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DIREITO FISCAL

Regência: Prof. Dr.ª. Ana Paula Dourado


Assistente Convidado: Mestre Paulo Marques

RESOLUÇÃO CASO PRÁTICO 4 - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

No caso em concreto, estamos perante um imposto, visto que, temos a característica da


unilateralidade e o princípio da capacidade contributiva claramente presentes.
Por sua vez as taxas são tributos bilaterais, sujeitas ao princípio da equivalência, pressupondo
a existência de um sinalagma, o que não se verifica.
Em relação às classificações de imposto, temos as seguintes: imposto sobre o rendimento (o
facto tributário incide sobre o rendimento), imposto pessoal (o facto tributário incide sobre
capacidade económica do sujeito – como decorre do artigo 104º/1 CRP o imposto sobre rendimento
pessoal “visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo tendo em conta as
necessidades e os rendimentos do agregado familiar”), será direto, pois o seu objeto pressupõe uma
manifestação de riqueza e de capacidade contributiva, progressivo na medida em que é variável pois
aumenta à medida que acresce o rendimento e por último periódico, visto que, se renova por
diferentes períodos fiscais.
Ao ser classificado como imposto, estamos perante uma área de reserva relativa de
competência da Assembleia da República (Artigo 165º/1 alínea i) CRP)1.
Um dos corolários do princípio de Estado Direito Democrático pressupõe o princípio da
reserva de lei relativamente aos impostos. Isto deve-se à unilateralidade dos impostos, sendo sempre
necessário que esteja subjacente o critério da capacidade contributiva. Visa-se então, que não sejam
cometidos abusos pelas entidades públicas que não têm legitimidade democrática. “A função
garantística da reserva de lei permite evitar uma interferência ou ablação ilegítima na propriedade e
liberdade privadas”2.
A existência de uma lei de autorização legislativa não é suficiente para ditar a
constitucionalidade do decreto-lei autorizado. Neste sentido, exige-se um grau mínimo de
determinação desse mesmo diploma. Sendo que neste caso em concreto, estamos perante uma
autorização em branco3. A constitucionalidade de uma lei de autorização depende do cumprimento
de uma tripla função4:

• Conteúdo material bastante;


• Linhas de orientação do legislador;
• Informação genérica das inovações.

1
A existência de decretos-leis autorizados justifica-se pela natureza mais especializada do poder
legislativo governamental e pela sua maior proximidade com a administração fiscal, OCDE e UE.
No mesmo sentido, CASALTA NABAIS, quando se refere à governamentalização fiscal material que se
traduz no “contrabalançar do poder legislativo pelo poder fáctico e técnico da administração” – NABAIS,
José Casalta, O princípio da legalidade fiscal e os atuais desafios da tributação, Separata BFDUC,
Volume comemorativo, Coimbra, 2002, p.23
2
Cfr. DOURADO, Ana Paula, Direito Fiscal, 2ª edição, Almedina, p.117.
3
Cfr. Ac. TC nº358/92, de 11.11, vol.23, 1992, p. 109 e ss.
4
Idem, p.109.
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O conteúdo material bastante consiste na verificação dos elementos enunciados no artigo


103º nº 2 CRP. Tanto o Princípio da Reserva Relativa da Assembleia da República, como o
Princípio do Estado de Direito Democrático e em última instância, o Princípio da Separação de
Poderes, leva-nos a dizer que o supracitado artigo da CRP deve ser interpretado no sentido amplo,
abrangendo também os elementos de quantificação, além do facto tributário e o sujeito passivo. O
facto de o imposto ser unilateral impõe que todos os elementos essenciais, inclusive o da
previsibilidade do montante a pagar devem ser definidos pelos representantes da população5.
A função da orientação política, quando é delegada por parte do Parlamento ao Governo,
implica uma partilha dessas mesmas orientações. Isto é, deverá existir um consentimento
parlamentar dessa diretriz feita pelo Governo.
Conforme o art.165º/2 da CRP, a autorização legislativa deve conter o objeto, o sentido, a
extensão e a duração da autorização.
A inobservância da tripla função, gera a inconstitucionalidade da lei autorização por
violação do supracitado artigo, em especial por não se apontar o sentido da autorização.

Em relação à primeira norma do decreto-lei apresentado no caso, a incidência em sentido


