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seja, so formadas a partir de unidades simples que, combinadas, formam ‘unidades mais complexas. Como observa Noam Chomsky, todas as linguas funcionam como sistemas combinatorios discretos: "Senténgas e frases S80 construfdas de palavras; palavras s4o construfdas a partir de morfemas; e morfemas, por sua vez, s4o construfdos a partir de fonemas” (Pinker, 4995: 162). Em que, entdo, as Knguas orais e de sinais diferem? Diferem quanto 4 forma como as combinagées das unidades séo construfdas. Enquanto as linguas de sinais, de uma maneira geral (mas pao exclusival), incorporam as unidades simultaneamente; as linguas orais tendem a organizi-las sequencialmente/linearmente”. A explicago para essa diferenca primaria se d4 devido ao canal de comunicagao em ‘que cada ingua se estrutura (visual-gestual x vocal-auditivo}, pois essas caracterfsticas ficam mais salientes em uma Iingua do que em outra (Fer- reira Brito, 1995; Wilcox & Wilcox, 1997). As investigacdes linguisticas apontam e descrevem a existéncia de © caracteristicas linguistico-estruturais que marcam as linguas humanas haturais. A crenga, ainda muito forte na sociedade ouvinte, de que a \ingua de sinais dos surdos nao tem gramatica est ancorada na crenga de que falamos a seguir: a de que elas ndo passariam de mimicas e pan- tomimas. A lingua dos surdos é mimica? Falso. Para demonstrar a diferenga entre a m{mica e os sinais, Klima & Bellugi (1979) conduziram um estudo a partir da observagao de narra- tivas que necessitariam de pantomimas durante a contagio da histéria. Nesse estudo, a narrativa estudada foi “O unicérnio no jardim” de James Thurber, Nela foram constatadas “invengdes” de sinais para a palavra “ca- misa de forga” — em ingles straitjacket. Embora, em alguns momentos, incorpo: tna fonologia da Ast, O mesmoé verdadeiro em tzsnas ih, 1979; Ferreira Bits, 1995; Quadros, 19973). os surdos usuarios de Ast langassem mao desse recurso para sinalizar 0 conceito, ¢ cada sinal tivesse um jeito, fol possivel constatar que, no an- damento da historia, e mesmo em situagdes de sua recontagem, o conceito supracitado na sinalizagao continuava icénico, Entretanto, as investigagées ‘mostraram que houve uma simplificago e uma estilizago nos movimentos — os sinais pareciam mais sistematizados e convencionados. Veja abaixo a progressao da pantomima em (a) para o sinal “inventado" em (b): (@)Pantomrima de “camisa de forca” Reta de Kr & elg 79 1) AUN DE SHAS 28 (0 Partomima de 10" (@) Sal de voor ASL Constatou-se que, para o exemplo aci antomimas observadas ti- ham muitas possiblidades, variando de u {duo para outro; enquanto (ha lingua americana de sinais permanecia apenas uma variedade, ou seja, ariedade legitimada e convencionada pelo grupo de usuarios estudados. (ura diferenga € que as pantomimas ou micas — uma ver que tentavam Fepresentar o objeto tal como existe na realidade — eram muito mais deta- iliadas, comparadas aos sinais americanos, levando muito mais tempo para ‘realizaio. A pantomima quer fazer com que vocé veja o “objeto, enquan- 6 sinal quer que voc® veja o simbolo convencionado para esse objeto. Quando me perguntam, entretanto, se a lingua de sinais é mimica, tendo que esti implicito nessa pergunta um preconceito muito grave, jue vai além da discussio sobre a legitimidade lingufstica ou mesmo so- yre quaisquer relagées que ela possa ter (ou nao) com a lingua de sinais. std associada a essa pergunta a ideia que muitos ouvintes tém sobre os irdos: uma vis4o embasada na anormalidade, segundo a qual o maximo Ne o surdo consegue expressar é uma forma pantomimica indecifravel ¢ \ente compreensivel entre eles. Ndo & toa, as nomeagdes pejorativas jormal, deficiente, débil mental, mudo, surdo-mudo, mudinho tém sido quivocadamente atribuidas a esses individuos*. ‘A lingua de sinais tem todas as caracterfsticas linguisticas de qual- ier Iingua humana natural. & necessdrio que nés, tura de Iingua oral, entendamos que o canal comu! 22, pease QUE UNG ESSA? (visual-gestual) que o surdo usa para se comunicar nao anulaa exist de uma Ifngua tao natural, complexa e genufnia como é a lingua de sinais. Aesse respeito quero salientar trés definigdes encontradas no Dicionério didético de portugues (Biderman, 1998: 630-645): rmimica sf, mi-mi-ca. Expressivo de idéias, palavras ou sentimentos através de gestos expressivos que acompanham ou substituem a fala. Os mudos usam mimica para comunicarem suas idéias. Durante o piquenique a tur- tna fee virias brincadeiras; uma delas foi o jogo de mfmica.// pl: mimicas. minha] \dez s.f, mu-dez, Qualidade daquele que é mudo, de quem nao fala. Mui- tas vezes, a mudee é provocada por problemas de audigdo.// Nao se usa no pl adj: mudo/ cf: surdez. mudo adj. mu-do, 1. Que nao fala por problemas fisicos ou psicol6gicos.. {As definigdes inter-relacionadas acima perpetuam as i os surdos néo te ‘buem para que acreditemos que eles no podem produzir fala int e de que nao tém cordas vocais. Os surdos sao fisicamente e psicologica- mente normais: aqueles que tém o seu aparato vocal intacto (que nada tem a ver com a perda auditiva) podem ser oralizados? e falar a lingua oral, se assim desejarem. Entretanto, o que deve ficar registrado é. forma pela qual constantemente se atribui lingua de sinais um status menor, inferior e teatral, quando definido e comparado a mfmica, E possfvel expressar conceitos abstratos na lingua de sinais? Claro que sim! Novamente, a pressuposigo de que néo se consegue expressar idelas ou conceitos abstratos esta firmada na crenca de que a lingua de sinais é limitada, simplificada, e nao passa de um cédigo prit tivo, mimica, pantomima e gesto, No Diciondrio de linguistica e fonética, por exemplo, gestos so considerados tragos paralinguisticos ou extralin- guisticos das Iinguas orais: + Oralizagdo ¢ unrtreinamento, com orlentagio de fon 3s sons vocas da lingua oral, Essa pr logos, para que uma pessoa a 6 realizada juntamente com a

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