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JOTA

O futuro do Direito
1ª edição
2017
Copyright © 2017 por JOTA

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CAPA, REVISÃO E DIAGRAMAÇÃO


Equipe Cia do eBook

ISBN
978-85-5585-092-9

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SUMÁRIO

Capa
Espelho

Página de créditos

Prefácio: A revolução no mundo de Cícero

Apresentação
Primeira parte: Cenário

Advocacia 2.0: como advogar no século XXI

ELI, o robô assistente de advogado

Brasil, o país dos bacharéis “doutores”

Uma crítica ao estudo esquematizado do Direito


Formado em Direito? Veja 23 carreiras possíveis

“Jovens bacharéis não são ensinados a cobrar honorários”

10 livros para quem deseja trabalhar com arbitragem

“Advogado corporativo deve ter interesse genuíno por negócios”


Segunda parte: Transição

Análise Econômica do Direito chega aos tribunais do país


Carta a um jovem pesquisador do Direito

Por uma ciência do Direito mais apropriada


Para viabilizar mais adoções, deputado propõe mudanças na destituição do poder familiar

Carta a um jovem advogado especialista em Direito Digital


Inteligência Artificial como ferramenta anticorrupção
Faculdades de Direito oferecem disciplinas em inglês

Terceira parte: Empreendedorismo


Mercado jurídico saturado? Empreender pode ser a solução

Inovação Digital – cases do futuro do Direito


Advogados não serão substituídos pela tecnologia

Empreendedorismo e Direito
Fundo de Investimento de Advogados em LawTechs

Inovação e a velha crise do ensino jurídico


Prefácio: A revolução no mundo de Cícero
Por Oscar Vilhena
Diretor da FGV Direito SP. É formado em Direito pela PUC-SP, doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Oxford

A
dvogados, juízes e outros operadores do Direito somos habilitados a ouvir relatos e dar a eles
um sentido jurídico. Transformamos o desejo de um empreendedor em um contrato, o
sentimento de injustiça em uma ação judicial, uma disputa comercial em uma arbitragem e
um crime em uma sentença. Desde Cícero, nos retratamos como artífices da interpretação e aplicação
das leis de um país.
Essa realidade, no entanto, vem sendo rapidamente transformada, por diversos fenômenos externos
e internos ao próprio Direito, com forte impacto sobre a profissão jurídica, assim como sobre o ensino e
a pesquisa em Direito. A globalização, a aplicação de novas tecnologias de informação são os
fenômenos externos ao Direito que mais obviamente estão impondo uma reformulação do modo como
se pensa e se aplica o Direito.
Mais do que isso, a função do Direito e sua estrutura interna também vêm se transformando
profundamente no último século. Se no passado o Direito tinha como função essencial a estabilização
de expectativas, por intermédio da aplicação de regras e precedentes previamente estabelecidos, no
mundo contemporâneo o Direito passou a ser utilizado de forma cada vez mais corriqueira como
instrumento de transformação e conformação da vida social, cumprindo aos seus profissionais responder
e colaborar para a solução de problemas complexos que afligem a sociedade. Ao acumular mais essa
função, o Direito necessariamente foi se desformalizando, como já alertava Max Weber, no início do
século XX. Ao adquirir uma natureza cada vez mais instrumental, o Direito passou a se relacionar de
forma mais intensa com outras disciplina que lhe fazem fronteira, como a Economia, a Sociologia, a
Administração, e a própria Filosofia, posto que seus profissionais são constantemente convocados não
apenas para dizer se um comportamento é legal ou ilegal, se uma lei ou um contrato são válidos ou
inválidos, mas também para opinar sobre o impacto econômico de um determinado modelo contratual,
ou sobre as consequências sociais de uma determinada política pública.
O Direito, porém, não se tornou mais complexo pela ampliação funcional de sua tarefa, mas
também por não ser mais contido pelas fronteiras de um Estado. Evidente que sempre houve Direito
Internacional ou a relação jurídica entre o Direito de múltiplas jurisdições. Os Direitos Romanos e
Medievais dão inúmeros exemplos tanto de um Direito cosmopolita, como a necessidade de se articular
inúmeras jurisdições. Nada se compara, no entanto, com o grau de interação e interconexão que permeia
as relações jurídicas contemporâneas.
O que há de comum na criação de um novo banco de desenvolvimento pelos BRICS; na
construção de imensas usinas hidroelétricas na Turquia ou no Brasil, que contam com investimentos
estrangeiros e atuação de consórcios internacionais na sua efetivação; na abertura de capital de uma
empresa que atua em múltiplos mercados; no fluxo anual de mais de US$ 1,5 trilhões em investimentos
estrangeiros diretos; no combate à corrupção e ao crime organizado, que inclui lavagem de dinheiro ou
remessa de capital para paraísos fiscais; no turismo sexual no sudoeste asiático ou no Nordeste
brasileiro que envolve tráfico de pessoas e a concorrência de agentes em múltiplas jurisdições; ou ainda
a constante ameaça à privacidade de bilhões de pessoas ao redor do mundo, ao se propor a criação de
uma porta de acesso para que os agentes de aplicação da lei possam interceptar a comunicação efetivada
por intermédio de aplicativos?
A resposta pode parecer simples: todos são eventos com uma dimensão jurídica cada vez mais
complexa, globalizada e interligada a outras áreas de conhecimento. O complicado é que o
enfrentamento desses e outros problemas envolvem uma infinidade de regras e práticas jurídicas que
não se encontram confinadas numa única jurisdição, exigindo daqueles que operam o Direito um
conhecimento para o qual não foram necessariamente preparados. Para professores de escolas de
Direito, o desafio é como melhor educar uma nova geração de juristas para um mundo completamente
distinto daquele mais paroquial, ordenado e analógico em que foram formados? Partilho com o leitor
algumas das ideias que me pareceram mais instigantes.
A onipresença do Direito nas diversas esferas de nossa vida tem exigido de outros profissionais,
como administradores, contadores, economistas e mesmo médicos e cientistas, um conhecimento cada
vez mais sólido do Direito aplicável às suas esferas de atuação. Por outro lado, para que sejam
minimamente capazes de atuar, advogados precisam ampliar seus conhecimentos sobre tecnologia,
gestão, economia, etc. Nesse sentido, escolas de Direito precisam se abrir para outras disciplinas e, ao
mesmo tempo, serem mais ambiciosas para treinar profissionais de outras áreas.
Um segundo ponto refere-se à necessidade de internacionalização do ensino e pesquisa. Muito
embora hoje mais de 50% do PIB mundial esteja sendo produzido nos países em desenvolvimento,
cerca de 90% do mercado internacional de advocacia é controlado por firmas inglesas e norte-
americanas. O sucesso anglo-saxão não tem um significado apenas econômico para Wall Street ou a
City Londrina, mas também reflete uma desproporcional influência institucional desses dois países na
economia internacional. Os países que não contarem com uma inteligência jurídica cosmopolita e
instituições sofisticadas se transformarão em meros clientes.
Uma terceira questão é a necessidade de conferir ao aluno o protagonismo do processo de
aprendizagem. Dada a velocidade das mudanças, não mais se pode imaginar que um ensino focado na
transferência de conhecimento do professor para o aluno seja suficiente. O que devemos promover são
habilidades analíticas, criatividade e sólidos conhecimentos sobre os princípios que regem o Direito.
Mais do que o treinamento de “operadores do Direito”, devemos ter a ambição de formar “arquitetos
jurídicos”, capazes de forjar inovadoras soluções jurídicas para problemas complexos.
Para além da globalização uma outra dimensão a desafiar aqueles que praticam, pesquisam e
ensinam Direito é lidar com as diversas tecnologias de processamento de dados, comunicação e mesmo
inteligência artificial que, se demoraram mais para chegar ao campo do Direito, hoje constituem uma
realidade inelutável.
Se a aplicação das tecnologias de processamento e comunicação de dados provocou um avanço
incremental na profissão, permitindo que todos pudéssemos fazer muito mais coisas em muito menos
tempo, com a chegada do big-data e da inteligência artificial aplicadas ao Direito, as inovações
prometem ser disruptivas e não simplesmente incrementais. A capacidade de analisar bilhões de
informações e, sobretudo, de estabelecer conexões lógicas entre elas, como prenunciada pelo programa
Watson, da IBM, sugere que grande parte do trabalho mecânico dos operadores do Direito pode ser
brevemente assimilado por entes tecnológicos (robôs e softwares). Esse, pelo menos, é o prognóstico
de recente relatório publicado pela International Bar Association.
A mudança que já começa a ser percebida é profunda e os segmentos que não forem capazes de se
adaptar terão dificuldade em sobreviver. Do lado dos escritórios, os serviços sob medida,
cautelosamente elaborados para um cliente fidelizado, vêm sendo pressionados por produtos e serviços
jurídicos estandardizados, empacotados e oferecidos como commodities, não necessariamente por
escritórios de advocacia. Consultorias, empresas de contabilidade ou startups, criadas por jovens com
múltiplos saberes, pressionam o mercado tradicional. Se a regulação da profissão por muito tempo foi
capaz de assegurar o monopólio da prestação dos serviços jurídicos nas mãos dos profissionais do
Direito, essa barreira regulatória tende a se tornar cada vez mais ineficiente para conter serviços de
natureza jurídica oferecidos por profissionais de outras áreas.
Mesmo do lado das agências públicas de aplicação da lei, o emprego das novas tecnologias, tende
a gerar não apenas mais velocidade, como também mais transparência e, eventualmente, menos
arbitrariedade por parte das autoridades. Da lavratura de multas, sem qualquer intermediação humana,
ao ingresso num país tendo apenas os olhos biometricamente escaneados, ficam reduzidas as
oportunidades para pequenos arbítrios e ineficiências burocráticas. Se ainda não há máquinas julgando,
e nem seria desejável que houvesse, já é possível discernir e agregar casos, para que recebam tratamento
mais efetivo e isonômico. Há hoje experiências promissoras na Advocacia-Geral da União que
ampliarão em muito a eficiência da proteção do interesse público em campos como o Direito Tributário,
Previdenciário e mesmo as contratações públicas.
Evidente que há o lado altamente sombrio dessa revolução. Um primeiro aspecto é o
desproporcional aumento na capacidade do Estado de imiscuir-se na vida privada e assim ampliar sua
disposição de controle e coerção sobre nossas vidas, da qual precisamos aprender a nos defender. A
tecnologia também terá um efeito desagregador da profissão, ainda mais num país que permite a criação
de um número exorbitante de escolas de Direito, que diplomam milhares de jovens bacharéis
inabilitados para operar nesse novo mundo.
A revolução tecnológica já tem provocado e irá provocar mudanças ainda mais drásticas no modo
como aprendemos e ensinamos Direito. Nossas salas precisam ser transformadas em experiências
pedagógicas que fortaleçam as capacidades analíticas, os conhecimentos sobre os fundamentos do
Direito e as habilidades para solucionar e negociar problemas complexos, essenciais ao jurista. De outro
lado, necessitamos estreitar o diálogo com diversos campos de conhecimento, como tecnologia,
neurociência, economia e gestão.
Há, por fim, uma preocupação com o próprio sentido da educação jurídica nos dias de hoje. A
promessa de polpudas recompensas financeiras seduz um grande número de jovens não necessariamente
vocacionados para a profissão. O risco é que muitas escolas de Direito, mesmo as de ponta, se tornem
existencial e politicamente estéreis, contribuindo para a formação de advogados céticos que pouco
contribuam para o bem da comunidade. A receita parece ser estimular programas como clínicas de
interesse público, que favoreçam a cooperação e um maior compromisso com a sociedade e os valores
da justiça, que se encontram no cerne da profissão desde os tempos de Cícero.
Ao hospedar esse debate multidimensional o JOTA contribui para que profissionais e educadores
jurídicos possam ter uma compreensão mais adequada de seus desafios, assim como melhor se
qualificar para atuar não apenas num mundo em rápida transformação, mas também a partir de um
Direito que vem assumindo responsabilidades que são cada vez mais amplas e que, portanto, impõe
novas habilidades e saberes àqueles que se aventuram nesse Direito do futuro.
Apresentação

O trabalho jurídico da maneira como era praticado no início desta década está com os dias contados.
Softwares já escrevem petições simples. Um robô-advogado é capaz de consultar 200 milhões de
páginas em segundos. Uma tecnologia, desenvolvida por um banco, analisa acordos de empréstimo
comercial que tomavam 360 mil horas por ano dos advogados da instituição.
Enquanto isso, no país onde há mais de um milhão de advogados e em que 850 mil estudantes
buscam o diploma de bacharel, os cinco livros jurídicos mais vendidos no primeiro semestre de 2017
foram Vade Mecums. A letra e a interpretação da lei sempre serão essenciais para o trabalho jurídico,
mas não são mais os únicos elementos necessários. Estudantes e as próprias universidades precisam se
adaptar.
Em outubro de 2016, o JOTA criou a editoria Carreira, apoiada pelo Itaú, com a missão de
promover debates que auxiliem os leitores que estão ingressando no mercado a tomar boas decisões
profissionais.
O e-book O Futuro do Direito, que você lê agora em sua tela – provavelmente portátil – traz uma
compilação das melhores reportagens sobre o tema publicadas ao longo do último ano, além de artigos
inéditos.
Apesar de todas as novidades, os advogados e demais operadores do Direito evidentemente não
desaparecerão. Mas, provavelmente, terão atribuições distintas das que exercem hoje. O JOTA
acompanha todas estas mudanças para deixar você bem-informado antes de todos. E esta jornada está só
começando.

Kalleo Coura, editor de Carreira


Primeira Parte
Cenário
Advocacia 2.0: como advogar no século XXI
Disrupção no mercado jurídico irá alterar completamente a rotina dos profissionais
Bruno Feigelson, sócio do escritório Lima ≡ Feigelson Advogados, CEO do Sem Processo e Presidente da Associação Brasileira de
LawTechs e LegalTechs (AB2L)

É uma grande honra ser convocado para refletir a respeito do futuro da advocacia, especialmente em
razão do convite ter sido feito pelo time do JOTA, LawTech que vem revolucionando a forma de
apresentar conteúdos jurídicos e políticos no país.
A verdade é que a grande vantagem em se fazer esse exercício de futurologia, – como bem
observou o professor Egon Bockmann Moreira, em recente artigo abordando o tema –, “reside na mais
absoluta irresponsabilidade do profeta”. No entanto, diante da minha atuação no escritório Lima ≡
Feigelson Advogados, na LawTech Sem Processo e na AB2L (Associação Brasileira de LawTechs e
LegalTechs), penso que posso contribuir com algumas observações que cultivei refletindo e debatendo
com grandes expoentes da advocacia nacional.
Dito isso, e antes de iniciar a especulação a respeito do que será a advocacia das próximas décadas,
cabe salientar que acredito profundamente que não seremos extintos. Apesar do que muito vem se
alardeando a respeito dos ditos “robôs advogados”, penso que a disrupção no mercado jurídico irá
alterar completamente a rotina dos profissionais que atuam neste segmento, sem com isso retirar a
importância dos seres humanos que lidam profissionalmente com interesses alheios (seja de indivíduos
ou de corporações). Muito pelo contrário, o profissional que conseguir se adaptar ao mundo
exponencial, completamente remodelado pela quarta revolução industrial, terá expressivo protagonismo
na nova realidade.
Certamente nós, advogados do final da segunda década do século XXI, teríamos grandes
dificuldades para entender e interagir com este “advogado do futuro”, que na minha concepção já está
se remodelando, e terá sua completa transformação ao longo dos próximos 5 a 10 anos. Assim, passo a
listar as características que parecem estar cada vez mais sendo valorizadas por indivíduos e corporações,
e que possivelmente serão ampliadas na medida em que a inovação tecnológica progressivamente se
expanda pelos nossos hábitos de vida.
1. Constante uso das LawTechs e de tecnologias em geral: Da mesma maneira que o uso do
Word, e-mail, Google e WhatsApp já é indispensável ao exercício profissional dos advogados, o uso de
softwares desenhados especificamente para o mercado jurídico será uma realidade cada vez mais
constante e presente na vida dos advogados. O uso de plataformas digitais será imprescindível para
tarefas como pesquisar posicionamentos doutrinários, fundamentar pareceres, elaborar peças e
contratos, acompanhar mudanças legislativas e posicionamentos de tribunais, negociar contratos e
resolver conflitos. As “commodities” da vida do advogado, em especial, serão devoradas pela
tecnologia. Advogar sem o uso de LawTechs, em um futuro nada distante, será tão absurdo quanto
imaginar, atualmente, a possibilidade de usar a máquina de escrever em vez do computador.
2. Prestigiar mais o processador do que a memória: Tradicionalmente, no âmbito da advocacia,
a experiência – “os cabelos brancos” – sempre foi valorizada. Em uma realidade com baixo fluxo de
informação, em que a assimetria de informação era comum e as transformações sociais e setoriais
ocorriam em nível controlado, deter a informação era tudo. No entanto, em uma sociedade em que
grande parte da informação está disponível, o fluxo de transformações é exponencial e acelerado,
advogar significará cada vez mais processar de maneira célere as alterações econômicas, setoriais e
sociais, buscando resultados assertivos para os clientes. Assim, pode-se apostar em um futuro nada
distante de advogados novos, qualificados, especializados e amplamente conectados com as mudanças
em todos os sentidos.
3. Capacidade para encontrar e traduzir respostas: A integração global, o rápido fluxo de
informações e a complexidade do mundo moderno irão impor um ritmo cada vez mais célere de novos
posicionamentos normativos, jurisprudenciais e doutrinários. Desta forma, o advogado 2.0. estará
conectado na nuvem de informações em tempo integral, sempre disposto a mapear, interpretar e traduzir
da maneira mais rápida possível as mudanças. Grande parte do trabalho dos advogados das próximas
décadas será acompanhar novos posicionamentos, compreender os respectivos reflexos e informá-los
aos executivos e indivíduos em geral.
4. Maior nível de objetividade nas contratações: O exercício da advocacia sempre foi uma típica
obrigação de meio, em que as certezas a respeito do sucesso eram limitadas, ensejando todo tipo de
esforço e investimento para criar reputação. A transparência da nova era irá substituir progressivamente
fachadas de mármore e publicações em revistas especializadas por dados objetivos. As contratações
serão pragmáticas, não abrindo espaço para desperdícios financeiros. O advogado 2.0. será medido por
resultados, habilidades comprovadas e atuará em ambientes com muita tecnologia e pouca pompa. A
modernidade oportunizará a maior valorização do conteúdo do livro em detrimento da beleza da capa.
5. Compreensão e criatividade na resolução de problemas novos e complexos: A curva de
comoditização dos assuntos jurídicos será cada vez mais célere. Os resultados dos desafios impostos
serão compartilhados, oportunizando desta forma poucas possibilidades de se obter resultados
financeiros com respostas antigas. Da mesma maneira, a utilização de tecnologia acabará com a mais-
valia típica de serviços jurídicos automatizados. Por outro lado, os desafios que serão impostos aos
advogados serão cada vez mais novos, com menor número de precedentes e que demandarão soluções
rápidas e criativas. O advogado 2.0. terá que ser amplo conhecedor de assuntos diversos da vida,
multidisciplinar e criativo. Na medida em que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não
possuirão a capacidade de interagir com as mudanças no prazo em que elas ocorrem, caberá ao
advogado desenhar os limites e interpretações adequadas.
6. Analistas de dados: Tanto para interpretar as decisões relacionadas aos diversos temas, bem
como para formular novos posicionamentos, será imprescindível o uso das ciências de dados. A atuação
profissional do advogado ainda se fundará no poder argumentativo, contudo, tal dinâmica será
amplamente baseada em resultados objetivos e fruto de análises de dados. O espaço para o
convencimento será mais balizado em observações estatísticas. O sucesso do advogado 2.0. terá
expressiva relação com sua capacidade de analisar, interpretar e expor tais informações.
7. Celeridade na resolução dos conflitos: O advogado 2.0. é um rápido “resolvedor” de questões.
A velocidade da nova era não oportuniza mais espaço para longos litígios. No âmbito das grandes
corporações, o sinal dos novos tempos está na privatização da resolução dos conflitos que se dá por
meio da arbitragem. Da mesma forma, é crescente a adoção da mediação e da conciliação. Seja como
for, no campo da advocacia 2.0., o papel de “negociador” será muito mais prestigiado do que o de
“litigante”. O uso de plataformas digitais para a resolução de conflitos é um fenômeno em ascensão e
irreversível. A sigla ODR – Online Dispute Resolutions – será reconhecida no futuro como o grande
palco de atuação do advogado 2.0.
Sócio do escritório Lima ≡ Feigelson Advogados | CEO do Sem Processo | Presidente da AB2L –
Associação Brasileira de LawTechs e LegalTechs.
ELI, o robô assistente de advogado
Criado para dar maior produtividade aos advogados, robô é treinado para realizar diversas
tarefas
Luís Viviani, repórter do JOTA

Aempresa de tecnologia Tikal Tech, especializada no segmento jurídico, lançou em julho o “robô-
advogado” ELI – sigla para Enhanced Legal Inteligence (inteligência legal melhorada). Trata-se de um
assistente personalizado treinado para realizar diversas tarefas para auxiliar advogados e advogadas.
O robô pode acompanhar processos, assessorar em colaborações, e responder aos clientes na forma
de chatbot. Ele ainda pode ajudar na coleta de dados, geração e organização de documentos, formatação
de petições e interpretação de decisões judiciais para auxiliar na escolha de modelos aplicáveis a casos
concretos.
“O ELI sempre vai ser contratado por advogados para trabalhar para eles – não para substituí-los. É
uma forma de os profissionais atender aos clientes de uma maneira automatizada”, diz o advogado
Antônio Maia, fundador da Tikal Tech.
Mas é preciso saber programar para utilizar o ELI? Segundo Maia, não. “O advogado não precisa
saber praticamente nada de programação. Basta conhecer o direito em questão e o ELI vai ajudá-lo”.
Mais de 300 advogados já usam a nova ferramenta e, segundo o empresário, há uma média de 10 a
15 novos pedidos por dia.
Questionado se jovens advogados iriam perder espaço por causa das novas tecnologias no
segmento jurídico, Maia diz que é possível que isso ocorra. Por outro lado, surgirão novas
oportunidades. A utilização de plataformas pré-prontas, segundo ele, pode trazer novas possibilidades
de trabalho.
“O mercado de petições que existe em grupos de Facebook é um exemplo de como se abrem novas
portas. Tem sites que fazem aproximação profissional do advogado com determinados tipos de clientes,
de causas, e isso possibilita que ele tenha atividades que não teria antes”, diz.

ELI ICMS Energia


Uma das funções do robô é chamada de ELI ICMS Energia. Trata-se de uma automação para o
processo de restituição do ICMS em contas de energia elétrica. Segundo Maia, com a coleta de
informações e cálculo da restituição até a petição inicial há uma economia de centenas de cliques,
acessos, downloads de contas e atualização de índices de inflação.
“Dependendo das questões, o sistema vai, com base nas informações que o advogado o instruiu,
dar uma resposta sobre aquilo que a pessoa quer. Se ela tem direito ou não e qual é o fundamento do
direito que ela eventualmente pode ter”, explica Maia.
No caso de a situação jurídica se aplicar a um número grande de pessoas, o ELI faz um serviço de
assessoria de litígios, com modelos já prontos, organizando e coletando documentos.
Outra característica do robô são os relatórios inteligentes. “Como ele trabalha com as outras
plataformas da Tikal Tech, tem acesso a todo acervo de informações que a LegalNote [sistema de
acompanhamento de processos] tem”, explica. Com isso, seria possível, por exemplo, prever que tipo de
ações se costuma ganhar ou perder em determinado lugar, com determinado juiz.
Brasil, o país dos bacharéis “doutores”
Um em cada dez universitários estuda Direito
Kalleo Coura, editor do JOTA
Guilherme Pimenta, editor do JOTA

M
inistério da Educação divulgou no início do mês o Censo da Educação Superior de 2015,
que mostra que um em cada dez universitários do Brasil está assistindo a uma aula de
Direito nos bancos da faculdade. São 853.211 estudantes distribuídos em 1172 cursos, o
que faz do Direito a opção de ensino superior mais popular do país.
No ano passado, exatos 105.324 novos bacharéis foram despejados no mercado. Todo o grupo
classificado pelo Ministério da Educação de “Engenharia, produção e construção”, que inclui
Arquitetura e as mais diversas engenharias, formou praticamente o mesmo número de pessoas.
Medicina gradua apenas 17.123 estudantes enquanto jornalismo, com um mercado em eterna crise,
forma 7.399 profissionais.
Não é exagero dizer que o Brasil é o país dos bacharéis – e dos advogados também. A Ordem dos
Advogados do Brasil já registra 995.905 advogados em seus quadros. Isto significa que a cada mil
habitantes, cinco são advogados.
Embora no último exame da ordem, no estado de São Paulo, apenas 5.064 dos 28.165 candidatos
inscritos tenham sido aprovados, o número de advogados não para de crescer.

