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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

NA FRONTEIRA DA EXCLUSÃO: AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À


VIOLÊNCIA NA JUVENTUDE

Candida de Souza

Natal/RN
2012
ii

Candida de Souza

NA FRONTEIRA DA EXCLUSÃO: AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À


VIOLÊNCIA NA JUVENTUDE

Dissertação elaborada sob a orientação da Prof.ª


Dr.ª Ilana Lemos de Paiva e co-orientação da Prof.ª
Dr.ª Isabel Fernandes de Oliveira e apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Psicologia.

Natal/RN
2012
iii

Universidade Federal do Rio Grande do Norte


Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “Na fronteira da exclusão: ações de enfrentamento à violência na


juventude”, elaborada por Candida de Souza, foi considerada aprovada por todos os
membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA

Natal/RN, 28 de junho de 2012.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª. Dra. Ilana Lemos de Paiva _________________________________________


(Presidente)

Prof. Dr. João Tranajo Sento-Sé _________________________________________

Prof. Dr. Marlos Alves Bezerra __________________________________________

Natal/RN
2012
iv

Sinto no meu corpo


A dor que angustia
A lei ao meu redor
A lei que eu não queria

Estado Violência
Estado Hipocrisia
A lei não é minha
A lei que eu não queria

Meu corpo não é meu


Meu coração é teu
Atrás de portas frias
O homem está só...

Homem em silêncio
Homem na prisão
Homem no escuro
Futuro da nação

Estado Violência
Deixem-me querer
Estado Violência
Deixem-me pensar
Estado Violência
Deixem-me sentir
Estado Violência
Deixem-me em paz

(Estado Violência - Titãs)


v

À Rudnilson e Shirlenne.
Maiores e melhores exemplos de militância pela juventude que já conheci.
Inspiradores e indispensáveis na minha crença de que ainda é possível um mundo
melhor para os nossos jovens.
vi

Agradecimentos

A realização de um trabalho como esse, especialmente pela importância para


uma comunidade que me é tão cara, não poderia ser uma construção individual.
Agradeço a todas e todos que contribuíram de alguma forma para a sua realização e,
principalmente, a todos aqueles que acreditam na relevância de voltarmos o olhar para
as nossas juventudes. Em especial:
Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia, pela oportunidade de executar
um trabalho que me realiza profissionalmente e emocionalmente.
À Ilana, muito mais que orientadora, minha parceira e minha amiga, que me fez
acreditar que é possível continuar na militância em qualquer espaço que estejamos.
Ilana, obrigada pela sensibilidade, confiança, paciência e dedicação aos nossos projetos.
A convivência com você me proporciona experiências que contribuem para além da
minha carreira: para a minha formação enquanto pessoa. Essa parceria já mostrou que
dá muito certo e a conclusão dessa etapa é só o começo!
A João Trajano, por aceitar o convite para compor essa banca. Professor, espero
que esse seja o início de uma ótima parceria.
A Marlos, além da disponibilidade em participar da banca, por ser um membro
fundamental no Observatório. Obrigada por me apresentar as inventividades e as redes
de vida... E obrigada pela energia positiva de sempre, que tantas vezes me contagia!
À Isabel, supervisora e co-orientadora mais que especial, que me fez ampliar o
olhar sobre a “questão social” e que foi fundamental no meu processo de formação. Isa,
obrigada por contribuir – e muito – na construção do meu compromisso social, e na
minha crença de que podemos construir um mundo melhor!
À professora Edinete Rosa e ao professor Edmilson, pela disponibilidade em ler
e contribuir com o texto na ocasião de minha qualificação.
À Cleide, minha mãezinha querida, minha flor de maracujá, que, não bastasse a
perseverança e dedicação em todo o meu processo de formação, ainda faz questão, a
cada dia, de se fazer presente na construção do meu projeto de vida. Querida, obrigada
pela compreensão nos momentos de ausência e pelo amor incondicional. Essa conquista
é nossa!
À Candice, minha maior referência de esforço e dedicação aos projetos de vida.
Irmã, obrigada pelo apoio incondicional de sempre! A obtenção de mais essa conquista
é produto da nossa perseverança e união, construídas desde sempre... Amo!
À Érika, minha companheira e “co-orientadora”, presente mesmo quando
distante. Maior entusiasta da experiência desse trabalho e insistente na crença de que
tudo daria certo. Nêga, obrigada por todas as vezes que me encorajou a pensar nos
“meus meninos” e me incentivou a continuar. Obrigada pela companhia nas idas a
campo, pelos feedbacks ao ler do projeto à versão final, pela compreensão nos meus
chiliques, pelo apoio... Mas, obrigada mesmo, por encher meu cotidiano de carinho e
tornar minha vida mais colorida e mais feliz!
À Erivaldo, painho, por me incentivar e ensinar que devemos buscar ser sempre
os melhores, independente do lugar que ocupemos. Pai, sua filha vai longe... Prometo!
vii

À Alice, minha jovem maninha, que me faz aprender a cada encontro uma nova
faceta da juventude. Muga, obrigada por fazer questão da presença na minha vida!
À Fernandinha, bolsista querida, fundamental nos momentos cruciais de
realização dessa pesquisa, e pessoa com quem tenho aprendido muito. Fernandinha, foi
muito bom ter podido te conhecer um pouco mais. Obrigada pela companhia nas idas a
campo e pela dedicação e afinco a esse projeto. Ter contado com você fez toda a
diferença.
À Helô! Amiga de todas as horas, que me conhece mais que muitos e ainda
assim faz questão de se fazer presente de forma única. Que viveu e vive comigo
momentos que não precisam de muita coisa pra serem especiais. Amiga... Obrigada por
todo o carinho e cuidado nos últimos anos! Sem você teria sido muito mais difícil.
À Dani, minha grande amiga, colega de militância e parceira de projetos, que
acompanhou de perto minha evolução de estagiária a pós-graduanda, me viu “crescer” e
contribuiu ativamente para isso. Dani, sou muito feliz de ter tido oportunidade de
aprender tanto sobre a vida com você. Obrigada pela companhia nas milhões de vezes
que precisei, pelas conversas, pelos momentos de descontração, pelos conselhos e pelas
risadas. Mas, principalmente, obrigada por essa amizade que me é tão cara!
A Marcos, exemplo de maturidade e experiência de vida. Fundamental na minha
formação para esse mundo. Com quem aprendi a ponderar e a acreditar na militância em
Direitos Humanos. Obrigada! Você tem grande parcela de contribuição em quem eu sou
e no que eu acredito hoje!
Ao Observatório da População Infanto-Juvenil em Contextos de Violência
(OBIJUV), berço das melhores experiências acadêmicas e profissionais que vivi nos
últimos anos. Grupo sem o qual essa dissertação não faria o menor sentido. Em especial,
Rocelly, Luana, Carol, Anna Luiza, Herculano, Lívia, Ana Cândida, Carmem, Tatimin,
Martha, Arthemis, Tabita, Luciana e Blenda.
Ao Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação, em especial Ana Vládia, que
contribuiu substancialmente para o meu amadurecimento na temática da juventude.
Vládia, sou muito feliz por ter podido contar com você em momentos cruciais, não só
do trabalho. Um brinde aos momentos que vive(re)mos!
A Wall, meu companheiro de aventuras! Que, independente de vertente teórica,
sempre consegue dialogar com minha militância. Wall, obrigada pelos almoços
madrugada adentro, pela diversão madrugada afora e, principalmente, obrigada pela
paciência em me ouvir e pelo carinho que me devota!
Aos amigos Keyla, Adriana, Sol, Rafael, Tadeu, Vitor e Léo, que sempre me
fizeram sentir em casa na cidade grande, que sempre me ouviram e ajudaram nos meus
projetos e que sempre apostaram no meu sucesso. Suas lindas e seus lindos, vocês têm
um lugar especial no meu coração!
À Mari, Pri e Dxa, minhas queridas Lulu’s, que me ensinam que um dos maiores
valores da vida é a amizade, não importa a cara que ela tenha. Meninas, obrigada pela
presença na minha vida. Acompanhando de longe ou de perto a minha jornada, sei que
vocês estão aqui!
A todas as pessoas que atuam com jovens em Felipe Camarão, especialmente os
profissionais que colaboraram imensamente enquanto sujeitos dessa pesquisa. Pessoal,
obrigada pela disponibilidade, atenção e crença neste trabalho.
viii

Sumário

Lista de Siglas ................................................................................................................ xi

Lista de Tabelas ........................................................................................................... xiii

Lista de Figuras ........................................................................................................... xiv

Resumo .......................................................................................................................... xv

Abstract ........................................................................................................................ xvi

Apresentação ................................................................................................................. 17

Introdução ..................................................................................................................... 19

I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................... 26

Capítulo 1 – Eixo Juventude................................................................................. 26

1.1 – Fronteiras da juventude: afinal, o que é ser jovem? ................................. 26

1.2 – Juventudes e Sociedades ............................................................................ 29

1.3 – A (ideal) juventude contemporânea ........................................................... 39

1.4 – A (real) juventude contemporânea ............................................................. 41

Capítulo 2 – Eixo Violência .................................................................................. 49

2.1 – O fenômeno da violência: conceitos e história .......................................... 49

2.2 – Violência, pobreza e periculosidade .......................................................... 56

2.3 – Criminalização da juventude pobre ........................................................... 64

Capítulo 3 – Eixo políticas para juventude ......................................................... 66

3.1 – Entre discursos e práticas........................................................................... 67

3.2 – A Política Nacional de Juventude e o Programa de Inclusão de Jovens ... 79

3.3 – Desafios e perspectivas para as políticas de juventude: educação, trabalho,


cultura e segurança pública......................................................................................... 88

II – MÉTODO ............................................................................................................... 96

1. Percurso metodológico e procedimentos ........................................................ 96


ix

2. Procedimentos de análise ................................................................................. 99

3. Participantes .................................................................................................... 102

4. Caracterização do Campo .............................................................................. 103

4.1 – Felipe Camarão: a contradição da violação permeada por cultura .......... 103

4.2 – Caracterização das instituições ............................................................... 109

4.2.1 – Centro de Referência em Assistência Social de Felipe Camarão ......... 109

4.2.2 – Projeto ProJovem Adolescente ............................................................. 111

4.2.3 – Escola Estadual Professora Maria Queiroz ........................................... 112

4.2.4 – Conselho Comunitário II ...................................................................... 113

4.2.5 – Fundação Bradesco ............................................................................... 114

4.2.6 – Lar Fabiano de Cristo ........................................................................... 116

4.2.7 – Visão Mundial – PDA Caminhos do Sol .............................................. 117

4.2.8 – Núcleo de Amparo ao Menor ............................................................... 120

4.2.9 – Fundação Fé & Alegria ......................................................................... 121

4.2.10 – Conexão Felipe Camarão/Companhia Terramar ............................... 122

III – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........................... 124

1. O que pensar sobre a violência? .................................................................... 125

1.1 – A influência do consumo e do tráfico de drogas no processo da violência


na juventude .............................................................................................................. 132

1.2 – O papel da segurança pública nos contextos de violência ...................... 142

1.3 – O medo social: influência da mídia no sentimento de insegurança ........ 149

2. Iniciativas voltadas para a juventude de Felipe Camarão: o enfrentamento


à violência é possível? ................................................................................................. 158

2.1 – Da natureza das instituições ..................................................................... 161

2.2 – Do caráter das ações ................................................................................ 164


x

2.3 – Da abrangência das ações ........................................................................ 185

2.4 – Da articulação das ações .......................................................................... 188

2.5 – Das principais dificuldades ...................................................................... 193

IV – PARA NÃO CONCLUIR: Desafios e perspectivas no enfrentamento aos


contextos de violência em Felipe Camarão............................................................... 200

V – Referências ........................................................................................................... 203

APÊNDICES ............................................................................................................... 212


xi

Lista de Siglas

1. CEAV – Centro de Atendimento às Vítimas de Violência

2. CID – Centro de Inclusão Digital

3. CODEM – Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias

4. CONJUVE – Conselho Nacional de Juventude

5. CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

6. CT – Câmara Temática

7. DCCE – Desenvolvimento Criativo e Complementação Escolar

8. DL – Desenvolvimento de Lideranças

9. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

10. EJA – Ensino de Jovens e Adultos

11. ESI – Educação do Ser Integral

12. FC – Felipe Camarão

13. IDJ – Índice de Desenvolvimento Juvenil

14. MCC – Método Comparativo Constante

15. MDS – Ministério do Desenvolvimento Social

16. NAM – Núcleo de Amparo ao Menor

17. OIJ – Organização Ibero-Americana de Juventude

18. OIT – Organização Internacional do Trabalho

19. OMS – Organização Mundial de Saúde

20. ONG – Organização Não-Governamental

21. ONU – Organização das Nações Unidas

22. PAIF – Programa de Atenção Integral às Famílias

23. PBF – Programa Bolsa Família


xii

24. PDA – Projeto de Desenvolvimento de Área

25. PEC – Proposta de Emenda Constitucional

26. PEC-G – Programa de Estudantes em Convênio de Graduação

27. PHE – Projeto Habilidades de Estudo

28. PMAJ – Programa Mundial de Ação para a Juventude

29. PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

30. PNJ – Política Nacional de Juventude

31. PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens

32. PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

33. PROVITA – Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas

34. SEMTAS – Secretaria Municipal do Trabalho e da Assistência Social

35. SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública

36. SESC – Serviço Social do Comércio

37. SNJ – Secretaria Nacional de Juventude

38. UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

39. ZPA – Zona de Proteção Ambiental


xiii

Lista de Tabelas

Tabela 1 – Instituições pesquisadas .................................................................. 102

Tabela 2 – Tipo de público atendido ................................................................ 161

Tabela 3 – Objetivo das ações .......................................................................... 184


xiv

Lista de Figuras

Figura 1 – Tipologia da violência – OMS ...................................................................... 53

Figura 2 – Modelo ecológico para compreender a violência ......................................... 57

Figura 3 – Estrutura da investigação ............................................................................ 102

Figura 4 – Mapa do macrozoneamento de Natal/RN com destaque em Felipe Camarão

...................................................................................................................................... 104

Figura 5 – Localização de equipamentos e serviços..................................................... 109


xv

Resumo

Na sociedade atual, a violência, principalmente nos centros urbanos, tem se apresentado


como uma das principais sequelas da “questão social”, tendo grande impacto na vida de
várias pessoas, especialmente, do público jovem. Diante disso, o Estado tem sido
chamado a atuar na prevenção e combate dessa forma de violação de direitos. A
situação em Natal/RN corrobora os índices nacionais com relação à incidência da
violência na juventude, e aponta dados alarmantes, especificamente nos seus bairros
periféricos. Optou-se por delimitar o campo da pesquisa no bairro de Felipe Camarão,
dada a histórica alta incidência de homicídios contra a sua população jovem. O objetivo
geral deste estudo foi identificar e analisar as iniciativas voltadas para a prevenção e
combate à violência na juventude que estão sendo desenvolvidas em Felipe Camarão,
em que estas se baseiam e como se traduzem em ações. Mais especificamente, visou-se
realizar um levantamento e caracterização das instituições que possuem ações voltadas
para a população jovem em Felipe Camarão, bem como analisar de que ponto partem os
profissionais para a execução e articulação das ações no processo de redução da
violência, identificando o que fazem e como fazem. Foram identificadas dez instituições
que possuem suas ações total ou parcialmente voltadas para o público jovem. Foram
realizados grupos focais com os profissionais de todas as instituições. Os dados foram
analisados a partir da perspectiva do método histórico e dialético, com base no Método
Comparativo Constante. Os resultados foram apresentados a partir de três eixos de
análise: as concepções dos profissionais sobre a violência; as iniciativas voltadas para a
prevenção à violência em Felipe Camarão e; os desafios e perspectivas encontrados no
processo de redução da violência. Apontamos que o fenômeno da violência apresenta-se
de forma banalizada na vida das pessoas, o que contribui para o reforço de uma cultura
do medo, bem como de uma estigmatização do bairro, seja na mídia ou no imaginário
social. As ações voltadas para os jovens carecem de uma melhor estruturação,
articulação e perspectiva crítica acerca do processo de prevenção da violência, além de
uma maior abrangência territorial. Defendemos que a realização de ações de cunho
emancipatório, especialmente junto aos jovens, que lhes possibilitem a construção de
novos projetos de vida, aliado a um fortalecimento da atuação do Estado no âmbito
preventivo, inclusive por meio de políticas de acesso à educação de qualidade e
oportunidades de trabalho digno, além da consolidação de um efetivo capital social, são
importantes fatores no processo de redução da violência em Felipe Camarão.

Palavras-chave: direitos humanos; juventude; violência.


xvi

Abstract

In present day society, violence, mainly in urban centers, has emerged as one of the
main consequences of the “social question”, having great impact on many people's
lives, especially the young ones. Therefore, the government has been called to act in
preventing and combating this form of rights violation. The situation in Natal/RN
corroborates national rates concerning the incidence of violence in youth, and reveals
alarming data, specifically in its suburbs. It was decided to define the field of research
in the district Felipe Camarão, given the historical high homicide rate against its young
population. The aim of this study was to identify and to examine initiatives focused on
prevention and combating against youth violence that are being developed in Felipe
Camarão, in what basis they have been developed and how they translate into action.
More specifically, it aimed to achieve a survey and characterization of the institutions
that have actions focused on the young people in Felipe Camarão, as well as to analyze
the professionals' starting point for the implementation and coordination of actions in
the process of violence reduction, identifying what they do and how they do it. Ten
institutions were identified as having their full or partial actions focused on the young
population. It has been conducted focal groups with professionals from all institutions.
Data were analyzed from the perspective of historical and dialectical method, based on
the Método Comparativo Constante (Grounded Theory). The results were presented
from three analysis lines: the conceptions of professionals on violence; the initiatives
towards violence prevention in Felipe Camarão; and the challenges and perspectives
found in the violence reduction process. We point out that the phenomenon of violence
presents itself as commonplace in people's lives, which contributes to strengthening a
culture of fear, as well as stigmatization of a neighborhood, whether in media or in
social imaginary. Actions aimed to young people need to be better structured,
articulated and to have a critical perspective on the process of violence prevention, in
addition to greater territorial coverage. We argue that the implementation of actions
with emancipatory nature, especially to young population, allowing them to build new
projects for life, associated to a strengthening of state action in the preventive scope,
through policies for high quality education access and dignified work opportunities, in
addition to the consolidation of an effective social capital, are important factors in the
process of violence reduction in Felipe Camarão.

Keywords: human rights, youth, violence.


17

Apresentação

Pretendo, neste espaço, esclarecer algumas questões quanto à estruturação e

desenvolvimento deste estudo, para que o leitor possa ter acesso a maiores informações

acerca de como foi pensada a construção desse material.

Conforme será apresentado, o propósito deste projeto é realizar uma pesquisa no

âmbito do bairro de Felipe Camarão do município de Natal/RN, visando conhecer quais

as iniciativas voltadas para o enfrentamento da violência na população jovem, em que

estas se baseiam e como se traduzem em ações. Tal enfoque foi escolhido a partir de

reflexões provenientes da minha experiência de estágio curricular obrigatório em

Psicologia Social e Comunitária, no âmbito da Coordenadoria de Direitos Humanos e

Defesa das Minorias – CODEM, no ano 2009. Trata-se de um órgão vinculado ao

governo do estado do Rio Grande do Norte, que se propõe a buscar garantir a promoção

da justiça, da dignidade, cidadania e dos direitos humanos da população atendida,

através de parcerias com diversos órgãos governamentais e não governamentais. A

referida experiência me possibilitou o contato cotidiano com as estatísticas oficiais

referentes aos homicídios ocorridos no Rio Grande do Norte nos últimos seis anos. A

partir do acesso a esse material, foi possível delinear as principais características desse

tipo de violência no nosso estado e chegamos a importantes considerações, que muitas

vezes corroboram os dados em âmbito nacional: os jovens, seja entre 15 e 24 ou entre

15 e 29 anos, são as vítimas mais recorrentes nas estatísticas dos homicídios no RN;

mais especificamente, a maioria trata-se de jovens do sexo masculino e que foram

mortos por arma de fogo. Especificamente no âmbito da capital, Natal/RN, há uma

grande concentração dessa violência nos bairros mais periféricos e com os menores

índices de renda per capita. Tais informações serviram de base para intervenções nos

cinco bairros – dentre os quais, Felipe Camarão – com maiores índices de homicídios de
18

Natal/RN. As intervenções realizadas constituíram de oficinas com os jovens para

discutir a respeito dos contextos de violência nos quais estão inseridos. Essa experiência

me fez refletir acerca do papel das ações tanto do governo como da sociedade civil no

enfrentamento da violência na juventude.

Assim, este estudo foi desenvolvido a partir de reflexões como: até que ponto o

processo de redução da violência na juventude está sendo pensado nas políticas e ações

para essa população? Quais os princípios que embasam a atuação dos profissionais

desta área? Que ações estão sendo executadas no enfrentamento à violência na

juventude? De que maneira a articulação dessas ações influencia no processo de redução

da violência?

Partindo dessas questões centrais, foi possível pensar a elaboração da estrutura

teórica que servirá de base para a realização dessa pesquisa. Essa estrutura está

organizada em três grandes eixos, quais sejam: a) a juventude; b) a violência; c) as

políticas e ações voltadas para a juventude. A discussão que abrange essas três áreas

consiste a primeira parte do texto da dissertação. A segunda parte trata dos aspectos da

pesquisa em si, em que serão apresentados os dados pesquisados, bem como a sua

discussão.

Feitos estes esclarecimentos, convido o leitor a refletir um pouco mais sobre a

temática a ser abordada nesse estudo, a fim de subsidiar as posteriores discussões a

partir dos resultados encontrados.


19

Introdução

Hay que endurecer-se. Pero sin perder la ternura jamás.


Che Guevara

Pensar na juventude a partir de uma perspectiva ampliada implica ir além do

papel que ela desempenha na sociedade; significa considerar também a influência dessa

sociedade na sua construção. Falar de violência sob essa mesma perspectiva sugere uma

concepção que a compreenda além da sua concretude, vislumbrando-a como um

complexo fenômeno, que está imbricado na sociedade também de maneira simbólica.

Refletir acerca das ações voltadas para a população juvenil implica compreendê-las

como uma espécie dentro do gênero das políticas sociais, que, em sua essência,

possuem tanto possibilidades de ação, como limitações, determinadas pelo contexto

capitalista e desigual vigente na atualidade. Propor-se a discutir a partir desses três eixos

exige uma postura crítica e reflexiva, que busque contextualizar a dinâmica social que

faz essas temáticas se articularem.

Para tanto, propõe-se inicialmente uma reflexão acerca da realidade juvenil

brasileira, além de uma discussão sobre a violência que tem perpassado os contextos

nos quais os jovens pobres estão inseridos, refletindo que respostas têm sido dadas a tal

situação. Ao longo dessa discussão inicial, apresenta-se a forma como estão distribuídos

os eixos que comporão o presente trabalho, além de uma breve explanação acerca dos

pontos centrais que serão abordados nos demais capítulos.

Diante do acirramento da desigualdade social instaurado em consequência do

modelo econômico vigente, as políticas sociais se configuram como uma estratégica

ferramenta para minimizar os índices das mazelas que assolam grande parte da

população (Behring & Boschetti, 2010). Sobre esse aspecto, Pereira (2009) aponta que

as políticas sociais não necessariamente têm provocado melhoria das condições


20

humanas – especialmente nas camadas mais pobres – o que se dá, principalmente,

devido ao seu caráter ambíguo e contraditório: ao mesmo tempo em que essas políticas

têm procurado minimamente atender às necessidades sociais, não podem deixar de

atender a objetivos individualistas das elites do poder, nem de contribuir para a

manutenção do sistema capitalista.

Em meio a esse contexto paradoxal, as políticas sociais assumem um caráter

peculiar ao lidar com as consequências da “questão social” 1. Cohn (2000) afirma que o

enfrentamento dos problemas sociais é feito de forma fragmentada, o que, em vez de

promover a inclusão social dos cidadãos, acaba legitimando a diferenciação e

reprodução da subalternização das classes mais pobres. Nesse sentido, os aspectos que

mais caracterizam as históricas iniciativas de combate à pobreza, à violência, e a outros

problemas sociais são a fragmentação e desarticulação das políticas – dificultando a

construção de uma ação integrada e sistêmica –, bem como a parcialização das mesmas

(Cardoso, 2004; Yamamoto, 2007), em que há enfoque em segmentos específicos da

população, como mulheres, crianças, adolescentes, trabalhadores, homossexuais e

idosos.

Notadamente, nas últimas décadas, o segmento das crianças e adolescentes vem

ganhando bastante visibilidade no âmbito das políticas sociais no Brasil e, através da

promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), tem sido

alvo de inúmeras ações voltadas para a garantia dos direitos e proteção social das

pessoas com até dezessete anos. As iniciativas vão desde a busca pelo acesso dessa

população à educação, saúde, lazer, etc. em caráter prioritário – pautada no princípio da

1
Concordando com Yamamoto (2007), entende-se aqui “questão social” como “o conjunto de
problemas políticos, sociais e econômicos postos pela emergência da classe operária no processo de
constituição da sociedade capitalista” (p.31).
21

prioridade absoluta das crianças e adolescentes previsto no ECA –, até o enfoque em

demandas específicas, como a criação de planos de convivência familiar e comunitária,

além de programas de combate à violência sexual e ao trabalho infantil.

Isto posto, cabe fazer a seguinte reflexão: ao completarem dezoito anos, os

jovens, antes assistidos pelas políticas voltadas às crianças e adolescentes, ainda serão

alvo de ações que visam garantia de direitos e proteção social?

A partir dessa indagação, o presente estudo ampara-se e justifica-se na

importância de se voltar a atenção para a realidade da juventude brasileira, que vive

uma histórica negligência nas agendas públicas, além de uma naturalização das suas

questões por parte da sociedade. Tal realidade, associada ao modelo de juventude que

vem sendo construído pela sociedade baseada nos moldes capitalistas, contribui para o

recrudescimento da negação e violação de direitos em várias esferas da vida desses

jovens. As formas mais significativas de violação manifestam-se nos diversos contextos

de violência, nos quais grande parte dos jovens brasileiros está inserida, seja como

vítima ou algoz.

De acordo com dados da CODEM, referentes a homicídios ocorridos entre

janeiro de junho de 2011, as vítimas jovens de Natal/RN correspondem a cerca de 55%

da população geral. Este é um dado que vem se repetindo há, pelo menos, cinco anos,

havendo pequenas variações na porcentagem anual. Vale ressaltar que mais de 10%

dessas ocorrências estão concentradas no bairro de Felipe Camarão (FC), que é a

comunidade escolhida para a realização desse estudo, devido à sua história de altos

índices de violência na juventude.

Diante desse quadro, as ações voltadas para a juventude nessas comunidades têm

uma importante tarefa, no sentido de contribuir para a prevenção e o enfrentamento

dessa violência que tem perpassado a população jovem. Desta forma, faz-se de
22

fundamental importância a realização de estudos que investiguem como tem se dado a

execução dessas ações, a fim de contribuir para uma análise das práticas que têm sido

efetuadas em seu âmbito. Nesse ínterim, esta pesquisa trará a oportunidade de fomentar

espaços de discussão com os profissionais que lidam diretamente com o público jovem,

nos quais se reflita acerca da atual conjuntura da juventude, bem como, quais as

limitações e possibilidades, tanto das ações como dos próprios profissionais que as

executam.

Assim, o objetivo geral deste estudo é identificar e analisar as iniciativas

voltadas para a prevenção e combate à violência na juventude que estão sendo

desenvolvidas em Felipe Camarão, em que estas se baseiam e como se traduzem em

ações. Mais especificamente, visa-se realizar um levantamento e caracterização das

instituições que possuem ações voltadas para a população jovem em Felipe Camarão,

bem como analisar de que ponto partem os profissionais para a execução e articulação

das ações no processo de redução da violência, identificando o que fazem e como

fazem.

Antes de explanar acerca do percurso de investigação do estudo, faz-se mister

fundamentar teoricamente de que ponto se partiu para a realização do mesmo. Destarte,

o primeiro capítulo a ser apresentado busca fazer uma conceituação da juventude, em

que, longe de se propor a esgotar a discussão, procura-se discutir as fronteiras que foram

delineando esse segmento populacional ao longo do tempo, bem como elucidar as

diferentes faces com as quais esse fenômeno se apresenta na sociedade. Faz-se um

apanhado histórico acerca da sua construção social, além de apresentar como esse

segmento vem se configurando na realidade brasileira. Discute-se a histórica

ambiguidade na representação social dessa população. Se, por um lado, ela é vista como

um segmento marginalizado e diretamente atrelado à violência e à criminalidade, por


23

outro, é vista a partir de uma ótica progressista, embasada na emancipação e autonomia.

Diante dessa complexidade que perpassa a construção social da juventude, apresentam-

se outras abordagens que passam a desenvolver uma perspectiva diferenciada: ao

reconhecer as limitações do enfoque na juventude apenas como um “grupo de risco”,

começa-se a pensar sob a ótica dos jovens como sujeitos de direitos. A partir daí, faz-se

uma reflexão acerca da ideal juventude que habita o imaginário social, em contraponto à

apresentação da real juventude brasileira, com toda a sua configuração de violações de

direitos e ausência do Estado.

O capítulo seguinte corresponde ao segundo eixo de discussão adotado nesse

trabalho, que visa discutir e compreender o fenômeno da violência na sociedade atual.

Para tanto, inicialmente faz-se uma reflexão acerca das diversas concepções de

violência existentes na literatura, buscando resgatar e analisar criticamente os principais

conceitos encontrados, a fim de apontar para uma compreensão abrangente que

contemple a violência como um fenômeno multifacetado, que se expressa tanto de

forma explícita, quanto simbólica e que perpassa várias esferas da sociedade, seja no

discurso, seja na prática. Em seguida, propõe-se um debate acerca da associação, muito

presente na sociedade atual, entre o fenômeno da violência e a condição de pobreza, em

que se reproduz um discurso que naturaliza ambos os aspectos e potencializa a exclusão

das classes subalternizadas e, notadamente, da juventude pertencente a essas classes,

que é comumente associada ao mito da periculosidade. Tal debate subsidia a última

seção do capítulo, em que se aborda a criminalização da juventude pobre, tanto por

parte do Estado, como da sociedade; prática na qual se penaliza e se reprime várias

ações dessa população, em detrimento de um maior incentivo às ações de cunho

emancipatório e um foco maior na prevenção da violência. Pretende-se refletir acerca da


24

exposição à violência que perpassa a vida desses jovens, bem como assinalar caminhos

para a desconstrução da associação entre a violência e a juventude.

No último capítulo que compõe a parte teórica, pretende-se abordar as ações e

políticas sociais voltadas para a juventude, fazendo um resgate histórico da atenção

estatal e da sociedade civil dada a essa população ao longo do tempo, a fim de se

delinear a atual conjuntura dessas iniciativas na sociedade contemporânea. Para tanto,

propõe-se uma discussão sobre os discursos e práticas que perpassam as políticas

voltadas para a população juvenil e, mais especificamente, as voltadas para a redução da

violência. As ações que esse segmento tem demandado, notoriamente devem apresentar

características específicas, que não deixem de considerar a realidade social na qual estão

inseridos, mas que, ao mesmo tempo, apresentem uma perspectiva de garantia de

direitos e de proteção social. Essa concepção implica dizer que o acesso a serviços não

deve ser visto como uma concessão do Estado para com os jovens, mas sim como um

direito a ser assegurado. No Brasil, as respostas que têm sido dadas às demandas da

população juvenil só começaram a ganhar maior visibilidade a partir dos anos 2000.

Esse é o assunto discutido na seção seguinte, em que se apresentam as diretrizes e

perspectivas da proposta de Política Nacional de Juventude – PNJ, bem como do

Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem, que foi implementado sob a

incumbência de pôr em prática as ações previstas na referida política. Em seguida,

debate-se acerca dos desafios e perspectivas para as políticas sociais voltadas para a

juventude contemporânea, em que são apresentados aspectos relacionados ao acesso à

educação, trabalho e cultura, que são vistos por muitos autores – e pelos próprios

gestores da política nacional – como as principais ferramentas para o enfrentamento da

violência nessa população, bem como são discutidas questões referentes à segurança
25

pública e à forma como o Estado tem se feito presente na juventude por meio dessa

política.

Após lançar mão das discussões apresentadas, segue-se com a segunda parte do

trabalho, referente à pesquisa a ser realizada no bairro de Felipe Camarão, Natal/RN.

Nesta seção, é apresentado o percurso metodológico utilizado, tanto no que se refere à

coleta dos dados e os participantes, como acerca da perspectiva de análise. Faz-se então

uma caracterização minuciosa acerca do campo no qual essa pesquisa foi realizada. É

apresentado um histórico do bairro de Felipe Camarão, com as principais características

da comunidade, índices sociodemográficos, aspectos culturais e da tradição dos

moradores do bairro. Esse capítulo foi construído a partir de pesquisas documentais,

bem como das falas dos participantes da pesquisa. A seguir, faz-se uma caracterização

das instituições que atuam com jovens na comunidade e que constituem o campo de

pesquisa, para, posteriormente, lançar mão da análise dos dados coletados, que estão

divididos em dois grandes eixos, quais sejam: as concepções dos profissionais acerca do

fenômeno da violência e as iniciativas voltadas para a juventude de Felipe Camarão. Por

fim, são traçadas as considerações finais, apontando os limites e possibilidades do

campo pesquisado.
26

I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Capítulo 1 – Eixo Juventude

1.1 – Fronteiras da juventude: afinal, o que é ser jovem?

“O alicerce fundamental da nossa obra é a juventude”


Che Guevara

A juventude comparece nesse manuscrito como o principal foco de trabalho.

Desta forma, é preciso caracterizar quem é o jovem da atualidade, em que contexto esse

jovem está inserido e que papel ele representa na sociedade. Ao refletir sobre essa

questão, emergem diversos conceitos e contextos paradoxais e contraditórios. Optou-se

por discutir inicialmente a polêmica em torno da conceituação do termo juventude,

considerando que não se trata de um conceito que está dado, mas sim de vários

conceitos, que são fruto de uma histórica representação específica dessa população.

A delimitação da faixa etária que abrange a população jovem não se apresenta de

forma consensual. Ao longo dos anos, esse segmento vem sendo visto como uma etapa

transitória, em que o sujeito passa da infância para a idade adulta. Tem-se que a

juventude refere-se a um período de intensas transformações biológicas, psicológicas,

sociais e culturais, que variam de acordo com as diferentes classes sociais, culturas,

épocas, etnias, gênero, dentre outros determinantes (UNESCO, 2004).

Tal definição não contribui para o estabelecimento de uma representação social

única que caracterize e delimite o grupo geracional no qual os jovens estão inseridos,

visto que se trata de uma categoria em permanente construção social e histórica. Assim,

cabe falar em diferentes juventudes, que possuem a construção da identidade como

questão central, mas que se destacam no imaginário social a partir de múltiplas

referências da sociedade. Minayo (1999) apresenta que:


27

Para se entenderem os processos sociais em que os jovens se envolvem, é


necessário recorrer à forma como expressam seus comportamentos, gostos,
opções de vida, esperanças e desesperanças. As condições econômicas,
políticas e sociais determinam características peculiares para se entenderem
não só os comportamentos individuais, mas, especialmente, os processos
sociais em que os jovens estão envolvidos. A história, a tradição e a cultura
contribuem para a expressão de seus valores (p. 12).

No entanto, como bem discute Souza (2005), essa definição plural na sociedade

de consumo provoca um entrave à construção da identidade juvenil, em que a

reivindicação mercadológica tolhe outros estilos de vida não condizentes com a lógica

do capital e classifica determinado padrão de juventude como correto. Sobre esse

aspecto, Esteves e Abramovay (2007) sugerem que:

Os jovens vivem, na contemporaneidade, numa época de profundas


transformações, aí incluídas as de cunho econômico e moral, que afetam, de
modo indelével, sua transição para a vida adulta. Sujeitos de uma sociedade
de consumo ostentatória – cujo principal traço é suscitar nas juventudes,
mas não apenas entre elas, aspirações que, muitas vezes, deságuam em
frustrações, porque irrealizáveis para a grande maioria –, transitam no seio
de uma arquitetura social cuja desigualdade e acirramento das diferenças
constituem algumas de suas faces mais visíveis (p. 27).

Desta forma, percebe-se a manipulação da representação juvenil, a partir da

dicotomia que emerge nas classes sociais; aqui considerado o principal fator que define

a pluralidade das juventudes.

Apesar de a delimitação do grupo populacional jovem sofrer variações segundo

contextos particulares, convenciona-se o estabelecimento de ciclos de idade, definidos a

partir de fatores relacionados à aquisição da autonomia, inserção no mercado de

trabalho, expectativa de vida da população, dentre outros fatores (Aquino, 2009).

Alguns países, como o Japão, por exemplo, classificam os jovens como indivíduos até

35 anos (Chaves Jr., 1999), enquanto outros adotam outras delimitações bem variadas.
28

Nos países ocidentais não se observa tanta polêmica quanto ao limite inferior,

que geralmente é definido em 15 anos2. Para essa delimitação, o enfoque é biológico e

psicológico, relacionado ao desenvolvimento das funções sexuais e reprodutivas. No

entanto, a delimitação superior não é tão consensual. Para refletir a esse respeito,

estudos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura –

UNESCO (2004) indicam importantes fatores que devem ser considerados: há uma

crescente abrangência do segmento juvenil, relacionada à passagem do rural ao urbano,

do industrial à sociedade do conhecimento; há uma perda das características que

definem um adulto, principalmente devido à tendência à “juvenilização” – que será

discutida adiante; em contraponto, os jovens vivem um processo de “adultização”

acelerado, decorrente das incertezas e desafios advindos da crescente globalização

(UNESCO, 2004).

A saber, a Assembleia Geral das Nações Unidas define, para a América Latina,

jovens como sendo o grupo de pessoas com idade entre 15 e 24 anos (UNESCO, 2004).

