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Pretendemos neste artigo desenvolver ferramentas básicas a fim de que o leitor se torne
apto a resolver uma vasta gama de problemas de competições matemáticas que envolvam
desigualdades. Tentamos tornar nossa exposição a mais auto-suficiente possível. Em certas
passagens, contudo, algum conhecimento de cálculo é útil, ainda que não imprescindível. Em
tais ocasiões indicamos ao leitor a referência [3] como bibliografia auxiliar.

Antes de discutirmos qualquer desigualdade em especial, consideremos um exemplo


preliminar.

Exemplo 1: Para todo inteiro positivo n, prove que 1 + 1


2
+ 13 + 14 +... + 1n ≥ 1
2
(log 2 )
n +1 .

Solução : Veja que, para todo inteiro k > 1,

+ + ... + >
? 2 k A + A 2 k@ +C ...C+ B 2 k =
1 1 1 1 1 1 1
2 k −1 +1 2 k −1 + 2 2k 2

2 k −1 vezes

Portanto, sendo 2 k a maior potência de 2 menor ou igual a n, temos

( )
n 2k k k
1 + 12 +∑ 1
≥ 1 + 12 + ∑ 1j = 1 + 12 + ∑ 1
+ ... + 1
>1 + 12 + ∑ 12 = 1 + k2
j 2 j−1 +1 2j
j =3 j =3 j =2 j =2

Mas 2 k ≤ n < 2 k +1 ⇒ k ≤ log 2 n < k + 1 ⇒ 1 + k2 > 1


2
(log 2 )
n + 1 , e a desigualdade do enunciado
é imediata. ❏

O exemplo acima foi colocado de propósito. Ele chama atenção para o fato de que nem
sempre precisamos de algo mais que raciocínio para resolver problemas envolvendo
desigualdades. A proposição abaixo mostra um pouco mais sobre como podemos derivar
desigualdades interessantes com muito pouca matemática.

Proposição 1 (Desigualdade do Rearranjo): Sejam a1 < a 2 < ... < a n reais positivos dados,
e considere a expressão S = a1b1 + a 2 b2 + ...+ a n bn , onde ( b1 , b2 ,..., bn ) é uma
reordenação de ( a1 , a 2 ,..., a n ) . Então
a1a n + a2 a n −1 + ...+ a n a1 ≤ S ≤ a12 + a22 + ...+ a n2

Prova : Vamos primeiro tornar S a maior possível. Como só há um número finito (n fatorial)
de possíveis reordenações ( b1 , b2 ,..., bn ) , há uma delas que torna S máxima. Suponha então
que estamos com a reordenação ( b1 , b2 ,..., bn ) que torna S máxima.

Queremos mostrar que essa reordenação é exatamente ( a1 , a 2 ,..., a n ) . Para isso, basta
mostrarmos que deve ser b1 < b2 < ... < bn . Suponha o contrário, i.e., que existam índices i <
j tais que bi > b j . Trocando as posições de bi e b j (i.e., pondo bi ao lado de a j e b j ao
lado de a i ), S varia de a i b j + a j bi − ( a i bi + a j b j ) = ( a i − a j )( b j − bi ) > 0 , quer dizer, S
aumenta. Mas isso contraria o fato de ser a reordenação ( b1 , b2 ,..., bn ) aquela que torna S
máxima. Logo, b1 < b2 < ... < bn e daí bi = a i para todo i, donde o maior valor possível de S
é a12 + a 22 + ...+ a n2 .
O raciocínio para minimizar S é análogo. ❏

Passemos agora a nosso principal objetivo, o estudo de desigualdades especiais. A mais


importante destas é a dada pela proposição 2 abaixo. Antes, uma definição.

Definição 1 : Dados n > 1 reais positivos a1 , a 2 ,..., a n , definimos

a1 + a 2 + ...+ a n
i. A média aritmética de a1 , a 2 ,..., a n como o número n .
ii. A média geométrica de a1 , a 2 ,..., a n como o número n a1a2 ... a n .

