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1. Introdução
O presente trabalho pretende problematizar algumas questões que tem como te-
ma central as práticas humanitárias, o que a posteriori buscarei evidenciar, explicitando o
trajeto que conduziu a atual pesquisa de doutorado. Ressalto o fato que este texto terá um
caráter assumidamente ensaístico, tendo em vista que o trabalho de campo até aqui realizado foi
de caráter exploratório, pretendo, principalmente, as inquietações suscitadas até agora; alguns
encontros e desencontros suscitados no decorrer da realização do trabalho de campo, que
incidem diretamente em redesenhos da proposta inicial. Como se buscará evidenciar, a própria
centralidade do tema “humanitarismo” é uma mudança ocorrida ainda nos primeiros meses do
doutorado, quando, a convite de alguns interlocutores, acompanhei uma ação que envolveu uma
variedade de pessoas, vindas de diferentes regiões do Brasil, atuantes nas mais diversas áreas 1.
1
Ainda que as ações centrais desta ação fosse de caráter médico e odontológico.
gência para com o ser que sofre. Ter piedade de uma mulher é ser-
mos mais favorecidos do que ela, é inclinarmo-nos, baixarmo-nos até
ela. Por isso é que a palavra compaixão inspira geralmente uma certa
desconfiança; designa um sentimento considerado como de segunda or-
dem e que não tem grande coisa a ver com o amor. Amar alguém por
compaixão é de fato não amar essa pessoa. Nas línguas em que a palavra
compaixão não se forma com a raiz ''passio = sofrimento'' mas com o
substantivo ''sentimento'', a palavra é empregue mais ou menos no mesmo
sentido, mas dificilmente se pode dizer que designa um sentimento mau
ou medíocre. A força secreta da sua etimologia banha a palavra de uma
outra luz e dá-lhe um sentido mais lato: ter compaixão (co-sentimento)
é poder viver com o outro não só a sua infelicidade mas sentir tam-
bém todos os seus outros sentimentos: alegria, angústia, felicidade, dor.
Esta compaixão (no sentido de soucit, wspolrzurie, Mitgefühl, medkäns-
la) designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afetiva, ou se-
ja, a arte da telepatia das emoções. Na hierarquia dos sentimentos, é o
sentimento supremo. (KUNDERA, 2008, p. 25, destaques meus)
A verbete destacada pelo autor aparece muitas vezes como parceira inseparável
de humanitarismo, o que parece coerente com a discussão apresentada pelo médico e antropó-
logo Didier Fassin (2010), o qual – como tentarei detalhar mais a frente - identifica que a razão
humanitáriaa apresenta em seu bojo um dualismo, já que num só tempo ela fala de motivações
e sentimentos morais que conduzem a um desejo de oferecer ajuda, e sustenta uma dominação
que tem como base toda uma gramática moral sustendadora de desigualdades onde aquele que
oferece ajuda pode ser percebido – e talvez se perceber – numa lugar de superioridade em
detrimento daqueles agrupamentos a quem sua atenção é dirigida.
A inquietude provocada pelas questões acima citadas será aqui apresentada tanto
na apresentada tendo como foco o que tenho chamado de movimentos geopolíticos que os
integrantes das duas agências humanitárias brasileiras realizam. Buscando pensar tanto a
cartografia desenhada pelos interlocutores, seus agrupamentos, associações, e pistas oferecidas
a partir das motivações que embasam suas ações, e das implicações destas em cada um das
localidades em que estão agindo.
Dessa forma, vale salientar que este artigo se dividirá sem mais quatro tópicos:
um contextualização, onde buscarei apresentar não apenas as agências humanitárias que venho
acompanhando, mas os lugares em que vêm atuando, as atividades desenvolvidas e algumas
problemáticas já surgidas. Em seguida, pretendo expor o marco teórico-metodológico com o
qual venho trabalhando até agora, e por último, tentarei expor algumas questões acerca dos
conceitos desenvolvidos pelos interlocutores sobre humanitarismo, sua relação com sua
profissão de fé, e a questão de como compreendem, agem e interagem nos contextos onde se
encontram. Neste último tópico enfatizarei também os movimentos geopolíticos que puderam
ser observados.
2. Contextualização
Nesse contexto, sua atuação está voltada para a situação de crianças e adolescen-
tes residentes na Nigéria, apontadas como “crianças-bruxas3” – inseridas numa rede de relações
que envolvem suas famílias, líderes religiosos neopentecostais, a instituição da bruxaria, etc.
Uma parte têm sido assistida por instituições-abrigos sendo uma delas dirigida pelo “Caminho
das Nações” (CN), sendo esta a motivação original desta pesquisa, tendo em vista a continuida-
de temática no que dizia respeito a situação de crianças e adolescentes em abrigos.
2
O termo religioso aqui é usado de forma genérica, e precisará de um aprofundamento posterior, tendo em vista
que muitos dos integrantes deste grupo não se reconhecem assim.