No Brasil, essa era a demarcação adotada para delimitar as fronteiras da

juventude, até 2005. No entanto, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Conselho


3
Nacional de Juventude (CONJUVE) seguem a delimitação de 15 a 29 anos, dividida

nos seguintes subgrupos: 15 a 17 anos – jovem-adolescente; 18 a 24 anos – jovem-

jovem; 24 a 29 anos – jovem adulto. De acordo com Aquino (2009), a dilatação para 29

anos não é uma peculiaridade brasileira, e está ocorrendo na maioria dos países que

2
Estudos da UNESCO (2004) apontam que, em se tratando de áreas rurais ou de extrema
pobreza, essa delimitação se reduz e o grupo de 10 a 14 anos é incluído.
3
O marco oficial do surgimento de uma Política Nacional de Juventude foi a criação, através de
iniciativas conjuntas da sociedade civil e do poder público, da SNJ, pela Lei Federal nº 11.129/2005, e do
CONJUVE, que é o espaço de realização do controle social da Política Nacional de Juventude e de todas
as ações vinculadas a ela. Esse assunto será melhor abordado no capítulo 3.
29

pretendem implementar políticas para a juventude. Tal variação é justificada por dois

fatores: maior dificuldade de essa população ganhar autonomia – devido às aceleradas

mudanças no mundo do trabalho – e aumento da expectativa de vida da população em

geral.

Essa polêmica que circunda o lugar geracional da população juvenil tende a

dificultar o processo de implementação e execução de ações efetivas destinadas a esse

segmento. Castro (2009) aponta que as políticas carecem de um marco que referencie o

conceito de juventude de forma mais coesa. No entanto, essa ausência de coesão acerca

da juventude encontra explicações na história, que se confundem com a própria forma

de organização da sociedade a cada época. Conforme apresentado a seguir, existem

outras polêmicas além da faixa etária que historicamente circundam a representação

social da juventude.

1.2 – Juventudes e Sociedades

“A juventude é um estado de espírito, é um jeito de corpo, é


um sinal de saúde e disposição, é um perfil do consumidor,
uma fatia do mercado onde todos querem se incluir.”
Maria Rita Kehl

Conforme aponta Quiroga (2005), a juventude não consiste um fenômeno

meramente demográfico. Trata-se de uma complexa condição social, que influencia e é

influenciada pelas diferentes culturas e possui uma condição dinâmica e mutável ao

longo do tempo, de acordo com as transformações da sociedade. Não se pode, portanto,

falar de uma juventude universal, visto que não consiste de um fenômeno que está posto

em qualquer lugar e tempo, sem implicações sociais.

Questionar o caráter universal da juventude é reconhecer a sua historicidade.

Ela, assim como todos os outros segmentos populacionais, vem sendo delineada e

contornada ao longo da história (Novaes, 2007). Parte-se então de uma perspectiva de


30

conceituação sócio histórica da juventude, em que cada época e sociedade aprovam sua

concepção própria e lhe atribuem papéis particulares (Fraga & Iulianelli, 2003). Essa

variedade é refletida nas condições culturais, sociais, de gênero, nas regiões

demográficas, dentre outros (Dayrell & Gomes, s.d.).

A influência das teorias racistas e eugênicas4 da Europa na segunda metade do

século XIX contribuiu para que a preocupação com a juventude mundial durante esse

período e até meados do século seguinte apresentasse um caráter tutelar e repressivo.

Existia grande preocupação com a disciplina dos jovens pobres, em que emergia a

necessidade de colocar ordem naqueles que tinham “comportamentos desviantes”,

através de diversas práticas, inclusive coercitivas e violentas (Souza, 2005). Iulianelli

(2003) aponta que o enfoque na juventude nesse período era o controle da delinquência,

visto que se tratava de um perigo social que diuturnamente ameaçava a população. De

acordo com Novaes (2007), pequenas contravenções dos jovens eram mais

preocupantes do que ações mais graves dos adultos, o que reforçava a ideia da repressão

dessa etapa (concebida como) problemática da vida (Aquino, 2009). Sobre esse aspecto,

Gonçalves (2005) discute que:

Os excessos juvenis, tomados como impulso da desordem urbana,


colocaram em movimento esforços de disciplinarização. Associadas aos
comportamentos disfuncionais, as pulsões da juventude tornaram-se foco da
assepsia social que queria o controle e a correção dos vícios, e nesse
percurso as ciências reforçaram ao longo dos anos a percepção de que boa
parte das mazelas sociais poderia ser creditada na conta da juventude e de
seus anseios de diferenciação. Firmou-se no imaginário social a associação
entre a juventude e as grandes questões de cada tempo: no século XXI,

4
Trata-se do movimento da eugenia, em que se condenavam as misturas raciais, tidas como
indesejáveis, e se defendia a extinção das “classes perigosas”. Tal concepção serviu de base para diversos
absurdos sociais, a exemplo do movimento higienista no Brasil, que transpôs a esfera da medicina e,
aliado aos ideais eugênicos e ao darwinismo social, contribuiu para a consolidação do mito da
periculosidade na pobreza, por meio de um discurso naturalizante, que condenava aos pobres (em
especial, aos jovens) o rótulo de “perigo social” (Coimbra & Nascimento, 2003).
31

quando grassam as preocupações com o individualismo exacerbado e a


criminalidade crescente, o jovem emerge como individualista e responsável,
em grande parte, pela criminalidade urbana. (p. 208)

Com o advento do capitalismo liberal no século XX, acirra-se o processo de

formação de riqueza e a consequente disseminação da miséria. Assim como toda a

população, a juventude sofreu com a acumulação de capital em detrimento dos

investimentos sociais. Conforme apontam Coimbra e Nascimento (2003), o processo de

concentração do capital provoca efeitos poderosos: exclusão, estigmatização e tentativa

de destruição das classes pobres – notadamente da juventude pobre – por meio da

opressão e criminalização. As ações decorrentes desse contexto socioeconômico, muitas

vezes invisíveis, acabam por levar os jovens pobres ao extermínio e à clausura.

Consoante a esse processo, no Brasil, tais discursos e práticas também passam a

se consolidar, sofrendo forte influência do movimento higienista, na década de 1920,

em que se constrói a ideia dos bandidos de nascença e do mito no qual os jovens pobres

estão diretamente associados à periculosidade, e, portanto devem ser descartados.

Diante desse quadro, os jovens pobres que escapavam ao extermínio representavam a

parcela excluída por excelência, pois sequer conseguiam chegar ao mercado de trabalho

formal e se caracterizavam, então, como um “perigo social” que deveria ser controlado,

o que justificava e fortalecia o modelo dominante das políticas repressoras voltadas a

essa população. Essa vinculação da juventude com a desordem social é uma concepção

que contribui fortemente até os dias atuais para reforçar a relação entre

vadiagem/ociosidade/pobreza, bem como entre pobreza e periculosidade/violência/

/criminalidade (Coimbra & Nascimento, 2003), apesar de ainda haver ambiguidade na

interpretação da condição juvenil.

Sobre esse aspecto, Fraga (2008) aponta os jovens pobres como as principais

vítimas da violência criminal:


32

A capacidade de vitimizar pessoas cada vez mais jovens dos estratos


populares, de forma tão banalizada e invisível, apresentou-se como um dos
aspectos mais relevantes da violência da criminalidade dos anos 1990.
Banalizada, pela frequência constante com que ocorre o evento, e invisível,
pelo fato de a ocorrência dessas mortes não produzir manifestações públicas
ou reivindicações políticas para reverter o quadro existente ou nem mesmo
ganhar relevante destaque na imprensa. (p. 86)

Por outro lado, é produzido um discurso de que esses mesmos jovens são os

principais – ou únicos – responsáveis pelo constante aumento da violência real.

Discurso esse proveniente dos setores médios atingidos direta ou indiretamente por essa

violência, gerando posicionamentos apoiados apenas em indicadores econômicos e

sociais e que não analisam mais amplamente os contextos nos quais é produzida toda a

violência (Fraga, 2008). Tal concepção corrobora a abordagem da juventude encarada

como um “grupo de risco”, não fazendo referência à sua condição cidadã e não

priorizando iniciativas que fomentem a sua participação na dinâmica da sociedade.

Não obstante a ideação pessimista acerca da condição juvenil, a partir da

segunda metade do século XX, começam a surgir novas concepções que irão se

disseminar de maneira a contribuir com o debate sobre a juventude, instaurando um

processo de posicionamentos ora contrários, ora complementares acerca dessa questão.

De acordo com Aquino (2009), por volta das décadas de 1950 e 1960, a

juventude passa a ser vista como uma fase preparatória e transitória da vida, que exige

da família e da escola uma atenção e esforço contínuos, que visem preparar o jovem

para a socialização. Nessa concepção, os possíveis problemas que emergem são alvo de

redefinição e são entendidos como disfunções ou desvios desse processo de socialização

e não mais como inerentes à condição do jovem.

Iulianelli (2003) discute que, nesse mesmo período, a temática da juventude

insurge de forma ambígua: por um lado, é vista como agente de transformação social e,

por outro, como uma parcela populacional ingênua e irracional. Essa ambiguidade
33

também é apresentada por Fraga (2008), ao discorrer sobre a visão social dos jovens

como promotores e vítimas de violências terríveis que se instauram na América Latina

na década de 1980, em conflito com a visão de que estes mesmos atores seriam

responsáveis pela reserva ética das sociedades e pelo destino da humanidade. Novaes

(2007) também aponta a ambivalência da condição juvenil entre a contradição da sua

subordinação à família e à sociedade, coexistindo com as grandes expectativas de

emancipação desses jovens.

Além destas concepções, outros pontos de partida para o debate acerca da

juventude são apresentados por Abramo (2008):

a) o foco nas possibilidades e condições de participação dos jovens na sociedade,

a partir dos seus valores, opiniões e atuação social, tanto implicados na mudança do

destino da nação, como nas questões particulares que os afetam;

b) a juventude como um fator demográfico, em que se consideram os fatores de

inclusão e exclusão nas diversas formas de participação na sociedade;

c) a concepção do jovem como um sujeito de direitos, em que se procura

analisar, a partir das peculiaridades da condição juvenil, os direitos emergentes, que

devem ser garantidos pelo Estado e pela sociedade.

Diante dessa diversidade de abordagens, a concepção da juventude como uma

condição transitória – diferentemente de outras categorias como classe social ou gênero,

que se apresentam de formas mais permanentes – passa a ter lugar em diversos espaços

de discussão. Segundo Novaes (2007) tal aspecto implica no desenvolvimento da ideia


34

da juventude como um período de moratória social5, em que sua condição consiste

apenas em uma etapa de preparação para uma vida futura, repleta de inserções nas mais

diversas dimensões da vida em sociedade.

Aquino (2009), ao contextualizar a condição social dos jovens no Brasil, tem o

cuidado de apreciar as diferentes implicações da juventude como moratória social.

Aponta que, com a crise do desemprego na década de 1990, a restrição de oportunidades

ameaça a incorporação dos jovens (e a permanência dos trabalhadores) no mercado de

trabalho, o que implica em duas tendências, quais sejam: os jovens pobres se submetem

a condições precárias de trabalho e continuam dependentes do seu núcleo familiar,

mesmo que este também não apresente boas condições de sobrevivência; e, os jovens

privilegiados em sua origem social acabam por adiar a busca pela inserção profissional,

perpetuando-se na condição de estudantes, e também continuam dependendo das suas

famílias, o que provoca um prolongamento da moratória social. Desta forma, tem-se

uma questão de classe social. A inserção prematura e precária dos jovens pobres no

mercado de trabalho informal, ou a sua desocupação prolongada, diferencia sua

condição de moratória social da dos jovens de classes mais abastadas, posto que àqueles

é associada uma perspectiva negativa dessa condição, enquanto a estes estão intrínsecos

os ideais da liberdade, conforto, e tolerância do meio familiar à fase de moratória,

aspectos tidos como naturais da juventude (Novaes, 2007). Tem-se então uma clara

distinção de classe no que diz respeito à moratória social. Esse termo, originado da

precarização do mundo do trabalho, faz emergir as diferentes expectativas de futuro que

a sociedade neoliberal reserva para jovens de estratos sociais diferentes. Se para uns a

5
O conceito de moratória social foi desenvolvido por Erik Erikson na segunda metade da década
de 1950, mas atualiza-se a cada período histórico e também pode aplicar-se à juventude atual,
principalmente quando pensado a partir da lógica do sistema produtivo.
35

busca pela qualificação é condição sine qua non à educação, mesmo provocando um

adiamento do ingresso no mundo do trabalho, para outros, a falta de oportunidades de

emprego formal e a sua posição social no limite do exército de reserva adiam

perversamente a sua entrada na adultez.

Aquino (2009) atenta ainda para as consequências da existência de tal conjuntura

e sugere que, uma vez fora do sistema produtivo, os jovens estariam suspensos da vida

social, situando-se no limite dos processos de criação e decisão, próximos à

marginalidade. Além disso, essas tendências apontam para um entrave na emancipação

econômica dos jovens, implicando em uma frustração das expectativas de mobilidade

social, o que acaba por provocar um adiamento do rompimento da dependência e um

prolongamento da condição juvenil. Outra consequência apontada por Ribeiro e

Lourenço (2003) reside no fato de que a juventude tida como esperança exige uma

redução da participação no presente, tanto no âmbito singular desses jovens, como na

esfera social.

Em contraponto a essa condição de moratória social relacionada às questões

socioeconômicas e de independência dos jovens, tem-se cada vez mais cedo uma

inserção dessa população no “mundo dos adultos” quanto ao quesito da vida afetiva e

sexual. Camarano (2006) discorre acerca do rearranjo da nupcialidade, que muitas vezes

é o fator que caracteriza a transição para a vida adulta, em que os jovens cada vez mais

cedo saem da casa dos pais e constituem um novo domicílio e uma nova família,

adquirindo responsabilidades que são vistas como pertencentes à adultez. Mais uma vez,

essa conceituação de vida adulta é perpassada por questões de classe. Se, por um lado,

observa-se que os jovens de estratos mais abastados possuem condições de se

desvincular das suas famílias e constituir a sua própria, adquirindo responsabilidades e

autonomia, inclusive financeira, o mesmo não é verdade para os jovens das classes
36

pauperizadas. Nestes espaços, é comum a constituição de novas famílias sem que se

ocupe um novo domicílio, devido às condições precárias de sobrevivência, o que acaba

gerando um adensamento demográfico tanto dentro do lar como na comunidade em

geral e trazendo implicações diretas na convivência familiar e comunitária.

A partir dessas considerações, defende-se que o ingresso no mercado de trabalho

não necessariamente se constitui como único fator implicado na transição da juventude

para a vida adulta. Este processo de transição consiste em fenômeno complexo e

multicausal que se dinamiza a cada sociedade e a cada contexto histórico. No contexto

atual, com a consolidação do modo de produção capitalista, um dos principais

elementos – ou o principal – dessa complexidade é a classe social na qual o jovem está

inserido. Seja considerando os aspectos de construção de um novo núcleo familiar ou de

limites e possibilidades de inserção tardia na lógica de mercado, a desigualdade na

distribuição dos recursos apresenta-se como fator determinante para as diferentes

experiências de moratória social vivida pelos jovens.

Não obstante o apresentado, Quiroga (2005) discute que essa noção de moratória

social – na qual os jovens têm a garantia de complacência da sociedade para a espera do

exercício da vida adulta e responsável – foi ressignificada nos últimos anos. A

juventude provocou uma reversão em seu lugar social e se impôs enquanto segmento e

enquanto condição social não homogeneizável. Sobre esse aspecto, Aquino (2009)

aponta uma nova visão sobre a juventude: a de ator estratégico do desenvolvimento. Tal

noção apresenta implicações diretas na atenção das autoridades a essa população e

provoca uma reatualização da visão preparatória da juventude. O autor destaca alguns

fatores decorrentes dessa nova significação, quais sejam: a reivindicação de uma boa

educação, que favoreça a formação do capital humano dos jovens; a exigência de um


37

recorte específico para a juventude nas ações públicas; e o apoio à participação política

dos jovens.

No Brasil, o forte movimento juvenil da década de 1990 contribuiu

significativamente para o surgimento dessa nova concepção da juventude. Nessa

década, bastante crítica no processo socioeconômico mundial, observou-se uma crise do

Estado de Bem-Estar social6 nos países desenvolvidos, o que refletiu em índices

elevadíssimos de desemprego e precarização das relações de trabalho, inclusive no

Brasil. O receituário neoliberal começava a ser seguido e a economia nacional estava

sujeita às determinações de capitais internacionais, entravando o desenvolvimento de

políticas sociais. Paralelamente a esse contexto socioeconômico, aconteceu um

fenômeno singular na história do país, a denominada “onda jovem”: os índices

demográficos da população juvenil cresceram significativamente nessa década.

Tal conjuntura implicou em diversas consequências, que caracterizaram esse

período histórico. Instaurou-se uma pandemia na América Latina, em que o abandono

das crianças e jovens, bem como a violência da qual eram vítimas se tornaram uma

problemática de saúde pública. Ao mesmo tempo, vários movimentos culturais, como o

6
Se antes foi essencial a intervenção do Estado na economia internacional, bem como o
investimento em políticas públicas – a fim de reestruturar o sistema após a crise de 1929 (Welfare State) –
, no período pós-guerra viu-se a necessidade de uma redução dos gastos com o bem estar social, bem
como da formação de uma taxa “natural” de desemprego para a formação de exército de reserva. Assim,
tornava-se fundamental uma maior ausência do Estado em relação a gastos sociais e intervenções na
economia, para que a mesma pudesse se desenvolver (Anderson, 1995), o que acabou abrindo margem a
um grande programa de privatizações (Yamamoto, 2007). A conjuntura internacional voltada
crescentemente para a globalização do mercado, o Estado mínimo, a desestatização da economia, a
competitividade e a privatização, promovem então profundas alterações sociais e econômicas na
sociedade brasileira na década de 1990. Nesse período, há um acirramento da desigualdade social e uma
deterioração das condições de trabalho e de sobrevivência, agravando vários problemas sociais como
fome, criminalidade, violência e pobreza (Alencar, 2008; Anderson, 1995).
38

rap, o hip-hop7 e o funk, emergiram em todo o país, o que fortaleceu os espaços de

convivência dos grupos de jovens, favorecendo a sua mobilização social e política e se

constituindo de espaços singulares no exercício da formação da identidade desses

jovens (Iulianelli, 2003; Aquino, 2009).

Nesse novo contexto ideológico, os jovens, gradativamente, vão ocupando um

lugar diferenciado no imaginário da sociedade, passando a ser vistos a partir das suas

especificidades e necessidades e começando a ganhar importância como uma fase

específica do ciclo de vida, e não mais como uma mera transição para a idade adulta.

Desta forma, o foco da juventude se transfere para o presente. Para Aquino (2009), as

configurações dos espaços de convivência e interação dos jovens preenchem as lacunas

deixadas por instituições como as escolas e favorecem o estabelecimento de várias

(sub)culturas juvenis, que influenciam fortemente na renovação dos valores e práticas

sociais.

A partir dessa reconsideração da condição juvenil, passa a ocorrer um fenômeno

que pode ser denominado de juvenilização da sociedade, no qual – apesar de persistir a

ambiguidade do papel social do jovem – o que se observa é uma adoração do modelo

cultural construído para a juventude. Vale fazer breve reflexão a respeito das questões

implicadas nesse processo de valorização da juventude na sociedade contemporânea.

7
Quiroga (2005) e Alves (2005) apontam que, no Brasil, especificamente o movimento hip-hop,
em que inicialmente os jovens se organizavam para construir uma nova forma de lazer, se constituiu de
um movimento fundamental no protagonismo juvenil contra a violência urbana que veio assolando a
juventude brasileira na década de 1990.
39

1.3 – A (ideal) juventude contemporânea

"Acredito nos jovens à procura de caminhos novos abrindo


espaços largos na vida. Creio na superação das incertezas
deste fim de século."
Cora Coralina

Em um período em que as desigualdades econômicas e sociais estão cada vez

mais acirradas, a sociedade está vivenciando um processo de individualização que se

intensifica à medida que o capitalismo impõe a cultura da “liberdade individual” e da

meritocracia. Nesse sentido, observa-se, mais intensamente a partir do século XXI, que

a velocidade da modernização econômica e a ênfase no imediatismo têm gerado um

novo conteúdo para a representação social da experiência de “ser jovem”. A indústria

cultural está cada vez mais dirigida às novas gerações: ora à infância, impondo papéis

que antes se restringiam à adultez, ora à juventude, tida como uma geração que

consegue acompanhar a modernidade e que convive com a incessante nostalgia dos

adultos, que são alvo da promessa do rejuvenescimento (Ribeiro & Lourenço, 2003).

Sobre esse aspecto, Ribeiro (2004) aponta que a juventude contemporânea constitui

certo ideal social que talvez nunca termine, visto que cada vez mais a sociedade está

marcada por valores associados à mocidade, como a ideia de liberdade pessoal. Para

Fraga e Iulianelli (2003),

O recolhimento na esfera privada e o individualismo, consequentemente,


produziram uma depreciação da experiência, uma desvalorização do
conhecimento acumulado e da sabedoria dos mais velhos, forjando em
contraponto uma valorização da juventude e dos atributos a ela vinculados.
Os valores da juventude passaram a ser os mais desejados pelos indivíduos,
projetando o tema da juventude sobre todas as faixas etárias. Os jovens
participam de forma dúbia da cultura de massa: integram-se a ela, mas
consomem determinados produtos em função dos quais lhes possa ser
atribuída uma singularidade. Os jovens, contudo, somente são invitados ao
consumo em torno de um modelo. (p. 9)

Diante disso, tem-se um processo de alargamento da etapa da juventude, pelo

menos no que se refere ao ideal vislumbrado pela sociedade contemporânea. No


40

entanto, como bem aponta Quiroga (2005) ao distinguir entre jovens e juventude, os

primeiros constituem um segmento populacional, enquanto a última trata-se de uma

condição social, que não é passível de homogeneização. Ao se construir a representação

social da juventude de forma tão idealizada incorre-se no risco de cair no vazio da

discussão construída historicamente acerca das peculiaridades dessa população, tanto no

que diz respeito às suas especificidades comparadas às outras faixas etárias, como com

relação às distinções existentes entre as próprias formas diferenciadas de juventude.

Desta forma, conforme apontam Ribeiro e Lourenço (2003), constitui-se uma noção

objetivada e naturalizada do jovem, que diverge daquela ideia de jovem dotado de

aspectos sociais e experiências históricas cuja ação é voltada para o futuro. As

consequências da consolidação desse ideal da juventude apresentam-se nas exigências

impostas aos jovens para sua adequação às mudanças da sociedade atual, que criam

vários obstáculos à sua projeção da vida. A abstração da categoria juventude dá margem

à manipulação da experiência subjetiva desse jovem, dificultando o seu processo

identitário e contribuindo para uma crise, uma vez que, ao mesmo tempo em que ele faz

parte de uma representação social voltada para os ideais de autonomia, liberdade e

vigor, trata-se de um sujeito muitas vezes ameaçado e limitado, exposto a realidades

claramente afastadas das suas condições particulares.

Nesse sentido, Fraga e Iulianelli (2003) apontam para uma reflexão: ter a

juventude valorizada significa proporcionar espaços sociais relevantes a esse grupo

populacional? Ora, é sabido que existe uma distância abismal entre essa representação

ideal da juventude e as diversas realidades em que se encontra a maioria dos jovens do

Brasil. A distinção que mais se faz presente é a que coloca em lados opostos os jovens

de classes sociais distintas, de modo que a ambiguidade nas representações outrora

apresentadas logo encontra os sujeitos que as sustentam: para os jovens pobres, resta o
41

estigma da marginalidade e associação à violência e criminalidade e, para os demais,

prevalece a ótica progressista, embasada na ilusória liberdade individual.

Isto posto, tem-se que a valorização da idealizada juventude, construída no seio

da sociedade de consumo, não está associada, em nenhum aspecto, à oferta de espaços

sociais relevantes à população jovem. Ao contrário, tem-se o fato de que os jovens das

classes subalternizadas não se adéquam às molduras simbólicas da juventude, o que só

contribui para o aumento da significação da pobreza como sinônimo de risco social e

para a escassez desses sonhados espaços sociais relevantes.

Sobre esse aspecto, Ribeiro e Lourenço (2003) discutem sobre a importância da

redução das discrepâncias na representação dos jovens de classes distintas:

Trata-se da (re)construção indispensável da comunicação entre os


segmentos sociais, mediante a valorização do convívio em arenas que
estabeleçam a possibilidade de conflito entre classes e gerações. Assim, a
integração social vislumbrada não é aquela que procura preservar os mitos
da juventude ou criar rápidos e duvidosos consensos, porém sim a que
poderá advir da plenitude da política e do respeito ao outro, inclusive em
sua digna face de opositor. (p. 50)

Vale relembrar que as distinções aqui apresentadas são fruto de uma realidade de

extremas desigualdades, que provoca consequências concretas no desenvolvimento da

identidade e na vida destes jovens. Desta forma, cabe apresentar algumas informações

acerca da configuração sociodemográfica da juventude contemporânea no Brasil.

1.4 – A (real) juventude contemporânea

“Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério. O


jovem no Brasil nunca é levado a sério.”
Charlie Brown Jr

Os principais indicadores sociodemográficos apresentados pelas pesquisas

oficiais referentes a jovens relacionam-se a índices como educação, trabalho, saúde,

violência, dentre outros. As informações apresentadas a seguir, referem-se, em sua


42

maioria, à população na faixa etária de 15 a 24 anos, visto que os relatórios

apresentados utilizam essa faixa etária como referência para a população juvenil.

Com relação às taxas de alfabetização, observou-se uma redução desse

percentual ao longo dos anos, com relação aos jovens, visto que em 1993, 8,2% dessa

população era analfabeta e em 2006 esse índice correspondia a 2,4%. Vale ressaltar que

cerca de 65% do total de analfabetos jovens encontrava-se na região Nordeste nesse

período (Waiselfisz, 2007). De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios – PNAD/2009 (IBGE, 2010), apesar de ter havido redução desse índice em

2009, a referida região continua apresentando mais que o dobro da média nacional de

analfabetos jovens.

Não é coincidência que a região Nordeste apresente tais índices e também seja

uma das regiões com menores indicadores de renda per capita do país. Os índices de

analfabetismo estão diretamente associados à distribuição de renda no Brasil. Dos

jovens 20% mais pobres do país, o percentual que não sabe ler nem escrever é de 6,4%;

esse índice vai caindo progressivamente até que, no quintil mais rico, o índice é de

0,4%. Além disso, observa-se uma reprodução familiar do analfabetismo, na qual mais

da metade dos pais e mães dos jovens analfabetos também o são. Especificamente no

Rio Grande do Norte, a taxa de analfabetismo correspondia em 2006 a 7,7% na faixa

etária jovem, o que demonstra um grande atraso com relação à evolução dos índices

nacionais.

Com relação à escolarização, Waiselfisz (2007) aponta ainda que mais da

metade (53,1%) dos jovens se encontra fora das salas de aula e, quando matriculados,

grande parte está em um nível de ensino que não corresponde à sua faixa etária. Cerca

de 14% dos jovens escolarizados cursam níveis de ensino que não correspondem à sua
43

fase de vida. Ao associar esses dois índices, restam menos de 33%, ou seja, um em cada

três jovens, que estudam em um nível compatível com sua idade.

Mais um índice nacional que perpassa a questão das classes sociais diz respeito à

escolarização adequada, isto é, aquela que abrange pelo menos a formação do Ensino

Médio em diante. Dos jovens que compõem os 10% mais pobres da população, apenas

16% tem escolarização adequada, enquanto dos 10% mais ricos, 62,6% possuem essa

escolarização.

A distinção de classe no que diz respeito aos índices de acesso à educação reflete

a ineficácia da política educacional brasileira. Trata-se de um dos aspectos que mostra

que o desenvolvimento econômico no país vem acontecendo em detrimento do

desenvolvimento social. O Estado atuante no contexto do modelo neoliberal, em vez de

se voltar para aspectos essenciais à população, como a educação, serve às normas do

mercado, que regula a economia e limita o acesso à educação de qualidade para alguns

que podem pagar.

Outro aspecto relevante a ser abordado com relação à juventude é a sua inserção

no mercado de trabalho. Conforme discute Waiselfisz (2007), em 2006, a proporção de

jovens que frequenta escola (46,9%) é levemente inferior à dos que trabalham (51%).

Mais detalhadamente, aponta que na faixa etária dos 15 aos 17 anos, o estudo prevalece

como principal atividade; entre os 18 e os 19 anos, há uma transição do educacional

para o mundo do trabalho e, a partir dos 20 anos, este último prepondera. Sobre esse

aspecto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD/ 2009 apresenta que

pouco mais da metade (50,7%) dos jovens de 18 e 19 anos tinham alguma ocupação em

2009, enquanto a proporção era mais elevada (66,9%) entre aqueles na faixa de 20 a 24

anos de idade (IBGE, 2010).


44

Com relação à ocupação dos jovens, dados apontados pela Organização

Internacional do Trabalho (OIT) indicam que dos 22 milhões de jovens

economicamente ativos em 2006 no Brasil, cerca de 3,9 milhões estavam

desempregados e 11 milhões exerciam ocupações informais. Isto significa que 67% dos

jovens brasileiros economicamente ativos se encontravam excluídos de um emprego

formal. Esse índice é cerca de 10 pontos percentuais mais elevado com relação à taxa de

desemprego e de ocupação formal dos adultos. Também com relação à informalidade, o

Nordeste está à frente das demais regiões do país, apresentando 81% dos seus jovens

ocupados em situação informal de trabalho. Ao se comparar a formalidade com o índice

de escolaridade dos jovens, observa-se uma elevada correlação negativa, ou seja, quanto

maior o grau de escolaridade, menor se apresenta o índice de informalidade na ocupação

da população. Tal dado se refere tanto a dados nacionais, quanto à região Nordeste.

Nagamine (2009) discute que a ocupação informal pode reduzir as

possibilidades de o jovem se inserir em um emprego formal no futuro. Assim, os índices

de exclusão do trabalho decente devido ao desemprego e à informalidade se constitui

em um novo indicador de exclusão social desses jovens, decorrente das desigualdades

sociais características do modo de produção capitalista. Aliados a isso, dados da OIT

informam ainda que quase 20% do total de jovens brasileiros não estudavam nem

trabalhavam em 2006, o que caracteriza um em cada cinco jovens brasileiros nessa

situação de exclusão, que muitas vezes é agravada por determinantes de gênero e raça.

Quando comparados à população em geral, os índices de desemprego dos jovens

ganham significativo destaque. Dados da OIT (2001) apontam que independentemente

do grau de escolaridade dos jovens, os indicadores de desemprego se apresentam cerca

de 2,5 vezes maiores que as taxas das pessoas a partir de 25 anos.


45

Para facilitar a mensuração da situação de ocupação dos jovens, foi

desenvolvido o Índice de Vulnerabilidade Juvenil, que se constitui a partir da soma

entre o percentual dos jovens desempregados, os que estão na informalidade, os em

condição de inativos e os que não estudam. De acordo com essa definição, em 2006,

55,7% do total dos jovens brasileiros se encontrava em situação de vulnerabilidade8.

Associado a tais índices de escolarização e situação laboral, outro aspecto que

tem caracterizado a situação juvenil no Brasil refere-se à alta incidência de violência

que atinge essa população, principalmente quando relacionada à população em geral. De

acordo com Waiselfisz (2010), entre 1997 e 2007, houve um aumento de 23,8% de

homicídios contra jovens no Brasil, crescimento superior àqueles cometidos na

população total (17,8%). Durante esse período, os homicídios ocorridos na faixa etária

entre 15 e 24 anos correspondem a 37,5% do total da população; caso se considere a

população entre 15 e 29 anos, esse percentual aumenta para 54,8%. Vale salientar que o

contingente de jovens de 15 a 29 anos representava apenas cerca de 20% da população

em 2006 (Waiselfisz, 2007), o que agrava a interpretação dos índices de homicídios

nessa faixa, visto que se trata de um quinto da população que é alvo de mais da metade

das ocorrências desse tipo de violência. Outra informação que corrobora esse índice de

vitimização de jovens é referente às causas da mortalidade, em que, enquanto na

população em geral, os homicídios equivalem a apenas 1,8%, com relação aos jovens,

esse índice cresce para 39,7% (Waiselfisz, 2011).

8
O conceito de vulnerabilidade social tem sido bastante discutido e, por vezes, mal empregado.
Desta forma, faz-se necessário esclarecer que a posição que se defende aqui concorda com Castro (2002):
“a ideia desse conceito é sair do circulo descritivo que reduz os pobres a não sujeitos, diferenciando-se de
conceitos como exclusão e pobreza. Há o apelo de se trabalhar a diversos níveis, considerando como se
modela vulnerabilidades ao nivel de comunidades, de instituições, inclusive trabalhando com a noção de
estruturas vulnerabilizantes, isto é, componentes de um sistema que contribuiriam para que, mesmo
dentro de uma classe social, certos indivíduos fossem mais vulnerabilizáveis.”
46

Ao se analisar os dados referentes aos homicídios no Rio Grande do Norte,

observa-se um quadro semelhante ao encontrado em âmbito nacional. Waiselfisz (2010)

aponta que houve um acréscimo de 150,6% nos homicídios ocorridos entre 1997 e 2007

na população geral do estado. Referente ao mesmo período, no entanto, dados da

CODEM9 apontam estatísticas diferentes, em que se calcula um aumento de 226,6% na

ocorrência de homicídios na população do RN, também no decênio citado. Tal

discrepância nas informações referentes à situação dos homicídios no RN dificulta o

processo de diagnóstico desse tipo de violência, o que inviabiliza uma análise mais

aprofundada a respeito da situação da população local em relação à população

brasileira, visto que se trata de fontes que apontam indicadores diferentes. Visando

sanar essa dificuldade, opta-se por apresentar os dados referentes ao Rio Grande do

Norte a partir das informações obtidas pela CODEM.

A situação dos jovens no RN está condizente com o quadro nacional, e, por

vezes, se agrava em muitos índices. Entre 1997 e 2007, houve um aumento de 165,4%

nos homicídios ocorridos contra jovens de 15 a 24 anos no estado; caso se considere a

faixa de 15 a 29, o número decresce para 133,6%. Com relação à capital do estado,

Natal/RN, houve um aumento de 202% de homicídios entre as pessoas 15 a 24 anos, e

de 183,3%, ao considerar a faixa de 15 a 29 anos. Vale salientar que nos últimos três

anos, os homicídios ocorridos contra jovens em Natal/RN equivalem a cerca de 65%

dos ocorridos contra a população total.

9
A Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias do Estado do RN – CODEM
realiza um levantamento estatístico dos homicídios ocorridos no estado, através de informações
fornecidas pelo Instituto Técnico e Científico de Polícia do RN – ITEP/RN, órgão responsável por
registrar e emitir os laudos de exames cadavéricos no RN.
47

Com relação aos dados da violência nacional, o Índice de Desenvolvimento

Juvenil (IDJ), apresentado por Waiselfisz (2004), estabelece uma correlação entre os

índices de renda dos estados e de mortalidade de seus jovens por causas violentas,

revelando que existe uma relação intermediária entre essas mortes e as desigualdades

sociais. Corroborando essa informação, os dados locais apontam grande concentração

das ocorrências de homicídios (mais de 50%) nos cinco bairros com maiores

indicadores de pobreza de Natal/RN, que são classificados geralmente entre os últimos

colocados na análise da renda per capita, com relação às outras regiões (Natal, 2009). A

comunidade de Felipe Camarão, que fica na região administrativa Oeste da cidade, no

qual será realizada a presente pesquisa, corresponde a um desses bairros. Os outros

bairros do ranking são Nossa Senhora da Apresentação, Lagoa Azul, Pajuçara e Potengi,

todos localizados na região administrativa Norte da cidade.

Diante das informações apresentadas, discute-se que grande parcela da

população juvenil apresenta reais dificuldades de concretização de seus projetos de vida,

visto que a sua esfera social determina os limites até onde esse jovem pode ir na

sociedade e contribui para a marginalização dos setores mais pobres, em que o acesso a

políticas de educação, segurança, bem como ao mercado de trabalho formal apresentam-

se de maneira escassa.

Abramovay et al. (2002) apontam que a combinação de fatores como inserção

deficitária na educação e no mercado de trabalho, ausência de oportunidades de lazer e

de formação ética para uma cultura de paz têm sido os principais responsáveis por situar

esses jovens à margem de uma participação democrática que colabore na construção de

identidades pautadas por compromissos de cidadania. Desta forma, esses são alguns dos

indicadores que devem colocar a questão juvenil em um papel central na atenção tanto

do Estado como da sociedade civil. Como bem apontam Fraga e Iulianelli (2003), a
48

principal preocupação das políticas públicas tem sido combater a violência, por meio da

segurança pública. Já as iniciativas da sociedade civil estão, em grande parte, centradas

na profissionalização desses jovens. No entanto, cabe a seguinte reflexão: será essa a

única forma, ou a forma mais eficaz de intervenção de ambos os setores com relação aos

jovens?

Defende-se aqui que, para além da realização de políticas e ações paliativas que

busquem apenas minimizar os índices apresentados, é necessária a compreensão de que

as ações voltadas para os jovens devem ir além da garantia de um direito e estar

orientadas ao fomento da participação. A juventude consiste numa categoria social

relevante, seja pelas dificuldades ou potencialidades. Cabe então pensar os desafios

inerentes à questão da atenção aos jovens, aproximando a temática da juventude das

reflexões sobre o desenvolvimento do país. Não basta somente realizar investimentos

nas condições sociais e econômicas, mas sim se identificar áreas estratégicas para a

construção de projetos juvenis de vida, que incorporem sentimento de pertencimento

por parte dos jovens em relação à sociedade e desenvolvam ações que possam oferecê-

los as ferramentas necessárias para a emancipação e construção da autonomia.

No entanto, para que se atinja um patamar ideal de realidade para a juventude, é

preciso fortalecer o debate, incitar a não-violência e ter clareza das diversas nuanças que

perpassam a vida desses jovens. Sobre esse aspecto, propõe-se a seguir uma reflexão a

respeito do fenômeno da violência, que conforme já citado, se encontra tão presente no

cotidiano da maioria da juventude brasileira.


49

Capítulo 2 – Eixo Violência

2.1 – O fenômeno da violência: conceitos e história

“Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas


jamais conseguirão deter a primavera inteira”.
Che Guevara

A violência é, hoje, uma questão de saúde pública. Trata-se de uma epidemia

silenciosa que está cada vez mais naturalizada no imaginário social e consolidada como

uma questão estrutural – portanto, fora do alcance individual de resolução – que atinge

principalmente a parte marginalizada da população. Como aponta Melo (2010), as

consequências da consolidação desse fenômeno têm implicações diretas tanto na esfera

individual, como nos âmbitos econômico, político e social.

Por sua relevância e destaque na sociedade contemporânea, vários autores e

órgãos oficiais têm buscado uma definição de violência que seja capaz de dar conta da

sua complexidade. Não se deve, portanto, reduzir o fenômeno da violência somente a

lesões físicas ou questões específicas, para não incorrer na limitada compreensão do seu

impacto total sobre os indivíduos e a sociedade.