Proposição 2 (Desigualdade Entre as Médias Aritmética e Geométrica) : Dados n > 1 reais


positivos a1 , a 2 ,..., a n , sua média aritmética é sempre maior ou igual que a média
geométrica, ocorrendo a igualdade se e só se a1 , a2 ,..., a n forem todos iguais. Em símbolos:
a1 + a 2 + ...+ a n
n ≥ n a1a2 ... a n

Prova : Façamos a prova em dois passos:

i. A desigualdade é verdadeira quando n for uma potência de 2, ocorrendo a igualdade se e


só se todos os números forem iguais.
ii. A desigualdade é verdadeira em geral, e a igualdade ocorre se e só se os números forem
todos iguais.

i. Façamos indução sobre k ≥ 1, sendo n = 2 k : Para k = 1, temos


a1 + a 2
2
≥ a1a2 ⇔ a1 − 2 a1a2 + a 2 ≥ 0 ⇔ ( a1 − a 2 )2 ≥ 0 , o que é verdade. Há
igualdade se e só se ( a1 − a 2 )2 = 0 , i.e., se e só se a1 = a 2 .
a1 + a 2 + ...+ a n
Se já provamos que n ≥ n a1a2 ... a n , com igualdade se e só se a1 = ... = a n para
n = 2 k , então

( a1 +...+ a n ) + ( a n +1 +...+ a 2 n )
2n = 2 [
1 a1 +...+ a n
n +
a n +1 +...+ a 2 n
n ] ≥
n a1 ...a n + n

2
a n +1 ...a 2 n

≥ n a1... a n n a n +1... a 2 n = 2 n a1... a n a n +1... a2 n

Para haver igualdade, devemos ter igualdade em todas as passagens. Então, deve ser

a1 +...+ a n a n +1 +...+ a 2 n
n = n a1... a n , n
= n a n +1... a 2 n e

n a1 ...a n + n a n +1 ...a 2 n
2 = 2 n a1... a n a n +1... a 2 n
Para as duas primeiras igualdades, segue da hipóteses de indução que deve
ser
a1 = ... = a n e a n +1 = ... = a 2 n
A última igualdade ocorre se e só se n a1... a n = n a n +1... a 2 n . Estas duas condições juntas
implicam que devemos ter a1 = ... = a n = a n +1 = ... = a 2 n . É também evidente que se os
números forem todos iguais a igualdade ocorre.

ii. Seja agora n > 1 um natural qualquer e a1 ,a 2 ,...,a n reais positivos. Tome k natural tal
que 2 k > n. Usando a desigualdade entre as médias para os 2 k números a1 , a2 ,..., a n e
2 k − n cópias de a = n a1a2 ... a n , obtemos

a1 + ...+ a n + a + ...+ a k k
−n 2k k
−n 2k k
k ≥ 2 a1... a n a 2 = a na 2 = a2 = a ,
2

a1 + ...+ a n
e daí a1 + ...+ a n + ( 2 k − n )a ≥ 2 k a , ou ainda n ≥ a = n a1 ... a n , que era a
desigualdade desejada.

Para haver igualdade, segue do item i que deve ser a1 = ... = a n = a = ... = a . Em particular,
todos os números a1 , a2 ,..., a n devem ser iguais. É fácil ver que se esses números forem
todos iguais então há igualdade. ❏

Corolário 2.1 : Dados n > 1 reais positivos a1 , a 2 ,..., a n , temos

( a1 + a2 + ...+ a n ) ( 1
a1 + 1
a2 + ...+ a1 ≥ n 2 ,
n
)
com igualdade se e só se a1 , a2 ,..., a n forem todos iguais.

Prova : Basta aplicarmos duas vezes a proposição 2 e multiplicarmos os resultados:


a1 + a 2 + ...+ a n ≥ n n a1a2 ... a n e 1
a1 + 1
a2 + ...+ a1 ≥ n n 1
a1a 2 ...a n
n


Exemplo 2 : (Olimpíada Israelense) Sejam k e n inteiros positivos, n > 1. Prove que
1
kn + 1
kn +1 + ...+ kn +1n −1 > n ( n k +1
k −1 )
Prova : Basta ver que

 n −1 
∑( )
n −1 n −1 n −1
∑ 1  + n = kn + j +1 kn + j +1
 kn + j 
1
kn + j
+1 = ∑ kn + j
> nn ∏ kn + j
=nn k +1
k ,
 j =0  j =0 j =0 j =0

onde aplicamos a desigualdade entre as médias aritmética e geométrica uma vez. Note que,
kn + j +1
como os números kn + j são dois a dois distintos, não há igualdade, razão do sinal > acima.