3
Trata-se de crianças que, segundo integrantes do CN, são acusadas de trazerem maus agouros para suas famílias
e/ou para as vilas onde moram, seja por pastores evangélicos neopentecostais e/ou chefes das vilas. Elas são
submetidas a rituais que prometem libertá-las da bruxaria, mas que não poucas vezes findam por mata-las.
pretendida não deveria concentrar-se em uma localidade específica, mas nas ações humanitárias
advindas do que era apresentado enquanto “braços sociais” do Caminho da Graça: Caminho
Nações e SOS Religar. Este último, do qual tinha poucas informações a respeito até então, me foi
apresentado de maneira mais evidente, pela ação médico-odontológica que acompanhava em
março de 2014, no começo da fase exploratória do trabalho de campo que agora pretendo
aprofundar. Esta era, inclusive, liderada pelo então diretor do Caminho Nações, Marcelo
Quintela4.
Tais questões serão aqui perseguidas, junto a outras que aparecerão mais a frente,
assumindo o debate proposto por Latour (2012) de uma antropologia simétrica, a qual não se
propõem a legitimar hierarquias, por exemplo, entre as diferentes concepções de realidade,
cosmovisões e ontologias presentes no encontro entre o pesquisador e interlocutores. Dessa
forma, torna-se indispensável compreender a percepção que os distintos interlocutores possuem
de sua atuação, isto é, perceber que teorias constroem para embasar suas intervenções.
Como buscarei demonstrar mais a frente, isto não implica em anular os interesses
particulares do pesquisador, tornando-se refém daqueles de seus interlocutores. Ao contrário,
implica em uma busca pelo reconhecimento não hierarquizado e, portanto, não mantenedor de
desigualdades, dos diferentes interesses suscitados neste encontro de mundos possíveis do qual
fala Viveiros de Castro (CASTRO, 2002), que estaria na base de toda etnografia que se proponha
a levar sério o que dizem as pessoas e agrupamentos humanos pesquisados.
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A escolha do não uso do anonimato vem se dando por duas questões: a permissão dada pelos interlocutores até
agora contatados, e, talvez mais importante, pelo fato de suas identidades e vinculações as referidas agencias
humanitárias estarem bastante publicizadas.
apontam para movimentos geopolíticos, formas de dominação, certa forma de neocolonialismo,
de modo a compor um projeto civilizacional? Por ultimo, cabe perguntar que relações as ações
humanitárias estabelecem com uma perspectiva pretensamente universalista do que seja o
humano. Cada um desses questionamentos acima tem sido suscitado a partir, como destacado,
das pistas oferecidas pelos atores e do rastreio das associações que vão construindo suas redes
(LATOUR, 2012).
Como já exposto, tanto o Caminho Nações, como o SOS Religar são considerados
“braços sociais5” do Caminho da Graça e, apesar das referidas agências humanitárias terem
alguma autonomia em relação ao CG, é das ofertas advindas dos grupos locais – Estações do
Caminho da Graça – que sai a verba principal para as ações empreendidas; 2) A maior parte das
pessoas que participam das ações, continuas ou pontuais, fazem parte das referidas Estações; 3)
As respectivas lideranças das agências também exercem algum tipo de liderança dentro do
movimento religioso em si. São mentores e mentoras do CG e/ou supervisores, assim como
respondem hierarquicamente ao seu fundador, Caio Fabio D’Araújo Filho, que não está presente
de forma direta nestas ações, mas é sempre mencionado, seja como mentor espiritual dos grupos
e inspirador para o trabalho humanitário desenvolvido, ou mesmo como um profeta do mundo
atual.
5
Trata-se de uma categoria êmica.
indiretamente, como uma consequência de se compreenderem como seguidores de Jesus Cristo 6,
o que fulgura como algo no qual devo me deter mais profundamente.
A SOS Religar é o braço social e, por isto, mais um meio público de co-
municação, do Caminho da Graça cuja atuação é fazer frente à injustiça e
às mazelas de nossa sociedade, inseridas nas desgastadas engrenagens so-
ciais, a fim de cumprir o verdadeiro sentido da religião que é amparar,
acolher e, com isto, fazer-se a práxis da mensagem do Evangelho. Busca
coerência com o ser sal da terra (denunciando sua insipidez), mas não
sem medo de se expor (luz no candeeiro) e, com isto, anunciar a mensa-
gem do Evangelho, Jesus de Nazaré.8
Ainda que as atuações das duas agências humanitárias venham ao longo dos anos
se concentrando nas regiões supracitadas e, por consequência, venham delimitando onde se
pretende aprofundar o trabalho de campo. É importante ressaltar que recentemente este quadro
vem sofrendo sérias modificações, de modo a exigir um novo reordenamento por parte do
pesquisador acerca dos lugares onde se pretende estar no decorrer dos próximos meses e anos.
10
Fonte: http://ocaminhodagraca.blogspot.com.br/. Acessado em 14/10/2013.
11
A posteriori este termo será melhor explicado.
12
Fonte: http://www.sosreligar.com/2013/04/meus-amigos-queridos-parceiros.html Acessado em 10/11/2013
13
Termo utilizado para se referir às lideranças locais do movimento.