Advogados no mundo
O Brasil é o terceiro país do mundo com mais advogados em números absolutos. Perde apenas para
Estados Unidos, com 1,3 milhão, e Índia, que possui 2 milhões de operadores do Direito – muito
embora a ordem dos advogados local estime que 30% não atue na área ou, pior, ostente um diploma
falso na parede.
Gráfico feito com Power BI

Levantamento feito pelo JOTA com 22 países mostra que, em termos proporcionais, o Brasil
supera os líderes Estados Unidos e Índia, ficando atrás apenas do Paraguai. Estima-se que nosso vizinho
tenha 60 mil advogados, ou quase nove advogados para cada mil habitantes. Contudo, não se sabe
quantos paraguaios atuam de verdade na profissão e, como por lá não existe um conselho profissional,
basta se formar na faculdade para se tornar advogado.
Origem da desproporção
Neste cenário, é impossível não se perguntar: há espaço para tantos operadores do Direito?
A resposta para o pesquisador Ivar Hartmann, professor da FGV Direito Rio, é um sonoro não.
Para ele, existe um contingente desproporcional de alunos de Direito atraídos por uma promessa de
salários e de garantias de funções públicas exclusivas que são desproporcionais ao que se paga, em
média, no setor privado.
Os concursos públicos para cargos de alto escalão, de fato, são absurdamente concorridos. O
último para delegado de Polícia Federal, por exemplo, teve 46.633 inscritos para apenas 150 vagas –
uma concorrência de 311 candidatos para cada vaga. Para se ter uma ideia, o curso mais concorrido da
Fuvest no ano passado, o de medicina em Ribeirão Preto, teve 72 candidatos para cada vaga.
Para o pesquisador, nem o mercado privado nem o público conseguem absorver toda essa oferta de
bacharéis. “Ainda assim, se o aluno colocar na ponta do lápis, é evidente que é mais vantajoso estudar
para concursos. Para muita gente que se forma em Direito por meio do Prouni ter estabilidade e receber
um salário de R$ 5 mil de técnico num tribunal é um sonho”, afirma.
“O Brasil desperdiça um capital humano monumental ao fazer com que essas pessoas joguem fora
três, quatro anos de suas vidas sem produzir nada e se preparando para um teste que sequer será útil
para a rotina profissional daqueles que serão aprovados”, avalia Hartmann.
Então, o que fazer?
Para o professor Otávio Silva e Pinto, presidente da Comissão de Graduação da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, o fundamental para o bacharelando é estudar muito. “Ele precisa
ter consciência de que não conseguirá uma posição no mercado de trabalho relacionada à área só porque
está fazendo o curso”, afirma. “Até mesmo porque a qualidade da faculdade muitas vezes não garante a
esse profissional a possibilidade de passar na OAB ou em concursos públicos”.
Mesmo assim, para Pinto, o Direito abre caminhos e pode ser um diferencial até mesmo para
trilhar a área empresarial. “Para ter uma ascensão profissional, o estudante precisa estar bem-informado,
conhecer as diferentes visões e doutrinas a respeito do segmento que ele pretende trabalhar. Apesar do
grande número de bacharéis, existe uma demanda da sociedade por profissionais da área jurídica, que
não necessariamente serão advogados”.
O diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Felipe Chiarello, diz
sempre abordar a questão em suas aulas inaugurais sobre Direito Econômico. “O mercado nunca está
saturado para quem é bom. O aluno tem que saber o que quer, otimizar o resultado depois que se formar.
É importante, por exemplo, ter uma publicação de qualidade no final da graduação para mostrar para
um futuro empregador que ele é diferenciado”.

Publicado em 18/10/2016
Uma crítica ao estudo esquematizado do Direito
Utilizar “resumões” para ensinar alunos, sem dúvidas, não cumpre a função social do
Direito
Marco Aurélio Florêncio Filho, doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Recife – UFPE.
Professor e Advogado

A
tualmente, vive-se no Direito uma crise axiológica [1], que demanda uma (re)leitura de
alguns postulados estruturantes na seara acadêmica. Aqui, farei uma crítica, espero do ponto
de vista construtivo, pois se assim não fosse optaria por não escrever o presente, acerca do
estudo esquematizado do Direito, que apesar de ter uma finalidade (vejo unicamente de revisão)
ocasiona grandes perdas na formação intelectual do jurista.
Certamente, o curso de bacharelado em Direito requer do aluno bastante leitura, visto que o
Direito, entendo, é uma ciência argumentativa. É por isso, aliás, que muitos alunos não conseguem
compreender os institutos jurídicos, pois procuram analisá-los a partir de postulados cartesianos
reduzidos, muitas vezes, unicamente em cadernos (parece-me que daqui surgiu o Direito
esquematizado).
Desculpem-me a redução de complexidade, mas compreendo que a doutrina que deve ser utilizada
pelo discente circunda a partir das seguintes possibilidades: i) tratados novos; ii) tratados antigos; iii)
livros especializados e iv) periódicos nacionais (indexados pelo qualis periódicos) [2] e estrangeiros.
Os tratados novos, praticamente em extinção, são aqueles livros em que o autor busca abordar
todos os temas estudados numa área do Direito, por exemplo, tratado de direito penal, tratado de Direito
Civil, tratado de Direito Administrativo etc. Cumpre destacar que pouco importa o termo “tratado”, que
pode ser um “curso”, “manual”. O importante é versar seriamente sobre os temas abordados.
Já os tratados antigos, esses, em maior número, qualitativamente, são, particularmente,
maravilhosos. Causa tanta estranheza a falta de tratadistas como os que tivemos no Brasil no século XX,
que a Georg-August Universität, em Göttinguen (Alemanha), através do CEDPAL (Centro de Estudos
de Direito Penal e Processual Penal Latino-americano) está a organizar um livro em homenagem a
Aníbal Bruno, para resgatar a obra deste grande jurista do Direito Penal brasileiro [3]. Deve-se destacar
que Aníbal Bruno não finalizou o seu “Direito Penal”, constituído por três volumes da Parte Geral e um
volume, apenas, da parte especial, “Crimes contra a Pessoa”. Também, não poderíamos deixar de
mencionar o “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, em 60 volumes.
Por fim, reputo como importante para o bacharelando em Direito realizar pesquisas nos periódicos
indexados pelo qualis da área do Direito da Capes ou periódicos internacionais para realizarem estudos
mais aprofundados acerca de temas do Direito.
Daí, o leitor pode me perguntar: e os livros jurídicos esquematizados, possuem alguma finalidade?
Entendo que sim, caro leitor, para uma revisão. No entanto, acredito que se for realizado um fichamento
das opções acima mencionadas, não haverá necessidade de estudo por livros esquematizados.
Mas, o insistente leitor irá indagar-me, provavelmente: é importante estudar por livros
esquematizados para concursos públicos? E, aqui, repousa um problema, que não é exclusividade no
Brasil. Decerto, se essa pergunta me fosse formulada há cinco anos, provavelmente eu responderia que
o estudo para concursos públicos deve se dar a partir da leitura de tratados novos, atualizados.
Entretanto, hoje, posso afirmar que no Brasil e na Europa a busca pela carreira pública, muitas vezes
não por vocação, mas sim em busca da estabilidade financeira, faz com que muitos pretendentes a
cargos públicos (no Brasil, são os denominados “concurseiros”) estudem por livros nos moldes,
esquematizado, sinopse, “resumão”.
Tive a oportunidade de, nos últimos 5 anos, realizar pesquisas e ministrar palestras em alguns
países europeus, em especial: Portugal, Itália e Alemanha. Para minha surpresa, ao visitar as livrarias
desses países, encontrei diversos livros para concursos públicos (nos moldes esquematizados) e,
pasmem, dificuldade em encontrar tratados de Direito ou livros em temas específicos. Apenas, achei os
livros que procurava, bem como os periódicos especializados, nas bibliotecas das Universidades que
visitei. Ainda bem!
Entretanto, utilizar sinopses, “resumões” ou esquematizados para ensinar alunos, sem dúvidas, não
cumpre a função social do Direito, visto que os conflitos que os juristas, via de regra, resolvem são
extremamente complexos e correspondem a uma expectativa de direito de um terceiro (ser humano),
que está longe de ser resolvido por um esquema.
Espero que compreendamos bem a responsabilidade que temos, como juristas, com a sociedade na
qual estamos inseridos, para que possamos solucionar, da melhor forma, os conflitos que nos são
apresentados. O resgate ético-social que tanto se proclama atualmente passa por nós mesmos. Conceber
uma doutrina do bom comportamento passa por uma construção de postulados firmes. Sem dúvidas, o
estudo não é uma tarefa fácil, principalmente o estudo jurídico. São horas e horas de reflexão para se
compreender determinados institutos e sua relação com a sociedade.
Entristece-me, por exemplo, verificar nos Tribunais Superiores a citação de livros esquematizados
nos acórdãos prolatados, o que, para mim, revela a simplificação na solução de uma demanda, que,
certamente, não pode ser resolvida por esquemas.
Difícil é nessa sociedade informatizada fazer com que se leia mais de 140 caracteres. Porém, quem
disse que Direito é fácil? E que simples soluções são as melhores?
Finalizo aqui minha opinião, que não possui pretensão de verdade, mas apenas poderá servir para
uma reflexão posterior, que o curso de Direito não termina. Por certo, formamo-nos e iniciamos uma
carreira jurídica, mas enquanto estivermos atuando nas demandas jurídicas, faz-se necessário estudar
bastante e nos aprimorarmos, pelo menos, no tocante à cultura jurídica. Conclamo aos que estão
envolvidos no ensino jurídico no Brasil a resgatarmos nossos tratadistas e despertar em nossos alunos o
prazer no estudo do Direito!

Publicado em 10/03/2017

[1] Na verdade, este problema atinge a sociedade em geral. Segundo GOYARD-FABRE: “Nas sociedades “avançadas” que se declaram
democráticas não existe mais consenso relativo aos ideais políticos, aos interesses sociais e aos valores éticos; no lugar do sistema de
valores tradicionais, o jogo da competição se instalou nessas sociedades industrializadas ao máximo e, com esse jogo competitivo, se dá
livre curso ao pluralismo, à irracionalidade, ao individualismo e até ao egoísmo. A obsessão com a produção e a eficácia econômica
engendrou uma desintegração axiológica. A herança moral perdeu seu sentido.” (GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia?
Tradução Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)
[2] https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf
[3] http://cedpal.uni-goettingen.de/index.php/eventos/seminarios/362-sem-a-teoria-penal-de-anibal-bruno
Formado em Direito? Veja 23 carreiras possíveis
Bacharéis podem prestar diversos concursos exclusivos ou optar por áreas inovadoras
Kalleo Coura, editor do JOTA
Guilherme Pimenta, repórter do JOTA

C
erca de 260 mil pessoas se matriculam anualmente em cursos de Direito no Brasil, com o
objetivo de se unir a um contingente de milhões de bacharéis e advogados e milhares de
outros profissionais que atuam na área jurídica.
Da matrícula à definição da carreira, o caminho costuma ser longo. Para produzir conteúdo
relevante e exclusivo para estudantes de Direito, concurseiros e jovens já no início da carreira que
escolheram, o JOTA lança hoje a editoria Carreira.
Toda semana, publicaremos matérias especiais com o intuito de auxiliar os leitores na tomada de
decisões relacionadas à vida profissional — desde o momento em que pisaram pela primeira vez na sala
de aula da faculdade.
Como o estudo do Direito abre um leque extraordinário de oportunidades ao recém-formado, para
começar, listamos as principais carreiras que um bacharel pode seguir fora do escritório de advocacia —
seja no setor público ou mesmo no setor privado — e qual é a remuneração inicial de cada uma delas.
No setor público, existem diversas carreiras exclusivas para bacharéis em Direito ou para
advogados. Além de oferecerem estabilidade, algumas carreiras públicas pagam salários iniciais
altíssimos se comparados à realidade do funcionalismo público em geral e até mesmo a do mercado
privado.
Na área privada, as possibilidades vão muito além do tradicional cargo num grande escritório
jurídico. Muitas vezes vistos com reservas por integrantes das bancas tradicionais, os departamentos
jurídicos de grandes empresas são uma ótima oportunidade para o jovem ganhar espaço no mercado e,
quem sabe, futuramente ocupar cargos de direção numa multinacional. O terceiro setor também é uma
área que tem atraído jovens estudantes e bacharéis, cada vez mais preocupados em agregar valor social
ao trabalho.
A lista, claro, não esgota todas as possibilidades de um recém-formado. Sugestões de pautas são
muitíssimo bem-vindas. Divida suas dúvidas e aspirações conosco, através do e-mail do nosso editor,
Kalleo Coura (kalleo.coura@jota.info).

Carreiras públicas
Uma miríade de cargos públicos pode ser ocupada exclusivamente por bacharéis de Direito, que
são atraídos principalmente pela alta remuneração inicial e pela estabilidade.

Juiz
Os magistrados processam e julgam as ações judiciais resultantes do conflito entre pessoas
jurídicas e/ou físicas, entre entes públicos e entre particulares e entes públicos. Para ocupar o cargo, o
candidato deve ser aprovado em concurso de provas e títulos e comprovar ter, no mínimo, três anos de
atividade jurídica. Há concursos para magistratura estadual, federal, trabalhista e militar.
Salário inicial: R$ 24.818,71 (TJ-SP) e R$ 27.500,17 (Tribunais Regionais Federais e Justiça
Militar)

Promotor de Justiça
O Ministério Público (MP) é responsável pela defesa da ordem jurídica, dos interesses da
sociedade e do regime democrático. O integrante do MP também fiscaliza a aplicação das leis e defende
o patrimônio público. A atuação do promotor se dá tanto na área criminal quanto na área cível em
âmbito estadual. Para ocupar o cargo, o candidato deve ser aprovado em concurso de provas e títulos e
comprovar ter, no mínimo, três anos de atividade jurídica.
Salário inicial: R$ 24.818 (MP-SP)

Procurador da República
Os membros do Ministério Público Federal (MPF) também são responsáveis pela defesa da ordem
jurídica, dos interesses da sociedade e do regime democrático. Os procuradores da República atuam nas
áreas constitucional, cível, criminal e eleitoral — primordialmente em âmbito federal. Para ocupar o
cargo, o candidato deve ser aprovado em concurso de provas e títulos e comprovar ter, no mínimo, três
anos de atividade jurídica.
Salário inicial: R$ 28.947,55

Procurador de Contas
É o representante do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. O profissional fiscaliza o
cumprimento da Constituição e das leis ordinárias, principalmente quanto à fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e dos municípios.
Salário inicial: R$ 30.471 (TCE-SP)

Procurador do Estado
É o advogado do Estado, que atua prestando tanto advocacia consultiva quanto representando o
ente público nos tribunais. Também é responsável por escrever e analisar contratos e editais de licitação.
Salário inicial: R$ 22.178,35
Procurador do Município
É o advogado do município. Desempenha as mesmas funções do procurador do Estado, mas em
relação ao município. Em geral, pode atuar na advocacia privada também mesmo sendo concursado.
R$ 28.076 (na cidade de São Paulo)

Defensor Público
O defensor público presta assistência jurídica gratuita a quem não tem condições de pagar por uma
defesa particular. Em geral, são atendidas pessoas que recebem menos de três salários mínimos. Além
disso, é dever do defensor público promover os direitos humanos e defender os direitos coletivos dos
necessitados.
Salário inicial: R$ 18.431,20 (São Paulo)

Delegado de Polícia
É o responsável por presidir o inquérito policial, coordenar agentes e comandar toda a parte
jurídica da investigação criminal. Os elegados de Polícia Civil atuam em âmbito estadual enquanto os
delegados da Polícia Federal coordenam investigações de natureza federal.
Salário inicial: R$ 10.079 (Polícia Civil em São Paulo) ou R$ 16.830,85 (Polícia Federal)

Procurador no Banco Central


É responsável pela representação judicial e extrajudicial do Banco Central do Brasil. Além disso,
também presta consultoria e assessoria jurídica para a autarquia.
Salário inicial: R$ 17.330

Procurador Federal
Representa judicialmente e extrajudicialmente as autarquias e fundações públicas federais, como
por exemplo o Instituto Nacional do Seguro Social, o IBAMA, as Agências Reguladoras e as
Universidades Federais. Também presta consultoria e assessoria jurídica a estes entes públicos.
Salário inicial: R$ 17.330

Procurador da Fazenda Nacional


Faz a representação judicial e extrajudicial da União em matéria tributária, de cobrança e execução
de dívida ativa da União. Também exerce as funções de consultoria e assessoria jurídicas junto ao
Ministério da Fazenda.
Salário inicial: R$ 17.330

Advogado da União
É responsável pela representação judicial e extrajudicial da União (todos os Poderes) nas matérias
jurídicas não abrangidas pela atuação do Procurador da Fazenda Nacional, além de exercer as funções
de consultoria e assessoria jurídicas junto aos Órgãos do Poder Executivo da União.
Salário inicial: R$ 17.330

Tabelião de notas
A função é aconselhar as partes de maneira imparcial e confeccionar documentos públicos com o
intuito de prevenir litígios e garantir a segurança jurídica e o respeito à legislação. Os principais atos
praticados pelo notário são as escrituras públicas, os testamentos, as atas notariais, as procurações, as
autenticações e o reconhecimento de firma.
Salário: Calculado com base nos lucros obtidos pelo cartório. Em 2015, um cartório de Brasília,
por exemplo, faturou R$ 26 milhões ao longo do ano.

Iniciativa privada e carreiras não exclusivas


Fora dos grandes escritórios de advocacia, há inúmeras oportunidades para bacharéis de direito ou
advogados. Algumas não são exclusivas para profissionais formados na área, mas os conhecimentos
jurídicos adquiridos ao longo da faculdade costumam ajudar os operadores do Direito a serem bem-
sucedidos.

Árbitro
É geralmente escolhido pelas partes que, em comum acordo, buscam a solução do conflito. O
profissional, ao final das audiências, é responsável por emitir uma sentença, para a qual não cabe
recurso.
Salário inicial: varia de acordo com as arbitragens. De acordo com a Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (FIESP), em litígios abaixo de R$ 8 milhões, o valor é de R$ 500 por hora
trabalhada. Acima disso, a renda é variável.

Pesquisador
É um profissional que atua, geralmente paralelamente a outra atividade, pesquisando temas sobre
as principais áreas do Direito. É necessário que o profissional tenha doutorado ou, no mínimo,
mestrado, podendo trabalhar em faculdades ou até em grandes escritórios de advocacia. O trabalho
geralmente é dividido entre pesquisas de longo prazo, com duração de até três anos, ou de curto prazo,
que costumam tomar um ou dois meses.
Salário inicial: R$ 8.000

Professor
É quem ministra aulas aos alunos da Faculdade de Direito ou em cursinhos preparatórios para a
OAB ou para concursos públicos. Pode ser especialista em qualquer área, como penal, cível, trabalhista,
tributário, administrativo e outras.
Salário inicial: R$ 6.979 (USP) ou R$ 80 horas/aula em cursinhos preparatórios

Consultor legislativo
O profissional pode trabalhar no Senado, na Câmara dos Deputados, em Assembleias Legislativas
ou na Câmara de Vereadores, auxiliando os políticos na criação de projetos de lei ou de emendas
constitucionais, com um olhar técnico do Direito.
Salário inicial: R$ 29.099,23 no Senado e R$ 28.570,79 na Câmara dos Deputados

Conciliador
Busca ajudar as partes a chegar a uma solução por meio de acordos, em uma tentativa de desafogar
o Poder Judiciário.
Salário inicial: Em São Paulo, é de R$ 47 para cada duas horas trabalhadas

Mediador
Ajuda as partes que já se conhecem a restabelecer um canal de comunicação. O acordo não é uma
consequência necessária da mediação. Para atuar, é necessário que o profissional faça um curso de
capacitação de mediadores oferecido pelos tribunais ou câmaras de mediação.
Salário inicial: Em São Paulo, é de R$ 47 cada duas horas trabalhadas

Diplomata
Deve defender, representar e negociar questões de interesse do país junto à comunidade
internacional.
Salário inicial: R$ 15.005,26

Advogado corporativo
O profissional presta assessoria jurídica às empresas. Elabora contratos sociais de acordo com as
necessidades da empresa, e também acompanha os processos cíveis, trabalhistas e tributários.
Salário inicial: em torno de R$ 5.000

Advogado do terceiro setor


É recomendável que o profissional entenda ou queira aprender sobre administração, política,
gestão, estatística e, sobretudo, estar disposto a atuar fora da caixa. No âmbito jurídico, um advogado no
terceiro setor pode atuar em advocacy (lobby) e processo legislativo ou cuidar da gestão de parcerias e
contratos externos. Entre as atividades extrajurídicas destacam-se: realização de pesquisas e
representação institucional. No dia a dia, o profissional pode ter de exercer desde as tarefas mais
simples e burocráticas até a redação de uma ata ou outro documento formal.
Salário inicial: R$ 4.000
Consultor estratégico de startups
O profissional acompanha atividades de uma empresa em início de funcionamento e presta
assessoria relacionada a assuntos fiscais, trabalhistas, societário, regulatório, etc. É responsável também
pelo desenvolvimento de equipes estratégicas para determinada área de atuação, monitorar metas e
participar da produção de novos projetos.
Salário inicial: R$ 5.700

Publicado em 03/10/2016
“Jovens bacharéis não são ensinados a cobrar honorários”
Para presidente da OAB-RN, recém-formados não sabem exercer a advocacia
Kalleo Coura, editor do JOTA

O
s cursos de Direito não ensinam ao estudante como se portar numa audiência, como cobrar
honorários e como avaliar o custo de um processo.
O resultado é que ele chega ao mercado de trabalho sem saber como exercer na prática a
advocacia, avalia Paulo de Souza Coutinho Filho, presidente da seccional da OAB no Rio Grande do
Norte.
“Se o jovem advogado não souber calcular o custo e cobrar aquém, ele vai pagar para trabalhar”,
diz Coutinho Filho. “Por isso, a OAB tem desenvolvido ações junto a graduações e jovens advogados
para que eles sejam preparados para a vida prática”.
Sobre a tabela de honorários local, que cobra acima da mediana nacional, Coutinho Filho afirma
que alguns valores não refletem a realidade atual do estado.
“Estamos no processo de consulta pública e um dos pontos que vai ser modificado é o
estabelecimento de um valor médio da hora trabalhada”, conta.

