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SEMINÁRIO FRITZ RINGER – O declínio dos mandarins alemães, 1980 – 1933.

Breve histórico de Ringer e sua formação.


Fritz K. Ringer (1934-2006)1, nasceu em 1934 na Alemanha em 1934, mudou-se para os
E.U.A em 1947, onde prosseguiu e terminou seus estudos secundários. Em 1956 graduou-se pela
universidade privada de artes liberais Amherst College em Massachusetts em 1956, doutorando-se
em 1961 em Harvard. Ringer, em sua carreira docente acabou por ministrar aulas e fazer pesquisas
em diversas universidades, ao modo de Indiana, Boston, São Petesburgo – onde tornou-se professor
emérito – e Georgetown. Sua primeira, e talvez mais conhecida obra, ao menos por parte do público
de língua portuguesa, fora O declínio dos mandarins alemães, de 1969, cuja tradução em alemão
aparecera apenas em 1983. Tal estudo de Ringer, desde seu lançamento, transformou-se em um
verdadeiro clássico das ciências sociais e da história social da intelectualidade alemã e, de certa forma,
europeia. Sendo preciso lembrar que boa parte dele fora concebido como sua tese de doutoramento
em Harvard sob a orientação de Franklin L. Ford – o qual lecionava história germânica2 -, cujo título
era “As universidades alemãs e a crise do ensino, 1918-1925
O historiador alemão também lançou uma série de outras obras enfrentando o tema da história
social comparada de intelectualidades nacionais, comparando o caso alemão com o caso francês em
seu livro Campos do conhecimento: cultura acadêmica francesa em perspectiva comparada, 1890-
1920 (1992); ou livros sobre a relação conturbada entre formação (bildung) e a sociedade moderna
em seu Educação e sociedade na Europa moderna (1979). Alguns livros sobre Max Weber – cuja
orientação metodológica e epistêmica, ao que parece, lhe é bastante cara em suas obras -, relacionados
tanto ao seu método A metodologia de Max Weber: a unificação das ciências culturais e sociais
(1997) e sobre sua vida intelectual, Max Weber: uma biografia intelectual (2004). Também é
interessante ter em vista outro livro seu agora sobre memórias sobre sua trajetória intelectual,
Problemas na acadêmia: memórias (1999).
Ringer também teve uma atividade bastante pronunciada como editor de cinco jornais
acadêmicos, além de ser, segundo relato de Andrew Lees – provável colega em Harvard -, um
excelente orientador e mentor de alunos de graduação e pós-graduação. Também fora laureado com
uma série de prêmios, à maneira dos prêmios oferecidos pelo Departamento Nacional de
Humanidades e Ciências e da Fundação Guggenheim.
Antes de passar, porém, ao texto em si, é preciso salientar que o público de língua portuguesa
só teve acesso ao trabalho de Ringer em 2000, sob os auspícios da EDUSP, a qual contava em seu

1
Para mais ver: < https://www.historians.org/publications-and-directories/perspectives-on-history/october-2006/in-
memoriam-fritz-k-ringer>. Acessado em 10/05/2017.
2
Para mais ver: http://news.harvard.edu/gazette/story/2007/02/franklin-l-ford/. Acessado em 10/05/2017.
1
corpo editorial com Plinio Martins Filho, José Mindlin, Laura de Mello e Souza, Murilo Marx e
Oswaldo Paulo Forattini, contando ainda com uma recepção não tão calorosa, salvo pelo artigo de
Marcelo Coelho, jornalista que compunha o Conselho Editorial da Folha de São Paulo.3

Colocação do problema, cotinuidades e rupturas de Ringer: o tipo mandarim e sua


caraceterização.
Segundo Ringer, seu objeto de estudo no livro em questão seria jusamente analisar as opiniões
dos professores universitários “alemães entre 1890 e 1933, sobretudo no que diz respeito à sua reação
à repentina transformação da Alemanha num país altamente industrializado” (RINGER, 2000, p. 19).
Por volta da mesma década de 90 do século XIX fez-se sentir uma violenta explosão de
desenvolvimento, mudança e instabilidade a qual intensificou-se com a Revolução Política e a crise
inflacionária pós – Primeira Guerra Mundial, de sorte que todo esse período pareceu aos acadêmicos
alemães uma reviravolta contínua, uma entrada nos problemas da civilização tecnológica. Contudo,
é de se perguntar: por que analisou-se justamente uma fração específica da instruída classe média
alemão nos interstícicio do século XIX com o século XX? E por que isso seria algo alemão, por assim
dizer?
De acordo com Ringer, não é apenas da Alemanha que se contou com o temor de homens
letrados diante do progresso técnico, pois temia-se que com esse uma série de perigos fossem trazidos
ao terreno da sociedade em geral e da cultura em particular. Esse ceticismo na aurora das máquinas e
massas poderia sem melhor identificado, caso vessemos que estes novos padrões de sociabilidade
poderiam colcocar em xeque não só seu padrões de desenvolvimento pessoal, muito bem explicitado
pelo conceito de Bildung, lugar comum dentro desta intelligenstsia; um movimento que poderia
imputar certa resistência à orientação desta minoria culta. Ainda seguindo as lições de nosso
historiador, embasado pelos ensinamentos de Karl Mannheim seu Ideologia e Utopia (1976, p. 182)4,
poder-se-ia dizer que a burguesia moderna contaria com uma dupla raiz social, contando com aqueles
portadores de capital e aqueles cujo único capital consisitia exatamente em sua instrução.
Ainda para Mannheim, a instrução faria com o homem fosse determinado de múltiplas
maneiras quanto ao seu horizonte intelectual, de sorte que essa influência cultural faz como que seja
influênciado por tendências opostas da realidade social, enquanto que aqueles cuja orientação em face
ao todo fosse condicionado pelo processoocial de produção – proletariado e buguesia – tenderiam a
absorver a “Weltanschauung desse grupo particular e a agir exlusivamente sob a influência das

3
Para mais ver: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1103200111.htm.
4
Para ver mais sobre a Intelligentsia de Mannheim e sua caracterização, ver o subcapítulo de Ideologia e Utopia intitulado
“O problema sociológico da ‘Intelligenstsia’” (1976, p. 178-189).
2
condições impostas por sua situação social imediata.” (Ibid., p. 181). Ou seja, é claro que não esse
estrato, ou intelligenstsia socialmente desvinculada (Alfred Weber) e relatavimente sem classe não
se acha suspenso em um vácuo em que os interesses sociais não penetrem, pelo contrário,
resume em si mesmo todos os interesses sociais que permeiam a vida social. Com o aumento
em número e variedade das classes e estratos em que se recrutam os diversos grupos de
intelectuais, observam-se maiores multiplicidades e contrates nas tendências que, atuando no
nível intelectual, os ligam uns aos outros. Então, o indivíduo participa mais ou menos da
massa de tendências em conflito mútuo. (...) [Deste modo] [e]sta situação social sempre
forneceu a energia potencial que habilitava os intelectuais mais eminentes a desenvolverem
a sensibilidade social indispensável para que se tornassem sintonizados com as forças
dinamicamente em conflito. Cada ponto de vista era constantemente examinado quanto à sua
importância na situação presente. Além disso, exatamente por meio dos vínculos culturais
deste grupo, atingiu-se uma apreensão tão profunda da situação total que a tendência a uma
síntese dinâmica reaparecia constantemente, apesar das deformações das deformações
temporárias que ainda teremos que estudar. (Ibidem, p. 182-183)

