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UM HIGHLANDER PARA O NATAL

Sinopse

Um romance de Natal.

Lady Juliet Lindsay cometeu um erro colossal. Diante da desilusão dos seus
pais, percebeu que um simples beijo roubado poderia custar-lhe tudo. Enviada
para a casa dos tios, na Escócia, ela encontra algo na beleza áspera das terras altas
que rouba o seu coração... e um Highlander, que parece ser a sua outra metade.
Iain MacLeon, chefe do Clã MacLeon, tem o suficiente com que se
preocupar, numa altura em que a política parece um amontoado de animais em
tumulto. Ele ama o seu povo e a sua terra, mas percebeu que também precisa de
uma mulher para compartilhar esse fardo. E então, ele a encontra... uma ruiva
inglesa que rouba o seu coração e o mantém refém de todas as suas crenças e de
tudo o que estima. Mas como convencerá o seu Clã, a amá-la como ele a ama?
Capítulo 1

Glencoe, Escócia - o ano de Nosso Senhor de 1714

O zumbido baixo das gaitas de foles e tambores soava em todo o vale,


encontrando o pequeno grupo em viagem, minutos antes de estes conseguirem
visualizar o espetáculo de jogos dos Highlanders. A grande carruagem movia-se
pesadamente ao longo da estrada irregular e esburacada de terra, que a cada
quilômetro tornava-se mais montanhosa e íngreme. O vale tornou-se num
desfiladeiro de altas paredes rochosas cobertas de musgo, que a cada curva da
estrada revelava mais da beleza deslumbrante que a deixava sem fôlego. Era
difícil acreditar, que cada volta das rodas da carruagem trouxesse ainda mais
esplendor, mas era verdade, um presságio do que o céu poderia ser.
A sala de espera de Deus.
Juliet Lindsay agarrou-se à lateral do robusto veículo, o rosto perto da janela,
desejando que parassem em breve para que pudesse sair e conseguir ver toda a
beleza que os rodeava. Dentro da carruagem, estavam o seu tio Clyde, a tia
Becca, a prima Fiona e a bebé Lillian. Os seus tios tiveram sete filhos, mas
apenas Fiona e agora o novo bebê ainda respiravam. Juliet olhou para o bebê
balbuciando e esperava, com todo o coração, que a vontade de Deus fosse ver
Lillian sobreviver à infância.
Para ela, a vontade de Deus não fazia muito sentido. Quem vivia e quem
morria, quem tinha sucesso e quem fracassava, os sofrimentos da vida, mas
presumiu que não devia questioná-lo sobre isso. Só de pensar em um Deus
omnipotente e omnisciente fez com que afastasse rapidamente os pensamentos
com medo. Era melhor nem pensar em Deus.
Os sons das gaitas de foles soaram mais altos e a estes juntaram-se sons de
gritos e aplausos. Os lábios de Julieta subiram com emoção quando viraram
outra curva, e depois, alinhadas nos dois lados da ravina, estavam as tendas e as
bandeiras dos Clãs das Terras Altas a ondular ao vento. Cem ou mais homens
em kilts escoceses vagavam pela terra, cada um com o seu tartan, muitos a treinar
com varas longas, martelos e pedras.
— Ah, jovenzinhas, é um lugar lindo, não é? — Bramou o seu tio, um
homem alto e corpulento com indomáveis cabelos grisalhos, do outro lado de
Juliet.
Juliet assentiu, um nó na garganta impedindo-a de falar. O seu olhar voava
como uma pessoa faminta por tal beleza, subindo as encostas das montanhas
cobertas de musgo, passando por uma deslumbrante cascata em direção aos picos
rochosos, três no total.
— Essas são as Três Irmãs. — O seu tio apontou para as três montanhas. —
Suponho que têm essa névoa pairando sobre elas a maior parte do tempo.
— Podemos parar, por favor? — Fiona esforçou-se para ver por cima de
Juliet.
— Só mais um momento, pequena. — O seu tio riu. — Veem aquela tenda
ali? A grande, com o tartan vermelho escuro hasteado?
As moças assentiram e tia Becca inclinou-se para a janela para ver também.
— É o Clã MacLeon. Um Clã muito poderoso, um homem muito
poderoso, Iain MacLeon. Agora, se eu fosse um homem de apostas...
— Que você não é — disse tia Becca franzindo a testa.
Tio Clyde pigarreou.
— Assim é, está certa. Mas se fosse, colocaria o meu dinheiro em MacLeon.
Estejam atentas a eles, pequenas. E lembrem-se das minhas palavras, que...
— Devem ficar longe dos concorrentes. Ai, estas jovens e bonitas moças. —
Tia Becca balançou a cabeça, inquieta. — Não sei por que o deixei convencer-
me a trazer-nos a todos.
— São os jogos! — Tio Clyde rugiu. — Não vai permitir que a Lady Juliet
vá para casa sem ver a Escócia em todo o seu esplendor, certo?
Tia Becca sorriu.
— Suponho que não. Lembro-me bem dos meus primeiros jogos. — Os
seus olhos embaçaram com a memória e um sorriso suave tocou os seus lábios,
levando Juliet a perguntar-se o que estaria a pensar. Tia Becca aproximou-se,
acariciou-lhe o joelho e piscou-lhe, como se tivesse lido os seus pensamentos. —
É difícil acreditar que o verão acabou e que você voltará para casa em breve.
Juliet assentiu com o coração apertado só de pensar nisso. A família de Fiona
tinha uma casa muito mais quente e descontraída que a dela. Tinha cavalgado
todos os dias pelas colinas, independentemente do tempo, ajudava nas tarefas da
casa e cuidava do bebê Lillian. As festas e danças escocesas, que duravam até
tarde da noite. E então, este, o destaque da sua visita, os espetaculares jogos das
Terras Altas. O seu tempo com esta família feliz e barulhenta passara tão
depressa, havia sido tão maravilhosamente tranquila, especialmente depois da sua
desastrosa temporada em Londres. Pressionou a testa contra a janela, vendo o
surpreendente vale onde montariam as suas tendas, e reconheceu que receava
regressar para casa.
Sentiu as bochechas esquentarem com a memória da "devastação", como a
sua mãe referiu tão friamente, que ela causou à família. Como uma mulher
adulta de vinte e poucos anos poderia ser tão estúpida? Não lhe tinham ensinado
nada? Não sabia que nenhum homem a quereria agora? Após os argumentos
furiosos e estridentes, enviaram-na sem mais demoras para o irmão mais novo do
seu pai, o líder do pequeno Clã Erskine, a norte do Castelo de Stirling, para ter a
oportunidade de ver como os não tão afortunados como eles viviam. A sua mãe
referia-se sempre às pessoas das Terras Altas como bárbaros, mas o que a sua mãe
não tinha previsto era que Juliet apaixonar-se-ia completamente pelos seus
parentes escoceses e pelas belas Terras Altas e que preferiria nunca mais voltar
para Eden Place, em Northumberland.
Eden Place. Tinha muito pouco de Jardim do Éden, aquela terra fria e
fustigada pelo vento herdada pelo seu pai. Como primogénito, tinha herdado o
título Inglês de Conde de Wright e Barão Lindsay, com terras no norte de
Northumberland, mas o seu irmão mais novo, Clyde Lindsay, adquiriu o título
da parte escocesa, como chefe do Clã Erskine. Juliet desejava ter nascido no lado
escocês da família.
— Permaneçam juntas, minhas meninas, e fora do caminho dos homens, e
tudo correrá bem, — continuou a tia.
Juliet assentiu. Depois do que aconteceu, no jardim de um salão de baile em
Londres, tomaria cuidado para não ficar sozinha com um homem até que se
casasse, se esse bendito evento alguma vez acontecesse.
A carruagem parou mesmo atrás das tendas dos MacLeon. As suas próprias
tendas seriam erguidas nas proximidades, mas não haveria bandeiras ou tartan
para marcá-los, já que o Clã do tio Clyde não participaria este ano nos jogos,
apenas assistiriam. Ele lamentara o fato de não ter um filho ou um campeão
digno, mas contara mais de uma história sobre os tempos em que competira,
durante a longa jornada até o vale.
Juliet saiu da carruagem e respirou longamente e profundamente um cheiro
doce. Deu alguns passos em direção à orla do caminho, que era pouco mais do
que uma trilha de duas rodas no chão, onde havia uma longa descida coberta de
relva que se estendia para o vale. Um riacho serpenteava no ponto mais baixo,
com um campo de samambaias à sua esquerda até onde ela podia ver. Na frente
dela, e mais abaixo, as samambaias davam lugar à terra rochosa coberta de musgo
e, em seguida, a um riacho largo e fluido.
Do outro lado do riacho, a rocha subia cada vez mais alto em direção às
montanhas Três Irmãs que o seu tio tinha indicado na carruagem. Elas erguiam-
se em direção às nuvens, três pontos da face da rocha que entravam e saíam da
névoa suspensa no ar. A névoa movia-se sobre o topo das três montanhas com a
brisa fria, dando-lhe um vislumbre dos seus picos.
Fiona tomou-lhe a mão
— Não é grandioso?
Juliet assentiu, o assombro do lugar provocando dor em seu peito.
— A coisa mais grandiosa que jamais vi.
— Houve um terrível massacre aqui faz uns anos. Pode acreditar? Não
parece possível para mim.
— Que aconteceu?
— O Clã MacDonald possuía terras aqui, em Glencoe. Demoraram a dar
sua lealdade a William e Mary, pelo que o conde de Argyll enviou suas tropas,
comandadas pelo Clã Campbell de Glenlyon, para lhes fazer uma visita. Ficaram
um par de semanas na hospitalidade dos MacDonalds, comendo, bebendo e se
divertindo, e de repente se voltaram contra eles. Atacaram quando estavam em
suas camas e assassinaram trinta e oito homens.
A injustiça desse fato fez que a cólera crescesse no peito de Juliet.
— Que horror. Apenas por se demorarem? Tinham a intenção de prometer
sua lealdade? — Juliet olhou para a elevação da montanha e imaginou as pessoas
tentando fugir.
— Não creio que qualquer dos clãs quisesse oferecer juramento ao inglês,
mas tinham pouca escolha e o sabiam. O pior de tudo foi os soldados deixarem
as mulheres e as crianças para que morressem à mercê dos duros elementos. —
Fiona olhou à sua volta enquanto o vento soprava através dos seus cabelos, e
estremeceu —. Os jogos são aqui este ano para restaurar a bondade da terra.
Juliet pensou que poderia entender isso. Era um lugar para ser venerado, não
manchado pela brutalidade e derramamento de sangue.
Um súbito rugido seguido de aclamações as fizeram voltar-se para a parte
mais larga do desfiladeiro abaixo. Estava um homem sem camisa, além da tela de
seu tartan na parte superior sobre o ombro, com o peito muito musculoso, sua
postura desprendendo poder, era uma cabeça mais alto do que aqueles que o
rodeavam. Agarrou um objeto enorme, fez um círculo e logo uma estocada e o
cravou no céu. Tinha um comprido cabo de madeira com uma bola de ferro em
um extremo. Voou pelo ar com as aclamações da multidão e caiu a meio do vale
para lá da vista de Juliet.
O homem virou-se, para eles, com o punho no ar, um sorriso dividindo seu
forte e belo rosto, com os olhos ardendo em uma espécie de vitória feroz. Esses
olhos, tão distantes e no entanto o suficientemente próximos para distinguir,
escanearam para lá de Juliet e Fiona de pé mais acima em direção à crista do
caminho. Seu olhar passou por elas e logo voltou com repentina e decidida
intenção.
— Esse é…?
Fiona assentiu, a voz calma com espanto.
— O MacLeon. E está a olhar diretamente para você.
— Está?
— Está.
— Oh, querida. O que devo fazer? Saudá-lo? Uma reverência?
Fiona riu. As gaitas de foles começaram novamente com uma melodia alegre
e, em seguida, as nuvens acima da cabeça de MacLeon abriram, e o sol enviou
um raio de pura luz que o banhou com o seu brilho.
Juliet só podia olhar e esperar que a sua boca não estivesse completamente
aberta. Fechou-a rapidamente e levantou o queixo, o seu olhar bloqueando com
o dele.
A boca dele curvou-se num dos lados em um sorriso cheio de encanto
juvenil, e os seus olhos aumentaram, propositadamente, com agrado. Inclinou a
cabeça para ela e depois voltou a atenção para os jogos.
— Agora entendo porque a minha mãe não ficou feliz por estarmos tão
próximas das tendas dos MacLeon. — Fiona riu e apertou a mão de Juliet. —
Ela mencionou que o chefe MacLeon ainda não é casado?
— Não. — A voz de Juliet era baixa e rouca. — Não, ela não mencionou
isso.
— Aye. E há rumores de que está à procura de uma esposa.
Capítulo 2

— Ouviu o que ele disse, Juliet? — Sussurrou Fiona, puxando-a para longe
da entrada da tenda do Clã MacLeon.
— Ele não estava a falar de mim! — Sussurrou Juliet, esforçando-se para
ouvir o que os homens diziam. — Não podia ser.
— Quem mais? — Fiona inclinou-se para a frente para ouvir mais, mas o
som das vozes profundas tinha parado. — Pelo que sei, você é a única "moça
inglesa" nos jogos das Terras Altas.
Juliet tinha de admitir que isso era verdade. Estavam no segundo dia dos
jogos e ela viu Iain MacLeon competir durante boa parte do dia e meio que
estivera ali. Elas tinham acabado de dar um passeio após o almoço e passavam ao
lado do acampamento dos MacLeon quando o ouviram falar.
Fiona uniu seu braço a Juliet e endireitou-se com um sorriso travesso.
— Vamos aproximar-nos mais um pouco?
O coração de Juliet começou a bater fortemente com a emoção.
— Devemos? O seu pai disse que ele é o mais famoso... o mais poderoso... o
mais... — Ela engoliu em seco, pensando naqueles músculos volumosos quando,
menos de uma hora atrás, ele levantou o tronco; um poste de madeira de vinte
metros que deveria pesar mais de doze quilos e jogá-lo numa distância
vencedora.
— Exatamente — Fiona continuou retirando o braço de Juliet. — E ele
acabou de dizer que você é a moça mais bonita dos jogos.
Como ele podia pensar assim, se era sobre ela que falava, era
incompreensível. A sua mãe sempre reclamava da sua forma tão "redonda" e que
não tivesse a altura escultural e as características recatadas que tanto a sua mãe
como a sua irmã loira compartilhavam. Ela tinha o cabelo mais vermelho que
dourado, uma cor brilhante que ardia ao sol e atraía os olhos de muitos homens,
mas, infelizmente, não como uma esposa. Não conseguia compreender por que
atraía o tipo errado de atenção, mas a sua mãe estava cada vez mais desagradada
com ela, exigindo grandes chapéus e golas altas sempre que saíam. E então havia
a voz dele. E estremeceu só de pensar nisso.
Talvez o chefe do Clã MacLeon, Iain Alexander MacLeon, tivesse ouvido
que ela era daquele tipo. Talvez pensasse nela em termos de fogo e tempestade,
não de casa e lar.
Baixou a cabeça enquanto Fiona puxou-a para a fila de tendas MacLeon,
olhando para o chão e deixando que a sua bem-intencionada, embora demasiado
corajosa para a sua sanidade, prima a conduzisse pelo caminho de erva gasta.
Um grupo de tocadores de gaita-de-foles deu a volta pelo outro lado da
fileira de tendas, uma canção tão antiga quanto o tempo começou das suas gaitas
de foles. Eles marcharam em direção a elas vestidos com seus plaids, praticando
para a atuação que estava por vir. Julieta e Fiona congelaram, tanto pelos
tambores como pelo som das gaitas de foles, tão próximos e fortes, os joelhos dos
homens da frente chutando contra os seus kilts, golpeando a terra sob os seus
pés. Juliet agarrou a mão de Fiona, petrificada no meio do caminho, olhando
fixamente e atemorizada, até que os gaiteiros quase sopraram sobre os pescoços
das meninas.
Eles não iam parar.
Teriam de fazer algo em breve ou seriam pisoteadas sob a "Maravilhosa
Graça" de Deus.
O coração de Juliet acelerou quando os seus rostos se aproximaram, sabendo
que deviam sair do caminho, mas de alguma forma não conseguindo. A música
lançara um feitiço sobre ela e ela não conseguia mexer-se. Era a música mais
celestial que alguma vez ouvira.
— Vamos! — Fiona puxou o seu braço novamente, mesmo antes de os pés
em marcha alcançarem o seu estado de estátua congelada.
Fiona poderia parecer uma jovem pequena e fraca, mas não era nada disso.
Ela afastou Juliet para longe da multidão em marcha, para cima de um pedaço
de relva e na direção da lateral da tenda, onde tinham estado. O tecido cedeu sob
o peso das duas, ondulando, cedendo com uma espécie de lenta deflação e depois
recuando um pouco, mas não o suficiente para recuperar o equilíbrio. Caíram de
novo, um pequeno mastro rangeu para a direita, em seguida, o som de tecido
rasgando, como se um grande homem acabasse de se inclinar e rasgar as calças.
Ambas ficaram sem fala e resmungaram quando aterraram em algo duro que
estava dentro da tenda. Moveu-se debaixo delas e ouviu-se um grunhido. Gritos
soaram de dentro da tenda contra o barulho da música. Juliet e Fiona
entreolharam-se com os olhos abertos, o cabelo que caía das suas toucas
cobrindo-as, os vestidos torcidos, reprimindo o horror com o riso.
— Quem está aí? — Disse uma voz estrondosa, profunda e aveludada.
As risadas pararam e a cor desapareceu dos seus rostos. Soltaram-se da lona,
ainda meio de costas, e ergueram os olhos para o grande homem que agora
olhava para elas. Fiona engoliu algum tipo de som, meio riso, meio gemido.
Juliet puxou o emaranhado de cabelos sobre os seus olhos e viu uns cordões
amarrados a uns sapatos, numas grossas panturrilhas. O seu olhar viajou para um
kilt pesado, vermelho com verde e dourado, para uma cintura com um cinto
apertado com armas, com uma espécie de faca larga brilhando ao sol, que fez os
seus olhos arderem ao vê-la. O seu olhar voou para um peito nu, forte,
musculoso, dourado pelo sol, braços como... como...
Oh, que o querido Senhor no céu a ajudasse, era ele.
O seu olhar voou para o seu rosto, para os seus olhos. Eram azuis e
fascinantes sob a luz, olhando-a com tanta intensidade. Com aquele cabelo loiro
escuro, parecia um leão que simplesmente acabara de acordar de um cochilo
confortável. O seu olhar segurou o dela por um longo tempo, como se fosse sua
presa e a arrastasse para uma armadilha. Balançou a cabeça, achando que
imaginava. Piscou, tentando levantar-se. Ele estendeu a mão e agarrou-lhe o
braço. Ela não conseguia tirar os olhos dele, as gaitas de foles e os tambores
soando ao fundo, deixando uma cadência irreal no momento. O chefe MacLeon
colocou-a de pé. Olhos azuis e cabelos brilhantes como o sol; não podia ver nada
além do seu rosto e imenso peito.
Era o homem que a chamou de "bonita".
— E o que temos aqui? — A sua voz profunda retumbou contra o seu
ouvido quando a puxou para ele. — Estão a tentar destruir a minha humilde
morada ou é apenas a minha pessoa que pretendem ferir?
— Oh, não, possivelmente não conseguiríamos causar tais ferimentos, bem,
isto é... — Ele piscou várias vezes quando se apercebeu que Fiona
desembaraçava-se de outro pedaço de lona e tentava fazer uma reverência
hesitante, afastando o seu próprio cabelo loiro da frente do rosto.
— MacLeon, não pretendíamos causar qualquer dano. Pedimos que nos
desculpe. — Fiona baixou-se tanto que o nariz quase tocou a lona que estava
caída ao lado da tenda. — Na verdade, foi um acidente, estávamos prestes a ser
pisoteadas pelos gaiteiros!
Ele olhou para a frente, por onde o bando de músicos descia, enquanto a
música desvanecia nas principais praças da festa.
Ele endireitou-se, apertando ligeiramente os braços de Juliet para verificar se
estava estabilizada e largou-a, inclinando ligeiramente a cabeça para um lado,
como para comprovar se ela conseguia manter-se de pé.
Ela tinha a certeza que não podia.
Ele era muito mais alto de perto e com o cheiro de um homem que esteve a
competir; couro, sujeira e suor. Aí estava um homem acostumado a chefiar e a
ganhar com a força do corpo. Um homem como nenhum dos que conheceu nos
congestionados salões de baile de Londres. Um homem que a fez pensar em
trabalharem juntos nos campos, em crianças feitas sob cobertores e nascidas em
uma família unida e amorosa, uma força e amor que resistiria ao teste do tempo.
De alguém que poderia conhecê-la, verdadeiramente, e talvez não se importasse
muito com os seus defeitos...
Oh, Deus, tinha de controlar estes pensamentos errados. Não existiam tais
coisas. As mulheres só ansiavam por isso.
— Bem, moça? — Ele estendeu a mão e esfregou o polegar contra o queixo
dela com uma insistência suave, exigindo que mantivesse o olhar.
— Estávamos a ser cercadas pelos músicos e saltamos para o lado. Minhas
desculpas, meu Lorde. Não pretendíamos causar danos.
Os seus olhos iluminaram-se com curiosidade ao ouvi-la, a sua voz, que era
sempre baixa e rouca e "preenchida com um calor especial", como um homem
sussurrando, não importava o que tentasse para torná-la alta e feminina.
Um lado da sua boca subiu um pouco e os seus olhos brilharam com um
humor travesso.
— Mas você causou dano. Och, agora como vou descansar para o arremesso
de martelo? — Ele inclinou-se e Juliet pôde ver os olhos de Fiona crescerem
amplamente com espanto, quando em um grunhido baixo ele disse: — E se me
faz perder, moça?
— Eu, heim… — Juliet olhou para aqueles olhos azuis surpreendentes e
respirou fundo. — Você não pode perder, — disse seriamente. E depois, com
mais convicção: — Você não vai perder.
O seu rosto sério transformou-se, lentamente, num sorriso largo e depois
numa risada profunda.
— E não vou. — Inclinou-se para cada uma delas com um aceno de cabeça
e, em seguida, perguntou: — Serão, então, minhas convidadas?
Juliet olhou para Fiona, sem saber o que dizer.
O sorriso de Fiona preencheu o seu rosto enquanto fazia nova reverência.
Meu Deus, parecia estar a reprimir aquela dança alegre que sempre fazia quando
estava particularmente feliz com alguma coisa.
— Você quer dizer sentar-se com o Clã MacLeon e animá-lo? — Fiona
perguntou com as sobrancelhas arqueadas. — E vamos agitar a sua bandeira? —
Acrescentou antes que ele tivesse tempo de responder.
— O seu pai não se importa? Ele é do Clã Erskine, certo?
Fiona encolheu os ombros.
— Não participaremos nos jogos deste ano.
— Ah! — Ele sorriu. — Então você anda à procura de um campeão?
— Não realmente, não desde que eu ouvi... — Fiona parou quando notou
os grandes olhos de Juliet e os gestos com a cabeça. — Sim, sim, estivemos a
observar os adversários.
O chefe encolheu os ombros.
— Muito bem. Se vão defender o Clã MacLeon, então tudo está perdoado.
As moças olharam uma para a outra.
Ele olhou atentamente para Juliet.
— Encontrarei as cores MacLeon para você usar. Acho que gostarei de vê-las
em você.
Em seguida, virou-se, e saiu para os campos de competição.
Fiona ficou sem fôlego, assim que ele estava fora do alcance da voz.
— Juliet, você ouviu isto? — Ele quer ver as suas cores em você! — Fiona
segurou-lhe os braços. — É praticamente uma declaração. Ele pode estar indo ao
meu pai, neste momento, para pedir-lhe permissão para cortejá-la.
Juliet tirou as mãos da sua prima dos seus braços.
— Ou pode ser como muitos outros homens e só seja charme e
engenhosidade. — Virou a prima para os restos da tenda. Devemos tentar
resolver este problema.
Fiona olhou ao redor da área e, depois, apontou para dois homens com kilts
com as cores MacLeon, conversando e roubando olhares delas.
— Sim, mas talvez precisemos de um pouco de ajuda.
Juliet riu.
Ela não pôde evitar. Se alguém conseguia consertar uma tenda sem mexer
um dedo, seria certamente a sua loira e alegre prima.
Capítulo 3