Dentre todas as desigualdades especiais que temos oportunidade de usar em problemas de


competições matemáticas, a desigualdade a seguir se constitui, juntamente com a
desigualdade entre as médias aritmética e geométrica, num dos dois mais importantes
resultados a serem guardados.

Proposição 3 (Desigualdade de Cauchy): Sejam a1 , ..., a n , b1 , ..., bn reais dados, não todos
nulos (n > 1). Então
| a1b1 + ... + a n bn | ≤ a12 +... + a n2 b12 +... + bn2

Além disso, teremos a igualdade se e só se os a i e os bi forem proporcionais, i.e., se e só se


existir um real positivo λ tal que bi = λ ai para todo i.

Prova : Considere o seguinte trinômio do segundo grau


f ( x ) = ( a1 x − b1 )2 + ( a 2 x − b2 )2 + ...+( a n x − bn )2

Desenvolvendo os parênteses, chegamos a

f ( x ) = (a12 + a22 + ...+an2 )x 2 − 2(a1b1 + a2b2 + ...+anbn )x + (b12 + b22 + ...+bn2 )


Por ser uma soma de quadrados, temos f ( x ) ≥ 0 para todo real x, e daí deve ser ∆ ≤ 0 , i.e.,
4( a1b1 + a 2 b2 + ...+ a n bn )2 ≤ 4( a12 + a 22 + ...+ a n2 )( b12 + b22 + ...+ bn2 )
Cancelando o fator 4 e extraindo a raiz quadrada de ambos os membros, chegamos na
desigualdade de Cauchy. Examinemos agora a igualdade. Se houver igualdade, quer dizer, se
for ∆ = 0 , então o trinômio tem uma raiz real λ :
( a1λ − b1 )2 + ( a2 λ − b2 )2 + ...+( a n λ − bn )2 = 0
Mas aí todos os parênteses devem ser nulos, i.e., bi = λ ai para todo i. Então, havendo
igualdade os a i e bi devem ser proporcionais. É evidente que se eles forem proporcionais a
igualdade ocorre. ❏
Temos a seguir alguns corolários importantes.

Corolário 3.1 (Desigualdade entre as Médias Quadrática e Aritmética) : Dados reais


a12 + a 22 + ...+ a n2 a1 + a 2 +..+ a n
positivos a1 , ..., a n , temos n ≥ n , com igualdade se e só se
a1 = ... = a n .

Prova Fazendo b1 = b2 = ... = bn = 1 na desigualdade de Cauchy, obtemos

a1 + a 2 + ... + a n ≤ a12 +... + a n2 n,

com igualdade se e só se existir um real positivo λ tal que ai = λ para todo i, quer dizer, se
e só se os a i forem todos iguais. Para obter a desigualdade do enunciado, basta dividir ambos
os membros da desigualdade acima por n. ❏

Corolário 3.2 : Se n > 1 é inteiro e a1 , ..., a n , b1 , ..., bn são reais positivos, então

( a1
b1
a
+ ...+ b n
n
)(a b +... + a b ) ≥ (a +... + a ) ,
1 1 n n 1 n
2

com igualdade se e só se b1 = ... = bn .

ai
Prova : Faça x i = bi
, yi = ai bi e aplique a desigualdade de Cauchy para os números
x1 ,..., x n , y1 ,..., y n . ❏
Exemplo 3 : (Teste de Seleção da Romênia para IMO) Sejam x1 , x 2 ,..., x n +1 reais positivos
tais que x1 + x 2 + ...+ x n = x n +1 . Prove que

x1( xn+1 − x1) + ...+ xn ( xn+1 − xn ) ≤ xn+1( xn+1 − x1) + ...+xn+1( xn+1 − xn )
Prova : Para 1 ≤ j ≤ n , seja y j = x n +1 − x j . Pela desigualdade de Cauchy
temos

x1 y1 + ...+ x n y n ≤ x1 + ...+ x n y1 + ...+ yn =

= x n +1 ( x n +1 − x1 ) + ...+ ( x n +1 − x n ) ❏

Temos mais duas desigualdades importantes.

Proposição 4 (Chebychev): Sejam a1 , ..., a n , b1 ,..., bn reais, com a1 ≤ a 2 ≤ ... ≤ a n e


b1 ≤ b2 ≤ ... ≤ bn . Então

( a1 + a 2 + ...+ a n
n )( b1 + b2 + ...+ b n
n )≤ a1 b1 + a 2 b2 + ...+ a n b n
n ,

com igualdade se e só se a1 = a 2 = ... = a n ou b1 = b2 = ... = bn .