Contudo, Ringer adverte que, apesar de esta distinção e desenvolvimento intelecutal ter sido
bastante negligenciada pela literatura hitoriográfica, Ringer se diz bastante convecido de que os
intelectuais alemães constituem como que um caso especial quanto ao conjunto do problema tratado,
dado que o sistema educacional alemão possuia caracteristicas bastantes peculiares e a
industrialialização alemã fora extremamente abrupta, tão logo acelerou-se em 1870, geradora de
tensões culturais e socias tão fortes que qualquer acadêmico alemão em seus trabalhos sobre qualquer
assunto colocava sua pena a trabalhar reagindo a isto, apontando seguidas crises da ‘cultura’ e o
espectro de uma era moderna oca e ‘sem alma’. Era como se então a Alemanha tivesse sido para o
sistema moderno de pesquisa e educação univeristária, aquilo que a Inglaterra fora para a Revolução
e o progresso industrial, de sorte que a “uma classe média alta instruída estabeleceu-se muito bem na
Alemanha muito antes que sua posição dosse abruptamente contestada pela rápida industrialização e
democratização ocorridas depois de 1870” (RINGER, 2000, p. 15) E aqui nosso autor entronca em
outra velha conhecida problema alemã, a bem dizer, a sua chamada miséria e seus desdobramentos.
Vejamos.
Salvo engano, fora Marx quem pela primeira vez começou a seriar os despropósitos ensejados
pela miséria alemã e sua colocação periférica em relação às pátrias europeias mais desenvolvidas:
Mas a Alemanha não galgou os degraus intermediários da emancipação política no mesmo
tempo em que as nações modernas. Mesmo os degraus que ela superou teoricamente, ela
ainda não alcançou praticamente. Como poderia ela, com um salto mortal e, transpor não só
suas próprias barreiras como também, ao mesmo tempo, a das nações modernas, barreiras
que, na realidade, ela tem de sentir e buscar atingir como uma libertação de suas próprias
barreiras reais? Uma revolução radical só pode ser a revolução de necessidades reais, para a
qual faltam justamente os pressupostos e o nascedouro. (...) Mas, se a Alemanha acompanhou
o desenvolvimento das nações modernas apenas por meio da atividade abstrata do
pensamento, sem tomar parte ativa nas lutas reais desse desenvolvimento, ela compartilhou,
por outro lado, das dores desse desenvolvimento, sem compartilhar de seus prazeres, de suas
satisfações parciais. À atividade abstrata, por um lado, corresponde o sofrimento abstrato,
por outro. Por isso, a Alemanha se encontrará, um belo dia, no nível da decadência europeia
sem que jamais tenha atingido o nível da emancipação. Poder-se-á compará-la a um idólatra
que padece das doenças do cristianismo. (MARX, 2010a, p. 152 – 153, grifos meus)

3
Em outra oportunidade, o filósofo alemão se indagará: será possível que um rei por essas
bandas possa ser idealista? (MARX, 2010b, p. 66) Bem, tal colocação não pode ser indexada a um
estancamento das efusões liberais do pretendente quando se deu o exercício do poder efetivo, algo
corriqueiro, até porque, “são bem mais enredadas as raízes desse equívoco que abre a comédia de
erros do liberalismo alemão e já se vê que, de algum modo, o idealismo forma um capítulo dela.”
(ARANTES, 1996, p. 363, grifos meus) Ou seja, de certa forma o idealismo alemão é colocado na
conta da comédia ideológica alemão, vinculada a inadequação, ou melhor a um certo sentimento de
desproposito, das ideias liberais em um ambiente totalmente diverso de sua origem: França,
principalmente. Sendo assim, poder-se-ia “vincular o a constituição da filosofia clássica alemã e
desenvolvimento desigual e combinado num país periférico” (ARANTES, 2004, p. 272)5.
Isso tudo dar-se-ia pelo fato de em meio ao desenvolvimento desigual e combinado do ainda
jovem capitalismo imputar à Alemanha uma estruturação em que o ‘moderno’ e ‘atraso’
promiscuamente azeitavam um ao outro. Todavia, essa configuração permitia que a chamada
intelligentsia alemã absorvesse intelectualmente a totalidade das conquistas civilizacionais dos
modernos países europeus, ao modo da França, e tentasse fazer no plano do pensamento o que estes
faziam no plano prático e histórico (ARANTES,1996) (LUKÁCS, 1959; 2009; 2012, p. 259)
(MARX, 2010a, p. 152-153; 2010b, p. 66; 2011, p. 51).
É evidente que Ringer não é um marxista ou dialética, todavia, devido a objetividade desta
problemática, o intelectual em questão irá oferecer uma inovação conceitual e material
(método/metodologia e assunto efetivo que irá permear o livro), trazendo para cena o chamado tipo
mandarim – bastante útil como instrumentos heurístico para dar organização, recorte e inteligibilidade
ao material levantado e não como linha determinante - e tentando, de modo não determinista, como
gostariam alguns de seus críticos (RINGER, 2000, p. 11), “relacionar as opiniões dos humanistas e
cientistas sociais acadêmicos da Alemanha com a história social de uma classe instruída alemã” (Ibid.,

5
Segue ainda um trecho de Arantes: “Eu queria explicar como funciona o discurso hegeliano e como a funciona a
dialética. Tratava-se de uma história da modernização através da intelligentsia, que procurava mostrar como se dá a
passagem do iluminismo para a dialética, e como, já no iluminismo, há dialética. Comecei com os franceses e depois
passei para a Alemanha, ou seja, tratei de como os franceses são refratados na Alemanha, e de como a dialética apareceu
para dar conta dessa refração, desse deslocamento. Então comecei com um ensaio sobre a invenção hegeliana da dialética
dos intelectuais na Ilustração francesa, como isto era decantado numa espécie de “Questão do método” e culminava no
exorcismo do êxtase intelectual durante o Terror Jacobino. Eu procuro mostrar como esse êxtase intelectual foi refratado
na Alemanha, numa espécie de lógica interna fantasmagórica das ideias. Depois disso, eu trataria dos italianos e de
Gramsci, passaria para a Rússia (embora o caminho real fosse inverso), mostrando como os franceses e os alemães foram
lidos por lá. Para isso, eu teria de estudar todos os publicistas, a radicalização da intelligentsia russa e, sobretudo, a figura
do intelectual nos grandes romances russos de Dostoiévski e Tolstói. Sem falar noutras periferias europeias. Até sobre
Portugal escrevi alguma coisa e engavetei. Mas todos esse programa iria consumir uma vida inteira. (...) Havia, dessa
maneira, um panorama mundial a ser estudado. E nesse sistema de diferenças e continuidades, havia alguma coisa como
um pensamento dialético dessa mundialização da cultura e do capital que era a expansão diferenciada, pois tratava-se do
centro e da periferia. Queria mostrar que esse estudo era feito por um brasileiro, ou seja, que se tratava da perspectiva
da periferia sobre o movimento das ideias quando se dá a expansão do capitalismo desde a hegemonia inglesa até o
início do século XX.” (ARANTES, 2004, p. 272, grifos meus)
4
p. 23) Ou seja, a chave explicativa de Ringer, por assim dizer, estava em historiar as posições da
Intelligentsia alemã, a qual, conformando-se em contraposição a nobreza, forjava todo um ideário e
um pensamento baseado em assuntos como o atraso, por vezes salutar e por vezes deletério da
Alemanha frente a outros países europeus e a sua especificidade frente a estes. Para isso lançará mão
do que chama de uma sociologia histórica do conhecimento, inspirada tanto em Max Weber, quanto
em Karl Mannheim6 (RINGER, 2004, p. 99)7.Todavia, antes de adentrarmos a caracterização mais
precisa do tipo mandarim e sua ideologia, duas palavras sobre o desenvolvimento alemão e sua
Revolução Burguesa, essencialmente específico.
Se a França seguiu a chamada via clássica da Revolução Burguesa, já a Alemanha seguiu uma
via bastante especifica com consequências sociais e intelectuais de suma importância. É forçoso,
então, mostrar as suas diferenças. No caso francês, viu-se, seguindo o jargão gramsciano, a formação
de um bloco-histórico e uma vontade coletiva nacional-popular, mobilizando as massas em um
movimento de reforma moral e intelectual da sociedade, constituindo um povo-nação. Algo que fora
feito com maestria pelos ‘jabobinos’ e sua direção resoluta, conseguindo mobilizar as massas
camponesas, os intelectuais de estratos médios – aceitando tanto as reivindicações elementares
daqueles e as tornando parte integrante do novo programa de governo e insistindo nos motivos que
pudessem interessar a estes - e conduzindo a burguesia francesa para uma direção muito mais
avançada, do que gostaria de ocupar ‘voluntariamente’ e mais à frente do que as próprias premissas
da história poderiam permitir (GRAMSCI, 2014, p. 62 – 86). Um movimento fundamental para a
constituição de um Estado e de uma Nação modernas, produzindo um rompimento revolucionário
com o passado feudal.
Gramsci lança essa argumentação tendo como par antitético o Risorgimento italiano, um
processo de unificação nacional e revolução burguesa diversos do clássico francês, marcado pelo fato
de que a construção de um Estado e de uma Nação modernos italianos foram impedidos. Obstruídos,
tanto pela grande influência da Igreja Católica e seu correspondente cosmopolitismo – responsável
direta pela constituição de uma camada de intelectuais apartada de seu povo e das necessidades deste
-, quanto pela fragmentação da burguesia italiana entre uma série de Principados e cidades
independente. Além, é claro, de em meio ao risorgimento italiano o Partido Popular, de Mazzinni e

