se apresenta.
para a população negra fujam dos es- Nesse sentido, cabe ao Estado adotar
tereótipos da banalização para mostrar e implementar políticas e programas
o seu lado de cultura sublime, de força, que forneçam proteção efetiva para
de resistência à agressão e opressão, e as pessoas afrodescendentes que
assim trazer empoderamento, autoestima enfrentem formas de discriminação
e orgulho para a população negra. múltipla, agravada ou interseccional.
Na década de 80, o movimento de
mulheres negras conferiu maior
visibilidade às questões específicas
de saúde da mulher negra, sobretudo
aquelas relacionadas à saúde sexual
e reprodutiva. O racismo e o sexismo
imprimem marcas segregadoras
diferenciadas, que implicam restrições
específicas dos direitos desse segmento,
vitimando-o, portanto, com um duplo
preconceito.
36
SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
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Somente em 1993 acontece o Seminário
Neste contexto, propõe-se como
Nacion al de Políticas e Direi tos
questões ativadoras do debate:
Reproduti vos das Mulheres Negras,
1. Que ações intersetoriais podem ser um importante evento brasileiro que
viabilizadas para garantir a efetividade abordou as especificidades da violência
dos direitos sexuais e reprodutivos das contra as mulheres negras.
mulheres negras?
A violência obstétrica no Brasil tem maior
2. Como viabilizar o pleno acesso de incidência com mulheres em situação de
jovens e adolescentes negras, entre 10 a vulnerabilidade social. Logo, as principais
19 anos, às políticas de educação, saúde, vítimas são as mulheres pobres e negras.
assistência social, emprego e renda, de Dados da Comissão Interamericana de
forma a reduzir o percentual de gravidez
Direitos Humanos apontam que pelo
indesejada nesta etapa da vida?
menos seis de cada dez mortes maternas
3. Quais leis, normas e políticas públicas são de mulheres negras.
são discriminatórias e devem ser revistas
ou reformadas? Mulheres pretas e pardas representaram
65,9% da parcela submetida a algum tipo
de violência obstétrica em 2014, segundo
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA estudo publicado nos Cadernos de Saú-
de Pública da Fundação Oswaldo Cruz.
A violência obstétrica consiste na
apropriação do corpo e processos
Neste contexto, propõe-se como
reprodutivos das mulheres pelos
questões ativadoras do debate:
profissionais de saúde, por meio do
tratamento desumanizado, abuso 1. Como implementar políticas públicas
da medicalização e patologização na área de saúde e direitos humanos
dos processos naturais, causando que propiciem às mulheres negras, em
perda da autonomia e capacidade de especial as das camadas mais vulneráveis,
decidir livremente sobre seus corpos e a identificação da violência obstétrica?
sexualidade. Tal conceito foi publicado
em uma cartilha lançada em 2014 pela 2. Como criar canais de denúncia?
Defensoria Pública do Estado de São
Paulo, baseando-se nas leis da Venezuela 3. É necessário formar uma rede de
e da Argentina, nas quais a violência proteção para as mulheres vítimas desse
tipo de violência?
obstétrica é tipificada como um crime
cometido contra as mulheres (Defensoria 4. Como conscientizar os profissionais de
Pública do Estado de São Paulo, 2014). saúde, que entendem que determinadas
práticas são legítimas e afetas aos
procedimentos legais?
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
41
garantirá a diversidade de orientação outras diretrizes pertinentes e de suma
sexual e identidade de gênero. Para importância, destacamos a inclusão da
tanto, a chamada pública de projetos diversidade populacional nos processos
de fomento ao SINAPIR lançada no de formulação, implementação de outras
primeiro semestre de 2017, contou políticas e programas voltados para
com uma linha de apoio a projetos que grupos específicos no Sistema Único
contivessem a interface racial com a de Saúde-SUS, envolvendo orientação
população LGBT. E no Plano Juventude sexual, identidade de gênero, ciclos de
Viva, que atualmente está em fase de vida, raça-etnia e território.
reestruturação com apoio do Fundo de
População das Nações Unidas-UNFPA, Por fim, cabe assinalar que é fundamen-
a abordagem da violência oriunda da tal para o sucesso das ações governa-
discriminação de orientação sexual e de mentais de promoção da igualdade ra-
gênero aparecerá de forma mais clara e cial e superação do racismo considerar
com metas a serem alcançadas. suas interseções com a temática de gê-
nero e orientação sexual. Nos processos
A parceria com o UNFPA tem, dentre seus sociais de discriminação, as clivagens
objetivos principais, o de desenvolver de raça, gênero e população LGBT se
ações de Enfrentamento ao Racismo entrecruzam recorrentemente e formam
Institucional – com consultoria espe- dimensões estruturantes da realidade
cializada no âmbito do Plano Juventude brasileira. O enfrentamento dessas dis-
Viva – desenvolvidas nos estados e mi- criminações precisa contemplar estraté-
nistérios prioritários. A referida consul- gias que abordem de maneira conjunta
toria também visa a realização de ações essas clivagens.
formativas para líderes jovens negros e
negras, com vistas à formação de uma POLÍTICAS DE PROMOÇÃO
rede de juventude negra e enfrentamen-
to ao racismo, com fundamental recorte
DA IGUALDADE RACIAL
na diversidade da população LGBT.
Nas últimas décadas, o Brasil vem am-
pliando o debate no que se concerne à
A Política Nacional de Saúde Integral
questão racial, presente no processo de
de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
redemocratização do país pós período
e Transexuais tem sua marca no
de Ditadura Civil-Militar, onde a Consti-
reconhecimento de que a discriminação
tuinte de 1988 trouxe importante auxílio
por orientação sexual e por identidade
na discussão do tema.
de gênero incide na determinação
social da saúde, no processo de
O discurso da democracia racial, que
sofrimento e adoecimento decorrente
esteve presente em parte do início do
do preconceito e do estigma social a que
séc. XX, deu espaço para que o país, a
está exposta a população LGBT. Dentre
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
ALLPORT, G. The Nature of Prejudice. Cambridge: Addison-Wesley, 1954.
ALVITO, Marcos. Samba. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9, nº
97. Outubro, 2013. Pág. 80.
BORGES, Alci Marcus Ribeiro. Breve introdução ao direito internacional dos direitos
humanos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1257, 10 dez. 2006.
45
BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial.
LEÃO, Natália; CANDIDO, Marcia Rangel; CAMPOS, Luiz Augusto; FERES JÚNIOR,
João. Relatório das Desigualdades de Raça, Gênero e Classe (GEMAA). IESP/UERJ,
n. 1, 2017.
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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
PINHEIRO, L.S.. Vozes femininas na política: uma análise sobre mulheres parlamentares
no pós-Constituinte. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
(Série Documentos), 2007.
São Paulo. Defensoria Pública do Estado. Violência obstétrica – Você sabe o que
é?. São Paulo: Escola da Defensoria Pública do Estado, 2014. Disponível em https://
www.defensoria.sp.def.br/dpesp/repositorio/41/Violencia%20Obstetrica.pdf.
47
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