Iain ajoelhou-se na orla do vale onde a relva verde e o musgo tingiam as


montanhas em volta dele. Fechou os olhos e ouviu o silvo do vento contra a
torrente de uma cachoeira próxima.
Meu Senhor. Meu Deus. Dê-me sabedoria. Coloque as suas palavras na
minha boca.
Jogou a cabeça para trás e deixou os sons caírem ao seu redor e atravessá-lo.
Respirou a beleza e sentiu-se animado. Abriu os olhos.
As cores do verde tinham mudado, sempre mudavam com a alteração da luz
e da sombra, com o constante movimento das nuvens nas alturas. As Terras
Altas. Lar do seu coração, onde o maior número de Clãs escoceses já se reunia
por três dias até agora, festejando, competindo e testando a elite entre eles. Era
assim todos os anos, mas este era diferente para ele. Este ano ele era o chefe do
Clã e também possuía um título e terras inglesas. O seu pai tinha morrido há
alguns meses.
Tinha sido bem preparado para assumir o Clã, mas muita coisa mudou
desde o tempo do seu pai. Após a morte da Rainha Ana, a Escócia finalmente
concordou em se unir à Inglaterra e assinou o Ato da União, unindo-os no que
agora era chamado de Grã-Bretanha. Muitos dos Clãs não ficaram felizes com
isso, mas os seus líderes também eram nobres ingleses, tendo sido agraciados
com terras e títulos por serviço aos reis durante séculos. Isso levava a conflitos de
interesse, especialmente quando não cuidavam dos seus Clãs escoceses, usando as
costas do seu povo para obter benefícios para financiar as suas vidas como nobres
ingleses e membros do Parlamento em Londres.
O Clã MacLeon ainda era forte, tinha-se certificado disso. Mas era uma
linha política delicada a que caminhava, tentando manter o seu povo feliz,
enquanto tinha de frequentar o Parlamento em Londres e do lado dos liberais ou
dos conservadores. Particularmente, não cedia às paixões de qualquer das partes,
optando permanecer o mais neutro possível e de acordo com a oração e a palavra
de Deus quando a ocasião exigia.
O peso disso era espinhoso às vezes. Mesmo agora, havia um homem nos
jogos que o assediava para apoiar uma revolta jacobita em nome do meio-irmão
da rainha Anne, James VIII. Havia aqueles que queriam a Casa dos Stuarts de
volta ao trono e resistiam ao Hannover, George I, que acabara de ser coroado rei.
Iain estava mais preocupado em melhorar o seu Clã, trazendo mais ovelhas e
desenvolvendo novas técnicas para os tecidos, um interesse recente, do que a
política em Londres.
Apoiou a cabeça em um dos joelhos e fechou os olhos.
— Senhor, Deus, meu Pai que estás no céu. Dá-me neste dia o que é meu, o
que destinaste como meu e nada mais. Nada mais, nada menos. Deixa que a Tua
vontade seja feita, aqui neste dia, para mim e meu Clã e...
Fez uma pausa quando um sopro de emoção agitou seu coração e a visão da
ruiva Lady Juliet Lindsay, a filha de Lorde Ashland Lindsay, Conde de Worland,
passou diante dele. O brilho profundo do seu cabelo brilhou na escuridão dos
seus olhos fechados.
— E quanto a ela, Senhor, o Clã não ficaria muito satisfeito com uma
inglesa, especialmente uma com um pai tão endividado... é, segundo dizem, uma
situação desesperada, mas há algo nela...
Sentiu o vento através dos seus cabelos compridos como um sopro do céu.
Ergueu o rosto para o céu e soltou uma pequena risada, a pele ao redor dos olhos
sentindo-se esticada e enrugada, sob o sol brilhante, sabendo que Deus estava a
ouvir os anseios e confusões do seu coração, a ouvir todas as suas orações.
— E não me deixes cair em tentação. — Ele riu entredentes, não querendo
continuar a próxima linha da oração, que a chamaria de mal. — Sua vontade,
não minha. Faça-se a Sua vontade.
Tão amado quanto era pelo seu Clã, ele tinha os seus inimigos. E a noiva
certa era apenas uma maneira de se antecipar aos grunhidos de suas gargantas e
aos dentes afiados. Uma mulher da nobreza inglesa, manchada e empobrecida,
só prejudicaria esses propósitos.
Iain levantou-se e pegou numa pedra grande, como a que havia lançado na
última competição. Segurou-a diante dos olhos e olhou para ela. Sentiu o seu
peso na mão, mediu-a contra a força do seu braço, ombro e tronco. Tomou um
momento, respirando calmamente, recostou-se e lançou-a para a montanha o
mais forte que pôde. As competições terminaram e hoje à noite haveria uma festa
final antes que todos fossem para casa, e ele para Edimburgo, onde esperava
organizar a compra de cinquenta ovelhas para adicionar aos seus rebanhos.
O súbito som de um chifre indicou que o banquete estava prestes a começar.
Iain passou a mão pelo queixo e virou-se para as suas tendas para refrescar-se
antes do jantar.
***
Julieta caminhava atrás de Fiona, que caminhava atrás de tia Becca, para a
área no fundo do vale, onde ouvia-se o som das gaitas de foles, do estrondo dos
tambores e flautas. Elas usavam os seus melhores vestidos, Juliet num de seda
esmeralda profunda com as cores MacLeon no peito, em destaque. Ela e Fiona
confecionaram-no a partir de uma faixa que o MacLeon lhes dera, o que fez a
sua tia franzir a testa, a preocupação em seus olhos, mas o seu tio encolheu os
ombros e disse que seria uma adequada e bela noiva escocesa. As suas palavras
deram a Juliet uma onda de felicidade, o seu rosto ficou rosado, mas a
preocupação óbvia da sua tia tinha contido o seu entusiasmo. Talvez MacLeon
tivesse uma reputação de libertino e a sua tia estava apenas preocupada.
Não podia deixar de se sentir feliz por o seu cabelo estar tão bem arranjado.
Fiona trançou o comprimento todo e depois envolveu-o em torno da sua cabeça
como uma coroa. Colocou urze roxa em toda a trança, criando um belo
contraste com o cabelo ruivo.
Dirigiram-se para o vale plano do desfiladeiro, onde havia tochas a iluminar
a área contra a chegada da noite. Tinham reunido várias mesas de madeira para
formar um grande U, e cada Clã tinha o seu lugar marcado. O topo da mesa era
para os vencedores, os Clã MacLeon e Cameron, que haviam vencido oito e
cinco das vinte competições. Os outros Clãs foram estabelecidos em ambos os
lados do U, dependendo do tamanho do Clã. Juliet ficou surpresa ao descobrir
que o seu pequeno Clã estava sentado perto da mesa principal, bem ao lado do
Clã MacLeon.
— Mudou os lugares, — Fiona sussurrou para Juliet com um aceno de
cabeça para Iain. — Aposto o meu relicário que foi ele.
Fiona sempre apostava o seu precioso relicário de ouro sobre isto ou aquilo.
Juliet olhou para cima e viu um homem alto, sim, era MacLeon, aproximando-se
da mesa vestido com o kilt dos MacLeon e traje formal, um colete preto com
botões de prata, camisa branca com um lenço no pescoço e pendurado na frente
do kilt, um sporran de pele com franjas de pêlo de cavalo. Parecia magnífico,
impressionante. Os seus olhares encontraram-se. Ele acenou-lhe, admiração nos
olhos à medida que o seu olhar a percorria, do cabelo ao vestido. Fez-lhe uma
pequena reverência, deixando-a perplexa por estar a prestar-lhe tanta atenção.
Afortunada, ela estava sentada a apenas quatro lugares dele. Como iria desfrutar
do banquete, com ele observando-a tão de perto e o estômago tão atado?
A música terminou à medida que todos tomavam os seus lugares. Serventes
corriam para lá e para cá, enchendo as jarras e carregando grandes tigelas de
madeira e travessas. Havia frango assado e cordeiro, arenque e pernas de
caranguejo, queijos, ervilhas, nabos e cenouras, pão de cevada com manteiga e
geleia de framboesa e pudim de pão e bolos. Fiona, ao seu lado, comia com
prazer, como o resto da família, mas Juliet não conseguia apreciar a boa comida.
Podia sentir quando o seu olhar pousava sobre ela, como um raio quente de sol
no ar fresco da noite. De vez em quando, ela ousava devolver o olhar, o seu
coração acelerando sempre que os seus olhos se encontravam.
— Um brinde aos vencedores! — Alguém gritou à sua esquerda e levantou-
se. Todos aplaudiram e depois acalmaram enquanto ele levantava o copo. — Por
Iain dos MacLeon! O vencedor dos jogos!
As aclamações aumentaram, com muitos dos homens a bater nas mesas. Iain
foi puxado do seu assento, com o homem a bater-lhe nas costas e nos ombros.
Ele parecia desconfortável com a atenção, e mesmo assim riu jovialmente.
Formou um punho e levantou-o em vitória, os gritos da multidão a encorajá-lo.
Juliet riu e também aplaudiu, uma felicidade estranha invadindo-a. Por que
queria aqueles braços fortes em torno dela tão desesperadamente? Olhou ao
redor e, capturou os olhares de admiração de várias das mulheres, percebendo
que ela não era a única. Ele escolheria uma daquelas como esposa, uma escocesa
que seria aceite, não uma estranha inglesa que representava o que muitos deles
odiavam. Juliet olhou para o prato e reprimiu a emoção. Talvez devesse forçar o
resto do pedaço de bolo, estava muito bom.
Sentiu um toque no braço e, então, ouviu uma voz profunda sussurrar no
seu ouvido: — Vai considerar-me para a primeira dança, moça?
Olhou para cima para ver o rosto de Iain, recém-barbeado e sorrindo para
ela.
— Aye, — ouviu-se a responder. — Se você não teme pelos seus pés. Receio
não conhecer as versões escocesas da dança.
— Não é assim tão diferente. — Aproximou-se e pegou na mão dela. —
Vou mostrar como é.
Mal tinha terminado de falar e Juliet já se encontrava ao seu lado, as mesas já
estavam a ser removidas e empurradas para trás e os músicos reuniam-se num
dos lados com os seus violinos, gaitas de foles, harpas e tambores.
Com muitas risadas e provocações, os casais alinharam-se em duas fileiras e
esperaram a música começar. Era uma melodia alegre que trouxe um sorriso ao
rosto de todos. Iain ergueu uma sobrancelha e deu-lhe um aceno de
encorajamento quando o seu grupo se reuniu, agarrou a sua mão direita e, então,
passaram uns pelos outros para formar a linha do outro lado. Juliet já tinha
dançado um carretel e era semelhante, com o movimento de pés ligeiramente
diferente e mais na ponta dos pés. Quando ela alcançou a mão de Iain no meio
da dança, sentiu que estava a progredir muito bem. Especialmente considerando
o quão suadas as suas mãos estavam quando ele pegou a mão dela na sua.
A música terminou e ela resistiu ao desejo de cair contra o seu peito largo.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele pegou-lhe na mão e levou-a para o
outro lado dos dançarinos. Ela olhou ao redor nervosamente, verificando que
ainda havia pessoas por perto e não estavam realmente sozinho.
— Não vou levá-la para o bosque e violá-la, Milady — Ele zombou dela,
inclinando-se para trás, examinando-lhe os olhos.
— Oh... — Ela sentiu o rosto aquecer —... claro que não. Estou apenas...
— Protegendo a sua virtude. Uma causa nobre. — A sua voz era suave e
profunda.
O seu rosto aqueceu ainda mais com a memória de como fora surpreendida a
beijar Lorde Ardsley nos jardins de uma casa, em uma festa, em Londres. Nunca
mais se colocaria em tal posição. A necessidade de dizer-lhe a verdade, antes que
ele expressasse mais interesse por ela, chegou rápido e forte em sua mente.
— Nem sempre a protegi tão bem.
O seu rosto ficou desnorteado e os olhos escureceram.
— Não?
Ela balançou a cabeça e afastou-se do seu olhar penetrante.
— Necessito ser honesta com você. Estive recentemente em um baile em
Londres e fui persuadida a passear pelos jardins da casa por um jovem. Ele,...
— O que ele fez? A voz de Iain estava tensa, com um toque de raiva.
Juliet virou-se para ele novamente. Ele parecia pronto para correr em direção
ao homem e perfurá-lo com uma espada.
— Foi um beijo, — Juliet acrescentou rapidamente. — Mas eu não o detive.
Fomos vistos.
— Ele propôs-se? — O seu rosto permanecia feroz.
— Sim, fez. Mas o meu pai rejeitou a sua oferta. Ele não estava tão bem
colocado como o meu pai espera, esperava, para obter a minha mão. — Ela
olhou para baixo, vergonha preenchendo-a. O seu pai bradou a sua
desaprovação, não por causa do beijo em si, mas por causa do homem que ela
permitiu beijá-la. Se tivesse escolhido ser encontrada com um rico Conde ou
Duque, bem, isso teria sido uma questão completamente diferente. E sua mãe
quase a repudiou. Na verdade, devido às bofetadas da mãe, ela teve marcas no
rosto por semanas. Não sabia o quão longe a mãe teria ido se o seu irmão não
tivesse intervindo para impedi-la. Juliet estremeceu com a lembrança.
As mãos de Iain agarraram-na pelos antebraços e puxaram-na para ele,
envolvendo os braços ao seu redor.
— Eles castigaram-na, então? Mandando-a para aqui?
— Sim. — Ela respirou profundamente no tartan de lã no seu peito, mas
não se atreveu a mover-se com medo de que isso lhe tirasse o conforto.
Ficou surpreendida quando ele riu, um baque contra o topo da sua cabeça.
Ela afastou-se.
— É a minha situação assim tão engraçada?
Ele riu novamente, um lado da boca ergueu-se naquela aparência infantil que
sempre o fazia parecer mais jovem.
— Não, moça. É a ironia da situação.
— A que se refere?
— Eles a enviaram para um local muito mais perigoso. — Os seus olhos
escureceram com uma promessa provocatória.
Juliet levantou as sobrancelhas em interrogação.
— Mudou de ideia sobre cativar-me, então?
— Talvez tenha mudado.
As suas palavras enviaram uma emoção através do seu corpo, começando no
seu peito para, em seguida, reunir-se mais abaixo. Ela suspeitava que os seus
joelhos cederiam se ele continuasse a olhar para ela daquele jeito. Como seria
beijá-lo? Nada como os fracos beijos de Lorde Ardsley, tinha a certeza. Todos os
problemas que causaram e ela nem sequer gostou. Mas com Iain...
Ele parecia considerar o mesmo à medida que o seu olhar viajava pelos seus
lábios.
— Que tipo de beijo lhe deu? — Ele aproximou-se, o seu olhar vagando pelo
seu rosto, a respiração misturando-se com a dela.
— Foi... muito dececionante, receio. — Juliet podia ouvir o tom rouco da
sua voz aprofundar.
— Está agora?
Ela assentiu, ansiosa e aterrorizada ao mesmo tempo. E se fosse novamente
apanhada? Havia pessoas a dançar não muito longe. Eles provavelmente
poderiam ser vistos facilmente, mas Iain não parecia se importar. O seu braço
envolveu a sua cintura e aproximou-a do seu corpo. Ele abaixou a cabeça,
separando os lábios no último momento.
Tinha acabado de tocar os lábios dela quando um grito repentino e, em
seguida, o som de galope de cavalos interromperam o momento. O seu olhar
virou abruptamente para o outro lado do escuro desfiladeiro enquanto o seu
corpo movia-se para ficar na frente do dela para protegê-la. Puxou uma faca
longa, de aspeto mortal do cinto. Juliet recuou quando dois cavalos apareceram.
Eles galoparam até parar no meio do desfiladeiro, onde os dançarinos pararam e
se separaram.
— Venha, — exigiu Iain, agarrando-lhe a mão. Eles correram para o centro,
onde os homens desmontaram.
O coração de Juliet afundou quando chegaram perto o suficiente para ver os
rostos dos jovens. Algo devia estar terrivelmente errado... um dos homens era o
seu irmão.
— É o pai, — disse Ruck, um apelido que Robert herdou quando criança,
assim que chegou a Juliet. — Houve um ataque. O pai foi ferido por uma flecha.
Você deve voltar para casa imediatamente.
A sua tia engasgou, Fiona empalideceu e o coração de Juliet acelerou.
— Quem fez isso?
O seu irmão olhou para as pessoas que os rodeavam e baixou a voz.
— Eles vieram cobrar uma dívida, ameaçaram nos matar a todos se não
tivessem o dinheiro até ao dia de Natal.
— Uma dívida? É uma ferida mortal? Como pudeste deixá-lo?
Ruck franziu a testa.
— É difícil dizer. Ele está com febre, mas o médico está a vigiá-lo. Eu não
teria vindo, mas ele insistiu. Ele pergunta por você. — Baixou a voz ainda mais.
— Algo sobre uma demanda por sua mão em casamento.
A sua mão? Em casamento? Seu estômago afundou. Tinha de chegar a casa o
mais rápido possível.
— Deve ir imediatamente, — disse o seu tio Clyde ao seu lado. Ele acenou
para Fiona. — Apressa-te e arruma as suas coisas. Becca, um pouco de água e
comida para a viagem. — Olhou para os cavalos cansados, respirando
pesadamente. — Levarão os nossos cavalos. — Franziu a testa. — Gostaria de ir
com vocês, mas não tenho a força necessária para andar tão rápido quanto vocês
precisam. Mas odeio mandá-la com apenas dois rapazes.
— Não tivemos qualquer problema em nossa viagem até aqui, — assegurou
Ruck. — Os novos cavalos são muito apreciados.
— Sim, mesmo assim... — Ele olhou para o pequeno servo que
acompanhara Ruck. — Sentir-me-ia melhor se a visse a salvo em casa. — O seu
cenho aprofundou.
— Eu vou acompanhá-los.
Todos os olhos viraram-se para Iain. Os olhos de Juliet abriram-se em
choque.
— Tenho negócios em Edimburgo e planejei viajar para o sul depois do
festival. Ficará apenas um pouco fora do caminho acompanhá-los a
Northumberland primeiro e visitar Edimburgo no meu caminho de volta para
casa.
O rosto do tio Clyde se iluminou.
— MacLeon, você é muito generoso, mas aceito de bom grado a sua oferta.
Dormirei melhor sabendo que a minha sobrinha está em boas mãos com você a
escoltá-la.
Ruck fez um barulho com a garganta, mas não disse nada, apenas olhou para
a altura do chefe MacLeon.
Juliet ficou aliviada. Ruck era três anos mais novo do que ela, com dezassete
anos, e o servo que ele trouxera parecia ter a mesma idade e quase a adormecer.
Ter um homem, um homem hábil na batalha e conhecedor da terra e dos
perigos que encerrava, seria muito afortunado.
Olhou para ele e viu a determinação em seus olhos, determinação e algo
mais... proteção? Respirou profundamente, sem romper o contato com o seu
olhar. Era um sentimento novo perceber que possuía tal força e lealdade feroz ao
seu lado. Como poderia ser? Só se conheciam há três dias. Não compreendia,
mas gostando ou não, havia algo entre eles que não seria negado.
Em menos de uma hora, os quatro cavalgaram para a noite.