Prova :
a1 b1 + a 2 b2 + ...+ a n bn
n − ( a1 + a 2 + ...+ a n
n )( b1 + b2 + ...+ bn
n )=
= 1
n2
[n(a1b1 + a2b2 + ...+an bn ) − (a1 + a2 + ...+an )(b1 + b2 + ...+bn )] =
n
= 12
n
∑ (ai − a j )(bi − b j ) ≥ 0 ,
i, j =1
já que os a i , bi são igualmente ordenados.

Note que a condição do enunciado é suficiente para haver igualdade. Por outro lado, suponha
que tenhamos a igualdade. Como ( a i − a j )( bi − b j ) ≥ 0 para todos i, j, devemos ter
( a i − a j )( bi − b j ) = 0 para todos os i, j. Suponha que existisse um índice k com
bk < bk +1 . Então b1 ≤ ... ≤ bk < bk +1 ≤ ... ≤ bn , e de ( a i − a k +1 )( bi − bk +1 ) = 0 segue que
a i = a k +1 para i ≤ k. Portanto a1 = a2 = ... = a k = a k +1 . De ( a i − a k )( bi − bk ) = 0 e
i > k concluímos que a k +1 = ... = a n . Logo, todos os ai devem ser iguais. ❏

Corolário 4.1 : Sejam a1 , a 2 ,..., a n reais positivos e k um natural. Então


a1k + a 2k + ...+ a nk
n ≥ ( n ),
a1 + a 2 + ...+ a n k

com igualdade se e só se todos os a i forem iguais ou k ∈ {0, 1}.

Prova : Por indução, o resultado acima é trivialmente verdadeiro para k = 1. Suponha k > 1 e
o resultado válido para k - 1. Como ambos os membros da desigualdade acima são invariantes
por permutações dos índices 1, 2, ..., n, podemos supor sem perda de generalidade que
a1 ≤ a2 ≤ ... ≤ a n . Daí, a1k −1 ≤ a2k −1 ≤ ... ≤ a nk −1 , e da desigualdade de Chebychev obtemos

n (
a1k + a 2k + ...+ a nk
≥ n )
a1 + a 2 + ...+ a n  a1k −1 + a 2k −1 + ... + a nk −1 

 n
.

Pela hipótese de indução, vem que


a1k −1 + a 2k −1 + ... + a nk −1
n ≥ ( n )
a1 + a 2 + ... + a n k −1
. Combinando as
duas desigualdades acima segue o resultado. A condição de igualdade é óbvia a partir da
desigualdade de Chebychev. ❏

Por fim, vejamos algo um pouco mais sofisticado.

Definição 2 : Seja I um intervalo da reta e f : I → R uma função. A função f é dita

i. Convexa se f ( )≤ x+ y
2
f ( x)+ f ( y)
2 para todos os x, y em I.

ii. Côncava se f ( )≥ x+ y f ( x )+ f ( y )
2 2 para todos os x, y em I.
Nas aplicações, quase sempre lidamos com funções contínuas (se você não sabe o que vem a
ser uma função contínua, pense na mesma como uma função cujo gráfico não sofre
interrupções ou saltos ao longo de seu domínio). Se f for contínua a proposição a seguir é
geometricamente evidente. A partir de agora, sempre que nos referirmos a uma função
estaremos sempre supondo ser seu domínio um intervalo da reta e a função contínua nesse
intervalo.

Proposição 5 : Sejam f : I → D uma função. Então:

i. f é convexa se e só se, para todos x, y em I e todo t ∈ [0, 1] tivermos


f ((1 − t ) x + ty ) ≤ (1 − t ) f ( x ) + tf ( y )
ii. f é convexa se e só se, para todos x, y em I e todo t ∈ [0,1] tivermos
f ((1 − t ) x + ty ) ≥ (1 − t ) f ( x ) + tf ( y )
Façamos o caso em que f é convexa. O outro caso é análogo. Observe que
(1 − t ) x + ty ∈ [ x , y ] ⊆ I , e que, no trapézio abaixo, (1 − t ) f ( x ) + tf ( y )
é o comprimento da paralela às bases pelo ponto (1 − t ) x + ty

f (z)

x z = ( 1 – t ) x + ty y

Prova : Suponha primeiro que f satisfaz a condição do item i. Tomando t = 2 concluímos