Tuparetama14. Trata-se de uma cidade que fica há aproximadamente 272 quilômetros da capital
pernambucana, com aproximadamente 7.925 habitantes. Dentre estes, 6.351 vivem na zona
urbana e 1.574 na zona rural, de acordo com o site IBGE Cidades 15 (2014). A atuação do SOS
Religar vem se dando tanto na sede do município como nas zonas rurais, onde seu trabalho se
mostra, até o presente momento, mais intensificado.
Foi durante o citado encontro de mentores que tomei conhecimento de outra atu-
ação permanente: o SOS Jardim Gramacho. Este nome remete a um bairro do Município de
Duque de Caxias que parece ter crescido junto ao aterro sanitário homônimo, considerado o
maior da américa latina. Ali, segundo os integrantes do SOS residem mais de 4.000 pessoas, as
quais estes se propõem a assistir16, o que inclui retirá-las do lugar em que moram, atendendo,
segundo dizem, ao desejo daquelas pessoas: “sair do lixão”.
A visibilidade que o Caminho Nações deu a esta situação pode ser percebida, por
exemplo, no livro por eles publicado já em sua segunda edição, intitulado: “Missão salvar
crianças Bruxas: diário fotográfico de uma expedição brasileira à África Ocidental”. Trata-se,
como seu próprio autor/organizador deixa bastante evidente, de uma mescla de diário de campo
e fotográfico.
14
Existem atualmente dois tipos de ações sendo desenvolvidas pelo SOS Religar: ações periódicas, como é o caso
das oficinas de arte e escultura, e as as jornadas terapêuticas (que ocorrem a cada três meses, onde são oferecidos
atendimentos ao público por voluntários com formação em psicanálise) e ações pontuais, com duração de uma
semana, ou menos, nas quais ocorrem atendimentos médicos, odontológicos, dentre outros.
15
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=261590&idtema=1&search=pernambuco|tupar
etama|censo-demografico-2010:-sinopse-
16
Durante o encontro de mentores tive a oportunidade de conversar com integrantes deste grupo, onde tive a
chance de desenvolver um grupo de discussão que durou cerca de uma hora e meia de acalorados debates. Nesse
momento pude ser melhor informado da existência de uma base de atuação já existente na localidade. “Nós
alugamos um barraco lá”, me foi dito.
A Nigéria é considerada o país mais populoso da África, com uma densidade de-
mográfica 182 hab./km², em 2012, de acordo com o site do Governo Nigeriano 17 e também o
com maior população negra. A cidade de Eket , onde atua mais diretamente o CN, fica localizada
ao sul do país, no estado de Akwa Ibon, bastante rico em petróleo. Estima-se que tenha por volta
de 30.331 habitantes. Segundo relatos de alguns interlocutores, também presentes no livro, há em
torno de 150.000 crianças rotuladas de bruxa, e submetidas a rituais de exorcismo – que por
vezes as matam – nos estados de Cross River e Akwa Ibon. Atualmente, o CN dirige um abrigo
com 30 crianças e adolescentes, segundo relatam, abandonadas por suas famílias ou, mesmo
quando estas as aceitam de volta, são os demais moradores das vilas que as rejeitam.
17
http://www.nigeria.gov.ng/index.php e http://www.suapesquisa.com/paises/nigeria/
18
Fonte: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main_frameset.php
de Dinamarqueses que desde o ano passado vem dirigindo outro abrigo para crianças acusadas
de bruxaria. Foi dito de forma clara que o trabalho por eles desenvolvido é considerado de mais
excelência. Existem outras tantas questões que envolvem esta mudança de ação, que vem
revelando, inclusive, fortes conflitos e discordâncias dentro do próprio movimento. Entretanto,
esta parece ser uma decisão final.
Levando em consideração as duas recentes informações obtidas durante o
encontro de mentores, considero razoável um redesenho do trabalho de campo a ser
desenvolvido. Tendo em vista que a proposta é acompanhar as ações humanitárias do “braços
sociais” do Caminho da Graça, considero relevante, no que diz respeito ao SOS, que o trabalho
de campo englobe também o trabalho que vem sendo desenvolvido no Rio de Janeiro.
Enquanto que, no que diz respeito ao Caminho Nações, que haja uma
concentração em Dakar, onde assumidamente os interlocutores pretendem manter a direção do
abrigo, enquanto que, com referência ao trabalho desenvolvido na Nigéria, concentrarei-me em
rastrear a trajetória que vai do começo do trabalho até o processo de transição para o grupo
dinamarquês, e as questões que entrecruzam essa mudança.
É notório, acredito, que se tratam não apenas de localidades, mas de realidades –
nacionais, regionais, econômicas e culturais – bastante distintas, o que permitirá a construção de
uma análise comparativa das ações humanitárias desenvolvidas em cada uma, considerando que
os integrantes afirmam ser “um só Espírito” que os motiva. Ressalta-se, entretanto, que tal
comparação surge não como foco central, mas enquanto do desdobramento da pesquisa. Afirmo
isso ao levar em consideração que a decisão de desenvolver uma etnografia mulsituada não é, em
si, o objetivo central deste trabalho, contudo mais uma consequência de se seguir as redes,
interações, dinâmicas e associações formadas pelos atores em seu cotidiano.