amplo, exige não só o facto tributário e o sujeito passivo, como também, na opinião da Prof.ª Ana
Paula Dourado, as normas de conexão unilateral e normas unilaterais de atenuação da dupla
tributação. Em relação à incidência objetiva, falta a definição concreta do facto tributário, ou seja, a
especificação dos rendimentos alvo de tributação (art.2º do CIRS). A incidência subjetiva parece
também não estar suficientemente determinada, a mera referência a trabalhadores não permite aferir
se se pretende incluir apenas os trabalhadores subordinados ou também os trabalhadores
independentes.
Quanto à segunda norma, a Prof.ª Ana Paula Dourado, entende que está sujeita a reserva de
lei, a estipulação de critérios abstratos de determinação quantitativa do imposto, como o lançamento
ou liquidação6. Logo coloca-se a questão de saber se a remissão para o valor próximo das condições
normais de mercado permite a previsibilidade do montante do imposto a pagar. No nosso entender,
o princípio da legalidade deve ser conjugado com o princípio da praticabilidade, de modo a que
administração fiscal goze de alguma discricionariedade ao nível da luta contra a evasão fiscal, por
exemplo. Assim sendo justifica-se que a administração fiscal tenha autonomia para definir o valor
próximo das condições de mercado, na ausência de valor nominal7.
No que respeita à terceira norma, podemos identificar um problema de
inconstitucionalidade, uma vez que, a lei de autorização apenas dispunha sobre matéria de IRS,
assim sendo o decreto-lei autorizado desrespeita a Extensão daquela, violando o disposto no artigo
165º/2 da CRP. Paralelamente a este problema, cumpre identificar o uso de conceitos

5
Neste sentido DOURADO, Ana Paula. Direito…pp. 138 a 143, em sentido contrário Ac. TC n.º
127/2004.
6
“Há uma indeterminação na lei visto não ser possível encontrar na lei argumentos legais suficientes para
justificar os resultados a que se chega. Isso significou a inadequação da lei para garantir um resultado,
quanto a um elemento essencial do imposto (um elemento de quantificação).”, Lições…, p.143
7
Substancialmente diferente seria afirmar que a tributação incide sobre o preço que se venha a
estabelecer no mercado preenche os requisitos da previsibilidade da quantificação, aspeto tratado pelo Ac.
TC n.º 127/2004
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indeterminados com certa índole de vaguidade, maxime, “excessivas”, que no caso concreto não
permite afirmar o respeito pela tipicidade fiscal, uma vez que não se respeita a necessária
previsibilidade do montante do valor a pagar. A vaguidade inerente ao termo implica que, desde
logo, não se saiba se tal situação se reporta a valores no campo das dezenas de milhares ou das
centenas de milhares.

Em relação à quarta norma, a lei formal remete para um regulamento ou para um decreto-lei
não autorizado, mas exige que essa remissão se reporte para aspetos estritamente técnicos. O
problema suscitado nesta norma, prende-se com o facto da base de incidência objetiva decorrer
obrigatoriamente da lei e não de portaria, pelo que a norma é inconstitucional por violação do
Princípio da Reserva de Lei.

Por último, nesta última norma deparamo-nos com uma situação de benefício fiscal, tendo
em conta que prossegue finalidades extrafiscais (não arrecadação de receitas) – art.2º nº. 2 do
Estatuto dos Benefícios Fiscais. Os benefícios fiscais são considerados exceções à incidência do
imposto, que são instituídas para tutelar interesses públicos relevantes e superiores à satisfação dos
interesses e das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas. Sendo assim existe
privilegiamento destes profissionais que não se encontra devidamente justificada. Logo, viola-se o
Princípio da Igualdade expresso no artigo 13º CRP.

O decreto-lei versava sobre um imposto de transmissão sobre imóveis, estando subjacente a


capacidade contributiva e a unilateralidade. Verifica-se ainda que está em causa um imposto sobre o
património, sendo que este ainda pode ser subclassificado como dinâmico, tendo em consideração a
sua incidência sobre a alienação de património imobiliário, como imposto real, pois centra-se na
manifestação da riqueza, desconsiderando demais elementos ligados à capacidade económica, ainda
poderá ser considerado um imposto indireto, porque incide sobre uma despesa que é realizada pelo
comprador e progressivo, na medida é variável. Este imposto ainda possui um elemento de
regressividade pois, a taxa de imposto reduz-se de 8% para 6% a partir de valores superiores a
574323€, artigo 17 nº 1 a) Código do imposto sobre a transmissão onerosa de imóveis. Não
obstante, não estamos perante uma inconstitucionalidade, uma vez, que se considera que o imposto
não é globalmente regressivo e apenas possui uma componente regressiva. Por fim, é um imposto
de obrigação única, porque neste caso em concreto o facto jurídico nasceu e extinguiu-se com o
mesmo negócio jurídico.

A lei de autorização anteriormente referida, não tem extensão, nem existe uma outra que
confira ao governo autorização para aprovação do decreto-lei, acabando por gerar uma
inconstitucionalidade por violação da reserva relativa da Assembleia da República (art.165/1 alínea
i) CRP). 8

