Solidão, Desamparo e
Criatividade
Telma Barros*
melhorar a vida dos outros. Mudar a própria vida não se apresentava a ela
como uma possibilidade, antes dessa experiência.
O cenário revela um contexto de vida que encontramos com freqüên-
cia em nossos dias: jovens e adultos que não sabem como preencher o
vazio da própria existência, como encontrar um sentido para a vida, uma
forma de inclusão que os resgate da situação de risco em que vivem. É
preocupante o crescente número de casos de depressão e suicídio, e fre-
qüentes queixas de sensação de infelicidade continuada em pessoas que
sequer conseguem identificar a origem de seu desconforto.
Embora com certa reserva quanto ao encaminhamento dado pela per-
sonagem em suas tentativas de ajudar aqueles que, em sua percepção, ne-
cessitavam de auxílio, podemos considerar que suas ações sinalizam uma
direção sobre a qual podemos refletir.
A personagem Amélie Poulain pode ser vista como alguém que vivia
em solidão e desamparo, uma existência desvitalizada, olhando o mundo
de forma passiva. Encontrou a atividade e o contato com sua própria vida,
a partir do movimento em direção ao outro. Com seus recursos, de forma
criativa, desenvolveu ações que a ajudaram a combater o isolamento e a
abrir portas para o contato, ou seja, para o encontro com o outro. A perso-
nagem, identificada com as carências e dificuldades das pessoas ao seu
redor, procurou interferir nas suas vidas através de ações anônimas e con-
cretas. Sabemos que as mudanças internas não se processam por essa via,
mas podemos focalizar um ângulo que a história nos oferece.
Teoricamente, podemos lançar mão de certas noções e conceitos que
contribuem para a elaboração dessas idéias, como, por exemplo, o de
“Resiliência”. Este, quando focalizado do ponto de vista psicanalítico, em
termos de “catástrofe subjetiva”, remete-nos a alguns contextos do nosso
cotidiano e à constatação da importância da existência de vínculos que en-
volvam aceitação incondicional – um ocupar-se e preocupar-se com o ou-
tro. Em termos winnicottianos, trata-se de uma situação de holding, através
da qual se estabelece uma relação saudável e estruturante. As investigações
mostram que, no campo da resiliência, é possível identificar uma pessoa
Referências
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CARLISK, N. ESKENAZI, Célia K. KIJAK, Moises. Vivir sin proyecto:
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Artigo
Telma Barros
E-mail: telmabarrosc@terra.com.br