3. Marco teórico
Tomando como ponto de partida a rede de atuação das referidas agências, preten-
de-se compreender como se constroem, em cada um dos contextos, as noções de humanitarismo,
tendo em vista que, como buscarei explicitar mais a frente, tratam-se de contextos que se
diferenciam, local, regional e nacionalmente. A isto pode ser acrescentado a própria geopolítica
que faz parte de seus movimentos, sejam eles em direção ao sertão pernambucano ou aos dois
países africanos onde desenvolvem trabalhos: Nigéria e Senegal.
Pires (2010, p. 46) chama atenção para o fato de que as Ciências Sociais são pro-
duto do mundo moderno, isto é, aponta para uma busca do pensamento ocidental por uma
autonomização do pensamento religioso. Esse processo, ainda segundo o autor, foi chamado de
sciencia e passou a se constituir a partir do século XVI, estabelecendo inicialmente a separação
entre o conhecimento científico e os demais saberes. Em longo prazo, tal distinção se configurou
também na crença de que o pensamento científico fosse superior e não carregado de fetiches, ao
contrário dos demais (LATOUR, 2002)
Seguindo o exemplo de Evans-Pritchard (2005) quando afirma que a bruxaria não
lhe interessava, mas pelo fato de interessar aos azande ela ganhou tanta relevância em seu
trabalho, é possível afirmar o mesmo no que diz respeito as questões relacionadas à pratica
humanitária, e outros temas que tem entrecruzado a atual proposta de pesquisa. Isto só se tornou
perceptível a partir do momento em que pude realizar incursões iniciais ao campo 19 dito das
questões sobre humanitarismo e de outras a ele relacionadas. Desde a forma como são definidas
os grupos – SOS RELIGAR e Caminho Nações – até aquilo que é dito por diversos interlocuto-
res, este tema não pode ser observado de maneira marginal.
Dessa forma, um dos desafios postos está ligado exatamente em como tratar desse
tema, dialogando com autores com perspectivas tão críticas e ao mesmo tempo levar a sério o
que é dito no “campo”. Tentarei explicar isto, que soa ainda como um dilema que talvez perdure
por toda a pesquisa, a partir do que diz Didier Fassin (2010) sobre o que chama de razão
humanitária.
Neste sentido, cabe chamar a atenção que um dos conceitos que tem trazido gran-
de inquietação para as reflexões aqui propostas é o de compaixão repressiva, trabalhado pelo
médico e antropólogo Didier Fassin (2010). O autor observa a relação entre a chamada razão
humanitária e formas de dominação política, local e nacional, que impõem aos povos ajudados
um modelo de vida.
Ainda que a presente pesquisa venha tomando caminhos novos – por vezes assus-
tadores – dos já percorridos, é possível perceber que há alguns pontos convergentes que marcam
a trajetória seguida até aqui. Anteriormente ao trabalhar com conceitos como cidadania,
dignidade direitos humanos (RODRIGUES Jr, 2010), buscou-se problematizar que estes
princípios servem como parte do alicerce do dito “mundo ocidental”, tendo em comum o fato de
que mesmo que trabalhem com o reconhecimento de diversidades e fluxos culturais, partem de
um pressuposto: a universalidade e unidade da humanidade.
Humanidade, nesse caso, que deixa de ser compreendida enquanto um conceito,
uma concepção da realidade, sendo, por vezes, pensada como parte de uma noção de natureza
algo universal e/ou imutável. Isto parece ser uma das práticas que denunciam um fetichismo
moderno, como chama a atenção Bruno Latour (2002), quando mostra que o fetichismo moderno
está alicerçado, dentre outras coisas, em alimentar a forma de existir do outro como fetichista,
language de setiments moraux alors même que l’on met em oeuvre de programmes qui accroissent le inégalites
sociales, des mesures que fragilisent les populations immigrées ou des opérations militataires don les buts sont
essentiellement geoestratégiques – pour s’en ternir aux exemples évoques. La language de l’hunanitaire ne serait
dès lors qu’une duperie jouant sur la sentimentalité pour imposer la loi dum arché et de la ReakPolitik.
isto é, falso, ilusório, em detrimento do seu próprio modo de compreender a existência,
considerado como não fetichista. “Como definir um antifetichista? É aquele que acuas um outro
de ser fetichista.”(LATOUR, 2002, p. 26). Sempre o outro, nunca a si e aos seus.
Baseado neste pensamento, é possível considerar que isto forma alicerça a natura-
lização de conceitos não considerados enquanto concepções do real dentre tantas possíveis,
advindos de uma determinada cosmovisão na qual está calcada, neste caso, a modernidade, sua
concepção de indivíduo, o próprio expansionismo do capitalismo e, como não dizer, das ajudas
humanitárias.