6
Lembremos que Ringer também censura Manhheim por superestimar a diversidade de circunstâncias sociais dos
intelectuais modernos, até porque quando os desvinculava dos interesses das classes fundamentais da sociedade
capitalista, também dizia que os intelectuais estavam livres de todas as formas de pensamento e condutas interessados,
acabando por aceitar uma posição ortodoxo e idealizada sobre os intelectuais, elevados por cima dos conflitos de classe
e quase que encarnando a verdade objetiva absoluta. Chegando mesmo a sugerir certa cumplicidade subjacente de
Mannheim com o mandarinato (RINGER, 2008, p. 117-118).
7
É importante frisar que o trabalho em questão ainda, apesar de seu profundo ar de família, não sofreu a influência de
Pierre Bourdieu e de seu conceito de campo intelectual, o qual seria, grosso modo, se constituiria a partis de interesses
específicos, os quais seriam irredutíveis aos interesses de outros campos, os quais os definiriam frente ao agentes interno
a eles e externos, lembrando que a sua estrutura está ligada ao campo de forças forjado entre os agentes e instituições em
luta pela posse e manutenção de um capital específico ali valorizado(BOURDIEU, 2013, p. 113-114).
5
Gabibaldi, ter tido uma postura bastante recuada e influenciada, intelectualmente e politicamente,
pelo Partido Moderado, impedido de cumprirem a tarefa histórica ‘jacobina’ explicitada acima. Essa
debilidade política deixou o caminho aberto para a aristocracia agrária do Reino de Piemonte e sua
‘hegemonia’, evitando qualquer entrada na cena política de uma resolução integrativa e progressista
da questão agrária italiana. Destarte, na formação do Estado italiano, constitui-se uma aliança de
classe entre a burguesia industrial do norte italiano e os latifundiários do sul, alijando a massa
camponesa e deixando o sul em um estado de penúria, condição impediente para a uma verdadeira
unidade nacional. (GRAMSCI, 2004, p. 403 – 437)8
O caso alemão, como se pode notar, aproxima-se bastante do italiano (LUKÁCS, 1959, p. 37),
visto que o atraso ali também galvanizou a vida nacional, porém é preciso observar uma diferença
qualitativa importante: em menos de um século a Alemanha, juntamente com os EUA, havia se
tornado uma das potências mundiais mais pujantes, já a Itália ainda apresentava o Sul ainda
substantivamente desagregado, bastante longe de outros países desenvolvidos da Europa Ocidental.
Ainda no caso alemão, é preciso ter em mente que em sua via especifica, ou melhor Prussiana
(LENIN, 1980), para a Revolução Burguesa e para o desenvolvimento capitalista, os alemães teriam
de enfrentar o fato deste país não possuir uma unificação nacional, ao modo de outras nações
modernas. Pois mesmo que possuíssem setores econômicos já interessantemente progredidos em
meados do século XVIII, enfrentavam a manifestação do que haveria de mais retardatário no
feudalismo, até porque contavam tanto com o fato de os antigos senhores feudais haverem se
transformado em nobres absolutistas desagregados – não cumprindo a faceta progressiva da
unificação, a saber, o fortalecimento e o desenvolvimento de uma burguesia nacional -, quanto com
as formas mais brutais de exploração do campesinato, algo que levou a uma grande quantidade de
sujeitos desarraigados e recrutáveis para formas políticas regressivas, ao modo do banditismo e do
exército. De todo modo, com a passagem para o século XIX a questão da unificação nacional passa
a galvanizar vários setores populares e outros setores importantes da nação alemã, a partir do que o
problema da unidade nacional passa a ser um problema central da Revolução Burguesa na Alemanha.
De sorte que essa questão passa a dirigir todo o desenvolvimento político e ideológico alemão,
imprimindo um selo particular ao espírito deste povo, visto que todos os outros haviam conquistado
a unidade nacional ainda sob o governo de monarquias absolutas e aparecendo como um dos
primeiros resultados da luta de classes entre a burguesia e o feudalismo; exatamente o contrário do
caso alemão que começaria a sua Revolução Burguesa a partir da conquista desta unificação.

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Uma situação histórica formalizada literariamente com perícia por Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em seu livro O
Leopardo, do qual a passagem mais lapidar é a proferida pelo príncipe de Falconeri ao seu tio, Don Fabrizio Corbera,
Príncipe de Salina: “Se nós não estivermos lá, eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está é preciso
que tudo mude.” (LAMPEDUSA, 1974, p. 42).

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Tudo isso, jogava água no moinho das dificuldades de se fazer uma revolução democrático-
burguesa em solo alemão, as quais poderiam ser expressas do seguinte modo: em muitos aspectos, a
contraposição entre restos feudais - como a monarquia, nobreza e seu aparato - e a burguesia, tinha
uma objetivação bastante especifica e distinta do caso francês, pois quanto mais vigoroso é o
desenvolvimento capitalista, mas imperativa é a necessidade de se realizar a unidade nacional,
inclusive para as classes interessadas em manter o atraso, para isso basta que pensemos o papel central
da Prússia no desenvolvimento da unidade nacional alemã. Visto que tal região sempre foi um estorvo
para a consecução de uma verdadeira unidade nacional, sendo que a questão que sempre incomodou
os setores mais avançados – e minoritários - da burguesia e da intelligentsia alemã é a questão de se
o poder militar prussiano seria importante para esta tarefa ou se deveria ser destruído para bem
cumpri-la. É claro que para o desenvolvimento democrático alemão o segundo caminho era o mais
indicado, porém boa parte da burguesia alemã, incluindo a prussiana, preferiram o compromisso de
classe, o qual permitiu subtrair as consequências plebeias e radicais de uma revolução, conseguindo,
mesmo assim, atingir seus objetivos econômicos centrais e, de quebra, manter a hegemonia política
sobre esse novo Estado. Nesse bojo, não haveria também qualquer possibilidade de mobilização das
massas pequeno - burguesas e plebeias contra as capitulações da grande burguesia, já que a ideia que
de que unidade nacional seria um problema central dentro do processo de Revolução Burguesa alemã
pressuporia um nível de consciência inexistente entre as massas alemães e os setores campesinos, por
demais inorganizados e subalternizados. Em outras palavras, os Junker prussianos, conseguiram
impor à totalidade da sociedade alemã – com apoio da chamada burguesia liberal - um modelo político
e de instituições essencialmente autoritário, militarista e expansionista, o qual internamente não
oferecia condições para a constituição de uma tradição democrática. Em resumo, esse compromisso
de classe entre a nobreza agrária e burguesia acabou por dar uma configuração peculiar e trações
indeléveis à Alemanha Moderna (LOUREIRO, 2005, p. 24).
Retomando o fio da meada sobre o tipo mandarim, é forçoso que retornemos a alguns de seus
traços característicos essências, bem como sua embocadura metodológica. Ao lermos sua introdução,
salta aos olhos a influência de Max Weber e sua metodologia em relação a Ringer, até porque este
deixa claro que lançará mão de um tipo ideal mandarim, a fim de conseguir organizar todo o material
por ele colhido e como um instrumento heurístico, o qual o colocaria mais próximo possível da
realidade e de sua compreensão. Salvo engano, por tipo ideal, de maneira sumária, podemos entender
como uma racionalização utópica, no sentido de não ter lugar. Havendo nesta um momento de seleção
de determinados traços de uma realidade caótica, a qual se dá em relação a valores de um sujeito ou
de uma época. Posteriormente haverá a construção de um quadro racional e coerente, a partir destes
traços selecionados num primeiro momento, funcionando como um importante instrumento