Leia a entrevista completa com Paulo de Souza Coutinho Filho, presidente da OAB-RN.
Qual é a vantagem de se ter um piso dos advogados?
O piso estabelece um valor mínimo. Infelizmente temos uma advocacia com um número de
profissionais crescente, o que reduziu o valor de remuneração. Temos aqui uma lei estadual que
estabelece o piso para o advogado privado. O valor para 20 horas semanais é de R$ 1.300 e para 40
horas é de R$ 2.600. A lei foi aprovada em 2015 e sancionada pelo governador no ano passado.
Também temos uma tabela de honorários que é referência para a advocacia autônoma, mas não
tínhamos uma referência que obrigasse a contratação por parte de escritórios, empresas.
O valor mínimo da hora de consulta no Rio Grande do Norte é de R$ 436, acima da mediana
nacional, que é de R$ 300. Os advogados realmente cobram isso?
Não. Estamos enfrentando esse problema na nova tabela. Estamos no processo de consulta pública
e um dos pontos que vai ser modificado é o estabelecimento de um valor médio da hora trabalhada. Esse
valor não reflete a realidade. Na época em que a tabela foi criada poderia refletir. Hoje não.
Qual é a taxa de inadimplência da OAB-RN?
A inadimplência histórica é algo em torno de 38%, 41%. É bastante alta. Temos hoje uma
advocacia em que parte dela se inscreve na Ordem, mas não exerce efetivamente a profissão. Essas
pessoas estão buscando um concurso público e se esquecem da anuidade. Temos que fazer um trabalho
muito grande não de cobrança, mas de conscientização porque todos os benefícios são exclusivos dos
advogados adimplentes. Acredito que temos conseguido recuperar o débito em atraso ao fazer esta
conscientização. Só os adimplentes têm acesso à caixa de assistência, que conta com uma rede
conveniada com clínica de atendimento médico e odontológico, centro de inclusão digital e muitos
outros benefícios. Ainda não estamos incluindo os inadimplentes no SPC, mas vamos começar a fazer
isso ainda neste ano. Sei que isto tem feito diferença em outros estados.
O senhor sabe quantos advogados atuam como dativos no estado?
Não é um percentual considerável, não. Algumas secretarias abrem o cadastro e o juiz faz a
nomeação de acordo com os nomes listados. Não são muitos os advogados porque o recebimento é
complicado, depende do governo estadual e os profissionais têm que entrar com ação de execução para
poder receber.
Hoje são 11.057 advogados no Rio Grande do Norte. O mercado está saturado?
Não, acho que ainda tem espaço. O estado está crescendo e a área industrial tem se desenvolvido.
Temos um parque eólico muito forte, e a área de petróleo e gás também. É obvio que o mercado em si,
em função da condição financeira do país, se retraiu. Não temos uma pujança como gostaríamos, mas há
espaço para jovens advogados, sim.
Quais são os principais desafios da advocacia no estado?
É a questão dos honorários sucumbenciais. Temos muitos casos de aviltamento. Os juízes têm
estabelecido remuneração muito aquém do mínimo. Por exemplo, temos vários processos que
demoraram sete anos para ter um julgamento e que o juiz arbitrou R$ 500,00 de honorários
sucumbenciais, sendo que o caso era de fornecimentos de medicamentos de mais de R$ 800 mil. A
única remuneração do advogado era sucumbencial. Não dá. Com o Novo CPC ficou mais difícil isso,
mas a gente ainda enfrenta dificuldades em decisões anteriores ao Novo Código na primeira instância.
Nesse caso específico, a decisão foi realmente absurda. O argumento foi que não houve tanto trabalho
de interpretação por parte do advogado já que esta ação poderia ter sido elaborada para se buscar um
medicamento mais barato. A argumentação serviria tanto para a obtenção de um AAS como para um
remédio de alta complexidade, que era o caso, segundo o juiz. O tribunal reviu o caso e arbitrou os
honorários em R$ 5 mil.
E o principal desafio da seccional da OAB?
Nós temos uma grande preocupação com a qualificação do advogado. Acho que talvez o grande
desafio é a recepção dos novos advogados. A grade curricular não trabalha a formação do profissional.
Não temos matéria de gestão, os jovens não são ensinados a cobrar honorários, ou seja, o bacharel sai
do curso sem qualquer conhecimento para exercitar a advocacia como ela deve ser hoje, sem uma visão
empresarial. Ele não sabe em qual especialidade ele pode investir, onde ele pode ter realmente um
resultado mais interessante financeiramente, sai absolutamente verde para a advocacia e preparado
quase que exclusivamente para fazer um concurso público. Por isso, a OAB tem desenvolvido ações
junto a graduações e jovens advogados para que eles sejam preparados para a vida prática. São cursos
de iniciação à advocacia que focam em aspectos práticos: como se portar numa audiência, como cobrar
honorários, como avaliar o custo de um processo e por aí vai. Se o jovem advogado não souber calcular
o custo e cobrar aquém, ele vai pagar para trabalhar.
Por que as faculdades não ensinam isso?
Acho que essa ausência talvez seja uma questão cultural de a advocacia ser considerada a profissão
de quem tem oratória, de quem é desenrolado numa audiência e ficamos muito tempo sem nos
preocupar com a preparação para a gestão do escritório. A juventude está predisposta a aprender, só
precisa de um empurrãozinho.

Publicado em: 01/05/2017


10 livros para quem deseja trabalhar com arbitragem
Advogado listou obras de Kafka, Maquiavel e Carlos Alberto Carmona
Carlos Forbes, presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC)

F
azendo esta lista, vejo que o meu interesse pela advocacia, pelo contencioso e pela arbitragem
vem de uma visão histórica de que os problemas do mundo têm solução.
Por mais complexa que seja a situação, colocando-a de maneira ordenada e seguindo o
raciocínio de que tudo tem princípio, meio e fim, é possível entregar o direito de maneira correta e
objetiva para a satisfação da paz social.
Alguns podem considerar tal constatação uma visão utópica e quase ingênua, mas se não houver a
busca pela justiça jamais se chegará à Justiça.

1-) Odisseia, de Homero


Meu gosto pela leitura inicia-se com este clássico dos clássicos. Anos mais tarde, relendo, verifico
que o meu gosto pelo Direito encontra guarida em uma série de reviravoltas daquele que busca retomar
seu trono ao final de uma longa aventura.

2-) Duna, de Frank Herbert


Duna é para mim o suprassumo da capacidade humana de desenvolver um mundo próprio, com
princípio, meio e fim, ou, às vezes, sem fim (ver os cinco outros livros da série).

3-) O Processo, de Franz Kafka


Voltas e reviravoltas sobre a impossibilidade de saber a acusação/defesa. Tão marcante e complexo
que pode e deve ser lido várias e várias vezes.

4-) O Falcão Maltês, de Dashiel Hammet


Clássico do policial noir, onde a confusão de dados e ideias inicialmente colocadas revelam a
capacidade do autor, um de meus preferidos, de colocar ordem e explicação em tudo. São os vários
detalhes durante a narrativa que permitem chegar ao final, tendo uma leitura prazerosa e conclusiva.

5-) O Príncipe, de Maquiavel


Muito mais do que só “os fins justificam os meios” é um tratado de política, que demonstra a
necessidade de conhecer o passado para entender o presente e planejar o futuro.
6-) A Luta Pelo Direito, de Rudolf von Ihering
O livro revela a necessidade da busca do entendimento filosófico da existência e da finalidade do
Direito. Penso que deve ser o primeiro livro entregue aos estudantes de direito. Penso que foi o primeiro
livro que li na Faculdade de Direito da UERJ.

7-) Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, de Moacyr Amaral Santos


É o básico que precisa ser lido para compreensão do Direito Processual. Mesmo referindo-se ao
antigo Código de Processo Civil sua leitura continua obrigatória para perfeito entendimento dos
princípios e regras que regulam o processo e o procedimento.

8) Hermenêutica e Aplicação do Direito, de Carlos Maximiliano


Talvez o maior livro para o entendimento do Direito e da sua aplicação. O princípio basilar da
regra de interpretação, qual seja que “a aplicação do Direito consiste no enquadrar um caso concreto em
a norma jurídica adequada”, está nesse clássico de 1925, que continua tão atual como se fosse escrito
para esse nosso tempo.

9-) Arbitragem e Processo, de Carlos Alberto Carmona


Um dos autores da Lei de Arbitragem Brasileira, os outros são Selma Lemes e Pedro Batista
Martins, apresenta, neste livro de leitura obrigatória, uma síntese de tudo aquilo que se precisa entender
e compreender a respeito de arbitragem. Não há como se aprofundar no tema sem contar com o
ensinamento detalhado e objetivo deste livro.

10-) International Commercial Arbitration, de Gary Born


O livro de Gary Born, lido por todos aqueles que pretendem aprofundar seu conhecimento na
matéria, é aclamado como o texto padrão para compreensão da arbitragem e sua contextualização no
mundo.”

Publicado em 13/04/2017
“Advogado corporativo deve ter interesse genuíno por negócios”
Oportunidades na carreira estão crescendo, segundo Flávio Franco, diretor jurídico da
Netshoes
Laura Diniz, editora do JOTA
Raquel Salgado, editora do JOTA

N
o saturado mercado de trabalho dos profissionais do Direito, encontrar um nicho que absorve
cada vez mais profissionais representa um tremendo alento. Pois essa é a realidade dos
advogados corporativos, segundo Flávio Franco, diretor jurídico da Netshoes e coordenador
de um curso pioneiro de educação executiva para profissionais de departamentos jurídicos no Insper, em
São Paulo.
O papel do jurídico nas empresas está crescendo, segundo Franco, por uma série de fatores. Em
primeiro lugar, porque os negócios estão cada vez mais regulados, a exemplo do e-commerce. Em
segundo, porque o compliance é uma prática que veio para ficar nas companhias e sua implantação
passa pelo time interno de advogados. Em terceiro, porque as empresas estão começando a valorizar o
jurídico como parceiro nas estratégias comerciais.
A participação maior dos advogados no dia a dia das empresas caminhou nos últimos anos em
sintonia com uma mudança no perfil dos profissionais. “Por muito tempo, o jurídico foi visto como um
departamento que servia para atrapalhar. Os gestores mais modernos estão mostrando para as empresas
que os advogados estão ali para ajudar a viabilizar negócios”, diz Franco. “Há um caminho longo a
percorrer. A gente ainda se depara muito com um perfil jurídico da década de 80, do advogado que se
veste diferente das outras pessoas da empresa, que fala diferente, que usa latim. Mas o momento é de
oportunidade para transformar essa realidade”, avalia o diretor.
Para ser um bom advogado corporativo, segundo Franco, o profissional precisa “ter interesse
genuíno por negócios e gostar mais de gente que de papel, porque, nas empresas, o Direito é
instrumento”.
Por isso, no curso do Insper, leis e doutrinas são as coisas de que menos se fala. Nas aulas,
diretores jurídicos experientes falam das competências exigidas do executivo da área, como capacidade
de comunicação, liderança, conhecimento de contabilidade (“tem que saber provisionar”) e relações
governamentais e muita gestão – de pessoas, projetos, rotina, crise e de escritório externo (como definir
quem contratar, como medir as entregas).
“Comunicação é importante, por exemplo, para construir parcerias dentro e fora da empresa. Os
outros executivos têm de me ver como viabilizador de negócios e isso não se conquista com decreto”,
explica Franco. “A contratação de escritórios externos também tem suas peculiaridades. Eu não vou
contratar um cara porque ele me mandou um folder bonito ou me adicionou no LinkedIn. Não vou
contratar o cara que joga golfe comigo. O mercado é muito exigente. Os gestores querem escritórios que
conheçam e agreguem valor ao negócio.”.
Desde 2015, já houve duas edições do curso, de 42 horas, divididos em dois meses e meio de aulas.
Duas novas turmas estão contratadas para 2017. Não são aceitos advogados de escritórios, apenas os
que já trabalham em empresas. “É um público de gestores ou coordenadores, já qualificados, para suprir
uma carência de formação do mercado.”.
Entre os professores, estão, além de Franco, outros nomes importantes da área, como Luciana
Freire, Gianfranco Cinelli, Gustavo Biagioli, Luciano Malara, Frederico Andrade, Amira Chammas e
Elias M. Neto.
Segundo Franco, as escolas de Direito hoje formam apenas litigantes. “Não se fala de gestão, nem
do próprio escritório, muito menos de um departamento jurídico. Pretendemos ter um curso de pós-
graduação para gestores jurídicos e, no futuro, espero que isso seja uma disciplina na graduação.”.

Publicado em 26/10/2016
Segunda Parte
Transição
Análise Econômica do Direito chega aos tribunais do país
Kalleo Coura, editor do JOTA

O exemplo da Lava Jato


Ao julgar o pedido de suspeição feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o
desembargador João Pedro Gebran Neto por ter relação de amizade “estreita e íntima” com o juiz de
primeiro grau Sérgio Moro, os desembargadores da 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
(TRF-4) consideraram que “a relação de amizade entre juízes não constitui motivo legal para o
afastamento de magistrados. Ademais, não está comprovada a amizade íntima entre o julgador de
primeira instância e o desembargador que apreciou a exceção oposta em face do primeiro”.
O que mais chamou atenção neste julgamento foi uma argumentação não tão usual nos tribunais
utilizada pela relatora, a desembargadora Cláudia Cristina Cristofani. A magistrada foi além da
dogmática jurídica que os brasileiros estão acostumados a ler nas sentenças e teorizou sobre os
incentivos e custos de se propor uma ação como esta, que os julgadores consideraram descabida.
Em seu voto, Cláudia argumentou que “se o cumprimento das sanções pode ser adiado ou evitado a
determinado custo, o agente estará mais motivado a despendê-lo quanto mais grave for a punição
prevista – no caso de pessoas com projeção política, pode ser considerada sancionatória a drasticidade
das consequências reputacionais decorrentes de eventual condenação penal”.
“Assim, supondo que exista um custo a ser despendido para evitar a aplicação de sanções (X), este
custo poderá ser usado como uma medida da fraqueza da capacidade administrativa do Estado de
obrigar à obediência legal: nenhuma sanção será aplicada se exceder X, e quando a sanção for maior
que X o agente irá arcar com este custo, de forma eficiente, para evadir da sanção”.
Para ela, “diante disso, o Estado-Juiz precisa estar munido de correspondente força, a se contrapor
às tentativas de fuga de responsabilização de requeridos em processo judicial, que, se bem-sucedidas,
revelariam intolerável, desnecessário e inconstitucional grau de fraqueza estatal”.
E conclui: “se bem-sucedida, a estratégia, de desprezível custo, colocaria de joelhos a jurisdição ao
preço do protocolar de uma petição de exceção, palavras escritas no papel que, conforme o dito popular,
'tudo aceita'. Seria o fim do processo criminal como mecanismo de revelação compulsória de verdades e
da jurisdição que prestigia e aplica valores constitucionais”.
Cláudia Cristofani cita ainda o professor e juiz americano Richard Posner, um dos bastiões da Law
& Economics, ao dizer que “ao tender a aplicar a legislação consolidada, dando guarida aos 'contratos
legais' pretéritos, o Poder Judiciário fomenta a durabilidade dos arranjos legislativos, desincentivando
acertos e guinadas imediatistas, e dificultando que a Constituição seja continuamente reinterpretada
conforme a preferência dos legisladores correntes, ou dos grupos de interesses atuais”.
Este tipo de argumentação usada pela magistrada está se tornando cada vez mais presente na
academia e – embora ainda incipiente – até mesmo nos tribunais do país. Trata-se da chamada Law &
Economics (Direito e Economia), Economia Aplicada ao Direito ou Análise Econômica do Direito
(AED).

A situação no Brasil e nos EUA


“Pouco mais é necessário para erguer um Estado, da mais primitiva barbárie até o mais alto grau de
opulência, além de paz, de baixos impostos e de boa administração da Justiça: todo o resto corre por
conta do curso natural das coisas”.
Não por acaso, o economista Adam Smith, que disse essa frase numa conferência em 1755, cita a
Justiça como um dos elementos centrais de um Estado que funciona de maneira adequada. Considerado
o pai da Economia moderna, Smith era versado em Direito – tanto que em 1762 recebeu o título de
Doutor em Direito pela Universidade de Glasglow, na Escócia.
Por muitas décadas, ao menos no Brasil, desde que a Economia se tornou uma disciplina autônoma
do Direito, a intersecção entre as duas áreas do conhecimento foi completamente relegada. Enquanto
nos Estados Unidos, a Law & Economics despontou com força na década de 60 e passou a ser objeto de
estudo nas melhores faculdades de Direito, no Brasil apenas na última década é que a intersecção entre
as duas áreas começou a ser mais difundida e discutida.
“Boa parte das melhores universidades tem uma equipe de professores PHDs em Economia full-
time dentro da escola de Direito. Eles já compreenderam bem a importância de se ter uma análise, uma
visão econômica do Direito”, afirma a economista Luciana Yeung, professora do Insper e pesquisadora
da área.
Para se ter uma ideia de quão incipiente ainda é esta intersecção no país basta olhar os números de
faculdades. São nada menos que 1.171 cursos de Direito ante apenas dois cursos de pós-graduação – um
deles criado neste ano, no Instituto de Economia da Unicamp – exclusivamente sobre Direito e
Economia.
O conceito do que se costuma chamar de Direito e Economia, Law & Economics ou Análise
Econômica do Direito nada mais é do que o uso de um ferramental próprio da Economia às normas e
instituições jurídicas. O economista americano David Friedman define a disciplina da seguinte forma:
“a ciência econômica, cujo objeto em seu nível mais fundamental não é o dinheiro ou a economia, mas
as implicações da escolha racional, é um instrumental essencial para se entender os efeitos das regras
legais”.
A economista americana Susan Rose-Ackerman, professora da Faculdade de Direito da
Universidade de Yale, avaliou, em entrevista ao JOTA, que “uma das dificuldades do Brasil e de muitos
outros países é que Direito é um curso de bacharelado. Então, os alunos chegam à faculdade com
poucos conhecimentos de outras disciplinas, como Economia”.
Como nos Estados Unidos, Direito é uma pós-graduação, e, segundo a professora, um grande
número de alunos já fez uma ou duas disciplinas relacionadas a Economia, não é tão difícil introduzir
materiais que convidem os estudantes a explorarem as conexões entre os dois campos. “Eles, inclusive,
podem ser críticos inteligentes da abordagem de Law & Economics porque eles realmente sabem o
suficiente de economia para perceber tanto suas fraquezas quanto suas vantagens”.
Para a professora Susan, “se os advogados se preocuparem apenas com a lei, isso pode fazer com
que eles ignorem as consequências das normas legais no mundo real e limitar as propostas de mudanças
apenas para as já formalmente ‘legais’, o que não trará muitos benefícios sociais”.
Por outro lado, a economista reconhece que “é verdade que estudiosos de Law & Economics não
estão comumente equipados para lidar com questões mais amplas de Justiça social. Eles podem
recomendar maneiras de promover um objetivo justo da maneira mais eficaz e efetiva, mas não terão
qualquer expertise em especial para determinar qual é este objetivo. Muitos advogados, por outro lado,
também não são os mais competentes para decidir questões envolvendo este assunto. O significado de
Justiça não é apenas um conceito técnico ensinado numa faculdade de Direito”.

Os motivos da dianteira americana


Embora a Law & Economics tenha despontado em Chicago, na década de 60, a razão para que esta
disciplina seja ainda pouco difundida no Brasil é ainda anterior, nas visões do constitucionalista Oscar
Vilhena, diretor da FGV Direito SP e do advogado Luciano Timm, presidente da Associação Brasileira
de Direito e Economia (ABDE).
O debate jurídico no início do século XX, tanto nos Estados Unidos quanto nos países
escandinavos, provocou o surgimento de uma nova corrente chamada de realismo jurídico, que pregava,
de forma geral, que os operadores do Direito deveriam deixar de ser burocratas fiéis aplicadores da
norma para extrair sentido do que de fato estava acontecendo na realidade dos tribunais.
“Nós perdemos este salto histórico”, lamenta Oscar Vilhena, para quem sempre tivemos uma
escola formalista e dogmática, completamente distinta da abordagem proposta pelos realistas. “Nós
tivemos uma academia jurídica muito descolada da realidade, que gira em torno de si em seus próprios
debates — muitas vezes dogmáticos e alheios à realidade. Ainda hoje há este deslocamento”. Em
resumo, não temos uma corrente forte de Law & Economics no país porque queimamos uma etapa
ainda anterior ao surgimento desta intersecção.
Para Luciano Timm, este pensamento ganhou força nos Estados Unidos porque não encontrou um
“predador”. A situação foi diferente na América Latina. “Temos um predador ideológico aqui. Nosso
pensamento é muito mais em favor do mais fraco e pouco pragmático. Não nos livramos do efeito do
‘perfeito idiota latino-americano’, socialista e protetor dos fracos e oprimidos. Além disso, a dogmática
jurídica resiste a pensamentos atuais, mais novos”, diz.
Luciano Timm é um dos responsáveis pelo florescimento da disciplina no país. Hoje ele preside a
Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), que completa dez anos no segundo semestre.
“Quando a ABDE começou, ninguém tinha ouvido falar ainda nisso. De lá para cá, muita coisa já
mudou: várias universidades já têm professor com linha de pesquisa nessa área e no próprio Judiciário
já temos decisões importantes”, afirma. Apesar do avanço, Timm reconhece que a disciplina ainda
enfrenta resistências. “Não é a maioria que já aplica, claro. Desembargadores costumam ser mais
conservadores nesse sentido. Tendem a ser mais paternalistas, na linha de proteger hipossuficientes e
também estão há mais tempo sem estudar”, alfineta.

Outra visão
Na pesquisa Law and Economics in the Civil Law World: The Case of Brazilian Courts, o
advogado brasileiro Bruno Salama, professor visitante de Law & Economics na Universidade de
Berkeley, elencou, em coautoria com Mariana Pargendler, da FGV Direito São Paulo, nove possíveis
razões já citadas na literatura que explicariam por que a disciplina floresceu nos Estados Unidos
enquanto encontra resistências em países de tradição Civil Law.
São elas: a alegada singularidade da ideologia americana, atitudes divergentes em relação à ciência
e prática jurídicas no mundo civil, a falta de habilidades matemática e econômica entre os estudantes
dos países de Civil Law, as barreiras linguísticas e a inércia, o poder comparativamente maior dos
tribunais americanos, os diferentes incentivos dados aos professores de Direito, o grau de protecionismo
dos profissionais do Direito, má-interpretação sobre o método comparativo, outras diferenças culturais e
até mesmo a dominação marxista das faculdades econômicas.
Para Salama, contudo, trata-se de uma lenda a afirmação de que os juízes brasileiros não levam em
conta argumentos econômicos ao julgarem. “Intuitivamente, os juízes pensam sobre incentivos muitas
vezes. Os juízes estão ávidos por formulações sobre impactos de decisões judiciais”, afirma. “Dado que
o Poder Judiciário brasileiro migrou da periferia do arranjo político para o centro, tornou-se importante
em muitos casos pensar nos incentivos gerados por suas decisões. Esse é um tema que precisa ser
digerido pelos nossos juristas e explorados eventualmente”.
No Brasil, segundo Salama, professores, juízes e operadores do Direito olham para a realidade por
um viés sociológico enquanto nos Estados Unidos é o raciocínio econômico que está presente em todas
as disciplinas. “A economia não é a única ciência para pensar sobre impactos. A sociologia jurídica
também traz leituras da realidade e das consequências das decisões”, afirma.
Por outro lado, Salama concorda que a educação jurídica se beneficiaria de uma discussão maior
sobre incentivos econômicos. “É um movimento em curso no país. Isso tem que estar na graduação
porque ao fim e ao cabo aplicar bem o Direito é um exercício de prudência. E exercer a prudência, em
alguns casos, envolve questões consequenciais”.