Um paradoxo, a este respeito deve ser realçado. Por um lado, os senti-
mentos morais visam principalmente indivíduos mais pobres, mais infeli-
zes, mais frágeis, ou seja, uma política de compaixão é uma política de
desigualdade. Por outro lado, os sentimentos morais geralmente têm a
condição de possibilidade do reconhecimento do outro como semelhante,
em outras palavras, a política de compaixão é uma política de solidarie-
dade. Esta tensão entre Desigualdade e solidariedade entre relação de
dominação e relacionamento é constitutiva de todo governo humanitário
(...)21.
21
Une paradoxe doit à cet égard être souligné. D'un côté, les sentiments moraux visen principalment des individus
plus pauvres, plus malheureux, plus fragiles, autrement dit a la politique de la compassion est une politique de
l'inegalité. De l'autre, le sentiments moraux ont generalement pour condition de possibilité la reconnaissance des
autres comme semblables, en d'autres termes la politique de la caompassion est une politique de la solidarité. Cette
tension entre inegalité et solidarité, entre relation de domination e relation d'entred, est constitutive de tout
governement humanitaire (FASSIN, 2010, p. 10)
Neste contexto é importante ressaltar que os agentes humanitários, especialmen-
te os que ocupam um papel de liderança nos casos aqui investigados, não pertencem aos lugares
onde atuam, sendo possível, assim, perceber todo um movimento geopolítico que inclui o fluxo
de pessoas de capitais para o sertão pernambucano; Sudeste para o Nordeste; Brasil para países
africanos. Além disso, é possível se perceber um movimento que diz respeito a detenção de
determinados capitais culturais, sociais ou mesmo econômicos que pode reforçar toda uma
gramática moral daqueles que oferecem a ajuda humanitária, em detrimento daquelas
compartilhadas por aqueles a quem se propõem a ajudar.
Não se trata de afirmar o exercício de qualquer tipo de dominação nas ações hu-
manitárias implementadas, mas de compreender, a luz tanto das discussões já existentes, como
das perspectivas dos interlocutores, a forma como vem se dando as possíveis tensões e
negociações advindas de seu trabalho, compreendendo que há múltiplas moralidades,
compreensões, cosmologias e ontologias em jogo.
Como já destacado as ações das agencias humanitárias que aqui interessa acom-
panhar são realidades distintas. Tratam-se de diferentes regiões de três diferentes Estados-Nação.
Isto implica em uma diversidade de questões ainda por serem analisadas, que vão desde a
inserção em cada um desses contextos; as pessoas acionadas para os realizarem; as localidades
de ondem vêm e partem. Cada uma dessas questões trás a tona uma pergunta, dentre tantas
outras: Como as concepções de humanitarismo compartilhadas pelos integrantes das referidas
agências são construídas a partir do seu contato com realidades nacionais, políticas, históricas e
culturais por vezes tão díspares daquelas por eles partilhadas?
Tal questionamento conduziu-me para um terceiro marco teórico e que tem nas
discussão de Phelipe Descola acerca das diferentes ontologias, seu ponto de partida. Se este autor
nos chama a atenção, no que se convencionou chamar de “virada ontológica”, para o fato de que
diferentes ontologias constroem diferentes formas de construir realidades (DESCOLA, 2005),
apontando para a não universalidade da tão recente noção divisão entre natureza e cultura. Isto
possibilita pensar que a própria ideia de humano não pode ser pensada de maneira universal, mas
a partir das distintas ontologias. Sobre o modus operandi da modernidade, construído dentro de
uma cosmologia específica Philpe Descolla destaca:
Os princípios que regem essa cosmologia são simples, tão simples em sua
evidência que tendemos a acreditar nelas como universais: as fronteiras e
as propriedades das coletividades humanas são derivadas da divisão fun-
damental que pode ser extraída entre humanos o não-humanos; em outras
palavras, na linguagem da modernidade, a cultura desenha suas especifi-
cidades de sua diferença diferencia da própria natureza: é tudo o que a
outra não é. Em termos antropológicos, chamamos isto de antropocen-
trismo (DESCOLA, 2005, p.94 )22.
22
Original: Los principios que rigen semejante cosmologia son simples, tan simples en su luminosa evidencia que
tendemos a creerlos universais: las fronteras y las propriedades de la coletividades de humanosson derivadas de la
division fundamental que puede ser trazada entre humanos y no humanos; dicho de otro modo, en el lenguage de
la modernidad, la cultura extrae sus expecificaciones de sudiferecia con la natureza: es todo aquello que a otra no
es. En terminos antropológicos, lamaremos isto de antropocentrismo. (DESCOLA, 2005, p.94)
23
Sobre este tema em específico tenho iniciado a partir das discussões propostas por Charles Taylor (2014).
24
Estes temas são apontados aqui como questões também suscitadas no trabalho de campo. Alguns dos quais estão
diretamente relacionados as ações humanitárias – como Estado, Religião e Secularismo. Outros temas tem
aparecido como relevantes, mas sobre os quais ainda não me debrucei: a) Na relação entre agentes humanitários e
populações/pessoas assistidas: classes sociais e desigualdades (BOLTANSKI, 1979); b) contrastes socioculturais e
distinção (BOURDIEU, 2007); c) estigma: (GOFFMAN, 2013; ELIAS, SCOTSON, 2000)
te apresentar como, o SOS e o Caminho Nações foram surgindo. Como os leitores podem ter
percebido, a prática humanitária dos “braços sociais” do Caminho da Graça está diretamente
relacionada com as crenças que têm, isto é, a fé de muitos de seus integrantes na figura de Jesus
Cristo.