Capítulo 4

Um vento gelado despenteou o cabelo de Juliet, deixando-o a pairar sobre os


ombros e rosto enquanto trotava através dos altos portões de ferro preto e
entrava na cidade de Edimburgo. A cidade tinha uma atmosfera antiga e
encantada, as chaminés de cada casa emitiam fumo ao ponto de as pedras
ficarem pretas em alguns locais das casas. Mas era como se o pincel de um artista
tivesse dirigido o fumo, os padrões na pedra acrescentavam profundidade e
personalidade no arenito que de outra forma seria apenas branco. Filas e filas de
casas, lojas e tavernas conectavam-se com espetaculares catedrais góticas,
ocupando cantos enormes nas ruas. Aparentemente, recuou no tempo, para os
antigos tempos de cavaleiros e dragões, para o folclore dos longos dias passados.
O seu cavalo, Lisbeth, trotou rapidamente pela rua de paralelepípedos,
percebendo que a comida e o descanso estavam prestes a chegar. À esquerda
deles estava a poderosa fortaleza que era o Castelo de Edimburgo, uma
formidável fortaleza militar que existia há séculos. Construído no topo de um
antigo vulcão, as pedras projetavam-se da terra como se tivessem emergido dele.
Juliet protegeu os olhos, o seu olhar vagueando pelas suas muitas casas e paredes.
Iain disse-lhes que havia ali uma força militar. Uma milícia que apoiara a rainha
Anne e agora apoiava George I. Se as tendências jacobitas do pai da rainha
fossem descobertas, seria considerado uma ameaça e um inimigo. Iain assegurou-
lhes que ficariam longe do Castelo e do Palácio de Holyrood, outro colossal,
embora mais modernizado e acolhedor, no extremo leste da Royal Mile, onde os
nobres mantinham residência nos apartamentos da Rainha. Mas este não era o
momento para ver este tipo de coisas. Eles ficariam em Edimburgo para uma
curta pausa, após três dias de viagens difíceis e, para abastecerem-se dos
suprimentos muito necessários.
Quanto mais cavalgavam na cidade mais fascinada Juliet ficava, embora a
fumaça das muitas chaminés enchendo o ar com o forte cheiro de turfa
queimasse o seu nariz. Era espantoso, inquietante e surpreendente ao mesmo
tempo.
— Organizará o seu negócio de ovelhas enquanto estivermos aqui? — Juliet
perguntou a Iain quando os seus cavalos abrandaram e caminharam lado a lado.
— Nay, não vamos ficar, moça. Terei tempo para isso no meu retorno.
Ele não falou muito com ela nos últimos dias. Ninguém falou muito de
qualquer coisa exceto nas paradas necessárias. Duas vezes dormiram por algumas
horas, ao ar livre e em um círculo em volta de uma pequena fogueira. Das outras
vezes em que pararam, foi quando chegaram a um riacho ou lago, para
reabastecer a água e esticar as pernas. Cada músculo do corpo de Juliet gritou
quando ela desmontou e tentou andar. Estava mais do que grata por ela e Fiona
terem feito caminhadas diárias, ou nunca teria resistido a uma jornada tão longa.
— Aqui, — disse Iain, virando para um caminho estreito que logo se tornou
íngreme. Um pouco mais abaixo, levou-os para a parte de trás de um estábulo
onde pagariam para os seus cavalos serem alimentados e cuidados. Ao lado do
estábulo havia uma estalagem com uma longa sala comum. Encontraram uma
mesa com quatro cadeiras, Juliet torceu os cabelos em um nó enquanto entravam
e sentavam-se. O dono chegou com quatro canecas e rapidamente as encheu.
— Hoje temos bolo de carne. — Inclinou-se para Iain. — Posso conseguir
pão, se quiser.
— Aye, quatro por favor. E as suas camas estão disponíveis? O nosso
objetivo é dormir um pouco antes de prosseguirmos a nossa viagem.
O homem olhou em volta da mesa, para os quatro.
— Uma cama, mas posso organizar algo para a senhora. Para onde se
dirigem?
— A dama visitou os seus primos na Escócia. Fomos designados para
garantir a sua segurança de volta a Northumberland.
— Oh, Northumberland, diz? Houve alguns problemas lá, ouvi dizer. Algo
sobre essa coisa jacobita. — Ele virou-se e cuspiu no chão. Juliet virou a cabeça.
— Sim, nós ouvimos. Não vamos viajar para lá. Um pedaço de queijo nos
fará bem, se você tiver. — Mudou assim de assunto e o homem correu para fazer
a sua vontade.
Juliet deixou escapar um suspiro de alívio quando Iain colocou a mão
debaixo da mesa e apertou a dela.
Momentos depois, quando estavam imersos em suas tortas de carne, uma
dúzia de soldados entrou na estalagem. Juliet podia sentir o corpo de Iain tenso.
Olhou para os soldados e depois virou as costas e murmurou: — Terminem,
rapazes, é hora de encontrar as nossas camas. — Inclinou-se para o seu irmão e
disse em voz baixa: — Vocês ocupam a cama daqui. Três horas de descanso e
depois venho buscá-los. Vou procurar um lugar aqui perto para a sua irmã
descansar.
Ruck e o seu servo, Joseph, apressaram-se para terminar de comer, subindo
de seguida as escadas para o quarto que receberam. Iain manteve Juliet ao seu
lado por vários minutos, de costas para os soldados com uma mão sobre a dela
por baixo da mesa. Eles ouviram a conversa e as palavras "Escória Jacobita" mais
de uma vez.
— Mantenha a cabeça baixa e siga-me. — Ele sussurrou.
Ela assentiu, puxando o capuz da sua capa sobre a cabeça.
Em vez de ir para a porta da frente, o que os colocaria perto dos soldados,
Iain levou-a pela mão até à parte de trás da sala comum em direção à cozinha.
Sem dizer uma palavra, levou-a através da cozinha e através da porta dos fundos,
e então puxou-a para o seu lado. Eles estavam em um pequeno beco estreito com
prédios altos empilhados de cada lado.
— Para onde vamos? — Juliet sussurrou, olhando para as acomodações
precárias e sobrelotadas e para a rua vagamente iluminada, um córrego de águas
negras fluindo ao lado do caminho.
— Conheço um lugar seguro onde podemos descansar um pouco. É mesmo
no final deste caminho. — Manteve a mão dela na sua e guiou-a através dos
paralelepípedos irregulares até um prédio com uma porta azul. Ele entrou sem
bater e Juliet seguiu-o rapidamente, piscando na súbita escuridão para ajustar os
olhos.
Um grito feliz e, em seguida, uma mulher lançou-se em direção a eles,
pisando no pé de Juliet.
— Ai! — Juliet gritou.
A mulher mal olhou para ela.
— Iain, meu querido Iain. Por que esteve tanto tempo longe de nós? —
Beijou-o diretamente na boca e depois soltou uma risada.
Iain afastou-a com aquele sorriso encantador.
— Molly, é bom ver-te, moça. Esta é Lady Lindsay. Ofereci-me para levá-la
em segurança até casa e poderíamos usar uma cama para passar algumas horas de
descanso antes de voltarmos para a estrada. Poderia arranjar algo?
Molly olhou para Juliet como se ela fosse um inseto vil.
— Onde está Daniel? Está em casa?
Molly acenou.
— Ele nunca está em casa a esta hora do dia, esse meu marido. Você sabe
como ele é. — Olhou para Juliet. — Se ficar enquanto ela dorme e me fizer
companhia, verei o que posso fazer. — Ela ergueu as sobrancelhas para Iain.
Quem era esta mulher? Uma coquete? Uma antiga amante? Era uma mulher
casada. Juliet não conseguia compreender qual era o relacionamento entre eles.
— Pensei em dormir no chão, ao lado dela, verdade seja dita. — Juliet ouviu
o cansaço da viagem em sua voz. — Temos viajado por quase três dias e
gostaríamos de um pequeno cochilo antes de continuar.
— Och, pobrezinho. Muto bem, então, sigam-me.
Conduziu-os por uma estreita escadaria de pedra até ao terceiro andar, por
um pequeno corredor, e entrou em uma pequena sala com uma cama, uma mesa
com uma vela e alguns ganchos na parede, com um espelho nublado ao lado
deles.
— Apenas pendurem suas coisas ali. Sabe onde me encontrar se mudar de
ideia. — Cantarolou o último para Iain.
Iain fechou a porta, o rosto em um tom revelador de vermelho.
— Quem era essa?
— O seu marido é um velho amigo de infância. Ela diz que se casou com ele
para se aproximar de mim, mas não acredito.
— Não? Ela praticamente se atirou a você há pouco.
— É só costume dela.
Juliet soltou um "humph", mas estava cansada demais para discutir. De
qualquer maneira, não era da sua conta.
Pendurou o casaco de peles no gancho e sentou-se na cama. Mmmm, uma
verdadeira cama de penas com travesseiros e lençóis limpos, o paraíso. Enquanto
retirava os sapatos, viu Iain encolher os ombros para tirar o casaco e pendurá-lo
ao lado do dela. Ele jogou a cabeça para trás, fechou os olhos e espreguiçou-se.
Os seus olhos pareciam cansados, e Juliet estava cheia de remorso por pensar mal
dele. Deveria ser mais grata, especialmente depois de ouvir aqueles homens na
estalagem. O seu irmão e servo não saberiam o que fazer se as coisas se tornassem
complicadas ali. Odiava a ideia de o seu fiel guia dormir no chão duro — Se
quiser dormir na cama, podemos enrolar o cobertor que está nos pés da cama e
colocá-lo entre nós.
Os seus olhos seguraram os dela, avaliando a ideia, então a sua boca curvou-
se em um meio sorriso.
— Então é uma atrevida?
Juliet riu.
— Nada a ser comparado com os gostos de Molly, mas... — devolveu-lhe o
sorriso e imitou o sotaque escocês de Molly: — Pode ser que tome nota, Iain.
Era a primeira vez que o chamava pelo seu nome cristão, e de alguma forma
não soara, em absoluto, como Molly dissera. Soara com o seu tom de voz
habitual, apenas um pouco mais rouca, os seus sentimentos em relação a ele
unindo as palavras, deixando-a baixa e rouca, rica e desejada. O seu rosto ficou
vermelho.
Iain gemeu, pegou um travesseiro e o cobertor extra dos pés da cama e
deitou-se no chão. Juliet inclinou-se sobre a borda e olhou para ele, vendo-o
endireitar o kilt que tinha subido até ao meio da coxa e estender o cobertor. Ele
afastou-se e ela deitou-se, suspirando e fechando os olhos.
— Você é muito mais poderosa que ela, moça. — A voz ficou ainda mais
fraca, como se fosse adormecer a qualquer momento. Então murmurou: —
Muito poderosa para pessoas como eu.
Ela sorriu e adormeceu, feliz e exausta como nunca estivera.
***
Aproximava-se o cair da noite quando o quarteto entrou na pequena cidade
de Ennis, nos arredores das terras de Lindsay e Eden Place. Juliet examinou a
cidade e reparou nas más condições das casas e nos rostos tensos dos moradores
que saíam das suas casas e lojas para os verem. Foram recebidos por rostos
sombrios e gritos: — O que será de nós, Milady?
— O seu pai, Milady, continua vivo? Ouvimos que está seriamente doente.
Juliet olhou para o irmão. As sobrancelhas de Ruck aproximaram-se em uma
carranca.
— Estava a curar da ferida da flecha quando fui procurá-la. Talvez tenha
infecionado. Temos de nos apressar.
Desceram pela rua estreita e alcançaram os portões de ferro da propriedade
de Lindsay. Joseph desmontou para abri-los.
Iain chegou ao lado dela e disse em voz baixa: — Milady, devemos rezar.
Não sabemos o que estamos prestes a encontrar, mas Deus sabe tudo e está
connosco.
Juliet sentiu o pulso acelerar.
— Receio que devo adverti-lo... os meus pais não são dos que pretendem
ganhar o favor de Deus. Eles não são como o tio Clyde e a tia Becca.
Iain deu-lhe um sorriso gentil, os olhos cheios de calor.
— Nenhum de nós merece os favores de Deus, eles são um presente que Ele
concede a quem Ele quiser.
— Não importa se você é bom ou mau?
— É importante para aqueles que são bons e maus, sim. Mas Deus vê nos
corações dos homens e julga com uma sabedoria que não podemos compreender.
É por isso que devemos confiar nos Seus caminhos.
Juliet refletiu sobre esse pensamento enquanto o criado voltava a montar o
cavalo. Quando Ruck começou a atravessar os portões, Juliet deteve-o.
— Um momento, Ruck. MacLeon deseja rezar.
O seu irmão ficou perplexo, mas desacelerou o cavalo. Todos se curvaram.
— Querido pai. — A voz profunda de Iain disse as palavras como para um
pai amado. — Vimos até Vós, não para apoiar o nosso próprio parecer, mas para
pedir sabedoria e orientação neste assunto com Lorde Lindsay e nos desafios
perante nós. Oramos para que, se for Sua vontade, fortaleça e cure Lorde
Lindsay da sua ferida e o guie e o proteja dos seus inimigos. Orar, dar-nos-á
força para suportar tudo o que está por vir. Amém.
— Amém. — Todo repetiram.
Juliet sentiu uma estranha calma apoderar-se dela e olhou para Iain com um
maior respeito. Nunca tinha ouvido um homem, especialmente um homem tão
forte e poderoso da nobreza, humilhar-se dessa forma, admitindo na frente de
outras pessoas que ele não sabia o que fazer e precisava de ajuda. Em vez de
subtrair qualquer coisa dele, fez com que parecesse ainda mais como um líder.
Forte e sensato.
Subiram o longo caminho de pedra até ao solar onde Juliet crescera. De
granito rosa, o edifício de três andares tinha sete grandes janelas em todos os
andares, duas colunas frontais em cada lado da fachada e três no meio acima das
portas duplas. Um criado saiu e levou os cavalos, o rosto para baixo, como se não
pudesse olhá-los nos olhos. Joseph desapareceu com os cavalos em direção aos
estábulos.
Juliet subiu as largas escadas de pedra até à porta da frente e correu para
dentro, os homens atrás dela.
— Graças a Deus que estão aqui. — Nettie, a governanta de longa data, fez
uma reverência superficial para os três e apressou-se. — O seu pai está em seu
último suspiro. Depressa, meus Lordes, minha Lady. — Olhou para Iain com os
olhos arregalados, notando seu tartan e grande porte.
— Nettie, este é o chefe do Clã MacLeon, da Escócia. Ele foi muito amável
em escoltar-nos para casa. Cuidará do seu conforto enquanto Ruck e eu vemos o
nosso pai?
A governanta assentiu.
— Onde está a mãe? — Perguntou Ruck, indo para a escadaria em espiral
no lado esquerdo do grande hall de entrada.
— Só o céu sabe. Não se aproximou do seu pai desde que o cheiro pútrido
começou. A ferida verte horrivelmente.
— Lady Lindsay. — A voz de Iain deteve-a. — Posso acompanhá-la para ver
o seu pai, se desejar. Tenho um pouco de conhecimento em ferimentos de
batalha e gostaria de ver o que o médico está a fazer por ele.
Juliet fez-lhe sinal para segui-los.
— É claro. Siga-me.
Subiram três lances de escada e percorreram um longo corredor nas sombras.
Juliet viu o lugar como Iain estaria a vê-lo, em más condições e mal conservado,
com tapetes velhos e gastos, com paredes nuas onde costumavam existir pinturas,
os apliques nas paredes enferrujados e negros, mas não adiantava ter vergonha
disso… O seu pai não era um bom administrador, levara-os à ruína, verdade seja
dita, e não havia nada que pudesse fazer para esconder os fatos óbvios que os
rodeavam.
Puderam sentir o cheiro da doença do pai antes de abrir a porta. Juliet levou
a manga ao nariz e abriu-a. O seu pai estava na grande cama com dossel, as
cortinas da cama arrastadas do lado das janelas. Ruck fez um som na garganta,
mas pegou a mão de Juliet e caminhou com ela em direção ao pai.
O pai virou a cabeça ao ouvir o som de passos. Juliet vacilou, com um
gemido. Ele parecia tão magro, tão pálido, com um tom esverdeado. O seu olhar
percorreu-lhe o ombro, onde inchaço vermelho de carne pútrida escorria em
torno de um enorme buraco coberto por uma mistura de um género de
cataplasma. O seu estômago agitou-se enquanto respirava brevemente e chegou
ao seu lado.
— Pai, o que aconteceu?
O seu pai olhou por cima da sua cabeça para Iain e franziu a testa, mas
apenas por um momento, e depois disse com uma voz áspera: — Chegou na
hora. Como pode ver... estou a morrer. James terá que recuperar o trono sem
mim.
Como podia pensar no rei deposto em seu leito de morte, ela não conseguia
compreender.
— É uma infeção?
O seu pai amaldiçoou e depois ofegou, tossindo para recuperar o fôlego, o
barulho nos pulmões não era muito bom.
— Fui sangrado até à morte para me livrar do sangue infetado, mas está
impregnando meu corpo. Posso sentir o seu aperto a alcançar-me. Não vai
demorar muito agora.
— Pai, — disse Ruck hesitante.
O olhar do seu pai voltou-se para o irmão e depois novamente para ela,
ignorando-o. Franziu a testa.
— A tua única esperança é um casamento vantajoso. Depois do teu... — ele
ofegou por ar e depois recuperou, determinação a iluminar o olhar — … fiasco
naquele maldito baile nós tínhamos pouca esperança, mas encontrei um homem
disposto a desposá-la. — Fez outra pausa para recuperar o fôlego. — Lorde
Richard Malcolm. — A sua voz estava misturada com uma alegria febril quando
disse o nome.
O coração de Juliet congelou. Não conseguia falar. O rosto de Lorde
Malcolm entrou em foco por trás dos olhos fechados. Um rosto severo e
delgado, com olhos pequenos e brilhantes, nariz comprido e pontiagudo. Tinha
pelo menos sessenta anos e era conhecido como um fanático jacobita e um
homem cruel. A sua terceira esposa cometeu suicídio após apenas dois anos de
casamento. Não conseguia acreditar que o seu pai pensou em tal coisa. Um
tremor começou nos joelhos e subiu pelo corpo. Começou a desmoronar, mas
Iain agarrou-a e segurou-a por um dos braços.
— Pai, não, — disse sem fôlego, — nunca poderia...
— Você pode e vai! — O seu pai gritou, surpreendendo a todos. — Se você
não o fizer, no dia de Natal, eles perderão tudo. A sua mãe, irmão e irmã não
terão onde morar. Eles serão escravos ou prisioneiros na prisão de devedores.
Juliet, você não tem outra escolha. Eu já prometi isso. Ele já pagou as dívidas!
— Não, não posso.
O seu pai caiu no travesseiro e fechou os olhos.
— Você não tem escolha, — sussurrou. — Deixe-me.
Juliet voltou-se e saiu correndo do quarto.
Capítulo 5

O jantar foi um evento tenso.