E a Jurimetria?
O advogado Marcelo Guedes Nunes, presidente da Associação Brasileira de Jurimetria, lembra que
a Economia, há 100 anos, era uma disciplina ligada ao Direito, mas hoje, é um ramo do conhecimento
autônomo que está “devorando o próprio pai”. “Foi a Estatística que permitiu que a Economia se
tornasse o que se tornou”, avalia Nunes.
Para Nunes, a abordagem da Análise Econômica do Direito é “muito interessante”, “extremamente
válida” e “vale realmente a pena ser explorada”, mas ele defende que se trata de Economia e não de
Direito já que o “Direito se torna um objeto de estudo para economistas”.
“Eu faço pesquisa empírica do Direito — e isso é um fenômeno diferente”, afirma. “O que nós
defendemos é que o Direito tem a sua própria disciplina empírica: a Jurimetria. Todo ramo das
humanidades tem a sua própria disciplina empírica e o Direito tem a dele. A gente pode discutir as
consequências do Direito sem utilizar a economia”.

A realidade nos tribunais


O Tribunal Administrativo de Defesa Econômica do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) é o órgão em que conceitos econômicos aplicados ao Direito estão mais presentes
nos julgamentos. “Eu aplico a análise econômica do Direito em 100% dos casos”, afirma o conselheiro
Alexandre Cordeiro.
“A Economia está imbricada no Direito da Concorrência mais do que em qualquer outro ramo. A
gente utiliza instrumentos da própria Economia para fazer uma interpretação do Direito Administrativo
Sancionador do Direito Concorrencial. Se quero determinar qual seria a pena adequada para tal caso,
faço uma análise econômica, seguindo a teoria de Gary Becker, e vou encontrar”, afirma Cordeiro.
Para o conselheiro, “o Direito não tem uma metodologia de análise do comportamento humano
enquanto a Economia tem. Isso facilita legisladores e magistrados a tomar decisões mais racionais”. E
não é só no CADE, nem na Lava Jato, como relatado no início desta reportagem, que a Economia
aplicada ao Direito tem sido utilizada em decisões judiciais.

No STJ
Num julgamento de abril de 2015, o ministro Luís Felipe Salomão, no papel de relator, votou pelo
provimento de um recurso especial utilizando-se da análise econômica do Direito. O Banco do Estado
do Rio Grande do Sul buscava a anulação de uma decisão judicial que concedia uma revisão de
prestações do saldo devedor e repetição de indébito num contrato de financiamento habitacional.
Em seu voto, Salomão argumentou que a análise econômica do Direito “visa à aproximação das
normas jurídicas à realidade econômica, por meio do conhecimento de institutos econômicos e do
funcionamento dos mercados. A interação das duas ciências é o mote da Escola, não a exclusão de uma
pela outra. A regulamentação jurídica, acreditam os defensores da escola econômica, pode influenciar
empreendimentos econômicos e promover o desenvolvimento e a mudança social”.
O ministro citou uma obra de Luciano Timm em que o advogado afirma “que a análise econômica
do Direito permite medir, sob certo aspecto, as externalidades do contrato (impactos econômicos)
positivas e negativas, orientando o intérprete para o caminho que gere menos prejuízo à coletividade, ou
mais eficiência social. A coletividade deixa de ser encarada apenas como a parte fraca do contrato e
passa a ser vista como a totalidade das pessoas que efetivamente ou potencialmente integram um
determinado mercado de bens e serviços, como no caso do crédito”.
A análise econômica do Direito, argumentou o magistrado, “aposta no efetivo cumprimento dos
contratos de financiamento de imóveis, por exemplo, como pressuposto para o sucesso do sistema como
um todo. A satisfação de cada um dos pactos celebrados entre financiadores e financiados,
individualmente considerados, é requisito para que o sistema evolua e garanta o beneficiamento de
outros tantos sujeitos, de toda coletividade interessada”.
No caso concreto, o ministro considerou também que a alegação de abusividade do contrato era
“um tanto quanto genérica” e “um descontentamento geral com o contrato em si”. Diante disso,
considerou que o Banrisul tinha razão e que impunha-se “a anulação de todos os atos até aqui
praticados, inclusive a sentença e o acórdão, abrindo-se prazo legal para emenda à inicia”.

No TJ-SC
Em 2014, ao relatar um mandado de segurança contra uma decisão que negava o acesso gratuito à
Justiça, o juiz Alexandre Morais da Rosa também se valeu da análise econômica do Direito para julgar
o caso.
No voto, Rosa questionou se, num país de extrema exclusão social, em que os recursos e meios
para garantia do acesso à Justiça são escassos, deveria-se aceitar toda e qualquer demanda posta em
juízo com pedido de gratuidade. Logo em seguida, respondeu que não. Segundo ele, pelos
levantamentos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um processo custava à época, em média, R$ 1
mil.
Nas palavras dele, como o exercício do direito de demandar em Juízo não nasce em árvore, “em
face dos limitados recursos do Poder Judiciário e de sua capacidade de assimilação, a propositura de
ações abusivas, frívolas ou de cunho meramente patrimonial e repetitivas, sem custo, pode gerar o
excesso de litigância”. Além disso, “o custo de um processo é assimilado pela coletividade e pelos
demais usuários na forma de uma externalidade negativa”.
Por isso, argumentou o magistrado, “a mera declaração de pobreza não pode mais ser aceita pelo
Poder Judiciário, justificando-se, a exigência de documentos outros que demonstrem, de fato, a ausência
de condições materiais”. No caso em questão, considerou, “andou com acerto a decisão que indeferiu a
gratuidade, razão pela qual a petição inicial é indeferida, até para não gerar mais custos de gestão
(pedido de informações, cartório, remessa de documentos, parecer do Ministério Público, etc.)”. Ao fim
do voto, um recado: “é preciso otimizar o Poder Judiciário”.

A preparação de um magistrado
O juiz federal Erik Navarro, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, está fazendo doutorado em
Harvard sobre Law & Economics. “Meu objetivo é aplicar a análise econômica do Direito no Processo
Civil aí no Brasil”, afirma o juiz.
Navarro afirma que tem percebido um interesse maior e mais discussões sobre a disciplina em
terras brasileiras, talvez porque, em suas palavras, “o Direito no Brasil não deu certo”. “É só olhar para
o sistema de Justiça para ver que ele não funciona. Temos que arrumar uma solução e talvez ela seja a
junção do Direito a matérias mais consequencialistas, como a Economia”, afirma.
Na visão do magistrado, não existe uma dicotomia absoluta entre pensar nas consequências ou
aplicar a lei. A questão é considerar as consequências da interpretação que se vai fazer. Entre os juízes,
segundo Navarro, ainda há um desconhecimento muito grande sobre a Economia aplicada ao Direito,
“questão que nem está muito em consideração”. “O juiz tem muito trabalho, muito processo. Às vezes é
mais simples você não se preocupar com essas questões e, também, muitas vezes, o juiz não tem tempo
ou mesmo condição, dados, para fazer este tipo de avaliação”.
Na visão de Navarro, é na Justiça do Trabalho, por razões ideológicas, em que se encontra maior
resistência à Economia aplicada ao Direito. Neste ramo, existe uma predisposição, na média, segundo o
magistrado, “de se preocupar mais com a questão da Justiça social, mas eles não percebem que as
decisões podem interferir negativamente na Justiça social porque você causa consequências que vão
ferir mais pessoas do que se está tentando proteger”.

O caso dos medicamentos


A cada dia útil são criadas no Brasil inacreditáveis 46 novas regras tributárias. Além disso, de 1988
até 2014, em média, foram publicadas 522 normas a cada dia versando sobre diversos temas. “Nós
sabemos que essas leis são criadas com base em achismos. Alguém, às vezes, com boas intenções cria
regras do nada sem nenhum tipo de mensuração de impacto. Depois somos nós que pagamos a conta”,
analisou a economista Luciana Yeung, na aula inaugural da especialização em Direito e Economia da
Unicamp.
Com tantas novas regras tributárias sendo criadas diariamente não é de se estranhar que o Brasil
ocupe a nada louvável 181ª posição entre 190 países no quesito facilidade no pagamento de impostos no
ranking Doing Business, feito pelo Banco Mundial. Ou seja, apenas nove países do mundo possuem um
sistema tributário pior que o brasileiro. No ranking geral da facilidade em se fazer negócios o Brasil vai
só um pouco melhor: fica na 123ª colocação, atrás de potências como Suazilândia, Kosovo, Vietnã e até
Paraguai.
“Jurista sozinho não consegue melhorar a qualidade das leis. Economista sozinho também não
consegue. Sem econometria não dá para medir impacto, nem saber se uma lei vai ser melhor ou pior”,
afirma Luciana.
O mesmo raciocínio que Luciana emprega para a econometria, o advogado Marcelo Guedes Nunes
emprega para a jurimetria. Um bom exemplo recente de um projeto que não foi criado baseado em
achismos é o do PL 5.850/2016, que agiliza procedimentos relacionados à destituição de poder familiar
e à adoção de crianças e adolescentes, de autoria do deputado federal Augusto Coutinho (SD-PE). O
projeto foi inteiramente baseado na pesquisa Tempo dos processos relacionados à adoção no Brasil: uma
análise sobre os impactos da atuação do Poder Judiciário – coordenada por Guedes Nunes, presidente da
Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). A pesquisa demonstrou que havia uma janela de
oportunidade para adoção dessas crianças bastante limitada por causa da demora no processo de
destituição e é justamente isso que a nova proposta pretende reduzir.

A questão da saúde
Além de poder mensurar o impacto de leis em gestação, a Economia aplicada ao Direito também é
útil para magistrados preocupados com o impacto de suas decisões. As discussões sobre o direito à
saúde são um terreno fértil para este tipo de análise – não só aqui, mas também nos Estados Unidos.
Na visão do advogado Leonardo Barém Leite, que é graduado não só em Direito, mas também em
Economia e Administração, um dos motivos de a saúde ser tão cara nos Estados Unidos, além da
excelência de alguns profissionais, do preço das máquinas e dos exames, é o grande número de
condenações civis por erro médico. “Se olharmos do ponto de vista do Direito puro, esse erro deve ser
reparado e é isso. Do ponto de vista econômico, não vamos alijar este direito, mas vamos
recontextualizar e pensar em que medida devemos fixar esta reparação para que de um lado ajude a
reparar aquele erro, mas sem que isso impacte tanto no seguro médico a ponto de ele ficar caro demais e
a sociedade vir a pagar um preço muito mais caro”, analisa.
Em setembro do ano passado, o filósofo e colunista da Folha de S. Paulo Hélio Schwartsman
explicou bem, em sua coluna, o dilema de se tomar decisões envolvendo o direito à vida: “o caso
clássico é o do bebê doente que precisa de um remédio de alto custo não coberto pelo sistema de saúde.
Se o gestor segue as regras e nega o tratamento, será visto como um monstro insensível à dor da família.
Se, por outro lado, ele autoriza a compra do fármaco, será censurado por ter agido de forma
antirrepublicana, passando por cima dos interesses de um número muito maior de pacientes que não
padecem de moléstias midiáticas”.
Os ministros do Supremo, que terão de decidir sobre essa questão, diz Schwartsman, “serão
criticados por qualquer decisão que tomem. Ou estarão privando alguns doentes com nome, rosto e
história do Direito à saúde, ou estarão agindo de forma fiscalmente irresponsável, o que, ao fim e ao
cabo, também resulta em subtrair direitos vitais a um conjunto anônimo de pacientes”. O impacto nos
cofres públicos em 2016 nas esferas federal, estaduais e municipais chegou a R$ 7 bilhões.
Decisões envolvendo fornecimento de medicamentos fora do que foi contratado junto a planos de
saúde também geram impactos para a coletividade. Um exemplo recente ajuda a ilustrar o tema. A 6ª
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 25 de maio deste ano, determinou
que a Amil deve fornecer a uma mulher com amiotrofia espinhal progressiva tipo I um medicamento
chamado Spinraza (susinersen). O contrato não previa o fornecimento deste medicamento até porque ele
é considerado experimental e, apesar de recentemente ter sido aprovado pela FDA (Food and Drug
Administration) nos Estados Unidos, sequer é registrado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária).
O relator do caso Rodolfo Pellizari questiona: “como suprimir os direitos fundamentais à vida e à
saúde, consagrados na Constituição Federal, em prol de rançosa burocracia existente no país? É
aceitável que a parcela menos favorecida da sociedade padeça de moléstias, cujo tratamento existe e é
aplicado em outros países, porque a falta de recurso financeiro, aliado a morosidade dos órgãos
responsáveis pela aprovação de remédios, os impede de ter acesso? Certamente que não”.
Pellizari não concorda com a argumentação da operadora de que o custo inesperado trará uma
onerosidade maior aos outros usuários do plano de saúde: “não merece acolhida a tese de que a
manutenção da decisão combatida acarretará a inviabilidade do plano de saúde, quer por 'criar
precedentes', quer por onerar demasiadamente a operadora, afinal, não são tantos os beneficiários que
necessitam de tratamentos diferenciados”.
“Alguns magistrados acham que ao julgar casos individuais isso não se refletirá em prejuízo para
os próprios consumidores. Mas se reflete, sim, porque é custo. No ano seguinte isso vai entrar no
aumento da sinistralidade ou ser incorporado como um tratamento que vamos oferecer para todos. O
plano de saúde privado pode custear tudo, mas poucas pessoas vão ter condições para pagar o valor da
mensalidade de um plano assim”, argumenta Eduardo Gil, diretor jurídico da Amil. No caso em
particular do tratamento que não é aprovado pela Anvisa a estimativa é que cada etapa do tratamento
custe R$ 2 milhões.
Quando a decisão envolve o direito à vida, nas palavras do conselheiro do CADE Alexandre
Cordeiro, as escolhas são trágicas. “As pessoas têm o direito à vida, mas se o Estado continuar a ser
condenado a fornecer remédio atrás de remédio, uma hora não vai dar. Com US$ 500 mil que são gastos
num único remédio experimental eu compro inúmeras ampolas de insulina e consigo salvar muito mais
pessoas. Fazendo esta simples análise econômica estou sendo utilitarista, sim, mas em benefício da
sociedade”, argumenta. “A vantagem da análise econômica do Direito é conseguir medir o impacto das
decisões e das normas. O Direito não pode mais ser um fim em si mesmo”.

Publicado em 01/07/2017
Carta a um jovem pesquisador do Direito
O que existiu até hoje no país é a opção de uma carreira amadora de pesquisa na área
Ivar A. Hartmann, professor e pesquisador da FGV Direito Rio, coordenador do projeto Supremo em Números

À
queles jovens que iniciam – ou pensam em iniciar – carreira em pesquisa na área do Direito
no Brasil tenho essencialmente duas notícias: uma boa e uma ruim.
Sempre melhor começar pela ruim. Uma carreira profissional de pesquisa científica no
Direito praticamente não existe. O que existiu até hoje no país é a opção de uma carreira amadora de
pesquisa no Direito. A explicação mais simples é a falta de incentivo financeiro. A remuneração de um
professor de Direito em uma universidade federal é cerca de um terço daquela de um juiz federal ou de
um procurador da República, apesar de o tempo de formação para o cargo ser o dobro.
Docência e pesquisa no Direito acabam sendo, portanto, uma segunda ou terceira atividade. Um
hobby que às vezes não cobre o custo da gasolina e estacionamento do professor. Segundo o
Observatório do Ensino do Direito, apenas 6% dos contratos de trabalho para ensino de Direito no
Brasil são de tempo integral e com exclusividade. É realmente difícil exercer a docência de forma séria
nessas condições – e a pesquisa com rigor e método é impossível, com raríssimas exceções.
Mas a discrepância salarial conta apenas metade da história. Em outras áreas, como física e
matemática, o salário de professores de ensino superior não levou a esse resultado. Décadas atrás, as
carreiras práticas como a advocacia, magistratura e Ministério Público eram a porta de entrada e o
requisito moral para tornar-se professor. Não havia exigência de mestrado ou doutorado. Quando as
faculdades de Direito brasileiras começaram a ser mais do que apenas salas de aula, efetivamente
criando projetos de pesquisa e programas de mestrado e doutorado acadêmico, essas carreiras práticas
continuaram sendo uma via de acesso e uma condição de legitimação.
Ambos os fenômenos estão relacionados, é claro. Se na década de 50 a remuneração do magistério
jurídico permitisse uma vida confortável e viesse junto com exigência de dedicação real à academia,
hoje teríamos um panorama muito diferente.
Mas o fator determinante parece ser realmente a confusão de papéis e capacidades. No Direito
brasileiro, a longa escassez de pessoas cujo real ganha-pão é a universidade acabou influenciando o
modelo do que é ser professor e ser pesquisador. Presume-se que as competências desenvolvidas para
atuar numa carreira prática habilitam o profissional a atuar também em uma carreira acadêmica. Se sabe
fazer sustentação oral então sabe dar aula. Se já escreveu muitas sentenças então é capaz de desenvolver
um artigo acadêmico.
Essa confusão se manifesta na produção intelectual. O exercício do magistério e pesquisa como
atividade secundária ou hobby durante tantas décadas trouxe consigo um paradigma de ciência no
Direito que consiste em manuais de exposição e comentário raso de textos legais. Não há um problema
de pesquisa, não há uma pergunta relevante formulada, não existem hipóteses. Acima de tudo, não há o
esforço para responder perguntas novas. Há apenas repetição de opinião ou defesa de uma tese tal qual
em uma petição. Mais recentemente o número de dissertações e teses aumentou, ao mesmo tempo em
que surgiram revistas acadêmicas procurando artigos resultantes de pesquisa inovadora. Mesmo assim,
os textos continuam sendo em sua vasta maioria meros ensaios. A pesquisa que se pretende teórica, mas
é malfeita é talvez o maior problema. Já a pesquisa empírica é quase inexistente.
A má-notícia, portanto, é que o campo de atuação continua sendo, sob o ponto de vista das
condições de trabalho, do perfil dos colegas e da produção intelectual, salvo algumas felizes exceções,
essencialmente amador.
A boa notícia é que há, portanto, tudo a fazer. Historicamente esse é o ponto de virada da docência
e, especialmente, da pesquisa em Direito no país. A jovem pesquisadora e o jovem pesquisador do
Direito têm o privilégio de estar começando a carreira em um tempo de rupturas e desafios decisivos.
Não há nada mais estimulante do que isso!
A pesquisa precisa ser planejada e executada em sintonia com a realidade social. Essa sintonia
pode significar uma relação mais ou menos direta, visando efeitos a curto ou longo prazo. De qualquer
forma, os acadêmicos, inclusive no Direito, não podem encastelar-se e olhar apenas para o próprio
umbigo. Infelizmente, os tempos de amadorismo consolidaram uma maneira errada de “conexão com a
realidade”: a experiência prática dos autores. Um Promotor de Justiça, por exemplo, produz um artigo
sobre dogmática do tipo penal de roubo resultante da revisão de alguns livros e decisões judiciais
escolhidas arbitrariamente para sustentar seu argumento. Tradicionalmente esse tipo de produção é vista
como estando atenta à realidade essencialmente porque o autor trabalhou muitos anos com processos
sobre roubo.
Os jovens pesquisadores têm a oportunidade e a missão de quebrar esse ciclo. Há duas formas, a
depender do tipo de pesquisa que desejam empreender. A ponte que devem usar para permitir que a
academia descreva o que ocorre no mundo real é o método científico empírico e não a experiência
pessoal. Já se o objetivo é formular abstratamente explicações para o que ocorre no mundo real essa
ponte é o método científico teórico e não a opinião. Um bom pesquisador pode especializar-se em
métodos teóricos ou empíricos, mas não deve ignorar os aspectos básicos de qualquer um dos dois.
Atualmente ainda é considerado aceitável um professor pesquisador no Direito que faz pesquisa teórica
e não sabe a função de uma etnografia ou não consegue explicar a diferença entre média e mediana.
Também há muitos adeptos da pesquisa empírica que ignoram o papel da teoria. Esse tipo de atitude não
apenas inviabiliza pesquisas com múltiplos métodos como também dificulta o diálogo entre os
pesquisadores e as áreas. Isso vai mudar no médio prazo.
Recentemente, quando o Supremo Tribunal Federal alterou o entendimento sobre execução da pena
a partir da condenação em segunda instância, muitos profissionais estimaram, com base em décadas de
experiência pessoal em advocacia criminal e defensoria pública, que o novo entendimento traria o caos
do sistema prisional brasileiro. Utilizando método empírico quantitativo e zero experiência de atuação
nessas áreas, a equipe do Supremo em Números mostrou que o impacto nas prisões brasileiras seria de
2,1%.
Ao mesmo tempo, a pesquisa empírica que produz novos achados tem uma desvantagem para seus
autores. Ela pode incomodar aqueles que não são beneficiados pelos resultados. A produção manualesca
e de ensaios acaba sempre sendo reduzida a argumentos e opiniões. Quando alguém não gosta de um
argumento ou uma opinião, pode simplesmente devolver outro. O custo de veicular opinião é zero. O
custo de formular um argumento teórico sólido é maior. Já para rebater resultados produzidos com
método científico é preciso conhecer esse método e provar que os achados estão errados ou fazer novos
estudos. Isso é ainda mais difícil. Os jovens pesquisadores precisam aceitar o fato de que seus estudos
por vezes serão recebidos com ataques gratuitos.
A reação negativa ou positiva só existe quando a pesquisa tem relevância e não é ignorada. O
impacto real de um estudo é o objetivo principal e também o retorno mais gratificante que a jovem
pesquisadora e o jovem pesquisador devem buscar. Esse impacto pode ser, por exemplo, a reformulação
de uma teoria que leva à revisão de uma política pública – ainda que a médio prazo. Ou a mudança de
um entendimento jurisprudencial consolidado a partir de um novo dado sobre a realidade prática da
aplicação desse entendimento. Pode ser inclusive a alteração de uma lei. Profissionais de outras
carreiras lidam com o efeito diário de seu trabalho e suas decisões, mas naturalmente também buscam
esse impacto maior, que fuja do escopo do caso individual e alcance efeito regional ou nacional.
Mais do que jovens com o mesmo tempo de atuação em outras carreiras jurídicas, no entanto, os
pesquisadores do Direito têm instrumentos para produzir efeitos positivos sistemáticos na sociedade
com maior rapidez. Após anos de gestão e tramitação no Congresso, quando o novo Código de Processo
Civil aguardava a sanção presidencial, o Supremo em Números fez um singelo levantamento sobre o
efeito de um inciso que garantiria 15 minutos de sustentação oral às partes em qualquer agravo. No
Supremo, essa regra exigiria 2.350 horas de sessão de julgamento por ano, enquanto que plenário e
turmas somados realizam 672. Um único inciso inviabilizaria o funcionamento da mais alta corte do
país. Informamos o resultado do estudo à Folha de São Paulo, que publicou um editorial em um sábado.
Na terça seguinte a então presidente Dilma Rousseff sancionou o novo CPC vetando, entre outras
disposições, esse inciso.
É preciso que fique claro que o pesquisador do Direito é aquele que emprega rigor acadêmico e
método para realizar pesquisa teórica ou empírica. Ambas são necessárias e complementares. Ocorre
que a pesquisa empírica é muito sub-representada e de execução mais custosa. Isso faz dela hoje um
campo mais promissor, com muito mais espaço para ocupar e coisas novas a fazer. Felizmente há uma
rede de subsídio, organização e apoio da pesquisa empírica no Direito cada vez mais ampla e eficiente.
Um exemplo importante é a Rede de Pesquisa Empírica em Direito. Alguns programas de pós-
graduação, como o mestrado em direito da Unilasalle, estipulam em seu regimento a obrigação de
pesquisa empírica nas dissertações.
Em termos de viabilidade financeira, a remuneração pessoal é apenas o princípio. Os jovens
pesquisadores precisam estar atentos para a necessidade que a pesquisa empírica geralmente traz de
investimento em equipes, laboratórios, materiais de trabalho, viagens e hardware, por exemplo. A
captação de recursos internos e externos, públicos e privados, nacionais e estrangeiros é uma tarefa
central na atividade do pesquisador.
Inovações viabilizadas pela tecnologia da informação tornam os tempos atuais ainda mais
estimulantes para a pesquisa no Direito. Os jovens pesquisadores, especialmente trabalhando com
métodos quantitativos, podem explorar novos rumos da atuação acadêmica que envolvem o
desenvolvimento de ferramentas para a pesquisa de terceiros. O baixo custo da inovação em TI permite
a criação de modalidades originais de obtenção, armazenamento, organização de e interação com os
dados. O cientista de dados jurídicos é um profissional cobiçado e com espaço de atuação não apenas
em universidades, mas também em empresas como Jusbrasil, RavelLaw e Netlex.
A jovem pesquisadora e o jovem pesquisador do Direito encontram um mercado de trabalho em
plena transformação e já muito diferente daquele que recebia jovens professores há vinte anos. O
principal desafio ainda é profissionalizar a carreira, mas as atuais oportunidades e possibilidades da
atuação em pesquisa no Direito tornam a escolha estimulante e promissora.