4. Humanitarismo em nome do “Reino”: deslocamentos, motivações e dis-
posições a partir do Caminho da Graça
Começo esse tópico com uma citação do sociólogo e antropólogo Bruno Latour na
intenção de adentrar duas discussões: a escolha por desenvolver uma etnografia simétrica, no
sentido proposto pelo autor, e rica discussão sobre o se levar a sério o que falam nossos
interlocutores. Dito isto, é importante afirmar que não se trata de defender pesquisas que
legitimem, ou não, aquilo que é dito e feito pelos interlocutores. Nesse aspecto há total
concordância com a perspectiva de Ruth Cardoso (1986) quando chama a atenção para o fato de
que mesmo que o antropólogo faça parte do grupo pesquisado25, ele precisa assumir outro olhar
que não de um membro. Trata-se de um exercício de estranhar o familiar, como bem destacou
Gilberto Velho (1978).
Ainda em relação a citação inicial é importante destacar que compreende-se
por etnografia simétrica, fazendo uso metafórico do provérbio, a exemplo de Latour, o exercício
de não se olhar apenas para o dedo, mão, etc., mas também para a Lua. Com isto quero dizer que
se pretende compreender os significados que os interlocutores dão àquilo que fazem, fugindo da
tentação de dizer aquilo que se pensa que eles pensam (CASTRO, 2002).
Diante de análises tão críticas acerca deste tema é possível levar a sério a defesa
que meus interlocutores já demonstram fazer do seu tipo de humanitarismo? É possível -
25
Não se trata exatamente da minha situação, mas como será explicitado no tópico seguinte, mantenho com muitos
integrantes do Caminho da Graça – e das agências humanitárias em questão – relações de amizade, e
identificações tanto em alguns temas religiosos como, e especialmente, de trajetória biográfica.
retomando ao provérbio citado por Latour – olhar para a Lua quando é para ela que os interlocu-
tores apontam, ou para a crença que se tem, no caso da presente pesquisa, de que o humanitaris-
mo praticado não reproduz desigualdades?
26
Gostaria de deixar claro que não qualquer pretensão em considerar as discussões aqui propostas como
definitivas, tendo em vista que o trabalho de campo realizado possui caráter estritamente exploratório.
Hoje um agente humanitário é aquele que se ocupa na questão humanitá-
ria, e é o que eu pretendo fazer nesse ano de 2010, estar quase que inte-
gralmente dedicado as questões humanitárias. O que eu chamo de huma-
nitarismo é no seu puro sentido de pensar no humano, de tentar manter
aquilo que eu acredito essencial para o ser humano que é a sua liberdade
e emancipação. Ai eu já respondo pra você que a isso eu acredito no que
o Evangelho ensina e o que o Evangelho ensina nos conduz naturalmente
a essa emancipação. Jesus de Nazaré ele sempre perguntava se você quer
ser curado, e uma vez que o indivíduo confirmasse ele dava a liberdade
daquela pessoa ir. Ele não chamava para segui-lo, ele só chamava a quem
ele quis chamar, que não passaram de 12 pessoas, mas ao demais ele in-
clusive incentivava que voltassem aos seus ciclos sociais ou que cumpris-
sem os ritos religiosos de ir até os sacerdotes para apresentar a oferta.
Mas ele sempre provocava a emancipação, o crescimento da individuali-
dade. E isso eu já respondo o que diz respeito a como eu penso a questão
humanitária a partir da minha fé, sendo cristão. E em terceiro lugar você
me pergunta essa questão do humanitarismo sendo praticado sem as
amarras da dependência. Então, esse fenômeno de dependência a gente
não tem como não recorrer a questão política, a esfera política. Especial-
mente o que o Estado, o Estado patrimonialista é capaz de produzir seres
que não conseguem ir além (20/01/2015, Fernando Lima).
27
Vale dizer que não se defende que isso possa ser feito sempre, mas que, a depender da relação do pesquisador
com seus interlocutores, isto poderá ser realizado.
Gilson Rodrigues Jr. - Dentre várias questões com as quais eu venho me deparando
agora, inclusive provocada por antropólogos, uma vem me chamando a atenção. A ideia
de que a ação humanitária está baseada numa hierarquia entre quem ajuda e quem é aju-
dado. E ai eu te pergunto o seguinte: Ele vai falando que a compaixão... eu nem sei se
você concorda com esse termo...