Pinheiro e Almeida (2006) apontam-na como uma ação intencional que causa

dano. Desta forma, a produção de dano/destruição e a intencionalidade constituem

aspectos intrínsecos a este fenômeno. Em um contexto em que predomina a violência,

existe a desordem e a impossibilidade de criação do espaço público. Opostamente, a

não-violência seria uma ação intencional guiada pela ética, que possibilitaria a interação

entre os indivíduos de forma saudável, proporcionando espaços inclusive de articulação

política. Nessa direção, a política se constitui enquanto um movimento antagônico à

violência. Nos espaços onde não há a primeira, aparece a segunda, e vice-versa. Como

bem apresenta Chauí (1999):


50

(...) a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do


sujeito e se este respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos
outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma intersubjetividade
socialmente determinada. Sob essa perspectiva, ética e violência são
opostas, uma vez que violência significa: 1) tudo o que age usando a força
para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar);
2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de
alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação
da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por
uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra o que alguém
ou uma sociedade define como justo e como um direito. (p. 3)

Costa (2005) complementa a definição da violência apontando-a como uma

consequência macrossociológica da anomia social, que perpassa a esfera biopsicossocial

e se apresenta como um fenômeno estrutural, cultural e político. Tal anomia representa

a desestruturação dos valores, a falta de referenciais e a desagregação das relações

sociais. As estruturas normativas e sociais são escassas ou inexistem nesse cenário.

Nesse sentido, a violência se apresenta como um fenômeno multifacetado e

multideterminado (Trassi & Malvasi, 2010). A sua perpetuação na sociedade é derivada

de diversos fatores, que incluem tanto questões macro como microssociais. Ao mesmo

tempo em que se apresenta de forma objetiva, sendo desencadeada e legitimada por uma

série de contextos característicos da sociedade atual, também se aporta e se reproduz na

constituição dos sujeitos que, imersos nesses contextos, podem mobilizar aspectos

constitutivos da subjetividade, como a agressividade, que é inerente a todos. Não se

quer aqui afirmar que agressividade e violência são sinônimas. Trata-se do oposto.

Conforme discutem Trassi e Malvasi (2010), enquanto a agressividade é um aspecto que

está intrínseco à subjetividade e pode ser subordinada à educação e a outros

mecanismos de controle, a violência é um fenômeno social que se internaliza como

destrutividade. Desta forma, a violência apresenta-se como uma ação planejada, com

racionalidade, que provoca um prejuízo individual e/ou no tecido social.

Nessa direção, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência como:


51

o uso intencional da força física ou do poder, real ou potencial, contra si


próprio, contra outras pessoas ou contra um grupo ou uma comunidade, que
resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”. (Krug et al.,
2002 – p. 5).

Essa definição abrange todas as ações violentas, sejam privadas ou públicas,

criminosas ou não, reativas ou proativas. Ao citar o uso da força física e o poder, inclui

também intimidações e ameaças, omissão e negligência, o abuso físico, sexual ou

psicológico, além de suicídio e outras práticas de auto-abuso, bem como outras

violações de direitos fundamentais.

Ainda na mesma definição, que corrobora outras supracitadas no quesito da

intencionalidade, é preciso destacar dois pontos:

a) a existência de uso da força intencional não necessariamente significa que há

vontade de causar dano, isto é, pode haver uma grande diferença entre a ação pretendida

e a consequência alcançada;

b) a diferença entre a intenção de lesar e a intenção de usar a violência destaca o

seu componente cultural, isto é, alguns comportamentos podem ser considerados por

alguém como toleráveis culturalmente, mas são entendidos como atos de violência, que

podem causar sérios danos.

Além das tentativas de conceituação da violência, existe também um esforço de

categorização das formas como esse fenômeno se expressa na sociedade. Suas múltiplas

facetas, ora extremamente visíveis, ora disfarçadas pelo medo, provocam a elucidação

de modelos que deem conta das muitas caras dessa violência, a fim de proporcionar uma

melhor compreensão e um aprofundamento do debate sobre a temática.

Diante de pesquisas realizadas pela UNESCO, Abramovay et al. (2002) sugerem

que a categorização da violência seja definida da seguinte forma:

a) direta: atos físicos que geram prejuízo à integridade dos homens;


52

b) indireta: refere-se às ações agressivas e coercitivas causadoras de danos

emocionais ou psicológicos;

c) simbólica: inclui as relações de poder – institucionais ou interpessoais – que

limitam a liberdade de pensamento, ação e consciência dos sujeitos.

A OMS organizou uma tipologia da violência, a partir das características de

quem a comete. Divide-a em violência auto-infligida, interpessoal e coletiva. A primeira

abrange o suicídio e outros atos de auto-abuso. Já a interpessoal refere-se à violência

cometida por parentes e parceiros íntimos, ou até mesmo por pessoas externas ao

ambiente doméstico, conhecidas ou não. Caracterizada como violência comunitária,

essa última engloba a violência que perpassa a juventude, bem como os atos violentos

aleatórios que se manifestam nas sociedades, em maior concentração nas regiões

periféricas. Refere-se aos crimes violentos, homicídios, latrocínios, etc. A violência

coletiva, por sua vez, apresenta aspectos sociais – que supõem uma motivação direta

para que seja praticada por grandes grupos (violência de multidões, terrorismo, crimes

de ódio) – políticos e econômicos. Esses últimos se referem à violência do Estado, às

guerras, negação de acesso a serviços essenciais, dentre outros.

O resumo abaixo ilustra didaticamente a tipologia da violência apresentada pela

OMS:
53

Figura 1 - Tipologia da violência - OMS

É possível observar na figura apresentada que a categorização da natureza da

violência – física, psicológica, sexual ou relacionada à privação ou negligência –

consiste em aspecto transversal às grandes categorias apresentadas acima. Isto é, o eixo

horizontal apresenta a forma como são afetados os sujeitos que estão inseridos nos

diversos contextos de violência.

Essa tipologia não pretende ser universal, nem dar conta das delimitações de

cada tipo de violência, até porque a fronteira entre os diversos tipos apresentados é

muito tênue na prática. Pretende sim, fornecer uma estrutura que, ao organizar a

natureza das ações, o cenário e a relação entre vítima e algoz, possa facilitar a

compreensão dos padrões em que se expressa esse fenômeno. Trata-se então de uma

exposição apenas didática que, aliada à elaboração de conceitos abrangentes, busca

desconstruir a concepção de que a violência é um fenômeno que está posto, sem

nenhuma contextualização e historicidade.

Refletir a respeito da violência, então, é abrir a possibilidade de repensar essa

tendência naturalizante e trazer à tona as suas questões centrais, analisando-a a partir de

uma perspectiva ampliada, considerando os contextos favoráveis à sua emergência e

tendo uma visão histórica a respeito do fenômeno.


54

No Brasil, pode-se dizer que a partir da década de 1970, houve uma modificação

no padrão da criminalidade nas áreas urbanas, que se consolidou nos dois decênios

seguintes. Nesse período, a violência institucional se torna incômoda e passa-se a

discutir sobre as questões estruturais da criminalidade. Com o fim do período militar e

transição para um Estado democrático de direito, preponderou uma violência epidêmica

marcada pela impunidade. Conforme aponta Adorno (2002):

Embora a violência fosse um fenômeno endêmico na sociedade brasileira,


sua visibilidade ganhou foro público durante a transição da ditadura para a
democracia. O fim do regime autoritário havia deixado mostras de que a
violência institucional sob a forma de arbítrio do Estado contra a dissidência
política não se restringia à vigência do regime de exceção. (pp. 107-108)

A consolidação de um padrão desenfreado de criminalidade violenta se deu com

o aumento da estrutura dos crimes organizados, complexificação da estrutura do tráfico

de drogas, corrupção policial, expansão de grupos de extermínio, associados à

fragilidade institucional e incerteza política características do período de

redemocratização (Pinheiro & Almeida, 2006).

Ironicamente, em um período histórico no qual teoricamente se teriam condições

diferenciadas de convívio social e pacificação, é exatamente quando há o

recrudescimento e generalização da violência.

Peralva (2000) discute que cinco aspectos peculiares a esse cenário da

redemocratização contribuiriam para a potencialização da violência nos centros

urbanos: o aumento da facilidade de acesso a armas, a juvenilização da criminalidade, a

maior visibilidade da violência policial – principalmente contra jovens de bairros

periféricos – o crescimento do narcotráfico e armamento do crime organizado e a

cultura individualista, que geraria expectativas de consumo não satisfeitas e aumentaria

a violência.
55

Cardia (2003) aponta que não se trata de um cenário característico da transição

democrática, mas sim da persistência, no regime democrático, de questões anteriores

não resolvidas, que favorecem a violência no Brasil. Essas questões referem-se à

sobreposição de várias carências, gravíssimas violações de direitos humanos

fundamentais e exposição a fatores de risco, associadas à ausência da intervenção

estatal, que tornam alguns grupos potencialmente mais vulneráveis à ocorrência de

violências.

No Brasil, nem as graves violações de direitos humanos desapareceram com


o retorno à democracia, nem o crime violento foi reduzido. O uso abusivo
de força letal pelos agentes de polícia, linchamentos executados por grupos
de pessoas – estimulados ou não por agentes policiais – e a ação de grupos
de execução sumária (grupos de extermínio, esquadrões da morte)
sobreviveram à transição e suas ações continuam a ocupar as páginas da
chamada imprensa nacional. (Cardia, 2003, p.49)

Paralelo ao processo de redemocratização, a consolidação do modelo neoliberal

está diretamente relacionada à não-resolução dessas questões. Conforme discute

Pedrazzini (2006), em uma sociedade cuja urbanização e globalização econômica são

determinadas por estratégias de dominação de classe, existe o cenário ideal para a

propagação da violência. Tem-se então que a violência urbana é uma das mais graves

expressões da “questão social” e, portanto, em grande parte decorrente da implantação

dessa lógica de mercado na sociedade contemporânea.

No entanto, não se trata de explicar todas as causas da violência a partir de um

modelo de sociedade, mas sim de defender que tal configuração social favorece a

emergência de contextos em que os sujeitos se tornam mais vulneráveis a ela. Isto é,

conforme apontam Pinheiro e Almeida (2006), o fator da desigualdade não é

determinante, mas, associado a outros fatores, compõe cenários nos quais a violência

tende a se desenvolver.
56

Pinheiro e Almeida (2006) discutem ainda que, na atual conjuntura, em que

ainda perpetua-se a herança autoritária no Estado – mesmo duas décadas depois da

transição democrática –, este não tem conseguido um modelo institucional que

possibilite uma resposta eficiente ao recrudescimento da violência. Não se defende que

a busca por esse modelo, individualmente, reduziria a violência, mas a não-ação

aumenta o impacto de outros fatores decisivos para o seu crescimento. Tem-se então

que a causalidade da violência não se deve a somente um determinante, mas a um

conjunto de fatores presentes em determinadas condições sociais e históricas.

2.2 – Violência, pobreza e periculosidade

“Os pobres continuam sendo os bandidos da história, pois


esta foi e será sempre contada pelos ricos.”
Ives Pedrazzini

Perceber a complexidade da violência significa compreender as suas diferentes

formas de manifestação, procurando entender suas causas peculiares e seus cenários, a

fim de se buscar alternativas para seu enfrentamento. Nesse esforço, muitos são os

pesquisadores e teóricos que têm buscado explicar as causas do crescimento da

violência na sociedade atual.

Não existe um fator único que explique porque a violência ocorre mais em uma

comunidade do que em outra, ou porque alguns cometem atos violentos e outros não.

Segundo Imura (2010), não há consenso entre os estudiosos acerca da causalidade da

violência e do crime, ou das motivações dos seus causadores. Aspectos individuais, de

relações interpessoais, ambientais, culturais e sociais estão implicados nesse fenômeno.

Compreender de que forma esses fatores se relacionam à violência consiste em

ferramenta importante para combatê-la.


57

A OMS apresenta um modelo ecológico de compreensão da causalidade da

violência, a partir dos fatores supracitados, conforme pode ser visto na Figura 1:

Figura 2 - Modelo ecológico para compreender a violência

Krug et al. (2002) discutem que os diversos tipos de violência muitas vezes

compartilham alguns fatores de risco – abuso de álcool, acesso à arma de fogo, etc.

Desta forma, as pessoas que estão vulneráveis a um tipo de violência acabam

vivenciando também outros tipos. Como consequência, buscar trabalhar com os vários

níveis do modelo ecológico – social > comunitário > relacional > individual – pode

favorecer o enfrentamento a mais de um tipo de violência.

Krug et al. (2002) apontam alguns fatores de risco para o envolvimento em

conflitos de natureza violenta por parte dos indivíduos. Tais fatores perpassam as

esferas política, quando se tem a carência de processos democráticos e desigualdade no

acesso ao poder; econômica, principalmente no que diz respeito à desigualdade na

distribuição, acesso e controle dos recursos e dos meios de produção; social, que,

reflexo dos outros dois aspectos, emerge no acirramento da segregação entre grupos

étnicos, fanáticos ou religiosos, além do fácil acesso a armamentos e munições; e

demográfica, em que as rápidas mudanças demográficas e o aumento da densidade

populacional nos grandes centros urbanos seriam fatores de risco de violência.

Mesquita Neto (2001) apresenta uma perspectiva de análise sobre a causalidade

do aumento da violência que vai ao encontro do que aqui é discutido. Também partindo

do eixo político-econômico-social, defende que as crises econômicas do


58

desenvolvimento do capitalismo e da globalização, o enfraquecimento das instituições

do Estado, o fortalecimento das organizações criminosas e a fragilidade das ações

voltadas a proteger os direitos humanos e sociais, bem como a escassez de resolução de

conflitos por meios legais, são aspectos desestabilizadores do Estado e da sociedade.

Esses fatores preparam o terreno para o surgimento da violência, seja pela busca dos

interesses individuais de inclusão perversa nessa sociedade de consumo, seja como

estratégia de sobrevivência em uma realidade de altos índices de desigualdade

econômica e conflitos sociais.

Ao categorizar todos esses fatores, Adorno (2002) arrisca apresentar algumas

tentativas de explicação do aumento da violência na sociedade atual:

a) transformações na sociedade e nos moldes anteriores de violência: a mudança

no processo de produção e de acumulação do capital e a crescente concentração

tecnológica e industrial associadas às modificações nos processos de trabalho provocam

mudanças nas relações entre os indivíduos, destes com o Estado e entre diferentes

Estados. Tal conjuntura se reflete nos conflitos sociais e políticos, bem como na sua

resolução, que por sua vez, repercute no âmbito da violência, da criminalidade e da

violação dos direitos humanos;

b) deficiência do sistema de justiça criminal, que se torna incapaz de conter o

crime e a violência, mesmo em um Estado democrático de direito: apesar do aumento da

criminalidade, o sistema de justiça permanece o mesmo, causando o crescimento das

dificuldades em manter o monopólio estatal da violência. O aumento da impunidade,

como consequência, provoca um descrédito dos sujeitos com relação ao sistema de

justiça. Resulta que, enquanto uma pequena parcela da população pode optar pela

segurança privada, a outra recorre ao aumento da proteção perversa por traficantes ou à

resolução de conflitos por conta própria.


59

c) desigualdade social e segregação urbana: uma vez que a exclusão e

dominação das classes pauperizadas são inerentes ao modo de produção vigente, desde

há muito, a classe de trabalhadores urbanos pobres é vista como uma classe perigosa e

que deve ser alvo de controle social e repressão estatal. Essa segregação social, aliada

ao processo caótico de urbanização, rompe a coesão social e modifica a natureza da

violência nesses cenários. Passa então a se consolidar no ideário social a associação

mecânica entre pobreza e violência e, por consequência, a violência urbana torna-se

naturalizada, como se fosse um fenômeno constituinte da parcela pauperizada da

população.

Na literatura, historicamente se discute a respeito da associação entre a violência

e a dinâmica social. Abramovay et al. (2002) apontam que questões estruturais, como

pobreza, desemprego, desigualdades e democracia, são aspectos centrais no debate da

violência. Se hoje se pode dizer que a transição democrática favoreceu a ampliação da

participação política, isto não é verdade para a ampliação da justiça social. O hiato

provocado pelas desigualdades sociais continua sendo um grande desafio à preservação

dos direitos humanos para a maior parte da população brasileira. A desigualdade entre

as classes dominantes e a maioria da população – tanto no que diz respeito à renda e

riqueza, como a outros recursos simbólicos e de poder – possui estreita relação com a

violência interpessoal, que passa a atingir patamares alarmantes, principalmente nas

periferias de grandes centros urbanos, em que as instituições de controle social não

conseguem dar respostas adequadas à população. Diante da situação de desigualdade, as

relações humanas e seus conflitos passam a ser mediados pela violência, que passa a

fazer parte do cotidiano e da subjetividade dos indivíduos.

Caño e Santos (2007) defendem duas teorias que apoiam a existência da

associação entre a distribuição de renda e os índices de violência:


60

a) comportamentos racionais para a maximização de renda: como o emprego

formal não proporciona perspectivas de crescimento ao sujeito, a expectativa de altos

lucros os faz recorrer ao crime violento e;

b) hipótese da agressão-frustração: as expectativas frustradas pela falta de acesso

a bens de consumo e a direitos garantidos poderiam provocar a agressão como forma de

extravasar a frustração.

Ao ampliar esse espectro, essas ocorrências levariam a uma situação de anomia

social, marcada pela desagregação da vida comunitária e o desaparecimento dos espaços

públicos.

Para Melo (2010),

a violência seria também representada pela exclusão e desigualdades sociais


ou estaria a elas associada, ou seria explicada como violência estrutural
pela clássica relação entre capital e trabalho. Nas sociedades modernas, em
especial, destacam-se, por um lado, o desemprego estrutural ou diminuição
dos postos de trabalho resultante do desenvolvimento tecnológico e, por
outro, a horizontalização e flexibilização do trabalho. Por fim, cumpre
lembrar as análises relacionadas ao Estado, quando a violência poderia ser
explicada pela sua presença em excesso – um amplo leque que inclui desde
as políticas compensatórias do Wellfare State até as políticas repressivas e
belicosas do Estado autoritário – ou pela sua falta, como é o caso do
neoliberalismo, ou mesmo pela sua ineficiência, inadequação e/ou
deterioração ao lidar com o crime organizado. (p. 14)

Existe, então, fator fundamental que contribui para o aumento da associação

entre violência e as classes subalternizadas no Brasil. Trata-se da ineficácia das

instituições. O sistema de segurança pública, tido como um importante agente de

controle social, não tem dado provas de tratamento igualitário a todos os estratos

sociais. Apesar da eficácia da resistência à ditadura, ainda perduram certas práticas

herdadas desse período e inexiste um sistema de coerção por parte do Estado que seja

justo e que consiga garantir os direitos de todos de forma equânime.


61

Conforme discutem Pinheiro e Almeida (2006), várias práticas de execução e

tortura por parte de policiais passaram a ser comumente legitimadas nas comunidades

periféricas, tanto pela elite, como pelos pobres, que sofrem mais de perto com a

realidade da violência. A impunidade permanece, a violência policial é tida como

legítima e os agentes de segurança pública continuam a proteger os ricos dos pobres e

indesejáveis, tidos cada vez mais como uma classe perigosa. Ironicamente, o Estado –

principal defensor e garantidor de direitos – parece que não está a serviço de todos os

cidadãos.

A justiça criminal também tem caminhado nessa mesma direção. O sistema

judiciário tem se consolidado como uma instituição de repressão e criminalização das

classes pobres. Ao mesmo tempo, o alto índice de impunidade reflete na baixa

frequência com que as pessoas recorrem a ele, dando margem a outras formas de

resolução de conflitos – vide o narcotráfico, que se organiza a partir de leis de mercado,

mas funciona como um Estado paralelo, em que todo e qualquer conflito é resolvido por

meio da violência10. Pinheiro e Almeida (2006) destacam outra mostra de falência do

Estado com relação ao enfrentamento da violência: o serviço prisional, que funciona de

forma precaríssima em todo o país, com superlotações, infraestrutura precária,

administração arbitrária e opressora, que culmina em ameaças, torturas e homicídios,

sob o pretexto de restauração da ordem.

Não dá, portanto, para associar mecanicamente violência, pobreza e

criminalidade. Como discute Adorno (2002), o problema não está na pobreza, mas na

10
Conforme discutem Pinheiro e Almeida (2006), o Estado paralelo do tráfico (caracterizado por
fatores como toque de recolher, câmaras de tortura, pontos de desova de cadáveres, assassinato de
delatores e controle da comunidade) pode também ser chamado de Estado associado, visto que a criação
de quadrilhas e crime organizado nas comunidades, bem como a garantia do seu funcionamento só são
possíveis devido à conivência, cumplicidade ou omissão de diversos setores do Estado legal.
62

criminalização dos pobres, isto é, na atenção privilegiada das agências de controle social

contra as transgressões cometidas por cidadãos pobres. Até porque, apesar de a maioria

das pessoas que cometem delitos e são apanhadas pelo sistema ser originária das classes

pauperizadas, a maior parte dos cidadãos dessas classes são submetidos às mesmas

condições de vida e, apesar de não entrarem na criminalidade, são vistos com o mesmo

rótulo da periculosidade.

Tem-se então um conjunto de ações que deveriam estar a serviço da garantia dos

direitos da população e, além de deixarem de cumprir esse papel, muitas vezes se

apresentam como violadoras desses direitos. O Estado passa a favorecer a violência não

só por omissão, mas também por ação. E inúmeras são as famílias que enfrentam essa

realidade sem nenhuma rede de proteção. Cardia (2003) aponta que as relações dos

grupos sociais com as instituições de proteção social tendem a ser enfraquecidas nesse

cenário de graves violações de direitos, principalmente quando é forte a presença de

transgressões por parte dos próprios agentes institucionais.

Por outro lado, além das instituições de controle social – polícias e sistemas de

justiça e penitenciário – existe também o fracasso de medidas sociais que proporcionem

o acesso à educação, trabalho, redução das desigualdades, que poderiam ter um

importante papel na redução da violência. Diante das condições precárias de

subsistência, com famílias desestruturadas e parcas condições de moradia, alimentação,

educação e higiene básica, a violência torna-se um fato corriqueiro na vida das pessoas

e passa a ser um elemento incorporado ao seu modo de vida.

Apesar de a violência não estar restrita a determinados estratos sociais,

econômicos ou étnicos, as pesquisas mostram que ela se manifesta com maior

intensidade nesses grupos específicos. Peralva (2000) critica esta associação entre

pobreza, desigualdades e violência, por esta ser insuficiente no plano explicativo, mas
63

reconhece que os homicídios, principais fontes de mapeamento da violência, ocorrem

nas periferias pobres e não nos espaços mais abastados.

É notório que a inépcia de se consolidar um verdadeiro Estado democrático de

direito certamente reflete na criminalidade urbana e nos contextos de violência aqui

discutidos. No entanto, é preciso ter clareza de que esse fenômeno não constitui

condição sine qua non à classe pobre. As diversas formas de violência não são

necessariamente consequências diretas da pobreza. Trata-se, não de uma população que

tem potencial para desenvolver a violência – esta não é uma reação natural de pessoas

pobres – mas de uma população mais vulnerável aos impactos sociais provocados pela

distribuição desigual de renda e poder; estes sim, aspectos inerentes à sociedade atual,

caracterizada pelo modo de produção capitalista e sociedade neoliberal, com um modelo

de intervenção mínima do Estado.

Conforme discutido, não se quer reduzir a explicação do aumento da violência

exclusivamente a um modelo socioeconômico, mas analisar as consequências do

desenvolvimento desse modelo para a vida dos cidadãos, como uma das condições que

subjazem o seu recrudescimento. Sobre esse aspecto, Trassi e Malvasi (2010) discutem

que:

O resultado mais forte do neoliberalismo nas mentalidades é a


individualização do fracasso e a culpa por situações que são
macroestruturais, como o desemprego. O pensamento neoliberal separa, de
modo estanque, o econômico do social, ou seja, o crescimento econômico
deve acontecer a despeito da distribuição de bens, riquezas e educação. O
estado não deve mais se responsabilizar pela incapacidade dos inaptos. E
mais: tal pensamento separa o social do individual, criando um discurso e
uma mentalidade de que são os indivíduos que fracassam. Foi nesse cenário
que a violência urbana cresceu por todo o mundo. (p. 66)

Trata-se então de uma questão mais ampla, da ordem da justiça social, dentro de

um contexto neoliberal. Assim, o aumento da criminalidade não é consequência apenas

da pobreza e da desigualdade, mas dos conflitos institucionais mal resolvidos durante a


64

transição para a democracia e consolidação do neoliberalismo, que acabam por

fragilizar o impacto das ações de aperfeiçoamento dos serviços de garantia de direitos

da população.

Defende-se aqui que a solução para o enfrentamento da violência não consiste

somente em fortalecimento das políticas repressivas, mas sim em maior investimento

nos níveis de prevenção primária. É necessário efetivar políticas e ações que sejam

capazes de prevenir graves violações de direitos humanos. Como bem discutem Krug et

al. (2002), uma resposta eficaz à violência não deve somente proteger e apoiar suas

vítimas, mas promover a não-violência e principalmente buscar modificar as condições

que a originam. A consolidação de um real Estado democrático implica em uma redução

do abismo existente entre os direitos políticos e os sociais, além da conservação das

garantias fundamentais da pessoa humana (Adorno, 2002). A superação da violência

exige, além do reconhecimento desses direitos, a implantação de ações que possibilitem

novas formas de interação no espaço público, nas quais a intolerância à violência faça

parte do repertório social como aspecto central.

2.3 – Criminalização da juventude pobre

“Eu sou culpado pelo crime de ser portador da minha cara”


Jovem anônimo

É sabido que a realidade da violência na periferia tem atingido sobremaneira as

pessoas da faixa etária juvenil. É verdade também que a repercussão das diversas

expressões de violência ganha mais destaque quando se fala desse grupo etário

específico. Principalmente quando se trata da sua atuação como perpetradores, seja

agindo em gangues ou individualmente, nos mais diversos espaços sociais. Os meios de

comunicação por vezes escandalizam e reafirmam no imaginário social o mito do jovem

pobre como naturalmente violento. Se há uma associação mecânica entre pobreza e


65

periculosidade, essa concepção se consolida ainda mais quando se fala dos jovens

pertencentes às classes subalternizadas.

Por outro lado, sabe-se que historicamente no Brasil os índices de homicídios

cometidos contra jovens têm sido significativamente mais elevados quando comparados

a outras faixas etárias. Isto é, os jovens pobres têm sido o segmento mais vitimizado

com relação a essa expressão da violência. Vale salientar que os homicídios

representam apenas a ponta do iceberg da violência presente na vida desses jovens.

Krug et al. (2002) informam que alguns estudos acerca da violência não fatal revelam

que, para cada homicídio nessa população, cerca de 20 a 40 jovens são vitimizados e

procuram apoio médico-hospitalar. Nesses números estão excluídas ainda aquelas

expressões de violência que não chegam às instituições e não são contabilizadas.

Ao mesmo tempo, também são os jovens que predominam na população

carcerária. Ou seja, correspondem ao grupo que mais é capturado pela segurança

pública devido a atos delituosos.

Considerando que, de acordo com Pinheiro e Almeida (2006), a contravenção

mais praticada pelos jovens é relacionada a crimes contra o patrimônio e ao mesmo

tempo a sua vitimização fatal é maior do que a sua autoria em homicídios, percebe-se

que há algo errado no enfoque dado aos jovens em contextos de violência.

Sem correr o risco de cair no extremismo, reconhece-se que os jovens se

envolvem sim em práticas delituosas, mas vale chamar atenção para o fato de que a

questão central de debate não deve ser a sua criminalização, mas sim a compreensão dos

fatores de risco que perpassam a juventude pobre, para que assim se possam construir

alternativas à violência.

Fatores de risco como participação em lutas físicas, fácil acesso a armas de fogo

e comportamentos agressivos são muito presentes em contextos onde há escassez ou


66

ausência do Estado. Nesses lugares, a carreira criminal e o narcotráfico se apresentam

como alternativas viáveis à afirmação desses jovens e a utilização de armas e prática de

violência passa a ser o único meio de se fazer escutar (Pinheiro & Almeida, 2006). A

comunidade em que os jovens se desenvolvem possui uma forte influência sobre seus

comportamentos e os dos seus grupos. Assim, os jovens que residem em locais com

altos índices de criminalidade têm maior chance de se envolverem em atos violentos do

que os que vivem em outros locais.

Os fatores de risco juvenil para o envolvimento em práticas violentas mostram,

então, que é preciso o somatório de múltiplos esforços para que se consiga reduzir

verdadeiramente a violência na juventude. As ações devem ser plurais. Não existe um

método único que seja capaz, ele mesmo, de enfrentar essa problemática. É preciso uma

variedade de abordagens simultâneas, que partam do pressuposto que é possível resgatar

o capital social11 da juventude nas comunidades e construir uma sociedade menos

violadora de direitos e com mais possibilidades de proliferação da não-violência.

Capítulo 3 – Eixo políticas para juventude

“É hora de acordar a fim de unir forças com outros jovens do


mundo e, movidos pela rebeldia peculiar do “Ser Jovem”,
avancemos para a tão sonhada transformação social.
Globalizemos a luta! Globalizemos a esperança!”
Jovem anônimo

Resgatar a temática da preocupação social e estatal com a juventude a partir de

momentos históricos distintos do atual implica remeter a um período em que essa

11
De acordo com Krug et al. (2002), “o capital social refere-se a regras, normas, obrigações,
reciprocidade e confiança existentes nas relações sociais e instituições. Os jovens que moram em locais
onde o capital social está ausente tendem a ter um baixo desempenho escolar e uma maior probabilidade
de abandonar tudo” (p. 36).
67

categoria sequer existia no imaginário social enquanto grupo distinto e com

características específicas. Tal resgate faz-se necessário, visto que a concepção que se

tem hoje acerca das juventudes – e que embasa as ações voltadas para os jovens – é

decorrente de um longo processo histórico, permeado por diversos marcos políticos,

sociais, econômicos, normativos e legais, tanto em âmbito nacional, como internacional.

Antes da reflexão minuciosa acerca desse percurso, cabe perguntar-se: será a

prática das ações estatais e da sociedade civil condizente com seu discurso ao longo dos

anos? A juventude aparecer como pauta na agenda política implica em uma efetiva

transformação na vida desses jovens? Qual o papel da sociedade civil nesse processo do

debruçar-se sobre as juventudes?

3.1 – Entre discursos e práticas

“Não há nada que dê mais protagonismo juvenil do que estar


com uma AR-15 no
ombro.”
Mary Garcia Castro

Em um período de efervescência intelectual e política acerca das problemáticas

que perpassam a juventude, diversos são os documentos em que ela aparece

explicitamente como alvo de diretrizes e perspectivas de atuação. O processo histórico

que resulta nesse momento remete a iniciativas que surgem a partir de meados da

década de 1960, em que se tem, pela primeira vez, a elaboração de um documento

explicitamente dirigido à juventude12.

12
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, apresenta-se como o primeiro
instrumento de abrangência internacional que versa de forma ampla acerca da garantia plena de direitos
fundamentais nos quais estão inclusas diversas faixas etárias. Deste modo, implicitamente, os jovens
também estariam contemplados nesse documento. No entanto, como ainda não havia discussões em
âmbito mundial acerca da juventude como um grupo específico, não se observa uma preocupação em
68

Nesse período, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclama a

Declaração Sobre o Fomento entre a Juventude dos Ideais de Paz, Respeito Mútuo e

Compreensão entre os Povos. Dado o contexto da época, tal declaração constituiu um

documento que, mesmo sendo dirigido aos jovens, representava na verdade a vontade

política de fortalecimento da colaboração internacional pela paz, em detrimento da

incitação à guerra. Desta forma, praticamente não teve implicações reais nas

necessidades da juventude da época.

Somente vinte anos mais tarde, a pauta da juventude passa a ter maior

visibilidade internacional (Silva & Andrade, 2009). Em 1985, a Assembleia Geral da

ONU, por meio da Resolução 40/14, declarou o Ano Internacional da Juventude, no

qual foi elaborado o documento Guidelines for further planning and suitable

development in the field of youth, que define referenciais para os países construírem

uma política de juventude focada nas temáticas de participação, desenvolvimento e paz.

No 10º aniversário do Ano da Juventude, a ONU adota o Programa Mundial de

Ação para a Juventude (PMAJ) e estabelece uma estratégia global, com diretrizes e

ações nacionais e internacionais destinadas aos Estados-Membros, para que estes

pudessem enfrentar os desafios provenientes da juventude (Silva & Andrade, 2009).

Nesse período, outras formas de organização internacional se delineavam em

torno da temática da juventude. Ainda em 1987, o Instituto da Juventude da Espanha

convocou a Conferência Intergovernamental sobre Políticas de Juventude na Ibero-

América, que deu início à realização de reuniões anuais dos países participantes,

visando abranger o conhecimento mútuo acerca da situação da juventude nas diferentes

referenciar explicitamente esta categoria, o que acaba por gerar certa invisibilidade da juventude na
implementação desse e de outros tratados.
69

nações. Nessas reuniões, articulou-se a criação da Organização Iberoamericana de

Juventude (OIJ)13, um organismo internacional de caráter governamental, que possui

atualmente vinte e um países membros – dentre eles, o Brasil – e que foi criado em

1992, na VI Conferência Iberoamericana de Ministros da Juventude.

Conforme apontam Silva e Andrade (2009), em 1998, a I Conferência Mundial

de Ministros Responsáveis pelos Jovens adota a Declaração de Lisboa sobre a

Juventude, com o objetivo de fortalecer o intercâmbio das melhores ações voltadas para

a juventude nos diferentes países, a fim de aprimorar a elaboração, execução e avaliação

das políticas nacionais, através das experiências exitosas em outros países.

Nesse mesmo ano, o Fórum Mundial de Juventude do Sistema das Nações

Unidas estabelece o Plano de Ação de Braga, que apresenta uma concepção positiva da

juventude, apontando que os jovens são potenciais colaboradores na promoção dos

direitos humanos e no progresso e desenvolvimento social das nações. Pela primeira

vez, um documento aborda a representação social da juventude a partir de uma ótica

progressista, que deixa de enfocar nos desafios decorrentes das suas problemáticas para

priorizar as possibilidades e potencialidades dos jovens. Sobre esse aspecto, vale

retomar a discussão do mito da periculosidade. O mito – já abordado em capítulo

anterior – sobre a condição inerentemente problemática do jovem influencia diretamente

nas diretrizes das políticas da juventude, bem como é alimentado por elas.

Spósito e Carrano (2007) apontam que:

Problemas reais, identificados principalmente na área da saúde, da


segurança pública, do trabalho e do emprego, dão a materialidade imediata
para se pensar as políticas de juventude sob a égide dos problemas sociais a

13
De acordo com Silva & Andrade (2009), atualmente, a OIJ é a única organização
governamental de juventude que possui caráter internacional e conta com a participação de 21 países-
membros da Ibero-América.
70

serem combatidos. Nesse processo é possível reconhecer que, em muitas


formulações, a própria condição juvenil se apresenta como um elemento
problemático em si mesmo, requerendo, portanto, estratégias de
enfrentamento dos “problemas da juventude”. Isso se expressa, por
exemplo, na criação de programas esportivos, culturais e de trabalho
orientados para o controle social do tempo livre dos jovens, destinados
especialmente aos moradores dos bairros periféricos das grandes cidades
brasileiras (p. 187).

Tem-se, então, uma via de mão dupla, em que as ações não somente sofrem

influência de uma representação normativa corrente da faixa etária jovem; o caminho

oposto também pode acontecer, isto é, as políticas de juventude podem moldar as

imagens dominantes da representação social desse segmento. Assim, para que haja uma

mudança de paradigma a respeito desse grupo, faz-se mister também uma transformação

na perspectiva adotada nas políticas de juventude e vice-versa.

Na última década, observa-se que essa mudança tem-se feito cada vez mais

presente, ainda que seja em nível normativo. De acordo com Silva e Andrade (2009),

em outubro de 2005, os países participantes da Convenção Ibero-Americana de Direitos

da Juventude declararam que os jovens são atores de transformação social e de

mudança, reconhecendo essa fase com uma essência própria no processo de

desenvolvimento pessoal, que deve ser vivida de forma plena, possibilitando aos jovens

o exercício integral dos seus direitos.

Não obstante a conjuntura internacional cada vez mais imersa nas questões da

juventude, o Estado brasileiro demorou razoavelmente a destinar sua preocupação para

essa temática (Kerbauy, 2005). Diferentemente de outros países na América Latina, que,

já na década de 1990, implementaram ações e pautaram em agenda nacional as questões

da juventude – principalmente a partir dos eventos e documentos organizados pela OIJ

– os esforços internacionais voltados para as políticas da juventude tiveram pouca ou

nenhuma repercussão no Brasil (Spósito & Carrano, 2007).


71

Nesse período, com o recente contexto de redemocratização e a promulgação da

Constituição Federal de 1988, o país estava direcionado à busca pela garantia de direitos

fundamentais de uma forma geral.

É válido salientar que, apesar de não haver uma política de juventude no Brasil

nesse período, vários jovens se inseriram em movimentos sociais organizados. Guiados

e influenciados pelas elites adultas do país, foram às ruas no Movimento das Diretas Já

e, poucos anos depois, com a cara pintada, no movimento em prol do impeachment do

presidente Fernando Collor de Mello (1992). À exceção desses dois momentos, as

demais vezes que os jovens eram alvo de atenção estavam relacionadas às notícias de

jornal sobre tráfico de drogas, gangues, ocorrências policiais ou outros episódios nessa

direção.

À época, somente um grupo específico ganhara de fato uma boa visibilidade no

que se refere à garantia de direitos. Com a promulgação da Lei nº 8069/90 – Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA), as crianças e os adolescentes passaram a ser vistos –

no marco normativo – a partir de uma nova perspectiva. Em vez de menores, passaram a

ser sujeitos de direitos, que deviam ser vistos com prioridade absoluta em todas as

ações, tanto do Estado como da sociedade, a partir da perspectiva da proteção integral.

A referida lei abrange direitos e garantias a pessoas até 18 anos incompletos.