Publicado em 16/05/2017
Por uma ciência do Direito mais apropriada
O Direito precisa se reconhecer como ciência e avançar na investigação de causalidade
Guilherme Jardim Duarte, editor do JOTA

Q
ualquer pesquisador em Direito provavelmente já deve ter feito o exercício de conversar com
amigos pesquisadores veterinários, médicos, economistas, sociólogos, e comparar a sua
pesquisa com a deles. É inevitável perceber a diversidade das questões com as quais eles
trabalham. Fazer exercício emagrece? Tabaco causa câncer? Os desembarques na Normandia foram
vitais para o fim da Segunda Guerra? Todos os seus objetos de pesquisa guardam um elemento em
comum: buscam descobrir relações causais entre eventos para explicá-los e usam métodos para testar
hipóteses.
Quando nos voltamos para a “ciência do Direito”, porém, sentimos uma estranheza. Primeiro,
porque pesquisadores do campo não estão acostumados aos mesmos métodos. Por exemplo, “testagem
de hipóteses” torna-se uma expressão estranha. Falar em técnicas como regressão ou estudos de caso
também pode nos fazer soar como falantes de um idioma estrangeiro. Além disso, as questões
investigadas dentro do campo do Direito são muito distintas daquelas mencionadas acima. No geral,
consistem em revisões bibliográficas de temas comuns de manuais, ou, o que se tornou mais comum
nos últimos anos, descrições enfadonhas sobre como tribunais decidem num determinado sentido. Há
exceções, é verdade, mas, a grosso modo, esse é o panorama que se apresenta.
Marcos Nobre, há oito anos, num texto chamado “Apontamentos sobre a pesquisa em Direito no
Brasil” [1] apresentava um diagnóstico péssimo do campo. Dois dos problemas levantados na época era
a falta de profissionalização dos cientistas, que geralmente se dedicavam a outras atividades
profissionais (eram advogados, juízes, promotores), e o isolamento do campo em relação a outras
ciências humanas. Muita coisa mudou desde então. Houve uma maior profissionalização, o Direito
absorveu muito da sociologia, da antropologia, da economia. A dedicação à pesquisa empírica
aumentou. No nosso ponto de vista, porém, ainda precisamos superar muito mais. Para progredir como
ciência, precisamos aceitar duas características que são fundamentais: a) o reconhecimento da não
especificidade de uma ciência do Direito, ou, em outras palavras, reconhecer que ciência é apenas um
método e que o fenômeno jurídico é só mais um objeto; b) reconhecer que precisamos enfrentar mais
questões causais.

Ciência como método


Em nossa história como campo de pesquisa, muita tinta foi gasta por se afirmar que existe uma
ciência jurídica que é distinta das outras ciências. Segundo uma série de autores, essa diferença se daria
por uma metodologia que é completamente própria ao Direito. As descrições variam, mas, afirmam
eles, a ciência jurídica é específica e não deve ser confundida com outras. Tomamos o ponto de vista
oposto. Essa especificidade, em nossa perspectiva, não deve ser reconhecida. A fim de nos situarmos
como cientistas, devemos aceitar que existe um único método que perpassa todas as ciências, tanto
duras quanto moles, e que esse método também se aplica ao estudo de normas jurídicas, de decisões
judiciais e de instituições responsáveis por dizer o que é o direito.
Esse método científico pode ser entendido por três características. Primeiro, ele consiste em criar
teorias ou corpos de explicações sobre o funcionamento do mundo. Por exemplo, se temos explicações
coesas de como juízes decidem, essa é uma teoria, que pode ser testada. Esse conjunto pode ser
formalizado matematicamente, com definições e provas, mas essa característica não é fundamental para
definir o método. Além disso, deve haver precisão o suficiente para que haja identificação de questões
causais, assunto que exploraremos melhor mais abaixo.
Também precisamos de métodos comuns para testar teorias. Para isso, precisamos dominar
técnicas de natureza quantitativa ou qualitativa [2]. Essas técnicas devem ser reconhecidas e aceitas pela
comunidade científica, o que garante reprodutibilidade, isto é, que outros cientistas sejam capazes de
duplicar os mesmos testes e obter novos resultados. Entre elas, podemos mencionar os estudos de caso,
os experimentos controlados, os experimentos naturais, as regressões lineares, entre outras.
Segundo a nossa definição, assim, ciência é caracterizada pelo método [3]. Se utilizamos nomes,
isso serve apenas para demarcar o objeto. Ciência do Direito então seria a aplicação desse método
científico para estudar o fenômeno do Direito; ciência política, para a política; epidemiologia, para os
problemas de saúde; e assim por diante.
Uma objeção pode ser levantada no que diz respeito à interdisciplinaridade. Existem metodologias
distintas quando um mesmo objeto é estudado por departamentos diferentes? Por exemplo, mudanças
constitucionais são pesquisadas tanto nos Departamentos de Direito Constitucional quanto nos de
Ciência Política – há ou deveria haver diferenças nas abordagens? Nossa resposta é que esse fenômeno
é apenas departamental, derivado da maneira como as universidades e congressos se organizam e não há
o que justifique que as abordagens sejam diferentes na prática. Por isso mesmo, acreditamos que o
diálogo entre os departamentos deve ser estimulado.

Causalidade
Além de reconhecer que ciência é método, é necessário assumir que nosso principal papel como
cientistas é o de descobrir relações de causa e efeito na natureza. Em outras palavras, visamos investigar
de que maneira alguns fatores causam outros, com todas as condições mantidas ou com algumas
modificações [4]. Como foi mostrado, questões desse tipo são comuns na ciência.
Todavia, o Direito como campo de pesquisa, sobretudo no Brasil, ainda não adota essa perspectiva
como seu foco principal de trabalho. Mesmo o “boom” da pesquisa empírica pelo qual passou o campo
nos últimos anos ainda nos trouxe muito mais questões descritivas que causais. Por exemplo, é comum
encontrar artigos sobre como decidem tribunais e juízes, mas as razões pelas quais eles tomam essas
decisões ainda não se tornou objeto comum de pesquisa. Essa crítica não quer dizer, evidentemente, que
pesquisa descritiva não seja interessante por si só, mas, sob o nosso ponto de vista, análises causais são
geralmente mais interessantes.
Podemos pensar em hipóteses do porquê a causalidade ainda não é central na ciência jurídica. Uma
explicação inicial é a de que faltam perguntas de pesquisa, mas isso é falso. Questões causais aparecem
todo dia no trabalho dos investigadores. Vejamos alguns exemplos. Uma alteração legislativa tem o
condão de desafogar o processo civil? A decisão do STF sobre cláusula de barreira causou um aumento
do número de processos? Quais as causas de um juiz decidir de um ou de outro jeito? O estatuto do
desarmamento diminuiu o número de homicídios no Brasil? Todas essas questões são interessantes de
um ponto de vista científico e poderiam ser objeto de pesquisa.
Se as questões existem, por que é que há poucos trabalhos causais no Direito, sobretudo no Brasil?
Arrisco dizer que isso ocorre por algumas razões, a primeira delas é a falta de contato do pesquisador de
Direito no Brasil com metodologia. Ao contrário de outros campos em que os pesquisadores são
acostumados desde cedo a criticar a pesquisa alheia e a passar por árduas disciplinas sobre métodos, no
Direito, isso ainda pouco ocorre. As escassas iniciativas de formação metodológica – e um exemplo
ótimo é a Escola de Métodos e Técnicas de Iniciativa da Rede de Pesquisa Empírica em Direito – não
são capazes de satisfazer a demanda.
O estudante de Direito, assim, não é acostumado a pensar de maneira causal, pois não tem
treinamento científico em sua formação. Causalidade exige modelagem, exige que se pense o que está
ocorrendo por trás do fenômeno. Há uma série de problemas comuns que são facilmente identificados
por alguém com bagagem metodológica. Este gráfico, representando uma situação hipotética, é
ilustrativo. Para os não iniciados em estatística descritiva, trata-se de um gráfico de dispersão. Cada
ponto representa uma observação de uma pessoa, de acordo com seu nível de atividade física e seu
colesterol [5].
Um olhar não treinado, ao vislumbrar a primeira parte do gráfico, diria que existe correlação
positiva entre exercício e colesterol, pois os observados com uma quantidade menor do primeiro
possuem um menor nível do segundo, e os com uma quantidade maior do primeiro, um nível maior do
segundo. Dessa maneira, poderia concluir, fazer menos exercício diminui o nível colesterol. Porém, um
cientista aplicado enxergaria claramente no caso uma instância do Paradoxo de Simpson. Em outras
palavras, correlação não implica causalidade, e, ao dividir as observações por idade, como o segundo
gráfico faz, percebemos que a correlação se inverte e se torna negativa.
Esses problemas não aparecem só na medicina, mas também no Direito. Por exemplo, existe uma
influência de pareceres da Procuradoria-Geral da República para as decisões do Supremo Tribunal
Federal? Um cientista ingênuo compararia apenas as taxas de sucesso de ações com parecer favorável
contra as com parecer contrário. O problema, nesse caso, é que um mesmo fator pode estar causando
tanto manifestação quanto às decisões, por exemplo, a legalidade mesma do objeto. Em termos de
diagramas representando relações causais:

Segundo esse modelo, embora exista uma relação entre parecer e decisão, a legalidade impacta os
dois. Dessa maneira, para calcular o efeito, precisaríamos condicionar em alguma eventual medida de
legalidade. Esse exemplo basta para mostrar como questões de modelagem causal são importantes e
deveriam ser abordadas no Direito. No nosso ponto de vista, essas perguntas devem ser estimuladas nas
pesquisas jurídicas.

Conclusão
Mostramos, no texto, duas características que uma possível ciência do Direito deve adotar para que
seja reconhecida como ciência propriamente dita. São essas duas características:
• Adotar a perspectiva de que não existe uma ciência do Direito, distinta de qualquer outra ciência.
Devemos reconhecer essa não-especificidade para que possamos nos superar como campo.
• Foco em questões causais e na preparação metodológica de pesquisadores jurídicos para enfrentar
essas questões.
Acreditamos que a adoção desses dois elementos será responsável pelo desenvolvimento do
Direito como ciência e de seus pesquisadores.
Agradeço a Beatriz Kira, José Duarte Neto, Natalia Pires e José de Jesus Filho pelos comentários.

Publicado em 22/08/2017

[1] Nobre, Marcos. “Apontamentos sobre a pesquisa em direito no Brasil.” (2009). Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2779>. Visto em: 15/08/2017.
[2] Pesquisadores no Brasil, em ciências sociais e economia, ainda se digladiam sobre o que deve predominar: o quantitativo ou
qualitativo. Em nossa visão, esse assunto é superado, ambos são imprescindíveis para a pesquisa.
[3] No mesmo sentido, KING, Gary, KEOHANE, VERBA. Designing Social Inquiry: scientific inference in Qualitative Research.
Princeton: 1994, p.9.
[4] Na ciência, há todo um campo hoje destinado a estudar o que é causalidade e de que forma extrair causalidade, sobretudo quando não
podemos lidar com experimentos controlados. Por exemplo, Guido imbens e Donald Rubin, “Causal Inference for Statistics, Social, and
Biomedical Studies: an Introduction”.
[5] Este exemplo aparece no livro de PEARL, Judea, GLYMOUR, Madelyn, e JEWELL, Nicholas P. Causal Inference in Statistics: a
primer. John Wiley and Sons LTD. 2016. P. 3-4.
Para viabilizar mais adoções, deputado propõe mudanças na
destituição do poder familiar
Estudo empírico identificou que tentativas de citação dos pais biológicos atrapalham
adoção
Kalleo Coura, editor do JOTA

P
or que há tantas crianças aguardando para ser adotadas se há tantos casais na fila esperando a
possibilidade de ter um filho para amar? Há alguns anos, a Associação Brasileira de Jurimetria
(ABJ) foi contratada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para responder a essa pergunta.
Os advogados e estatísticos da ABJ, que trabalham com o estudo empírico do Direito, chegaram a
uma triste conclusão: a Justiça demora quase um ano, em vão, tentando citar os pais das crianças
envolvidas em processos de destituição familiar. Assim, quando finalmente estão prontas para uma nova
família, as crianças já estão numa idade em que poucos casais as querem.
Numa demonstração da importante contribuição que a ciência pode dar à aplicação do Direito e à
elaboração de políticas públicas, a pesquisa em questão – Tempo dos processos relacionados à adoção
no Brasil: uma análise sobre os impactos da atuação do Poder Judiciário –, coordenada pelo advogado
Marcelo Guedes Nunes, da ABJ, inspirou integralmente um projeto de lei que visa agilizar os
procedimentos relacionados à destituição do poder familiar e à adoção.

O problema
O estudo descobriu, por exemplo, que, na região Sudeste do país, o tempo mediano de uma ação de
destituição do poder familiar – que é aplicada em caso de abuso de autoridade, abandono, maus-tratos e
algumas outras hipóteses – é superior a três anos. Em Brasília, o tempo médio é de quase quatro anos.
Isso faz com que a idade de disponibilização de crianças para adoção em processos relacionados
com destituição familiar apresente concentrações maiores nas faixas de oito a onze anos, enquanto
92,8% das famílias que pretendem adotar uma criança preferem uma idade máxima de até cinco anos.
Ou seja, a demora da Justiça faz com que as crianças fiquem anos esperando nos orfanatos enquanto
ultrapassam a faixa etária em que a adoção tem mais chance de acontecer.
“Existe uma janela de oportunidade para adoção dessas crianças que é bastante limitada por causa
da demora do processo de destituição”, afirma Nunes, presidente da Associação Brasileira de
Jurimetria. A pesquisa conseguiu identificar que a citação dos pais é uma das fases que leva muito
tempo injustificadamente e, consequentemente, reduz as chances de uma criança ser adotada.
O artigo 158, parágrafo 1º, do ECA, diz que: “a citação será pessoal, salvo se esgotados todos
meios para sua realização”. O esgotamento de “todos os meios” faz com que o tempo médio de citação
dos dois pais seja de 316 dias na cidade de São Paulo e de 338 dias no Sul do país.

A proposta de alteração legal


O deputado federal Augusto Coutinho (SD-PE) se baseou nos resultados da pesquisa para propor o
projeto de lei 5850/2016 e tentar corrigir esta distorção e agilizar os processos de adoção. “Este talvez
seja o primeiro projeto de lei que seja integralmente ancorado numa pesquisa empírica. Trata-se de uma
concepção nova e que deveria ser generalizada”, afirma Nunes.
Segundo o texto do projeto, “o oficial de justiça deverá procurar o requerido em seu domicílio,
residência ou último local de permanência conhecido por, no mínimo, três vezes”. Quando ele não for
encontrado e a criança em questão tiver idade preferencial para ser adotada e se encontrar em situação
de abrigamento por mais de sessenta dias, o juiz deverá determinar a citação por edital.
“O projeto pode efetivamente ajudar”, afirma o deputado Augusto Coutinho, que tomou
conhecimento do estudo do CNJ por meio de um amigo advogado. “Muitas vezes você tem pais que são
drogados ou andarilhos. Se não diminuirmos a burocracia para citá-los, vamos penalizar as crianças que
ainda têm chances de serem adotadas”.

Prioridade
Outro ponto importante do projeto é que ele deixa a cargo do CNJ o estabelecimento de um “limite
etário de adotabilidade”, a ser revisto a cada dois anos. Às crianças que se enquadrem neste critério –
que inicialmente será até os cinco anos, segundo o texto do projeto – é assegurada prioridade na
tramitação dos processos para que a chance de elas serem adotadas aumente.
O projeto foi apresentado no dia 14 de julho e atualmente se encontra na Comissão de Seguridade
Social e Família.

Publicado em 05/09/2016
Carta a um jovem advogado especialista em Direito Digital
O conhecimento da área passou a ser um requisito para a própria carreira dos operadores
do Direito
Patricia Peck Pinheiro, advogada especialista em Direito Digital. Formada pela Universidade de São Paulo, onde é doutoranda em
Direito Internacional

S
empre tive afinidade com tecnologia, fiz cursos de COBOL e BASIC, e comecei a desenvolver
projetos na área ainda na adolescência. Já na Faculdade de Direito, eu tinha um website
chamado “Urbanóide” e minha fama no escritório onde era estagiária era de ser “a advogada
que entende de tecnologia”, porque eu sabia programação de software. Logo que me formei, em 1998,
comecei a atuar com Direito Digital. Naquele ano escrevi uma crônica que ganhou o prêmio “Pau-Brasil
de Literatura” da USP, falando que no futuro as faculdades fechariam as portas, pois todas as aulas
seriam pela internet, via educação à distância (EAD).
Por causa do texto, do rótulo de “advogada que entende de tecnologia”, e do contexto da época que
era do “bug do milênio”, comecei a ser procurada para falar sobre quebras de contratos de TI e outras
questões legais relativas à proteção de software e à criação de negócios na internet, especialmente em
lojas virtuais e sites de leilão, que estavam em pleno auge. Com isso, para mim, acabou sendo natural
unir meus conhecimentos tecnológicos aos jurídicos, o que se tornou um diferencial. Não era comum
achar um especialista que tivesse domínio das questões legais e também conhecesse das questões
técnicas. Então acabei sendo, mesmo ainda muito jovem e recém-formada, uma solução que o mercado
procurava. Nascia ali uma nova forma de oferta jurídica, a do “Direito Digital”.
Durante as palestras que dava nas empresas, muita gente me pedia indicações de leitura. Meu
último slide era de dicas de leitura, todas em inglês. Esse continua sendo um grande desafio do
profissional do Direito Digital: conhecimento da matéria. Os assuntos até hoje, com quase 20 anos de
atuação na área, ainda são novos para muitas pessoas e se renovam a cada dia, já que a tecnologia muda
e com ela o comportamento das pessoas e seus impactos econômicos e sociais. É um volume de temas
que vem aumentando desde os anos 90, principalmente com a criação do www por Tim Berners-Lee,
mas que quase não estão presentes na grade curricular da graduação de Direito.
Algumas faculdades possuem uma ou outra matéria do Direito Digital como optativa, mas em geral
essa disciplina é tratada somente em especializações e cursos de pós-graduação. Isto tem feito com que
o aluno de Direito se forme muito em descompasso com a realidade da sociedade para a qual ele terá
que trazer soluções, respostas jurídicas.
Quase todos os casos exigem conhecimento técnico sobre como coletar provas eletrônicas, por
isso, acredito que essa matéria tinha que ser dada obrigatoriamente na graduação, em uma aula de
computação, com uso de ferramentas de esteganografia, espelhamento, captura de imagem, software
hexagesimal, entre outras.
Outro detalhe importante, além de saber a matéria, é manter uma atualização constante, já que
estamos falando de uma área em contínua evolução. O que presenciamos é a revisitação dos institutos
fundamentais do Direito relacionados a diferentes temas, como a identidade, já que as pessoas se
relacionam por meio de interfaces e não presencialmente, a soberania, afinal as fronteiras não são mais
geográficas, e testemunhas, que passaram a ser as máquinas. É a transformação do Direito Tradicional
para o Direito Digital.
Às vezes não basta atualizar esses institutos, é preciso mudar. Por exemplo, se uma pessoa copia
seus dados sem autorização, não é possível tipificar o ato como o furto, já que na prática a pessoa levou,
mas não subtraiu os dados (não os tornou indisponíveis, conforme exige o artigo 155 do CP).
Mediante essas novas situações que acontecem no ambiente digital, é necessário pensar em novos
tipos de crimes aos quais os cidadãos digitais estão sujeitos. Atualmente estão sendo rediscutidos
institutos que são pilares do pensamento jurídico, como privacidade, liberdade de expressão e a própria
ética digital e a isso tem se chamado “digital rights”. Já há muitas obras a respeito disso em inglês e
espanhol. Por isso escrevi meu primeiro livro, Direito Digital, que saiu em 2001 e se encontra na sexta
edição, símbolo de como a área continua evoluindo.
Além da qualificação, outro desafio é a própria prática jurídica. Em 2004, quando decidi abrir meu
escritório, meus colegas me perguntavam se eu ia mesmo trabalhar “só” com isso. Na época éramos
dois: um estagiário e eu; hoje somos 23 profissionais, sendo 15 advogados. Meus primeiros clientes
foram gerentes de TI – eu trabalhava com questões de política de privacidade e segurança da
informação, também tinha clientes que precisavam de contratos de hospedagem de site, de
armazenagem de dados, desenvolvimento de software. Inicialmente as funções giravam em torno de
elaborar contratos de tecnologia. Depois vieram os profissionais de marketing, interessados em fazer
campanhas digitais, preocupados em proteger a marca na web e buscando o amparo legal. Na sequência
entrou o varejo: a princípio eram start-ups, pequenos empreendedores que montavam lojas virtuais, mas
então comecei a ter os grandes clientes, empresas tradicionais que queriam tomar proveito da Internet e
iniciar o seu comércio eletrônico.
Com a evolução das relações digitais, o Direito Digital acabou alcançando todas as práticas
jurídicas. Qualquer caso de relação civil, trabalhista ou criminal tem algum aspecto envolvendo o
digital, seja uma mensagem ofensiva ou ameaça, uma comprovação eletrônica de transações financeiras.
Assim, o desafio é a escolha de qual melhor modelo aplicar para casos que muitas vezes são inéditos. É
o novo pensar jurídico que exige do profissional conhecimento técnico, prático e especializado. Ou seja,
a atuação do advogado de Direito Digital passou a ser indispensável. E para os operadores do Direito, o
conhecimento do Direito Digital passou a ser um requisito para a própria carreira.
Publicado em 11/07/2017
Inteligência Artificial como ferramenta anticorrupção
Tecnologia pode ser o principal aliado da melhoria do ambiente corporativo nacional
Paulo Castello, CEO da Fhinck e mestre em Gestão de Negócios pela Georgetown University

N
as delações dos executivos da Odebrecht, algumas vezes aparece a percepção de que
ninguém tinha claro controle dos valores pagos pelo Departamento de Operações
Estruturadas, responsável pelo pagamento dos valores destinados a políticos. E esta
percepção aparece apesar de toda a engenharia de gestão que existia por trás deste departamento, e que
aparece nas notícias dos jornais.
O caso acima mostra como os controles existentes hoje no meio corporativo, por mais avançados
que sejam, ainda não são eficazes ao monitorar o comportamento das pessoas capazes de serem
envolvidas em casos de corrupção. Mesmo os melhores sistemas de gestão podem ser fraudados por
interferência humana. Ou seja, para proteger a empresa dessas interferências, é importante que existam
mecanismos eficientes de monitoramento.
A lei 12.846, aprovada e sancionada por causa das manifestações de junho de 2013 e que
estabelece os critérios para o combate à corrupção no Brasil, insere como um dos itens a serem levados
em consideração na avaliação das sanções de uma empresa investigada “a existência de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação
efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. Ou seja, quanto mais eficazes
forem os mecanismos internos de compliance, melhores as condições de uma empresa cooperar com as
autoridades em casos de suspeita de corrupção.
Atualmente, as melhores práticas de ética corporativa e compliance estão baseadas na denúncia
interna. Aperfeiçoam-se os canais, protege-se o anonimato do denunciante, tudo para assegurar que a
empresa possa identificar uma conduta inadequada ou mesmo criminosa. Contudo, mesmo com todas
essas proteções o medo pode interferir na decisão do colaborador de denunciar o próprio chefe. Vimos
isso diversas vezes na Lava Jato, em que funcionários cumpriram ordens ilegais e nunca denunciaram
seus líderes.
É aí que entra o papel da inteligência artificial. Por meio de captura e monitoramento de dados,
processados em algoritmos de machine learning, é possível monitorar e identificar padrões de
comportamento que estejam fora dos estabelecidos nos códigos de ética e conduta. Ferramentas de
inteligência cognitiva podem ser fundamentais em um processo interno de investigação, e assim
diminuir a dependência da denúncia interna.
Por exemplo, imagine que um profissional da área financeira está passando informações
privilegiadas da empresa em que trabalha, uma SA, para o cunhado, que opera no mercado de capitais.
Com essas informações o cunhado consegue especular com as ações da empresa, antecipando-se, por
exemplo, à divulgação de informações trimestrais.
No contexto atual, seria necessário que a CVM conseguisse identificar uma operação financeira
atípica para deflagrar uma investigação, que exporia a SA em questão. Ou então um colega teria que
denunciá-lo internamente. Ora, com ferramentas de inteligência artificial a empresa conseguiria
identificar a conduta criminosa do profissional antes mesmo de seu cunhado conseguir fazer a primeira
especulação. Isto permitiria a tomada de medidas preventivas imediatamente, sem esperar que o assunto
chegasse a CVM.
A tecnologia, portanto, pode ser o principal aliado da melhoria do ambiente corporativo nacional.
Ela não apenas pode tornar a empresa mais competitiva, como também pode torná-la melhor, mais ética
e alinhada aos padrões internacionais de compliance.