A - Eu acho que isso é uma coisa inevitável. Por que? O que eu fa-
ria, então? Eu tenho uma pessoa necessitada. Se eu for ajuda-la, eu
estou me sentindo superior a ela, então eu não vou ajuda-la... Então
eu a deixo daquele jeito, mesmo, para que eu não me sinta superior
a ela. Eu creio que tenha que haver da parte das duas pessoas E,
nesse caso, principalmente do ajudador, o espírito correto, que é
espírito do Evangelho, que não é de superioridade. Eu ajudo, mas
não para exercer controle. Eu ajudo, mas não para humilhar com a
minha ajuda. Eu ajudo não para impor posições e dizer: “eu só te
ajudo se você fizer tal coisa. Eu só te ajudo se você vier frequentar
minha reunião aqui.”. Ou seja, é você fazer da ajuda humanitária
uma forma de opressão. Não havendo esse desejo, esse sentimento
e essa busca eu creio que é uma cosia natural. Há uma necessidade,
alguém precisa ser ajudado. Eu creio que a parte ajudadora ela vai
demonstrar não haver desejo de opressão quando a ajuda dela não é
para manter a situação ruim do outro, mas sim tirá-lo dela. Ou seja,
é o paternalismo que ajuda, mas não quer que a pessoa mude a si-
tuação. Ele tem de manter lá, pra eu continuar ajudando. Pra eu
continuar sendo aplaudido e pra eu continuar mantendo o controle.
Agora, quando a minha ajuda é: você tá nessa situação. Eu te ajudo
sem pressão, sem exigir controle, sem nenhum tipo de sentimento
superior, eu vou buscar nessa pessoa algo que a ajude a sair daque-
la situação para que ela se torne livre, independente, autossustentá-
vel. Então eu acho que acaba sendo uma discussão até tola de dizer
“a ajuda é a manutenção da opressão”. Não, eu não acho! Eu acho
que a ajuda paternalista é a manutenção da opressão. A ajuda ho-
nesta que tem o objetivo não somente de atender a necessidade
emergente, mas de tirar a pessoa daquela situação, isso não é
opressão.
O trecho acima faz parte de uma conversa realizada com uma das lideranças naci-
onais do Caminho da Graça, Adaílton28, que compõem também o colegiado recentemente
formado para dirigir a atuação do Caminho das Nações, tanto na Nigéria, como no Senegal. Foi
também ele quem anunciou a mudança do trabalho no mesmo país. Em defesa dessa decisão ele
sintetizou uma série de questões acerca da compreensão que tinha entre a diferença de pregar o
Evangelho e fazer “serviço social”.
28
Entrevista realizada durante o encontro de mentores, no dia 05/06/2015.
Jesus Cristo, quando ele nos falou sobre a pregação do Evangelho, ele
disse para nós pregarmos o Evangelho em alto e bom som no mundo todo
“ide e pregai”, falem para as pessoas, contem, anunciem a salvação.
Quanto a solidariedade, quanto ao serviço social, quanto as ofertas, as
esmolas, ele disse: “não saiba a tua esquerda o que fez a tua direita”.
Quanto ao Evangelho anunciem, preguem, divulguem, proclamem...
Quanto a ação social, calem-se, apenas façam. Faça tudo o que puder fa-
zer, atendam a todos os necessitados, cuidem dos feridos, mas não saiba a
esquerda a que fez a direita (...). Embora não tenha nenhum tipo de receio
quanto a proclamação clara, aberta e inequívoca do Evangelho, pois o
Evangelho onde chega, se chega como Evangelho, muda as estruturas da
sociedade. Não muda apenas o coração, muda as ações da pessoa na soci-
edade. Faz dela um melhor cidadão, mais responsável, mais envolvido
com a ajuda ao próximo na busca de seu sustento, e tantas outras coisas
que vão sendo alteradas, moldadas, mudadas, transformadas no coração
de quem recebe o Evangelho .
Apenas com essa fala inicial já se pôde perceber no salão – onde acontecia o
já mencionado Encontro Nacional de Mentores do Caminho da Graça – uma inquietação em
várias pessoas que ali estavam. Houve diversos questionamentos acerca do que seria feito com o
trabalho; as doações/ofertas enviadas; o destino das crianças; e que tipo de parceria se pretendia
fazer com o grupo dinamarquês, que desde o ano passado fundara e dirigia um abrigo também
para “crianças estigmatizadas”. Dentre outras coisas, como destacarei em outro trecho de sua
fala, ele argumentou que a intenção inicial do trabalho na Nigéria nunca fora dirigir um abrigo
para crianças bruxificadas, pois isto era a consequência da deturpação do Evangelho naquela
região. O trabalho que haviam ido ali fazer era combater a causa, isto é, confrontar igrejas
evangélicas e seus pastores e pastoras acerca do que estavam fazendo ali.
Não haverá espaço aqui para analisar pormenorizadamente a fala acima, mas ela
contribui aqui, espera-se, tanto para expor um modo de pensar compartilhado com muitos
integrantes do Caminho da Graça, mas também para destacar que tal fala, assim como tudo que
foi anunciado junto com ela, não representa um consenso dentro do próprio movimento, muito
menos entre aqueles mais diretamente envolvidos com as práticas humanitárias. Uma das
questões que divide opiniões nesse contexto é seguinte: tal como Adailton, muitos cristãos
acreditam na separação entre a pregação do evangelho e a realização de “causas sociais”.