Decorações austeras em uma sala de jantar severa. Comida estrita numa mesa
rígida. Corações pesados em rostos duros. Um evento difícil, de fato.
Iain repetiu a oração anterior de conter-se de roubar Juliet e levá-la para a
Escócia. O que faria com ela quando chegassem lá, não queria pensar. Casar?
Grande parte dele, o homem que ele era, queria-a como esposa, mas não podia
levar para casa uma noiva inglesa. O seu Clã não toleraria isso, e a sua vida seria
tão dura como esta sala sem a aprovação deles. E, mesmo assim, pensou
enquanto olhava para o seu rosto pálido, como poderia deixá-la com este Lorde
Malcolm? Um homem, ouviu dizer, que era um monstro. Passou a última hora
na sala de estar com Ruck dizendo-lhe ainda mais. Era um destino que não
podia imaginar para Juliet e, no entanto, não devia agir com o coração. Tinha
que esperar e ouvir como proceder de Deus. Era um equilíbrio delicado que já
tinha executado, mas com uma mulher envolvida, esta mulher, era mais difícil
do que qualquer outra coisa que tinha feito.
— Devemos agradecer-lhe mais uma vez, MacLeon, por a nossa Juliet estar
em casa, em segurança. Estava com medo de enviar Ruck com apenas um servo,
mas como pode ver, passamos por tempos difíceis e não havia mais ninguém, —
disse a mãe de Juliet com um rosto acanhado.
Iain tinha visto apenas um punhado de serventes na propriedade e não tinha
nenhum motivo para duvidar das suas palavras.
— O prazer foi meu, — respondeu em voz baixa.
— Vai regressar diretamente para a Escócia, então? — Ela deu uma pequena
mordida na sua carne e mastigou por um longo tempo. A mãe de Juliet,
Hermione, tinha cabelos loiros com cinza e um corpo muito magro, com uma
voz igualmente afiada. A irmã mais nova de Juliet, Claire, tinha a aparência e os
modos da sua mãe, mas com o brilho da juventude, enquanto Juliet herdou a
aparência do seu pai e curvas exuberantes. Reparou que Juliet comeu a sua
comida com o entusiasmo de alguém que era ativo e saudável, embora a sua
figura curvilínea fosse a de uma mulher adulta. Era o tipo de pessoa que não
fugia do trabalho físico duro, mas podia arranjar-se e virar os olhos de qualquer
homem em uma dança ou ópera, especialmente quando falava com aquela voz
aveludada. Só o pensamento de como pronunciara o seu nome fez o sangue fluir
para lugares impróprios numa mesa de jantar. Ele forçou os pensamentos em
outra direção, respondendo a sua mãe.
— Tenho assuntos a tratar em Edimburgo e depois vou para casa.
— Juliet disseme que a sua casa é nas Terras Altas? É uma área remota?
— Aye, e o lugar mais lindo do mundo. Herdei Eilean Donan, um castelo
construído em uma ilha no lago Duich. Está localizado onde três lagos se unem
às montanhas a leste e a norte.
— Não há simpatizantes Jacobitas nas Terras Altas? — Hermione
perguntou, ignorando a sua descrição poética.
— Aye. Existem, madame.
— Você não é um deles? — As suas finas sobrancelhas subiram até a metade
da testa.
— O meu parecer está mais para a melhoria da minha terra e a difícil
situação do meu povo.
— Mas certamente tem um lado. Você é católico?
— Prefiro o nome cristão. — Ele estava prestes a transformar o assunto da
conversa em algo menos volátil quando a governanta entrou na sala. Lágrimas
escorriam pelo seu rosto enrugado.
— Partiu, Milady. Lorde Lindsay está morto.
***
A chuva caía com as folhas juntamente com uma rajada de vento, enquanto
Juliet, Iain, sua família, alguns funcionários e aldeões estavam de pé ao redor da
sepultura onde o seu pai estava a ser colocado para repousar. O clérigo leu os
Salmos, mas Juliet sentiu pouco conforto nas palavras. Só conseguia pensar em
três palavras.
Dia de Natal.
Tinha de encontrar uma maneira de salvar a sua casa e pagar Lorde
Malcolm, que ouviu dizer que pagara de fato as dívidas descomunais do seu pai
em troca da sua mão em casamento. O que ia fazer? Faltavam menos de dois
meses.
As palavras da sua mãe naquela manhã perseguiam-na. Juliet fechou os olhos
e viu o rosto zangado da sua mãe. Severo e furioso... chorando e gritando contra
ela.
— Se ao menos tivesse feito o que lhe disse. Você arruinou tudo.
O cabelo longo e fino da sua mãe cobriu, por um momento, a sua cabeça
inclinada, para em seguida ser empurrado para trás com uma mão enrugada. Ela
levantou a cabeça e olhou para Juliet com tanto ódio que lhe roubou
completamente a respiração. Ela recuou, não querendo estar no quarto da sua
mãe, com aquelas grossas e pesadas cortinas cor de damasco ao redor da cama
que bloqueavam qualquer luz.
O que tinha feito? Tinha realmente sido arruinada por um beijo com um
estranho bonito? Parecia injusto e impossível, mas todos, a sua mãe em primeiro
lugar, pareciam convencidos.
Arruinada.
Ninguém a iria querer agora. Foi o que todos disseram. Era verdade?
Agora, estava de pé, junto ao túmulo do seu pai e pensando na oração de
Iain. Repetiu-a o melhor que podia lembrar-se. Se Deus, por algum milagre, a
ajudasse e a salvasse desse destino horrível, ela nunca mais duvidaria do Seu amor
por ela novamente. Mas parecia impossível.
Quando levantou a cabeça, ouviu o som dos cascos dos cavalos e virou-se.
Dois homens em longas capas negras trotaram em direção a eles, a chuva
escorrendo dos seus chapéus de abas largas. Juliet estreitou os olhos, o coração
caindo para o estômago quando os seus rostos entraram em foco. Lorde
Malcolm. Virou-se rapidamente, de volta para o túmulo do seu pai. Como pode
ter feito isto com ela? Os seus pais eram os mais egoístas, não afetuosos... O seu
corpo tremia de medo, receio e raiva...
— Calma, moça. — A voz de Iain soava profunda ao lado da sua orelha. —
Não deixarei que a levem. — Aproximou-se, colocou a mão dela no seu braço e
pousou a sua mão grande e quente sobre a dela, a chuva encharcando as mangas.
Olhou para aqueles intensos olhos azuis de Iain. Não deixaria? O que
poderia realmente fazer para protegê-la? Estava legalmente obrigada. Mas a
esperança ainda brotou no seu peito. Talvez pudesse fugir, voltar para o tio
Clyde e para a tia Becca e viver tranquilamente na Escócia. Enquanto pensava
nisso, o seu olhar retornou para Ruck, Claire e sua mãe. Eles seriam expulsos
para a rua, possivelmente para a prisão dos devedores. Ela não podia deixar isso
suceder, não importava o pouco amor existente entre ela e a sua mãe. Claire
tinha apenas quatorze anos e Ruck estava prestes a ser homem. Não podia
permitir que eles sofressem pelo que o pai fizera. Mas também não podia casar
com Lorde Malcolm. Era inconcebível.
Sentiu e escutou, em vez de ver, Lorde Malcolm e o outro homem
desmontarem e caminharem em direção à sua mãe. O clérigo tinha terminado a
oração e todos observaram a constituição delgada de Lorde Malcolm curvar-se
em cortesia, murmurando as suas condolências em voz alta, com uma bajulação
que causou arrepios em Juliet. Então virou-se para Juliet e inclinou-se como o
anjo da morte, a capa negra batendo com o vento.
Juliet instintivamente apertou o braço de Iain e aproximou-se dele. O rosto
de Lorde Malcolm contraiu-se em uma carranca profunda. Parou, encarando
Iain por um longo tempo e, depois, inclinou-se para Juliet.
— Milady, as minhas mais profundas condolências pela morte de seu pai.
Deve estar arrasada.
— Sim, meu Lorde, por muitas razões.
A sua carranca aprofundou-se e os olhos dispararam veneno.
— Você não vai apresentar o seu... amigo?
— Este é o MacLeon do Clã MacLeon de Eilean Donan. Ele teve a gentileza
de acompanhar-me e ao meu irmão até casa.
Os dois homens olharam-se novamente.
— A bondade é uma virtude valorizada nos amigos, não é? Embora eu
duvide que essa noção particular o tenha guiado. Lealdade, no entanto... — Ele
engasgou com uma tosse. — Eu insisto nisso nos meus amigos e muito
particularmente na minha esposa. — Os seus pequenos olhos brilhantes
voltaram para Iain. — Faça o favor de retirar as mãos da minha noiva.
A mãe de Juliet apressou-se a intervir.
— Meu Lorde, vamos todos sair desta chuva e ter a ceia que planejamos. —
Agarrou o braço de Lorde Malcolm, que ele imediatamente retirou com um
abanão, uma ação que ela ignorou, e indicou com a outra mão para a mansão.
Juliet segurou com força o braço de Iain enquanto seguiam para a entrada
principal. Lorde Malcolm poderia muito bem descobrir que não receberia
qualquer tipo de lealdade dela.
Depois de secarem-se o melhor que puderam, reagruparam-se no salão perto
das duas lareiras, tentando aquecerem-se e secarem-se, enquanto finalizavam a
preparação do jantar. Juliet bebeu uma taça de vinho quente com especiarias e
virou a parte mais molhada da parte de trás da saia em direção ao fogo. Iain
tinha-a deixado para juntar-se aos homens do outro lado da sala, sussurrando: —
Não tenha medo. — E deu-lhe um aperto encorajador na mão.
— Não vou permitir que arruíne esta união, Juliet. — A sua mãe sibilou
para ela assim que Iain saiu.
— Não vou casar com ele.
— Você deve. Tem alguma ideia do que acontecerá com todos nós se você se
recusar? É por sua culpa que Lorde Malcolm foi único a propor... depois daquele
escândalo no jardim.
— Um beijo dificilmente...
— Não se atreva a falar comigo sobre as regras da sociedade, mocinha.
Poderia ter tido qualquer em entre os muitos homens ricos da sociedade, mas
teve de destruir qualquer oportunidade... — Ela parecia prestes a chorar, mas
recuperou o controle. — Acha que eu gosto disto? Acha que sou tão cruel? Ele é
cruel e um avarento. Não foi a minha primeira escolha para genro, posso lhe
dizer, mas você fez as nossas camas e agora temos de nos deitar nelas.
Como podia sua mãe dizer essas coisas? Juliet sentiu as lágrimas arderem nos
olhos e obrigou-as a regressar. Foi apenas um pequeno beijo. Na realidade, nem
sequer disfrutou, simplesmente deixou a curiosidade do momento arrastá-la. O
que tinha feito? Talvez fosse por isso que Iain, embora houvesse uma atração
óbvia entre eles, não tivesse mencionado uma união entre os dois. Isso e o fato
de ela ser inglesa. Estavam condenados desde o início.
O seu olhar vagou até onde ele estava de pé, o homem mais alto do salão,
com o cabelo loiro escuro um pouco comprido preso com uma fita e
orgulhosamente vestido com o seu kilt de tartan vermelho. Nunca soubera que
um homem em uma saia escocesa poderia ser tão atraente, mas ele era,
especialmente em comparação com os homens de pé na sua sala de estar. Quase
a deixou sem fôlego.
Comparar esta visão gloriosa com o sombrio e magro Lorde Malcolm
causou-lhe nós de repulsa no estômago. Oh, meu Deus, não posso casar com
aquele homem! Ajuda-me, por favor!
A governanta entrou e anunciou que o jantar estava a ser servido. Os homens
costumam escolher uma mulher para escoltar à sala de jantar, oferecendo-lhe o
braço. Juliet assustou-se quando viu Iain e Lorde Malcolm aproximarem-se dela.
O seu irmão passou e ela aproveitou a oportunidade de evitar mais conflitos,
agarrando-lhe o braço.
— Acompanhe-me, Ruck.
Ruck notou a carranca no rosto de Lorde Malcolm e sorriu.
— O prazer é meu, irmãzinha. — Ele conduziu-a para fora do salão, como
se as saias estivessem em chamas. — Você não pode se casar com ele, você sabe.
— Eu sei! — Ela meio sussurrou meio assobiou. — Mas o que posso fazer?
— Poderia casar-me com uma herdeira, e então você não teria de se
sacrificar.
— Você é muito jovem e, além disso, levaria muito tempo para organizar
um noivado, tempo que não temos.
— Ouvi falar de um homem que sequestrou uma herdeira. Ele e os seus
amigos tiraram-na da cama, levaram-na para Gretna Green e casou-se com ela
antes de os pais descobrirem que ela havia saído de casa. Talvez possa encontrar
uma jovem sedenta por tal aventura. — O seu sorriso ampliou-se com o
pensamento.
— Ruck, não seja ridículo. Duvido que o pai da jovem tivesse vontade de
pagar as nossas dívidas com Lorde Malcolm nessas condições.
Encolheu os ombros, puxando uma cadeira para ela na cabeceira da mesa, ao
lado de sua mãe.
— Suponho que não. Espere. — Ele gesticulou para Iain. — O MacLeon é
louco por você. Por que não o sequestramos? Podemos fazê-lo hoje à noite,
enquanto ele dorme.
— Perdeu o juízo? — Juliet ofegou com um meio sorriso, apesar das
circunstâncias terríveis. O pensamento de que eles poderiam fazer qualquer coisa
que ele não quisesse era simplesmente... inimaginável.
— Obrigado por isso, irmãzinha. Poderíamos escorregar um pouco daquele
láudano que a mãe usa em sua bebida depois do jantar. Eu vou convencê-lo a ir
para a cama cedo, você fica e entretém o velho Malcolm para distraí-lo, depois
coloco-o na carruagem assim que todos estiverem a dormir. Poderíamos chegar a
Gretna Green em cerca de três horas, se pressionarmos. Vai acordar bem a
tempo de dizer os votos e...
— E por que supõe que ele dirá os votos? Se ele me quisesse como sua noiva,
teria pedido.
— Não, ele está na lua por você, qualquer um pode ver isso. Ele só precisa
de um empurrãozinho para superar a ideia de uma esposa inglesa. Porque, se ele
for forçado, então o seu Clã não poderá ficar muito zangado com ele, certo?
Um pequeno empurrão. Ela queria um marido que tivesse que ser ameaçado,
enganado ou mesmo pressionado a casar-se com ela? E o clã poderia perdoá-lo,
mas eles nunca a perdoariam se descobrissem que ela usou tal artimanha no seu
chefe. Era ridículo pensar sequer em tal coisa.
— Ruck, sente-se. O que está a tramar para sussurrar para a sua irmã desse
jeito? — Sua mãe olhou para os dois com desprezo, deixando o rosto de Juliet
vermelho de vergonha. Ruck deslizou na sua cadeira no outro extremo da mesa,
piscando para ela antes de voltar a sua atenção para outro lugar.
Juliet olhou para o prato de comida à sua frente e cobriu a boca com uma
mão. Fechou os olhos, a respiração pesada no peito, toda a conversa alegre ao seu
redor era alta e irritante. Sentia falta da tranquilidade do seu quarto, o chão de
pedra duro e forte contra os joelhos. Ela imaginou-se ajoelhada em oração.
Deus? Poderia ser? Poderia esta ideia estranha e desesperada ser a resposta?
Não poderia, e ainda assim... mostre-me o caminho.
Capítulo 6