Assim, nesse contexto de implementação do ECA, a visibilidade dos jovens se reduzia

aos adolescentes. Quem tivesse idade a partir de 18 anos não era contemplado nas

prerrogativas do ECA. Vale salientar que, o único espaço em que é abordada a faixa

etária acima de 18 anos nesta lei, refere-se à idade máxima para o cumprimento da

medida socioeducativa de internação para aqueles que cometeram ato infracional – que

pode se estender até os 21 anos. Desta forma, além da ausência de previsão de garantia

de direitos aos jovens acima de 18 anos, ainda são previstas sanções, o que demonstra a
72

falta de visibilidade da juventude como um grupo específico que também é sujeito de

direitos e também necessita de proteção integral. Tal fato acaba por reforçar o caráter

repressivo e coercitivo das ações do Estado perante os jovens.

Sobre esse desenvolvimento das políticas no Brasil, Rua (1998) discute que:

(...) as políticas públicas se destinam a solucionar problemas políticos, que


são as demandas que lograram ser incluídas na agenda governamental.
Enquanto essa inclusão não ocorre, o que se tem são “estados de coisas”:
situações mais ou menos prolongadas de incômodo, injustiça, insatisfação
ou perigo, que atingem grupos mais ou menos amplos da sociedade sem,
todavia, chegar a compor a agenda governamental ou mobilizar as
autoridades políticas. (p. 732).

Desta forma, somente quando conseguem chegar à agenda pública, assumindo a

condição de problemas de natureza política, é que os fenômenos sociais abandonam o

“estado de coisas”. Rua (1998) aponta ainda que as políticas de juventude na década de

1990 ainda se enquadram nessa denominação:

Na realidade, os jovens são abrangidos por políticas sociais destinadas a


todas as demais faixas etárias, não sendo orientadas por concepções claras e
definidas de que elas representam o futuro, não apenas do ponto de vista do
investimento econômico feito pela sociedade e dos seus dividendos mais
imediatos, como também sob a perspectiva de que serão esses indivíduos os
responsáveis pela educação e formação e de hábitos e atitudes vindouras.
Assim, embora grande parte das dificuldades vivenciadas pelos jovens
constitua situações evitáveis mediante a oferta de serviços de saúde e
segurança de boa qualidade, de educação eficaz e planejamento competente
quanto à absorção ocupacional e a geração de renda, os dados aqui
explorados indicam que as ações existentes vêm sendo insuficientes, seja
para proteger os jovens, seja para proporcionar-lhes melhores oportunidades
futuras. Portanto, as situações constatadas indicam que as demandas por
políticas públicas para a juventude permanecem como estado de coisas,
precariamente resolvidos no âmbito de políticas destinadas a um público
mais amplo – com o qual os jovens têm que competir pelo espaço de
atendimento – sem chegar a se apresentar especificamente como problemas
políticos. (pp. 738-739).

A formulação das políticas de juventude deve, então, partir de demandas, para

que o “estado de coisas” passe a ser um “problema político” e apareça como prioridade

na agenda estatal. Para tanto, faz-se necessária uma mobilização política de diversos
73

atores estrategicamente organizados. O reconhecimento dos problemas sociais que se

transformam em demandas juvenis deve estar inerente ao campo das políticas de

juventudes (Novaes & Ribeiro, 2010). Nesse processo, deve-se buscar ultrapassar a

fronteira das intenções previstas na sua formulação, para dar um passo adiante e chegar

à fase da sua real implementação. O Brasil ainda não havia chegado a essa etapa.

No entanto, apesar da ausência de articulação política em torno da juventude,

nessa década, alguns acontecimentos fizeram a sociedade brasileira voltar os olhos para

os seus jovens. Em 1997, o assassinato do índio Pataxó por cinco jovens de classe

média em Brasília/DF, bem como as diversas e sérias rebeliões que estavam

despontando em diferentes unidades de internação de adolescentes, foram

acontecimentos que culminaram em um alerta ao Estado e à sociedade de que era

preciso agir.

Assim, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), começa-

se a observar uma tímida tentativa de intervenção estatal nas problemáticas da juventude

– que, conforme discutido, não se pode chamar de políticas de juventude. Associado a

isso, começam a surgir várias Organizações Não Governamentais (ONGs) destinadas ao

público jovem, que estabeleciam parcerias com os diversos níveis de governo. Tais

parcerias estavam focadas nos jovens em condição de “risco social”, em que se

reafirmava a concepção da juventude como problemática per si e se focava em

estratégias de enfrentamento desses problemas.

Foram implementadas diversas ações pontuais, de curta duração, baseadas na

associação entre a juventude brasileira e a violência, que ganhava espaço nas notícias de

jornal. E não poderia ser diferente. Conforme Spósito et al. (2007), durante esse

período, pouco se produziu sobre a situação da juventude brasileira que servisse para

embasar ações consistentes voltadas para a real situação dos jovens em seus diversos
74

contextos de um país continental. Desta forma, predominavam ações voltadas para a

inserção laboral dos jovens “excluídos” (Gonzalez, 2009). Ações essas falidas em sua

essência, visto que além de não serem focadas de fato na profissionalização – o

principal objetivo era retirar os jovens pobres da ociosidade – careciam de uma política

estruturante que as consolidasse e tivesse real impacto sobre os índices de desemprego

juvenil. Essa é uma realidade que perdura até hoje, mesmo com todos os avanços na

ótica das ações voltadas para a juventude. O ócio ainda é visto como um problema e

como um potencializador para a violência e para comportamentos ditos de risco.

Conforme aponta Gonzalez (2009), tratava-se então de uma formação profissional

apenas compensatória, dada a elevada taxa de desemprego que predominava no Brasil à

época da consolidação do neoliberalismo.

Vale salientar que muitas ONGs que atuavam nesse período ainda permanecem

com suas ações em diversas comunidades, com enfoque não só na profissionalização,

mas abrangendo outras esferas da vida dos jovens, como educação, saúde, serviços

socioassistenciais, dentre outros. O debate em torno da função da sociedade civil nas

políticas sociais, não só no que diz respeito à sua atuação com os jovens, nos remete a

uma discussão contextualizada no modelo neoliberal. É válido dedicar algumas linhas a

refletir acerca dessa conjuntura, visto que grande parte das instituições que são alvo

desse estudo compõem o chamado “terceiro setor”14.

De acordo com Montaño (2001), o modelo neoliberal prega a “des-

responsabilização” do Estado em intervenções nas respostas às sequelas da “questão

social”, gerando uma nova modalidade de resposta, que acaba por enfraquecer as

14
Utiliza-se aqui a concepção de “terceiro setor” adotada por Coelho (2002), isto é, todos os
movimentos sociais e organizações privadas, sem fins lucrativos, que objetivam a produção de um bem da
coletividade e que apresentam um caráter estruturado e autogovernado.
75

condições das políticas sociais enquanto um direito da população. Associado a um

modelo no qual o Estado é o responsável por gerenciar e executar as ações destinadas à

garantia de direitos fundamentais, surge uma modalidade polimórfica de respostas às

necessidades individuais, constituindo-se não como um direito, mas como uma

atividade filantrópica/voluntária ou um serviço comercializável proporcional ao poder

de compra da pessoa que necessita do serviço.

Ocorre uma re-funcionalização das respostas neoliberais aos reflexos da

“questão social” (Yamamoto, 2007), que agora passa a ser vista como objeto de

filantropia cuja solução está ligada à ação de ONGs, igrejas, comunidades e sociedade

civil, cabendo ao Estado intervir somente nos problemas sociais que põem em risco a

ordem social vigente.

Tal redirecionamento da responsabilidade com a “questão social” ocasiona dois

processos agregados: a precarização e a privatização dos serviços. A precarização

ocorre devido à focalização dos serviços e à descentralização das ações, que passam a

ser executadas por diferentes instituições de direito privado (seja com fins públicos ou

não). Já a privatização dos serviços segue dois caminhos: a re-mercantilização (em que

as políticas sociais surgem como um meio de obtenção de lucro) e a re-filantropização

(em que a sociedade civil passa a promover serviços de utilidade pública). Como os

amplos setores da população ficam descobertos pela assistência do Estado, não tendo

condições de acesso a serviços privados, transfere-se ao âmbito da sociedade civil parte

da responsabilidade pela oferta de práticas voluntárias e filantrópicas (Montaño, 2001).

É nesse contexto que surge o “terceiro setor”.

As principais críticas a esse modus operandi residem na fragmentação e

parcialização dos serviços prestados, no sentido de que várias instituições seguem o

mesmo padrão das políticas públicas, atendendo a demandas específicas e sem interação
76

umas com as outras. Outro aspecto refere-se ao fato de que os serviços apresentam-se

muitas vezes como paliativos diante da grande problemática que envolve a população

subalternizada, tendo, por vezes, um caráter assistencialista e imediatista, no sentido de

atender à demanda vigente, executando ações em curto prazo:

O que se observa no campo do “terceiro setor” é que, não obstante a grande


quantidade de recursos que circula nesse campo, a maioria das instituições
funciona em condições precárias, com recursos escassos e sem garantia de
continuidade de suas ações. E com a redução dos gastos com o social, é o
“terceiro setor” quem deve se responsabilizar em angariar recursos para as
demandas sociais (Paiva & Yamamoto, 2011, p. 29).

Vale salientar que, embora visem um serviço de caráter público, essas instâncias

teoricamente não pretendem substituir o Estado em suas funções (Coelho, 2002). No

entanto, o que se observa é que o crescente surgimento de organizações do “terceiro

setor” acaba influenciando a isenção da responsabilidade do Estado com a “questão

social”, uma vez que este passa, convenientemente, a não se ver na obrigação de

desenvolver políticas que apresentem um caráter realmente comprometido com a

minimização das sequelas da “questão social”, como por exemplo, o desenvolvimento

de políticas que tenham efeitos em médio e longo prazo.

Obviamente, a tomada de responsabilização do Estado no tocante às políticas

sociais não exclui a participação da sociedade em sua proposição. O que se defende aqui

é que a execução de políticas e programas é de responsabilidade do Estado, mas, faz-se

mister um controle social e uma interlocução com a sociedade, a fim de aprimorar as

ações e adaptar as políticas aos diversos contextos, considerando a diversidade dos

espaços e buscando a integração com outras políticas.

Retomando a discussão das ações fragmentadas e parcializadas voltadas à

juventude, características da década de 1990, dois conceitos-chave relacionados aos

jovens se consolidaram nos discursos do governo e da sociedade civil durante esse


77

período: jovens em situação de “risco social” e “protagonismo juvenil” (Novaes, 2007).

As ações desenvolvidas, carentes de articulação e de maturidade política, tinham uma

abordagem apoiada no discurso de pagamento da dívida social (Teles & Freitas, 2008).

Analisando criticamente, a situação de “risco social” em que os jovens se encontravam

não configurava uma característica inerente à juventude. Tratava-se muito mais dos

problemas advindos da pobreza. Como afirma Spósito (2003), as problemáticas

relacionadas à ausência de políticas de saúde, de segurança pública, emprego e trabalho

fortaleceram a concepção de se pensar ações de juventude a partir da ótica dos

problemas sociais a serem enfrentados.

Assim, o fator de sucesso de um programa social era fornecer aos jovens a

oportunidade de reação aos fatores de risco presentes nos contextos em que estavam

inseridos (Dowdney, 2008). Passou-se então a valorizar o que se convencionou chamar

de “protagonismo juvenil”. Trata-se de um conceito controverso, mas que esteve – e

ainda está – bastante presente tanto no discurso quanto no planejamento das ações de

juventude. O surgimento da ideia de protagonismo buscou valorizar o jovem como

membro do capital social da nação. De acordo com Castro (2002), este é um conceito

que possui um valor simbólico que deve ser discutido a partir da sua formulação em

práticas e que favorece o desenvolvimento da autoestima e do reconhecimento do jovem

enquanto sujeito da sua própria história. Para Dayrell e Carrano (2003), falar em

protagonismo juvenil significa tornar os jovens parceiros na proposição de ações que

potencializem as experiências de vida que eles já trazem. Trata-se de uma concepção

bastante positiva, ao passo que os sujeitos-alvo ganham espaço relevante na construção

das políticas, que passam a ser de/para/com as juventudes.

No entanto, conforme discutem Belluzzo e Victorino (2004), isso não tem

acontecido na prática, visto que os programas não chegam a conceber seus beneficiários
78

como sujeitos de ação e a promoção da cidadania somente tem se dado no interior dos

programas sociais, de forma pontual e desestruturada, muitas vezes associando-se

somente à ideia de voluntariado.

Ainda acerca do protagonismo juvenil, Spósito (2003) aponta que:

Essa expressão buscou identificar um modo diverso de trabalho com a


população destinatária dos programas sociais, de modo a trazê-las para uma
condição diferente da de mero usuário. No entanto, parece obscurecida a
questão fundamental que está na origem de qualquer formulação de projetos
para a juventude, ou seja, o modo como se concebe a participação dos
jovens e o reconhecimento de sua capacidade de ação, individual ou
coletiva. (p. 31).

Desta forma, o termo protagonismo juvenil tem servido para reforçar o caráter

meramente instrumental das políticas e, por vezes, tem obscurecido a luta pelo

reconhecimento dos demais direitos da juventude, que vão bem além da busca pela

participação ativa na sociedade. Spósito (2003) coloca ainda que, apesar dos avanços:

Sob o ponto de vista do Poder Público, apesar de estratégias e práticas


inovadoras, sobretudo aquelas que envolvem a participação juvenil e o
reconhecimento de sua capacidade como atores coletivos, a maioria das
ações dos municípios ainda assume feições compensatórias e se identificam
com o denominado “risco social” ou buscam atenuar a exclusão social em
conjunturas neoliberais. (p. 34)

Cara & Gauto (2007) discutem que a concepção de protagonismo juvenil

provoca uma contradição estrutural, em que, ao mesmo tempo em que as ações

comunitárias têm levado pouquíssimos benefícios aos jovens – acabando por

desestimular a sua participação social – aqueles que não tiverem oportunidade de acesso

à participação, ou mesmo os que não querem esse espaço, acabam alijados das ações,

que são estruturadas a partir dessa abordagem. Desta forma, tem-se que o protagonismo

juvenil teve seu sentido político deslocado. Em vez de servir como estímulo à

emancipação política e ao empoderamento dos jovens em busca dos seus direitos, acaba

somente reproduzindo um discurso que foi imposto a partir do modelo no qual as ações
79

vêm sendo construídas e que está longe da prática de participação ativa nas

transformações sociais. Como bem reflete Castro (2002), é necessária a construção de

um “antagonismo juvenil”, em que se questione, critique e subverta essa forma de se

pensar as ações voltadas para a juventude.

No âmago dessas reflexões, começam a se a desenvolver ações voltadas para a

juventude e a partir dos anos 2000 observa-se um avanço e uma reconfiguração da

preocupação da sociedade e do Estado com esse segmento. Desta forma, faz-se mister

traçar detalhadamente quais mudanças aconteceram com relação às respostas das

demandas juvenis e que culminaram na estrutura que se tem hoje no Brasil.

3.2 – A Política Nacional de Juventude e o Programa de Inclusão de Jovens

“Nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça é


falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais
insuficientes de oportunidade nesta nação.”
Martin Luther King

A perspectiva de inclusão dos jovens na agenda pública brasileira sofreu uma

série de reconfigurações ao longo dos anos. Conforme já discutido, durante a década de

1990, diferentemente dos outros países da América Latina, no Brasil não havia uma

gama de políticas voltadas para a juventude e suas especificidades. A carência de um

coletivo organizado para se pensar política de juventude faz emergir um conjunto

diversificado de ações que, se por um lado, reforçam a inventividade e criatividade nos

diferentes espaços em que são implantados, por outro, acaba por consolidar ações

fragmentadas e com pouco impacto na vida dos jovens. (Spósito & Carrano, 2007).

Além de pontuais, as ações muitas vezes se sobrepunham em seus objetivos e público-

alvo.

Entre 1995 e 1998, se tem registro de apenas seis programas que atingiam o

público jovem. Esse número aumenta substancialmente no período de 1999 para 2002,
80

15
chegando a dezoito programas nacionais distribuídos em diversos ministérios . No

entanto, apesar da quantidade, tais ações eram marcadas por um foco difuso e

incidental. Havia uma crescente elaboração de programas voltados indistintamente para

crianças, adolescentes e jovens, o que reflete uma carência de acúmulo teórico dos

órgãos do governo federal sobre as distinções das necessidades e demandas desses

grupos etários. Spósito e Carrano (2007) discutem que:

“As ações desarticuladas e a superposição de projetos com objetivos,


clientela e área geográfica de atuação comuns, exprimem a frágil
institucionalidade das políticas federais de juventude. As diferenças de
concepções, longe de significarem a pluralidade dos que dialogam, revelam
a incomunicabilidade no interior da máquina administrativa.” (p. 202)

Dependendo do espaço governamental em que surgem, as ações apresentam

sentidos políticos e sociais diferentes, ora focando na assistência e inclusão dos jovens

carentes, ora apresentando um caráter profilático por meio de medidas pretensamente

saneadoras da violência. Sobre esse aspecto desarticulado das ações voltadas para a

juventude Corrochano et. al (2008) referem que:

As iniciativas dirigidas às juventudes reproduzem inúmeros problemas da


área social: a escassez de recursos, o desenvolvimento de programas
focalizados em detrimento de propostas estruturais, a pouca articulação
entre os vários setores da gestão pública etc. Portanto, vale ressaltar que os
dilemas que caracterizam os programas voltados para os jovens não
divergem dos dilemas do conjunto dos programas sociais que compõem as
ações sociais dos governos. (p. 61)

15
Ministério da Educação: Programa de Estudantes em Convênio de Graduação (PEC-G),
Projeto Escola Jovem; Ministério do Esporte e Turismo: Jogos da Juventude, Olimpíadas Colegiais,
Projeto Navegar; Ministério da Justiça: Serviço Civil Voluntário, Programa de Reinserção Social do
Adolescente em Conflito com a Lei, Promoção de Direitos de Mulheres Jovens Vulneráveis ao Abuso
Sexual e à Exploração Sexual Comercial no Brasil; Ministério da Saúde: Programa de Saúde do
Adolescente e do Jovem; Ministério do Trabalho e Emprego: Jovem Empreendedor; Ministério da
Assistência e Previdência Social: Centros da Juventude, Agente Jovem de Desenvolvimento Social e
Humano; Ministério da Ciência e Tecnologia: Prêmio Jovem Cientista, Prêmio Jovem Cientista do
Futuro; Presidência da República: Comunidade Solidária, Programa Capacitação Solidária, Rede Jovem;
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: Brasil em Ação/Grupo Juventude.
81

Percebe-se então a necessidade iminente de se construir ações a partir de uma

perspectiva mais coesa, que possa contemplar as demandas da juventude de forma mais

abrangente e articulada, ampliando a integração entre os programas e destes com as

políticas estruturantes16.

Diante desse contexto, a partir de 2004, aconteceram algumas ações concretas

que iniciaram a construção de uma Política Nacional de Juventude na agenda pública.

Os jovens cada vez mais passam a se inserir nos movimentos sociais, que reivindicam

ativamente o seu reconhecimento enquanto sujeitos de direitos, definidos por suas

necessidades e não por suas incompletudes. As interações entre governo e sociedade

civil, a partir do desafio de elaborar políticas que não só reduzissem os índices de

vulnerabilidade social, mas que favorecessem a sua inserção e aumentassem as

oportunidades, deram espaço para alguns avanços: o Grupo Interministerial ligado à

Secretaria-Geral da Presidência da República realizou um diagnóstico das condições de

vida dos jovens e das ações voltadas para a juventude; o Projeto Juventude concretizou

uma pesquisa nacional que visava traçar o perfil da juventude brasileira; a comissão

especial de juventude da Câmara dos Deputados organizou a I Conferência Nacional de

Juventude.

Além dessas ações, no âmbito normativo, estão em tramitação até hoje dois

projetos de lei que versam sobre os direitos da juventude: O Estatuto de Direitos da

16
Novaes, Cara, Silva e Papa (2006) fazem uma divisão das políticas voltadas para a juventude
em três categorias: a) Políticas Estruturais: ações continuadas, que objetivam a garantia de direitos
fundamentais, como aumento do acesso a níveis mais elevados de ensino, por meio da educação do
campo e expansão da Educação de Jovens e Adultos; b) Programas: iniciativas governamentais
específicas, subordinadas ou não às anteriores, que possuem prazo determinado para atuar sobre
determinada realidade, como a Escola Aberta e o ProJovem; c) Ações: ações de curto prazo ou para
determinado público, que articulam-se ou não com as políticas e programas, tais como o Consórcio
Nacional de Juventude e os Pontos de Cultura. Além das iniciativas governamentais, as ações da
sociedade civil também podem ser consideradas como integrantes da política de juventude.
82

Juventude – PL nº 27/2007 e o Plano Nacional de Juventude – PL nº 4.530/2004, além

de duas Propostas de Emenda Constitucional: a PEC da Juventude nº 138/2003, que se

refere à prioridade no atendimento à saúde, alimentação, educação, lazer,

profissionalização e cultura, já previstos como garantia constitucional a crianças e

adolescentes e a PEC nº 394/2005, que versa sobre a inclusão do termo “jovem” no

Capítulo VII e dá nova redação ao Art. 227 da CF/1988. Todas essas ações começam a

refletir uma reconfiguração no cenário nacional acerca das políticas de juventude.

De acordo com Silva e Andrade (2009), o Grupo Interministerial elencou nove

desafios que deveriam ser contemplados na Política Nacional de Juventude. São eles:

 Ampliar o acesso e a permanência na escola de qualidade.

 Erradicar o analfabetismo entre os jovens.

 Preparar para o mundo do trabalho.

 Gerar trabalho e renda.

 Promover vida saudável.

 Democratizar o acesso ao esporte, ao lazer, à cultura e à tecnologia da

informação.

 Promover os direitos humanos e as políticas afirmativas.

 Estimular a cidadania e a participação social.

 Melhorar a qualidade de vida dos jovens no meio rural e nas

comunidades tradicionais.

Tais recomendações, para que fossem atendidas, precisariam de esforços

integrados em curto, médio e longo prazo. Assim, além de elencar tais necessidades, o

Grupo propôs a implementação de uma ação de caráter emergencial, que pudesse

estabelecer um diálogo com a dívida social do Brasil.


83

Vale salientar que ocupar esses espaços e fomentar essas discussões no nível da

agenda pública é a forma mais eficiente de inserção da sociedade civil nas ações do

Estado, visto que, além de não substituir o seu papel por meio de ações isoladas, ainda

consegue se constituir como um ator estratégico na participação e no controle social das

políticas, por meio de espaços de gestão participativa e de proposição de ações.

Nesse contexto, surgem, em 2005, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o

Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) e o Programa Nacional de Inclusão de

Jovens (ProJovem).

À SNJ, órgão de caráter governamental vinculado à Secretaria-Geral da

Presidência da República, cabe a missão de articular as políticas e ações existentes no

âmbito da juventude, apresentando-se como uma estratégia de prevenção e

enfrentamento da violência e de garantia de direitos básicos e universais, através do

monitoramento de programas e das ações voltadas para a juventude. Suas atribuições

são supervisionar, coordenar e integrar as políticas; articular, promover e executar

programas em cooperação com instituições nacionais e internacionais, governamentais e

não governamentais, além de desempenhar o Secretariado Executivo do CONJUVE.

O CONJUVE é um órgão de natureza consultiva, composto por 1/3 de

representantes do poder público e 2/3 da sociedade civil. Suas atribuições são formular e

propor diretrizes da ação governamental relacionadas às políticas de juventude e

fomentar estudos e pesquisas acerca das condições da juventude brasileira. No seu

primeiro ano de existência, elaborou um quadro referencial para as políticas de

juventude, a partir de três Câmaras Temáticas (CT):

CT1 - Desenvolvimento Integral – afirma a necessária interseção entre

Educação, Trabalho, Cultura e Tecnologia de Informação, nos moldes do século XXI;


84

CT2 - Qualidade de Vida – contempla a necessidade de ampliar acessos

imediatos e cotidianos dos e das jovens aos equipamentos adequados de saúde, esporte,

lazer e à sustentabilidade socioambiental;

CT3 - Vida Segura – aposta na articulação entre a universalidade dos direitos

humanos e a valorização da diversidade para fazer frente às violências físicas e

simbólicas.

Sobre a temática da violência, o quadro referencial do CONJUVE aponta que o

seu enfrentamento se fará possível se forem consideradas três linhas de ação do Estado:

a) ampliação e aperfeiçoamento das políticas universais; b) desenvolvimento de

políticas específicas de enfrentamento e prevenção da violência juvenil e; c)

estabelecimento de uma instância de gestão específica, em cada nível de governo,

responsável por fazer diagnóstico, análise e articulação no conjunto de ações de

prevenção à violência de juventude, inclusive naquilo que compete às políticas

universais. Defende-se então que não há cisão entre as políticas universais e as políticas

específicas de enfrentamento e prevenção da violência; ao contrário, há um processo de

interdependência, em que se permite aos jovens a construção de um projeto de vida

possível de ser realizado (Novaes et al., 2006).

Nesse sentido, Novaes et al. (2006) defendem ainda que as políticas de

enfrentamento da violência entre os jovens devem focalizar a promoção articulada de

direitos básicos e universais, de modo a garantir condições plenas de acesso e garantia

ao trabalho, à educação, à saúde, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer,

possibilitando também condições de vida digna para todos, inclusive os que estão

cumprindo medidas socioeducativas, estão no sistema prisional ou já estiveram nesses

espaços. Além disso, a criação de programas específicos de qualificação profissional e

inclusão de jovens no mercado de trabalho formal, bem como políticas de estímulo à


85

conclusão da Educação Básica, nos casos desta etapa não ter sido concluída, também

devem ser questão central nas políticas voltadas para o enfrentamento da violência na

juventude.

Assim, além da SNJ e do CONJUVE, o ProJovem é instituído, dentro desse

contexto, como a medida de caráter emergencial, apontada como necessária pelo Grupo

Interministerial. Consistia de um programa integrado, com transferência de renda para

os jovens, ações de aceleração da escolaridade, qualificação profissional e realização de

ações comunitárias, que abrangia a faixa etária de 18 a 24 anos, de pessoas que não

trabalhavam e estavam entre a 4ª e a 8ª série do ensino fundamental.

Conforme discutem Silva e Andrade (2009), alguns desafios emergiram para a

política de juventude nesse período: aumentar a integração dos programas emergenciais,

bem como destes com as políticas estruturantes; aumentar a faixa etária de atendimento

para 15 a 29 anos; otimizar recursos destinados às políticas de juventude e; aumentar a

eficácia das intervenções do Estado na vida dos jovens.

Assim, passados dois anos da implementação do ProJovem, o programa passou

por uma reestruturação completa, integrando os demais programas de caráter

emergencial voltados para a juventude, que funcionavam em outros ministérios:

Consórcio Social da Juventude, Juventude Cidadã, Agente Jovem, Escola de Fábrica e

Saberes da Terra. Esses programas tinham em comum a busca pela ampliação da

escolaridade, a qualificação profissional e o repasse financeiro, entretanto, tratavam-se

de intervenções pontuais, fragmentadas e paralelas. Assim, a solução encontrada de

forma interministerial para buscar atender a essas necessidades, foi a criação de um

plano de ação único para todos esses programas já existentes, que passaram a funcionar

sob o nome de ProJovem Integrado, lançado em 2007.


86

A unificação das ações já existentes reconfigurou o Programa Nacional de

Inclusão de Jovens, que passou a ter gestão compartilhada entre a SNJ e os Ministérios

do Trabalho e Emprego, do Desenvolvimento Social e da Educação e passou a

funcionar com as seguintes divisões: ProJovem Urbano (serviços socioeducativos),

ProJovem Trabalhador (qualificação profissional), ProJovem Adolescente (antigo

Agente Jovem), ProJovem Campo (antigo Saberes da Terra).

Analisando a situação atual do ProJovem Integrado, ainda observa-se uma baixa

integração e uma alta sobreposição das modalidades, tanto com relação à abrangência,

como à faixa-etária e aos benefícios. Como exemplo disso, tem-se a modalidade

Urbano, que tem funcionado nas escolas públicas, concomitantemente ao Ensino de

Jovens e Adultos (EJA). Na prática, isso tem causado um esvaziamento das salas de

aula do EJA. O alcance da meta inicial, que era a de atendimento a todos os jovens ditos

em situação de vulnerabilidade social no Brasil, também ainda está bem aquém do

previsto. Silva e Andrade (2009) indicam alguns caminhos possíveis para a efetivação

dessa integração no programa, em que se focalize a territorialidade, baseada no porte

dos municípios, bem como a sua integração com o nível médio de ensino. Tais medidas

produziriam um impacto maior do programa nos municípios e no contexto de vida dos

jovens.

Ante o exposto, cabe uma reflexão sobre a configuração atual das políticas de

juventude no Brasil. As iniciativas recentes explicitam a inserção da temática da

juventude na agenda pública. No entanto, na prática, as políticas – que têm se focado em

qualificação profissional e aceleração da aprendizagem – têm se restringido a um caráter

compensatório aos jovens de baixa renda que não tiveram acesso a uma educação básica

de qualidade.
87

A clara orientação de diálogo com a dívida social do país, presente nas políticas

de juventude, é reflexo do contexto neoliberal instaurado na sociedade vigente. Tem-se

um Estado mínimo no qual, ao mesmo tempo em que o progresso econômico na

conjuntura internacional tem se tornado uma realidade, os elevados índices de

desigualdade e o escasso investimento na área social têm obrigado milhões de

brasileiros a sobreviverem precariamente em meio às consequências da “questão

social”. A intervenção pública somente a partir de programas desestruturados, com

baixo impacto e que visam apenas minimizar as consequências da instauração do

modelo socioeconômico atual, não se configura como solução para as problemáticas que

perpassam os jovens brasileiros. Somente quando as políticas estruturais básicas

estiverem, de fato, asseguradas, poderá se falar minimamente de uma intervenção estatal

justa:

Em um país com enormes desigualdades sociais, é natural e importante que


a política de juventude privilegie os jovens excluídos e conduza ações mais
voltadas para sua inclusão. Contudo, dada a diversidade das experiências
juvenis e a admissão da condição do jovem como sujeito de direitos, não se
deve perder de vista que as políticas sociais universais precisam caminhar
com os programas emergenciais. Além disso, valeria à pena refletir e avaliar
mais densamente os programas emergenciais que estão sendo implantados
para descobrir se estas ações estão de fato contribuindo para a autonomia e o
protagonismo dos jovens, que são os dois princípios mais importantes para
uma política de juventude que pretenda ser transformadora (Silva &
Andrade, 2009, p.68).

Nesse contexto de precarização das políticas, tem-se frisado a importância de

investimento nas áreas da educação, trabalho e cultura como forma de compensação às

situações de violação de direitos que têm permeado a vida dos jovens. No entanto,

existe outra face do Estado que tem se feito presente e que não necessariamente tem

significado garantia de direitos. A segurança pública, política diretamente relacionada às

respostas estatais de contenção da violência, também deve ser alvo de reflexão no


88

âmbito das políticas de juventude. Para tal, dedica-se uma seção desse capítulo a

analisar quais são os principais desafios e perspectivas que estão postos nesse contexto.

3.3 – Desafios e perspectivas para as políticas de juventude: educação,

trabalho, cultura e segurança pública

“Não acredito na autolibertação. A libertação é um ato


social.”
Paulo Freire

A falta de acesso a direitos básicos tem sido uma realidade vivenciada por

grande parte da população brasileira. A desigualdade social, a falta de moradia digna, os

baixos índices de escolaridade, a dificuldade de ingresso no mercado de trabalho formal,

são alguns frutos de uma sociedade excludente, que se consolidou com o modelo

socioeconômico vigente.

A instauração do neoliberalismo no Brasil veio junto com o acirramento dos

índices de desemprego. Foi criado e é mantido um exército de reserva, que corresponde

a um grande conjunto de pessoas que não têm e não terão acesso ao mercado de

trabalho, mas que são essenciais para a manutenção da exploração por parte das classes

dominantes, ao passo que a classe trabalhadora que ainda consegue ingressar no

mercado se permite submeter a condições precárias e de exploração da sua força de

trabalho.

Nessa mesma sociedade, é bastante presente o discurso da importância da

qualificação profissional e da criação de políticas que proporcionem aos jovens

experiências relacionadas a emprego e renda. Os programas apontados na seção

anterior, em grande parte possuem esse viés de incentivo à qualificação. Aliado a isso, a

educação também teria papel fundamental na preparação desse jovem para o mercado.

Assim, educação e trabalho seriam aspectos constituintes de uma política estrutural, que
89

teria condições de transformar a vida dos jovens. Novaes et al. (2006) apontam que,

complementando essa díade, o acesso à cultura e a opções de lazer aparecem no campo

das políticas de juventude também como um direito fundamental.

No entanto, cabe refletir até que ponto essa qualificação profissional é pensada a

partir da necessidade dos jovens. Não seria mais uma forma de criar demandas para

concorrência em postos subalternizados de trabalho? Não se tem observado, na prática,

uma política de trabalho que considere a heterogeneidade dos espaços em que os jovens

estão inseridos, nem as diversas relações que estes estabelecem com o estudo e/ou

trabalho.

Além da carência de adequação às necessidades dos jovens, Gonzalez (2009)

questiona a efetividade dessas políticas em outro nível: visto que as oportunidades de

emprego são limitadas, a formação profissional acaba tendo um caráter apenas

compensatório, uma vez que ter acesso às políticas de qualificação não significa

necessariamente a inserção posterior no mercado de trabalho. Sobre esse aspecto,

Corrochano et. al (2008) discutem que para além dessa qualificação profissional e

educação de qualidade, faz-se necessário também desenvolver ações que possam

ampliar as chances desses jovens ingressarem no mercado.

As iniciativas nesse sentido a partir da década de 1990 passam a ser destinadas

explicitamente aos jovens em situação de “risco social”, com declarada intenção de

enfrentamento da marginalização e prevenção à criminalidade. As palavras-chave da

política passam, então, a ser “direitos” e “oportunidades”. Spósito et al. (2007) alertam

para o fato de que a preocupação com o desemprego tem aparecido atrelada ao combate

ao tráfico, que teria o poder de cooptar jovens ociosos e atraí-los para a criminalidade.

Assim, a falta de ocupação dos jovens pobres assume o caráter sintomático da

periculosidade. Vale ressaltar que o desemprego incomoda e amedronta principalmente


90

quando se trata de jovens pobres, negros e do sexo masculino, visto que as mulheres

pobres possuem índices bem maiores de desemprego e normalmente não se observa

preocupação com a sua ociosidade.

Gonzalez (2009) reflete muito bem que:

Não é razoável esperar que tais programas confrontem a estrutura de classe


preexistente na sociedade brasileira – os jovens ainda terão trajetórias
bastante diferenciadas entre si não apenas em virtude da qualidade da
educação à qual terão acesso, mas também em relação ao tipo de moratória
que a sociedade e a família lhe conferem – em termos de duração e de grau
de compromisso. Porém, é imprescindível que estas políticas não se
consolidem simplesmente como instrumentos de prevenção de
criminalidade entre jovens de classes populares, pois isto certamente reforça
a estigmatização já sofrida por estes, além de estimular a ideia de que estes
devem aceitar qualquer ocupação, não importando quão degradante seja. Se
faz sentido envidar esforços para incorporar os jovens ao mundo do
trabalho, então, também é preciso reconhecer e valorizar seu potencial de
ampliar quantitativa e qualitativamente a força de trabalho brasileira. (p.
127)

O objetivo das políticas, para além de manter os jovens ocupados, livrando-os da

ociosidade e afastando-os das ruas, deve ser o de proporcionar uma formação integral,

que contemple oportunidades tanto de lazer como de trabalho, além de favorecer os

processos de socialização e crescimento pessoal (Ferreira et al., 2009).

A concepção de que a ociosidade deve ser combatida, associada ao fato de que

as políticas de qualificação profissional e geração de emprego não têm se dado de forma

satisfatória, reforça outra forma de intervenção estatal, de caráter repressivo, que tem se

feito mais presente na vida dos jovens pobres do que qualquer outra política. As

políticas de segurança pública, por meio do policiamento ostensivo, persecução ou

execução penal, muitas vezes é a primeira forma de contato de um jovem com o Estado.

Ferreira et al. (2009) discutem que o direcionamento das políticas de segurança

pública sobre a população jovem não se trata de algo explícito em suas diretrizes, mas o

enfoque na juventude na prática, tanto nas instituições repressivas, como na própria


91

abordagem policial é fato inegável. É curioso pensar que em um Estado que possui

tantas ações preventivas especificamente destinadas a esse público, essas ações têm tido

pouquíssimo impacto na vida dos jovens, enquanto o aparato de ações repressivas e

coercitivas – e que normalmente não têm uma delimitação etária pré-estabelecida em

seu desenho – têm se feito bastantes presentes.

Vale ressaltar que não se trata de negar a importância da segurança pública para

o Estado, mas sim de analisar criticamente e repensar o seu modus operandi nos

diferentes espaços de intervenção, considerando os limites de sua atuação e as

consequências desse modelo de segurança pública para a sociedade, especialmente para

os jovens.

O enfoque privilegiado dos jovens pelo poder coercitivo do Estado não

necessariamente significa que estes cometem mais ilegalidades, mas sim que estão mais

associados às práticas tidas como ameaçadoras à segurança pública:

Se a atuação policial com mais ênfase sobre os jovens poderia ser justificada
pelas próprias estatísticas, que apontam maior envolvimento deste segmento
populacional em crimes, pode-se dizer que a própria abordagem e suspeição
dos jovens, com grande frequência, contribui para sua maior presença nas
estatísticas de persecução e execução penal. Se o papel da polícia é o de
tratar todos os cidadãos igualitariamente, sem criminalizar nem vitimizar
nenhum grupo populacional, o jovem, assim como outros grupos, não pode
ser estigmatizado pelas forças de segurança do Estado. (Ferreira et al., 2009,
p.215)

Além da criminalização por parte da sociedade, há também a criminalização dos

jovens pobres por parte do Estado, que tem se apresentado como um dos grandes

violadores dos direitos desses cidadãos. Tem-se, então, uma problemática em diferentes

níveis de intervenção estatal no contexto de vida desses jovens, decorrente da forma

como é tratada essa questão no país.

No sistema prisional, o índice de reclusão de pessoas com mais de 30 anos é de

1,6 presos a cada mil, enquanto que para os homens jovens, essa taxa é de 10,4 presos a
92

cada mil. Nas comunidades, os efeitos das ações arbitrárias e abusivas, intimidações,

ameaças e execuções, incidem significativamente mais no público jovem, quando

comparados à população em geral. Tais práticas aumentam a tensão entre a população e

a polícia, gerando falta de credibilidade dos operadores de segurança pública nesses

espaços. Soma-se a isso, o envolvimento de agentes de polícia em práticas corruptas,

muitas vezes associadas ao tráfico de drogas e armas.