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heurístico de medição da realidade. Portando, não é a reprodução de uma realidade. (WEBER, 2003).
De todo modo, para a sua caracterização mais detida citaremos o seguinte trecho:
O tipo ideal que proponho é o do ‘mandarim’. A palavra em si não é importante, embora
pretenda evocar a elite tradicional dos funcionários letrados da China. Minha decisão de
aplicar o termo à classe acadêmica alemã inspirou-se provavelmente no admirável retrato que
Max Weber traçou dos literatos chineses. Para o cenário europeu, eu definiria ‘os mandarins’
simplesmente como elite social e cultural que deve seu status muito mais às qualificações
educacionais do que à riqueza ou aos direitos hereditários. O grupo constitui-se de médicos,
advogados, clérigos, funcionários do governo, professores de escolas secundárias e
professores universitários, todos eles com diplomas de curso superior, concedidos com base
na conclusão de um currículo mínimo e na aprovação num conjunto convencional de exames.
Os ‘intelectuais mandarins’ principalmente os professores universitários, preocupam-se com
a dieta educacional da elite. Preservam os padrões de qualificação que permitem a afiliação
ao grupo e agem como seus porta-vozes em questões naturais. (...) No entanto, minha análise
irá da opinião acadêmica alemã irá concentrar-se nos não-cientistas. (...) [Lembrando] que a
exclusão dos profissionais das ciências naturais não é a única simplificação que planejo fazer.
Afinal de contas os intelectuais mandarins eram, por sua vez, apenas um pequeno segmento
da elite total de mandarins. Mais uma vez, pretendo reduzir o foco de minha discussão até
mesmo às custas de certa unilateralidade. (RINGER, 2000, p. 22-23)

Assim sendo, além da mobilização metodológica de Weber – se é possível efetuar tal distinção
– também se vê uma utilização importante de seu arcabouço conceitual, dado que a palavra status
refere-se a uma distinção importante entre classe e status efetivada pelo sociólogo alemão, em que as
situações de classe aparecem como situações objetivas no sistema de produção, ao passo que status é
o prestígio social atribuído em conexão com determinados estilos de vida. Contudo, como esse tipo
surgiu e o que tem a ver com o desenvolvimento histórico típico da Alemanha? De acordo com
Ringer, somente em determinadas condições históricas é que os mandarins podem ter um papel
importante em sua sociedade, ou melhor, somente “durante uma fase particular do desenvolvimento
material de seu país é que podem tornar-se uma classe dominante funcional e manter-se como tal.”
(Ibid., p. 23)
Na situação intermediárias que o desenvolvimento capitalista alemão se encontrava, a posse
de somas importantes de capital líquido não era vista como qualificação de status social e título
hereditários de posse de terra também já não eram mais indispensáveis, desta feita, “o grau de
instrução e o status profissional podem muito bem tonar-se as únicas bases importantes para pretender
uma posição social em condições de competir com o prestígio tradicional da aristocracia.” (Ibid.)
Como a industrialização alemã fora por demais retardatária, os instruídos não-nobres poderiam
escolher falar em nome da indústria ou da nova riqueza, como Daniel Defoe e Benjamin Franklin, já
na Alemanha, os estes apenas iriam concentrar sua atenção nos direitos das pessoas cultas, de modo
que irão constituir uma verdadeira nobreza de instruídos com o fito de suplantar a classe dominante
tradicional e estabelecerão um sistema complexo de certificados, os quais comprovariam por parte de
seu portador a posse de um bom intelecto. Nesse bojo, pode ser visto também a ascensão de uma
ânsia dirigista de modo que estes diplomados, por meio de seus líderes, passam a exigir que os
negócios públicos sejam cada vez mais administrados por essa minoria instruída. Ou seja, a
8
“educação superior clássica era como que um substituto da nobreza de nascimento. Mostra[ndo]
também que a competição entre a antiga e a nova elite pela influência no setor não-eletivo da vida
pública assumiu a forma, teve de assumir a forma de uma luta pelo ingresso nas camadas
superiores do sistema educacional” (RINGER, 2000, p. 59, grifos meus).
No plano político isso também ocorrerá, dado que com a transformação gradual de um Estado
essencialmente feudal numa monarquia altamente burocrática que favorece o desenvolvimento de
uma elite mandarim forte e autoconsciente, de sorte que quase todos os mandarins estavam vinculados
de um modo ou de outra a administração pública, fazendo com que uma história da burocracia acabe
sendo uma verdadeira história das elites. Nesse interim, gesta-se uma relação por vezes tensa entre
os governantes alemães, interessados em restringir o poder da aristocracia local via criação de um
sistema de governo racional, de modo a estender seu controle para áreas antes dominadas pelo
privilégio consuetudinário, e essa nova elite letrada, que, apesar de ter seus salários pagos pelo marco,
querem utilizar seu crescente poder de negociação contra esse monarca mesmo, algo que poderia ser
materializado em dois momentos quase concomitantes: i) oposição ao ideal de ensino superior do
monarca e revisão da ideologia acadêmica; ii) constituição de um conjunto de ideias para aumentar a
participação da elite no Estado. Comecemos da primeira:

i) – Se os monarcas antes desejavam que as universidades fossem meras instituições de ensino


superior, prontas a lhes oferecerem uma capacitação técnica a fim de se tornassem auxiliares úteis do
monarca, contudo os mandarins passam a se cansar desse papel puramente técnico que lhes é atribuído
e exigem serem tomado como uma verdadeira nobreza do espírito, elevada acima de sua classe
originária em função de seus conhecimentos. Considerados homens de grade cultura, calcado em um
ideal de Bildung (formação), os quais procuravam um enobrecimento espiritual pela educação, em
que o ensino passa a funcionar como “um substituto honorífico da nobreza de nascimento” (RINGER,
2000, p. 25)

ii) – Nas tentativas desta elite culta em tentarem desenvolver um conjunto de ideias para defender sua
participação mais decisiva no Estado, parte às custas do Monarca, desenvolvem duas doutrinas
essências para tal: a) – a doutrina da legalidade; b) – a doutrina do conteúdo cultural.
a) –
Assim, em nome da legalidade, desencadeiam um ataque concertado ao governo ‘arbitrário’.
Insistem em reafirmar que o governo não pode mais constituir um negócio privado entre
príncipes e aristocratas, nem o domínio é a propriedade do monarca. Para combater essas
ideias, criam a noção de um Estado abstrato e racional que ‘administra’ a si mesmo segundo
princípios fixos e lógicas e que está acima tanto dos governantes, quanto dos governados. A
propensão que revelam a este respeito é natural, pois, em última análise, eles é que terão
condições de interpretar a razão e o direito de Estado. Fornecem uma parcela cada vez mais
dos funcionários públicos e, quanto mais racionais e complicados se tornam os processos

9
administrativos, mais os burocratas mandarins são os executantes, na prática, da vontade
abstrata de um governo racional. (RINGER, 2000, p. 26)

A legalidade os interessa também como cidadãos privados, constituindo-se como defensores


das liberdades e direitos civis particulares, algo que os juntava com seus compatriotas, todavia, como
uma minoria, não defender a participação popular no governo, pois esta levaria a perda de boa parte
de suas posições de direção e prestígio.

b) –
A exigência de que o Estado deve encarnar um direito fixo e racional deriva sobretudo da
forte ala burocrática da elite e poderia harmonizar-se com uma noção relativamente humilde
do funcionário público sobre o ensino prático. Por outro lado, a doutrina do conteúdo cultural
amplia a pretensão mais avançada da elite a uma liderança cultural mais abrangente. Afirma
que o Estado deriva sua legitimidade não do direito divino, pois esse enfatizaria a vontade do
príncipe, nem dos interesses dos súditos, pois esses sugeririam um processo eleitoral, mas
exclusivamente dos serviços prestados à vida intelectual e espiritual da nação. Segue-se
claramente que o governo deve dar ajuda material ao programa cultural e educacional da elite
e deve fazê-lo sem exigir um retorno prático imediato. (RINGER, 2000, p.27)

Cuja argumentação é a seguinte:


enquanto apenas administra seu território, mesmo legalmente, o governo não passa de uma
máquina, de um dispositivo superficial e puramente organizacional, sem alma ou finalidade
superior. Pode inspirar lealdade apenas na medida em que agradar a todos. Não tem qualquer
sustentação no passado ou no futuro; é algo mesquinho, sem qualquer pretensão a grandeza
histórica (...). Sua existência – e sua expansão – só podem ser justificadas pelos valores
culturais e espirituais que florescem sob sua capa. Como em si mesmo não é mais do que um
vaso, deve ter conteúdo; e, quanto mais valioso for o conteúdo, tanto maior será o direito do
Estado de afirmar-se em seu território e no exterior (Ibid., p. 26)

Tudo isso irá bem para os mandarins, até que as condições econômicas e sociais ao seu redor
irão mudar profundamente, introduzindo-se novas classes sociais poderosas, novos grupos sociais
poderosos, até porque com a industrialização e urbanização o empresariado rico e o proletariado
nascente irão contestar essa elite culta, com a ideia de uma participação popular na política e uma
mudança drástica no sistema educacional. Desta feita, será possível que os mandarins conseguirão
superar isto e ainda terem uma certa influência? Ortodoxos, via de regra, intelectuais menos
sofisticados e brilhantes, irão desdobrar as implicações antidemocráticas de suas doutrinas; já os
modernistas, minoria relativamente progressista, irão tentar acomodar parcialmente as necessidade e
condições modernas, tentando traduzir a herança cultural alemã algo mais apropriado ao contexto
moderno. Passaremos agora pelas condições institucionais e sociais que ensejaram esta forma e grupo
social.