Iain acenou com a cabeça para Ruck e tomou outro gole da caneca do que
Ruck insistia ser a melhor cerveja de Nothumberland. O menino estava a tentar
embebedá-lo de modo a não poder ir embora na manhã seguinte? Tinha-lhe dito
que partiria para Edimburgo, tinha negócios com as ovelhas, mas que voltaria e
veria a sua irmã, e... bem, ele balançou a cabeça para limpá-la. Apenas tinha
prometido voltar, não disse o que faria quando regressasse a Edem Place, porque
nem ele sabia exatamente o que faria.
Balançou a cabeça e fechou os olhos. Eles queriam fechar e não voltar a
abrir... e a sua fala... podia sentir. Começava a falar com a profunda pronúncia
das Terras Altas da Escócia que apenas alguns de seus companheiros gaélicos
podiam entender. Ele estava cansado até os ossos... Deus o ajude.
Passou a mão pelo rosto e sentiu a aspereza da sua barba de dois dias.
Precisava de um bom barbear e uma toalha quente no rosto, era isso o que
precisava. E uma cama agradável, macia...
— MacLeon, ouviu-me?
Iain virou-se para a voz. Soava perto e ao mesmo tempo um eco como se
viesse de um desfiladeiro profundo. A sala começou a balançar. Bom Deus no
céu, orou, o que bebi para me sentir assim? Ele estava exausto ao ponto de
querer cair no chão, roncando completamente. Saudou a voz, sem se importar se
era Malcolm, e então procurou por Ruck. Onde estava aquele cachorrinho? Ele
iria mostrar-lhe a cama ou veria o lado intransigente da sua...
Ruck apareceu ao seu lado — MacLeon. Tenho algo importante para
mostrar-lhe.
Iain sinceramente esperava que fosse um travesseiro de penas grossas.
Foram pelas escadas de pedra que serpenteavam até ao terceiro andar, onde
os quartos ficavam em cada lado do longo e estreito corredor. Ruck guiou-o com
um empurrão na direção certa, abrindo a porta e empurrando-o para dentro.
O rapaz não precisava ser tão agressivo. A luz brilhante da lua apareceu pelas
janelas altas e iluminou o quarto. Uma grande cama de dossel chamava-o como
uma amante há muito perdida.
— Dormir. — Ele sentiu a palavra grossa nos seus lábios. Apenas algo...
— Sim. — A voz de Ruck era como um empurrão gentil de uma mãe. —
Você só precisa dormir. — Como a sua mãe costumava dizer quando estava com
febre.
Caiu atravessado na cama e tentou ajudar quando Ruck tirou-lhe os sapatos.
O rapaz colocou-lhe as pernas na cama e cobriu-o com uma manta de cheiro
agradável. Teve de admitir que, embora a casa de Juliet tivesse sido saqueada das
suas riquezas, cheirava melhor do que a maioria e era muito confortável.
Esfregou o rosto contra a suavidade da colcha, sentindo-se como um garotinho e
pensando que aquela cama era um pedaço distante do céu...
— Boa noite, MacLeon. — A sombra de Ruck inclinou-se para ele enquanto
se afastava.
— Espere. — Iain recuperou por um momento e virou a cabeça para o
rapaz. — A sua irmã... — Ele piscou pesadamente. Estava…muito…cansado…
— Aye?
Iain rolou sobre as costas e esticou os braços, dando um longo e profundo
suspiro.
— Você sabe que a amo, não sabe rapaz?
Iain ouviu uma risada suave — Sim, MacLeon. Estou a contar com isso.
Ouviu o baque da porta a fechar-se e então a escuridão fechou-se ao seu
redor.
***
— Juliet. Juliet, acorde.
Juliet virou-se para o som, sempre teve um sono profundo e tentou enterrar
a cabeça debaixo do travesseiro.
— Juliet, se não quer encontrar-se noiva de Malcolm pela manhã, é melhor
acordar.
Ela ergueu-se, respirando rápido e piscando.
— O quê?
— Shhhh.
Virou-se e viu Ruck de pé ao lado da cama com uma vela acesa.
— Ele está fora de combate. O plano funcionou.
— Plano?
— Juliet. O MacLeon. Dei-lhe um pouco mais do que acho que a mãe
normalmente toma à noite para ajudá-la a dormir. Ele está a roncar alto o
suficiente para despertar os mortos.
— Fizeste-o? Oh, que o Senhor tenha misericórdia de nós. Eu nunca
concordei com o seu plano bobo. Você está louco?
— Ele disse que te amava. — Ruck recuou e franziu os lábios, esperando. O
seu irmão sabia que estava a jogar uma carta vencedora, a única carta que poderia
mudar a sua opinião.
— Como sabe?
— Disseme. — Ruck bateu levemente no rosto e imitou o sotaque escocês.
— Você sabe que a amo, não sabe rapaz?
— Ele disse isso? — Juliet saltou da cama e agarrou a bata, jogando-a sobre
os ombros e amarrando a fita de cetim azul sobre o corpete, vestindo-se mais
rápido do que jamais havia feito.
Ruck sorriu e Juliet gemeu.
— Disse.
— Ruck, isto é uma loucura. Sei que quer ajudar e toda gente sabe que
preciso de algo, um plano, mas drogar e sequestrar um chefe escocês e depois
esperar que ele faça os votos...
— Vai funcionar Juliet. Eu sei que vai.
Juliet olhou para o irmão e sentiu as lágrimas nos olhos. Tinham perdido o
pai e agora tinham de lidar com Lorde Malcolm, não era de admirar que se
agarrassem a qualquer coisa.
— Mostre-me. Preciso saber que não deu demasiado.
Ruck fez um som descontente, mas saíram do quarto de Juliet e foram para o
quarto onde tinha deixado Iain.
Quando passavam pela parte superior das escadas, vozes altas detiveram-nos
no caminho. Eles encolheram-se contra a parede, escondendo-se nas sombras.
— Não faz sentido esperar, meu Lorde. Temos de levar a moça connosco de
manhã, assim que o escocês for embora, e evitar qualquer problema com
MacLeon. Tem o contrato de casamento assinado por Lorde Lindsay, por que
esperar que o atrasem com intrigas e artimanhas?
— Sim, por que esperar por uma deliciosa carne fresca na minha cama? —
Uma risada vazia ecoou, enchendo a sala, juntamente com o riso obsceno dos
homens de Lorde Malcolm. Uma cadeira raspou como se estivesse a ser afastada
da mesa.
Juliet sentiu o sangue sair do rosto. Eles a levariam à força pela manhã. A sua
mãe não faria nada para detê-los. Ninguém o faria. Apertou as mãos com tanta
força que sentiu a dor entrar na sua consciência. Ruck agarrou-lhe o braço e
puxou-a pelo corredor, com o dedo nos lábios, lembrando-a de ficar calada.
Eles voltaram para o quarto que usavam para os hóspedes, embora
raramente, e Ruck fechou a porta suavemente. O luar iluminava o quarto através
de duas janelas de vidro. Juliet virou-se e viu Iain, a dormir e a roncar
profundamente na cama. Ele ainda usava o traje de noite, exceto os sapatos e
cardaços.
— Depressa. — O seu irmão fez um gesto para a cama. — Não temos
escolha agora. Ajude-me a colocar os sapatos.
Juliet moveu-se como se fosse de madeira, mas ainda assim obediente. O seu
irmão, seu amado irmão, que ela sempre amou e cuidou, assumiu o controle e
cuidou dela. Dificilmente sabia o que fazia enquanto amarrava os sapatos nas
pernas magras, mas musculosas. Olhou-lhe para o rosto, aliviada por estar a
respirar normalmente e ainda feliz por estar a dormir profundamente. Ruck
dera-lhe muito láudano para esse fim.
— É muito maior do que nós. Como vamos levá-lo para a carruagem?
Ruck empurrou o outro sapato nas suas mãos, foi até ao quarto de vestir e
trouxe uma tábua comprida com um cinto preso no meio. Juliet reconheceu-a.
Era usada quando alguém era ferido, ou tinha caçado um animal grande, quando
algo grande tinha de ser carregado.
— Ruck, não vou conseguir carregar um lado disso. Deve pesar cerca de
doze quilos.
— Nós podemos, querida irmã, e nós vamos. Apenas pense na cama de
Malcolm e terá força.
Teve de admitir que o pensamento lhe deu coragem para pelo menos tentar.
Ele inclinou uma extremidade da tábua contra a cama e colocou as pernas de
Iain sobre ela.Com Juliet na cabeça e Ruck a puxá-lo pela cintura, conseguiram
subir uma grande parte dele. Ele apenas roncou mais alto.
Ela inclinou-se sobre uma extremidade da tábua contra a cama e pendurou
as pernas de Iain sobre ele com Juliet em sua cabeça e Ruck puxando a cintura
de Iain, eles conseguiram obter a maior parte. Ele apenas roncou mais alto.
— Espere, tenho uma ideia. — Juliet deteve Ruck antes de o levantarem
completamente. Foi ao armário da água e tirou dois barris de vinho, lembrou-se
que mantinham alguns neste quarto. Eram feitos de madeira e principalmente
redondos. — Se os colocarmos debaixo da tábua, e depois os virarmos, movendo
os barris, conforme seja necessário, podemos alcançar pelo menos o topo das
escadas com pouco ruído.
Ruck assentiu, uma risada surgiu no rosto.
— Bem pensado.
Funcionou muito bem. Eles pararam na porta para se certificarem de que os
convidados tinham se retirado para dormir e não ouviram nenhum som, só
viram o tremular de uma vela que alguém deixou acesa no grande salão. No topo
da escada, pararam e olharam um para o outro. E agora o quê?
— É uma pena não podermos rolá-lo pelas escadas abaixo, — sussurrou
Ruck.
Juliet reprimiu uma risada histérica. Ela ainda se sentia como um ator em
uma peça. A sua vida realmente não a levou a isto, pois não?
— Bem, se estivermos ambos na extremidade inferior, podemos, certo?
Ruck assentiu.
— Tenha cuidado. Ele não vai ficar feliz se o largarmos pelas escadas e
acordar todo machucado.
Juliet empalideceu só de pensar na sua reação se o machucasse.
— Bem. Simplesmente fique calado.
— Claro, vamos.
Juliet ficou de um lado da tábua, enquanto Ruck ficava no outro, aos pés de
Iain. Lentamente deslizaram-no, degrau a degrau pelas escadas.
Quando chegaram ao fim, ambos olharam nostálgicos para os barris de
vinho.
— Suba e traga-os. — Disse Juliet a Ruck.
Um barulho repentino no salão, ao virar da esquina e à direita, congelou-os.
Um homem gemeu e mexeu-se.
Regressaram às sombras, mas não conseguiram mover a tábua ou Iain, que
ainda roncava baixinho. Juliet aproximou-se e colocou a mão na sua boca, mas
só conseguiu fazer o ronco sair pelo nariz como um bufo suave.
— Oh, querido.
— Alguém vem, — sussurrou Ruck. — Rápido, temos de movê-lo. — Ruck
pegou-o por um ombro e levantou-o. Juliet segurou no outro ombro e juntos o
colocaram de pé. Ele não estava completamente inconsciente quando o
moveram, então ele foi capaz de ficar parado, ou algo assim em seus pés.
Colocaram os braços ao redor dos seus ombros e meio que o arrastaram, meio
que o carregaram e levaram-no ao redor da esquina de pedra em direção à
entrada. Com sorte quem andava pelo salão não notaria a tábua ao pé da escada.
Com os pés apenas arrastando e às vezes deslizando atrás dele, eles
conseguiram tirá-lo, onde Juliet tombou contra o seu peso.
— Não consigo dar outro passo. — Ela sussurrou.
Ruck baixou o outro lado e apoiou Iain contra uma coluna de pedra.
— Vamos arrastá-lo para aqueles arbustos. Sente-se com ele e eu vou buscar
a carruagem.
— A mãe vai nos estrangular por isto.
— Vamos dizer-lhe que foi ideia de MacLeon. Você não tem culpa. — Ruck
sorriu, com os olhos tão brilhantes pela aventura à luz do luar que Juliet sentiu
uma pontada de amor por seu irmão. Acenou para ele ir, mas continuou a
pensar, o que aconteceria?
Capítulo 7

Iain acordou com os solavancos de uma carruagem em plena velocidade.


Gemeu e agarrou a cabeça com uma mão, preparando-se para cair no chão com
a outra. Tentou se sentar, mas deitou-se novamente com outro gemido. A cabeça
parecia um melão gigante prestes a partir. Virou a cabeça e tentou abrir os olhos
que estavam tão pesados como sacos de areia. Não conseguia nem piscar, apenas
tentar abrir uma fenda nas pálpebras inchadas.
Escuridão total.
Onde estava? E quem conduzia isto a uma velocidade vertiginosa?
Quem eram os responsáveis, não conseguia compreender. Ele mal conseguia
reunir inteligência suficiente para lembrar onde estivera pela última vez e com
quem.
— Graças a Deus. Está a acordar, — disse uma voz baixa e sonhadora perto
dele.
Virou-se para ela instintivamente, sem recordar se pertencia a alguém bom
ou mau. Soava gentil.
Ela soava gentil.
Algo sobre ela, aquela doçura baixa, suave e rouca, tocou um lugar profundo
que não se lembrava desde que a voz delicada da sua mãe o persuadira a acordar
de um pesadelo na infância. Houvera muitos pesadelos, especialmente quando o
seu pai partia, com Iain a observar o seu kilt a esvoaçar na parte de trás das suas
pernas quando ele saía por uma razão ou outra. Todas as missões eram
importantes; deter os que roubaram as ovelhas e gado, proteger as terras e lutar
com os outros clãs, entendia isso, mas mesmo assim, quando partia os pesadelos
voltavam.
— Iain, pode me ouvir?
Essa voz novamente.
Debruçava-se sobre ele, arrastando algo dele; como um balde de um poço,
submergiu e exigiu algo novo dele. Algo que nunca teve de responder a outra
pessoa antes.
Afastou a cabeça para longe dela.
— Pode me ouvir? MacLeon... Iain?
Iain virou a cabeça para a voz. Soava amedrontada.
Tentou se sentar e falhou, apenas um simples encolher de ombros. O que
fizeram com ele?
— Shhhh, — disse a voz gentil, e então a sua cabeça foi colocada em um
colo macio. Resistiu à tentação de se virar para ela, aconchegar-se contra o calor
e o cheiro doce de uma mulher. Ele retirou a cabeça, mas então ela colocou a
mão na sua testa.
— Bem. Posso ver que precisa descansar um pouco mais. Estamos quase lá.
Juliet...
Já sabia quem era. Conhecia a sua voz, o seu cheiro e a sua suavidade.
Também sabia que algo terrível aconteceu com ele. Dispararam contra ele?
Envenenado? Bateram-lhe na cabeça? Não sentia dor em nenhuma área
específica, apenas uma dor de cabeça e o conhecimento de que algo estava muito
errado. E ainda assim, confiava nela.
Confiava nela como nunca confiou em outra alma viva.
Virou-se para ela e pressionou o nariz contra seu ventre. Foi ali que confiou
nela, ali, que a conheceria para o resto da sua vida.
Suspirou longamente, pressionou-se contra ela e adormeceu novamente.
— Juliet! Juliet, desperte!
Juliet acordou com um sobressalto, o balanço da carruagem embalou-a em
um sono inquieto. Olhou para a cabeça de Iain ainda em seu colo, deslizou para
o lado no banco e levantou-se. Inclinou-se e girou a trava, abrindo uma fenda na
porta.
A terra, ainda se movia debaixo deles, podia ver e ouvir pela abertura da
porta.
— Ruck! O que se passa? Estamos perto? — Gritou o mais alto que pôde
através da fenda.
Viu o irmão, seus longos cabelos a esvoaçar sobre a testa no movimento
oscilante da carruagem quando ele se inclinou do assento do cocheiro em direção
a ela.
— Estamos perto. Mas parece que temos companhia.
No momento em que ele disse isso, uma pistola explodiu atrás deles.
Juliet caiu no chão e fechou a porta com um grito. De joelhos, foi até Iain e
sacudiu-o.
— Iain, tem de acordar. Iain!
Outro tiro e gritos de homens. Oh meu Deus. Tinha de ser Lorde Malcolm
e os seus homens. Iriam arrastá-la de volta para Eden Place, ou pior, forçá-la a se
casar em Gretna Green com o homem errado. No que estavam a pensar?
Conduziram o seu inimigo para um lugar onde poderia alcançar o seu objetivo
tão facilmente.
Não. Devia parar de pensar assim. Eles não podiam forçá-la a casar. Ou
podiam?
Iain sentou-se, com a cabeça entre as mãos, mas com os olhos abertos.
— O que você fez, moça?
Todo o peso do que tinham feito colidiu contra ela, fazendo-a agarrar o
assento ao lado dele e olhar para baixo. Como explicas que o raptaram? O
MacLeon? Soava ridículo.
— Diga-me depressa, moça. Tenho de saber o que precisa ser feito.
Juliet assentiu.
— O meu irmão deitou um pouco de láudano na sua bebida. Eu não
concordei com o plano dele, mas depois, Lorde Malcolm... ouvimos dizer que
iria me levar de manhã, esta manhã, para a casa dele e me forçar...
— Arrastaram-me os dois para esta carruagem? — Negou com a cabeça e
esfregou uma mão no rosto, parecia ainda lutar para acordar.
— Aye. Em uma tábua. É uma longa história.
Outro tiro, mais perto desta vez. Iain atirou-se para o chão ao lado dela.
— E agora Malcolm e os seus homens seguem-nos?
— Acho que sim. A menos que sejam salteadores que nos perseguem.
Estamos perto. Ruck... oh, estou tão preocupada com Ruck lá em cima no
assento, tão exposto! Ruck disse que estávamos quase lá.
Iain fez uma pausa e virou a cabeça para ela, os olhos brilhando com
intensidade.
— E para onde vamos, moça?
Juliet engoliu em seco e disse com voz fraca: — Gretna Green.
Os seus olhos adquiriram um toque de alegria apesar das terríveis
circunstâncias.
— E o que planejava fazer quando chegássemos à Escócia?
Mais gritos podiam ser ouvidos e Juliet aproximou-se dele com medo, os
lábios a tremer quando olhou para ele. Não podia mentir.
— Casarmos. — Deixou-o assimilar e então disse em um surto: — Foi ideia
do Ruck, mas eu... eu comecei a seguir a corrente.
O seu rosto passou de choque para gargalhadas.
— Talvez deveria ter sido mais tradicional e simplesmente pedi-lo.
Alívio atravessou-a, ele não parecia muito zangado. Antes que tivesse tempo
de pensar mais sobre isso, Iain puxou uma arma do cinto, deslizou pelo chão até
à porta e a abriu.
— Permaneça abaixada, — disse a Juliet, e depois inclinou-se, rodeou a
porta, apontou e atirou nos homens atrás deles. O braço apontou para trás
quando olhou para Ruck e gritou: — Gretna Green é mesmo depois da colina,
rapaz. Vou detê-los, agora ponha esses cavalos em movimento!
— MacLeon? — Ela ouviu o irmão exclamar. — Graças a Deus, homem!
Pensei que dormiria o dia todo!
Iain balançou a cabeça enquanto recarregava a arma com pó preto e sorriu
para Juliet, as rugas nas laterais dos olhos deixando-o mais bonito.
— E ele reclama de mim. — Iain sacudiu a cabeça. — O rapaz tem
descaramento, vou admitir. — Debruçou-se ao redor da porta e disparou
novamente. Juliet rastejou para o assento e espreitou pela janela. Eles estavam
muito longe para ver os rostos, mas um homem tinha caído do cavalo, por isso
parecia que os tiros de Iain estavam a resultar, eles estavam a recuar.
— Vejo a vila! — Ruck gritou do seu assento alto.
— Já era hora! — Gritou Iain. — Vá para o ferreiro.
— A oficina do ferreiro? Mas não é onde os casais vão se casar? — Juliet
perguntou, o fato bem conhecido.
— Aye. — Iain suspirou e inclinou-se para ela, o seu olhar vagou pelo rosto
para descansar no seus lábios. — É a única maneira de salvá-la do seu destino.
Uma mistura selvagem de emoções fez o estômago de Juliet tremer. Era
realmente o que ele queria?
— E o seu Clã? O que vão pensar de um casamento com uma inglesa?
— Não preciso preocupar-me com eles pelo que Deus dispôs.
— Deus? Você quer dizer Ruck?
Ele riu, segurando-a contra ele em um movimento repentino que a fez gritar.
Olhou-a nos olhos com um olhar que a aqueceu, fazendo com que a respiração
parasse no peito... esperando... esperando. A sua cabeça desceu e as pálpebras
vibraram quando a sua boca fechou sobre a dela. Este beijo não era nada como
aquele beijo roubado no jardim pelo conde. Imprimindo-se a si, seu Clã, então
ela. Podia senti-lo em cada fibra do seu corpo, ele enrijecer-se em direção a ela.
A sua voz era baixa e quente no ouvido.
— Nay, moça, não Ruck. Estou convencido de que somente a mão de Deus
poderia fazer com que este plano tivesse sucesso. — Encolheu os ombros. —
Tenho estado à espera de um sinal Dele. Nunca teria imaginado uma ideia tão
absurda quanto sequestrar o MacLeon, mas, como disse, Seus caminhos não os
meus.
Parecia tão seguro. Mas queria que ele se casasse com ela apenas para se
salvar de Lorde Malcolm? Amava-a? Ele não mencionou a palavra.
Não teve tempo para pensar mais nisso. A carruagem parou de repente, e
quando se sentou e olhou pela janela, viu que realmente tinham chegado à vila e
estavam à porta de um prédio com uma placa que dizia "Ferraria".
Iain pegou na mão dela.
— Nós não temos muito tempo, moça. Nós os assustamos apenas um
pouco. Virão atrás de nós a qualquer momento.
Juliet assentiu e saiu da carruagem.
Correram, os três, para a porta, Ruck sorridente por o aparente saudável
retorno de Iain e de acordo com o plano.
— Concorda, então? — Ruck sussurrou para Juliet quando abriram a grande
porta de madeira.
Juliet acenou, nervosismo... medo... surpresa... alívio, tudo se expandindo de
seu coração.
— Disse-lhe que estava apaixonado por você.
— Aye, disse. — Respondeu, passando por ele. Ela riu quando Iain pegou
na sua mão e seguiu-o até à grande sala onde o calor da chama da forja tornava a
divisão luminosa e quente, refletindo sombra e luz sobre as paredes de pedra.
Um homem grande, com um rosto redondo e corado, virou-se e deu-lhes as
boas-vindas, um martelo de aparência perigosa em sua mão.
— Está ansioso para se casar, então? — Ele viu o tartan de Iain, fez uma
pequena reverência e estendeu a mão.
Iain estendeu o braço e apertou a mão do ferreiro.
— Eu sou MacLeon, chefe do Clã MacLeon das Terras Altas. — Virou-se
para Juliet. — Esta é Lady Juliet Lindsay de Northumberland e seu irmão Ruck
Lindsay. — Iain respirou profundamente. — Não tenho tempo para contar a
história toda, receio. Um homem que acredita que é a melhor escolha da noiva
estará aqui a qualquer momento. Precisamos de um casamento rápido, tão
rápido quanto meu bom homem possa ser.
— Oh, certamente. — O ferreiro sorriu. — Essa é a minha especialidade,
tenha certeza. Por aqui, então. — Ele gesticulou em direção a uma grande
bigorna que estava localizada em um bloco de madeira no centro da pista. Perto
havia um livro de orações, que pegou e abriu em uma página que estava
claramente desgastada.
— Se tiver a gentileza de repetir depois de mim, MacLeon.
Iain assentiu e segurou as mãos de Juliet. Olharam um para o outro e
naquele momento parecia como se o tempo, o som, a sala e as pessoas
simplesmente desapareceram, deixando-os a observarem-se.
***
O ferreiro começou a dizer em voz baixa e entorpecida as palavras que tinha
de repetir, mas Iain estava com dificuldade em se concentrar nelas, não
conseguia tirar os olhos do rosto da sua adorável noiva. Como chegou a esta
situação? E, como estava tão abençoadamente feliz com isto? Nunca imaginou,
em todos os seus minuciosos padrões, uma inglesa como sua noiva. Parte do seu
cabelo, aquele vermelho vibrante, soltou-se da trança e enrolou-se em volta da
sua cabeça como uma áurea de outro mundo. A luz do sol da janela incidiu
mesmo nela, brilhando ao seu redor, e sua pele cremosa parecia polvilhada com
um rubor. Os seus olhos castanhos cristalizaram, como diamantes escuros,
embora ela não soubesse. Cortavam o seu coração, um impulso lento e doloroso
que ele não podia resistir, fazendo-o vibrar como um animal.
Sentia-se forte ao seu lado, como se o seu corpo fosse agora seu escudo, os
seus esforços multiplicavam-se, cheios de promessas, a promessa dela, deles
juntos e da família que surgiria. Filhos e filhas, orou a Deus; uma parte do
coração que não reconhecia estava a ser ocupado, residindo naqueles olhos
castanhos escuros.
— MacLeon?
Desviou o olhar, direcionando-o para os olhos amáveis e conhecedores do
ferreiro.
— Não ouvi uma palavra, receio.
O ferreiro segurou o livro para ele.
— Gostaria de lê-las, então?
— Aye.
Era uma pergunta arriscada, porque muitos não sabiam ler, mas Iain pensou
que o ferreiro poderia ter ouvido falar da sua educação incomum na
Universidade de Edimburgo. Pegou o livro com uma mão, segurou a mão de
Juliet com a outra, e começou onde o ferreiro apontava.
— Tomo-a para ser minha esposa e comprometo-me a honrá-la, que serei
fiel e leal com o meu corpo e meus bens a você, que vou cuidá-la na saúde e na
doença, e agradá-la em qualquer condição que Deus decretar, e que não a
trocarei, por bem ou por mal, até ao final.
O ferreiro assentiu, a apreciação brilhava em seus olhos. Pegou no livro e
disse para Juliet: — Gostaria de repetir depois de mim?
— Vou lê-lo também.
Os dois homens pararam. Era suposto Juliet não saber ler. Um lento sorriso
cresceu em seu rosto quando pegou no livro. Olhou para Iain e sussurrou: —
Temos muito a aprender um com o outro.
— Aye, garota. Nós temos. — Disse Iain com uma voz excessivamente
rouca, mas ele não se importava. Seria sua esta noite e para sempre depois disso.
Não conseguia imaginar nada que quisesse mais.
O queixo de Juliet se levantou e seus lábios macios repetiram as palavras: —
Tomo-o para ser meu esposo e comprometo-me a honrá-lo...
Um súbito som de cascos e homens a gritar fez com que Juliet se assustasse.
O seu olhar voou para Iain e o ferreiro.
— Apresse-se, garota. — Iain acenou para a encorajar.
Ela deixou sair o resto apressadamente: — Que serei fiel e leal com o meu
corpo e meus bens a você, que vou cuidá-lo na saúde e na doença, e agradá-lo em
qualquer condição que Deus decretar, e que não o trocarei, por bem ou por mal,
até ao final.
Ruck voou até à porta e colocou uma grande pedra e alguns móveis na frente
dela.
— Há uma fechadura. — O ferreiro acenou para ele. — Já foi usada muitas
vezes.
Ruck assentiu enquanto o ferreiro segurou-lhes nas mãos e as ergueu.
— Sem anéis? — perguntou rapidamente a Iain.
— Não no momento. Virão depois.
— Muito bem. Inclinou-se para rezar como se nada estivesse a acontecer,
embora os homens estivessem do lado de fora da porta e estivessem a bater,
tentando entrar.
— Ruck. — Iain fez um gesto com a cabeça para se afastar da porta, para o
caso de algum idiota começar a disparar na fechadura.
— Oh, aye. — Ruck recuou apressadamente para eles, o barulho cada vez
mais alto, os gritos mais ameaçadores e agressivos. Tinha de ajudar, se
machucassem um único cabelo da sua cabeça...
Olhou para o ferreiro com as sobrancelhas levantadas.
— Ah sim. — O ferreiro limpou a garganta e proclamou em voz alta: — O
que Deus uniu, não o separe o homem. Eu os declaro marido e mulher. — Deu
à bigorna vários golpes fortes com o martelo, fazendo o anúncio ressoar pela sala.
Um rugido e depois um som devastador de um mosquete com uma forte
explosão. O ferreiro gritou e caiu no chão.
Que Deus os ajude. Eles invadiram.
Capítulo 8