Uma característica do policiamento em comunidades pauperizadas que fortalece

essa tensão refere-se à ausência de policiamento constante, em que se possa estabelecer

uma relação dos agentes com a comunidade, isto é, tem-se uma repressão reativa a

determinado acontecimento, em detrimento de uma proteção antecipada e continuada

(Dowdney, 2008). Apesar de possuir efeito imediato e ser mais quantificável, tal

estratégia não é eficiente em longo prazo, visto que não ataca a raiz do problema.

Para que a tensão entre polícia e comunidade se atenue, é preciso uma mudança

de fatores culturais e sociais associados à formação de policiais, à sociedade e o reforço

de valores democráticos e a desconstrução de preconceitos. Trata-se de ação em longo

prazo, mas que pode se materializar em ações concretas como a formação continuada

em direitos humanos e uso moderado da força, bem como o aumento no investimento de

modelos de policiamento pautados no respeito e confiança mútua, além do incremento

dos mecanismos de controle da ação policial.

Diante das altas taxas de violência existentes na sociedade brasileira, é da


maior importância que uma política nacional com foco na prevenção da
violência se consolide, incluindo ações locais para o enfrentamento de
fatores de risco e a potencialização de fatores de proteção – principalmente
em relação aos jovens – e buscando ampliar a ação do sistema de justiça
criminal da simples repressão e punição para tratamento e reinserção social
dos apenados. (Ferreira et al., 2009, p. 215)

Para combater casos de violência, corrupção e abuso de poder por parte de

agentes de polícia, com vistas a aperfeiçoar a ação coercitiva do Estado e melhorar a


93

relação de confiança por parte da população, o governo vem traçando algumas

estratégias que, em geral não apresentam recorte explícito, mas potencialmente incidem

diretamente sobre os jovens. A esse exemplo, têm-se iniciativas como o Programa de

Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA), a Assistência Técnica para

Ouvidoria de Polícia, o Policiamento Comunitário, dentre outros. No entanto ainda são

iniciativas bastante incipientes.

Vale destacar também o Programa Nacional de Segurança Pública com

Cidadania (PRONASCI17), programa do Governo Federal, criado em 2007, por meio da

Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). O programa prevê o

aperfeiçoamento da repressão e da prevenção e procura aliar políticas de segurança

pública com políticas sociais, tendo como um de seus focos os jovens entre 15 e 24

anos, moradores das regiões metropolitanas mais violentas. De acordo com Soares

(2009), é ponto pacífico no programa a superação da dicotomia entre prevenção e

repressão qualificada, entre garantia de direitos humanos e a prática policial, visto que

não se tratam de intervenções excludentes, mas complementares e essenciais no

processo da segurança pública:

Empregar a força comedida, proporcional ao risco representado pela


resistência alheia à autoridade policial, impedindo a agressão ou qualquer
ato lesivo a terceiros, não significa reprimir a liberdade de quem perpetra a
violência, mas preservar direitos e liberdades das vítimas potenciais. Assim,
aprimoramento do aparelho policial e aperfeiçoamento da educação pública
não devem constituir objetos alternativos e excludentes de investimento
estatal. (Soares, 2009, p. 68-69)

17
O PRONASCI não foi pensado sem nenhum antecedente nos documentos oficiais da
segurança pública. A sua formatação é resultado de outras propostas que vinham sendo gestadas (ao
menos em caráter normativo) desde os anos iniciais do século XXI, a exemplo do Plano Nacional de
Segurança Pública. Para melhor conhecimento acerca desse processo histórico da construção da agenda
da segurança pública no Brasil, ver Sento-Sé (2011).
94

De acordo com Willadino et al. (2011), a ênfase no poder local, trazida pelo

PRONASCI, também é um aspecto que merece destaque. O fortalecimento do poder

dos municípios no âmbito da segurança pública implica, exatamente, nessa aliança entre

as políticas sociais e os agentes de segurança. Além disso, cabe aos agentes locais uma

participação efetiva na avaliação das ações ligadas ao programa. Apesar desses avanços,

Soares (2009) discute a existência de alguns retrocessos no documento, a exemplo da

corresponsabilidade interministerial que, apesar de ser uma boa intenção a perspectiva

da gestão compartilhada da política, pode entravar em aspectos burocráticos e se isso se

tornar uma dificuldade na sua execução. Desta forma, o abismo existente entre o que

pregam as normativas e a sua aplicabilidade é um desafio que se precisa ter sempre em

vista. A saber, o total de recursos destinados para o programa ultrapassa R$ 6 bilhões de

reais, em todo o seu período de vigência (até 2012) e inclui formação de agentes de

polícia, melhorias nos sistemas de execução penal e atendimento socioeducativo. No

entanto, atualmente, no seu último ano de execução, apesar da realização de cursos de

capacitação, e outras ações previstas no programa, especificamente no Rio Grande do

Norte18, não se consegue vislumbrar melhorias significativas no âmbito da segurança

pública, nem no que diz respeito à qualificação da intervenção repressiva, nem na

melhoria do sistema penitenciário, nem na articulação efetiva do aparato repressivo com

as ações preventivas.

Qualquer política de segurança pública, para que possa efetivamente garantir o

direito à segurança sem violar outros direitos, deve ser pautada em uma perspectiva

crítica e não discriminatória e deve ser traduzida em ações de cunho preventivo à

18
O RN consiste em um dos estados que possui convênio com o Ministério da Justiça e é
contemplado na área de abrangência do PRONASCI.
95

violência, de forma continuada e associada às outras políticas sociais, como educação,

trabalho e cultura. Além disso, os projetos de prevenção precisam levar em conta as

características de cada comunidade, reagindo a influências e fatores de risco locais, bem

como envolver a participação ativa dos membros da comunidade.

Partindo das reflexões e considerações contidas neste e nos dois capítulos

anteriores, desenvolveu-se uma pesquisa no bairro de Felipe Camarão, localizado na

Região Administrativa Oeste de Natal/RN, cujo enfoque está relacionado com as

respostas que têm sido dadas aos contextos de violência que perpassam a vida dos

jovens dessa comunidade.


96

II – MÉTODO

1. Percurso metodológico e procedimentos

Para a identificação e escolha das instituições que seriam alvo deste estudo, foi

realizada uma visita ao Centro de Referência em Assistência Social de Felipe Camarão

(CRAS), a fim de levantar informações sobre as organizações que tivessem suas ações

voltadas para a juventude no bairro. Além disso, foi realizado levantamento documental

em sites oficiais do município. Foram identificados a priori sete espaços de atuação

voltados para a juventude, que inicialmente constituíam o total do corpus de análise. No

entanto, no decorrer da realização da coleta de dados, foram incorporadas mais três

instituições que eram anteriormente desconhecidas e nos foram apresentadas pelos

próprios participantes da pesquisa. Desta forma, compuseram o estudo dez instituições,

que serão caracterizadas em seção posterior desse capítulo.

Foram realizadas visitas a todas as entidades, a fim de apresentar o projeto aos

respectivos coordenadores e solicitar autorização para a realização da pesquisa. Uma

vez autorizada, agendamos as novas visitas às instituições para a realização dos Grupos

Focais, metodologia adotada para a coleta de dados desta pesquisa.

A conceituação de Grupos Focais, de acordo com Barbour (2009), ainda é

controversa, devido aos seus usos para fins diversos. No entanto, pode-se dizer que

Grupo Focal consiste em uma abordagem metodológica em que os participantes, a partir

de questões lançadas pelo facilitador, conseguem interagir não só com este, mas entre si,

de forma a lançar opiniões não necessariamente consensuais a respeito de determinada

temática, estimulando o debate e a construção de concepções a partir do ponto de vista

de seus diferentes membros. Inexiste uma fórmula pré-estabelecida para a condução de

um grupo focal, visto que essa dependerá da opção metodológica do facilitador, tendo
97

em vista o processo de interação grupal, bem como dos fins que se deseja obter com o

mesmo. As diferentes abordagens e objetivos dos grupos, tais como marketing, relações

organizacionais, desenvolvimento comunitário, etc., ampliam a gama de possibilidades

de desenvolvimento dos grupos (Barbour, 2009). Desta forma, um fator unificador

nesses diferentes empregos da técnica é o foco no processo da discussão. Inclusive, é o

que o diferencia das entrevistas, que, ainda que em grupo, são mais direcionadas para a

obtenção de respostas às perguntas. Conforme aponta Gondim (2003):

O entrevistador grupal exerce um papel mais diretivo no grupo, pois sua


relação é, a rigor, diádica, ou seja, com cada membro. Ao contrário, o
moderador de um grupo focal assume uma posição de facilitador do
processo de discussão, e sua ênfase está nos processos psicossociais que
emergem, ou seja, no jogo de interinfluências da formação de opiniões sobre
um determinado tema. Os entrevistadores de grupo pretendem ouvir a
opinião de cada um e comparar suas respostas; sendo assim, o seu nível de
análise é o indivíduo no grupo. A unidade de análise do grupo focal, no
entanto, é o próprio grupo. Se uma opinião é esboçada, mesmo não sendo
compartilhada por todos, para efeito de análise e interpretação dos
resultados, ela é referida como do grupo (p. 151).

Nesse sentido, Veiga e Gondim (2001) afirmam que se trata de uma técnica que

está situada entre a observação participante e as entrevistas em profundidade. Gondim

(2002) discute que existem três modalidades de grupos focais: exploratórios, clínicos e

vivenciais. A modalidade adotada neste estudo foi a exploratória, por estar centrada na

produção de conteúdos acerca da violência que perpassa a juventude, provenientes das

concepções de pessoas imersas em uma realidade específica. Além disso, pode-se dizer

que os grupos focais exploratórios podem auxiliar no processo de autorreflexão e de

transformação social (Gondim, 2002), à medida que propiciam um espaço de reflexão e

de compartilhamento de experiências acerca de um assunto específico.

Para o seu desenvolvimento, podem ser utilizados alguns materiais de estímulo,

com a função de incitar as discussões a respeito de determinado assunto (Barbour,

2009). Nos grupos realizados para os fins dessa pesquisa, optamos por iniciá-los com a
98

leitura de uma notícia recente de um jornal de grande circulação na cidade, referente a

uma situação de violência ocorrida contra um jovem da comunidade. Barbour (2009)

aponta que a utilização de recortes de jornal facilita o acesso a questões centrais do

grupo. O seu uso nos grupos permite espelhar discussões acerca de eventos que

acontecem naturalmente no cotidiano dos membros.

Além desse recurso, foi elaborado um guia de tópicos (roteiro) (Apêndice A)

contendo seis questões abertas que versam principalmente sobre:

a) os problemas mais relevantes dos jovens atendidos;

b) o papel da instituição nesse contexto;

c) a avaliação das ações de enfrentamento à violência que ocorrem no bairro.

Antes de iniciar os Grupos Focais em Felipe Camarão, realizamos um estudo-

piloto com os profissionais do Centro de Atendimento às Vítimas de Violência (CEAV),

sediado na CODEM, a fim de ajustar todos os procedimentos necessários à coleta de

dados. Apesar de o CEAV não fazer parte do bairro de FC, optamos por desenvolver o

estudo-piloto com sua equipe, dada a natureza do trabalho desenvolvido, diretamente

relacionada às questões de enfrentamento da violência. Após a experiência do estudo-

piloto, realizamos ajustes no guia de tópicos (roteiro) do grupo focal, bem como ajustes

técnicos, relacionados ao registro das informações.

A autorização para a realização da pesquisa consta no o Parecer n° 067/2011

emitido pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. O registro das informações foi feito por meio de gravação em vídeo, com o

consentimento dos participantes (Apêndice C), bem como através de diários de campo,

elaborados por uma relatora, presente em todos os grupos. A duração dos encontros

variou entre as instituições, de acordo com a quantidade de pessoas e com o desenrolar

da discussão. Em média tiveram cerca de uma hora e meia de duração. Os grupos foram
99

realizados na própria sede das instituições. Os encontros foram realizados no período de

julho a outubro de 2011.

2. Procedimentos de análise

Como auxiliar na elaboração do corpus, foi utilizado o software QDA-Miner

(Qualitative Data Analysis Software), que consiste de ferramenta de organização de

dados qualitativos. A referida ferramenta possibilitou uma melhor visualização da

estrutura de investigação, bem como facilitou o processo de codificação e categorização

dos dados. Vale salientar que o papel do pesquisador não é substituído pelo software.

Todo o trabalho de categorização e interpretação dos dados pertence ao pesquisador.

Conforme aponta Hernandez (2008):

Nenhum programa analisará os dados por si mesmo, cabendo a nós,


pesquisadores, estabelecer os critérios de análise e definir os padrões
estáveis das categorias, já que toda análise qualitativa exige critérios
rigorosos no tratamento dos dados. (p. 157)

Desta forma, a codificação e categorização dos dados foram feitas com base no

Método Comparativo Constante (MCC), método de análise utilizado nesse estudo.

O MCC consiste de um método de análise que pretende gerar teoria a partir da

análise comparativa e sistemática de incidentes. Compõe a metodologia de análise da

Teoria Fundamentada (Grounded Theory). De acordo com Trinidad, Carrero e Soriano

(2006), o objetivo final da Teoria Fundamentada não é a produção de dados de caráter

apenas descritivos acerca de uma realidade, mas sim a explicação dessa realidade,

fundamentando-se nos dados coletados e interpretando-a por meio de explicações

teóricas de caráter mais formal.

De acordo com Gondim (2003), a Teoria Fundamentada consiste na metodologia

apropriada para a análise de grupos focais exploratórios:


100

Os grupos [focais] exploratórios estão centrados na produção de conteúdos;


a sua orientação teórica está voltada para a geração de hipóteses, o
desenvolvimento de modelos e teorias, enquanto que a prática tem como
alvo a produção de novas ideias, a identificação das necessidades e
expectativas e a descoberta de outros usos para um produto específico. Sua
ênfase reside no plano intersubjetivo, ou melhor, naquilo que permite
identificar aspectos comuns de um grupo alvo. A construção de modelos
teóricos já dispõe de metodologia apropriada, a Teoria Fundamentada (...)
definida pelo apoio na captura e análise sistemática de dados. É uma teoria
construída indutivamente, a partir do interjogo contínuo entre coleta e
interpretação dos dados. (p. 152)

Nesse sentido, Trinidad et. al (2006) apontam que a utilização do MCC implica

em realizar um percurso conjunto de coleta e análise de dados, no qual o pesquisador

delimita sua amostra e codifica as categorias de análise durante o processo de

investigação, de acordo com os limites dos próprios dados. Por isso, durante o processo

de coleta de dados, inserimos mais três instituições que comporiam o corpus de análise,

dada a incorporação desses novos elementos no decorrer da realização dos grupos.

De acordo com Trinidad et. al (2006) a utilização do MCC é dividida nas

seguintes etapas: a) Comparação de incidentes e sua categorização; b) Integração das

categorias e suas propriedades; c) Conceitualização e redução da teoria; d) Escrita da

teoria.

Com relação à codificação dos dados e estabelecimento das categorias, esta

consiste em um aspecto fundamental do processo de análise. Conforme apontam

Trinidad et. al (2006), no MCC, desde o início o investigador codifica e reflete acerca

do tipo de dados que está coletando. Os referidos autores dividem o processo de

codificação em três fases:

a) Codificação aberta: em que as categorias são criadas de forma bastante

abrangente, sem uma preocupação acerca da relação entre as mesmas,

apresentando ainda um aspecto desconexo;


101

b) Codificação seletiva: em que o investigador define uma categoria central de

análise e pode reduzir o conjunto inicial de categorias a partir da análise

intensa entre as relações com a categoria central, começando a delimitar o

foco do processo de investigação;

c) Codificação teórica: processo que permite estabelecer relações e conexões

existentes entre as propriedades, elementos e dimensões das categorias e dos

seus códigos, introduzindo conceitos de maior nível de abstração dentro da

explicação teórica.

Nessa direção, Barbour (2009) discute que nos grupos focais, apesar de o

pesquisador já possuir algum tipo de definição de foco e intenção, necessários para a

construção do objeto de pesquisa, este deve ficar atendo aos códigos que surgem in vivo,

durante o processo do grupo focal, que não são códigos estabelecidos a priori, mas sim,

a partir das informações construídas pela interação dos participantes.

Assim, a elaboração das categorias do presente estudo se deu conforme o MCC,

a partir da constante comparação entre as falas apresentadas nos grupos. Para melhor

visualização da estrutura da investigação, construímos um esquema em que é

apresentada a categoria central e as suas relações com as demais categorias delimitadas

no desenvolvimento desse estudo. (Figura 3)


102

Figura 3 - Estrutura da investigação

A partir dessa estrutura, a análise de dados foi feita à luz de uma perspectiva

fundamentada no método histórico e dialético, buscando compreender a complexidade

das dinâmicas sociais que perpassam o contexto das ações voltadas para a juventude e

para a redução da violência.

3. Participantes

O critério de inclusão dos participantes da pesquisa foi trabalhar, estagiar ou ser

voluntário em uma ou mais das instituições que atuam com jovens em Felipe Camarão.

O número de participantes variou, em função da quantidade de profissionais que

atuavam na entidade, bem como da disponibilidade dos mesmos no horário de

realização dos grupos (Tabela 1).

Tabela 1 – Instituições pesquisadas


Ordem Instituição Nº de participantes
01 Projeto ProJovem Adolescente 05
02 ONG Conexão Felipe Camarão 06
03 Centro de Referência em Assistência Social 05
04 ONG Lar Fabiano de Cristo 04
05 Conselho Comunitário II 02
06 Escola Estadual Maria Queiroz 09
07 Núcleo de Amparo ao Menor 03
08 ONG Visão Mundial 09
09 Fundação Bradesco 03
10 ONG Fé & Alegria 05
TOTAL 51
103

4. Caracterização do Campo19

4.1 – Felipe Camarão: a contradição da violação permeada por cultura

“Situado na Zona Oeste, é um bairro muito belo


Data de sessenta e oito, fundado por Agnelo
Foi criada uma Lei e bateram o martelo.
Lutar por seus direitos é do povo a diretriz
Conseguiram posto médico, clínica e chafariz
O poder emana do povo, a democracia diz”
Sírlia Lima (poeta popular)

O bairro Felipe Camarão é localizado na região administrativa Oeste da cidade

do Natal/RN. Inicialmente chamado de Sítio Peixe-Boi, era povoado por colônias de

pescadores e a sua ocupação se delimitava a uma pequena vila às margens do rio

Potengi. O crescimento demográfico da comunidade Peixe-Boi remonta à época da

segunda guerra mundial. Nesse período, o solo das áreas mais centrais da cidade já tinha

um valor maior, de modo que a segregação socioespacial por meio da concentração de

pessoas por nível econômico em regiões específicas da cidade começava a configurar o

que viria a se caracterizar a periferia natalense (Bezerril, 2004). A figura abaixo mostra

a localização de Felipe Camarão em relação à cidade do Natal/RN:

19
As informações contidas em toda a seção 4 são provenientes tanto de pesquisas documentais
como de falas extraídas dos grupos focais.
104

Figura 4 - Mapa do macrozoneamento de Natal/RN com destaque em Felipe Camarão

A região que hoje é Felipe Camarão era afastada do centro da cidade,

considerada zona rural. Logo, foi ocupada por pessoas que tinham um baixo poder

aquisitivo e não conseguiam ter acesso às áreas mais centrais da cidade. Tratava-se de

carpinteiros, carvoeiros, que migravam na tentativa de fugir da seca, atraídos tanto pelo

baixo preço das terras como pela vasta extensão de cordões dunares e manguezal do rio

Potengi. A ocupação das terras foi feita de forma desordenada e com demarcações

aleatórias. A população adentrou inclusive as áreas de mangue e dunas, utilizando-se do

recurso da autoconstrução.
105

Em agosto de 1968, Peixe-Boi foi elevado à categoria de bairro e passou a ser

designado Felipe Camarão, em homenagem ao Índio Poti que lutou contra os

holandeses, morrendo em combate. No entanto a regulamentação da área geográfica do

bairro só aconteceu tardiamente, em 1990, período em que foram definidas as Zonas de

Proteção Ambiental, apontadas na figura 4 (ZPA 4 – Campo Dunar e ZPA 8 – Estuário

do Rio Potengi).

Desta forma, atualmente, grande parte das propriedades construídas nesses

espaços passou a ser irregular e é alvo de conflitos entre a população e o estado. A

principal consequência dessa regulamentação tardia reflete-se na concentração de

assentamentos precários nas áreas de ocupação irregular. Atualmente, pode-se fazer

uma divisão ambiental do bairro da seguinte forma: área edificada ou área dos conjuntos

habitacionais, áreas de dunas e áreas de manguezal (Bezerril, 2004). Nessas duas

últimas, estão concentradas as oito áreas que podem ser consideradas favelas: Maré,

Barreiros, Torre, Fio, Promorar, Alta Tensão, Alemão e Palha. Cerca de 25% dos

habitantes de FC vivem nesses oito assentamentos precários existentes no bairro, sem

acesso a serviços básicos de água, saúde e moradia digna (Natal, 2009). Trata-se de

comunidade caracterizada por uma alta densidade demográfica (60hab/ha), quando

comparada à média natalense (45hab/ha), abrigando quase 7% da população. Esses

índices fazem do bairro o terceiro mais populoso da cidade.

A estrutura etária da população residente na comunidade corresponde à média

natalense com relação ao público jovem, que equivale à cerca de 21% do total. Ao se

analisar a renda mensal dos chefes de família, observa-se que Felipe Camarão ocupa o

33º lugar, em um ranking de 36 bairros existentes em Natal/RN. Essa posição indica

que, com relação à média da população natalense, que corresponde a cerca de R$


106

900,00 mensais por chefe de família, a média dos moradores de FC equivale a um terço

desse valor (Natal, 2009).

A precariedade de condições de sobrevivência e a quase total ausência de um

Estado que garanta os mínimos sociais em algumas regiões de Felipe Camarão, aliada à

facilidade de acesso às armas de fogo e à presença de inúmeros pontos de vendas de

drogas ilícitas (que caracterizam um mercado paralelo do tráfico), proporciona um

cenário social em que emergem vários tipos de violação de direitos. Tal conjuntura

constitui-se de campo fértil para a insurgência de formas não pacíficas de resolução de

conflitos, o que dá margem à emergência de diversas formas de expressão da violência.

Isso se reflete em uma taxa de homicídios mais que duas vezes maior que a natalense,

isto é, enquanto a capital possui uma taxa de 28,3 homicídios a cada cem mil habitantes

(Waiselfisz, 2012), esse índice, em FC, corresponde a 61,7. Notadamente, a população

jovem de 15 a 24 anos tem sido o principal alvo desses contextos de violência. A saber,

apesar de os jovens corresponderem a apenas 21% da população total, observa-se uma

incidência de homicídios de quase 60%, quando comparado aos homicídios ocorridos

contra a população em geral do bairro. Outro dado que merece atenção é que a taxa de

mortalidade por homicídio desses jovens é condizente com a encontrada em outros

quatro bairros que, quando associados a Felipe Camarão, somam o índice de mais de

50% dos homicídios ocorridos contra jovens em Natal/RN.

Vale salientar que a incidência de homicídios consiste de apenas uma das formas

de expressão da violência que, por ser mais facilmente mensurável, consegue refletir

uma realidade de violação de direitos dessa população. Sabe-se que questões

relacionadas à falta de acesso à educação de qualidade, bem como mau funcionamento

do sistema de segurança pública e do sistema carcerário também são exemplos de


107

violências que assolam diretamente alguns segmentos da sociedade, em especial os

jovens pobres.

Apesar dessas características desfavoráveis no que diz respeito às condições de

vida, o bairro de Felipe Camarão é tido como um berço da cultura potiguar. A cultura de

tradição oral é um elemento fortemente presente na comunidade, cujos ensinamentos

foram passados de pai para filho. Alguns mestres de tradição oral conhecidos são

Mestre Manoel Marinheiro que, com o seu Boi de Reis, foi considerado patrimônio

cultural imaterial pelo Ministério da Cultura em 2006, além do Mestre Chico Daniel,

com seu teatro de bonecos João Redondo. O bairro possui uma Casa de Cultura Manoel

Marinheiro, em que são expostos para visitação a figura do Boi de Reis, os figurinos

utilizados nas danças, o Jaraguá, a Burrinha, o Gigante e outros elementos que

compõem essa tradição. Atualmente, alguns espaços, além da Casa de Cultura, são

responsáveis por preservar essa cultura de tradição, a exemplo de uma das Organizações

Não Governamentais alvo do presente estudo. Desta forma, muitos jovens da

comunidade ainda conseguem aprender e valorizar essa cultura de tradição que, aliada a

outras ações de cunho de desenvolvimento social, podem potencializar o capital social

da comunidade.

Outra característica peculiar de Felipe Camarão diz respeito à forte religiosidade

de seu povo. O bairro concentra o maior número de Igrejas evangélicas, quando

comparado aos outros bairros de Natal/RN. Em dez anos, a quantidade de templos

dobrou para mais de oitenta. Além disso, algumas das instituições que atuam com

jovens também possuem um forte viés religioso. Isso se reflete na presença de jovens na

Igreja, bem como da mesma nos diversos espaços da comunidade, a exemplo do

Conselho Comunitário que, por vezes, é utilizado para reuniões e atividades da Igreja.
108

Felipe Camarão possui vinte e três escolas (particulares, municipais e estaduais),

cinco unidades de saúde, vinte e cinco organizações comunitárias (ONG’s, Conselhos

Comunitários, Associações, etc.), três unidades de segurança pública e um CRAS. Além

disso, o bairro ainda é alvo de intervenção de atores externos, a exemplo de projetos de

extensão das universidades.

Essas informações evidenciam que, quando comparado aos demais bairros de

Natal/RN que possuem altos índices de violência, Felipe Camarão possui um número

consideravelmente maior de aparatos sociais, nos diversos níveis de atenção (saúde,

assistência, educação), apesar de ainda apresentar uma infraestrutura precária no que se

refere a questões de saneamento básico, esgotamento sanitário e equipamentos de lazer.

Vale salientar que tal informação não necessariamente significa o acesso da população

às políticas públicas essenciais. A saber, o índice de pessoas responsáveis por

domicílios que possuem de zero a três anos de estudo é de 44,5%, e outros 32,4%

possuem de quatro a sete anos de estudo (Natal, 2009). Outro aspecto importante de

destacar refere-se à localização desses espaços, que estão quase que totalmente

concentrados no centro da comunidade, dificultando o acesso da população que vive nos

assentamentos precários já listados, localizados nas regiões mais periféricas, visto que o

bairro possui uma grande extensão territorial. Na figura abaixo, podemos observar esse

aspecto no que diz respeito aos equipamentos e serviços do poder público:


109

Figura 5 - Localização de equipamentos e serviços

Dentre os espaços de intervenção citados, foram selecionadas as dez instituições

que possuem suas ações voltadas (exclusivamente ou não) para os jovens da

comunidade. Faz-se mister construir uma breve apresentação das instituições-alvo da

pesquisa antes de debruçarmo-nos na análise das informações coletadas.

4.2 – Caracterização das instituições

4.2.1 – Centro de Referência em Assistência Social de Felipe Camarão20

“A população foi à luta desde a sua fundação Todos se


empenharam em forma de mutirão
E às autoridades faziam reivindicação”
Sírlia Lima

O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Felipe Camarão é uma

instituição de caráter governamental, cuja execução é de responsabilidade do município

20
Devido a problemas técnicos, não foi possível obter a transcrição literal do grupo focal
ocorrido com a equipe do CRAS. Deste modo, todas as informações referentes a esta instituição são
provenientes dos contatos iniciais com a equipe e coordenação, bem como do diário de campo elaborado
na ocasião do grupo focal e de pesquisas documentais.
110

do Natal/RN, por meio da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social

(SEMTAS). Foi inaugurado no bairro em 2004 e conta com seis profissionais na equipe

técnica, sendo uma equipe interdisciplinar distribuída da seguinte forma: duas

psicólogas, duas assistentes sociais, uma coordenadora e um pedagogo. Além disso, a

equipe também é composta por um assistente administrativo, uma auxiliar de serviços

gerais e dois vigias, bem como cinco estagiários do Programa Bolsa Família (PBF). As

principais atividades desenvolvidas pela equipe são o planejamento das ações,

atendimento das famílias, encaminhamento para a rede de serviços, visitas domiciliares,

visitas às instituições para fins de mapeamento da rede e participação em eventos.

O planejamento ocorre semanalmente com toda a equipe, em que são realizadas

além da organização das atividades da instituição, discussões com estudos de caso, a

fim de aprimorar o atendimento interdisciplinar às famílias. Atualmente, vinte famílias

estão em acompanhamento, no entanto, o número de famílias cadastradas e que recebem

atenção do CRAS é muito maior.

Os programas e benefícios que são executados normalmente na sede do CRAS

são: ProJovem Adolescente, Plantão Social, Bolsa família, Projeto Grávida, Grupo de

Gestantes, Grupo de Idosos, Conviver, Programa de Atenção Integral às Famílias

(PAIF). No entanto, durante o período de realização dos grupos focais, as atividades de

grupos da comunidade estavam suspensas, devido à falta de infraestrutura. À exceção

do ProJovem Adolescente, que é tido nesta pesquisa como uma das instituições

analisadas, visto que, apesar de utilizar o espaço físico do CRAS e fazer parte das suas

ações, trata-se de uma iniciativa com características e objetivos próprios e que atinge

grupos específicos de jovens.


111

4.2.2 – Projeto ProJovem Adolescente

“Devemos voltar o olhar com gestos de candura


Enxergar que mora gente que vive sem estrutura
Pela falta do emprego já vive de amargura”
Sírlia Lima

O ProJovem Adolescente, projeto do governo federal já caracterizado na seção

3.2, Capítulo 3, faz parte da Política Nacional de Juventude e é destinado a adolescentes

na faixa etária entre 15 e 17 anos. Visa o fortalecimento do protagonismo juvenil e a

orientação social, profissional e cultural desses jovens, por meio de encontros de

orientação e oficinas. No ProJovem Adolescente de Felipe Camarão, a equipe é

composta por uma coordenadora, duas orientadoras sociais, uma facilitadora cultural de

dança e um facilitador cultural de desenho. Existem cerca de cinquenta adolescentes

inscritos, divididos em duas turmas (uma por turno), que contam com orientação social

em várias temáticas e facilitação cultural por meio de oficinas de dança e de desenho

(grafite). Além disso, existe um dia destinado ao lazer, no qual os jovens fazem

atividades externas, como campeonatos na praia, ida ao teatro, ao cinema, gincanas, etc.

O planejamento das atividades ocorre semanalmente, em conjunto, no qual os

profissionais têm a oportunidade de ver o que o outro vai fazer durante a semana, bem

como avaliar as atividades que foram realizadas. Apesar de as atividades exercidas por

cada profissional terem as suas particularidades, elas seguem as mesmas diretrizes, que

são construídas conjuntamente. Existem cadernos, fornecidos pelo Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) que guiam as temáticas adotadas no

programa e cabe à equipe adaptá-las à realidade específica de Felipe Camarão.

A forma de entrada dos adolescentes no programa se dá tanto de forma

encaminhada – quando os adolescentes fazem parte de famílias que são diretamente

atendidas pelo CRAS – como por meio de busca ativa, em que a equipe do programa faz
112

visitas domiciliares informando que existe o serviço e recrutando os adolescentes a

participarem, além da distribuição de panfletos e informativos, realização de gincanas,

etc.

Atualmente, o programa está com um número reduzido de adolescentes, no

entanto, foi apontado pelos profissionais que realmente existem épocas do ano em que

há uma maior evasão, principalmente porque os adolescentes não ganham nenhum

benefício financeiro diretamente. Para tentar solucionar essa questão, a equipe sempre

traça estratégias de busca ativa para poder alcançar outros adolescentes.

4.2.3 – Escola Estadual Professora Maria Queiroz

“Foi por meio do trabalho não à custa de esmola


E assim foi construída a primeira escola
Um povo que luta é um povo que decola”
Sírlia Lima

A Escola Estadual Prof.ª Maria Queiroz foi a única – dentre as 23 escolas

existentes em Felipe Camarão – escolhida para fazer parte da presente pesquisa, por se

tratar da única que possui o nível de Ensino Médio, que é o nível ofertado para os

jovens. Desta forma, as informações aqui prestadas com relação aos quantitativos

referem-se somente a esse nível de ensino. A escola passou a ter ensino médio em

Felipe Camarão em 2002 e conta atualmente com um corpo docente de quinze

professores que dão aulas em 12 turmas. A grande maioria dos professores possui

formação específica para a disciplina que ministra. Cada turma possui cerca de 40

alunos matriculados, totalizando 480 alunos. Os estudantes, em sua maioria, são

moradores de Felipe Camarão e possuem o perfil de serem trabalhadores em atividades

formais ou autônomas ou empregadas domésticas. Tal perfil condiz com o turno


113

noturno das aulas do Ensino Médio, mas ainda assim, existem altos índices de

problemas com relação à frequência dos alunos e assiduidade nas aulas e nas provas.

A escola sedia os programas Escola Aberta e Mais Educação, que são atividades

extracurriculares – não só para os jovens matriculados na escola – que visam

desenvolver atividades educativas com temáticas transversais, que ultrapassam a

educação formal.

4.2.4 – Conselho Comunitário II

“A união do povo tem caráter identitário


Construíram a igreja e o centro comunitário
O povo não se acomoda, tem espírito libertário”
Sírlia Lima

Felipe Camarão possui dois conselhos comunitários, dada a extensão da

comunidade, tanto em aspectos territoriais como populacionais. No entanto, apenas o

Conselho Comunitário de Felipe Camarão II possui perspectivas de ação voltadas para

os jovens. Deste modo, somente este atende aos critérios de inclusão no presente estudo.

O Conselho Comunitário II é composto por oito membros que, em sua maioria, são da

faixa etária jovem – o slogan da campanha para o conselho foi “juventude em

transformação”. As pessoas que fazem parte do conselho possuem um histórico de

militância com relação às questões do bairro, especialmente relacionadas à temática da

juventude.

Além da estrutura física do próprio conselho, os conselheiros utilizam também

vários espaços da comunidade para a realização de atividades, a exemplo da “Copa de

Futebol das Juventudes”, realizada dentro de uma das localidades mais precárias de

Felipe Camarão. Além disso, o espaço do conselho também é cedido para outras
114

instituições para a realização de atividades diversas, como grupos de swingueira, de

capoeira, atividades das Igrejas, etc.

A equipe do Conselho possui parceria continuada com algumas instituições da

comunidade, para a realização de ações conjuntas, a exemplo da ONG Visão Mundial e

do CRAS – ambas integrantes desta pesquisa. As principais ações do Conselho

consistem em incentivo à prática do esporte, realização de shows na comunidade,

realização de atividades alusivas ao aniversário do bairro, caminhadas pela paz,

levantamento dos homicídios contra jovens da comunidade, dentre outras.

4.2.5 – Fundação Bradesco

“O povo de Felipe Camarão é um povo habilidoso


Que luta por seus direitos, nunca fica ocioso
E hoje suas conquistas, deixa o povo orgulhoso”
Sírlia Lima

A Fundação Bradesco é uma instituição privada de fins públicos, que possui

como atividade principal a educação regular gratuita de crianças e jovens até o ensino

médio. Sua missão é “promover a inclusão social por meio da educação e atuar como

multiplicador das melhores práticas pedagógico-educacionais junto à população

brasileira socioeconomicamente desfavorecida”. A fundação existe em Felipe Camarão

desde 1989 e hoje atende a 280 alunos no ensino médio (nível de ensino em que está

presente a grande maioria dos jovens da escola). As aulas do ensino médio acontecem

no período noturno. O perfil dos alunos que frequentam as aulas é, no geral, jovens de

Felipe Camarão, que possuem algum tipo de ocupação durante e o dia e que possuem

baixo rendimento mensal. Para ingresso na instituição, os alunos passam por um

processo seletivo, referente a uma prova de conhecimentos das diversas disciplinas do

currículo escolar.
115

A instituição é tida como uma escola de excelência, tendo conseguido bons

resultados no que diz respeito ao ingresso dos alunos na universidade, bem como no

mercado de trabalho. Além das aulas regulares, a Fundação desenvolve alguns projetos

juntamente com os jovens. Alguns exemplos:

a) Projeto Cuidando do Futuro: projeto iniciado em 2006, focado na discussão

acerca da sexualidade e prevenção às drogas, no qual os alunos desenvolvem atividades

com a comunidade, por meio de enquetes;

b) Projeto Gera Atitude: projeto composto por um grupo de jovens dos ensinos

fundamental e médio, que objetiva fomentar a importância do estudo e investir na

formação dos estudantes, por meio de encontros semanais para a realização de leituras e

debates acerca de temáticas diversas da atualidade. Por meio desse projeto, os alunos

assumem o papel de multiplicadores e realizam oficinas com outros colegas para

discutirem temáticas que julgam importantes (a exemplo da preparação para a entrada

no ensino médio, realizada pelos alunos, para os concluintes do ensino fundamental: “os

mitos e verdades do ensino médio”);

c) Projeto Vale Sonhar: objetiva trabalhar a questão do projeto de vida dos

alunos, abordando temáticas que perpassam a adolescência e a vida deles de uma forma

geral;

d) Projeto Pluralidade Cultural: trata-se de um projeto de ações pontuais que

valorizam os aspectos culturais, e que acontecem em todos os segmentos da escola,

durante todo o ano, voltado tanto para os alunos como para a comunidade.

Além destes, também há atividades de fanfarra escolar, com uma banda

equipada com diversos instrumentos, bem como um curso de idiomas. Diante disso,

observa-se que há uma perspectiva diferenciada no processo de formação desses jovens,


116

que se dá para além do conteúdo estrutural, por meio da vivência nesses projetos,

possibilitando novas formas de construção da identidade desses jovens.

4.2.6 – Lar Fabiano de Cristo

“Se de um lado vemos dunas em nosso olhar vemos a tela


Que nos traz a natureza com nuances muito belas
Mas também existe gente que habita na favela”
Sírlia Lima

A Organização Não Governamental Lar Fabiano de Cristo faz parte de uma rede

nacional e tem a missão de “promover integralmente famílias em situação de exclusão

social, através do enfrentamento das causas que produzem as situações de miséria

material, social, moral e espiritual, contribuindo para o seu equilíbrio”. A equipe é

constituída por 13 pessoas, sendo uma supervisora, uma assistente social, duas

monitoras de classe, dois monitores de oficina, uma auxiliar assistencial, duas

cozinheiras, dois auxiliares de serviços gerais, um motorista e um vigia. A instituição

atua a partir das famílias que são cadastradas, oferecendo atividades tanto para as

crianças e jovens, como para os adultos e idosos do núcleo familiar. No entanto, além

dos núcleos familiares que estão cadastrados, outros jovens da comunidade participam

das atividades, mesmo sem estarem inscritos.