1

que f é convexa. Reciprocamente, suponha que f seja convexa. Dados x, y em I, temos


( )+ f ( y ) ≤ f ( x )+ f ( y )

( )
x+ y
 x +2 y + y  f + f ( y)
f ( y ) Trocando x por
x +3y
f (x) +
2
f = f 2  ≤ 2
= 1 3
4
  2 2 4 4

y e raciocinando como acima segue que, para


{
t ∈ 0, 14 , 12 , 43 , 1 , }
f ((1 − t ) x + ty ) ≤ (1 − t ) f ( x ) + tf ( y ) (*)

Por indução sobre k inteiro positivo podemos concluir de maneira análoga que (*) continua
válida para todo t da forma mk , onde 0 ≤ m ≤ 2 k é inteiro. Como todo real em [0,1] é limite
2
de uma seqüência de números dessa forma, segue que (*) continua válida para todo t em [0,
1]. ❏

As afirmações a seguir são agora bastante evidentes, e vão ser nosso principal guia quando
quisermos decidir se uma dada função é ou não convexa ou côncava.

i. Se para todos a < b em I o gráfico de f entre as retas x = a e x = b estiver abaixo da reta


que passa por ( a, f ( a )), ( b, f ( b )) , então f é convexa, e reciprocamente.

ii. Se para todos a < b em I o gráfico de f entre as retas x = a e x = b estiver acima da reta que
passa por ( a, f ( a )), ( b, f ( b )) , então f é côncava, e reciprocamente.

A figura abaixo para se convencer da validez desse resultado no caso em que f é convexa.

y = f(x)

e (c, e)

d (c, d)

a c b x

Nele, c = a +2 b . É evidente que d = f ( c ) = f a +2 b e e = ( )


f ( a ) + f ( b)
2 . Daí,

f ( a +2 b ) ≤ f (a )+2 f ( b) e f é convexa.
Para nós, a importância dessa discussão sobre funções côncavas e convexas reside na
seguinte:

Proposição 6 (Desigualdade de Jensen): Sejam I um intervalo da reta e


f : I → E uma função. Se x1 ,..., x n ∈ I e t1 ,..., t n ∈ [0,1] , com t1 + ... + t n = 1 , então
t1 x1 + ... + t n x n ∈ I e
( ) ( )
i. f convexa ⇒ f t1 x1 + ... + t n x n ≤ t1 f x1 + ... + t n f x n ( )
ii. f côncava ⇒ f ( t1 x1 + ... + t n x n ) ≥ t1 f ( x1 ) + ... + t n f ( x n )

Prova : Façamos a prova, por indução sobre n > 1, para o caso em que f é convexa, sendo o
outro caso análogo. O caso n = 2 é nossa hipótese. Suponha agora que para um certo n > 1 e
todos x1 ,..., x n ∈ I e t1 ,..., t n ∈ [0,1] , com t1 + ... + t n = 1 , tenhamos
( )
t1 x1 +...+ t n x n ∈ I e f t1 x1 + ... + t n x n ≤ t1 f x1 + ... + t n f x n ( ) ( )
Considere agora x1 ,..., x n +1 ∈ I e t1 ,..., t n +1 ∈ [0,1] , com t1 + ... + t n +1 = 1 . Se t n+1 = 1
então t1 = ... = t n = 0 e nada há a fazer. Senão, defina
t1 x1 + ... + t n x n
y= 1− t n +1
= s1 x1 + ... + sn x n ,
tj
onde s j = 1− t . Como s1 + ...+ sn = 1 , segue da hipótese de indução que y ∈ I . Daí,
n +1

f (t1 x1 + ... + t n +1x n +1 ) = f  (1 − t n +1 ) ( t1 x1 + ... + t n x n


1− t n +1 )+ t n +1 x n +1 

 =

( )
= f (1 − t n +1 ) y + t n +1 x n +1 ≤ (1 − t n +1 ) f ( y ) + t n +1 f ( x n +1 ) ,

já que f é convexa. Aplicando a outra metade da hipótese de indução, obtemos

f ( y) = f ( s1x1 +... + sn xn ) ≤ s1 f ( x1) +...+sn f ( xn ) = 1−t1 f ( x1) +...+ 1−tn f ( xn )


t t
n+1 n+1
Juntando essas duas desigualdades, obtemos a desigualdade de Jensen. ❏
Vejamos agora um exemplo de como aplicar a desigualdade de Jensen.