Publicado em 12/05/2017
Faculdades de Direito oferecem disciplinas em inglês
Aulas em outro idioma aumentam internacionalização dos alunos e ingresso no mercado
de trabalho
Alexandre Leoratti, repórter do JOTA

A
s disciplinas em inglês se tornaram uma tendência entre as principais faculdades de Direito
do Brasil. Os cursos da FGV-RJ, FGV-SP, USP, Mackenzie e PUC-SP já apresentam em suas
grades curriculares matérias realizadas totalmente no idioma inglês. A maioria conta, ainda,
com a presença de alunos estrangeiros.
A Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, foi a última a
fazer parte deste grupo. Um projeto-piloto com a disciplina “Controle de Constitucionalidade”, cujas
aulas em inglês serão optativas, será oferecido aos alunos a partir do segundo semestre de 2017.
Para Maria Lage, Coordenadora de Cooperação Internacional e Interinstitucional da Universidade,
a aula em inglês é uma tendência mundial das universidades e também uma maneira de trazer
estudantes do exterior.
“É uma forma de internacionalizar a vida dos alunos. Enviamos em média 500 estudantes por ano
para outros países. Entretanto, nem todos podem ir. Sendo assim, a outra maneira de promover a
internacionalização é trazer do exterior quem quer estudar aqui”, disse.
O professor Pedro Buck será o responsável pela aplicação do módulo. Para ele, um dos principais
aspectos da aula é tirar o medo que os alunos brasileiros enfrentam devido ao idioma. O módulo
funcionará com o mesmo conteúdo e dinâmica das outras aulas em português, com trabalhos, provas e
diálogos. “O propósito é ter um ambiente acolhedor”, afirma.
Para os organizadores da disciplina, as aulas em inglês podem ajudar os alunos de Direito no
ingresso do mercado de trabalho do setor. “É sempre bem avaliado por empresas a capacidade de
dialogar com pessoas de origens diferentes. Além disso, o aluno conseguirá se aprofundar em temas e
literatura em linguagem estrangeira”, afirmou Maria Lage. Trata-se, segundo ela, de uma forma de
praticar o inglês sem precisar pagar por um intercâmbio.

Alunos estrangeiros
A Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) oferece de quatro a
sete disciplinas optativas em inglês por semestre. Para Eduardo Jordão, professor de Direito e
coordenador de relações internacionais da faculdade, as aulas representaram uma estratégia de
internacionalização da escola.
O coordenador afirma que há alunos brasileiros que possuem maior rendimento em aulas em outro
idioma. “Vários alunos preferem ter aula em inglês. Eles conseguem se expressar melhor, se sentem
mais à vontade”, afirmou Jordão, acrescentando que muitos estudantes são “mais tímidos” em aulas em
português.
As disciplinas oferecidas em inglês variam a cada semestre, entretanto as mais populares são
mantidas por alguns semestres. Eduardo Jordão cita o exemplo da matéria de “Direito da Favela” que,
segundo o professor, é a que mais atrai alunos estrangeiros para as salas de aula. “É uma curiosidade
dos estrangeiros conhecer a realidade brasileira. Eles acabam tendo dúvidas que para nós pareciam
coisas naturais”, disse.
Cada turma possui em média 20 alunos e é composta por 10 estrangeiros. Para Jordão, a presença
de alunos estrangeiros é importante para levar à sala de aula exemplos de jurisdições estrangeiras. “Em
uma aula sobre o controle da violência causada pelo álcool, um aluno da Suécia pode explicar como que
o seu país controla o problema. Assim, podemos conhecer como o Direito funciona em cada país”,
afirmou.

Mais debates
A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) oferece aulas optativas para o nono e
décimo semestre sobre Arbitragem Internacional. Para Cláudio Finkelstein, atual professor do módulo e
um dos idealizadores da ideia, há sete anos, as aulas são compostas somente por alunos brasileiros.
“Nos últimos quatro anos não me lembro de ter recebido intercambistas. A disciplina se tornou uma
matéria para brasileiros”, disse.
Para Finkelstein, o motivo pela falta de alunos estrangeiros nas aulas em inglês é o fato que muitos
acabam optando por realizarem disciplinas em português para praticar o uso do idioma.
De acordo com o professor, o estilo de aula em inglês adotado pela instituição faz com que o
professor tenha um papel mais passivo, permitindo aos estudantes um maior espaço para discursos e
exposição de ideias.
O professor também afirma que faz parte da aula a discussão, sempre em inglês, de casos
relacionados com as matérias estudadas em sala de aula e as principais matérias jornalísticas da semana.

Law Schools Global League


Com quatro disciplinas em inglês por semestre, cada uma com duração de dois meses, a Escola de
Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) recebe, em média, dez alunos estrangeiros
para as aulas, que também podem ser assistidas por alunos de outros cursos da faculdade.
A principal disciplina que é disponibilizada todos os semestres para os alunos se chama “Sistema
Legal no Brasil”, com o objetivo de propiciar uma visão sobre o sistema Judiciário nacional.
Para Maria Lúcia Pádua Lima, coordenadora de relações internacionais da escola de Direito da
FGV-SP, o principal benefício das aulas é mostrar aos alunos brasileiros a capacidade que eles possuem
de debater com o mesmo nível técnico de alunos estrangeiros. “Queremos que os alunos se sintam em
condições de argumentar com colegas de outras partes do mundo”, afirmou.
Os alunos que desejam ter um contato mais profundo com o idioma inglês também podem
participar da Law Schools Global League, uma liga que possui a parceria de 24 escolas de Direito do
mundo, com o objetivo de desenvolver pesquisas em assuntos como: Grupo de Anticorrupção, Novas
Tecnologias, Direitos Humanos e Business Law.
A Law School possui uma liga de verão, que permite que os alunos viajem para outras sedes para
ajudarem na realização de pesquisas e trabalhos acadêmicos. Segundo Maria Lúcia, em média, de
quatro a cinco alunos da FGV-SP participam do curso de verão anualmente. Um grupo deles chegou a
ser premiado por um trabalho sobre novas metodologias do ensino jurídico.

Múltiplas Habilidades
Para Alberto do Amaral Júnior, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP) e responsável por ministrar aulas em inglês na instituição, o principal
diferencial das disciplinas em outro idioma é o método de múltiplas habilidades a que os alunos são
expostos.
“Eles aprendem a expressão escrita e oral, trabalho em conjunto, habilidade de elaboração de
artigos e peças processuais, além do vocabulário típico da litigação internacional”, afirma.
As aulas, em turmas de 30 alunos, são baseadas em leituras e debates sobre textos em inglês e
discussões sobre casos especiais. Estas aulas costumam receber alunos de outros cursos, como
engenharia, administração e economia.

Publicado em 28/07/2017
Terceira Parte
Empreendedorismo
Mercado jurídico saturado? Empreender pode ser a solução
Luís Viviani, repórter do JOTA

D
e uma conversa entre o advogado Flávio Ribeiro, que então atuava na área societária e fazia
doutorado na USP, e o estudante Pedro Delfino, de 24 anos, surgiu a ideia da criação de uma
ferramenta que automatiza a elaboração de documentos por meio de questionários.
“O Flávio me relatou a percepção dele de que, depois de aprender a lógica dos documentos
societários, 70 a 80% do tempo que ele gastava na criação dos documentos era em atividades
burocráticas, como adaptar uma cláusula que já tinha utilizado em uma operação similar ou consertar
formatação”, conta Delfino.
Surgia ali o NetLex, uma startup jurídica que gera automaticamente e de forma inteligente
documentos-padrões, reduzindo custos tanto para empresas quanto para escritórios de advocacia. No
caso de um grande escritório, por exemplo, o ganho de produtividade cresceu 68%.
Delfino ainda está nos bancos da graduação – de duas aliás: Direito e Matemática Aplicada –, mas
já fez algo que os mais de 850 mil estudantes de Direito precisarão considerar: empreender.
O Brasil possui, hoje, 1.033.948 advogados registrados na OAB, o que significa que a cada mil
brasileiros, cinco são advogados – isso sem contar juízes, promotores, defensores públicos e outros
operadores do Direito.
Com o ingresso de mais de 850 mil novos bacharéis no mercado nos próximos cinco anos, as
perspectivas não são muito otimistas – para dizer o mínimo. Uma das saídas para o estrangulamento e
supersaturação do mercado passa pela inovação, criatividade, e – por que não? – a abertura do próprio
negócio.
“Diante do mercado atual e da perspectiva do que este mercado vai trazer nos próximos anos, o
aluno tem duas opções: pode ser advogado, que daqui um tempo vai ser demitido porque sua função vai
ser substituída por um software; ou pode ele mesmo ser o fundador da empresa que fundou esse
software”, afirma Ivar A. Hartmann, pesquisador e professor da FGV Direito Rio.
O diferencial de um profissional da área do Direito há cerca de 10, 15 anos era considerado o
conhecimento de administração, gestão, contabilidade, matemática financeira. Hoje, entretanto, aponta
Hartmann, o mais importante, e o que vai garantir uma carreira de mais oportunidades, é o
conhecimento de tecnologia e, consequentemente, de programação. Hartmann é, ele próprio, um
empreendedor. Ele é o criador da Publyx, ferramenta que conecta autores a periódicos acadêmicos.
Nesse cenário, a relação da tecnologia com o universo jurídico torna-se indispensável. Tanto é
assim que o Brasil já está vivenciando um crescimento das LawTechs ou LegalTechs, startups cujo
serviço mescla aspectos do Direito e da tecnologia.
A existência de mais de 100 milhões de processos tramitando na Justiça, ou seja, quase um
processo para cada duas pessoas do país, e a conhecida morosidade do Judiciário, exemplifica como
possíveis mudanças propiciadas pela tecnologia e pela inovação são necessárias.
A busca por acordos online sem a necessidade de passar pelo Judiciário, a automatização da
elaboração de petições, o aumento de coleta de informações do Poder Judiciário, o auxílio na pesquisa
de conteúdo jurisprudencial e o cálculo de probabilidades de ganho e perda já são aspectos abordados
pelas LawTechs nacionais.
Segundo professores e advogados ouvidos pelo JOTA, não há dúvida de que o futuro das
profissões da área do Direito irá necessariamente passar pela tecnologia e até pelo conhecimento de
programação. Ainda assim, uma grande dificuldade é que, por ser uma área muito conservadora, as
inovações tendem a ser vistas com desconfiança pelos players do mercado jurídico.
O conservadorismo do mercado de advocacia aliado à proibição da “mercantilização da profissão”
apontado no Código de Ética da OAB, além do fato das faculdades de Direito não prepararem o
estudante para o mercado, ou seja, a formação obsoleta dos bacharéis, são dois dos “obstáculos” para as
alterações que, mais cedo ou mais tarde, vão acabar acontecendo no ambiente legal.

Falta de investidores, formação acadêmica obsoleta e conservadorismo


Para empreender, a “hora certa”, segundo o professor e pesquisador da FGV Direito Rio Ivar A.
Hartmann, que também é empreendedor, é sempre o “agora”. “O risco é inerente à busca pela inovação.
Se fosse risco zero, todos fariam”, provoca Hartmann, que é responsável pela disciplina eletiva
“Programação para Advogados”, com foco em tecnologia e startups.
O risco, além de ser financeiro, pode significar às vezes até abrir mão do atual emprego para se
dedicar à ideia. “Creio que a máxima do mercado de que ‘quanto maior o risco, maior o retorno’
também vale para o segmento do empreendedorismo”, aponta o advogado Erik Fontenele Nybø, autor
do livro “Direito das Startups” e coordenador do curso de formação executiva focado em startups no
INSPER.
No mercado jurídico, contudo, os riscos provavelmente são ainda maiores pela falta investimentos
e incentivos na área e pelo conservadorismo e consequente reticência em relação a mudanças.

Falta de investidores
De acordo com Erik Nybø, que também é gerente jurídico Global da Easy Taxi, a principal barreira
para obtenção de capital é o desconhecimento sobre quem pode fornecê-lo, como funciona o mercado,
das habilidades básicas para captar investimentos ou dos fundamentos necessários para convencer um
investidor.
“Hoje, o capital pode ser obtido com o que o mercado cunhou de 3Fs (friends, family and fools, ou
seja, amigos, família e loucos), investidores-anjo, fundos de investimento, plataformas de crowfunding
ou equitycrowdfunding, instrumentos de dívida ou com intermediadores especializados em localizar
investidores para projetos”, explica Nybø.
Ele aponta para o fato de que em outros países, como nos Estados Unidos, a presença de LawTechs
há mais tempo e em maior escala se deve, em grande parte, pela menor restritividade das normas tanto
em relação ao mercado jurídico, quanto de tecnologia.
“Em uma análise geral, o mercado norte-americano é muito mais liberal, permitindo que iniciativas
inovadoras surjam com maior facilidade e em maior escala”, aponta.
De acordo com Bruno Feigelson, advogado e criador da startup Semprocesso, uma plataforma que
visa propiciar acordos pela internet, o Brasil realmente ainda não é um dos melhores países para
conseguir financiamento principalmente pela taxa de juros alta, que incentiva “muita gente a ser
rentista, e preferir deixar dinheiro parado a investir”.
“Aqui, ainda está começando a se formar essa figura do investidor-anjo. Não temos muitos cases
de investimento profundo”, lamenta. O investidor-anjo é aquele que faz investimentos com seu próprio
capital nas startups. Recentemente, a Lei Complementar n. 155/16 buscou regulamentar o sistema de
Investimento Anjo. Em coluna do JOTA, Luiz Gustavo Garrido, fundador e Diretor Jurídico da
Associação Gaúcha de Startups, analisou se a lei, por si só, é capaz de gerar segurança jurídica ao
investidor-anjo, no sentido de que seu patrimônio não será responsabilizado por eventuais débitos da
empresa investida. Ainda trata-se de um tema não muito maduro no país.
“Hoje, o Brasil é o país com o Judiciário mais caro do mundo em termos proporcionais ao PIB. É
um gasto social, e precisa reduzir isso para gerar valor”, diz. O que acontece, segundo ele, é que os
fundos têm olhado para as ineficiências brasileiras, e, por não conhecerem o mercado jurídico, que é
muito particular, não possuem a confiança necessária.

Formação obsoleta
Além de se preocupar com o futuro e com a saturação do mercado, os 850 mil estudantes de
Direito também precisam se preocupar com o presente. Segundo professores ouvidos pela reportagem,
além da enorme quantidade de futuros profissionais, o maior problema reside na própria formação dos
estudantes, que, na maior parte dos casos, tem acesso a um ensino pífio.
Em texto no JOTA, Paixão explica a ideia do curso experimental de Direito e Empreendedorismo
que ele leciona na UnB. “Montamos um curso estruturado em dois eixos: teórico, onde são apresentados
estudos de casos de empresas que estão inovando o mercado jurídico (escritórios de advocacia, grandes
empresas, startups) e prático, onde os alunos são desafiados a elaborar um projeto de um negócio
jurídico inovador (uma legaltech)”.
O professor da FGV Rio Ivar Hartmann segue o mesmo raciocínio. “Nossa grande preocupação é
que educação que a FGV Direito dá não seja obsoleta daqui a 10 anos”, diz.

Mercado conservador
Outra dificuldade a ser superada por futuros empreendedores é o conservadorismo da área jurídica.
A profissão ainda é vista como “algo sagrado”, o que leva o Código de Ética da OAB a não admitir a
“mercantilização do trabalho”, por exemplo.
Para Ivar Hartmann, há um forte ranço contra a prática livre da profissão. “A advocacia é um
mercado e tem que ser tratado como tal. Temos muitas regulações que restringem a profissão. As
pessoas não deveriam ter medo nem pedir autorização para empreender”.
Segundo o professor da FGV Direito Rio, a regulação do mercado vai “piorar um pouco antes de
melhorar”, já que, no final das contas, não é possível lutar contra a inovação. “Os novos serviços
jurídicos já sofrem ataques regulatórios, via tribunais. Existem decisões que proibiram serviços
jurídicos baseados na lógica de que trabalho do advogado é sagrado. Então tem ainda esse período em
que vai se tentar salvar de certa forma ou proteger o mercado tradicional frente às inovações”, aposta.
Um exemplo recente disso foi quando a OAB-RJ entrou com uma ação contra o site
queroprocessar.com. “Se a Ordem passar a entender inovação disruptiva como impedimento ao
exercício da profissão, há o risco de, em algum tempo, se unir aos sindicatos de taxistas que protestam
contra o Uber”, escreveram Ricardo Paixão e dois coautores num artigo sobre o caso.
“Existe uma reação de autodefesa que grupos de interesse que controlam o mercado tradicional vão
fazer para se proteger, via lobby, via litígio, pelo judiciário. Mas isso é inevitável, quando tem essa
disrupção, há aqueles que estão do lado atrasado e vão tentar se proteger”, critica Ivar Hartmann.
Muitos advogados acreditam que a tecnologia tomará conta do trabalho desenvolvido por eles e,
por isso, ficarão desempregados. No entanto, para Nybø, a tecnologia deveria ser vista como uma
aliada, uma ferramenta para a democratização dos serviços jurídicos e uma alternativa de carreira.
“Creio que muitas inovações no mercado de advocacia são barradas por causa de regras impostas
pela entidade que regula a classe. Diversas iniciativas inovadoras podem ser sufocadas pelo simples
argumento de que estão ‘mercantilizando a profissão’. Muitos escritórios têm práticas que seriam
reprováveis pela entidade da classe, porém acabam conseguindo se esquivar”, critica.
“Exemplos são aquelas empresas que prestam serviços jurídicos a preços mais baixos, advocacias
que anunciam serviços imobiliários de corretagem, propaganda de serviços advocatícios fora do padrão
permitido, pessoas gritando ‘vem processar o patrão’ em pleno dia na Praça da Sé, dentre outros
exemplos muito mais absurdos e que são de conhecimento geral”, continua.
Quem não se adaptar está perdido
Um robô desenvolvido pela Universidade de Toronto, no Canadá, é a maior prova de que o Direito
não tem como se desvencilhar mais da tecnologia. O robô Ross é, segundo a IBM, capaz de peneirar
mais de um bilhão de documentos de texto em um segundo e retornar a passagem exata que o usuário
precisa. Por isso, já cumpre funções em grandes escritórios de advocacia norte-americanos.
“Ross e todos os demais programas que estão chegando às bancas jurídicas não serão uma ameaça,
serão um baita auxílio aos advogados que, na essência da profissão, efetivamente advogam. Ameaçados
estarão – ou já estão – os profissionais que se reduzem ao “recorta e cola” de uma rápida pesquisa em
qualquer programa de computador, com a única preocupação de atualizá-lo às suas novas versões”,
escreve o advogado e sócio-fundador da BGR Advogados Fabio da Rocha Gentile sobre o assunto.
É a mesma linha de raciocínio de Erik Nybø, para quem as inovações visam lidar com as
ineficiências existentes no mercado atual. Para o profissional, não faz sentido para uma startup buscar
competir com escritórios ou com advogados estabelecidos. Até porque estas empresas nascentes não
tem o conhecimento ou recursos necessários para estabelecer uma competição com estes profissionais.
“Muitas vezes, as startups acabam criando produtos e serviços para auxiliar advogados ou
democratizar o acesso a informações jurídicas ou o próprio acesso a advogados”, explica.
Bruno Feigelson argumenta que quem não se adaptar, não terá vez no mercado. “Vivemos uma era
de ampla conexão na qual as pessoas querem comunicação rápida, feedback rápido. O caminho natural
é de absorção dessas novas tecnologias”.

Novas carreiras
O professor Ivar Hartmann, da FGV Direito Rio, lista duas atividades em especial que considera
inovadoras:
Atividade de análise de documentos jurídicos. Há pouco tempo a alternativa era pagar para um
advogado analisar milhares de páginas de documentos jurídicos. Hoje o papel cabe aos softwares, que já
estão no mercado e poupam milhões de reais nas empresas.
Produção de documentos jurídicos. Mexe com contratos. Trata-se de uma parte essencial para
advogados, pois esse tipo de software monta documentos de maneira mecanizada.

Startups do Direito
A Associação Brasileira de Startups tem atualmente, em seu banco de dados, 4.217 empresas
cadastradas. São Paulo é o estado com maior número: ao todo, são 1.319 empreendimentos inovadores
na região. Minas Gerais, com 365 startups, e Rio de Janeiro, com 342, aparecem na sequência. Além
disso, segundo a base de dados da ABStartups, há atualmente 20 startups na área do Direito e que
prestam serviços jurídicos.
Mas, existem mais startups jurídicas no mercado. No início do mês foi criada a Associação
Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), que conta com o JOTA como um dos fundadores e que já
possui mais de 35 membros.

Acordo Fechado
Formado em Direito, Marcelo Goldman, de 31 anos, faz pós-graduação na FGV na área de
administração de empresa. Ele diz que, desde pequeno, sempre queria ser o “mais justo possível e lutar
pelas coisas certas”. A ideia de empreender veio na faculdade (FGV), numa disciplina que envolvia a
programação.
“Trabalhava num escritório junto com dois amigos e via diversas necessidades lá. Percebemos que
uma solução tecnológica traria mais eficiência e resultados com menor custo a trabalhos que eram
efetuados por advogados, estagiários ou pela própria equipe administrativa”, conta.
Assim nasceu uma plataforma online de conciliação e mediação que visa o diálogo entre
consumidores e empresas. “O objetivo era diminuir o tempo de vida útil dos processos nos tribunais,
tendo em vista que acordos na internet podem durar horas, enquanto a espera por uma audiência de
conciliação pode durar cerca de 6 meses”.
A Acordo Fechado tenta acelerar e potencializar o fechamento de acordos de uma forma intuitiva e
com menos custo. Além disso, Marcelo cita que o site pode contribuir para uma mudança
comportamental para diminuir o número de litígios. A taxa de sucesso de acordos fechados é maior que
80% e a expectativa é que a empresa feche o ano com um faturamento de R$ 1 milhão.
Em 2015, Marcelo submeteu o projeto junto à Espaço Nave de Estácio, e venceu o case do ano
como melhor aceleradora do Brasil, após concorrer com mais de 150 startups num período de 5 meses.
“Hoje, já tem mais de dez mil processos na plataforma. Já fechamos mais de quatro mil acordos.
Trabalhamos em parceria com algumas empresas e escritórios”, conta Marcelo.