29
Ao ouvir de muitos interlocutores que a causa humanitária é, em si, pregar o Evangelho, logo relacionei com o
mencionado conceito católico. “[...]impõe-se a necessidade de uma prévia evangelização implícita, alicerçada em
um falar de Deus sem falar, a exemplo de seu próprio modo discreto e silencioso de comtmicar-se.”( Perspect.
Teol., Belo Horizonte, Ano 45, Número 125, p. 83-106, Jan./Abr. 2013, p. 87).Fonte:
http://www.faje.edu.br/periodicos2/index.php/perspectiva/article/viewFile/2832/2983
Cracolândia. (...) O Senhor viveu na terra fazendo o bem. Os irmãos
primeiros eram conhecidos porque faziam o bem. Fazer o bem é uma res-
posta amorosa que eu dou a um Deus amoroso. O único jeito de eu dizer
que amo a Deus e deixar Deus feliz é dizer que amo você.
A mesma questão pode ser percebida na fala de Ana D’Araujo, supervisora nacio-
nal do Caminho da Graça, e coordenadora do SOS Religar e irmã do Caio Fábio. Ao explicar
alguma das diferenças básicas entre o SOS Religar e o Caminho Nações, ela explicita também
sua compreensão de Evangelho e de trabalho humanitário.
Ainda que seja possível perceber choques entre as visões, há uma categoria presente em
diversas falas, e que diz respeito a noção de “consciência”: “gerar consciência”, “transformar a
consciência” ou “alcançar uma nova consciência”. Algo semelhante pôde ser percebido no grupo de
discussão que tive a chance de realizar com alguns dos integrantes do SOS RELIGAR Jardim Gramacho.
Enquanto conversávamos, ao todo seis pessoas, ao redor de uma mesa, enquanto jantávamos31, eles iam
explicando tanto a sua participação no Caminho da Graça – tendo em comum o fato de que haviam feito
30
Depoimento enviado via áudio de watszap, aplicativo para celulares.
31
Também durante o Encontro de Mentores.
parte de alguma denominação evangélica32, destacando como essa “nova consciência do Evangelho”
gerou neles uma identificação com as pessoas que padeciam de assistência.
O Jesus que vive em mim, me leva praquele lugar. Ele se apaixona por
aquelas pessoas. Da mesma maneira de como Ele fez há dois mil anos
atrás, quando ele teve aqui... Ele, que vive em mim, me leva para aquele
bendito lugar, faz eu me apaixonar por aquelas pessoas, e de alguma ma-
neira, faz com que a minha vida seja identificada com a delas. (João Mar-
cos, 06/06/2015)
Durante o mesmo grupo de discussão, outro integrante fala de forma mais explicita
entre a relação que ele percebe como o Caminho da Graça provocou esse olhar nele, e nos demais
integrantes.
32
Característica predominante entre os membros do movimento Caminho da Graça
Algo semelhante vêm acontecendo em Jardim, Gramacho, onde, apesar das pessoas resi-
direm na Baixada Fluminense, suas histórias de vida passam, em geral, bastante longe da realidade
experienciada por aqueles a quem se propõe a ajudar. Seguindo este mesmo caminho reflexivo, percebe-
se que os trabalhos desenvolvidos pelo CN no continente africano é formado e/ou dirigido por Brasileiros
que moram no sudeste do Brasil. Como foram escolhidos esses lugares? Qual a integração entre as
pessoas nativas dos lugares atendidos?
Tratam-se de pessoas que atravessam estados, ou mesmo um oceano para chegarem aos
seus locais de atuação. Cada uma delas busca contribuir com as ações desenvolvidas não tanto financei-
ramente, mas com atividades com as quais trabalhem. Exemplo disso são as oficinas de arte/desejo
dirigidas por João David, ou o trabalho de Dança desenvolvido com Cintia Savoli, ou mesmo os
atendimentos psicanalíticos que já foram ali realizados. Ainda que de forma conjectural, é possível pensar
que cada uma das atividades desenvolvidas visa gerar determinada “consciência” nas pessoas.
Longe de dar essa discussão por esgotada, entendo que na fala acima, ao assumir a
“falta de amor” realça ainda mais as questões concernentes a dualidade que reside no hu-
manitarismo. A fala acima se aproxima bastante daquilo dito por Adailton anteriormente.
Pode-se perceber ai uma relação entre manutenção de desigualdades e falta de amor. Entre-
tanto, ainda que se admita essa dualidade, compreende-se a ação humanitária como cum-
primento do chamado de Jesus Cristo, através do despertar de consciências.
Espera-se rastrear a rede de atuação dos interlocutores, de modo a aprofundarem-se
as reflexões acerca dessas problemáticas, em especial no que diz respeito ao acompanha-
mento cotidiano das ações humanitárias nas regiões aonde vêm se desenvolvendo, buscan-
do perceber suas implicações, negociações e possíveis resistências existentes entre outros
tantos atores que tecem a rede ainda por ser rastreada.
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