Exemplo 5: (Olimpíada Balcânica) Sejam n > 1 e a1 ,..., a n reais positivos com soma 1. Para
n

a1 a a
cada i, seja bi = + 1+ 2b + ...+ 1+ bn ≥ n
a j . Prove que 1+ b1 2 n −1 .
2 n
j =1, j ≠1

( )
Prova : Veja que b j = 1 + 1 − a j = 2 − a j , e então temos de provar que

a1 a2 a
2 − a1
+ 2− a2
+ ...+ 2 − na ≥ n
2 n −1
n

Afirmamos que a função f : (− ∞,2 ) → F f ( x) = x


dada por 2− x é convexa. Para ver isso,
basta escrever f ( x ) = 2 − x − 1 , e esboçar o gráfico de f, como abaixo.
2
y f

2 x

Portanto, temos pela desigualdade de Jensen que

 
( ) ( 1n ) = 2nn−1
n n
∑ j f a ≥ n f 1
n ∑ j  = nf
a ❏
j =1  j =1 
Exemplo 6 : Utilizando a função logaritmo natural e a desigualdade de Jensen, vamos dar
outra prova da desigualdade entre as médias aritmética e geométrica.

Prova : Sejam a1 ,..., a n reais positivos. Existem reais x1 ,..., x n tais que a j = ln x j para
todo j. Como f ( x ) = ln x é uma função côncava, vem que

f ( x1 ) + ... + f ( x n )
n (
≤ f
x1 + ... + x n
n ),
ou seja,
≤ ln( )
x1 + ...+ x n
ln n x1 ... x n n

Como f é crescente, chegamos ao resultado desejado. ❏

Vale notar, para quem tem familiaridade com derivadas, que é possível provar que, se f ' '
existe, então f é convexa se e só se f ' '( x ) ≥ 0 para todo x em I e f é côncava se e só se
f ' '( x ) ≤ 0 para todo x em I.

Finalizamos este artigo com alguns problemas onde procuramos oferecer oportunidade de
exercitar o que foi aprendido no texto, além de desenvolver um pouco mais a teoria. É bom
salientar que em alguns deles mais de uma desigualdade pode ser usada.

Problemas onde não precisamos das desigualdades acima, mas de criatividade

1. (Olimpíada Americana): Prove que, para todos a, b, c reais positivos, temos


1
+ 1
+ 1
≤ 1
a 3 + b 3 + abc b 3 + c 3 + abc c 3 + a 3 + abc abc

2. (Desigualdade de Abel): Sejam a1 , ..., a n , b1 ,..., bn reais dados (n > 1),


com a1 ≥ a 2 ≥ ... ≥ a n ≥ 0 . Se M e m são respectivamente o máximo e o mínimo do conjunto
{b1 , b1 + b2 ,..., b1 + ... + bn } , prove que

ma1 ≤ a1b1 + a2 b2 + ...+ a n bn ≤ Ma1 ,


com igualdade se e só se a1 = a 2 = ... = a n .

3. (Teste de Seleção de Singapura para IMO): Prove que, quaisquer que


sejam os reais positivos a, b e c, tem-se
c a 2 − ab + b 2 + a b2 − bc + c 2 ≥ b a 2 + ac + c 2 .

4. (Banco IMO): Sejam n > 1 um inteiro dado. Determine o maior valor


possível da soma ∑
1≤ i < j ≤ n
(
xi x j xi + x j ) sobre todas as n-uplas x1 ,..., x n de reais não

negativos cuja soma é 1.