8
Seria irrelevante que a alteração se reportasse ao aumento ou diminuição do imposto uma vez que em
ambos os casos, seria considerado uma interferência ou ablação na propriedade e liberdade privadas.
Neste sentido, ANA PAULA DOURADO. Em sentido contrário, NABAIS, José Casalta, O princípio da
legalidade fiscal e os atuais desafios da tributação, Separata BFDUC, Volume comemorativo, Coimbra,
2002, pp.14-15. O Professor Casalta Nabais parte de um conceito liberal para justificar a legitimidade da
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O montante do imposto, por força do decreto lei, passa a ser calculado tendo por base, não
os elementos objetivos (que dependia do preço do imóvel que constava no contrato de compra e
venda) mas antes os elementos subjetivos, tendo por objeto conceitos indeterminados. A utilização
de conceitos indeterminados que gera uma margem de discricionariedade, não consubstancia, por si
só, uma inconstitucionalidade, desde que não seja gerada uma indeterminação legal resolúvel
através de soluções individuais que poderão pôr em causa o Princípio da Igualdade.
Em relação à portaria, a concretização dos conceitos indeterminados pode existir, desde que
sejam de natureza técnica.
Em relação à estipulação de critérios para o cálculo do valor tributável, não decorre a criação
de uma nova categoria de incidência, sendo uma portaria de natureza exclusivamente técnica.
Assim sendo, de acordo com a Prof.ª Ana Paula Dourado e com o acórdão nº236/2001, não estamos
perante uma violação do Princípio da Legalidade. A justificação para a admissão de portarias
tecnicamente concretizadoras e da utilização de conceitos indeterminados é a necessidade da
conjugação da legalidade e da igualdade fiscal. Isto deve-se ao facto de o uso de cláusulas residuais
facilitar a aplicação da lei a casos idênticos expressamente previstos através do uso da tipicidade
fechada.
A taxa de imposto foi estabelecida em 2% nas grandes cidades e, fora delas, foi designada
uma taxa entre os 0,8% e 1%. A variação parece ser explicada por finalidades extrafiscais, visto que
se pretende evitar o êxodo rural. Uma questão que ainda se pode colocar é saber se o valor oscilante
da taxa está conforme o artigo 103º nº 2 da CRP. Na linha do pensamento da Professora Ana Paula
Dourado, a estipulação de estritas margens de discricionariedade quanto ao montante das taxas
respeita o princípio da legalidade, desde que tal seja justificado por um outro princípio, no caso
concreto está em causa o princípio da autonomia local (Artigo 238º/4 da CRP) e não se viola o
princípio da proporcionalidade ou da igualdade9.
Quanto à proposta da federação no sentido da taxa oscilar entre 0,5% e 5%, estabelece-se se
uma margem de discricionariedade muito alargada, o que implica uma violação do artigo 103º nº 2
da CRP e do princípio da proporcionalidade, pois vai de encontro ao escopo normativo, a
diminuição do êxodo rural. Consideramos ainda que a diferença de variação não e justificável pelo
principio da autonomia local, e mais importante desrespeita a proporcionalidade em sentido estrito,
ou seja, a proibição do excesso.
Por último, esta isenção de imposto consubstancia-se num benefício fiscal, de acordo com o
artigo 2º nº 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Um benefício fiscal aprovado por regulamento
municipal não contraria o disposto no artigo 103º nº 2 da CRP no que respeita à legalidade material

redução da carga fiscal por parte do Governo, atendendo-se exclusivamente à função de garantia da
tributação, contudo não podemos acompanhar este entendimento, porque em qualquer caso esta atuação
consubstanciaria uma sobreposição à legitimidade democrática da Assembleia da República, o que
colocaria em causa a arrecadação de receita pública. Além do mais, o Governo poderia criar diminuições
da carga fiscal apenas para certas categorias de sujeitos, sendo contrária tal atuação ao Princípio da
Igualdade. Além do mais a posição defendida pelo autor está à partida ferida de impraticabilidade tendo
em conta que a atuação do Governo nunca seria no sentido de baixar a carga fiscal, mas sim de aumentá-
la devido aos compromissos com a EU, nomeadamente ao nível de défices excessivos.
9
Neste sentido, Tribunal Constitucional – Proc.º nº 405/88, de 16 de fevereiro de 1995. Relator
Conselheiro Alves Correia.
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em matéria de imposto, visto que o artigo 16º nº 2 da Lei das Finanças Locais concede às autarquias
o poder regulamentar de constituição de benefícios fiscais em relação aos impostos próprios.

À partida, este preceito (art.16º LFL) poderia colidir com o 103º da CRP que impõe a
consagração de benefícios fiscais por lei, contudo, deverá ter-se em consideração que, a Lei das
Finanças Locais está por sua vez sujeita à reserva relativa da Assembleia da República, tal como
expressa o artigo 165º/1 al. q) CRP. Tal significa que o benefício fiscal está parcialmente definido
em diploma legislativo do parlamento. Para dissipar qualquer diferendo o princípio da autonomia
fiscal das autarquias locais parece impor esse grau de discricionariedade aos municípios quanto aos
seus tributos devido à maior proximidade com os seus munícipes, o que permite uma melhor
ponderação do princípio da igualdade de modo a efetivar necessárias discriminações positivas. Por
fim, de acordo com o artigo 16º/3 da Lei das Finanças Locais a isenção de imposto não pode ser
concedido por período superior a 5 anos, sendo assim, a não referência a qualquer data pressupõe
que o benefício será concedido ad eternum, contrariando o disposto no preceito.

Bruno Cardoso
Gonçalo Caro
João Vinagre
Mª. Beatriz Freitas,

TAN SUBTURMA 4

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