Iain agarrou Juliet e empurrou-a para o chão, meio arrastando-a em torno da


grande bigorna que servira de pedestal para o livro de orações do ferreiro. Viu o
homem perto dele com o martelo em uma mão e uma faca longa e ameaçadora
na outra.
— É apenas um arranhão. — Disse ele, apontando com o queixo para o
ombro ensanguentado. — Posso lutar.
Iain assentiu, sabendo que, como escocês, definitivamente não deveria dar as
costas para um lorde inglês.
A fumaça do disparo foi clara. Iain inclinou-se e apontou a arma para Lorde
Malcolm. Oh não! Ele parou, seu coração caindo em seu estômago.
— Não! — Juliet ficou sem ar, ao ver ao mesmo tempo o que Iain viu.
Malcolm segurava o peito de Ruck, com a pistola apontada para a cabeça do
jovem.
— Vamos! Levante-se e jogue fora as suas armas ou o rapaz morre! — Lorde
Malcolm empurrou a arma contra a têmpora de Ruck.
Juliet soltou um grito. Ruck tremia visivelmente da cabeça aos pés.
Iain fechou os olhos por um breve momento, enviando uma oração por
ajuda. Então levantou-se lentamente, pegando na mão de Juliet para ajudá-la a
levantar-se e olhou para o ferreiro com um aceno de cabeça para fazer o que ele
disse. Deixou a arma no chão de pedra.
— As facas e outras armas, MacLeon. — Malcolm resmungou. — Não me
ponha à prova.
Iain alcançou a parte do seu tartan que cobria o peito e puxou uma faca
pendurada no bolso. Então ele pegou uma adaga da banda em torno da
panturrilha e deixou-a ao lado das outras armas. O ferreiro fez o mesmo.
Aproximou-se de Juliet, e deslizou uma pequena faca das suas costas e
empurrou-a para ela, bloqueando a visão do que fazia com o seu lado e ombro.
Sentiu Juliet pegá-la, a mão tremendo contra ele por um segundo. O olhar de
Malcolm foi de um para o outro, estreitando os olhos como se suspeitasse.
— Envie Lady Lindsay para mim e eu lhe darei o irmão. Não preciso dele.
Juliet deu um passo na direção deles, mas Iain a deteve com a mão.
— O casamento é legal, Malcolm. Chega tarde.
— Ah! — Malcolm zombou, o lábio superior curvando contra as bochechas
flácidas. — Não tiveram tempo para consumar, então é tão bom quanto um
pedaço de pergaminho a queimar no fogo. Eu... vou... tê-la. — Esticou o braço e
fez um gesto "venha aqui" para ela com os dedos.
Juliet fez um som de angústia.
Malcolm baixou o queixo e deu-lhe um olhar duro com os olhos escuros.
— O casamento é legal, meu senhor, asseguro-lhe. Mesmo nas leis inglesas.
— O ferreiro deu um passo à frente.
Malcolm balançou a arma da têmpora de Ruck, apontou para a cabeça do
ferreiro e puxou o gatilho mais rápido do que qualquer um deles poderia ter
previsto. Juliet gritou quando o ferreiro caiu, um grande buraco no meio da testa
começou a encher-se de sangue.
O corpo de Iain ficou tenso pronto para pular a qualquer momento. O
homem com quem estavam a lidar era louco.
— Juliet! Mova-se para aqui imediatamente! — Ele tinha outra pistola na
mão, provavelmente de um dos seus homens, que apontavam as armas para eles.
Eles eram mais do que Iain pensara a princípio. Mais ou menos vinte.
Malcolm agarrou o cabelo de Ruck, fazendo o jovem rosnar, e empurrou-o
para a frente, a arma nas suas costas.
— Aos três, se não estiver ao meu lado, vou atirar no seu querido irmão. —
O tom da voz desceu para um ronronar sedoso. — Mas se vier voluntariamente,
vou libertá-lo e ele poderá ir para onde quiser viver sem dívidas, e possivelmente,
um dia, será um amigo nosso com muitas conexões e benefícios. Não acho que
pensou nisto, querida. Um escocês selvagem das Terras Altas pode parecer
romântico agora, mas será uma vida em um inferno congelado, na floresta, a
trabalhar até o limite. Eu lhe darei tudo o que você pode desejar. Dinheiro...
poder... será a regente de todos os salões de dança.
Iain viu uma lágrima, e depois duas, escorrendo pelas bochechas de Juliet.
Ela balançava a cabeça, um olhar de terror sem esperança nela.
Malcolm estreitou os olhos ao ver as lágrimas.
— Um. — Disse em uma voz envolta em mal.
Juliet deixou escapar um gemido, o olhar movendo-se para Iain. Iain sacudiu
a cabeça, mas não tinham escolha. Tanta dor irradiava do seu peito que pensou
que poderia se queimar. Ele respirou fundo.
— Dois — A arma nas costas do seu irmão pressionou mais forte fazendo
Ruck gritar.
— Não faça isso, Juliet. — Ruck balançou a cabeça, mas seus olhos estavam
cheios de medo.
— Tre...
Iain pegou nos braços dela, trazendo-a do seu lado para a frente, falando
com voz rouca em seu ouvido enquanto a movia: — Mantenha-se viva. Irei
buscá-la.
***
Juliet não sentia os sapatos enquanto cambaleava em direção ao irmão. Ela
ouvia-se soluçar, mas parecia que o som vinha de outra pessoa. Uma parte dela
desconectada e flutuando em agonia para o homem que a teria a qualquer custo.
Quando chegou a Ruck, agarrou-o e abraçou-o. Malcolm esticou-se,
agarrando o seu braço com um forte aperto que a fez gritar ao mesmo tempo que
a empurrava contra o seu peito e o seu irmão em direção a Iain.
— Movimento inteligente, MacLeon, embora queira matá-lo. — Inclinou a
cabeça e deu a Iain um olhar arrepiante. — Talvez noutra altura.
— Se a machucar de alguma forma... — Iain estreitou os olhos e fechou as
mãos em punhos, os dedos a formigar, ansiando pelo aperto na sua espada.
Malcolm inclinou a cabeça para trás e riu.
— Como se tivesse algo a dizer sobre os meus assuntos. Será minha esposa
hoje à noite, MacLeon, não sua. Vá para a sua cama e pense nisso. — Ele riu
maliciosamente, gesticulou para os homens e levantou um braço para abraçar
Juliet, a sua capa escura voando, levando a sua esposa para dentro, levando-a
com ele.
Iain caiu sobre um joelho enquanto saíam da sala e montavam os cavalos. Ele
baixou a cabeça entre as mãos e fechou os olhos com força, respirando
pesadamente, concentrando-se na voz de Deus, sabendo que não poderia fazer
isto sozinho.
Depois de algumas respirações, sentiu uma mudança no seu interior, o fim
do infortúnio e um passo em direção a Ele. A paz lentamente apoderou-se dele,
não o tipo de serenidade que afasta todos os sentimentos, todo o perigo; Não,
esta era uma calma vinda das profundezas do ser, mas ainda perto da luta, a
vitória zumbindo através dele em um acorde um tanto estranho e perfeito.
Olhou para cima e encontrou Ruck observando-o como se ele tivesse
enlouquecido, respirando pesadamente.
— Você vai rezar como uma mulher velha? — Ele perguntou com lágrimas
nos olhos. — Temos de ir atrás deles.
Iain levantou-se e deu uma palmadinha no ombro de Ruck, a voz e olhos
sombrios.
— Sim, vamos resgatá-la.
— Como? — Ruck passou uma mão pelos olhos, para secar as lágrimas. —
São muitos. — Os braços fizeram um movimento em direção ao ferreiro. — Ele
atirou nele sem provocação. — A sua voz tremeu e Iain perguntou-se se seria a
primeira vez que via dispararem num homem. — Ele é capaz de qualquer coisa.
Iain olhou para o ferreiro e sacudiu a cabeça. Era como o rapaz dissera,
Lorde Malcolm não tinha um pingo de honra e faria qualquer coisa para
conseguir o que queria. Eles tinham que cuidar do ferreiro primeiro.
— Vamos, rapaz. Vamos encontrar o meirinho ou qualquer que seja a lei
nesta cidade.
Apressaram-se para o lugar mais movimentado, era um bar, algumas portas
abaixo do caminho de pedra, e foram diretamente para um homem sentado em
uma das mesas, o oficial McKinney.
— É uma pena, é uma pena, realmente — ele repetia enquanto Iain contava
o que aconteceu. — Um homem tão bom, o ferreiro. E levou a sua noiva. — Ele
balançou a cabeça como se fosse inédito. — Bem. — Esfregou as mãos e pegou o
chapéu e o mosquete. — Vou reunir os rapazes e instruir o Sr. McCreedy para
ver o corpo. Encontre-me na porta do ferreiro com cavalos frescos. Sabe para
onde foi, certo?
Iain anuiu.
— Acho que vai levá-la para Northumberland, para a casa dele, que é vizinha
das terras de Lindsay. São cerca de dois dias se eles se apressarem... — Iain não
queria pensar na última ameaça, mas o fato é que eles poderiam parar à noite...
— Eles têm mais ou menos uma hora de vantagem.
O oficial olhou-o nos olhos com um olhar conhecedor, assentiu levemente e
deu-lhe uma palmadinha no ombro.
— Chegaremos a tempo, rapaz. Não tenha medo.
Embora Iain fosse agora o chefe do Clã, um líder e velho o suficiente para
não precisar muito de um pai, a repentina sensação paternal o confortou, e ele
sentiu um fardo pesado deixar seus ombros.
— Eu acredito em você.
Em menos de meia hora, Iain e Ruck estavam sentados em cavalos novos e
viram o que parecia ser um grupo de soldados a dobrar a curva em direção a eles.
O coração de Iain tamborilou ao vê-los, pelo menos doze homens, e treinados.
O que faziam em Gretna Green, não sabia, mas também não se importava. Ele
precisava de uma milícia e, graças a Deus, acabava de a conseguir.
***
Eles pararam. Ela não conseguia ver onde, visto que colocaram um saco de
farinha na cabeça, mas sentiu a súbita falta de movimento e o corpo de Lorde
Malcolm balançar contra o dela. Tinha sido forçada a colocar os braços ao redor
dele e amarraram-lhe as mãos na frente do seu estômago. Ela lutou no início,
sem querer tocá-lo ou encostar-se a ele, mas após os primeiros quilômetros soube
que era um esforço inútil. Se tinha de estar naquele cavalo, devia segurar-se ao
seu captor.
Mantenha-se viva. Irei buscá-la.
Ela repetia as palavras na sua cabeça sempre que sentia a mais leve náusea do
balanço do cavalo, a menor culpa por segurar-se ao seu captor, nos momentos de
terror quando ouvia os seus planos para pararem à noite e o temor pelo que
aconteceria.
Iain viria por ela. O seu esposo não a abandonaria.
— Baixem-na! — Lorde Malcolm rugiu para alguém que ela não podia ver.
Sentiu umas mãos ásperas na cintura a puxá-la para o chão. Resistiu ao desejo de
chutá-lo e lutar. Guardaria isso para quando fosse necessário. Isso só os
incomodaria agora.
Sentiu que o homem tropeçava para trás enquanto a baixava e ouviu um
grunhido e, em seguida, o seu próprio grito quando caiu em cima dele. O rude
saco foi removido da sua cabeça. Engoliu um pouco de ar fresco, viu que estava a
escurecer e rolou para longe do homem de Malcolm, com movimentos
desajeitados por ter as mãos amarradas.
— Acampamos aqui esta noite. Preparem as tendas e uma pequena fogueira.
Você, aqui, Reginald, desate-lhe as mãos e veja se atende às suas necessidades.
Vigia-a de perto. — Olhou para o homem advertindo-o. Juliet olhou para o
homem encarregue dela e ficou aliviada ao ver um jovem, não muito mais velho
do que Ruck. Era uma escolha lógica, supôs. Ele inclinou-se para desatar-lhe as
mãos, um rubor cobrindo-lhe as bochechas, cabelos escuros sobre os olhos.
Assim que seus pulsos estavam livres sacudiu as mãos, a sensação de alfinetes e
agulhas fazendo-a deixar cair a cabeça para trás e fechar os olhos.
— Obrigada. — Balbuciou baixinho ao rapaz.
Ele parecia incapaz de olhar para ela. Não havia dúvida, com os comentários
indecentes entre os homens sobre o que aconteceria com ela e o senhor esta
noite.
Juliet respirou e falou com uma voz baixa e segura.
— Se pudesse caminhar comigo até ao riacho...
Podia sentir os olhos de Malcolm neles enquanto sacudia a poeira das saias.
Não olhou para ele. Não conseguia. O seu olhar, em vez disso, verificou a área,
vendo colinas verdes de cada lado e um ligeiro riacho à frente. Conhecia estas
terras. O norte da Inglaterra. Dirigiam-se para casa, a casa dele.
Lavou o rosto no riacho, pegando as rochas mais pesadas com uma mão e
empurrando-as profundamente nos bolsos da saia. A faca! Esquecera-se que Iain
tinha-lhe dado quando Malcolm ordenou que deixasse as armas no chão. Ainda
a teria?
Com movimentos casuais, ainda ajoelhada junto ao riacho, verificou o seu
outro bolso. Sim, ali estava. Respirou profundamente e imaginou ter que usá-la.
Engoliu em seco, ao pensar no sangue e sem saber... Onde deveria perfurar?
Rangeu os dentes com determinação. Saberia. Ficaria tão desesperada que
saberia.
Olhou para a sombra de um grupo de árvores, levantou-se e disse ao jovem:
— Só um minuto.
Quando ele se aproximou, outro pensamento chegou. Ela ousaria? Estava a
escurecer. Tinha uma arma.
Atrever-se-ia a tentar escapar?
Capítulo 9