Para os jovens, são oferecidas oficinas de capoeira, bem como oficinas de dança

e de Karatê. Além dessas atividades, semanalmente os jovens também têm oficinas em

que são trabalhados aspectos como Folclore, Cultura e Religião. Outra perspectiva

bastante presente na instituição é a voltada para a educação infantil. Trata-se de um

projeto intitulado Desenvolvimento Criativo e Complementação Escolar – DCCE, que

consiste no reforço escolar das crianças que frequentam a instituição. Nesse projeto, as

crianças têm aula de educação regular diariamente. Durante as aulas, também são
117

trabalhadas questões relacionadas à religiosidade. A instituição é guiada pelo que

denominam de Educação do Ser Integral - ESI, em que se trabalha a evangelização das

crianças cadastradas, bem como dos idosos.

Além dessas atividades, a instituição também realiza visitas domiciliares e

acompanhamento psicossocial das famílias cadastradas, atendendo as suas demandas e

encaminhando para os serviços socioassistenciais. Também é por meio dessas visitas

que as demandas chegam à ONG, visto que as técnicas, ao realizarem as visitas,

também divulgam os serviços para potenciais novos usuários. Outras atividades

desenvolvidas pela instituição referem-se às ações de cunho assistencialista, em que há

distribuição de cesta básica e mutirões da caridade. Atualmente, a instituição trabalha

com cerca de 50 jovens, em suas mais diversas atividades.

4.2.7 – Visão Mundial – PDA Caminhos do Sol

“Devemos voltar o olhar com gestos de candura


Enxergar que mora gente que vive sem estrutura
Pela falta do emprego já vive de amargura”
Sírlia Lima

A ONG Visão Mundial faz parte de uma rede nacional, trata-se de uma

organização cristã, cuja missão é “seguir a Jesus Cristo, trabalhando com os pobres e

oprimidos para promover a transformação humana, buscar a justiça e testificar as boas-

novas do Reino de Deus”. A instituição possui tempo certo para encerrar as atividades

em Felipe Camarão. Trata-se do Programa de Desenvolvimento de Área – PDA

Caminhos do Sol, uma metodologia em que a instituição chega na comunidade,

desenvolve ações e projetos potencializadores da mesma e depois que os seus membros

estão empoderados, a mesma procura outro lugar para contribuir com suas ações. O

prazo final das ações da ONG em Felipe Camarão é 2021. Atualmente, a instituição
118

possui 18 pessoas na equipe técnica, sendo quatro coordenadores e 14 educadores

sociais, além disso, conta também com quatro estagiários remunerados. A ONG é

voltada para o público infanto-juvenil, mas também desenvolve trabalhos com mulheres

adultas e com a comunidade. Atualmente, existem 2166 inscritos, dos quais cerca de

1000 são crianças, 125 são mulheres e o restante é o público adolescente/jovem. Esse

número de pessoas abarcadas pela instituição é possível devido ao caráter itinerante de

muitas ações desenvolvidas. A equipe utilizou a metodologia de classificar Felipe

Camarão em cinco microrregiões (Peixe Boi, Granja ABC, Centro, Promorar e Fio) e

traçou estratégias para atuar em cada uma delas.

Existem três grandes projetos que compõem o PDA Caminhos do Sol:

Projeto Educação e Cidadania: engloba oficinas socioeducativas com os jovens,

a oficina Baú de Leitura, brinquedoteca, teatro, dança, capoeira, futebol e música. Essas

atividades ocorrem tanto na sede da instituição, como em pontos específicos da

comunidade, de acordo com a classificação realizada previamente.

Centro de Inclusão Digital – CID: são cursos de informática com frequência de

dois encontros semanais, oferecidos para os jovens, mas que também contam com a

presença de alguns idosos.

Desenvolvimento de Lideranças – DL: engloba os eixos de juventude, grupo de

mulheres e a Rede Social. No eixo de juventude, atualmente, a instituição trabalha com

a Copa de Futebol das Juventudes em parceria com o Conselho Comunitário, bem como

com o desenvolvimento de lideranças juvenis, por meio do grupo Atitude Jovem. No

eixo de mulheres, é desenvolvido o projeto Mulheres de Atitude. E a Rede Social é um

projeto que abarca algumas lideranças comunitárias e consiste de um espaço em que os

moradores da comunidade discutem as problemáticas e demandas do seu bairro e se

organizam para reivindicar seus direitos. Inicialmente, esse projeto foi criado pela Visão
119

Mundial e chamava-se Rede Social Caminhos do Sol, mas atualmente está em processo

de solidificação e, pelo próprio caráter transitório da instituição, os membros da

comunidade renomearam de Rede Social Felipe Camarão, que tem uma coordenação

colegiada e é composta por moradores e entidades do bairro.

Além dessas atividades a Visão Mundial adota alguns projetos especiais, ou

metodologias de ação: a) Projeto Redes, que utiliza a metodologia Gold, que se trata de

uma metodologia adaptada da Índia, em que os grupos comunitários poupam toda

semana, construindo um banco comunitário e o dinheiro é revertido para uso do próprio

grupo; b) MJ-POP, que objetiva, juntamente com os jovens, realizar um monitoramento

das políticas públicas existentes no bairro, e; c) Aflatum, que se trata de um programa

de educação financeira junto às crianças.

Outro grupo que está sendo construído na Visão Mundial é o grupo dos homens,

em que se trabalham questões relativas à saúde e prevenção masculina. Além dessas

atividades, a equipe se reúne semanalmente para formação e capacitação da equipe, bem

como para um momento devocional. O planejamento das atividades é trimestral e a

avaliação das atividades se dá por meio de relatório mensal.

Além desses projetos, a Visão Mundial possui também o setor de patrocínio,

responsável pelo cadastramento das crianças e jovens, bem como pelo relacionamento

destes com os seus padrinhos. Os padrinhos são pessoas comuns que investem na Visão

Mundial e se correspondem por cartas com uma criança específica, beneficiária desse

investimento. A cada três meses são realizadas visitas aos membros cadastrados, para o

acompanhamento tanto na área da saúde e da educação, como para incentivá-los a

participarem das oficinas e atividades desenvolvidas pela instituição.


120

4.2.8 – Núcleo de Amparo ao Menor

“Lá também tem poetas, tem cultura a granel


Tem também mamulengos do grande Chico Daniel
Vamos ter que difundir pra cumprir nosso papel”
Sírlia Lima

O Núcleo de Amparo ao Menor – NAM é uma instituição não governamental

cuja missão é “complementar e promover atividades nas áreas de educação, saúde,

esporte, lazer, arte e cultura para crianças, adolescentes e jovens”. Assim, a organização

atua com projetos de reforço escolar e de atividades esportivas e culturais com crianças,

adolescentes e jovens. Atualmente, a instituição atende cerca de 430 pessoas. O Projeto

Habilidades de Estudo – PHE oferece reforço escolar para as crianças, no contra turno

da escola, diariamente. A instituição funciona em parceria com o Serviço Social do

Comércio – SESC, que oferece contrapartida de recursos humanos e de materiais para

serem utilizados pela instituição. Há ainda o projeto Música e Cidadania, voltado para a

construção de uma orquestra sinfônica com os jovens da comunidade.

O voluntariado é uma característica bastante marcante na instituição, a exemplo

dos cursos de artesanato e culinária oferecidos por professores voluntários para as mães

das crianças e dos jovens, bem como do projeto Fazendo a Diferença com o NAM, em

que pessoas com habilidades diferentes vão até a instituição em um dia específico e

fornecem serviços como corte de cabelo, manicure, recreação com crianças, consulta ao

CERASA, dentre outros. Além disso, advogados voluntários realizam atendimento

jurídico e dois médicos voluntários realizam atendimento e levam os alunos para

fazerem a triagem e ajudarem nos atendimentos.

Além desses colaboradores, a instituição tem um quadro de profissionais

contratados composto por uma auxiliar de serviços gerais, os vigilantes, a secretária, a

diretora, a cozinheira e a professora das aulas de reforço. O sistema de financiamento da


121

ONG é por meio de doações. As doações de roupas, brinquedos e alimentos para serem

distribuídos na comunidade também são algo frequente.

O tipo de parceria que a instituição estabelece com as demais organizações da

comunidade é principalmente com relação ao espaço físico, que é oferecido para a

realização de atividades esportivas e de lazer, devido à sua boa infraestrutura.

4.2.9 – Fundação Fé & Alegria

“A cultura em neste bairro impulsiona, fervilha


Palpita no coração e o povo segue a trilha
Com a ginga da capoeira, com a arte o povo brilha”
Sírlia Lima

A Fundação Fé & Alegria é um movimento nacional de educação popular

integral e de promoção social. Tem caráter não governamental e atua baseado na

educação voltada principalmente ao público infantil. A instituição atua na comunidade

desde 2002. De uma forma geral, a instituição é guiada por valores de cunho religioso e

de assistencialismo. Os jovens estão inseridos na instituição por meio do serviço

voluntário, em que eles desenvolvem ações junto aos grupos e oficinas existentes.

A principal atividade da ONG é o reforço escolar, que funciona como um

complemento educacional à escola regular. Além desta, existem também atividades de

arte integrada e de capoeira. Nas oficinas de arte, as crianças aprendem instrumentos

musicais como flauta e violão. A instituição oferece também aulas de informática.

Uma das principais contribuições da Fundação à comunidade é a biblioteca, que

possui um acervo relativamente grande e que é visitada por diversos membros da

comunidade, de diferentes faixas etárias. Os jovens que atuam como voluntários

realizam oficinas de capoeira, bem como encontros com um grupo de idosos.


122

As ações da instituição funcionam de forma integrada, de modo que os

integrantes de uma atividade também têm acesso a outra e os facilitadores de diferentes

ações trocam ideias acerca de como o trabalho está sendo desenvolvido. O sistema de

avaliação das ações se dá por meio de relatórios semanais.

4.2.10 – Conexão Felipe Camarão/Companhia Terramar

“O povo de Felipe Camarão é um povo guerreiro


É a casa do Boi de Reis do grande Mestre Marinheiro
O povo herdou essa cultura e espalhou pro mundo inteiro”
Sírlia Lima

A Conexão Felipe Camarão é uma ONG que se tornou um Ponto de Cultura e

que busca resgatar a cultura de tradição existente em FC. Sua equipe é composta pelos

mestres de tradição, bem como pelas oficineiras e pela coordenação. A grande maioria

das atividades é voltada para o público jovem, mas também são desenvolvidas ações

para mulheres adultas e idosas. As atividades desenvolvidas com os jovens visam

integrar educação, cultura e desenvolvimento humano.

As principais são: capoeira, luteria de rabeca (oficina de fabricação do

instrumento musical rabeca), oficina de boi-de-reis, musicalidade da rabeca, flauta,

percussão, cultura digital e bordado. As oficinas ocorrem semanalmente, de forma

integrada e sempre focadas na cultura de tradição, inclusive a de cultura digital. O

planejamento das atividades também ocorre semanalmente, com toda a equipe, bem

como anualmente.

A instituição atua em parceria com as escolas públicas, realizando eventos de

cultura de tradição, que servem como incentivo à valorização das raízes culturais do

bairro, bem como de divulgação do trabalho desenvolvido para potenciais interessados.

Uma característica forte dessa instituição é que a grande maioria de seus profissionais
123

reside em Felipe Camarão há muitos anos, o que fortalece o sentimento de valorização

das tradições da comunidade.


124

III – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

“Quem erra na análise, erra na ação.”


Palmiro Togliatti

Uma vez feita a caracterização das instituições que foram objeto de estudo dessa

pesquisa, procedemos à análise das informações obtidas a partir da realização dos

grupos focais nesses espaços. Para tanto, optamos por dividir esta seção em duas partes,

de acordo com a estrutura da investigação. Tendo como eixo central as ações de

enfrentamento à violência na juventude, optamos por, inicialmente, discutirmos os

aspectos relacionados ao discurso dos profissionais acerca do processo da violência em

Felipe Camarão, identificando o que estes pensam sobre essa realidade e como isso

influencia nas iniciativas que desenvolvem e que são voltadas para a juventude do

bairro.

Em seguida, caracterizaremos de um modo geral os objetivos das ações

realizadas na comunidade, bem como a possível articulação interinstitucional dessas

ações, abordando aspectos referentes à natureza das atividades desenvolvidas, o perfil

do trabalho desenvolvido e a abrangência das ações. Além disso, faremos uma análise

acerca das possíveis implicações dessas ações nos contextos de violência que perpassam

a juventude que é público-alvo dessas instituições, identificando como esses

profissionais avaliam as dificuldades e as possibilidades das suas atividades nesse

processo de enfrentamento da violência.

Vale salientar que, em conformidade com o compromisso ético com os

profissionais que contribuíram para essa pesquisa, e com o acordo feito ao início de

cada grupo focal, as informações aqui apresentadas não terão identificação institucional.

Desta forma, apenas para fins de organização textual, optamos por renomear
125

aleatoriamente as instituições, que serão a partir de agora representadas por Instituição

1, Instituição 2... Instituição 10.

1. O que pensar sobre a violência?

“Do rio que tudo arrasta se diz violento. Porém ninguém diz
violentas as margens que o comprimem.”
Bertold Brecht

O estudo da violência, seja na perspectiva da segurança pública, seja por meio de

recortes específicos de tipos de violência ou de público atingido, apresenta-se cada vez

mais presente tanto na comunidade científica, como na agenda pública.

Especificamente no campo da juventude, a abordagem mais pautada tem sido a

violência urbana; não por acaso, visto que uma das principais problemáticas dos centros

urbanos diz respeito à violência, e a juventude tem protagonizado esse espaço, seja

como vítima ou algoz. No entanto, essa problemática não aparece de forma isolada.

Outros fenômenos sociais decorrentes do processo de desenvolvimento do capital e da

concentração de riqueza, tais como a pobreza e a falta de acesso a direitos básicos,

muitas vezes coexistem com o fenômeno da violência urbana:

a violência urbana não é um fenômeno isolado: a urbanização caótica, a


densificação ou a privatização dos espaços públicos, a segregação social e
racial leva a considerar as atividades informais e ilegais, violentas ou não,
como indicadores de uma transformação mundial da civilização urbana. A
informalização da urbanização é uma resposta das populações carentes à
globalização e às políticas de segurança, na medida dos seus meios.
(Pedrazzini, 2006, p. 23).

Os centros urbanos consolidam o seu desenvolvimento de modo a segregar os

setores da sociedade de acordo com o seu nível econômico. Essa segregação de acordo

com os níveis de renda aparece de forma mais ou menos visível em diferentes centros

urbanos, a depender da forma como foram sendo ocupados os diversos espaços das
126

cidades ao longo dos anos. Sobre essas formas de ocupação urbana, Pedrazzini (2006)

aponta que é preciso:

compreender o impacto da globalização econômica no destino das grandes


aglomerações, na urbanização do mundo contemporâneo e também o modo
como as indústrias globalizadas reagem para romper a coesão social e
mergulhar os habitantes das cidades na pobreza e na violência (p.14).

Assim, nem sempre o progresso na economia de determinada cidade significa a

redução das problemáticas e a melhoria de vida da população como um todo. Nos

espaços de menor concentração de riqueza, o impacto do desenvolvimento econômico

tem sido pouco ou quase nenhum. Temos, então, que o desenvolvimento econômico de

uma região não necessariamente está relacionado ao desenvolvimento social da

população. Esse abismo existente entre as duas formas de desenvolvimento faz emergir

e acirra fenômenos sociais indesejáveis, cuja compreensão ultrapassa uma explicação

simples, e necessariamente nos remonta às desigualdades produzidas pelo regime

capitalista.

Wacquant (2008), ao caracterizar o que seriam os guetos, nos países de primeiro

mundo, nos dá subsídios para compará-los às favelas brasileiras, quanto à sua

organização interna, principalmente no que diz respeito à forte diminuição da presença

de um Estado de bem estar, que acaba por permitir a criação de um poder paralelo,

considerado como ilegítimo e que deve sofrer repressão. Eis que surge o Estado Penal

com a justificativa de conter esse poder nesses espaços. Assim, é importante não nos

limitarmos a discutir somente acerca da relação da violência com os demais fenômenos

decorrentes desse processo de segregação nos centros urbanos, mas sim, em que medida

ele tem contribuído para a reorganização da natureza dessa violência.

Em Natal/RN, esse processo se deu de forma extremamente excludente, na qual

os bairros mais ricos concentram-se em duas das quatro regiões administrativas da


127

cidade, enquanto que nas outras duas, concentram-se os bairros cujo poder aquisitivo da

população está em uma média bem inferior. Os poucos bairros pauperizados que se

localizam nas duas regiões com maior poder aquisitivo, acabaram sendo “engolidos”

pelos grandes empreendimentos ao seu redor, tornando-se invisíveis aos olhos de quem

trafega nas principais ruas da cidade. O mesmo ocorre também com os bairros das

outras duas zonas, que, apesar de corresponderem a mais de 50% do território natalense,

acabam por se tornar invisíveis, visto que o acesso a bens e serviços (públicos e

privados) se concentra nas zonas mais abastadas. Conforme assinalado, Felipe Camarão

está localizado na Zona Oeste, uma das duas regiões que possuem os menores índices

de renda per capita. Condizente com a sua região administrativa, os seus moradores

também possuem, em média, um baixo poder aquisitivo. Inclusive, inferior aos demais

bairros da sua própria zona.

Vale salientar que esse processo de segregação espacial não ocorre somente

interbairros. Dentro de um mesmo bairro, também encontramos desigualdade social,

que reflete na ocupação desigual do território. Esse fenômeno vai além do aspecto da

distribuição de renda, tendo impacto também no acesso aos serviços existentes na

própria comunidade, bem como no modo de funcionamento das relações comunitárias.

Em Felipe Camarão, conforme apresentado, existem atualmente oito

assentamentos precários, marcados pela ausência de serviços públicos e de

infraestrutura apropriada, tanto das residências, como no que tange à pavimentação e

iluminação das ruas, além do isolamento ou acesso limitado a outros pontos da

comunidade e a outros bairros. Conforme apontado em um dos grupos:

Vieram pra cá porque aqui uso e regulação do solo não existia,


Instituição 5 então foram ocupando, ocupando, ocupando, e fizeram aquele
amontoado de gente que começou a ocupar aquilo ali com regras
próprias, com toda uma política de ocupação do território e que
128

hoje é difícil, né, de controlar.

Porque no momento em que a gente tem exclusão do espaço


geográfico, ou seja, a gente tem a desvalorização do território;
atrelada tá a desvalorização do elemento humano que ocupa
aquele território. A questão da desvalorização das áreas que são
ocupadas por famílias que não têm um bom poder aquisitivo, que
muitas vezes são posseiros, foram pessoas que se você for
investigar a origem, né, cultual delas, elas têm raízes
fundamentadas nos interiores.

Essas verdadeiras ilhas de pobreza estão localizadas nas regiões mais periféricas

do bairro, próximas às áreas de preservação ambiental, nas encostas das dunas e na

região de mangue. É nesses espaços que existe o terreno mais propício para o

fortalecimento de regras próprias, inclusive de resolução de conflitos por meio da

violência. Conforme discutem Pinheiro e Almeida (2006), a incidência da violência em

áreas dessa natureza é tanta que ocasiona a desagregação da comunidade e o fim dos

espaços públicos. Desta forma, a violência tem se tornado um fenômeno usual na vida

dos jovens, junto às difíceis condições de subsistência e aos vínculos familiares muitas

vezes desestruturados.

Acerca da influência dessa dinâmica na vida dos jovens, Krug et al. (2002)

discutem que:

As comunidades em que os jovens vivem, exercem uma importante


influência sobre suas famílias, a natureza dos seus grupos de colegas e a
maneira como eles podem ser expostos a situações que levam à violência.
(...) Nas áreas urbanas, aqueles que moram em bairros com elevados índices
de criminalidade têm maior probabilidade de se envolverem em
comportamentos violentos do que os que vivem em outros locais. (p. 36)

Vale apresentar alguns excertos de falas trazidas pelos profissionais das

instituições estudadas, acerca do processo de localização da incidência da violência em

Felipe Camarão:

Instituição 5 E perto da escola, né, não tem. É assim, em ruas mais afastadas
129

[Edleuza21 interrompe: No pé do morro, nos lugares escuros], mais


escuras, em pé de morro, né... É mais assim.

E é um problema porque, assim, são dentro dessas comunidades que


existem grupos, grupos rivais, grupos que militam pra traficantes,
entendeu? E vão se digladiar, entendeu?
Instituição 8
Até os próprios projetos e serviços, tem dificuldade de entrar lá. De
chegar nesse espaço, entendeu? Então assim, esses são os jovens
que são vitimizados.

Quem conhece o bairro fala “essa rua tal já não é boa de morar”,
porque já é mais violenta, sabe? A questão das bocas de fumo, que
eles sabem onde é, que já têm acesso.

E tem o lado bom e o lado ruim de morar, né? É porque aqui tem
Instituição 7
isso, a divisão. “Porque aqui é bom de morar, aqui não, aqui já não
presta...”.

Já tem uma rua que é a rua da morte, entendeu? Que é aqui perto
do Fio, já aconteceu vários assassinatos.

A gente às vezes ouve relatos de alguns de alguma forma, mas a


violência acontece mais na periferia da comunidade, nessa faixa do
movimento e do aglomerado de pessoas acontece uma violência
Instituição 2 mais, devido à periferia do bairro.

Mas o que a gente vê e ouve é que “ah, não sei quem, de não sei
aonde aconteceu isso”, mas não achega até aqui.

Então, essa violência, ela se dá, na minoria de Felipe Camarão. (...)


Instituição 3
Aí, esse é a minoria. E não a grande parte de Felipe Camarão

Os trechos acima indicam que o fenômeno da violência se apresenta mais

frequentemente associado a pontos específicos da comunidade. Há escassez ou ausência

de iniciativas nesses espaços, seja do poder público ou da sociedade civil. Uma das

consequências dessa carência é que os jovens dessas localidades normalmente não

chegam às instituições.

21
Todos os nomes próprios de profissionais que aparecem nos fragmentos de textos utilizados
são fictícios
130

Retomando a discussão acerca da relação antagônica entre violência e política

(Pinheiro & Almeida, 2006), percebemos que, num espaço em que o fenômeno da

violência aparece de forma mais acentuada, cujas práticas sociais são pautadas em uma

série de regras estabelecidas por formas alternativas de poder, não há espaço para o

movimento político. Em seu lugar, ocorre a disseminação de práticas que não

correspondem ao fortalecimento do tecido social – e que contribuem para o seu

enfraquecimento –, tais como a proliferação do narcotráfico e do uso de entorpecentes.

Da mesma forma, se esses espaços consistissem de territórios pautados pelo

protagonismo político, certamente, a forte influência dessas formas alternativas de

dominação de uma comunidade poderia ser paulatinamente dirimida.

Vale salientar que, apesar da predominância das violências ocorridas em FC

serem apontadas enquanto oriundas dessas regiões mais pauperizadas, não é verdade

que nesses espaços só existem sujeitos perpetradores e proliferadores da violência.

Sobre esse debate da associação entre pobreza e violência, é válido apresentar algumas

das concepções advindas das instituições pesquisadas:

Mas era pra eu saber onde era que eu estava. E eu fui andando e
passando... Vendo aquelas pessoas carentes. Chegava a ser
paupérrimo, mesmo. Mas o que eu notei, é que eles têm a
Instituição 3 educação muito grande. Andando por eles e vendo, falando com
eles, convivendo com aquelas pessoas. E percebi, que a
violência, ela não anda em conjunto com a carência não. Ela
anda ao lado.

E dentro da favela é onde estão as pessoas mais humildes. Onde


é fácil um traficante desses por aí, um laranja desses, vir com um
Instituição 1 pacotezinho, pegar uma criança que tá aí: “Meu filho vá deixar
isso aqui em tal canto”. Dá na mão dele uma nota de 100 reais,
ele nunca viu falar em 100 reais, só ouviu falar, nunca pegou né?

Eu acredito que exista uma relação, não é a grande causa, não é,


porque aí se eu disser que é a grande causa, a gente vai dizer
Instituição 6 que todo pobre é ladrão, que todo pobre é assassino e não é por
aí, a gente sabe, a gente vê nos noticiários que tem gente da elite
que rouba, tem político que rouba e é podre de rico. Tem gente
131

da elite que mata e não precisava matar, entendeu... E assim, é


um dos fatores da violência, mas não é a grande causa. Porque
aí a gente está generalizando e isso aí não é bom.

Mais uma vez, incorremos à importância de não cair na falácia da periculosidade

natural advinda da pobreza. Nesses territórios, as pessoas, apesar da imensa gama de

violações de direitos, não necessariamente estão ligadas à criminalidade violenta.

Ocorre que, quando comparadas a outras regiões, normalmente há uma maior

concentração de incidência de violência nesses espaços. E isso não significa que a

maioria das pessoas contribui para essa violência. Na realidade:

os moradores dos bairros pobres, considerados como produtores da


violência humana, segundo a crença de que a miséria tornaria o homem
violento, são, em realidade, suas maiores vitimas. (Pedrazzini, 2006. p 19).

De acordo com Pinheiro e Almeida (2006), isso significa dizer que os moradores

dessas regiões têm mais risco de serem mortos – ou sofrerem outros tipos de violência –

do que aqueles de regiões mais abastadas. Os autores apontam ainda que a população

das áreas urbanas tidas como mais violentas é composta por cidadãos que obedecem as

leis, que vivem a mesma cultura urbana e que possuem os mesmos valores que outras

parcelas da população.

E é a partir desse enfoque que deve ser encarado o fenômeno da violência

urbana que recrudesce nos territórios pauperizados. Como uma violação gravíssima que

assola o espaço público – e que é multideterminada –, a violência tem sido reflexo de

um Estado que não ainda não conseguiu se consolidar como democrático, nem de

direito.

Obviamente, diante dessa complexidade, existem fatores concretos que

contribuem para o fortalecimento dessa cultura da violência, que precisam ser debatidos

e incluídos no processo de enfrentamento. Dedicaremos as próximas seções a discutir

alguns desses determinantes.


132

1.1 – A influência do consumo e do tráfico de drogas no processo da

violência na juventude

“Um bairro cercado por dunas e também contradição


Se de um lado tem cultura de outro tem preocupação
Se a droga adentrou a cultura é a salvação”
Sírlia Lima

O aumento do uso de drogas em FC, especialmente por parte dos jovens, foi

apontado como um fator que está cada vez mais generalizado na comunidade. Seja

drogas tidas como mais leves, até as consideradas mais perigosas. Os relatos dos grupos

apontam que antigamente não era comum encontrar pessoas usando drogas durante o

dia, em lugares públicos.

Foram identificadas nos grupos algumas possíveis causas para esse aumento do

consumo, que são importantes de destacar:

a) A falta de repressão da polícia ao se deparar com jovens utilizando drogas;

b) O dinheiro que os jovens recebiam nos projetos estaria facilitando o acesso

às drogas;

c) A falta de intervenção da família na vida dos jovens.

Diante desses pontos levantados, percebemos a seguinte contradição: como uma

instituição que se propõe auxiliar no combate aos contextos de vulnerabilidade dos

jovens aponta a falta de repressão policial e não destaca também a ausência de medidas

preventivas com relação à temática do uso de drogas? Além disso, essa mesma

instituição fez críticas à forma como a polícia atua dentro do bairro, com o abuso da

força e a criminalização da juventude.

Consideramos que a realização de uma intervenção mais qualificada – e não só o

seu aumento quantitativo –, associada às práticas de prevenção, poderia ter um resultado


133

mais eficaz, não só com relação ao uso de drogas, mas também à violência de uma

forma geral.

Com relação às condições de compra devido ao dinheiro recebido pelos projetos,

de fato, o fácil acesso à compra das drogas pode ser um potencializador para o seu uso,

no entanto, a perspectiva de quem trabalha diretamente com esses jovens, no

enfrentamento dos contextos de violência que perpassam, deveria ter um caráter muito

mais reflexivo e propositivo, no sentido de resgate da cidadania e participação dessas

pessoas. Fazer o julgamento de que o aumento do consumo decorre do aumento do

acesso à renda consiste numa análise bastante limitada da realidade e nos faz questionar

a respeito da concepção de violação de direitos que perpassa essas instituições. Uma vez

que muitas vezes o critério de inclusão é exatamente o baixo nível socioeconômico,

pressupõe-se que as ações dessas entidades seriam na direção de auxiliar de alguma

forma nessas condições de vida, independente da natureza das ações, e isso é

incompatível com a concepção de que o acesso à renda gera o aumento do consumo de

drogas por parte dos jovens.

Sobre o último argumento, a responsabilização do papel da família, não só com

relação ao uso de drogas, mas também se referindo a outros aspectos da violência,

apareceu recorrentemente nas discussões. Tais apontamentos são importantes pontos de

reflexão, principalmente ao considerarmos o caráter religioso de muitas das instituições.

Mesmo que suas ações não sejam necessariamente voltadas para o ensino da religião ou

para práticas religiosas, observamos uma predominância do discurso e da ação com um

caráter mais moralista, responsabilizante e que tem os valores familiares como eixo

central. As instituições em que apareceu o discurso mais forte de responsabilização da


134

família coincidem com as que possuem uma tendência à realização de ações de caráter

mais assistencialista22. Por ora, ressaltamos que, apesar de termos clareza que a família

constitui uma entidade fundamental na formação dos sujeitos, consideramos que o

principal fator a ser discutido com relação ao consumo de drogas deveria perpassar a

atenção do Estado junto a esses jovens, a partir de uma perspectiva preventiva.

Os profissionais apontaram que essa realidade de aumento do consumo contribui

para a prática de pequenos atos delituosos em toda a região. Esses atos se diferenciam

dos crimes contra a vida, que estariam relacionados à rede do tráfico e às suas regras.

Consistiriam de pequenos furtos, assaltos e possíveis agressões, decorrentes da

manutenção do vício. Essa realidade, apresentada pela maioria das instituições,

contribui para o fortalecimento de uma cultura do medo e da criminalização.

Além do consumo de drogas, e talvez bem mais relacionado com os contextos de

violência, os apontamentos acerca do domínio do tráfico em FC merecem atenção

especial. A combinação de vários fatores favorece o estabelecimento de regras próprias,

por parte de determinados líderes, que devem ser seguidas por todos de uma

comunidade específica. Nos centros urbanos, um dos principais fatores que determina

esse poderio é o tráfico de drogas. Essa atividade tem tido, historicamente, influência

direta no processo de recrudescimento da violência. Feffermann (2006) destaca que a

droga não consiste uma realidade recente, entretanto, o tráfico e a rede organizada de

crime que ela abarca constituem um mal da sociedade contemporânea.

Assim, falar nos efeitos da rede do tráfico não se dissocia do debate do contexto

neoliberal. À medida que uma sociedade possui características excludentes –

22
A natureza das ações das instituições será abordada no capítulo seguinte.
135

principalmente no acesso aos bens de consumo e oportunidades de inserção em

atividades laborais legais –, abre-se um terreno propício para a emergência e

fortalecimento de práticas à margem da lei, que visem a inserção alternativa na lógica

do capital. Desta forma, o fenômeno das drogas na contemporaneidade precisa ser

entendido a partir do contexto da cultura do consumo:

O tráfico de drogas é um protótipo da sociedade de consumo, ao expressar


toda a violência embutida nesta e produzir ainda mais violência. A droga
talvez seja o tema que melhor revele a sociedade contemporânea: é
abrangente, multifacetada, lúdica e cruel. O tráfico de drogas, do mesmo
modo que outros mercados ilegais, aparece como resposta à marginalidade
econômica de países, regiões ou parcelas da população, vítimas do
crescimento econômico desigual e da desilusão social; e das constelações de
tensões e conflitos e antagonismos. (Feffermann, 2006, p. 35).

Vale salientar que não consideramos que a violência e o tráfico de drogas são

fenômenos equivalentes, apesar da associação existente entre eles. Ocorre que, o fator

da ilegalidade do tráfico legitima a violência como melhor alternativa para as relações

conflituosas (Feffermann, 2006). Além disso, dada a lucratividade dessa atividade, há

uma contribuição para o crescimento de “oportunidades de trabalho”, cooptando cada

vez mais jovens e complexificando as redes desse mercado. Observemos os seguintes

excertos:

O crime é o crime organizado a partir do tráfico de drogas, da


venda das drogas, das rixas entre os grupos, mas tudo isso
envolvendo a questão do crime organizado, é a venda de armas,
Instituição 2
né, que a gente pensa assim... “ah só é o universo das drogas”,
não, tem um universo paralelo, tem a venda de armas, tem a
prostituição que é também, que dá muito lucro, né? Muito lucro e
é a questão das drogas em si, do tráfico.

Esses homicídios que ocorrem são sempre por causa de droga, de


Instituição 10
gangue ou de namorado.

Prestação de contas, né. Muitas vezes está associado também a


Instituição 5 prestação de contas por causa de droga.

O diferencial que se encontra aqui é que na grande maioria das


vezes, essas práticas de acabar com as vidas estão associadas à
136

questão de drogas. O envolvimento com drogas é bastante comum


de acontecer.

O principal aqui é o avanço do tráfico. Eu acho que


principalmente porque a cocaína ela está muito forte hoje, a
cocaína está muito forte. Talvez porque tenha a refinaria por aqui,
não é?

Se encontrar Máfia com Gangue tem realmente confusão, tem


Instituição 9 realmente briga. E está sendo isso, eu acho que a influência
mesmo, do tráfico, está grande, viu?

O tráfico de drogas está muito forte. Chega um menino pra mim e


faz “Sim, se eu for trabalhar eu vou ganhar um salário mínimo,
certo? Mas em um final de semana eu ganho vinte mil reais
vendendo cocaína”. Quarenta mil ao todo, vinte pra ele e vinte pro
cara.

Então assim, eles também procuram um meio de ganhar dinheiro,


Instituição 4
como num conseguem, num conseguem, né, aí veem o trafico como
meio fácil de ganhar dinheiro.

Mas, com esse jovem especificamente, esse jovem que tá no


tráfico, esse jovem, que é usado como ferramenta de trabalho no
tráfico, nesse jovem a gente não consegue chegar ainda. A gente
tem pouquíssimas experiências, ou quase nenhuma, que trabalha
com esse jovem, né?
Instituição 8
E isso é um mercado que as pessoas, eles, fortalecem pra ganhar
dinheiro com isso, né? Aí vem a história de quem trabalha com a
droga, né? Entendeu? Quem trabalha com a droga, quem vende,
quem fornece droga pra Felipe Camarão, né? Quer que crie essa
rivalidade entre os bairros, entendeu?

Pelo imediato mesmo. Porque é mais fácil pra eles ir pra um


curso, fazer um curso de seis meses no Centro Público do Alecrim,
depois ter que procurar um emprego, ou começar a vender alguma
Instituição 7
coisa que receba o dinheiro agora? É mais pra eles vender alguma
coisa, droga ou sei lá. E aí por isso muitas vezes ele acaba
entrando no mundo das drogas, no mundo do vício, no tráfico por
causa da facilidade e da urgência em ter essas coisas.

O mercado do tráfico trata-se de uma complexa realidade, que se intensificou

nos últimos cinco anos no bairro de Felipe Camarão, contribuindo para o encantamento

dos jovens, seja por proporcionar um fácil acesso aos bens de consumo, ou por se
137

apresentar como facilitadora do processo identitário, no sentido de que favorece o

sentimento de pertencimento a um grupo. Esses fatores acabam por prevalecer sobre o

ônus dos riscos a que esses jovens se submetem ao ingressar nesse mercado. Parece-nos

que tais riscos que não têm amedrontado os jovens inseridos nessa lógica, ou os

incentivado a deixá-la. Ora, em um processo de histórica invisibilidade e falta de

quaisquer perspectivas de um futuro diferente do que já lhes é imposto, a possibilidade

de acesso aos bens de consumo e o deslumbramento com o poder e visibilidade se

tornam importantes atrativos nesse processo de cooptação, ainda que isso possa lhes

custar a liberdade ou a própria vida.

Vale salientar que, a organização do tráfico consiste numa complexa estrutura

pautada por uma hierarquia rígida, mas que dá possibilidades de ascensão. Feffermann

(2006) discute que a ascensão nos níveis da divisão do trabalho é permitida quando o

sujeito demonstra uma característica fundamental: a disposição para matar. Eis mais

uma característica encantadora aos olhos dos jovens. Se em uma lógica de mercado

dentro da legalidade, o máximo que eles irão conseguir, com muito esforço, será ocupar

postos subalternizados de trabalho, com extensa jornada diária e retribuição pecuniária

aquém das suas necessidades, a oportunidade de ingressar em um esquema altamente

lucrativo, em várias esferas da vida, lhes parece, de fato, uma alternativa bem razoável.

Essa realidade impacta a vida dos jovens de diferentes maneiras. São formados

grupos/comandos/facções que se tornam rivais possuem divergências entre si,

geralmente por disputa de território e por imposição do poder. Ao mesmo tempo,

internamente, esses grupos alimentam o sentimento de fidelidade e confiança entre os

seus membros. Esse sentimento de pertencimento, aliado à competitividade intergrupos,

características das relações do tráfico, são fatores importantes nesse processo:


138

A condição que sustenta o modo como o tráfico de drogas se organiza é a


ilegalidade. Dois valores norteiam os procedimentos organizadores das
relações interpessoais e comerciais: a confiança, que se revela em
cooperação, e a violência, que se manifesta na confrontação. Pelo fato de o
tráfico caracterizar-se como mercado ilegal, surgem os problemas de se ter
que evitar a repressão estatal e dispor de força para atacar e se defender dos
competidores. Considerando não haver nenhum Estado regulador, os
empresários do tráfico baseiam suas ações na confiança e na repressão.
(Feffermann, 2006, p.25).

Outro aspecto importante de destacar, mencionado no trecho da Instituição 9, diz

respeito às torcidas organizadas. Máfia e Gangue consistem de duas torcidas rivais, dos

maiores times de futebol da cidade do Natal/RN. Por vezes, é por meio do

pertencimento a esses grupos que a influência do tráfico é potencializada. Conforme

apontado no trecho a seguir, esse fenômeno também não está dissociado da lógica do

consumo:

Porque assim, os jovens da gangue, por exemplo, né? Se ele é


estimulado a não gostar do jovem da máfia, ou qualquer outro
jovem, entendeu? Ele consome coisa da gangue. Isso é caro.
Consome camisa da gangue, compra um chapéu da gangue,
música da gangue. E isso é um mercado que... As pessoas, eles,
Instituição 8
fortalecem pra ganhar dinheiro com isso, né? Aí vem a história do,
de quem, quem trabalha com a droga, né? Entendeu? Quem
trabalha com a droga, quem vende, quem fornece droga pra
Felipe Camarão, né? Quer que crie essa rivalidade entre os
meninos, entendeu?