Sem Processo
De acordo com Bruno Feigelson, de 31 anos, o objetivo da Sem Processo é evitar a judicialização.
Em vez de protocolar na Justiça direto a inicial de um processo, quem procura o site dará um prazo de
dez dias úteis para a manifestação da empresa. Uma vez manifestado o interesse num acordo, abre-se
novo prazo de dez dias úteis para que haja a negociação.
“Quando você tem um problema, e passa para o advogado, em geral ele não vai nem tentar
conversar com a empresa”, aponta. Desse modo, com a tecnologia, os conflitos envolvendo consumo
podem ser resolvidos de forma mais rápida e menos custosa.
Pode-se resumir o processo em 5 passos: o advogado protocola a inicial no Sem Processo; a
plataforma a encaminha para a empresa; o departamento jurídico, então, analisa a possibilidade de
acordo; advogado e departamento jurídico negociam e, por fim, o acordo é realizado de forma rápida e
direta.
Segundo Feigelson, desde julho do ano passado, mais de 250 empresas já foram notificadas pela
plataforma. “Temos sido muito bem-sucedidos. Criamos um novo módulo que, além de o advogado
buscar a empresa, a própria empresa antes de ter audiência, pode entrar na plataforma e convidar o
advogado para negociar. Isso tem sido bem-sucedido também, e tem reduzido bastante o contencioso
empresarial”, explica.
No momento, a Sem Processo, que encontra-se em fase de expansão, tem parcerias com mais de 50
empresas de diferentes segmentos.

NetLex
Cursando uma dupla graduação na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro em Direito (FGV
DIREITO RIO) e Matemática Aplicada (EMAp), Pedro Delfino, de 24 anos, é um dos fundadores do
NetLex, startup que auxilia escritórios e empresas de médio e grande porte a otimizar o processo de
criação e gestão de documentos.
Desde o final de 2015 ele não participa mais das operações da empresa e no início deste ano
decidiu vender suas quotas. Pedro conta que a ideia surgiu em 2013, quando participava de um projeto
de alunos e ex-alunos da Faculdade de Direito da UFMG. O objetivo era criar um fundo para financiar
projetos extracurriculares dos alunos.
“Na época, eu era da equipe responsável por desenvolver o site desse projeto, juntamente com o
Flávio Ribeiro, que era advogado de societário e fazia doutorado na USP. Nessas conversas, o Flávio me
relatou a percepção de que, depois que aprender a lógica dos documentos societários, 70% a 80% do
tempo que ele gastava na criação dos documentos era em atividades burocráticas, como adaptar uma
cláusula que já tinha utilizado em uma operação similar ou consertar formatação”, conta.
Resumindo, o que realmente exigia inteligência jurídica era o que gastava menos horas de trabalho.
Eles, então, passaram a desenvolver uma ferramenta que automatiza a elaboração de documentos por
meio de questionários.
“O desenvolvimento seguiu um fluxo diferente do que geralmente é feito pelas startups. Em vez de
produzirmos um MVP [produto minimamente viável] e depois o sofisticarmos, nós pesquisamos o
estado da arte do que existia no mundo sobre automação documental e falamos: vamos fazer melhor.
Isso, claro, trouxe vantagens e desvantagens. A grande dificuldade foi que ficamos cerca de um ano e
meio desenvolvendo o produto, fase em que tivemos que buscar financiamentos para podermos
sobreviver”, explica.
De acordo com Delfino, a plataforma permite que os clientes automatizem seus próprios
documentos, como contratos e peças processuais, de forma a produzi-los por meio de um questionário
intuitivo, com ganho de agilidade, controle e qualidade.
“A tecnologia do NetLex permite a criação de documentos extremamente personalizados, no exato
padrão empregado pelo escritório ou empresa. O NetLex também possui diversas funcionalidades, tais
como a possibilidade de automatizar cálculos, utilizar os dados gravados em outros sistemas e visualizar
o documento sendo gerado na medida em que o questionário é respondido”, explica.
Delfino concorda que o mercado jurídico está em grande transformação e cita o autor Richard
Susskind, que aponta três “vetores” de mudança que estão ocorrendo no mundo inteiro. O primeiro
vetor de mudança é o avanço da tecnologia. O segundo é a pressão no mercado jurídico por serviços
mais rápidos, mais baratos e com melhor padrão de qualidade. O último vetor é uma tendência de
desregulamentação.
“No Brasil, a gente observa isso nas discussões sobre a extinção da prova da OAB, de permitir a
entrada de escritórios estrangeiros no mercado nacional ou de reduzir a barreira regulatória para atuar
no mercado jurídico, por exemplo, com a regularização da figura do ‘paralegal’”, afirma.
Para o futuro, sua aposta é de que irão surgir outras LegalTech startups no Brasil que seriam cópias
de empresas estrangeiras, sobretudo americanas, “para surfar na onda dessas tendências”.
“O Brasil tem, em geral, um mercado muito ineficiente. O mercado jurídico ainda tem a
característica de ser mais doméstico e menos global, sendo mais ineficiente que a média. No Brasil,
você consegue ganhar algum dinheiro vendendo tecnologia que surgiu nos EUA no início da década
passada. Setores ineficientes e estruturados sob uma regulação frágil têm grande vocação para serem
‘disruptados’. Não existe nada mais ineficiente e ridículo do que a indústria dos cartórios no Brasil”,
afirma.

Dicas para quem quer empreender


Confira algumas dicas do que fazer e do que não fazer para quem pensa em empreender:

O que fazer
Aprender a programar. É o item número um da lista. “É preciso pensar que nos próximos anos
programar será essencial. Se não for você, será outro”.
Identificar e estudar os serviços jurídicos que mais crescem. “Como desempenhar um papel para
fazer algo novo acontecer ou fazer uma empresa que se associe às mudanças desse sistema atual”.
Atuar em algo que realmente goste: “A pessoa vai viver aquilo dia e noite, diferentemente de um
emprego comum em que a atividade geralmente cessa após o término do horário comercial”.
Seja versátil: “Ou você se adapta ou morre. Os grandes escritórios já estão pensando nas formas de
tecnologia, os médios ainda estão alheios. A AGU, por exemplo, já fez um programa piloto de
automatização sobre INSS, com peticionamento sem a presença humana. Já está acontecendo uma
transformação, e isso já é o presente, o futuro só será mais intenso”.
Leia: “Uma sugestão é Paul Graham, que entende muito de startups. Há vários ensaios escritos
desde a década de 90 e disponibilizados gratuitamente. Paul Graham é o filósofo preferido dos hackers,
e criou a Y Combinator – melhor aceleradora de startups do mundo –, a plataforma Hacker News e é um
ótimo programador – ele contribuiu, por exemplo, para a construção de algoritmos que usam
probabilidade para filtrar spam em emails.

O que não fazer


Concurso: “Se você quer empreender, não desperdice dois, quatro, dez anos estudando para
concurso. Você se prepara para fazer provas que não refletem de maneira alguma a realidade do
mercado. É um desperdício de tempo e capital humano”.
Não depositar todas as esperanças nas maneiras tradicionais de se praticar o Direito, porque essas
carreiras estão mudando. “O que faz um advogado hoje e o que ele fará daqui 10 anos será muito
diferente”.
Não pensar apenas em dinheiro: “É necessário persistência e não basta que as chances de ganho
financeiro sejam o único motivacional. Existem outras coisas que vêm junto com a postura
empreendedora, como satisfação pessoal, networking, possibilidade de negócios, dentre outros”.
Não acreditar em qualquer “empreendedor”: “É preciso tomar cuidado ao ler e ouvir sobre
empreendedorismo. Existe muita literatura ruim, muitos charlatões e enganadores nesse meio. A própria
comunidade criou um termo para uma espécie de charlatão: os empreendedores de palco. Normalmente,
são pessoas que nunca empreenderam de verdade e ganham cobrando de outras pessoas para ensinar a
como empreender”.
Fontes: Ivar A. Hartmann, Pedro Delfino, Erik Fontenele Nybø, Marcelo Goldman e Bruno
Feigelson

Publicado em 20/06/2017
Inovação Digital – cases do futuro do Direito
Laura Diniz, editora do JOTA
Alexandre Leoratti, repórter do JOTA

O
s departamentos jurídicos das grandes empresas estão passando por uma dupla
transformação. A primeira, de postura, consiste em deixar de ser apenas um centro de gastos
e um limitador de contratos para se tornar um setor estratégico e parceiro dos outros
departamentos para viabilizar negócios. A segunda, tecnológica, em grande parte viabilizada pela
primeira, manifesta-se pela automatização de serviços antes feitos manualmente, pela gestão baseada
em dados e não apenas em experiência, pela atuação jurisdicional lastreada em evidências empíricas e
não mais pelo vale-tudo-doutrinário que há tanto tempo se vê.
Já são diversos os cases de repaginação de departamentos jurídicos, de surgimento e ampliação de
empresas big data ligadas ao Direito, as legal startups, e do uso, pelo mercado jurídico, de ferramentas
de business intelligence e inteligência artificial de gigantes da tecnologia, como IBM, Google e
Microsoft. Conhecer esses cases é ter a oportunidade de mergulhar no, cada vez mais presente, futuro
da advocacia.
O tema chegou também aos grandes escritórios, que têm o desafio de se atualizar para continuar
relevantes e necessários às empresas. Na última reunião do Centro de Estudos das Sociedades de
Advogados (Cesa), em abril, o presidente da entidade, Carlos José Santos da Silva, mais conhecido
como Cajé, contou que o tema do anuário da instituição em 2017 é “Inteligência artificial na advocacia
– Oportunidades e desafios”. Até o final do ano, cada comitê do Cesa – societário, tributário, ética…–
elaborará um artigo sobre o tema, para compor uma publicação panorâmica a ser lançada em dezembro.
Na referida reunião, o advogado Alexandre Atheniense relatou que, dos 100 milhões processos
ativos hoje no Judiciário brasileiro, 15% são digitais. Nos próximos anos, segundo ele, esse porcentual
vai saltar para 40%. “Se o jurista se recusar a aceitar o computador, que formula um novo modo de
pensar, o mundo, que certamente não dispensará a máquina, dispensará o jurista. Será o fim do Estado
de Direito e a democracia se transformará facilmente em tecnocracia”, disse o autor italiano Renato
Borruso, em seu livro Computer e Diritto, publicado em 1989, conforme citação de Atheniense.
A rápida transição da profissão para o universo digital causa apreensão na categoria em relação ao
mercado de trabalho, já tão saturado e cujos profissionais se formam a partir de grades curriculares, na
maioria dos casos, desatualizadas em gerações. “Precisamos criar talentos para lidar com a informação
desapegada do papel. Isso também vai exigir uma mudança no modelo de negócio da advocacia”,
ressaltou Atheniense.
O advogado Alexandre Zavaglia, coordenador do IDP em São Paulo e criador de um curso de
especialização em big data voltado para o universo jurídico, ponderou que a tecnologia afetará postos
de trabalho de profissionais que atuam em tarefas repetitivas, mas destacou que diversas outras áreas de
autuação surgirão para os advogados. “Além disso, há um componente da estratégia profissional que
nunca poderá ser substituído por robôs”, afirmou.
Entre as novas áreas de atuação jurisdicional, ele destacou duas: direito aplicado às novas relações
surgidas a partir da tecnologia (consumidor, penal, trabalhista, civil e responsabilidade civil) e direitos
fundamentais (privacidade, imagem e informação). Entre as novas frentes de trabalho, Zavaglia citou
automação e inteligência artificial, saneamento e certificação de base de dados. Outros serviços
possíveis estão no campo da jurimetria, gestão de riscos e predição de resultados.
“A ciência de dados é um campo vasto para os advogados porque são os profissionais da área que
sabem fazer as perguntas – os robôs só respondem. O profissional precisa mudar”, avaliou o professor.
O best seller israelense Yuval Noah Harari, autor de Sapiens e Homo Deus, disse em palestra recente
que não se sustenta mais o modelo de educação em que o ser humano estuda vinte e poucos anos e fica
apto para o mercado de trabalho. Os profissionais que não se reinventarem e adquirirem novas
habilidades ao longo da vida terão pouco espaço.
A relação do cliente individual com o advogado também tende a mudar. Com a disseminação de
análises sobre as jurisprudências consolidadas e o avanço de sites que oferecem petições prontas aos
interessados, o ato de litigar também pode ser reconfigurado. No curto prazo, os critérios de escolha do
advogado também podem sofrer alteração, quando a indicação pessoal der espaço, por exemplo, à
avaliação das métricas de sucesso de cada profissional.

A transição já começou
Um grande banco brasileiro resolveu investir pesado em tecnologia para automatizar seus fluxos
internos e planejar estrategicamente o encaminhamento de centenas de milhares de processos em
estoque. Atualmente, robôs varrem o site dos tribunais procurando novas ações e o andamento dos casos
já em tramitação. No caso de um processo novo, uma vez identificado movimento, os dados são
automaticamente transpostos para campos específicos no software de gestão de processos do
departamento. Um outro software de inteligência artificial, que trabalha com reconhecimento de
linguagem, lê o documento para identificar o tipo de ação, o pedido e os valores. Em seguida, faz um
cruzamento com as estatísticas daquele tipo de ação, naquela cidade, naquele valor e aponta se faz mais
sentido oferecer um acordo ou contestar. Um advogado avalia a sugestão do computador e, se concorda,
por exemplo, em contestar, o sistema já oferece uma peça pronta para revisão, que é encaminhada para
o correspondente.
Com o peticionamento eletrônico crescente, em pouco tempo as empresas poderão atuar até a fase
da contestação com robôs, na maior parte dos casos. Os escritórios correspondentes poderão ser
substituídos por audiencistas, que chegarão ao fórum com um briefing gerado automaticamente pelo
sistema. No futuro, quem sabe, audiencistas internos de cada companhia se revezarão em subsequentes
audiências online sem levantar de suas cadeiras.
Empresas e escritórios já têm à sua disposição serviços – ainda caros e de entrega demorada – para
mapear a jurisprudência sobre um determinado assunto em todo o país, com uma granularidade que vai
do tribunal estadual ou regional a uma vara específica de determinada comarca. Departamentos
jurídicos usam tecnologia semelhante em seus próprios estoques para analisar quais bancas, contratadas
por eles, têm as maiores taxas de vitória, por assunto ou região. No passado, uma empresa podia deixar
os escritórios experimentarem livremente com teses diferentes em comarcas diversas para tratar de
casos iguais e ver o que emplacava melhor. Atualmente, a prática não é mais tão recomendável,
especialmente em contencioso de massa, pela força que o novo Código de Processo Civil atribuiu aos
precedentes – que, aliás, devem ser monitorados.
O JOTA lança, com esta reportagem, um selo para divulgação de cases relacionados à
transformação da atividade em decorrência do avanço tecnológico. Vamos contar histórias de
departamentos jurídicos, escritórios, novas empresas, gigantes da tecnologia, novos produtos, áreas de
trabalho e perfis profissionais – sempre com a tag inovação digital. Sugestões são bem-vindas (escreva
para laura.diniz@jota.info) e serão avaliadas, jornalisticamente, pelos editores do JOTA.
Conheça abaixo os dois primeiros cases da série.

Dados em tempo real


O Magazine Luiza, um dos maiores varejistas do Brasil, decidiu abraçar a transformação digital.
Todos os departamentos da empresa estão se reestruturando para aproveitar o que a tecnologia tem de
melhor e, assim, serem mais produtivos e eficientes. “Para acompanhar o movimento da companhia,
buscamos colocar o departamento jurídico em um patamar em que tenhamos uma área digital com
informações em tempo real”, afirma José Aparecido dos Santos, diretor jurídico da empresa.
O departamento já contava com um sistema de acompanhamento de processos, mas dependia
muito do Excel para fazer relatórios sob demanda para questões específicas. Na véspera das reuniões do
board, por exemplo, um integrante da equipe de Santos levava horas preparando o material que o chefe
apresentaria. Quando alguma questão nova surgia no encontro, o diretor só tinha a experiência e a
memória como aliados.
O cenário mudou há cerca de três meses, quando começou a rodar nos computadores da companhia
o sistema desenvolvido pela startup Legal Insights, dos sócios Marcos Speca e Eudis Lanconi. O
software, disponível na nuvem para toda a equipe de Santos, funciona como um dashboard dinâmico do
departamento – um bonito, rápido e simplicíssimo de manusear dashboard. As análises são geradas a
partir do banco de dados da própria empresa, contido no software de gerenciamento de processos. Hoje,
Santos não prepara mais relatórios para as reuniões. Checa os dados em tempo real e não fica mais sem
resposta para perguntas inesperadas.
Na tela inicial do programa, vê-se a quantidade de processos, filtros por tipo de ação e região e
análise de risco para provisionamento (possível, provável, remoto). Com poucos cliques, o usuário pode
comparar a taxa de sucesso para causas tributárias de dois escritórios de cidades vizinhas. Se um vai
bem melhor que o outro, fica para o gestor a prerrogativa de dispensar um e ampliar o contrato do outro.
O usuário pode também, repita-se, com facilidade, ver se um juiz decide as causas da empresa de
formas diferentes quando um ou outro escritório atua, por exemplo. Isso, é claro, sem falar que se pode
medir as teses que mais emplacam e onde.
A Legal Insights tem menos de um ano de vida e ainda está em processo de aceleração, dentro do
Campus do Google. Os planos são ambiciosos – querem ter mais dados de jurisprudência para oferecer
aos clientes um comparativo de seu desempenho – e a estratégia de posicionamento é interessante. A
empresa não concorre com os softwares que toda companhia já tem para tratar os processos, apenas se
pluga neles para analisar os dados. Ao fazer isso, o preço do serviço é inferior e a entrega de resultados
é rápida em comparação com algumas outras empresas do setor.
Segundo o diretor, apesar do pouco tempo de uso, a ferramenta já ajudou o departamento a fazer
um orçamento mais assertivo e a definir as metas dos profissionais. No futuro, a expectativa é que ela
ajude a reduzir os custos do setor.
O software também já proporciona ao departamento mais dados para cooperar com outras áreas da
companhia. “Se o diretor de operações de lojas quer saber sobre as reclamações trabalhistas com as
lojas da grande São Paulo, nós passamos os detalhes na hora”, diz Santos. Se o jurídico notar um
aumento repentino de processos iguais, pode atuar de forma mais ágil, em parceria com outro
departamento, para solucionar o problema que está originando as ações.
Além disso, a ferramenta tem ajudado a companhia a atuar em direção a um objetivo que lhe é
caro: a desjudicialização. Para dar apoio ao jurídico, a Magazine Luiza criou uma área de fidelização de
clientes, com uma equipe de doze pessoas, que conversa diretamente com os consumidores e busca
formas alternativas de resolução dos conflitos. Com dados nas mãos, as decisões para optar por acordos
têm sido mais precisas. “Nós não queremos encontrar o cliente no fórum, mas nas nossas lojas”, diz
Ricardo Querino de Souza, gerente do departamento.

Advogado em um clique
Rogério Fontes de Resende, de 30 anos, é um advogado de uma família de advogados. Começou a
carreira trabalhando no negócio com o pai, que atendia sindicatos. Resolvia pilhas e mais pilhas de
casos com teses repetitivas até que se cansou. Preparou, então, uma petição modelo para cada tipo de
caso e deu uma agilidade inédita ao negócio familiar. Com a maquininha de preencher a papelada
funcionando, enfadou-se também com a labuta de conseguir junto aos clientes os documentos para
juntar às peças. “Ah, seria tudo mais fácil se todo mundo me enviasse pelo celular”, pensou. Eureca. Era
janeiro de 2017.
Resende deu adeus ao escritório do pai e se embrenhou no mundo do empreendedorismo.
Conseguiu um investidor e montou o JusTap, aplicativo de contratação de advogados em poucos
cliques. Funciona assim: o usuário tem um problema e entra no aplicativo para pesquisar se cabe ação.
O time de Resende incluiu no cardápio teses com jurisprudência reconhecida em, ao menos, quatro
tribunais, para casos de Direito do Consumidor e alguns de Direito Civil (em matérias bastante
relacionadas ao dia a dia das pessoas). Se o ocorrido rende ação, o sistema diz para o usuário quais
documentos ele precisa juntar na inicial. Por exemplo, se houve extravio de bagagem, o sistema
aconselha o usuário a fotografar com o celular o comprovante do despacho das malas, o bilhete aéreo e
o painel do aeroporto que comprova a chegada do avião. Em seguida, ele faz upload de tudo para o
aplicativo.
A sequência é uma tela com nomes de advogados da mesma cidade do usuário, disponíveis para
entrar com a ação. O cidadão pode escolher o profissional por preço do trabalho ou por nota, elaborada
com base nas avaliações de outros usuários. Uma vez escolhido o advogado, todo o material é enviado
para ele pelo próprio sistema. Nesse momento, um timer começa a funcionar e, se o profissional
demorar a responder, pode ser mal avaliado. Caso o profissional aceite o trabalho, eles só precisam se
encontrar para assinar a procuração – ou o cliente pode mandar o documento via motoboy. “Todo o
processo de contratação dura menos de cinco minutos. É como ter um advogado a seu lado”, diz
Resende. Quando o profissional protocola a inicial, cadastra o número no aplicativo, para que o cliente
possa checar e garantir que o trabalho foi feito.
Disponível nas lojas digitais desde fevereiro, o software já teve mais de 5.300 downloads. Cerca de
400 advogados estão cadastrados, nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Para abrir seu
escritório no JusTap, cada um deles mandou número da OAB (que a equipe certifica), cópia do RG e do
CPF, um comprovante de residência e dados bancários. Três advogados foram efetivamente contratados.
Para cada negócio fechado, a JusTap recebe R$ 150 – e 1% do valor vai para a administradora de cartão
de crédito.
A maior parte do público tem entre 20 e 35 anos e pertence às classes A e B. “São pessoas que
conhecem advogados, mas não querem pedir favor ou tem preguiça da burocracia de contratar um
advogado”, afirma o empresário. Os advogados, segundo Resende, têm perfil parecido.
Perguntado sobre o potencial de o aplicativo estimular a judicialização, a despeito da saturação do
Judiciário e de todos os esforços das instituições em prol das formas alternativas de resolução de
conflito, o empresário tem a resposta na ponta da língua: “Se uma empresa age em desacordo com a
jurisprudência consolidada, tem que ser punida para aprender a respeitar o cidadão.”.
Entre os planos para o futuro próximo, está o desenvolvimento da área trabalhista do aplicativo.