ANTECEDENTES SOCIAIS E INSTITUCIONAIS DO MANDARINATO.


Ringer, no início do capítulo um, volta a questão do atraso alemão em termos industriais e
urbanos e volta para uma velha tese da história das ideias, talvez próxima daquela proposta por

10
Macpherson em sua Teoria político do individualismo possessivo, a qual argumentava que esse
ambiente atrasado não teria gestado uma burguesia industrial forte, o que, por sua vez, levaria a
inexistente de um forte liberalismo de classe média, sublimação ideal do utilitarismo daquela classe.
Contudo, dois equívocos podem ser apontados aí: i) o desenvolvimento inglês de modo algum pode
ser tomado como um exemplo modelar para o resto do mundo; ii) tal argumento acaba por não fazer
nenhuma asserção positiva sobre “o ambiente social que os intelectuais alemães enfrentaram; nada
diz sobre suas origens e ligações, suas fontes de renda e seu status” (RINGER, 2000, p. 30).
Entroncando diretamente no assunto, o nosso autor tem um parágrafo lapidar:
Quem quer que, na Alemanha do século XVIII, quisesse ascender socialmente e não fosse
nobre começava por adquirir o máximo de instrução com que pudesse arcar. Depois
ingressava numa da burocracia do Estado, no clero, no professorado, ou nos setores da
medicina ou do direito, no começo sempre num nível subordinado. Depois de instalado numa
profissão liberal, encorajava naturalmente os filhos a caminhar pela mesma estrada. Como as
universidades e escolas eram instruções públicas, as Igrejas eram parcialmente
supervisionadas pelo Estado e mesmo os advogados precisavam comumente de conexões
oficiais, desenvolveu-se desse modo um tipo de classe médica não-econômica, centrada, de
um lado, nas universidades e, de outro, no serviço público (Ibid., p. 30)

Essa nova elite, distinta da base social de sua classe, distinguia-se não mais pelo nascimento,
mas sim a partir da profissão e de sua instrução, diferenciando-se dos camponeses e dos artesãos, à
época, de sorte que já no Código Geral do século XVIII promulgado na Prússia deixavam de serem
meros funcionários de um rei todo poderoso, determinados a interpretar os decretos gerais dos
governantes do modo que achassem melhor. Nessa mesma Prússia prenúncios de mudanças no ensino
superior passaram a entrar na ordem do dia em uma Universidade como Halle, em que Tomasius e
Wolff, passaram a ministrar aulas a partir das ideias mais novas que passaram a habitar o velho
mundo, nos campos da geografia, política, matemática e ciências naturais.
Assim sendo, uma nova filosofia assentada em uma racionalidade prática passou a circular no
mundo das ideias prussiano, algo que entrava como luva no sistema emergente de monarquia
burocrática, até porque este passa a ser gestado com o desenvolvimento de uma codificação racional
do direito prussiano, cujo pressuposto era a separação mais clara entre esfera privada e pública. Isso
só viria a se concretizar caso a vontade do soberano, concretizada por uma burocracia
profissionalizada, viesse a se afirmar como direito público contra os privilégios consuetudinários
mantidos pelas classes feudais. A nova elite de servidores embarcou nesse movimento, querendo cada
vez mais racionalizar o direito privado, o qual traria maios segurança aos burgueses, e o direito
público, cuja racionalização fortalecia a própria posição dos funcionários públicos como interpretes
mais autorizados da lei.
É interessante notar que entre os reformadores educacionais alemães do século XVIII passou-
se a circular uma ideia de educação como promoção do crescimento autônomo e integral de uma
personalidade única – pietistas aí não ficavam tão atrás, dado que com a educação a alma santificada

11
seria desenvolvida em seu máximo. Com o desenvolvimento do neo-humanismo alemão na recém
fundada Universidade de Göttingen, esse tema passou a ser adaptado ao campo do ensino superior,
contrariamente ao desprezo racionalista, voltou-se a estudar filologia e textos clássicos, Herder e
Winckelman esperavam uma simpatia pela harmonia estética grega, por exemplo, revitalizasse o
ensino alemão e se contrapusesse à tradição francesa e romana, além do racionalismo de Halle. É
claro que para os neo-humanistas o que estava em jogo era o objetivo de educação plena e harmoniosa
de um indivíduo total, de pessoas cultivadas e esteticamente harmoniosas, implicando algo mais do
que uma mera formação intelectual, de modo que o estudante se transformasse em um novo homem.
Tudo isso feito com enorme amor aos textos, todavia, por uma espécie de paradoxo das
consequências, os resultados obtidos tiveram fortes implicações sociais, pois segundo o literato W.
H. Bruford “com a revivência dos estudos humanistas nas universidades é que a educação tornou-se
uma fonte razoavelmente certa de distinção social” (Ibid., p. 34). Até porque, como pretendia elevar
a personalidade integral e sem um sentido prático, parece ter conseguido elevar o status das pessoas
e aumentar a sua auto-estima.
Tal assunto pode ser muito bem figurado como dilema em um romance como Os anos de
aprendizado de Wilhelm Meister, pois como não era um nobre e tinha um forte anseio por um
desenvolvimento integral, porém a organização social alemã o impediria de concretizar esse ímpeto,
concretizando uma situação comum para o intelectual burguês e lembrando que essa educação prática
pode voltar a ter algum sentido social. E Ringer tem outro parágrafo interessantíssimo sobre o três
tipos grupos fundamentais da elite culta do século XVIII:
Na Prússia, o burocrata que não provém da nobreza representou um extremo sem paralelos
em qualquer país da Europa. O pastor protestante alemão também era único sob diversos
aspectos. Mas a figura mais insólita da cena social europeia no século XVIII foi o erudito
alemão, o homem do saber puro. Tinha menos ligações com uma classe empresarial
emergente do que seu congênere inglês, ou mesmo o francês; faltou-lhe também o contato
que os intelectuais franceses tiveram com o mundo cosmopolita dos salões aristocratas ou
dos magistrados. Separado imediatamente da classe de artesãos pequeno-burgueses e de uma
casta feudal relativamente inculta, desenvolveu uma fé intensa no poder espiritualmente
enobrecedor da palavra e um senso igualmente forte de sua impotência na esfera prática da
técnica e da organização. Até mesmo Goethe duvidou às vezes da possibilidade de uma ação
de melhoria social e política dentro das fronteiras de um pequeno Estado alemão (RINGER,
2000, p. 34).

Neste período é possível notar a existência mesmo de um protesto intelectual alemão contra o
racionalismo tecnicista e uma transformação do homem em meio e não em fim da sociedade, as forças
bárbaras em nada levavam em consideração o desenvolvimento intelectual e espiritual, um tema
recorrente em meio a sublimação poética e filosófica. Voltando-se sempre para o puro saber, a
contemplação, até porque o que melhor serviria a humanidade seria o cultivo máximo do espírito,
visto que o mundo não tem nenhum propósito ou sentido, a não ser na mente criativa e no espírito
humano desenvolvido. Nesse interim, é preciso ver que nenhum outro indivíduo afirmou tanto o valor