Os homens estavam dispersos por todo o campo escuro, um suave sussurro


de movimento contra o canto dos insetos e o murmúrio dos gansos a voar sobre
eles. Iain olhou para o céu estrelado e deu um longo suspiro no ar gelado do
outono. Agradeço, Senhor, por sua ajuda. Por favor, agora devemos vencer os
nossos inimigos.
Baixou o olhar em direção ao vale, para o acampamento onde Malcolm
passaria a noite. Havia uma fogueira sendo atendida por um dos homens de
Malcolm, pequenas tendas ao redor. Os cavalos estavam restritos à esquerda sob
a cobertura de uma colina e perto de um grupo de árvores. Era um lugar lógico
para protegê-los dos elementos, mas também um esconderijo fácil para alguém
afrouxar as cordas. Assentiu, o olhar examinando a área por uma mulher, sua
mulher.
Sua esposa.
Ainda não tinha assimilado que estava realmente casado. Não que tivesse
tido tempo para analisar tudo o que aconteceu nos últimos dois dias. Se Deus
quisesse, em poucos dias levaria para casa uma esposa, uma esposa inglesa para
apresentar ao seu Clã e a sua mãe. Matilda MacLeon era uma mulher gentil e
sábia, mas a ideia de apresentar-lhe uma estranha ainda apertava a garganta de
Iain. Juliet precisaria do seu apoio para ter alguma possibilidade de ganhar a
aprovação do Clã, mas não sabia... eles esperavam um casamento adequado com
a participação de todos.
Um clamor repentino veio de baixo. Iain afundou atrás da rocha onde se
escondia com os outros homens, observando, medindo o perigo. Estreitou os
olhos na escuridão quando dois homens vieram do outro lado do fogo; uma
mulher, lutando e gritando, entre eles. O seu coração caiu no estômago. Era
Juliet. Se tentasse, poderia distinguir algo do que diziam.
Malcolm saiu, uma marcha irada, com o manto esvoaçando.
— Qual é o significado disto!
— Ela tentou escapar, meu senhor. Nós fomos atrás dela, certo, Reggie?
Um jovem gaguejou o seu acordo.
— Já a temos, meu senhor.
— Fizeram-no, verdade? — Malcolm aproximou-se e golpeou o rapaz na
lateral da cabeça com o punho. Caiu como se tivesse recebido um disparo. —
Tolos, os dois. É uma simples saia e olhem para vocês, a respirar como homens
idosos. — O outro homem libertou Juliet e afastou-se antes que Malcolm
pudesse atacá-lo. Juliet ficou imóvel, a olhar para Malcolm, o seu rosto à luz do
fogo determinado, o seu olhar inabalável, fixo em seu captor.
Malcolm parecia desfrutar da sua coragem, porque riu e segurou-lhe o
queixo com um aperto forte. A sua voz desceu de tal forma que ele não pôde
ouvir, mas viu o seu rosto pálido e como ela balançou a cabeça. Era uma coisa
boa que não o tivesse ouvido; mal podia conter-se para não marchar em direção
ao homem neste exato momento e pôr um tiro em sua cabeça. Respirou fundo,
percebendo de que tinha estado praticamente de pé enquanto assistia a cena.
Malcolm agarrou-a pelo braço e puxou-a com ele, caminhando em direção à
maior tenda.
Iain arrastou-se até ao oficial.
— Não podemos esperar. Ele quer... tomá-la agora.
Este assentiu.
— Aye. Mas não podemos intervir no momento. Espere, MacLeon. É difícil,
eu sei. Mas teremos que esperar muito pouco, percebe?
Iain percebia, o lado lógico dele percebia, mas o outro lado, o lado que
prometera protegê-la sobre sua própria vida, não ia esperar muito tempo.
— Digo que criemos uma distração. Aqueles cavalos. — Iain apontou para o
grupo de árvores. — Poderíamos rapidamente fazer com que dois ou três
homens os libertem, os conduzam ao acampamento e então podem esgueirar
pelas colinas para se esconder. Vários outros homens podem rodear o
acampamento para cercá-los. Eu descerei o mais perto possível da tenda de
Malcolm e esperarei. Assim que ele sair da tenda para ver o que está a ocorrer,
levarei Juliet para onde deixamos Ruck e depois regressarei e unir-me-ei à luta.
O oficial anuiu, olhando para os pés.
— É um bom plano. — Voltou a olhar para Iain, e este viu uma
determinação de aço a iluminar seus olhos. — Quero o Malcolm vivo, se Deus
permitir. Deve sofrer pelo que fez a Henry.
— O ferreiro?
— Sim, se temos de lhe dar um nome, é esse.
Iain lhe deu uma palmada no ombro.
— O terá.
***
Chamas dilaceraram o ombro de Juliet enquanto Lorde Malcolm a sacudia
para dentro da tenda. Uma vez dentro, arremessou-a para longe com tanta força
que ela caiu no chão sobre uma pilha de peles que deviam ser a sua cama. Luz
brilhava de uma lanterna, projetando sombras misteriosas do homem que era seu
captor. Ele movia-se como um predador furioso, para frente e para trás e para
frente e para trás, uma sombra hesitante que pairava sobre ela.
— Pensava fugir, não é? — Sua voz era baixa e rouca, um riso sombrio
sublinhando as palavras. — Pensava que podia enganar-me? — Parou de
caminhar de repente, virou-se para ela quanto uma mudança repentina se
apoderou dele. Havia tanta raiva no seu rosto que a sua respiração congelou na
garganta. Um pequeno som, um som tão patético e aterrorizado, saiu de sua
garganta.
— Oh, Deus. Por favor, ajude-me.
Olhou para ele, a poucos centímetros de distância.
— Pensou que me enganaria! — Gritou, saliva saindo dos lábios.
Aproximou-se mais e agarrou-lhe o queixo com força, sacudindo a cabeça. —
Você, pequena miserável. Ainda não sabes com quem está a lidar, pois não? —
Chegou ainda mais perto, a respiração pesada e dura, e depois pressionou a boca
contra a dela.
Juliet gritou contra a pressão em seus lábios e empurrou os ombros dele, que
pressionavam contra ela. Ele recuou com um soluço, as mãos indo para os seus
seios. O pânico tomou conta dela, as mãos dela arranhando, os pés chutando, a
cabeça tremendo. Ele estendeu uma mão e agarrou-lhe os cabelos com ela, a
outra mão pressionou com mais força a pele macia do seu peito.
Mantenha-se viva.
As palavras chegaram rápidas e repentinas à sua consciência. Não estava a
fazer isto bem. Ele queria, ele até esperava, uma briga.
Irei buscá-la.
Iain viria. Tinha de ganhar tempo. Tinha de distraí-lo. Tinha de jogar...
seu... jogo.
Ficou inerte e dócil. Respirou fundo e virou o rosto para o dele.
Houve uma pausa. Ele se inclinou para trás e olhou para ela cautelosamente.
— Espere, meu senhor, — ela implorou. — Talvez... — Ela olhou para
longe como se estivesse envergonhada, permitindo que o rubor alcançasse o
peito, pescoço e rosto. — Talvez tenha razão. — Virou-se e olhou-o nos olhos.
Forçou-se a acreditar nas próximas palavras. Não teria uma segunda
oportunidade neste esquema. Ele tinha de acreditar nela.
Uma lágrima saiu de um de seus olhos e deslizou pelo rosto até ao cabelo.
— Acho que... — pousou por um momento, como se as palavras fossem
difíceis de admitir, o peito ofegante. — ... é possível que tenha estado correto na
sua avaliação na loja do ferreiro.
— Sim? — Os seus olhos estavam intrigados, mas ainda desconfiados, muito
vigilantes. Tinha de jogar com sua a debilidade, seu orgulho.
— Acho que talvez não tenha pensado nas coisas e agi de forma imprudente,
meu senhor. Os seus argumentos... — olhou para baixo com fingida modéstia e
sussurrou: — As coisas que disse sobre a nossa riqueza e poder na corte como um
casal... não tinha considerado essa vida, mas agora penso nisso. Eu... imploro o
seu perdão, sou jovem e impulsiva e você foi bastante distante quando nos
conhecemos. Deixei esses tolos pensamentos românticos dos Highlanders me
arrastarem. — Deixou um sorriso lento se espalhar pelo rosto e olhou para ele.
— Não percebi que tinha tanta força, tanta paixão, meu senhor. Talvez sejamos
muito adequados.
Lutava, ela podia dizer a partir do aperto dos lábios e o tremor nos braços
apoiados em ambos os lados dela, mas recuou, sentou-se sobre os calcanhares e
estudou-a como para julgar as suas palavras. E os olhos estavam felizes.
Quase o tinha.
Aclarou a garganta.
— Podemos beber algo? Gostaria de conhecê-lo melhor. — Forçou
admiração no seu olhar.
Ele hesitou, inclinando a cabeça e estudando-a atentamente.
Seu batimento cardíaco era tão alto em seus ouvidos que temia que ele
pudesse ouvir e detetar o seu logro. Forçou um pequeno sorriso encorajador, um
olhar de promessa enchendo seu rosto. Não sabia exatamente como sabia dar
esse tipo de olhar, mas era algo que sempre teve, algo que sempre atraiu os
homens para ela, a sua voz, que baixava automaticamente para se adaptar à teia
de aranha que tecia, e agora o olhar, com calor e propósito, mas com um certo
grau de desafio e paciência, como um gato a olhar para a sua presa.
Ele virou-se e agarrou o barril de vinho. Enquanto ele estava de costas, soltou
um suspiro de alívio e sentou-se. Agora, fazer com que fale. Desfrutava falar de si
mesmo, certo? Devia gostar.
— Conte-me sobre sua casa, meu senhor. Sei que é perto de Eden, mas
nunca a vi.
— É três vezes o tamanho de Eden, que, a propósito, é nossa. — Ele
entregou-lhe um copo de cor vermelho brilhante.
— Nossa? — Sentiu surpresa genuína. — Como pode ser? — Ruck era o
filho mais velho e devia herdar qualquer herança que o seu pai deixara para trás.
Ele inclinou a cabeça daquele jeito estranho enquanto os lábios se curvavam
em um sorriso de gozo.
— Quando paguei as dívidas do seu pai, comprei-a. Foi parte do acordo,
você e Eden. A sua família é livre para morar lá, desde que esteja a falar a sério.
— Sua voz tornou-se mortal.
Juliet mudou de assunto, incapaz de pensar na família neste momento.
— E sua casa? Está sempre lá ou também disfruta de uma casa em Londres?
Falou sobre bailes. Gosta da temporada, meu senhor?
Riu entre dentes e um profundo tremor percorreu-lhe as costas, tremor que
tentou disfarçar virando o quadril direito nas peles.
— Tenho pouco interesse por bailes ou serões. O Parlamento, no entanto...
eu sou... — seu peito estreito bufou — ...um dos membros mais influentes do
Parlamento.
Juliet sorriu.
— Nunca duvidaria disso.
Ele se virou para ela, uma ruga na testa.
— Nunca duvidaria? — Ele sorriu. — Tentou fugir não faz uma hora.
Ela mordeu a língua. Não devia exagerar esta mão. Olhou para baixo,
evitando o seu olhar.
— Tinha medo. — A sua voz era grave e profunda.
— De mim? — Ele parecia ofendido por isso.
— Meu senhor, esquece-se que só tenho vinte anos e não estou acostumada
a este tipo de... figuras poderosas como você. — Pensou rapidamente em Iain e
apressou-se a acrescentar: — MacLeon foi mais ideia do meu irmão do que
minha, e o escocês apenas acordou do láudano que Ruck lhe deu quando
estávamos quase na igreja.
— Não acredito! — Ele disse as palavras, mas parecia satisfeito ao mesmo
tempo, como se acreditasse nisso.
Encorajada, Juliet olhou para ele e assentiu.
— É verdade. Ficamos assustados, Ruck e eu, não o conhecíamos. Por favor,
perdoe-nos. Comecemos de novo.
— De novo? — Os seus olhos tomaram uma luz confusa e ainda intrigada.
Juliet assentiu.
— Um casamento em uma igreja, como é apropriado. Como bem sabe, nada
aconteceu entre mim e MacLeon. E as nossas vidas começariam como a igreja
ordena, abençoada por ela, pelo nosso futuro e dos nossos futuros filhos. —
Olhou para as peles e disse baixinho, com convicção: — Não com a violência
que deve ser punida por Deus.
Aí estava. Tinha usado um argumento contra o qual podia lutar. Como todo
bom católico, Lorde Malcolm só temeria uma coisa: a igreja, suas leis e
superstições. Tinha chegado o mais perto possível de lhe dizer que se a forçava,
Deus poderia puni-lo com uma vida sem herdeiro.
Olhou para cima para vê-lo a beber seu vinho e dando-lhe aquele olhar
longo e desconfortável.
De repente jogou a cabeça para trás e riu. Com um grande gole, esvaziou o
copo e lançou-o a um lado. Como se o tempo estivesse suspenso, observou o
copo rolar pela erva, a batida do coração a máxima velocidade e rugindo em seus
ouvidos, como um pote que chega a ebulição e, depois, ferve.
Meu Deus, falhou.
O conhecimento colidiu contra ela tão rápido quanto ele. Ele ajoelhou-se e
lançou-se sobre ela, demasiado rápido para se mover.
Gritou quando caiu sobre ela.
— Boa tentativa, minha bonita moça intrigante. — Agarrou-lhe o cabelo e
forçou-a a levantar a cabeça para a dele. O seu olhar fixou-se no dela
,enlouquecido. Gritou novamente, mas não muito alto pois a sua garganta
congelou de terror.
Capítulo 10

Iain ouviu o grito e soube que não podia esperar mais um segundo. Ele
estava agachado do lado de fora da tenda e sabia que a sua esposa estava lá com
Malcolm. Onde estavam os homens com a distração? Tinha que ir sozinho e
arriscar que o plano fosse destruído.
No momento em que se levantou da sua posição agachada, os sons de
cavalos a relinchar e a bufar soaram na quietude da noite. Ele olhou para cima e
viu a sombra de um dos seus homens a desamarrar uma rédea e a empurrar o
cavalo em direção ao acampamento. Graças a Deus estava a começar.
Olhou com expectativa para a tenda onde Malcolm mantinha a sua esposa,
mas o homem não saiu para investigar. No entanto, outros homens no
acampamento notaram e acordavam. Um grito repentino emergiu e, em seguida,
vários outros homens correram para o centro do acampamento. Pistolas e
mosquetes foram carregados, mas ninguém parecia estar em pânico.
Teria que fazer alguma coisa... agora.
Levantou a pistola, apontou para o poste de madeira mais distante que
continha a tenda. Estava escuro e respirava com dificuldade, mas tinha de acertar
no poste; não havia espaço para erros. Olhou através da mira situada sobre o
canhão e apertou o gatilho.
Fumaça saiu da arma, tornando impossível, por um segundo ou dois, ver se
tinha acertado e então ouviu um estalido, uma vibração de um lado da tenda ao
colapsar e um rugido de raiva vindo de dentro.
Malcolm saiu a correr da tenda, uma mão no pescoço e sangue a escorrer
entre os dedos. Juliet tinha feito isso? Lembrou-se da faca e sorriu.
Malcolm começou a rugir demandas. Iain conseguiu ver que as calças
estavam desabotoadas. O seu estômago revirou. Ele ia ficar doente... ou pior,
estrangular o homem a sangue frio.
Quero-o vivo, dissera o oficial. Foi a única coisa que impediu Iain de saltar e
atacá-lo ali mesmo.
Siga o plano.
As palavras rugiram dentro de sua cabeça, mas o corpo esforçava-se por
deixar a cobertura do arbusto e correr para a sua noiva.
Observou com a respiração contida como Malcolm se dirigia para a comoção
da debandada, os cavalos e os seus homens correndo, dando voltas, procurando a
causa na escuridão. Assim que Malcolm chegou à fogueira, Iain respirou fundo,
o primeiro em minutos, e suavemente saiu detrás do arbusto para andar
furtivamente a curta distância de erva até a entrada da tenda.
Empurrou a aba e correu para dentro.
— Juliet? — A tenda estava escura e meio caída. Ouviu um soluço e depois
sentiu-a estreitar-se em seus braços. Tremia da cabeça aos pés e segurava uma
faca ensanguentada na mão.
Apertou-a com força contra si e sussurrou: — Apunhalou-o?
Ela acenou com a cabeça contra o seu peito, soltando um gemido.
— Shhhh, está tudo bem agora. Vamos. — Ele pegou a faca dela, limpou-a
na erva, enfiou-a no cinto e pegou a mão dela. Abriu um pouco a aba da tenda e
espiou, escutando. Disparos juntaram-se à comoção. — Fique agachada, —
instruiu.
Agachando-se, deslizaram desde a tenda de volta para o esconderijo onde
Iain estivera. Uma vez atrás da espessa copa de galhos, eles pararam para respirar.
Iain voltou a avaliar a situação. Malcolm dirigia os seus homens para a colina e
riacho, à procura dos homens do meirinho. Pelo canto do olho, viu uma sombra
de branco e percebeu que Malcolm enviara um dos seus homens de volta à tenda
para vigiar Juliet. Gesticulou para Juliet se agachar ainda mais quando o homem
correu para a tenda e depois saiu novamente. Ia apressado contar a Malcolm, e
Iain não podia deixar isso acontecer.
Apoiado na parte superior de um arbusto denso, puxou a pistola e estendeu-a
em direção ao homem. Um som de uma explosão veio desde o seu lado direito
antes que pudesse apontar. O homem caiu no chão. Virando-se bruscamente,
Iain viu o oficial parado em um pequeno penhasco. Com um movimento de
mão, o oficial disse a Iain que ele esteve sempre a observar e que sabia que Juliet
estava com ele. Ele cobriu-os o tempo todo. Iain respirou profundamente e
afundou ao lado da sua noiva.
— Juliet, escute com atenção. — Gentilmente pegou no rosto em suas mãos
e virou-o para ele. Os seus olhos estavam arregalados de surpresa e cheios de
lágrimas. — Shhhh, minha doçura, tudo ficará bem.
Ela negou com a cabeça.
— O que fazemos? São muitos.
— Estou aqui com o oficial de justiça de Gretna Green e uma dúzia de
homens. Podemos vencer esta luta. — Apertou-lhe o ombro e apontou para a
colina, longe do acampamento, para onde tinham viajado no início. — Vê essa
corrente? Vamos segui-la de volta para a estrada de Gretna Green.
Aproximadamente a oito quilômetros está nosso acampamento; escondido no
sopé daquelas colinas.
— Não me pode enviar para ali sozinha. — Agarrou-se ao braço dele com
um desespero que nunca tinha visto nela. Teria Malcolm conseguido antes que o
esfaqueasse? Só a ideia o fez querer vomitar, mas agora não era o momento de
perguntar.
— Não, garota. Vou leva-la.
Pegou na mão dela e colocou-a atrás dele enquanto desciam para o vale
seguindo o riacho, os disparos continuavam a soar atrás deles.
Nuvens escuras e sombrias moviam-se com o vento, o luar ia e vinha,
luzindo na corrente enquanto corriam, com a respiração agitada e densa na noite
calma, longe da situação. Assim que ficaram longe o suficiente para não ouvir as
rajadas de tiros, Iain pôs Juliet sobre uma pedra grande e plana, e convidou-a a se
sentar e recuperar o fôlego.
— Mas devemos parar? — Ele segurou-a e sabia que ela tinha razão.
— Apenas por um momento.
Ela engoliu em seco e assentiu. Quando recuperou fôlego suficiente para
falar, expulsou rapidamente todas as perguntas que deveria estar a pensar.
— O que aconteceu? O ferreiro sobreviveu? Sinto-me tão horrível — olhou
para ele com olhos doloridos de pânico, a pele luminosa na luz clara. — Ele está
morto, não está?
— Aye — Iain olhou brevemente para longe e passou uma mão sobre os
olhos, sentindo-se subitamente cansado. — O oficial e a milícia vieram em nossa
ajuda devido à morte do ferreiro. Pretendem ver Lorde Malcolm enforcado,
embora não sei se eles têm o poder de mantê-lo aqui na Escócia.
— Então é a morte do ferreiro que nos pode salvar. — Balançou a cabeça,
lágrimas nos olhos. — Não é justo. Eu só... Ruck e eu... O Ruck está com eles?
Iain agachou-se na frente dela e pegou-lhe na mão.
— Pedimos-lhe que ficasse no acampamento e o defendesse de qualquer um
que pudesse chegar e nos descobrir. Ele não ficou muito feliz com isso, asseguro-
lhe. Mas se me obedeceu, então está seguro.
— Reze a Deus que tenha escutado.
— Está mais calma, então? — Iain puxou-a para cima e para os seus braços,
olhou para ela, o seu cabelo era uma bagunça de longos cabelos escuros ao redor
dos ombros.
— Aye — Tinha adotado o seu modo de dizer "sim".
Queria perguntar-lhe o que tinha acontecido com Malcolm, quase não podia
evitar que as perguntas escapassem dos seus lábios, mas se ela lhe contasse algo
que ele não poderia suportar, não achava que fosse capaz de prosseguir com o
plano. A enviaria para o acampamento sozinha e voltaria para trás, e cortaria a
garganta de Lorde Malcolm. Estremeceu ao pensar nisso.
— MacLeon! — Um grito sussurrado o deteve. Virou-se e agarrou a arma e
depois empurrou Juliet para trás dele. Ambos se voltaram para a voz.
— Não atire, pelo amor de Deus! — Seu irmão saiu de trás de uma árvore
espessa com as mãos para cima. — Sou só eu.
— Ruck! — Juliet afastou-se de Iain com um som desesperado saindo da
garganta e correu para o irmão, jogou os braços ao redor do seu pescoço e quase
o jogou no chão.
Iain correu atrás dela. O que fazia o rapaz tão longe do acampamento?
Ele respondeu à pergunta não formulada de Iain assim que estavam juntos.
— Não apareceu ninguém ao redor por tanto tempo que decidi que o
acampamento não precisava ser protegido, afinal de contas.
— As ordens não são para ser desobedecidas, nem decididas pela sua
avaliação da situação, — disse Iain, o seu olhar varrendo o horizonte em busca
de perigo.
Ruck assentiu e encolheu os ombros.
— Suponho que sim, mas achei que poderia precisar de mim.
Parecia tão autêntico, tão jovem e entusiasta que Iain não teve coragem de
continuar a repreendê-lo. Querido Senhor, é assim que é? Ter um irmão mais
novo? Descobriu que já havia um lugar especial gravado em seu coração para o
rapaz. Um lugar de proteção, um lugar paterno, um lugar que cresceria e que
mais tarde também estaria aí para os seus filhos.
— Sim, preciso de você, — disse Iain em voz baixa. Pegou na faca que tinha
dado a Juliet e entregou-a a Ruck, o punho para fora. — Leve a sua irmã de
volta ao acampamento e esconda-a. — Quando Ruck começou a protestar, Iain
deu um passo em sua direção e olhou para ele com toda a seriedade que tinha.
— Não confiaria a ninguém mais a tarefa. É uma missão tão perigosa quanto a
minha. Eles vieram por uma coisa e vão querer apenas uma coisa se nos
superarem. Juliet.
O rosto de Ruck assumiu a seriedade da situação.
— Teme a derrota?
— Nay, temer nunca. Seja um estrategista sobre isso, sim. Se não
regressarmos... — Ele virou-se para Juliet e prometeu com profunda convicção:
— Regressarei. — Para Ruck, terminou: — Se não voltarmos, você deve levar
Juliet à minha casa nas Terras Altas. Deve dizer-lhes o que aconteceu. Eles vão
protegê-lo.
— Mas como saberei o caminho? — perguntou Ruck.
Iain extraiu uma tira de couro do cinto, onde a colocou pronta para amarrar
algo. A seguir, pegou um pesado anel de ouro do seu dedo, acorrentou-o na tira
e amarrou as pontas. Voltou-se para Juliet e colocou-o ao redor do seu pescoço,
deslizando o anel dentro do corpete onde não poderia ser visto.
— O selo MacLeon está gravado no anel. Também os manterá seguros na
Escócia e oferecerá orientação.
— Mas Iain... — Juliet aproximou-se dele.
Ele segurou-a pelos ombros e puxou-a para mais perto, olhando para os seus
belos olhos castanhos.
— Disse que viria por você e vim por você. Digo agora que vou regressar.
Tenha fé... Não tema, esposa.
Sentiu que ela ficou mais firme quando uma resolução interna atingiu a sua
coluna. Ela assentiu e ficou na ponta dos pés para beijá-lo. Pelo canto do olho
viu que Ruck virava-se, o que o fez sorrir enquanto se inclinava e devolvia o
beijo. A sua boca moveu-se sobre a dela, saboreando-a, recordando os seus lábios
macios.
Era o primeiro beijo como marido e mulher e ele prometeu que não seria o
último.
Capítulo 11