Publicado em: 27/05/2017


Advogados não serão substituídos pela tecnologia
Em evento de lançamento da AB2L, debatedores apontaram LawTechs como aliadas dos
escritórios
Kalleo Coura, editor do JOTA

A
tecnologia aplicada ao Direito é um caminho sem volta e quem ignorar isto será atropelado
pela nova realidade. Por outro lado, o papel interpretativo desempenhado por advogados e
outros operadores do Direito não será substituído por máquinas ou robôs.
Em linhas gerais, essas foram algumas das conclusões a que chegaram os debatedores do evento
“Direito na Tecnologia e Tecnologia no Direito”, realizado no Insper, com um auditório lotado. O
evento também marcou o lançamento da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), da
qual o JOTA é um dos fundadores.
Participaram da primeira mesa, “Direito na Tecnologia”, o advogado Erik Fontenele Nybø, gerente
Jurídico Global da Easy Taxi, Flávio Franco, diretor jurídico da Netshoes, e os advogados Renato Opice
Blum e Álvaro Uliani.
Opice Blum trouxe dados alarmantes sobre a tecnologia. Segundo o advogado, metade das
atividades humanas em geral poderiam ser substituídas e em 2029 70% delas já terão sido trocadas por
robôs e softwares. “As atividades exatas, não tem jeito, serão substituídas, inclusive as atividades
repetitivas da área jurídica. Porém, nossa área será uma das menos afetadas”, afirma Opice Blum. “A
utilização do big data legal é importante, mas a interpretação vai ficar com advogados e chief
compliance officers”.
Flávio Franco, da Netshoes, concorda com a análise. “Enquanto o advogado for visto como um
facilitador de negócios, não vai faltar oportunidade para a gente. Agora, quando nos transformamos em
carimbadores, é hora de nos preocuparmos”, diz.
Álvaro Uliani, sócio do Pinheiro Neto Advogados, contou o que o escritório busca em termos de
tecnologia para aprimorar o trabalho dos advogados, como ferramentas que auxiliem na análise e
filtragem de inúmeros documentos de fusões e aquisições e o levantamento de informações sobre
precedentes judiciais.
“Todo escritório tem um grande repositório de minutas de contratos e precedentes, mas uma vez
arquivado recebe um número no rodapé e é muito difícil de recuperá-los de uma forma útil. Depende da
lembrança de alguém”, conta o advogado. “Imaginamos que uma ferramenta que faça isso de forma
rápida teremos muito a ganhar”, diz.
Tecnologia no Direito
A segunda mesa foi composta por Bruno Feigelson, criador da startup Sem Processo, Rafael
Heringer, do Jurídico Certo, Gabriel Senra, da Linte, e Matheus Bombig, da Invenis.
Segundo os debatedores, ainda há um certo ranço em escritórios em relação à tecnologia. “Hoje
você não entra num banco em que o diretor não saiba o que é uma FinTech. No Direito ainda não é bem
assim”, afirmou.
Gabriel Senra, da Linte, complementa: “há uma necessidade de mudança de ação e de postura em
relação às LawTechs. Do lado dos escritórios, o principal entrave é o mindset na contratação. O
advogado espera algo personalizado, integrado”.
O fato de o sistema judiciário brasileiro ter dados em imenso volume, mas muito desestruturados,
na visão de Senra, é uma imensa oportunidade para quem deseja empreender. Para os interessados nesta
intersecção do Direito e Tecnologia, Senra também recomendou que assistissem à conferência da
Universidade de Stanford intitulada “The State of Art of Legal Technology”.
Para Rafael Heringer, as LawTechs e LegalTechs podem aprimorar o trabalho do advogado, que
por desempenhar uma função essencial para a Justiça, não irá acabar nunca. Uma de suas preocupações,
contudo, é em relação à regulação. “É um retrocesso olhar para o setor e querer regular tudo. Não é
possível imaginar que o advogado não possa estar na internet recebendo clientes. Todo mundo está no
Google”, diz Heringer, cuja startup se propõe a conectar advogados correspondentes a escritórios e
clientes.

Publicado em: 07/06/2017


Empreendedorismo e Direito
Em 2015, 105 mil bacharéis entraram no mercado, o equivalente à soma de engenheiros e
arquitetos
Ricardo Fernandes Paixão, doutor em administração pela FEA USP, MBA pelo INSEAD e professor na Faculdade de Direito da UnB
Henrique Araújo Costa, advogado, doutor em direito pela PUC SP e professor na Faculdade de Direito da UnB

E
m 2010 [1] o número de novos estudantes de direito nos EUA chegou ao ponto máximo de
52.000. De lá para cá os números caíram para 37.000. Por que os números estão caindo se
firmas prestigiosas de Wall Street como a Cravath Swaine & Moore aumentaram o salário de
associados de primeiro ano para espetaculares US$ 180.000 por ano (R$ 561.998 ou R$ 47.000 por
mês), conforme lembrou, indignado, um dos leitores de nossa coluna anterior?
A explicação, elaborada na coluna anterior, é uma mudança estrutural no mercado de serviços
jurídicos. Desde a crise de 2008 as empresas cortaram custos, o que fez com que o trabalho realizado
por jovens advogados, como pesquisas jurisprudenciais e elaboração de documentos simples, fosse
terceirizado para países como a Índia ou mesmo automatizado.
O aumento na concorrência levou várias faculdades a uma guerra criativa para atrair candidatos.
Além de aceitar novos testes de entrada como o GRE, Harvard e outras também oferecem a
possibilidade de dupla titulação MBA e Direito. Outras oferecem prática jurídica em grandes cidades
americanas e praticamente todas oferecem cursos de empreendedorismo.
Uma busca no Google dos termos “law and entrepreneurship” produziu 87,5 milhões de
resultados, sendo que as primeiras páginas estão repletas de ofertas sobre Direito e Empreendedorismo
por universidades como Columbia, Michigan, Pepperdine, UPen, Chicago e até Harvard.
No Brasil a oferta de cursos de Direito e Empreendedorismo é bem mais tímida, mas a necessidade
é maior. Com 853.211 estudantes em 1.172 cursos, Direito é a opção de ensino superior mais popular do
país. Em 2015, 105.324 novos bacharéis entraram no mercado, número equivalente à soma de todos os
engenheiros e arquitetos formados naquele ano [2].
Buscando sanar essa lacuna criamos um curso experimental de Direito e Empreendedorismo na
Faculdade de Direito da UnB. A ementa (sempre em construção) da disciplina pode ser encontrada no
link abaixo [3].
Montamos um curso estruturado em dois eixos: teórico, onde são apresentados estudos de casos de
empresas que estão inovando o mercado jurídico (escritórios de advocacia, grandes empresas, startups)
e prático, onde os alunos são desafiados a elaborar um projeto de um negócio jurídico inovador (uma
legaltech).
No eixo teórico discutiremos:
1-) A abordagem da Glaxo Smith Kline para compra de serviços jurídicos [4]. A grande
multinacional praticamente aboliu cobrança por hora trabalhada. A empresa centralizou todas as
compras de serviços jurídicos, usa acordos alternativos de cobrança (alternative fee arrangements) em
84% de seus projetos [5] e a quase totalidade dos serviços jurídicos externos são adquiridos por meio de
um leilão reverso similar ao pregão eletrônico utilizado pelo governo para adquirir produtos e serviços
comuns.
2-) O caso do escritório americano Seyfarth Shaw que adotou para seus processos internos a
metodologia Seis Sigma, uma técnica de padronização de processos usualmente utilizada em
manufatura e divulgada pelo ex-CEO da GE Jack Welsh [6]. Quando o Seyfarth começou a utilizar
padronização de processos em 2005 poucas empresas consideravam que essa abordagem funcionaria em
serviços complexos como os serviços jurídicos. A abordagem teve tanto sucesso que o escritório criou
uma consultoria própria para implementar a metodologia em clientes externos [7].
3-) Após discutir sobre um grande consumidor de serviços jurídicos e um grande fornecedor
passamos aos novos entrantes. O primeiro deles é a Axiom Law, uma firma americana de serviços
jurídicos extremamente peculiar [8]: tem investimentos de capital de risco na sociedade, tem estrutura
societária corporativa, faz uso intensivo de tecnologia, tem centros de prestação de serviços na Europa e
na Índia e cresce anualmente a 25%.
4-) O próximo entrante é a Riverview Law, uma firma britânica que surgiu de uma agência de
recursos humanos após a liberação do mercado jurídico britânico para não advogados em 2007 [9]. De
maneira similar à Axiom, a Riverview faz uso intensivo de tecnologia para oferecer serviços a preço
fixo para seus clientes.
5-) Após tratar de duas empresas com forte viés tecnológico passamos à Paragon Legal [10], um
novo entrante cuja característica diferencial não é tecnologia, processo nem gestão, mas uma abordagem
que leva em conta o estilo de vida da advogada. Fundada em 2006 pela advogada Mae O’Malley em
San Francisco, a Paragon tem a maioria de seus empregados composta por mulheres com filhos. As
inovações introduzidas por essa firma que atende algumas das principais empresas de tecnologia do
mundo, como Google e Oracle, é introduzir flexibilidade sem comprometer a excelência.
No eixo prático do curso os alunos (não só de Direito, mas também de Administração, Engenharia
de Produção, Engenharia Mecânica, Engenharia de Computação e Engenharia de Software) são
desafiados, em grupos multidisciplinares, a elaborar um projeto de serviço jurídico inovador (uma
legaltech) até o estágio de MVP (minimum viable product).
Nas próximas colunas falaremos mais do curso e deixamos aqui o apelo aos colegas professores
que compartilhem sua experiência com cursos de empreendedorismo jurídico. Temos muito interesse
em dividir essas experiências com os leitores da coluna.
Publicado em 07/04/2017

[1] https://www.ft.com/content/4ddb437e-9ace-11e6-8f9b-70e3cabccfae
[2] https://jota.info/carreira/brasil-o-pais-dos-bachareis-um-em-cada-dez-universitarios-estuda-direito-18102016
[3] https://drive.google.com/file/d/0B5-y3zGawkIMREpGSUthWDVlMVE/view?usp=sharing
[4] GARDNER, Heidi K.; SILVERSTEIN, Silvia Hodges. GlaxoSmithKline: Sourcing Complex Professional Services. Harvard Business
School, 2016.
[5] http://www.jdjournal.com/2016/12/16/glaxosmithkline-says-no-to-billable-hours/
[6] ROHRER, Lisa; DEHORATIUS, Nicole. SeyfarthLean: Transforming Legal Service Delivery at Seyfarth Shaw. Harvard Law School,
2015.
[7] http://slc.seyfarth.com
[8] CONSTANTINI, James. Axiom – Law Redefined: Innovation in Legal Services.
[9] GARDNER, Heidi K.; SILVERSTEIN, Silvia Hodges. Riverview Law: Apllying Business Sense to the Legal Market. Harvard
Business School, 2014.
[10] SOULE, Sarah A.; CORRELL, Shelley J.; SCHIFRIN, Debra. Paragon Legal: A New Model. Harvard Business School/Stanford,
2012.
Fundo de Investimento de Advogados em LawTechs
4 cenários possíveis para o futuro do mercado jurídico brasileiro
Bruno Feigelson, sócio do escritório Lima ≡ Feigelson Advogados, CEO do Sem Processo e Presidente da Associação Brasileira de
LawTechs e LegalTechs (AB2L)

N
o dia 06 de junho de 2017, junto com aproximadamente 1.000 indivíduos – em sua maioria
membros de grandes bancas e departamentos jurídicos das maiores empresas do país –, no
Insper, fundamos oficialmente uma entidade que vai ter papel fundamental no futuro do
mercado jurídico brasileiro.
A AB2L – Associação Brasileira de LawTechs e LegalTechs –, nasce congregando mais de 30
empresas de tecnologias que ambicionam resolver problemas relevantes do mercado jurídico. Na
reunião interna que precedeu o evento, ficou decidido que o ingresso de advogados individuais,
escritórios e empresas será fundamental para o melhor andamento da instituição. Em breve, o site
da AB2L apresentará informações a respeito dos mecanismos de inscrições dos interessados.
Além disso, diante do grande número de aproximações feitas por advogados interessados em
investir em tais empresas, passamos a desenvolver uma nova iniciativa muito relevante. Trata-se da
construção de fundo de investimento destinado exclusivamente ao setor das LawTechs. O conceito é
criar uma rede de profissionais bem colocados que além de contribuírem com relacionamento,
concedam combustível financeiro para que pequenas empresas nascentes se tornem gigantes.
Só para ter uma dimensão do mercado, nos Estados Unidos, em 4 anos, o valor de investimento em
LawTechs duplicou, e o número de deals triplicou. Assim, somente em 2016, 67 deals foram
concretizados e U$ 155 milhões investidos. Aproximadamente meio bilhão de reais em apostas no
futuro do mercado jurídico!
Diante disso, listo abaixo 4 cenários possíveis para o futuro do mercado jurídico brasileiro,
partindo da premissa básica de que tal segmento será completamente alterado por conta de plataformas
tecnológicas nos próximos anos.
1º Cenário – Uso de tecnologia estrangeira (o pior cenário).
Fundamento: O ecossistema de LawTechs brasileiro não possui capacidade técnica e financeira
para criar boas empresas de tecnologia focadas no mercado jurídico. Os mercados norte-americano e
europeu evoluem rapidamente, o Brasil é visto como um mercado potencial a ser explorado, sem
chances para sobreviventes...
Futuro: Escritórios travam batalhas para impedir a entrada das LawTechs estrangeiras não tendo
muito sucesso. Não acredito que seja possível criar a barreira normativa da mesma forma que se fez em
relação aos grandes escritórios estrangeiros no passado. A tecnologia já demonstrou que vence, mais
cedo ou mais tarde, qualquer tipo de barreira (vide: Napster e Spotify).
2º Cenário – As LawTechs crescem alheias ao mercado existente (não acredito, diante do grande
interesse de grandes escritórios já demonstrado pelas LawTechs).
Fundamento: Escritórios e grandes profissionais do mercado ficam alheios ao movimento
crescente, LawTechs se estruturam de forma independente com recursos típicos de VCs,
progressivamente comem mercados.
Futuro: Escritórios travam batalhas para impedir a entrada das LawTechs nacionais não tendo
muito sucesso. Não acredito que seja possível criar a barreira da mesma forma que taxistas não
conseguiram barrar o Uber (apesar dos advogados serem muito mais fortes, e terem a capacidade de
fazerem uma carnificina no mercado de LawTechs nacional). Se isso ocorrer, acredito que seguimos
novamente para o 1º Cenário. O espaço deixado no oceano é ocupado por LawTechs estrangeiras. A
tecnologia já demonstrou que vence, mais cedo ou mais tarde, qualquer tipo de barreira (vide: Napster e
Spotify).
3º Cenário – Os escritórios compram suas LawTechs (acho que esse cenário pode existir
inicialmente, mas ele acaba por se tornar o 1º Cenário em pouco tempo).
Fundamento: Grandes bancas começam a comprar a integralidade de LawTechs ou participações
com grande controle. As LawTechs passam a ser parte dos grandes escritórios (teria que vencer uma
barreira normativa existente), e estes passam as defender suas LawTechs como parte do time.
Futuro: A maior parte das LawTechs acaba sendo replicada pelo número de escritórios disponíveis
a entrar na briga. Os mercados passam a ser limitados para as LawTechs. Empresas clientes de
escritórios “concorrentes” são bloqueadas. Apesar dos escritórios tentarem se adaptar aos novos tempos,
não possuem a agilidade e liberdade de criação. Empreendedores de LawTechs que no momento um
foram seduzidos pela estrutura, recursos financeiros e até bônus no ato de “venda” passam a ficar
insatisfeitos. Partem para outras e deixam as empresas sem liderança. Não há carnificina, mas não há
inovação. Mais uma vez, se isso ocorrer, acredito que seguimos novamente para o 1º Cenário.
4º Cenário – Criação de um Fundo de Advogados focado em investir em LawTechs (aproveita-se a
mentoria e a rede de relacionamento dos grandes advogados atuais e se mantém a liberdade de criação e
expansão das LawTechs).
Fundamento: Os profissionais de escritórios e departamentos jurídicos, mais antenados com as
mudanças, e com uma perspectiva mais colaborativa, acreditam em uma nova instituição apta a
contribuir com as LawTechs.
Futuro: Há grande sinergia entre grandes profissionais do mercado jurídico atual e empreendedores
de LawTechs. Mentoria + Relacionamento + Recursos Financeiros adequados + Boas ideias + Bons
empreendedores = LawTechs brasileiras bem-sucedidas. O mercado brasileiro, diante de suas
particularidades, oportuniza o desenvolvimento de grandes soluções tecnológicas. O mercado brasileiro
passa a ser pequeno para o Fundo e suas empresas, o Brasil passa a ter a oportunidade de brigar em
nível mundial. Acionistas ricos e seguros no futuro tecnológico.

Publicado em: 16/06/2017


Inovação e a velha crise do ensino jurídico
Rafael Bellem de Lima
Pesquisador do Insper
Doutorando em Direito Público e Teoria do Direito pela Universidade de Kiel (Alemanha) e pela Universidade de São Paulo
Mestre em Direito do Estado e Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo

Adiscussão sobre a crise do ensino jurídico não é nova. Embora as mudanças estruturais na sociedade
– cada vez mais funcionalmente diferenciada, horizontal e complexa – e o desenvolvimento de novas
tecnologias sejam fenômenos relativamente recentes, as críticas ao descompasso entre o que é ensinado
nas faculdades e os problemas enfrentados pelos profissionais do direito são muito mais antigas.
Na aula inaugural dos cursos da Faculdade Nacional de Direito, em 1955, San Tiago Dantas
defendeu a necessidade de uma inversão metodológica para melhor formar juristas para as tarefas da
vida profissional. Ao invés de apresentar aos estudantes um conjunto de normas, institutos e
classificações sistemáticas, partindo da falsa suposição de que quem os conhecesse conseguiria “com
seus próprios meios, com a lógica natural do seu espírito, raciocinar em face das controvérsias” [1], o
ensino jurídico brasileiro deveria voltar o seu foco para o estudo das controvérsias e dos conflitos de
interesse em busca de solução.
A distância entre a prática profissional e o conteúdo ministrado nos cursos de Direito também foi
duramente criticada por Alfredo Lamy Filho. Ao traçar um panorama do ensino jurídico no Brasil, em
1972, ele retratou “uma grande procissão de queixas” [2], que unia, de um lado, alunos desinteressados
no aprendizado que não os preparava o desempenho da profissão e, do outro, professores sem estímulo
e obrigados a cumprir um currículo obrigatório excessivamente abrangente. O produto dessa equação
era desalentador:
“Como resultado, alguns estudantes procuram, desde logo, nos escritórios de advocacia o contato
com a realidade forense que lhes possa trazer uma compreensão do Direito, e um adestramento
profissional que não encontram nos bancos escolares, sacrifício do tempo que deveriam dedicar ao
estudo; outros se desinteressam da carreira, e buscam caminhos diferentes; e a grande maioria passiva,
queixosa e ressentida, segue sem estímulo a marcha do currículo tradicionalmente consagrado,
assistindo às aulas-doutas em busca de frequência ou pela satisfação de ouvir alguns professores mais
brilhantes – reservando-se para o estudo apressado, às vésperas de provas ou exame, através de apostilas
deficientes ou poucos livros didáticos.” [3].
Após quase meio século, a descrição acima mantém a atualidade. Com raras e honrosas exceções, a
maioria dos cursos jurídicos brasileiros é marcada por uma forte pretensão enciclopédica. Por meio de
disciplinas dedicadas quase exclusivamente à apresentação de institutos jurídicos, conceitos dogmáticos
e um sem número de dispositivos normativos, programas curriculares praticamente idênticos aparentam
perseguir a meta inatingível de, em cinco anos, exaurir toda a matéria regulada pelo Direito. Se na
década de 70, Lamy Filho já considerava “impossível, hoje, pretender-se transmitir tudo em todos os
ramos do Direito a todos os alunos” [4], uma empreitada deste tipo mostra-se ainda mais impraticável
nos dias de hoje, marcados pela globalização, crescente especialização e hiper-regulação.
Atualmente, contudo, a situação parece ser ainda mais grave. Aos já numerosos semestres de
direito constitucional, civil, penal, comercial, administrativo, tributário, processo civil, processo penal e
direito do trabalho, somaram-se disciplinas de direito internacional, previdenciário, ambiental, eleitoral,
financeiro e econômico. Em alguns currículos há espaço, ainda, para cursos obrigatórios de direito
municipal, urbanístico, biodireito, direito do consumidor, direitos da criança e do adolescentes e direitos
difusos. Isso sem falar nas disciplinas voltadas a outras áreas do conhecimento, como sociologia,
economia, contabilidade ou teoria política, que geralmente integram os primeiros anos do curso e, sem a
devida integração com problemas jurídicos, acabam sendo percebidas como pouco importantes pelos
alunos. As matrizes curriculares são gigantescas, com alunos chegando a cursar obrigatoriamente até
dez disciplinas por semestre, na maior parte das vezes, em concomitância com o estágio ou outra
atividade profissional.
O problema, por óbvio, não está na incorporação de novos temas e conteúdos à grade obrigatória
das faculdades de Direito, mas na lógica subjacente a estes processos de atualização. Em geral, as novas
matérias replicam a estrutura das disciplinas tradicionais: ocupam-se fundamentalmente da análise de
atos normativos e da exposição pouco crítica de posições doutrinárias, construções dogmáticas e, mais
recentemente, de algumas orientações jurisprudenciais. Embora discussões e projetos de reformas
curriculares sejam recorrentes, a distância entre o que é ensinado nas faculdades de direito, a prática
profissional e, sobretudo, o que é necessário para solucionar as importantes questões que o Direito
regula é cada vez maior.
Num momento em que se discute intensamente o futuro do Direito em face de mudanças sociais e
inovações tecnológicas, é importante ter em mente que a simples incorporação de novas disciplinas aos
currículos – como Direito Digital, Direito das Startups, ou Direito da Inteligência Artificial – pouco
contribuirá para tornar o ensino jurídico brasileiro mais atual. Embora propostas em meados do século
passado, as quatro ideias centrais de San Tiago Dantas e Alfredo Lamy Filho mostram-se muito mais
valiosas para este importante propósito do que o tentador impulso de criar “novos ramos do Direito”.
São elas:
- Ensino voltado para o raciocínio jurídico, com ênfase no exame e solução de controvérsias, e não
no estudo expositivo de conceitos, doutrina e atos normativos.
- Substituição de parte da carga horária dedicada às aulas expositivas por atividades que demandem
maior preparação prévia e estimulem o engajamento dos alunos.
- Abandono da pretensão enciclopédica dos currículos, que deveriam cuidar dos pontos
fundamentais, sem a preocupação de exaurir toda matéria.
- Possibilidade de especialização conforme a vocação e o interesse dos alunos.
Esses princípios estão em consonância com os programas das universidades estrangeiras mais
reconhecidas e com métodos de aprendizagem experimental e aprendizagem baseada em problemas,
que têm orientado as principais inovações no ensino jurídico. Foi com base na ideia de que advogados
não estudam Direito para dar palestras aos clientes sobre os seus direitos, que a Universidade Harvard,
por exemplo, passou a exigir que seus alunos de primeiro ano participassem de uma oficina de
resolução de problemas, voltada a “sensibilizar os estudantes para o amplo conjunto de ferramentas
existentes para ajudar clientes a solucionar os seus problemas de forma ética e bem-sucedida.” [5].
A agenda não é simples, sobretudo diante da quantidade gigantesca de cursos jurídicos no país e
dos interesses que levaram à sua profusão exponencial nas últimas décadas. É inegável, contudo, que as
ideias já cinquentenárias de San Tiago Dantas e Alfredo Lamy Filho ainda se mostram extremamente
pertinentes, atuais e necessárias para a discussão sobre o futuro do ensino do jurídico no Brasil.
Iniciativas corajosas e bem-sucedidas têm sido observadas nas últimas décadas, seja por meio de
disciplinas regulares, atividades de extensão e grupos de pesquisa em cursos já tradicionais e
estabelecidos, como também no desenvolvimento de novos projetos ambiciosos e completamente
direcionados à transformação do ensino jurídico – e aqui a menção às Escolas de Direito da Fundação
Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo é obrigatória. Os esforços são louváveis e necessários, mas ainda
esparsos diante da triste realidade do ensino jurídico no país. Há espaço e demanda para muito mais.

[1] San Tiago Dantas, “A educação jurídica e a crise brasileira”, Revista Forense, 1955, p. 453.
[2] Alfredo Lamy Filho, “A Crise do Ensino Jurídico e a Experiência do CEPED”. Cadernos FGV Direito Rio, p. 4.
[3] Alfredo Lamy Filho, “A Crise do Ensino Jurídico e a Experiência do CEPED”. Cadernos FGV Direito Rio, p. 4.
[4] Alfredo Lamy Filho, “A Crise do Ensino Jurídico e a Experiência do CEPED”. Cadernos FGV Direito Rio, p. 9.
[5] Joseph William Singer & Todd D. Rakoff, “Problem Solving for First-Year Law Students”, Elon Law Review, 2015, p. 421.

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