12
da cultura pessoal com mais fervor do que Wilhelm von Huboldt e Friedrich Schiller, na corte de
Weimar e na Universidade de Jena, na qual reuniram-se as figuras mais iluminadas do renascimento
alemão, ao modo de Hegel, Schelling e Fichte, os quais exaltavam como ninguém a vocação do
intelectual puro. Sacerdotes do idealismo e constituidores de uma aristocracia cultural (Bildung).
É claro que entre os três tipos mais importantes de grupos da elite culta haviam diferenças,
pois o pastor retirava sua autoridade de sua missão religiosa e compartilhava a fé pietista no valor da
alma educada; o burocrata havia progredido com base em sua capacidade administrativa especial e
com um ideal de racionalidade e previsibilidade política; já o erudito humanista e o filósofo humanista
reverenciavam a cultura e o ensino sem fins práticos. Mesmo assim, poder-se-ia ver uma unidade
entre estes três grupos, baseados em aspirações de uma nova educação superior e com ideias
pedagógicas passíveis de conciliação, com semelhanças entre protestantismo, idealismo e
burocracia racionalizada; desta feita é de um processo de homogeneização que se fala e o
surgimento de um processo em que há a constituição de uma ideologia homogênea de pessoas
cultas.
Esta fusão poderia ser testemunhada tanto de um ponto de vista intelectual, quanto de um
ponto de vista institucional, ensejando uma “série de processos inter-relacionados que, em conjunto,
estabeleceram uma base firme para o papel predominante da nova elite na vida social e intelectual da
Alemanha no século XIX” (Ibid., p. 36). Os quais podem ser vislumbrados nos casos seguintes:
i) - a feitura de exames regulares de qualificação para o serviço público, juntamente com a garantia
legal de posse para os funcionários públicos, os quais acabaram por fortalecer a posição dos
administradores instruídos, porém de baixa extração, contra aristocratas mal-preparados, servindo
para reforçar o vínculo entre universidade e o serviço público;
ii) - a promulgação de um Código Geral bastante racionalizado e formalizado, o qual caiu no gosto
da minoria culta alemã;
iii) - a centralização, a partir da Prússia e que depois se espraiou, do aparelho administrativo no campo
da educação superior, e, que Wilhem von Humnbodt fora chamado para dirigia a seção de Cultura e
Educação do Ministério do Interior Alemão, depois Ministério da Cultura, cuja jurisdição cobria
tanto as Universidades, quanto a supervisão de escolas secundárias. Nestas últimas foram também
instituídos exames de qualificação para professores, de modo a reduzir ainda mais a influência da
igreja e do patronato local sobre as instituições de ensino, fazendo com que professores secundários
passassem a serem profissionais liberais, os quais deveriam fazer um curso completo de formação
erudita nas universidades:
Desde 1788, algumas escolas secundárias vinham aplicando exames de graduação. Em 1812,
uma revisão e regulamentação completas desses textes fixaram o curso normal de preparação
para a universidade. O Abitur, como veio a chamar-se esse exame de qualificação para
diplomados, era aplicado somente naquelas instituições que davam um curso completo de
latim e de grego. As escolas secundárias assim abonadas situavam-se agora acima das escolas
13
comuns de latim, assumindo o caráter de pré-universidades. Receberam o nome de “ginásio”
e seu currículo clássico cada vez mais padronizado passou a constituir um pré-requisito para
muitos cargos importantes e uma medida convencional de cultura (Ibid., p. 38)

O coroamento deste processo se deu com a criação da Universidade de Berlin, cujo primeiro
reitor fora Fichte e com patronos essenciais dentro do humanismo e idealismo, além de portar
estatutos essenciais para todo o resto da universidade alemãs no século XIX, cujo padrão passou a ser
nacionalizado. Estes estatutos acabavam por abarcarem o ideal de seus reformadores – Humboldt,
Kant, Schelling, Fichte e Schleiermacher, com uma ideia bastante forte de liberdade acadêmica, com
a faculdade de artes no coração da universidade e não a faculdade de direito, medicina ou teologia,
em que o saber puro deveria ser cultivado por si mesmo, sendo que o Estado deveria oferecer seu
apoio sem exercer controle sob as disciplinas ensinadas.

Educação e sociedade, 1820-1890.


Como já havia sito dito, o chamado Abitur e a feitura de um ginásio clássico eram essências
para aqueles que gostariam de pleitear uma vaga em meio ao sistema universitário e isto fora agravado
já em 1834, pois qualquer caminho alternativo de entrada na universidade, ao modo de exames, fora
abolido, restando apenas o caminho clássico forjado estrategicamente pela aristocracia do espírito.
Além deste mecanismo, foram erguidas uma série de barreiras entre os ginásios clássicos, cada vez
mais privilegiados e as escolas secundárias de latim (Realschulen), as quais passaram a ser
importantes para a formação de jovens para cargos técnicos, do comércio e da indústria, até porque
ensinavam disciplinas mais ‘realistas’, como matemática e ciências naturais. Deste modo:
A elevação formal do ginásio acima das outras escolas secundárias foi apenas o início de um
processo trágico em que os ideias do período de reformas foram aos poucos rotinizados e
transformados em defesa do privilégio social. Rígidas especificações curriculares tomaram o
lugar do entusiasmo neo-humanista. As reivindicações teóricas de ‘educação’
transformaram-se em exigências de promoção no serviço público (RINGER, 2000, p. 40).

Porém, com os ventos reformadores e até mesmo revolucionários de 1848, os quais traziam
certo otimismo para a ordem do dia, algumas propostas um tanto quanto reformadoras foram
colocadas na mesa de negociações, as quais aparentavam ter uma aparência democrática contra um
establishment conservador, até porque era visível a insatisfação com o fato de o ginásio se concentrar
nas línguas clássicas, propondo-se uma maior atenção ao alemão e das disciplinas realistas e
modernas. Contudo, como o tumulto revolucionário de 1848 na Alemanha passou, como em toda a
Europa, a reação conservadora se fez sentir também nas questões educacionais, de modo que estas
propostas acima elencadas foram derrotadas e o chamado modernismo educacional passou a ser
considerado um dos maiores inimigos da religião e da autoridade. Mesmo assim, é preciso ver que
fora justamente a partir de 48 que aumentaras as hostilidades entre o ginásio clássico contra as escolas
secundárias mais realistas, sendo que aquele, de modo conjunto com o conservadorismo político e o
14
esnobismo social, passou a fazer ataques sistemáticos ao modernismo curricular, lançando uma
verdadeira guerra entre o idealismo ginasial e o utilitarismo do realismo escolar.
Passando a década de 70 e 80 do século XIX, é possível notar que essa disputa passou a
assumir o caráter de uma verdadeira luta de classes entre os expoentes do classicismo e de
modernismo, pois a disputa se dava por cargos no funcionalismo público e das profissões liberais,
lembrando que as escolas não-clássicas eram os bastiões da classe média baixa e a formação clássica
era vista como algo característico da classe alta. Tanto é que uma série de associações de profissionais
liberais e funcionários públicos diuturnamente lutaram contra a aceitação de estudantes advindos de
escolas modernas em seus campos de atuação. O que nos levaria a crer no seguinte: “a segmentação
do sistema educacional tinha provavelmente mais a ver com a estratificação social alemã do que
com qualquer outro fator” (Ibid., p. 43, grifos meus). Algo que pode ser muito bem observado com
o fato de uma série de crianças frequentarem as escolas por, no máximo, oito anos, acabando por
seguirem, principalmente, carreiras de baixa remuneração e portadores de um status social rebaixado;
até mesmo a maioria dos professores não frequentavam a universidade. É claro que os custo de um
ensino superior eram altíssimos, dificilmente arcáveis por boa parte da população alemão, ainda
assim, “é provável que as barreiras econômicas entre a educação primária e a secundária fossem
menos importantes do que as sociais e culturais” (Ibid., p. 44).
A estrutura educacional alemã de escolas secundárias acabava por se dividir em três
categorias, cujo público era composto por meninos, os quais estudavam durante nove anos, contando
com professores formados em universidades: i) - o Ginásio, no qual a dedicação de metade do
currículo voltava-se para o latim e o grego; ii) o Oberreaalschule, sem línguas antigas e com o tempo
dedicado ao francês e ao inglês, e às disciplinas modernas e iii) – o Realgymnasium, meio termo de
ambos. O primeiro era o mais prestigioso, em comparação com as duas escolas modernas, cujas
diferenças “eram parte de todo um complexo de exames oficiais e ‘privilégios’ que desempenharam
um papel imensamente importante na organização da sociedade alemã. Um ‘privilégio’
(Berechtigung), era um direito conquistado pela conclusão de um currículo específico” (Ibid., p. 45).
É preciso frisar que esses privilégios eram reservados às pessoas que pudessem atestar, pela via de
um diploma, um grau mínimo de instrução, e que os exames mais importantes de qualificação,
essências para concessão de privilégios, eram oferecidos pelos Estados, lembrando que “a um
estudante bastava concluir o currículo de nove anos para ser admitido ao exame para o Abitur. Os
requisitos para esse exame eram estabelecidos pelo ministro da cultura dos Estados, cujos
representantes também supervisionavam as provas propriamente ditas dos candidatos” (RINGER,
2000, p. 45).
Repisando, com o fim da existência de exames para passagem a universidade, o chamado
Abitur e a exigência de um secundário clássico passam a ser cada vez mais pronunciados e centrais,
15
desta feita, os importantes exames de Estado eram exclusividades apenas daqueles que dispusessem
desta distinção. Além disso a própria continuidade e feitura de uma carreira de uma carreira
acadêmica teria esta distinção como seu pressuposto essencial, algo que trará consequências para a
estruturação universitária, do ensino secundário – em que o clássico era um verdadeiro dogma – e
para a próprias estratificação social alemão. Isso nos permitiria falar com Max Weber e Paulsen, na
educação como a barreira social mais forte, de sorte que apenas uma aristocracia do espirito poderia
ter acesso às privilegiadas posições dentro e fora do serviço público – a história mesma da educação
alemã poderia ser vinculada a evolução histórica da burocracia germânica -, ou seja, essa elite
distintiva era composta por uma cadeia, ou uma corrente, cujo elo mais forte era a da ideologia
acadêmica da educação. De posse deste pano de fundo poderia se avaliar a importância das
universidades na sociedade alemã em torno de 1885:
Sua influência e o prestígio de que desfrutam decorreram da estreita ligação com as
burocracias, da participação ativa no sistema de exames e privilégios do Estado e o papel
tradicional de guardiões do ensino puro. Seguindo o padrão estabelecido por volta de 1800,
as universidades eram financiadas e administradas pelos vários ministérios de cultura; mas,
em algumas instituições, curadores atuavam às vezes como representantes do governo nos
campi e juízes universitários designados pelo Estado resolviam as questões legais
importantes (RINGER, 2000, p. 48).