Desigualdade entre as médias aritmética e geométrica

5. (Torneio das Cidades) Sejam a, b e c reais positivos dados. Prove que


a3 b3 c3 a + b+ c
+ + ≥
a + ab + b 2
2
b + bc + c 2
2
c + ca + a 2
2 3

6. Dados os reais positivos a1 , a2 , a3 , b1 , b2 , b3 , prove que

3 (a1 + b1 )( a2 + b2 )(a3 + b3 ) ≥ 3 a1a2a3 + 3 b1b2 b3

Desigualdades de Chebychev, Jensen e Cauchy

7. (Olimpíada Turca) Sejam n > 1 inteiro e x1 ,..., x n reais positivos tais


n
que ∑ xi2 = 1 . Determine o valor mínimo de
i =1
x15 x 25 x n5
x 2 + x 3 + ...+ x n + x1 + x 3 + ...+ x n + ...+ x .
1 + x 2 + ...+ x n −1

8. (Olimpíada Romena): Seja h a altura de um tetraedro regular e


h1 , h2 , h3 , h4 as distâncias desde um ponto P em seu interior às faces do tetraedro. Prove que
h − h1 h − h2 h − h3 h − h4
h + h1 + h + h2 + h + h3 + h + h4 ≥ 12
5

9. (Banco IMO) : Sejam a, b, c, d reais não negativos tais que


ab + bc + cd + da = 1 . Prove que
a3 b3 c3 d3
b+c+ d + c+d +a + d +a+b + a + b+ c ≥ 1
3

10. Sejam n > 1 e x1 , x 2 ,..., x n reais positivos cuja soma é 1. Prove que

x1 xn x1 + ...+ x n
+ ...+ ≥ n
n −1

1− x1 1− x n n −1

11. Sejam x1 , x 2 ,..., x n reais pertencentes ao intervalo [0, 1] e tais que


x1 + x 2 + ... + x n = a , com 0 < a < 1 . Prove que
1− a
1+ a

1− x1 1− x 2
1+ x1 1+ x 2
...
1− x n
1+ x n
≤ ( nn −+ aa )n
Outras Desigualdades

12. (Desigualdade de Bernoulli): Sejam n um inteiro positivo e x ≥ −1 um


real. Prove que (1 + x ) ≥ 1 + nx .
n

13. (Desigualdade entre as Médias de Potências): Sejam α < β reais


positivos. Então, para todos a1 , a 2 ,..., a n reais positivos, vale

1 1
 a1α + a 2α + ... + a nα  α  a1 + a 2 + ... + a nβ  β
β β
  ≤   ,
 n   n 
com igualdade se e só se a1 , a2 ,..., a n forem todos iguais.

14. (Desigualdade de Giroux): Sejam I1 ,..., I n intervalos fechados da reta


e considere a função f :I 1 ×...×I n → G de n variáveis, convexa separadamente em relação a
cada variável. Então, se I j = [a j , b j ] , f atinge seu valor máximo em um dos 2 n pontos da
forma ( c1 ,..., cn ) , com ci = a i ou bi para cada i. Prove isto e enuncie um resultado análogo
à desigualdade de Giroux para uma função de n variáveis f, côncava separadamente em
relação a cada variável.

15. (Olimpíada Búlgara): Sejam n ≥ 2 um inteiro e 0 ≤ xi ≤ 1 para 1≤ i ≤ n. Prove que

( x1 + x 2 +...+ x n ) − ( x1 x 2 + x 2 x3 +...+ x n −1 x n + x n x1 ) ≤  n2 

16. Os três itens a seguir visam derivar uma desigualdade difícil.


i. (Desigualdade de Young): Sejam p e q reais positivos tais que 1p + 1q = 1 . Prove que

xp yq
xy ≤ p + q , ∀ x, y ≥ 0
ii. (Desigualdade de Holder): Sejam a1 , a2 ,..., a n , b1 , b2 ,..., bn reais
positivos e p, q reais positivos tais que 1p + 1q = 1 . Prove que
1/ p 1/ q
n
 n   n q
∑ ∑
a i bi ≤  a ip  ∑
 bi 
 
i =1  i =1   i =1 

iii. (Desigualdade de Minkowsky): Sejam a1 , a2 ,..., a n , b1 , b2 ,..., bn reais


positivos e p um real maior que 1. Prove que

p
(a1 + b1 ) p +...+(a n + bn ) p ≤ p
a1p +...+ a np + p b1p +...+ bnp

Sugestão: Faça ci = (a i + bi ) p −1 e use o ítem anterior para (ai) e (ci) e para (bi) e (ci).
Referências:

[1] Shklarsky, D. O., Chentzov, N. N. e Yaglom, I. M. The USSR Olympiad Problem Book.
Dover. Toronto, 1993.
[2] Rousseau, C. e Lozansky, E. Winning Solutions. Springer-Verlag, 1996.
[3] Lima, Elon L., Análise Real, vol. 1. IMPA, 1995.

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