Juliet lembrou-se várias vezes durante a hora seguinte para ter fé. Percebeu,
sentada na escuridão junto ao seu irmão, abrigados por um afloramento rochoso
coberto de musgo, que poderiam ser muitas as vezes nos próximos anos, quando
Iain tivesse de sair para a batalha. O seu pai nunca teve de fazer tal coisa, que ela
se lembrasse, de modo que não era algo que tenha visto a sua mãe suportar.
Olhou para Ruck e sabia que ele também poderia ter de lutar pelo rei e pelo país
algum dia. Tinha quase a idade para se juntar à milícia britânica e parecia
ansioso por isso. Era dever das mulheres ficar para trás, manter o funcionamento
das casas e esperar e rezar para que os seus homens voltassem vivos. Para ela, não
havia um clã de outras mulheres e crianças em paz, para tranquilizar e consolar
quando as coisas dessem errado. Ao olhar para o seu futuro, viu que seria uma
líder, gostasse ou não.
Era hora de começar a agir como tal.
Pôs-se de pé.
— Ruck, que armas tem?
Ruck levantou-se, com o cenho franzido.
— Esta arma e uma faca. Porquê? Juliet, no que está a pensar?
— Estou a pensar que já nos escondemos tempo suficiente. Não nos vamos
colocar em perigo desnecessário, mas temos que voltar e ver o que está a suceder.
Eles estão em menor número e podem precisar de nós.
— MacLeon terá minha cabeça se a deixar fazer isso. — Ruck enterrou os
calcanhares com uma carranca.
— Não vamos lutar com Iain, apenas avaliar a situação.
— Bom, está bem. — O brilho da aventura surgira em seus olhos e Juliet
sabia que ele não poderia deixar de ficar animado por ver o que estaria a
acontecer.
Apressaram-se a voltar ao acampamento, a fria luz da lua ajudou-os a ver o
caminho. Quando se aproximaram, viram um bom lugar onde podiam olhar
para baixo e ver sem serem vistos, e esconderam-se atrás do mato alto.
— Está muito tranquilo, — comentou Ruck.
De fato estava; tão funesto. Juliet gesticulou com a mão e deslizou ainda
mais perto do próximo grupo de arbustos. Espiou por cima da vegetação rasteira
observando uma pequena fogueira que se extinguia e as tendas, algumas caídas,
brilhando na luz misteriosa. Havia três corpos no chão. O pulso de Juliet
acelerou enquanto procurava por Iain.
De repente, um grito cortou o ar.
Juliet endureceu, cada nervo zumbindo com a comoção.
— Veja! — Apontou para várias formas escuras que se deslocavam ao longo
do caminho, retrocedendo para a encosta onde ficava a estrada para a sua casa.
— Vamos.
Ruck já estava de pé em uma posição inclinada e aproximando-se. Juliet
segurou a saia e acompanhou-o. Aproximaram-se o suficiente para conseguirem
distinguir as vozes.
— Deixe-nos ir e ela vive.
Juliet esforçou-se por ver. Viu Iain; conheceu a sua forma instantaneamente.
Estava de pé com vários homens de um lado, enquanto Lorde Malcolm e os seus
homens estavam do outro lado. Piscou, perguntando-se se os seus olhos estavam
a pregar-lhe uma partida enquanto olhava fixamente para Lorde Malcolm. Ele
tinha uma mulher segura contra o peito, assim como tivera Ruck na oficina do
ferreiro. A mulher virou a cabeça e Juliet quase gemeu em voz alta. O coração
caiu.
— É a mãe, — Ruck ofegou. — O que está a fazer aqui?
Juliet não sabia, mas não podia ser bom.
— Vamos, lorde Malcolm, — dizia um dos homens do lado de Iain, com a
arma apontada para o par, — não quer outro assassinato em suas mãos, pois
não?
— Autodefesa. Qualquer lei na terra da Inglaterra me apoiará contra um
comerciante escocês — zombou Lorde Malcolm.
— Sim, talvez, mas contra uma dama? A mãe da sua prometida? Sei que isso
seria outra história.
— Cale-se. — Olhou para Iain. — Consegui o que eu queria de Juliet e não
tenho mais nenhum uso para ela. Ela não é a aliança que preciso. Se me devolver
a dívida que paguei por Lorde Lindsay e o custo de Eden, pode tê-la como o
bem danificado que é, legitimamente. Matou cinco dos meus homens. Vamos
terminar com isto e vamos embora sem sermos importunados.
Juliet apertou o maxilar, raiva enchendo-a pelo que Lorde Malcolm
insinuou. Jogava algum jogo obscuro. Esperava que Iain não caísse em nenhum
truque.
— E a sua mãe? Pode retornar para casa ilesa? — A voz profundamente
calma de Iain fez que Juliet respirasse com facilidade. Ele tinha um plano. Sabia
o que fazia. Tem fé. Tem fé.
— Vou deixá-la no meu caminho. Tem a minha palavra — declarou Lorde
Malcolm.
A sua mãe contorceu contra ele.
— Mente! Está queimada até os alicerces. Tudo! Não há mais Eden...
Lorde Malcolm cortou suas palavras sufocando-a com o braço.
Ruck começou a levantar-se, mas Juliet puxou-o de volta.
— Espere, — sussurrou.
— Temos que salvá-la! — O rosto de Ruck estava esculpido com miséria na
estranha luz.
— Espere, — Juliet concordou, silenciosamente lembrando-o de ter fé
também.
— Deixe-a connosco e pode ir, — declarou Iain com autoridade, estendendo
a mão para a mãe de Juliet. — Agora.
Lorde Malcolm hesitou e depois empurrou Lady Lindsay para ele. Ela abriu
a boca para respirar, mas correu para o seu lado. Iain empurrou-a para trás dele,
com a pistola, as armas do oficial e dos seus homens apontadas para os homens
de Lorde Malcolm enquanto estes viravam e montavam os poucos cavalos que
conseguiram reunir. Ela assistiu, incrédula, enquanto eles viravam os cavalos e
saíam. Ele realmente escapava do assassinato do ferreiro? Realmente os deixaria
em paz se Iain pagasse a dívida? Duvidava.
Juliet tinha começado a levantar-se quando soou um disparo.
Ruck puxou-a para trás dos arbustos, mas não antes de ver Lorde Malcolm
cair da sela e deslizar do cavalo para o chão.
***
Iain olhou em volta e viu que o oficial estava de pé com as pernas afastadas,
uma arma fumegante nas mãos. Ele olhou para Iain e piscou.
— Autodefesa.
Iain olhou abruptamente para os homens de Malcolm, esperando que
devolvessem o disparo, mas viu que galopavam para longe, obviamente, não
preocupados com o estado do seu amo.
Ele ficou ali comocionado pelo rumo dos acontecimentos. O oficial deu-lhe
um tapinha no ombro.
— Estou agradecido ao bom Laird pela luz da lua desta noite. — Sorriu. —
Não teria conseguido o disparo sem ela.
Iain sacudiu a cabeça.
— Teria sido melhor ir a julgamento... ver a justiça feita.
— Aye, teria sido. Mas o homem estava certo. Ele conseguiria livrar-se sem
sequer ter visto um julgamento. A lei favorece os ricos e os nobres. É uma pena,
mas é assim que as coisas funcionam.
Iain deu um longo suspiro, concordando.
— Cuidaremos do corpo. Vá procurar a sua noiva. — Deteve-se e virou a
cabeça de repente para Iain. — Por que ainda não o oficializou, certo MacLeon?
Juliet estava agradecida pelas sombras que ocultavam o fluxo de calor que
encheu o seu rosto.
— Gretna Hall, é para onde a vai levar. Vossa Senhoria e Lorde Ruck podem
ficar comigo e com a minha esposa por uns dias até que decida o que fazer.
— Isso é muito amável de sua parte — reconheceu Iain.
Lady Lindsay bufou.
— Não vou ficar com estranhos. Onde está o meu filho?
— Aqui! — Ruck levantou-se rapidamentee os saudou, gritando. Começou a
subir a colina em direção a eles. Com um pouco de ruído, Juliet correu atrás
dele.
Iain encontrou-a no meio do caminho e tomou-a em seus braços.
— O que está fazendo aqui? — Parecia satisfeito e irritado ao mesmo tempo.
— Disse que ficasses com Ruck.
— Ruck está aqui.
— Não era isso o que queria dizer. — Parecia que tentava decidir entre
beijá-la ou estrangulá-la. Ela decidiu tomar a decisão por ele, levantando-se e
envolvendo os braços ao redor do seu pescoço.
— Eu sei. Sinto muito. Eu… eu tinha que ver se estava bem. — Os seus
lábios separaram-se quando ela chegou mais perto.
Seus lábios caíram sobre os dela, absorvendo a sua frustração com o
movimento devorador da sua boca contra a dela. Os sentidos de Juliet
rodopiaram, deixando-a tonta e sem fôlego. Esqueceu-se de onde estavam, quem
podia ver, tudo exceto o homem que era seu marido.
Ele se separou, a respiração irregular.
— Não vai me desobedecer de novo?
— Hoje não, — prometeu com apaixonada sinceridade, sorrindo para ele.
Ele riu alto.
— Você vai ser a minha morte, moça.
— Não. — Ela balançou a cabeça, os olhos cheios de felicidade. — Eu vou
ser a sua vida.
Seus olhos ficaram suaves e cheios de amor.
— Aye. Isso será, esposa. Isso será
Epílogo

Castelo de Eilean Donan, dia de Natal


Uma viagem de quinze dias.
Depois de quinze dias a ajudar a sua mãe e Ruck a limpar a devastação de
Eden Place e observar o início da sua nova casa, que Iain enviara cartas e notas
de crédito e fez com que o dinheiro durasse o mais possível. Ovelhas. Isso era o
que continuava a dizer. Precisavam de mais ovelhas. Em todas partes, ovelhas! E
Ruck era a sombra de Iain, recolhendo tudo o que podia do seu marido e
preparando-se para ser o homem da casa e começara sua própria criação de
ovelhas na sua nova casa. A sua mãe tornara-se, surpreendentemente,
condescendente com todos eles. Era a primeira vez que parecia feliz desde que
Juliet se lembrava; ela e Claire planejaram alguns acessórios e móveis para a casa
nova, o tempo todo hospedada sem reclamar na casa do jardineiro, que
alegremente se mudou para a casa de um amigo para que o jovem Lorde e
Senhoras da casa tivessem um lugar para descansar a cabeça enquanto as obras
eram realizadas. Deveriam terminar a primeira parte da casa dentro de um mês,
não demorava muito construir uma cabana de pedra.
Juliet sorriu, tão cansada na sua sela que ficou um pouco tontamente feliz,
pensando na primeira vez que viu Iain com uma ovelha. Querido Deus, amava-
as. Alguém poderia pensar que eram barras de ouro; que eram, de acordo com o
seu esposo.
Esposo.
Três quinzenas de casamento. Quarenta e oito dias de descobertas e
momentos escondidos entre o esgotamento de todas as tarefas ante eles. Inspirou
de repente, pensando nas mantas emaranhadas, nas suas costas fortes sob as suas
mãos... explorando-o, as suas mãos... explorando-a... aqueles beijos longos e
profundos...
Que vergonha! Não devia ter estes pensamentos à luz do dia. Olhou para
outro lado e suspirou longamente e, em seguida, olhou para ele, logo à sua frente
no seu cavalo. Como se sentisse o olhar dela, virou-se e observou-a, tirando-lhe o
fôlego novamente, com o sol brilhando no cabelo, fazendo que luzisse como se
estivesse vivo com a luz, com os olhos alegres e cheios de entusiasmo. Eles
estavam quase lá. Em Eilean Donan, o seu castelo, seu clã, sua vida.
— A ponte! Consegue vê-la? — Apontou, e Juliet espiou através da névoa
para ver uma longa ponte de pedra, com arcos sob as profundezas da água.
Eilean Donan foi construído em uma ilha onde três grandes lagos se
reuniam; Loch Long, Lock Duich e Lock Alsh. Rodeado por madeira e reforçado
pelas íngremes encostas de morros cobertos por todos os tons de verde, era como
se tivesse cavalgado dentro de um lugar de fadas, um lugar que era mais céu do
que terra. Ainda mais belo do que o lugar onde conhecera este homem, seu
marido, Iain MacLeon, com sua prima em Glencoe. Isto era Glencoe com lagos
e um castelo e névoa que ondulava através do centro das montanhas como uma
faixa de fumo.
Iain desacelerou para coincidir com o passo do seu cavalo.
— Gosta?
A sua garganta estava tão apertada que ainda não conseguia falar, então
simplesmente assentiu e conteve as lágrimas.
Contornaram uma pequena curva e viu o castelo. Feito de pedra escura e
parecendo enorme contra a montanha, usava a paisagem como um refúgio
enorme. Uma fortificação para as povoações próximas em tempos difíceis e um
guardião dos lagos, permanecendo firme contra qualquer um que viesse invadir a
terra que era a Escócia.
— Não gostas. — A sua voz estava seca.
Olhou para ele com lágrimas nos olhos.
— Nay, adoro. É só que... tenho medo.
— Medo? — Inclinou o queixo para ela. — Do que tem medo, mulher?
— É tudo tão grande. — Negou com a cabeça, incapaz de explicar. — A
terra, sua terra, faz-me querer chorar, isto é tão lindo. — Enxugou as lágrimas,
envergonhada.
— Aye! Faz-me querer chorar também, por causa de quão fraca é a terra. É
por isso que teremos ovelhas. — Sorriu-lhe e ela riu. Ovelhas novamente!
— A sua mãe aceitar-me-á? — Era a pergunta na parte mais escura e
profunda do seu coração... e sentiu-se melhor por fazê-la.
Iain assentiu, seus olhos sérios.
— Informei-os antecipadamente, por isso não deve ser uma surpresa. Eles
tiveram tempo para se acostumar à ideia. — Ele estendeu a mão e agarrou a dela,
dando-lhe um olhar intenso. — Pode demorar um pouco..., mas uma vez que a
conheçam, amarão o que eu amo.
Ela assentiu, decidindo acreditar nele.
Era uma nova habilidade, esta fé. Confiar em um marido e ter fé no que ele
dizia e acreditar nele. Mas sentia-a forte dentro dela e de alguma forma sabia,
instintivamente e nas profundezas de seu ser, que por estarem juntos a sua fé
poderia ser impenetrável, não uma maneira dura e arrogante, isso nunca, mas de
uma maneira forte e compassiva. Poderiam ter dardos de fogo à frente, mas
juntos eles poderiam conquistar tudo o que estava por vir Os cavalos
retumbaram pela ponte de pedra e o seu coração começou uma marcha de
tambores, uma canção dentro de si enquanto o pôr-do-sol estabelecia-se ao redor
deles, no último dia da sua longa jornada para casa.
Um som chegou até eles. O longo toque de um chifre. E então, o som de
gaitas de foles, violinos e flautas inundou o ar. Chegaram ao portão do castelo,
decorado com azevinho e fitas vermelhas. Um homem gritou: — O chefe do Clã
MacLeon regressou!
Havia aplausos vindos de todos os lugares. Juliet olhou para cima e viu
fileiras de pessoas nos parapeitos, nas escadas de pedra, na relva da ilha que se
estabelecia na convergência dos lagos cintilantes. Em toda a parte havia azevinho,
fitas vermelhas e ramos de folhas verdes. Tudo decorado para o Natal, como
nada que já tinha visto.
— E sua noiva! — Continuou o homem com a voz estridente. — Lady
MacLeon... Juliet!
Os aplausos foram igualmente fortes, ainda mais fortes à medida que
ecoavam no entardecer, contra a pedra, a colina, a montanha e as profundezas da
água. Lágrimas correram pelas faces. Ela virou-se para o marido e perguntou com
alegria trêmula: — O que lhes escreveu?
Iain desmontou, aproximou-se dela e puxou-a do cavalo para o abrigo dos
seus braços.
Segurou-a com força e sussurrou em seu cabelo.
— Somente a nossa história. Feliz Natal, meu amor.
***
Eles conseguiram.
Tinham chegado a casa no dia de Natal, tal como tinha prometido na carta à
sua mãe e na carta ao seu clã. Ele não mentiu a Juliet; tinha-lhes escrito a sua
história e tudo o que aconteceu... bem, quase tudo. E recordou-os da força do
amor; do amor humano, do amor de Deus e do amor de um Pai que enviou um
Filho para salvá-los no dia de Natal. Fez tudo o que podia para afastar os seus
pensamentos das suas diferenças; Ingleses e escoceses, e guiá-los para o que
compartilhavam: o amor pelas Terras Altas, o amor de um homem ou uma
mulher, o amor de Deus. E então rezou para que dessem uma oportunidade a
Juliet.
E tinham-no feito.
Sabia que a noite que viria estaria cheia de alegria, banquetes e risadas. E
então levaria a sua noiva para a cama do chefe e mostrar-lhe-ia toda a paixão do
seu amor. E então... então encontrariam o seu futuro, juntos.
Deu um suspiro longo e profundo, transbordando de alegria, e segurou a
mão de Juliet, notou que ela secara as lágrimas, que o queixo estava erguido e
que o rosto brilhava com alegria pelo seu destino.
Começaram a percorrer as grades abertas em direção ao seu castelo; o castelo
de ambos, à feroz beleza das Terras Altas da Escócia, à receção estrondosa do seu
povo.

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