E ainda:
A posição incomumente destacada do professor universitário na sociedade alemã também era
enfatizada de outras formas [além da situação financeira, advinda tanto dos emolumentos de
estudantes, quanto do salário oferecido pelo ministério alemão]. Ainda tinha grande
importância o vago senso de ‘proximidade do trono’. Num sistema em que os cargos públicos
eram cuidadosamente relacionados entre si, o topo da hierarquia acadêmica equivalia quase
ao nível ministerial da burocracia regular. Professores particularmente eminentes – e leais –
eram muitas vezes distinguidos como títulos pessoais mais ilustres ainda (Ibid., p. 51)

O que trazia consequências importantes para a estrutura social alemã em comparação com o
resto da Europa – lembrando que na Alemanha, para cada 10.000 habitantes, apenas cerca de 50
estudantes frequentavam a escola secundária -, visto que:
Nas sociedades democráticas e altamente industrializadas, um diploma ou cargo universitário
concorre com várias outras medidas de valor e prestígios social, das quais as mais importantes
são as de origem política ou econômica. Na Alemanha anterior a 1890, ao contrário, os
valores acadêmicos levavam o selo de reconhecimento público e oficial. A classe média alta
não-empresarial, a aristocracia mandarim da cultura, tornara-se a classe funcional do país.
Os professores universitários, os intelectuais mandarins, falavam em nome dessa elite distinta
e representavam seus valores. Enquanto a educação superior constitui um fator importante
na estratificação social alemã, os acadêmicos ocuparam necessariamente um lugar de
importância inusitada em seu país. Até perto do final do século XIX, essa condição era
satisfeita (Ibid., p. 51).

Ou seja, pela via da ideologia acadêmica da educação, forjava-se uma distinção e uma
estratificação via status social, a qual transparecia até nas categorias utilizados pelos estatísticos,
posto que em nada distinguiam diretores de banco e quitandeiros, porém percebiam com clareza a
diferença de status entre veterinários e farmacêuticos.

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NÚMERO DE ESTUDANTES NA PRÚSSIA E SUA TIPIFICAÇÃO.
Tipo de ensino
Nº de alunos %
secundário
Ginásio Clássico 84.000 63%
Realgymnasium 25.000 19%
Oberrealschule 5.000 4%
Realschulen 19.000 14%
Total 133.000 100%

O advento da máquina e das “Massas”, 1890-1918.


Entre 1870 e 1914, a Alemanha passaria por grandes transformações, passando a ser um dos
países mais industrializados da Europa, sendo que boa parte desse sucesso se deve a unificação
nacional, ocorrida em oficialmente em 1871. Isso pode ser visto claramente com as taxas de
desenvolvimento industrial, altas taxas de urbanização e a fabricação de ferro-gusa, a qual dava mais
que a produção da Inglaterra e França juntas. Uma outra peculiaridade alemã é o fato de que a
produção em larga escala por ali ter se dado conjuntamente com a expansão industrial. Nesse bojo,
surgiram poderosas ligas de industriais, da elite agrária e sindicatos proletários, além de partidos
políticos de massa, como o próprio SPD. Desta feita, era muito difícil que esses blocos do poder
econômico não participassem ou controlassem a vida política nacional. Além disso, é preciso frisar
que na situação alemã não havia qualquer tipo de legislação antitruste, além de ser pequena a oposição
frente às tarifas altas, assim as “grandes empresas financeiras tiveram um caráter semi-oficial desde
o começo e pouca coisa foi feita para estabelecer uma nítida separaão entre o poder econômico e o
poder político. Além disso, a posição constitucional do Reichstag e os hábitos políticos de Bismarck

17
encorajaram entre os partidos políticos uma concepção razoavelmente estreita de autointeresse
materiais” (Ibid., p. 56).
Com essa industrialização abrupta e uma rivalização cada vez mais proeminente na vida
política nacional, o processo de mudanças sociais na Alemanha tornou-se perturbador para aqueles
que não participavam do novo setor industrial da economia:
A antiga classe burguesa de artesãos e pequenos comerciantes foi ameaçada pelo poder
político e pela força econômica que agora poderia organizar-se contra ela. A classe alta
tradicional não produtiva, a dos funcionários públicos, dos profissionais liberais e dos
acadêmicos, foi afetada de maneira mais grava ainda, porque tinha muito mais a perder.
Durante grande parte do século XIX, desempenhara papel predominante na vida política,
social e cultural do país e agora sua liderança estava sendo realmente contestada. Esse grupo
desfrutara de grande poder político antes de 1870 e no final do século XIX havia perdido a
maior parte de sua influência: duas circunstâncias igualmente importantes e que podem ser
ilustradas pelas estatísticas (Ibid., p. 56).

Na própria representação política no Reichstag é interessante notar a progressão destas novas


categorias sociais e econômicas, as quais passam a ter uma proeminência sensivelmente maior em
detrimento de uma diminuição a olhos vistos do mandarinato em meio ao parlamente de 1848 até
1912, chegando-se mesmo a haverem proibições quanto aos funcionários públicos do governo central
participarem da vida política, algo que podemos ter em vista de acordo com os dados abaixo.

Categoria de trabalho dos deputados do parlamento alemão (1848) %


Professores universitários; acadêmicos e professores secundários 20
Funcionários da administração e judiciário 35
Advogados 17
Teólogos; ministro de igreja; médicos; funcionários municipais 13
Proprietários rurais e agricultores 5
Indústria, comércio, dos transportes e pequenos artesãos 7
Outros 3

18
Categoria de trabalho dos deputados do parlamento alemão (1912) %
Professores universitários; acadêmicos e professores secundários 3,00
Funcionários da administração e judiciário 12,00
Funcionários privados 12,00
Artesãos, empregados e operários 4,00
Jornalista e publicistas 14,00
Indústria, comércio, dos transportes e pequenos artesãos 12,00
Outros 43,00

De todo modo, as mudanças que transformaram o caráter da política alemã não eram apenas
uma questão de representação eleitoral, pois a própria natureza do processo político estava sendo
alterada, até porque a elite culta havia lançado mão de um estilo retórico específico para defender
seus interesses, recorrendo a “ideias atemporais, universais e incomensuráveis da legalidade política,
da grandeza nacional e da criatividade cultural” (Ibid., p. 58):
Sua política ‘idealista’ havia muito evitara a necessidade de um debate aberto dos interesses
conflitantes, de uma competição declarada pelos números concretos do poder econômico ou
eleitoral e de um método explícito de negociação e conciliação na tomada de decisões
importantes. O súbito advento da industrialização em larga escala mudou tudo isso, à
medida que os blocos recém-organizados de interesses sócio-econômicos ingressavam
na arena político-eleitoral para travar lutas declaradas por influência quantitativa.
Num certo sentido, portanto, foi apenas a chegada relativamente abrupta da política
moderna na Alemanha que ameaçou a posição dos antigos grupos dominantes (Ibid., p.
58-59).