Ainda nessa direção, um fator apontado nas Instituições 8 e 9, diz respeito à

aquisição de motocicletas e mobiletes, que aumentou significativamente nos últimos

três anos na comunidade, bem como, a incidência de crimes praticados com a sua

utilização. De acordo com as falas apresentadas, esse fator tem estreita relação com a

prática de grupos que lidam com o tráfico. O meio de transporte consistiria um

facilitador da rotina dessa rede, dada a agilidade e discrição que possibilita. Além dessa
139

prática, a Instituição 8 apontou também outras formas de atuação que se fortaleceram

nos últimos anos, que foram atribuídas às práticas higienistas no sudeste do país:

A gente tá recebendo práticas do sudeste do país, aqui, no nosso


bairro. Na nossa Região Oeste, né? Coincidentemente, quando
começaram a limpar Rio de Janeiro e São Paulo, essa limpeza
mesmo étnica mesmo, do pobre ter que, ou morrer, ou sair de lá,
porque tem algo preparado aí pra 2014, e a coisa lá vai ter que
estar bonita. Então nós recebemos na nossa Região Oeste daqui de
Natal, pessoas da região sudeste, que eram daqui, e foram pra lá,
e voltaram. E voltaram com práticas de quê? De grupos de
Instituição 8 extermínio. Com prática de fechar comunidade. Com prática de
dar aos jovens meio de transporte pra se locomover na
comunidade. Coincidentemente, se você for olhar nos últimos 3
anos, todos os jovens receberam, tem facilidade de comprar
mobilete nessa comunidade. Isso é uma prática de grupos, de
pessoas que lidam com o tráfico, que vivem do tráfico, entendeu?
Que fortalece a comunidade nesse sentido, entendeu? Traz
prática, prática de assassinato, de extermínio de jovem, quando
não paga, entendeu? Quando consome e não paga, né?

Essa realidade estreita ainda mais a relação existente entre o tráfico e a

violência. Tem-se uma lógica em que dívidas e delações a grupos rivais, ou outros

motivos banais, são motivos concretos para os chamados “acertos de contas”, e tem-se

cada vez mais o descarte da vida de milhares de jovens. Sobre essa banalização da

violência letal, especialmente ligada ao tráfico, separamos alguns excertos:

Fulano é útil, fulano não é mais útil, então vamos eliminá-lo, né. E
às vezes não tem um motivo aparente (...). Então se faz uma limpa,
como os alunos dizem: teve uma limpa na rua tal, sobrou pra todo
mundo, teve tiro e várias pessoas foram abatidas, mas quem criou
essa limpa? Que regras estão determinantes aí? É, a gente não
entende nada dessas regras próprias deles, né.
Instituição 5
É verdade, e a prática tem sido cada vez mais constante aqui, né,
eu acho que nós que estamos aqui há algum tempo, a gente não
ouvia com tanta frequência essa questão, né, de morreu ali na
esquina, foi atingido por uma bala, matou. Então, só o mês
passado nós tivemos vários casos em praticamente uma semana,
então, a gente tem percebido que a situação tem se agravado.
Instituição 8 E isso, nesses últimos três anos, tem sido com uma frequência
140

muito maior, né? Nós vivíamos isso até o a década de 80. No final
da década de 80, 90, início dos anos 2000, a gente estava meio
calado, meio quieto, uma coisa. Mas agora, de 2008 pra cá, a
coisa meio, realmente... Voltou com muita força.

Isso é uma prática de grupos, de pessoas que lidam com o tráfico,


que vivem do tráfico, entendeu? Que fortalece a comunidade
nesse sentido, entendeu? Aí gente vê prática de assassinato, de
extermínio de jovem, quando não paga, entendeu?

Eu tenho uma estatística que é um pouco preocupante, né? A gente


foi pra 37, ontem, à noite. Ontem à noite nós fomos pra 37 pessoas
mortas aqui no bairro, né? No ano de 2011. E, assim, destes, 35
eram jovens, né?

Está demais agora. Tinha dado um tempo, mas agora a matança


está começando a acontecer de novo.

Domingueira ou DJ, eles se reúnem em grupo para brigar. Então


eles marcam mesmo por Orkut, MSN, “Olha, vai ter festa em tal
Instituição 9 canto e lá que a gente vai se reunir pra brigar”. Então eles vão lá,
já vão todos drogados, são os comandos.

Mas parece que hoje em dia o pessoal diz que cada vida tem um
preço, até dez reais é um preço, um real é um preço, até um
cigarro é o preço.

Então assim, é rotina, e infelizmente a gente acaba se


Instituição 7
acostumando a viver no meio disso tudo, dessa guerra.

E eles comentam com a maior naturalidade, eles falam quando


acontece: “tia mataram fulano, aí eles tem uma briga, né, tia
Instituição 4 mataram fulano”.

Todo hora tem morte aqui. Toda semana tem dois três, é.

Às vezes é rixa individual, num joguinho de futebol, o pessoal


Instituição 1 briga por questões como essa. Ontem mesmo uma pessoa foi morta
por uma ponta de cigarro a pessoa disse que não ia dar.

“São casos repetidos... Só esse ano foram três homicídios nessa


Instituição 10
Rua Santa Helena. Está banalizada a violência.”

Essas falas apontam um processo de banalização da violência. Ao mesmo tempo

em que discutimos que há uma maior concentração da violência dentre os jovens

inseridos nos contextos de determinadas localidades, nos parece que a cultura da


141

violência aparece de forma evidente em todo o bairro, ainda que a vitimização letal

atinja um grupo específico de jovens da comunidade. Considerando que, para além do

tráfico, as questões apontadas como fatores causadores da violência perpassam motivos

banais, como rixas, brigas e outros aspectos rotineiros, é compreensível a sensação de

que a violência está em evidência em FC.

Os pequenos atos violentos do cotidiano, cometidos muitas vezes


involuntariamente, passam despercebidos. Foram banalizados pela cultura
da violência. Nesta perspectiva, a sociabilidade violenta pode ser
caracterizada pelas estratégias utilizadas como instrumentos para a inclusão
dos sujeitos na vida social, dado pelo processo de auto-afirmação.
(Abramovay et al., 2010, p. 44).

Em uma comunidade permeada pela cultura da violência, a naturalização de atos

violentos é retroalimentada pelo individualismo, consumismo e competição

(Abramovay et al., 2010). Além disso, o aumento do acesso a armas de fogo e a

complexificação das redes dos empresários23 do tráfico também são aspectos imbricados

nesse processo:

o debate sobre juventude e violência não pode se furtar a analisar, entre


outros, a questão do recrutamento de jovens para atividades criminosas e as
facilidades ainda vigentes para se obter arma de fogo no país, bem como o
processo de educação e formação dos jovens em meio a um contexto de
banalização da violência ou mesmo a uma dinâmica férrea da reprodução
das desigualdades e da exclusão social. (Ferreira et al., 2009, p. 201)

Esse processo de banalização acarreta a carência de uma discussão mais

aprofundada sobre as bases socioeconômicas que estão por trás dos atos violentos. Em

decorrência disso, nos parece que as estratégias de combate à violência têm atuado não

a partir das suas causas, mas sobre as suas consequências.

23
De acordo com Feffermann (2006), “pode-se caracterizar esses traficantes como empresários
de um setor econômico ilegal que buscam acumular capital, reinvestir parte dos lucros, conquistar
mercados e diversificar investimentos, mesmo considerando as particularidades impostas por tal situação
jurídica da ilegalidade”(p. 25).
142

Vale salientar que, em FC, essa banalização do ato violento já não está mais

relacionada somente com as práticas de agressões que resultam em lesões leves, mas

também à violência letal, dada a corriqueira notícia de que “mais um foi morto essa

madrugada em Felipe Camarão”. Além disso, a impunidade dos homicídios ocorridos

contra esses jovens também consiste num aspecto que reforça essa cultura da violência,

visto que os agressores não têm sido responsabilizados pelas suas ações. Ao contrário,

temos relatos de intervenção das forças policiais de forma arbitrária, muitas vezes

colaborando ativamente para o aumento da incidência dessa violência.

1.2 – O papel da segurança pública nos contextos de violência

“As artes que lá existem é do povo o tesouro


Tem boa vontade e também cordão de ouro
Vamos expandir a arte para o futuro vindouro”
Sírlia Lima

A inserção do aparelho repressivo do Estado nas comunidades pauperizadas

requer uma reflexão que vai além da sua relação com o tráfico, especialmente no trato

com a questão da juventude. As formas de exercício do poder instauradas nas

comunidades, conforme discutido, podem ser tidas como um estado associado, à medida

que observamos o envolvimento ativo de forças estatais inseridas nessa lógica. Essa

ressignificação conceitual do que muitos autores chamariam de estado paralelo,

possibilita uma melhor abrangência no olhar sobre esse fenômeno.

Sobre a atuação policial na comunidade de Felipe Camarão, as instituições

apresentaram que:

Tem um policial que comanda uma boca aqui dentro, e tentou


Instituição 1 levar ele pra um lado e ele não queria, então ele aproveitou dentro
da investigação fez uma tocaia para eliminar ele. Ele era um
policial correto e queria prender, queria acabar com a boca.
Instituição 3 Mas só que vem a propina também dos policiais que podiam estar
143

à frente dessa repressão. Mas justamente, ele já talvez não ganhe


o necessário, pra não precisar daquela propina. Aqueles que não
têm índole dentro da polícia, lógico que vão receber, e vai
continuar a droga rolando.

O cara vai lá pra porta do supermercado, no lugar de estar


fazendo patrulhamento, comer a propina do dono do
supermercado.

Dizem que o grupo de extermínio vem dos policiais, né? E os


Instituição 4
próprios policiais do bairro dizem que eles que colhem as
informações.

Se você denuncia uma boca de fumo que eles não tinham


Instituição 6 conhecimento eles vêm. Eles levam tudo, maconha, as drogas, leva
televisão, leva tudo. Agora isso eles vêm, claro que eles vêm
buscar, né. Agora numa precisão mesmo eles não vem.

Os usuários falam que os policiais são despreparados e corruptos.


Instituição 10
A polícia é corruptível e maldosa. Os próprios policiais já julgam
e dão a sentença.

A relação das forças policiais com o crime organizado24 tem se tornado uma

constante nas comunidades pauperizadas. Os trechos destacados evidenciam algumas

práticas arbitrárias e corruptas na comunidade. Em um Estado penal no qual é dada a

polícia a legitimidade do uso da violência, justificada pela manutenção da ordem, sem

que haja qualquer tipo de controle ou regulação, está posto o terreno para práticas

abusivas, totalmente à margem da legalidade.

A inserção de agentes da polícia em esquemas de tráfico e de extorsão tem

consequências seríssimas. Sabemos que, em um território que esse tipo de coerção é a

única ou principal forma de “segurança” que o Estado pode proporcionar, a relação da

24
Zaluar (2007) discute que o tráfico é apenas um dos elementos do crime-negócio, que funciona
a partir de diversos setores, se valendo de mecanismos parecidos entre as redes de operações legais e
ilegais. Temos uma mistura dos mercados formal e informal, envolvendo, ao mesmo tempo, os setores
governamentais, os comerciantes da droga, e outros ramos que atuam frequentemente na economia
formal, mas boa parte de seus lucros advém das atividades do tráfico, como as companhias de transporte,
mercado imobiliário e outros.
144

comunidade com a polícia fica bastante prejudicada. Conforme podemos observar nos

trechos abaixo:

[A polícia] chega chegando, né? E a gente percebe até os


Instituição 8 moradores sendo assustados porque às vezes, num respeita nem
aqueles moradores só por eles morarem numa periferia.

Porque eles estavam lá entrando, num tinha negócio de permissão


não. Era bala pra lá, bala pra cá. Estavam invadindo as casas. Só
que assim, ninguém quer abrir, porque sabem qual é a situação,
Instituição 4 né, eles invadem mesmo e matam todo mundo.

Mas ele ia andando no carro e a arma assim apontando pra todo


mundo que passava na rua. Eu acho isso muito errado, né.

Sem querer generalizar o discurso de que toda a ação policial em FC é corrupta e

abusiva, temos clareza de que devem sim existir intervenções com seriedade, no

entanto, até estas ficam prejudicadas, dado o poderio que já está instaurado

(especialmente nos assentamentos precários), conforme podemos perceber a partir da

fala da Instituição 1, a respeito de um policial honesto que foi executado por um policial

que seria dono de uma das “bocas de fumo” da região.

Além disso, a forma de intervenção policial em FC tem se feito presente também

por meio da arbitrariedade no extermínio de muitas vidas, especialmente dos jovens.

Essa criminalização da juventude, tem vitimizado, a cada dia, jovens considerados

descartáveis, matáveis. De acordo com o levantamento feito pela Instituição 8, até o

momento da pesquisa, tinham sido assassinados 35 jovens da comunidade, em um

intervalo de tempo de seis meses. Percebemos, a partir dos relatos nos grupos, que a

sensação de insegurança não é reduzida quando há intervenção das forças do Estado; ao

contrário, essa sensação é agravada, à medida que não se sabe quem será a próxima

vítima do spray de pimenta ou do cassetete para haver uma confissão. Essa e outras

práticas ameaçadoras por parte da polícia têm amedrontado os jovens de FC:


145

Um dos alunos meus, até ele falou assim: “professora sabe o que
aconteceu, chegou pra mim, um policial me tirou da moto e disse
que ia tomar minha moto se eu num fosse pra casa, ai de repente
Instituição 4
eu fui. Eu não vim ontem por causa disso.” Um aluno meu chegou
dizendo e disse que se ele tivesse no meio da rua ia dar nele, ia
bater nele.

E um adolescente que chega dizendo que levou pancada dos


Instituição 7 homens, por causa de “baculejo”, porque eles estavam andando
de noite com boné.

Só querem bater, prender. Não temos trabalhos de prevenção, de


relação da polícia com os moradores do bairro... Na visão dos
Instituição 8 policiais e coordenadores da segurança pública, a morte de jovens
pobres é vista como uma limpeza, como algo natural que precisa
ser feito mesmo.

Isso sem falar nas execuções e nos “desaparecimentos”, que consolidam ainda

mais a cultura da violência nesses espaços.

Quando os grupos foram provocados a falar sobre a atual intervenção do Estado

quando há algum tipo de crime, em praticamente todas as instituições, declararam que a

ação do Estado é inexistente, que não chega na hora certa, e que, quando chega, não são

feitos todos os procedimentos, os inquéritos não são instaurados e “fica tudo por isso

mesmo”. Sobre esse aspecto, a Human Rights Watch (2009) aponta que quando um

assassinato tem autoria de policiais, eles próprios comumente distorcem, manipulam ou

descartam as provas necessárias para determinar a legitimidade das mortes, como por

exemplo, a remoção do cadáver até um hospital para “socorrer a vítima” e tirá-la da

cena do crime, ou ainda a intimidação de vítimas. Esse último exemplo reforça uma

prática conhecida, da “lei do silêncio”, em que, quando há investigação sobre

determinado acontecimento, os moradores da vizinhança são intimidados a dizer que

não sabem de nada que aconteceu, sob pena de serem perseguidos e penalizados pela
146

denúncia. Vale salientar que essa “lei” não é imposta somente por policiais, mas pelos

perpetradores da violência de uma forma geral:

Porque assim, quem pratica a violência, depois que acaba o


tumulto, volta pro local, sempre volta pro local pra olhar, ver
Instituição 7
quem é são dedos-duros. Por isso que ninguém denuncia, por isso
que ninguém fala nada.

Os profissionais relataram ainda que antes, há alguns anos, havia um

policiamento mais intenso, havia a ronda escolar e alguns agentes de segurança

conseguiam estabelecer uma boa relação com as instituições, fornecendo inclusive seu

telefone pessoal, para caso houvesse alguma urgência. Essa realidade foi apontada como

um passado, que não corresponde mais aos dias atuais. Nestes, a realidade é de ausência

de um policiamento constante, e o que se tem são intervenções pontuais, em que os

policiais procuram alvos certos para criminalizar, torturar e exterminar. Essa prática é,

inclusive, muitas vezes referendada pela própria comunidade, desde que não seja um

ente próximo. Sobre a legitimação dessas práticas na comunidade, Ferreira e Araújo

(2006) discutem que:

A alta impunidade impede que a ameaça de sanção atue como um eficiente


mecanismo dissuasor de infrações e estimula, ao lado da exposição à
violência e da sensação de insegurança, a população a apoiar ações de
grupos de extermínio, linchamentos, vigilantismo policial e controle da ação
criminosa em bairros e favelas por quadrilhas (p. 313)

Uma forma alternativa à intervenção pontual em resposta ao chamado dos

moradores devido a um crime ou conflito poderia tornar o trabalho da polícia mais

completo e eficiente. Isto é, uma vez que os agentes de segurança pública

estabelecessem uma relação de cooperação com as pessoas de FC, atuando de forma

preventiva e proativa, por meio de mediação de conflitos, em complementação à


147

repressão, as possibilidades de convívio e de retomada do espaço público encontrariam

um terreno mais fértil para florescer.

Outro fato importante de se destacar, relacionado à forma de abordagem policial,

refere-se à existência de uma possível lista de pessoas que estariam marcadas para

morrer. Algumas instituições comentaram sobre essa lista:

Então começou a lista e a lista está rolando, realmente a lista é


uma lista mesmo que está rolando na comunidade, de homicídio
mesmo.
Instituição 9
E parece que é uma coisa que hoje em dia está sendo todo final de
semana, toda semana acontece isso. Parece que eles já têm uma
listinha dizendo quem é que vai, quem é que não vai.(...) Tem, tá
rolando aí essa listinha.

Tem um cara lá que é muito ‘noiado’, tá dando muito trabalho, aí


dizem que tem uma relação, né, dizem que esse cabra aqui fazia
Instituição 4
parte da relação, dizem que ainda falta sete (...). É, dizem que tem
uma relação no grupo de extermínio, e que ainda vão matar mais
sete pessoas.

Outra instituição mencionou mais detalhes acerca do funcionamento dessa lista.

Por questões de segurança, a instituição solicitou que não fosse identificada, nem

mesmo pelo mecanismo de numeração aqui utilizado, e que não fossem relatados todos

os detalhes oferecidos, de modo que só explanaremos o que consideramos relativamente

não identificável. De acordo com as informações apresentadas, na lista que está nas

mãos do grupo de extermínio que atua na comunidade, consta uma série de nomes de

pessoas, em sua maioria jovens, que, ou estão envolvidos diretamente com as dívidas do

tráfico – seja por serem usuários ou traficantes numa hierarquia mais baixa –, ou então

fazem parte de grupos que podem ameaçar o comércio local, ou ainda, tornaram-se

inimigos de grandes chefes da comunidade por quaisquer outros motivos. Trata-se de

uma alarmante denúncia que mostra uma institucionalização da ilegalidade. Ora, se a


148

articulação dos agentes do poder público com pessoas que exercem o poder na

comunidade, para fins de realizar uma “limpeza” que elimina os indesejáveis, por si só,

já é uma prática extremamente preocupante e inaceitável, então, quando o nível de

organização desse extermínio é tal que a comunidade tem consciência de que existe uma

lista dos matáveis, em que se estabelece a ordem e quem será o próximo, temos, de fato,

a consolidação da barbárie.

Discordando do que foi apontado na Instituição 3, sabemos que essa realidade

não ocorre devido a uma “má índole” por parte dos policiais. A legitimação dessa

conjuntura de barbárie é fruto de um longo processo histórico de repressão a toda e

qualquer forma de manifestação que possa ir de encontro à ordem social. Ordem, esta,

vista a partir da nossa sociedade contemporânea, permeada pela lógica do capital. Nesse

processo de manutenção da ordem, é dada à polícia a legitimação do uso da violência, o

que favorece e reforça essas práticas, que incidem especialmente sobre a população

jovem. Sobre o papel da polícia no processo de consolidação dessa lógica, Silva e

Tashetto (2008) discutem que:

Convocada a participar do “empreendimento disciplinar”, a intervenção


policial iria além da repressão às classes trabalhadoras. Aliada ao discurso
médico, ela contribuía na vigilância e controle de categorias sociais
“potencialmente criminosas”: os sem trabalho, mendigos, vadios, menores,
prostitutas, ocupantes de um espaço público que necessitava ser higienizado
e regrado. Sem deixar de apontar o papel repressivo da polícia, tais estudos
enfatizavam a sua “função disciplinadora”. (p. 461-462)

Isto significa dizer que, para aqueles que estão à margem do sistema produtivo,

apesar de constituírem um exército de reserva necessário para a manutenção desse

sistema, o que lhes chega do Estado são as práticas repressoras e criminalizantes, visto

que se trataria de uma população com potencial para a desregulação do espaço público.

Essa lógica perversa, associada à instauração da constante sensação de insegurança, é

um processo que vem sendo reforçado ao longo de anos, e que tem tido um forte
149

impacto social nessas regiões, não só no que diz respeito à exposição dos seus membros

à violência física, mas também à integridade psicológica e social, uma vez que a

população tem sido cada vez mais dominada pelo medo e pela insegurança.

1.3 – O medo social: influência da mídia no sentimento de insegurança

“A mídia com seu poder criou a fama de mal


Nesse bairro que é tão belo da cidade de Natal
Só enfatiza o bairro em crônica policial”
Sírlia Lima

Ao discorrer acerca do fenômeno da violência urbana, quase que

automaticamente insurgem questões relacionadas à violência policial, sensação de

insegurança, dentre outros. Temos que o medo da violência generalizada, que tem

assolado várias comunidades, trata-se de um medo social, visto que surge a partir de um

fenômeno que afeta a coletividade. Baierl (2004) aponta que, mesmo a violência tendo

se tornado um fenômeno banal e corriqueiro na rotina de determinados territórios, ainda

assim ela tem alimentado essa cultura do medo, que modifica sutilmente – ou

substancialmente – as formas como se dão as relações sociais nesses espaços. Desta

forma, diante das diversas formas como se expressa a violência, as pessoas passam a

não mais sentir indignação, pois o principal sentimento que lhes domina é o medo e a

insegurança. Sobre esse aspecto, Sento-Sé (2003) discute que:

O medo é caracterizado pelo crescimento, em grande escala, do sentimento


de vulnerabilidade dos indivíduos. Dito de forma simples: ele se torna
socialmente relevante numa situação em que um número cada vez maior de
indivíduos se sente mais vulnerável e passível de ser, direta ou
indiretamente, vitima de uma ação violenta perpetrada por outro individuo
ou por um grupo. (p. 26).

As consequências dessa percepção são a instauração de um medo social capaz de

transformar hábitos de uma comunidade e destruir seus espaços públicos. Um exemplo

dessa transformação de hábitos consiste no “toque de recolher”, mencionado por uma


150

das instituições como uma prática que já tem começado a acontecer na periferia de FC,

na qual, depois de determinada hora, as pessoas não saem mais de casa, embora não

haja recomendação expressa para que se tranquem. Sento-Sé (2009), sobre essa prática,

faz alguns apontamentos:

Quanto ao toque de recolher, seja ele voluntário ou forçado, é um sintoma


do medo, que faz dos logradouros públicos áreas de risco. Na realidade, em
muitos casos o “toque” não chega a ser imposto, é uma prática de muitos
cidadãos devido ao perigo, real ou imaginário, sentido pelos moradores de
determinada região. (p. 111).

Nas instituições pesquisadas, observamos que a sensação de insegurança e a

cultura do medo apareceram de formas diferentes nos diversos grupos. Enquanto que

em algumas instituições, foi relatada a sensação de medo, que influenciaria diretamente

na rotina das atividades, em outras, não só houve negação a respeito da percepção de

insegurança, como também da presença da violência no bairro. Vejamos:

Depois dos acontecidos a gente até anda com medo aqui. Tem dia
que até nem dá pra trabalhar. O horário da gente foi modificado
por causa dessas coisas, então tem dia que a gente vem com medo
Instituição 7 mesmo, né? Essa semana eu acho que a gente vinha porque tinha
que vir, porque a gente estava vindo trabalhar com medo. E aí a
gente até pensa algumas vezes em desistir porque é um trabalho
difícil, né?

No bairro à noite as esquinas são escuras, as esquinas aqui do


bairro, ai eu ando assim [faz gesto de medo] porque eu já sei que
Instituição 4 tem assalto, nas esquinas sempre tem assalto, alguém fica com a
faquinha pra poder... E já é uma pessoa jovem, um jovem que faz
isso com as pessoas, tá naquele caminho, mal encaminhado.

Aqui, eu estou em Felipe Camarão, eu ando nesse percurso aqui


todos os dias, de manhã e de tarde. Nunca me aconteceu nada,
nunca ninguém me abordou na rua pra fazer um ato de violência
Instituição 3
contra mim. Um pessoal tranquilo, uma convivência boa com a
comunidade aqui. Eu me sinto em casa aqui em Felipe Camarão.
Gosto muito do bairro.

É que eu não vejo essa violência que tem aqui no bairro, até
Instituição 2 porque a gente trabalha em escola e com alunos do turno noturno,
da noite, então eles são diferentes.
151

Você é de Felipe Camarão, eu trabalho aqui há 22 anos, e digo


pra você faço visitas domiciliares, não tenho medo, não tenho
medo, mas tenho cuidado. Tem que ter cuidado, quando eu vou
para as visitas vou só com uma bolsinha, ou um lápis, ou uma
pasta

Vim pra cá, estou há 11 anos por aqui e nunca fui nem tocado,
nem falaram algo comigo aqui. Aqui assim, você tem que se impor,
tem que mostrar que realmente né... tem que ser profissional, não
dar brechas...

Em relação à violência, entendeu? As próprias instituições, elas


têm medo de falar no assunto. Elas estão aqui, mas quando fala, o
Instituição 8 papo é violência contra a juventude, o número de jovens que estão
morrendo, entendeu? Aí as pessoas tem medo, receio, entendeu?
De ser também vítima também dessa violência, entendeu?

Instituição 9 E aí você tem a comunidade aterrorizada, em parte, entendeu?

Tem professores que não trabalham ou que vem e quando vem,


vem com medo e eu não sei de onde surge esse medo. Eu acho que
Instituição 1 é disso aqui. [Referindo-se ao estudo de caso], o medo é disso
aqui, porque isso aqui é o que está na mídia todo dia. Vocês falam
que é o maior índice né, eu não vejo, eu não vejo o porquê.

Diante desses relatos, podemos perceber que, de fato, apesar de a cultura do

medo não ser apontada como uma constante em algumas instituições, em outras, essa

percepção tem deixado os profissionais receosos e isso tem interferido em sua rotina de

trabalho. Como bem afirma a Instituição 8, as próprias entidades têm medo de

publicizar a questão da violência letal na juventude. Isso tem consequências que

influenciam diretamente nas atividades realizadas pelas entidades do bairro, visto que,

muitas vezes, elas têm a sua territorialidade limitada exatamente por essa barreira

invisível da insegurança e acabam por não chegar às localidades mais críticas de FC.

Vale salientar que, nas instituições em que foi apontado não haver percepção de

insegurança, as pessoas possuem certo vínculo com a comunidade, trabalham há muito

tempo em FC e já estabeleceram uma relação com os moradores ou, por vezes, são
152

também moradores do bairro. O discurso da ausência de medo, normalmente, veio

associado ao enaltecimento dos aspectos positivos do bairro, como a forte cultura de

tradição e as diversas ações que ocorrem na comunidade, por intermédio das suas

próprias ações. Assim, percebemos também uma tentativa – legítima – de reduzir o

estigma que FC carrega de ser um bairro violento.

Associado a esse discurso também, por vezes, os profissionais ressaltaram o

quanto esses aspectos positivos do bairro são esquecidos e o quanto o poder público,

apesar de se fazer presente por meio de algumas escolas e unidades de saúde, tem sido

ausente em termos de qualidade dos serviços, causando a sensação de que o bairro está

abandonado:

O bairro, eu trabalho aqui em Felipe Camarão faz 4 anos, então


Instituição 6
assim, é um bairro desprezado sim, né, pelas autoridades

É a nossa área de lazer, o nosso jeito de ver a área de lazer. É


Instituição 8 embaixo do fio, é no morro, é nos campinhos de rua, entendeu? É
a nossa área de lazer. Nós não temos quadra, nós não temos...

O bairro está abandonado. A rede de serviços existe, mas está


Instituição 10
completamente desarticulada.

Acerca da relação existente entre a sensação de insegurança e os índices de

violência que assolam determinada comunidade, Sento-Sé (2003) discute que não há

uma correlação direta entre o aumento dessa sensação e o real aumento dos índices de

violência. De modo que não é o número de homicídios de uma comunidade que

determina, por si só, a instauração da cultura do medo. Trata-se de fenômeno mais

complexo, que envolve diversas variáveis, tais como a ineficácia dos agentes do Estado

e a disseminação da barbárie pela mídia.

Dediquemos, pois, algumas linhas a refletir acerca da influência da mídia no

processo da violência e do recrudescimento do medo em Felipe Camarão.


153

Abramovay (2010) discute que a abordagem midiática acerca das diversas

formas de manifestação da violência, por vezes, fortalece o descrédito da população nas

instâncias públicas como o judiciário e a polícia, bem como, enfraquece a crença no que

deveria ser o seu princípio fundamental: a garantia dos direitos humanos. Na mesma

direção, Cunha et al. (2011) realizaram uma pesquisa que indica que a população tende

a não confiar na polícia, e que isso pode ser decorrente, dentre outras coisas, do

destaque dado à corrupção policial e às ações violentas praticadas por agentes do

Estado.

Além disso, outro aspecto bastante reforçado pela mídia, que talvez seja sua

principal produtora, consiste na criminalização da pobreza, em especial, da juventude

pobre. A espetacularização dos acontecimentos ocorridos na periferia normalmente é

alvo de destaque nos diversos tipos de imprensa:

No plano da mídia, as notícias tendem à linha do alarmismo, propiciando a


difusão de estigmas e temores. Os jovens, principalmente se pobres e
negros, são os “sujeitos perigosos”, perigo este ligado à sua classe e idade.
Tal perspectiva é mais comum em notícias e estudos sobre violências e
drogas, mas também está presente quando se localizam os jovens a partir de
seus mais altos índices de desemprego. Por outro lado, são poucas as
referências às cidadanias negadas, como a do exercício do brincar, divertir-
se, se informar e se formar culturalmente, assim como de reinventar
linguagens próprias. (Castro & Abramovay, 2002, p. 19).

A principal questão que aqui colocamos refere-se à abordagem que é dada a

esses acontecimentos. É razoável que determinada reportagem sobre um homicídio, por

exemplo, que atinge emocionalmente um maior número de pessoas, seja preferível de

ser veiculada em detrimento de outra que não teria o mesmo impacto no grande público.

No entanto, a razoabilidade deveria perpassar também o conteúdo da matéria. Por vezes,

o compromisso com a verdade dos fatos se resume a dar informações descritivas,

superficiais, a partir de uma única fonte (normalmente, a polícia), sem nenhum tipo de

questionamento crítico a respeito dos encaminhamentos da situação e, pior ainda, com


154

um teor criminalizante e reforçador da postura conservadora – e ilusória – de que

somente as práticas repressivas seriam a alternativa eficaz para essas situações.

As instituições indicaram que essa parcialidade das notícias contribui para o

fortalecimento da cultura da violência:

É tipo como na época da ditadura, a imprensa colocava o que a


polícia queria, hoje só mudou o período, mas continua
acontecendo do mesmo jeito.
Instituição 1
A questão como se deixa em evidência é a violência, porque esse
pessoal daqui diariamente vive fazendo cultura, dança, formação
de ideias, pensamento de jovens que deixam de estar nas ruas pra
estar aqui dentro e isso não é colocado na mídia.

Muitas vezes a mídia, só direciona o olhar, o foco, na direção dos


Instituição 3
bairros de periferia, buscando, exaltando a violência.

Se tiver uma atividade aqui com os jovens e chama a imprensa,


chama a mídia, ela não vem fazer essa cobertura desse evento. (...)
Instituição 8
Agora, se acontecer algum crime, alguma violência, meu amigo...
É bem rapidinho, viu?

A mídia também é um dos grandes problemas porque reflete


Instituição 9 imagem das pessoas, porque as pessoas praticamente seguem suas
vidas de acordo com o que a mídia determina.

Sobre esse aspecto, Ramos e Paiva (2007) nos levam a refletir a partir de um

dado importante: em 27% das reportagens sobre criminalidade e segurança existe a

citação de comunidades pauperizadas. Dado esse destaque, muitas vezes de caráter

sensacionalista, superar os limites impostos pela violência é imperativo para um

jornalismo de qualidade. Isso poderia ser feito, por exemplo, através do

acompanhamento de atividades esportivas e culturais desenvolvidas pelas entidades em

FC. No entanto, parece-nos que ainda trata-se de uma realidade distante.


155

Em vez disso, em Felipe Camarão, essa abordagem sensacionalista tem

contribuído fortemente para a estigmatização do bairro como um polo da violência em

Natal/RN:

Realmente é mesmo, as pessoas não convivem, mas quando você


Instituição 1 chega e fala, você diz que se identifica e diz que é de Felipe
Camarão, as pessoas mudam logo a maneira de olhar pra você.

Então simplesmente o que eu acho é que a imprensa também tem a


parcela de culpa em marginalizar nossa comunidade. Temos
crimes? Temos. Mas nós temos em toda a Natal. Sempre taxam a
Instituição 3
comunidade de Felipe Camarão, de quê? Da mais violenta. Às
vezes acontece uma coisa lá no bairro Cidade Nova, já sai que foi
em Felipe Camarão.

Porque esse tipo de problema acontece em todas aquelas


Instituição 5 comunidades que são ditas periféricas, mas toda periferia, se a
gente for analisar, ela tem um histórico de discriminação.

Uma notícia dessas, eu só, assim, tomo cuidado para não reforçar
Instituição 6 o estigma de que Felipe Camarão é um bairro ruim, e que não
presta.

É a generalização que a mídia faz, porque como se os problemas


só acontecessem em Felipe Camarão, parece que só enxergam
Instituição 7
quem morre aqui, que só acontecem as coisas aqui, como se em
Natal não tivesse a mesma coisa.

[a imprensa] percebe só o momento do crime. Sai no jornal, sai na


Instituição 8
TV... Pronto, acabou.

Infelizmente eles precisam dessas coisas, a mídia precisa. A


violência paga o salário deles, não é? Acontece que isso reflete
Instituição 9
grandemente na comunidade porque a comunidade internaliza
isso, que é realmente é menos um, tem que ser assim mesmo.

Instituição 10 Até a forma que a polícia aborda aqui é diferente.

As consequências desse processo, para além da rotulação da comunidade,

residem na consolidação, no imaginário social, de que, de fato, trata-se de uma

comunidade violenta e perigosa. Externamente, isso significa estigmatização e

discriminação contra a sua população. Internamente, isso implica no recrudescimento da


156

cultura do medo que, além de cercear a liberdade dos moradores do bairro, ainda

favorece a legitimação das práticas arbitrárias/repressoras por parte da polícia, já

abordadas.

Outra discussão acerca da influência da mídia, não dissociada dos fatores

apresentados acima, consiste no reforço ao poder/status dos jovens que foram cooptados

pelo tráfico ou pela criminalidade. Abramovay et al. (2010) discutem que:

Estar em publicações diversas ou ocupar espaço na mídia é, no geral, um


feito bastante valorizado. Não é por menos que tantos membros de gangues
são também colaboradores ativos de fotologs e blogs na internet onde
divulgam não apenas seus apelidos, mas também fotos pessoais e de
pichações em locais variados. (p. 33).

Como bem colocado pela Instituição 1, a mídia tem funcionado como o “oscar

da violência”, à medida que possibilita a sensação de heroísmo a muitos jovens que

eram, até então, invisíveis à sociedade. A construção do processo identitário desses

jovens é influenciada pela formação de grupos que conseguem se fazer visíveis por

meio da imposição do medo. E a mídia tem um papel fundamental nessa visibilidade.

“Esse é que é o cara”. Aí vê o cara lá com um cordãozão de prata,


né? E tal. Desceu do carro, o cara diz: “Esse é o cara, passou
Instituição 3 logo pra ser um ídolo”. Aí aparece o cara lá todo cheio de
cordãozão. Aí o cara diz: “Mermão, vou ser igual a esse cara aí”.
Por quê? Porque foi um exemplo que ele teve.

Dá status aquela coisa de saber que o fulano mora na rua tal e ele
tem um trinta e oito e ele toca o terror ali naquela amostrazinha
de população porque ele manda, porque ele é o cara, porque ele é
o perigoso, ele é o temido.

Instituição 5 Essa questão do poder pros meninos, eles vivem em uma


comunidade muito massacrada por uma série de necessidades. As
pessoas aqui elas são muito pobres, né, e no momento em que eles
têm a oportunidade do status e do poder, de se sobressair em
relação a alguma coisa, isso tudo se torna muito sedutor pra eles.
Muito sedutor...

A gente ouviu na oficina que a gente estava fazendo lá na Igreja de


Instituição 9 deus. Uma criança dizendo isso, que o futuro dele seria ser
traficante, “Eu quero ser traficante, quero ser ladrão”, não, é?
157

Ao analisarmos os excertos acima, conseguimos identificar algumas questões

bastante relevantes. No processo de construção da identidade, esses jovens encontram,

nos grupos que possuem esse poder e status na comunidade, o exemplo a ser seguido.

Depois, passam, então, a servir de exemplo para outros, mais inexperientes. Conforme

Ferreira et al. (2009) discutem:

os estudos indicam também que muitos jovens são atraídos pela perspectiva
de obter reconhecimento ao impor medo e insegurança quando ostentam
armas de fogo ou de afirmar a sua masculinidade guerreira ao serem
identificados como “bandidos” (p. 202)

Esse ciclo se perpetua à medida que essa se apresenta como a única

possibilidade de ascensão. Nesse processo, os jovens acabam por internalizar a imagem

construída pela mídia, de que são os responsáveis pela violência dos centros urbanos, e

utilizam esse rótulo em seu favor, potencializando a busca pelo status por meio da

disseminação do medo.