Nos setores não-eletivos do governo, as classes acadêmicas conseguiram manter sua posição
com um pouco mais de sucesso. Mas, mesmo aqui, no decurso das últimas décadas do século, as
novas elites produtivas começaram a fazer sentir sua concorrência. Mesmo assim é importante notar
que havia uma forte presença dessa classe média alta cultivada em meio ao oficialato, por exemplo,
de modo que já em 1913, 40% dos oficiais ainda eram de famílias de classe média alta, como
19
acadêmicos, médicos e funcionários públicos, sendo assim poder-se-ia enfatizar mais uma vez que a
“educação superior clássica era como que um substituto da nobreza de nascimento. Mostra[ndo]
também que a competição entre a antiga e a nova elite pela influência no setor não-eletivo da vida
pública assumiu a forma, teve de assumir a forma de uma luta pelo ingresso nas camadas
superiores do sistema educacional” (RINGER, 2000, p. 59, grifos meus).
Como era de se esperar, durante a década de 1880 e mais tarde, as exigências para que
ocorressem, de sorte que uma miríade de educadores, misturando reivindicações de certo
nacionalismo cultural e um entusiasmo popular com ideias de progresso social, passaram a crítica o
sistema educacional tal qual era. Apesar disso, em meio a esse movimento renovador havia uma ala
que poderia ser identificada como democrática, formada mais por professores primários e
secundários, do que universitários, os quais alegavam que “o sistema educacional alemão estava
compartimentalizado de maneira muito rígida, utilizava métodos de ensino muito obsoletos e tinha
uma ênfase curricular muito pouco realista. Queriam que as escolas preparatórias fossem totalmente
abolidas (Ibid., p. 60).
Sugeriam um ensino básico para crianças a partir dos seis anos numa escola básica, prezando
para que escolas de nível médio e superior tivessem uma inter-relação e que o sistema, baseado em
uma ideia de escola integral, prezava pela ideia de que a especialização dos estudantes não deveria
ocorrer antes do estritamente necessário e a possibilidade de transferências sempre abertas. Corando
tudo isso, o currículo das escolas precisaria ser ajustado às condições sociais e econômicas modernas,
de sorte que a tarefa seria enriquecer a vida intelectual e estética dos homens que viviam numa era
tecnológica e não apenas em um contexto clássico, dever-se-ia até mesmo levar problemas concretos
em sala de aula, a fim de que os estudantes pudessem resolvê-los de uma forma profissionalizante.
Com isso os reformadores tinham em mira o cerne do sistema educacional alemão, sendo que seus
programas “constituíram um sério desafio àqueles aspectos do sistema escolar tradicional que
permitiam a divisão dos alemães em castas distintas de acordo com a maneira e o conteúdo de sua
educação” (Ibid., p. 61).
Essa mesma crítica a educação clássica fora encontrar guarida, de modo surpreendente em um
Guilherme II, o qual acreditava que os professores se preocupavam demais em transmitir informações
e não tinha empenho suficiente em inculcar em seus alunos uma orientação patriótica e moral
adequadas, professores que deveria se dedicar a guerra contra os social-democratas. É dessa época
também as tentativas, em boa medida frustradas, de se melhorarem as escolas secundárias modernas
existentes, chegando-se mesmo, por volta de 1908, a se conseguir que todos os diplomados em um
Realgymnasium e um Oberrealschule pudessem se inscrever em universidades alemães de sua
escolha, sem poderem fazer os exames estatais. É dessa época também o questionamento sobre a
possibilidade de o sucesso mundano poder deteriorar as instituições acadêmicas, visto que o número
20
de doutores aumentou fortemente em universidades como Halle e Göttingen e o número de plágios
grosseiros também ter estourado, havendo desde esta época um embaraço nas relações entre valores
acadêmicos e de mercado, temendo-se que os institutos virassem fábricas de pesquisa prática e
produção massiva de técnicos. Nesse período também é de destacar a existência de um aumento
sensível do número de alunos e matrículas nas universidades, levando a problemas de adaptação
frente a relação salários e honorários, cada vez mais irracional, dado que os catedráticos passavam a
ensinar cada vez menos e os professores associados, bem como os instrutores passaram a ensinar
ainda mais.
Tudo isso fez com que professores associados e instrutores passassem a sentir uma
necessidade maior de participarem da autogestão acadêmica, chegando mesmo a formar uma
associação júnior nacional para elaboração de petições às várias faculdades e mesmo ao próprio
ministro da cultura. Tudo isso acabada por revelar uma perigosa rigidez de agrupamento, bem como
uma falta de contato entre camadas cada vez menos flexíveis da hierarquia acadêmica, em uma
estruturação que colocava o poder no topo, em que instrutores e professores associados, cada um a
seu modo, deveria prestar certa obediência aos catedráticos, bem como frente a todo o corpo
estudantil, o qual acabava por ficar sob seu julgo:
Isso revela o último e talvez o mais grave efeito do aumento do número de matrículas nas
universidades alemãs antes da Primeira Guerra Mundial. Quando se estuda a literatura e a
vida acadêmica desse período, não se pode evitar a impressão de que as relações interpessoais
no seio da comunidade acadêmica não eram muito satisfatórias, seja entre estudantes e
professores, entre os membros mais jovens e mais velhos da faculdade, ou mesmo entre
colegas. Imperava uma atmosfera pouco saudável de consciência de hierarquia, de
favoritismo e de ressentimento mútuo. As guerras literárias entre as várias escolas de
pensamento eram muitas vezes bastante violentas. As discussões em torno dos limites e dos
métodos de disciplinas concorrentes levavam às vezes a lutas muito destrutivas. Fala-se de
exemplos inquietantes de prevenções pessoais, de mesquinharias e de faccionismo no exame
dos candidatos aos exames universitários principalmente a vênia legendi. Houve situações
em que os mais ardentes defensores da autogestão acadêmica inclinarem-se a saudar a
intervenção do ministérios contra os preconceitos desta ou daquela faculdade (Ibid., p. 67).

É importante frisar que neste período havia-se um visível declínio da tradição clássica no
ensino superior alemão, contando com um número cada vez maior de alunos das escolas secundárias
se formavam e continuavam os estudos, as matrículas nas universidades aumentaram mais depressa
do que a população. Indo de 78% no período de 1891-1895, para 67% no período de 1905-1906, um
declínio razoável, lembrando que se 50 milhões de habitantes mandavam 29.000 estudantes para as
universidades e 4.000 para institutos técnicos em 1890; em 1910, 65 milhões de alemães enviaram
51.000 jovens para as universidades e cerca de onze mil para os institutos técnicos. E Ringer tem uma
formulação lapidar sobre a sensação de crise em meio ao sistema universitário:
Era como se as universidades germânicas estivessem realmente por aquele processo de
desumanização que muitos professores alemães associavam ao advento da era da máquina.
A deterioração de todo o caráter da vida acadêmica foi muito lamentada entre os principais
porta-vozes do ensino superior alemão. A tragédia foi que uma sensação generalizada de crise
não se faz acompanhar de uma discussão suficientemente clara de alternativas praticáveis.
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Um apego nostálgico e rígido aos valores do passado impedia até mesmo o tipo de reformas
conservadoras que poderiam ter regatado alguns desses valores para o presente. Os ajustes
institucionais eram negligenciados em favor de queixas vagas sobre a educação de massa.
Tornou-se uma espécie de dogma a afirmação de que os problemas das universidades se
deviam basicamente ao avanço do modernismo na educação secundária, à diminuição dos
padrões das escolas não-clássicas, às invasões do território do saber puro pelo senso prático
da tecnologia e ao surgimento dentro das universidades de novos grupos sociais sem cultura.
De fato, havia uma certa dose de verdade na acusação de que “as massas” estavam invadindo
os santuários do ensino superior; mas será melhor verificar exatamente quem e o que estava
envolvido nesse processo (Ibid., p.69).

Como questão final dessa subseção é importante dizer que a composição da elite acadêmica
estava mudando cada vez mais, havendo uma entrada significativa de elementos da classe médica
baixa, mas como em qualquer outro nível da hierarquia social, eles provinham com surpreendente
frequência dos setores mais antigos da sociedade, não-econômicos – ou não industriais. Estes,
juntamente como outros setores mais progressistas da economia acabavam por terem pouco contato
com a universidade.

O período de Weimar

Ano Marco em dólar americano


1914 4,2
1919 8,9
1922 192
1923(janeiro) 17.972
1923(Julho) 353.412
1923 (Agosto) 5.000.000
1923(Novembro) 4.200.000.000

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