Por fim, não poderíamos deixar de ressaltar o papel que a mídia exerce sobre a

necessidade de consumo desses jovens, e a sua relação direta com o fortalecimento de

práticas violentas. Pelo fato de estarmos em uma sociedade que prega os ideais de

liberdade baseados na lógica do consumo, é de se esperar que isso atinja diretamente os

mais diversos públicos. A mídia, como um importante difusor dessa necessidade de

consumo, introjeta essa lógica na vida das pessoas das comunidades mais pobres de

forma extremamente perversa. Em um contexto no qual a forma mais fácil de acesso aos

bens materiais tem sido por meio da ilegalidade, por vezes, a juventude se deixa

deslumbrar e ingressa nesse mercado informal com fins de fácil obtenção de bens, que,

por consequência lhe trariam outras benesses, como o poder e o fortalecimento do seu
158

status na comunidade. E a canalização de esforços nesse sentido tem gerado práticas

que possuem estreita relação com o recrudescimento da violência.

Diante dessa conjuntura, defendemos que a multiplicidade de experiências

existentes em FC tem o potencial para ressignificar minimamente o estigma do bairro,

devido, principalmente, à especulação da mídia em torno dos incidentes de violência

que lá ocorrem. Desta forma, defendemos uma abordagem midiática propositiva, que

em vez de focar no fortalecimento do medo social, na criminalização e na banalização

da violência, tenha como eixo central a cobrança do Estado para melhorias nessas

comunidades, que visem o enfrentamento à violência por meio de práticas legítimas e

não segregacionistas. Aí sim, teremos a chance de construir um controle social capaz de

transformar realidades.

Uma vez feita essa análise acerca de como as instituições analisam o fenômeno

da violência em Felipe Camarão, nos reportaremos à questão central desse trabalho,

referente às ações que têm sido feitas no bairro, diante desses contextos de violência que

perpassam especialmente as juventudes.

2. Iniciativas voltadas para a juventude de Felipe Camarão: o

enfrentamento à violência é possível?

“Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-


lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar
gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o
amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade,
sem ela tampouco a sociedade muda.”
Paulo Freire

Conforme foi discutido amplamente na primeira parte deste trabalho, as ações

voltadas para a juventude, dados os diversos contextos de violência nos quais muitos

jovens estão inseridos, devem ser pautadas a partir de uma perspectiva emancipatória,

em que seja potencializado o capital social da juventude. À luz dessa perspectiva,


159

traçaremos uma análise acerca das peculiaridades das ações desenvolvidas em Felipe

Camarão. Serão apontadas, principalmente, informações acerca da natureza das

atividades desenvolvidas nas instituições, a sua abrangência e as suas implicações na

comunidade e na vida dos jovens, bem como a importância das mesmas para a

construção do capital social da comunidade, além de como se dá o processo de

articulação das ações voltadas para a juventude.

Antes disso, vale fazer uma breve reflexão acerca da concepção dos

profissionais a respeito das nuanças da juventude de Felipe Camarão, a fim de que

possamos compreender de que ponto partem as instituições para a realização das ações

voltadas para esse público.

Diante dos contextos de violência explanados na seção anterior, observamos

algumas tendências no discurso dos profissionais que atuam com a juventude em FC.

Longe de querermos apontar uma diretriz específica que orienta as ações realizadas,

queremos apenas elucidar, de uma forma geral, alguns discursos que nos chamaram

atenção.

Observamos, em algumas instituições, a presença de um discurso meritocrático,

em que era depositada nos jovens a responsabilidade sobre o seu sucesso profissional e

pessoal. Salientamos que essas falas eram referentes aos jovens que eram atendidos por

essas instituições. Esse discurso, muitas vezes travestido na distorção do sentido de

protagonismo, carece de uma análise mais profunda acerca das reais chances que esses

jovens têm de se inserir no mercado.

Ora, não é porque determinados projetos oferecem chances de capacitação em

uma área específica que temos um fator garantidor de sucesso profissional. Para este, é

preciso muito mais que capacitação, mas a criação de vagas no mercado de trabalho,

bem como de condições dignas de exercício, e de retribuição pecuniária condizente com


160

o serviço prestado. Sabemos que essa não tem sido uma realidade das vagas que são

oferecidas aos jovens de classes subalternizadas. Estes, quando não ficam à margem

desse sistema, se inserem em postos de trabalho extremamente precários, ou, em sua

maioria, atuam de forma autônoma, fazendo “bicos”. Trata-se, pois, de uma questão

estrutural, relacionada à excludente lógica capitalista, que merece ser apontada na

reflexão acerca das oportunidades de trabalho.

Nessa mesma direção, observamos também a forte presença do discurso de

responsabilização da família e do próprio jovem sobre as suas condições de vida, e

sobre a violência que assola a comunidade. Da mesma forma, sentimos falta de um

aprofundamento do debate acerca da questão estrutural que perpassa a realidade de

privações que vive a maioria das famílias de FC. Não queremos dizer aqui que o jovem

e a sua família não possuem um papel ativo no seu processo de construção para a vida.

Não se trata disso. Trata-se, sim, do reconhecimento de que existe um Estado regulador,

que deveria garantir os mínimos sociais, para que estes pudessem construir projetos de

vida com dignidade.

Outro discurso que nos chamou bastante atenção, nessa mesma linha de

culpabilização do jovem, foi com relação à redução da maioridade penal. Em três

instituições, houve o discurso de que seria melhor que houvesse a redução, para que os

adolescentes pudessem ser penalizados pelos seus atos. Nesses espaços, os argumentos

utilizados iam desde o senso comum de que “quem tem idade para votar, tem idade para

ser preso”, até uma análise mais aprofundada de que, apesar de reconhecerem que o

sistema carcerário não é o ideal, “pelo menos os adultos iriam deixar de cooptar os mais

novos e a criminalidade iria diminuir”. Ficamos estarrecidos com tais argumentos,

considerando que se trata de instituições que teoricamente estão na comunidade para

prezar minimamente pela construção do futuro da nossa juventude. Dada a obviedade da


161

violação de direitos que consiste a proposta da redução da maioridade penal, nos

limitamos a manifestar o quão desolador é saber que existem ações voltadas para a

juventude que são pautadas por essas concepções.

No entanto, apesar de terem surgido esses discursos, é preciso destacarmos que,

em muitas instituições, foi possível perceber a preocupação dos profissionais com a

responsabilidade estatal perante as problemáticas que perpassam a juventude de FC,

bem como a importância que tem a sociedade civil organizada nesse processo de busca

pela garantia de direitos dessa população.

2.1 – Da natureza das instituições

“São particularmente dignos de nota os processos que tendem


a dotar os próprios jovens com as ferramentas necessárias
para seu real empoderamento”
UNESCO
As ações das instituições de Felipe Camarão apresentam-se de formas distintas,

visto que a própria natureza das instituições é diferenciada entre si. A começar pelo

público atendido. Nem todas as organizações são focadas exclusivamente para os

jovens, conforme podemos observar na Tabela 2:

Tabela 2 – Tipo de público atendido


Tipo de Público Instituições (N)
Criança 2
Adolescente/Jovem 3
Criança/Adolescente/Jovem 3
Todas as idades 2
Total 10

As duas instituições que possuem ações voltadas para todas as idades, focam

preferencialmente o público jovem. Vale salientar que, mesmo existindo instituições

com o seu foco de atuação preferencialmente voltado às crianças, elas foram escolhidas

para compor a análise visto que possuem um impacto também sobre os jovens, à medida
162

que se tornam espaços de voluntariado destes25. Além disso, em todas as instituições,

apesar de haver foco formalmente em uma faixa etária específica, as ações acabam

abrangendo outras, visto que muitas vezes as atividades são abertas ao público que não

é inscrito/cadastrado nas entidades, ou ainda há a realização de atividades pontuais na

comunidade que envolvem pessoas indistintamente da idade e, por consequência,

também a juventude.

Outro aspecto que merece ser apontado refere-se à natureza jurídica das

instituições. Apesar de existirem organizações governamentais voltadas para a

juventude em FC, a grande maioria delas compõe o “terceiro setor” – sete instituições. E

essas instituições, no geral, estão há um tempo muito maior na comunidade. De acordo

com Spósito (2003), a oferta de programas focados na juventude, na década de 1990,

partiu de iniciativas da sociedade civil. Os programas, à época, apresentavam-se

voltados aos jovens em condições de “risco social” e destinavam-se à promoção da

autoestima e construção da identidade. Tinham um caráter transitório e focado na

ocupação desses jovens, para que não permanecessem na rua e entrassem em contato

com elementos que pudessem favorecer “condutas desviantes”. A preocupação estatal

com a juventude só veio tardiamente, especialmente no Brasil, com a criação da SNJ.

Em Felipe Camarão, parece-nos que a realidade da década de 1990 ainda permanece,

pelo menos em termos quantitativos, visto que ainda é significativamente superior a

quantidade de iniciativas da sociedade para os jovens, quando comparadas às iniciativas

estatais.

25
O voluntariado será abordado mais adiante, nessa mesma seção.
163

Essa característica da atenção à juventude de FC pode ter diversas implicações.

Considerando o caráter muitas vezes transitório das ações não governamentais, por

vezes financiadas por meio de projetos de curta duração26, ou dependentes de doações

de pessoas físicas ou da cooperação internacional, a precariedade no funcionamento das

atividades e nas condições de trabalho é um problema a ser enfrentado por algumas

dessas instituições. O que torna esse fator contornável em FC é o fato de que algumas

instituições, há anos na comunidade, fazem parte de redes nacionais – e até

internacionais – de organizações com os mesmos fins, espalhadas por diversas cidades,

facilitando o sistema de captação e distribuição dos recursos nas unidades.

No entanto, para além desse aspecto, não podemos deixar de refletir acerca das

outras implicações dessa configuração institucional voltada para os jovens de FC. O

debate da inserção do “terceiro setor” no campo das políticas sociais requer uma

reflexão mais profunda, que perpassa o cerne da ressignificação da preocupação com a

“questão social”, ocorrida na reforma neoliberal.

Montaño (2008) discute que a “questão social” deixa de ser vista como uma

responsabilidade privilegiada do Estado para passar à esfera da autorresponsabilidade,

da ação filantrópica, solidária-voluntária de organizações e indivíduos. A consequência

disso, além do aumento significativo de organizações da sociedade civil focadas no

combate às mazelas da sociedade – substituindo o papel do Estado –, é o esvaziamento

do debate e da reflexão sobre os verdadeiros fenômenos da nossa sociedade, que

perpassam a precarização da força de trabalho, a desregulação da relação

capital/trabalho e a perda de sentido dos princípios democráticos.

26
Conforme aponta Montaño (2008), o Estado tem sido um ator importante na promoção do
“terceiro setor”, tanto na esfera legal como financeira, por meio de incentivo a projetos e ações, retirando-
se paulatinamente da responsabilidade sobre as sequelas da “questão social”.
164

Os jovens, enquanto atores fundamentais inseridos perversamente nessa lógica

do capital – especialmente os jovens negros e pobres –, sofrem diretamente as

consequências disso e têm sido alvo de ações que não necessariamente garantirão a

retomada dos princípios democráticos e de cidadania, que possam viabilizar os seus

projetos de vida de forma mais satisfatória.

2.2 – Do caráter das ações

"Um projeto político verdadeiramente popular só se constrói


com princípios éticos inegociáveis".
Frei Betto

Observamos em FC, uma predominância de ações de caráter compensatório,

principalmente no que se refere à educação. De todas as sete organizações da sociedade

civil, apenas duas não oferecem atividades de complementação escolar. Nas demais, as

atividades são exercidas regularmente, diariamente, com elementos de uma educação

regular, tais como fardamento, matrícula e professoras em diferentes níveis, de acordo

com a faixa etária. É importante destacar que, conforme apontado na caracterização do

bairro, em Felipe Camarão existe 23 escolas e ainda se faz necessário um reforço à

educação regular em tantas instituições. Pode-se dizer, portanto, que esse quadro é um

reflexo da política de Estado para a educação que, apesar do caráter fundamental no

processo de desenvolvimento do capital social do país, de fato tem sido negligenciada

ao longo do processo histórico brasileiro.

É importante frisar que o que está sendo posto em xeque nessa discussão não é a

importância da atuação dessas instituições no processo de educação escolar, seja por

meio de aulas de reforço, biblioteca, etc. Notoriamente, elas têm conseguido

desempenhar um importante papel na alfabetização de crianças, adolescentes e jovens

de FC que o poder público não consegue desempenhar. Enfatizamos a importância tanto


165

da educação, como das atividades das instituições. No entanto, é preciso termos clareza

do papel desempenhado: de substituição de um Estado que não oferece os mínimos

sociais, em detrimento da união de esforços para pressionar esse mesmo Estado a

oferecê-los. Os trechos abaixo refletem um pouco do abordado acerca da atuação dessas

instituições na comunidade, no âmbito da educação:

Quem não conhecia a Instituição 3, quando chegou aqui? Aí perto,


o pessoal dizia assim: ‘É lá na biblioteca’. A biblioteca ficou muito
forte. (...) O bairro não tinha nada na comunidade. Aí todos os
alunos nas escolas municipais, estaduais, não tinham onde
recorrer... Aí diziam: ‘Mas tem uma biblioteca ali’. E isso vem
Instituição 3
correndo de boca a boca.

A escola tá aqui pra dar um suporte. Nós somos um complemento


educacional. Mas aí a família vem e diz pra mim: ‘Ó, toma conta,
cuida’, uma criança de 6 anos, do jardim daqui.

Aqui eles dão com tudo, de lanche, fardamento a material escolar,


a professora.

Nossos alunos dizem sempre assim ‘hoje eu não tenho aula à tarde,
Instituição 6 posso vir pra cá?’... Só que eu tenho 25 cadeiras aqui, eu tenho 25
alunos à tarde, se os meus 25 alunos da turma da manhã... Eu
gostaria demais de trazer todos para cá, porque eu não queria
nenhum deles na rua, mas como é que eu vou colocar mais 25 aqui
no horário que não tem aula lá pra eles?

Até pouco tempo tínhamos a educação infantil, né, que era uma
parceria, que a Instituição 4 tinha, o prédio era da instituição e
tinha parceria pra ajudar na alimentação, dava toalha, as tias
Instituição 4
daqui ensinavam na creche, essas coisas assim, material didático,
mas aí, ela [referindo-se à prefeita da cidade] tirou as crianças
daqui, né, que tinha um contrato e removeu pra lá.

Especialmente nesse último excerto, podemos problematizar outra questão,

relacionada à consciência dos profissionais acerca desse processo. A fala ocorrida na

Instituição 4 foi dita em tom de reprovação ao expor que o poder executivo municipal

construiu um espaço para oferecer a educação infantil, desvinculando-se da parceria que

existia com a ONG. De fato, para além da reflexão em meios acadêmicos acerca dos
166

papéis que o Estado deve desempenhar, faz-se mister um aprimoramento da criticidade

também dos profissionais que estão na ponta, lidando diretamente com essa contradição,

que muitas vezes, apesar de não reproduzirem um discurso de desresponsabilização do

Estado, acabam por, em sua prática, legitimar isso.

Diante dessa conjuntura, vale fazer o questionamento: e as organizações

governamentais que atuam em FC no âmbito da juventude? Têm desempenhado o seu

papel de forma satisfatória?

Tomemos como exemplo a discussão apresentada na Instituição 10. Durante o

desenvolvimento do grupo, houve divergência entre esta ser uma instituição que visa

proporcionar mudanças ou que proporciona adaptação à realidade. Enquanto parte do

grupo aponta que o papel da Instituição 10 é atuar no âmbito da prevenção e de

fortalecimento de vínculos, com atenção integral às famílias, bem como na busca por

estratégias para tentar mudanças a partir da realidade da vida das pessoas atendidas,

outra parte do grupo aponta que o papel da Instituição 10 é ajudar à família e o jovem a

se adaptarem à realidade e se fortalecerem nela. Diante da discussão, chegou-se à ideia

de que, antes, tratava-se de uma instituição que poderia possibilitar tais mudanças na

vida das pessoas, no entanto, atualmente, tem tido um papel mesmo de adaptação à

realidade, a fim de criar formas de adequação nas pessoas, para que estas aprendam a

conviver com os reais problemas que a comunidade enfrenta.

Que marco seria esse que mudaria o caráter transformador de uma instituição?

De que forma se deu essa mudança no objetivo da atuação junto à comunidade? Como

uma instituição que antes tendia à mudança, hoje exerce um papel de facilitar a

adaptação a uma cruel realidade de pobreza e ausência de mínimos sociais?

Essa reflexão trazida pelo grupo da Instituição 10 nos remete à contradição das

políticas sociais no âmbito do Estado neoliberal. Ao mesmo tempo em que a lógica do


167

sistema aponta para uma intervenção mínima do Estado na sociedade, é necessário

manter o controle dos índices de mazelas sociais, provocadas por esse sistema. As

consequências disso apontam para tímidas iniciativas do poder público junto às sequelas

da “questão social” que, atuando de forma focalizada, não visam a solução dos

problemas sociais, mas a sua contenção.

Apesar dessa realidade, considera-se que houve algum avanço no

desenvolvimento social do país, a partir de 2003 (Marques & Mendes, 2006), por meio

de programas de transferência de renda e outros associados a iniciativas de combate à

pobreza extrema. Foi durante esse período que se deu a implantação da Instituição 10

em Felipe Camarão. Hoje, quase dez anos depois, apesar dos avanços conseguidos com

relação às condições de sobrevivência das famílias, grande parte da comunidade ainda

constitui um exército de reserva essencial para a manutenção desse sistema, em especial

os jovens. Além disso, a violação de direitos e a presença da pobreza, violência e outras

sequelas da “questão social” ainda fazem parte da realidade dessas pessoas de forma

bastante presente.

A partir dessa reflexão, pode-se compreender a angústia/dúvida dos profissionais

da Instituição 10 no que se refere ao seu papel na comunidade enquanto representantes

do Estado. Ora, se antes, à época da sua implantação, a instituição poderia trazer a

promessa e a esperança de um futuro melhor para a população, por meio dos programas

que viriam a ser instalados, hoje, dados os limites estruturais das políticas sociais – que

refletem diretamente em questões infraestruturais e de condições de trabalho – esses

mesmos profissionais acabam por perceber que o seu papel ali está sendo muito mais o

de ajudar na adaptação a essa realidade, por meio de acompanhamento psicossocial das

famílias, da tentativa de inserção dos jovens em algum programa social, dentre outras

ações com esse mesmo fim.


168

Outro aspecto que vale destacar no tocante às ações desenvolvidas em Felipe

Camarão refere-se ao caráter assistencialista que muitas vezes permeia as atividades e

direciona a atuação das instituições, tanto governamentais, como do terceiro setor,

conforme podemos observar nos seguintes excertos:

É um serviço totalmente voluntário, que cada um vem pra cá e


ajuda como pode, você faz unha, vem pra cá fazer unha, aí faz a
Instituição 6 inscrição de todo mundo e vai tratar unha, tem gente que corta
cabelo, aí vem cortar cabelo, tem gente que vai fazer recreação
com as crianças enquanto os pais estão resolvendo, tem
atendimento do CERASA, tem atendimento com advogado...

Aí gente compra um saco e faz um mutirão com os jovens a gente


Instituição 4
ensaca essa alimentação, esse feijão, essa farinha e doa pra
comunidade.

A discussão do caráter assistencialista das ações voltadas para segmentos

populacionais em contextos de violação trata-se também de uma reflexão importante,

que não está destacada do que já foi refletido anteriormente, quando apontamos

informações acerca da maioria das instituições possuírem um caráter filantrópico.

Diante da realidade de inclusão perversa num sistema extremamente meritocrático, por

vezes, o sentimento de solidariedade é o que direciona as ações voltadas às classes

subalternizadas. A caridade, tanto por parte das organizações presentes na comunidade,

como de agentes externos, tem guiado ações que não necessariamente implicam em

mudanças significativas na situação dessas famílias e desses jovens.

Cardoso (2004) discute acerca do modelo assistencialista tradicional presente

nas comunidades, apontando este como um dos principais aspectos que desencadeiam o

fracasso continuado das ações de enfrentamento da violência e de combate à pobreza,

visto que tais ações apresentam-se com um caráter imediatista, que remedia

temporariamente uma situação específica, mas não resolve a raiz do problema:


169

Assistencialismo é um estilo, é um modo de fazer, que tem como


consequência criar uma relação de submissão e não oferecer os instrumentos
para superação das carências que estão sendo minoradas (Cardoso, 2004. p.
43).

Conforme ainda discute Cardoso (2004), as práticas assistencialistas não só não

acabam com os problemas sociais, como também não proporcionam o envolvimento da

população para combatê-los. Esse fato, aliado à focalização das políticas, acaba

dificultando a construção de uma política integrada e sistêmica.

As práticas assistencialistas tendem, pois, a criar um sentimento de concessão de

favores e de caridade na comunidade. Obviamente, reconhecemos a importância de

certas ações no que diz respeito à doação de alimentos a quem tem fome, por exemplo.

No entanto, é preciso ter o discernimento de que não é somente com ações de cunho

assistencialista que o problema da fome se resolverá. É preciso ações que propiciem o

fortalecimento da busca pela garantia de direitos, a fim de potencializar e empoderar a

comunidade em direção a melhores condições de sobrevivência.

Uma das implicações diretas desse caráter assistencialista das ações,

especialmente no âmbito da juventude, refere-se às práticas de voluntariado, visto que o

sentimento de solidariedade sensibiliza e os impele a atuar voluntariamente nessas

instituições. Pelo cunho assistencialista das ações, as práticas desses jovens acabam

ressignificando o sentido do protagonismo juvenil.

Conforme discutido, o conceito de protagonismo juvenil remete à concepção de

que o jovem passa a ser um sujeito atuante nos contextos nos quais está inserido, agindo

de forma autônoma para a realização de ações que possam trazer melhorias para a

comunidade:

O protagonismo é uma forma de estimular que o jovem possa construir sua


autonomia, por intermédio da criação de espaços e de situações
propiciadoras da sua participação criativa construtiva e solidária. Trata-se de
170

oportunizar vivências concretas ao adolescente, como etapa imprescindível


para o seu desenvolvimento pessoal e social plenos. (Brasil, 2001. p. 7)

Apesar das diversas contradições com relação ao termo protagonismo juvenil,

sabemos que, à medida que os jovens passam a ser reconhecidos enquanto sujeitos de

direito, faz-se necessária a inserção desses em espaços políticos, de forma atuante, junto

aos demais membros da sociedade. No entanto, se as ações existentes possuem um

caráter mais voltado ao assistencialismo, esse protagonismo não encontra espaço para se

desenvolver de outra forma que não a de reforçar tais ações, de modo também

assistencialista.

Em Felipe Camarão, observamos, pois, a presença de jovens nas instituições que

não necessariamente são voltadas somente para jovens, mas também para crianças e

idosos, exercendo o seu “protagonismo juvenil” e atuando voluntariamente, tal como

pode ser apresentado nos fragmentos abaixo:

Tem um voluntário que... Pois é. Por exemplo, o mês passado


entrou uma jovem, que tem 22 anos, que tá ajudando Gabriela.
Ela foi pra biblioteca primeiro, mas achou melhor, como lá já
tinha outros voluntários, ela tá na parte de ajudar ali a menina
que cuida de idosos. E, tem aquele outro voluntário que fica com
Ceiça.

Em relação aos nossos jovens, quando a gente adotou a história


do voluntariado, é porque a biblioteca chegou, né? Um presente
pra nós. Aí quem ia tomar conta? Como é que ia ser feito?
Instituição 3
Então esse voluntário foi chegando. E aí foi se chegando a
necessidade de ver o perfil desse voluntário. Então ele chegava
com muita sede, com muita vontade de aprender. E aí a Instituição
3 tem, a gente anda sempre com esse caderninho, né? E vai
passando pra esses jovens. Sabe o que acontecia? Quando aquele
jovem estava ali realmente, com interesse no voluntariado, com o
prazer e a vontade de crescer na vida social e na educação,
quando ele tinha essa vontade de se humanizar, aí ele firmava o
pé. Quando era aquele jovem que via que: ‘Não, isso aqui não é
minha praia’. Chegava mesmo pra mim: ‘Cleide, preciso
conversar com você. Gosto muito do trabalho, é tudo de bom, tem
muitos passeios e tal, né? (...),mas não dá pra mim não, meu
171

negócio não é esse’. E ele mesmo caía fora.

Instituição 4 Aí depois eu entrei aqui. Virei monitora voluntária daqui, aí


depois trouxe o meu esposo também pra ser voluntário.

Meu nome é Ricardo e sou voluntário, e assim, a atividade, bem


assim como ela disse... faço mil atividades... gosto muito daqui, de
ajudar bastante as meninas... é, elas são como se fosse uma
família.
Instituição 6
Então, aqui é uma coisa pra ajudar a comunidade mesmo e a
maior parte é voluntário, a não ser os funcionários daqui mesmo
da casa que são as ASGs, a professora do reforço, vigilantes, a
secretária, a diretora, a cozinheira, são os funcionários que não
são voluntários.

Atentamos para o fato de se analisar a atuação voluntária desses jovens a partir

de uma perspectiva crítica. Não dá para fazer essa discussão de forma isolada, focando

somente no jovem. Com relação a este, as atuações voluntárias, muitas vezes imbuídas

de um sentimento de solidariedade e respeito ao próximo e à comunidade, apresentam-

se sim como ferramentas que propiciam o crescimento pessoal, fomentando boas

práticas sociais e acúmulo de experiências de alteridade. Além disso, tem servido,

embora em pequena escala, como ingresso desses jovens em alguma atividade

remunerada posteriormente, às vezes na própria instituição em que é voluntário. Em

duas das instituições pesquisadas, houve relatos de membros que eram voluntários e que

foram contratados posteriormente. No entanto, o acesso ao mercado de trabalho por

meio de voluntariado inicial em espaços cujo objetivo das ações é meramente

assistencialista, minimamente carece de um preparo maior desses jovens para a inserção

em outros espaços de trabalho. Nessa reflexão, aproveitamos para reiterar a importância

de políticas de incentivo à qualificação, bem como a criação de estratégias de aumento

de vagas no mercado como a melhor alternativa para a redução dos índices de jovens à

margem do sistema trabalhista.


172

Assim, apesar de certos benefícios aos jovens que exercem o voluntariado, ações

voluntárias destinadas somente ao suprimento imediato de necessidades básicas não têm

deixado registros de mudanças significativas da realidade social. Nem na dos próprios

jovens, nem da comunidade em que exercem as ações.

O voluntariado foi uma prática fortalecida a partir de um contexto histórico de

redução da intervenção do Estado na sociedade. No Brasil, tal redução esteve associada

a fortes campanhas de incentivo à solidariedade, em que a sociedade em geral era

convocada a dar a sua parcela de contribuição ao próximo, seja por meio de doações

materiais ou de prestação de serviços. Tal conjuntura favoreceu o surgimento de

diversas ONG’s, nas mais diferentes linhas de atuação junto à comunidade. A

consequência desse contexto, para além de uma atuação focada no imediatismo e no

suprimento de carências urgentes de alguns grupos, reflete na institucionalização de

espaços de voluntariado que deveriam ser ocupados pelo poder público.

Sobre esse aspecto, Gohn (2004) discute que a responsabilização dos cidadãos

no que diz respeito à esfera pública tem dois efeitos:

De um lado, isso é um ganho: significa o reconhecimento de novos atores


em cena. De outro, é um risco, com o qual as lideranças progressistas da
sociedade civil devem estar alerta: o de assumirem o papel que deve ser
exercido pelo poder público estatal pois para tal ele é eleito, ou indicado, e
os cidadãos pagam impostos. (p. 23)

Conforme discutido por Yamamoto (2007), trata-se de um processo de re-

filantropização das consequências da “questão social”, baseado no sentimento de

solidariedade. Com a expansão do “terceiro setor”, há uma complexificação da

prestação desses serviços e muitos espaços passam a contar com formas de

financiamento para atuação de profissionais, estagiários e outros. Esse financiamento,

muitas vezes é inclusive proveniente do próprio poder público, em troca da execução de


173

serviços que ajudem a dar conta do controle das mazelas sociais. Não obstante, as

práticas voluntárias continuam sendo bastante presentes até a atualidade. Aos jovens,

grupo etário que está sempre sendo estimulado a adotar essa postura, é lançada a

proposta de dar conta de demandas que não são de sua alçada. Nesse contexto de

desresponsabilização estatal, há a transferência da responsabilidade social para a esfera

privada. Assim, práticas voluntárias seriam uma conduta condizente com um cidadão de

bem, imbuído do sentimento de contribuição com a melhoria das condições de sua

comunidade. Conforme apontam Spósito et al. (2007), o incentivo às ações voluntárias

torna-se quase que uma obrigatoriedade ao jovem que faz parte de programas:

Espera-se que essa população volte à escola pública para concluir seus
estudos (sabemos que não são poucas as dificuldades inscritas nessa meta),
para participar, quase de modo diário, de atividades educativas, e para
promover o desenvolvimento do seu bairro, quando o Estado e outras
instituições não o fizeram. Por que esse conjunto de exigências e tais
expectativas apenas com jovens pobres? Por que alunos de escolas técnicas
federais ou de universidades públicas, usufruindo serviços gratuitos
mantidos pelos impostos, não estão também submetidos a qualquer
contrapartida comunitária, sabendo-se que teriam melhor capital cultural e
social para essa ação? (p. 246).

Mais uma vez, vale salientar que essa é uma análise geral da conjuntura, a fim de

contextualizar o campo das práticas assistencialistas e do lugar do voluntariado nesses

espaços. Obviamente, ao fazermos uma análise mais detalhada do percurso histórico das

políticas sociais, observamos avanços e retrocessos nas últimas décadas, com

peculiaridades de cada período, que têm a ver com diversos fatores, tais como a

conjuntura econômica internacional, o tipo de governo exercido durante períodos

específicos, dentre outros. Esses avanços, no entanto, são provenientes de outras formas

de participação da sociedade civil, que não meramente a realização de ações que são de

cunho caritativo e de substituição do papel do Estado.


174

Apesar desse contexto apresentado, nem todas as práticas existentes em FC são

de cunho totalmente assistencialista. É possível encontrar ações que possuem um caráter

de busca pela autonomia, às vezes até nessas instituições em que predomina o

assistencialismo. Considerando que a crítica ao modelo assistencialista e compensatório

das ações voltadas para a juventude deve vir pautada de apontamentos de alternativas a

esses modelos, faz-se necessário dedicar a próxima parte dessa seção a analisar as ações

de cunho emancipatório que ocorrem em FC. Da mesma forma, a partir de uma reflexão

crítica acerca das práticas adotadas, bem como dos seus limites e possibilidades no

processo de transformação social.

Primeiramente, para se falar em ações de cunho emancipatório faz-se necessário

considerar o contexto social de extrema desigualdade social, aliado a um discurso de

transformação dessa realidade, seja pelo que dizem as leis, seja por parte de agentes do

Estado. Pois bem, considerando esse contexto, a realidade que temos é que a sociedade,

apesar desse discurso, tem estado desacreditada no que se refere ao seu potencial de

influenciar de forma protagonista as políticas sociais. Após a conquista da

redemocratização, é como se as ações de massa em que a população vai às ruas para

reivindicar seus direitos tivessem ficado obsoletas. Cada vez menos o processo de

mobilização das comunidades é visto como meio de conquista de algo. Em FC, os

relatos abaixo mostram o desabafo acerca da falta de mobilização para a caminhada pela

paz, que ocorre todos os anos no bairro:

Eu acho que o apoio da própria comunidade. A falta de apoio, no


caso, o apoio não, a falta de apoio da própria comunidade, porque
Instituição 7
muitas vezes a própria comunidade não acredita, diz “Ah, mas isso
aí é só mais uma caminhada, isso aí não vai dar em nada”. A falta
de líderes, a falta de pessoas que acreditem.

Instituição 8 Tenho tentado várias vezes fazer caminhada, na caminhada que


existe colocar lá o nome, o número de jovens que são assassinados,
175

dizer ao poder público, mas as pessoas não colaboram, entendeu?

Por outro lado, outras falas também demonstram que, mesmo com essa falta de

apoio, algumas das instituições ainda veem essa ida às ruas como uma ferramenta para

visibilizar a questão da alta incidência de violência contra os jovens no bairro, além de

outras questões:

A partir do momento que você começa a conscientizar você já está


gerando alguma forma dessa não violência, não só com os jovens
aqui dentro, mas também com as pessoas que veem. Eu tiro isso por
essa caminhada que a gente fez, que a gente fez uma caminhada
pela paz daqui até Cidade da Esperança e Gabriela foi abordada
Instituição 7 por uma senhora que veio parabenizar o projeto. Essa é uma forma
de estimular a mudança.

A gente já fez aqui, depois dessa briga que teve com os


adolescentes, a gente fez uma caminhada pela paz, e apesar do
número reduzido de adolescentes, mas foi bem significativo o
resultado.

Por exemplo, teve o pelotão da saúde, que foi uma caminhada para
conscientizar tanto para a questão da dengue no bairro, que estava
ficando bem agravada, quanto também à questão dos serviços de
Instituição 9
saúde do bairro que passam por grandes fragilidades.

E também pra comemorar o aniversário do bairro, que aí sempre


tem a caminhada da paz do bairro e tudo mais.

A caminhada da paz, que a colega Maria falou, são as escolas que


Instituição 2
participam e a comunidade também. Eu acho que isso vai
contribuindo pra que o bairro vá diminuindo essa violência.

Apesar disso, sabemos que ir às ruas é apenas uma das formas de se reivindicar

direitos. Nesse processo, outras formas de democracia participativa foram sendo

consolidadas, como a criação de conselhos paritários, a representação da sociedade em

espaços que antes eram somente destinados ao poder público, dentre outras formas de

participação. No entanto, parece que isso também não tem sido suficiente para imbuir a

sociedade de um sentimento protagonista de participação nas políticas. Como bem


176

coloca Gohn (2004), questões relacionadas ao aumento da violência urbana, ao

desemprego e o recrudescimento de um estado paralelo, ligado ao tráfico de drogas e

armas, são aspectos que colaboram para a descrença da população nos resultados

efetivos da mobilização por meio de reuniões, fóruns e demais espaços coletivos de

participação.

Perguntamos, pois: o que seria necessário para construir o protagonismo social?

O que os jovens dessas comunidades têm a ver com isso? Seria a participação a solução

para os problemas advindos da “questão social”?

Responder a essas perguntas implica repensar a dicotomia Estado-sociedade no

processo de transformação social:

No novo cenário, a sociedade civil se amplia para entrelaçar-se com a


sociedade política, colaborando para o novo caráter contraditório e
fragmentado que o Estado passa a ter nos anos 1990. Desenvolve-se o novo
espaço público, denominado público não estatal, onde irão situar-se
conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e
representantes do poder público para a gestão de parcelas da coisa pública
que dizem respeito ao atendimento das demandas sociais. Essas demandas
passam a ser tratadas como parte da “questão social” do país. (Gohn, 2004,
p. 23).

A ressignificação da relação sociedade-Estado consiste exatamente em uma

maior participação no tocante à esfera pública, no sentido de que a noção de autonomia

desta sociedade não se refere somente à sua organização independentemente do Estado,

mas sim, em associação com este e, sempre que possível, de controle e fiscalização

deste. Reis e Reis (2010) discutem que os conflitos que podem decorrer das relações

entre Estado e sociedade devem ser dirimidos, visto que, apesar de se tratarem de

interesses diferentes, ambas as partes possuem capacidade de negociação, sem que se

perca a autonomia de nenhum dos lados e sem perder de vista a construção do interesse

público e a efetivação das políticas. Conforme discutido, isso não significa a execução,

por parte da sociedade, de ações que seriam de caráter estatal, mas o exercício da
177

cidadania participativa e da implicação social dos cidadãos junto à esfera pública. Isso

implica um passo a mais, que vai além da participação apenas consultiva ou

legitimadora de ações e decisões tomadas pelo Estado.

Nesse sentido, o processo de participação social deve estar pautado em alguns

pressupostos primordiais, conforme aponta Gohn (2004): a) somente via participação de

sujeitos e grupos sociais organizados, é possível uma sociedade democrática; b) a

participação no plano local, por si só, não é suficiente para a transformação da

sociedade, no entanto, é a partir dela que deve se dar esse processo de mudança; c) é no

plano local que se concentram as forças sociais, que devem ser potencializadas em prol

da geração do capital social, coesão e forças emancipatórias, fontes para a

transformação; d) é também no território local que estão as instituições importantes no

cotidiano da comunidade, que constituem atores fundamentais nesse processo de

emancipação.

Diante dessas premissas, temos que o poder local de uma comunidade não é

condição inerente à mesma. Não se trata de um fenômeno dado, que existe a priori.

Trata-se de um processo de organização que precisa ser construído e potencializado por

todos e para todos. E as instituições e movimentos sociais em determinada comunidade

têm papel fundamental na construção desses espaços de participação. Em Felipe

Camarão, as iniciativas voltadas à participação da sociedade nas problemáticas da

comunidade também são, em sua maioria, desenvolvidas pelo “terceiro setor”:

A gente sempre tem muitas reuniões, apresentações que a gente


sempre junta os familiares justamente por isso, pra que ele veja
que o mundo correto lá fora da escola é justamente com os
Instituição 1
familiares, nas mobilizações sociais, culturais, em ações que tem
interesse pra vida deles como correr atrás de... pronto... “ah o
posto de saúde do bairro está fechado” é justamente “vamos
correr atrás de algum órgão responsável”.
178

Potencializar a comunidade a reivindicar pelos seus direitos, a


Instituição 9
correr atrás do Estado, de criar uma cultura da participação, não
de encontrar um conformismo.

Que a gente possa também intervir em algumas politicas que são


pensadas pra juventude de Felipe Camarão, né? E eu acho que
isso é importante, a gente ter feito, tem tentado fazer isso.
Instituição 8
Antes era só manicure e corte de cabelo. E a gente foi pra luta, foi
pra briga junto com o pessoal. Mostramos aos técnicos que
precisava de outra formatação pra Felipe Camarão. Que as
pessoas, esses cursos já se ofereceu por muito tempo e não muda a
realidade de ninguém.

Bom, eu tenho um exemplo do que pode ser feito quando ela estava
comigo lá em Nossa Senhora da Apresentação, a questão do
intercâmbio. Eu pedia pros meninos escreverem uma carta sobre
os pontos positivos e negativos da comunidade de Felipe
Camarão. Eles estavam escrevendo e os meninos de Nossa
Senhora da Apresentação fizeram o mesmo pra mostrar que são
Instituição 7
realidades comuns, pra eles pensarem a respeito de qual mudança
eles poderiam fazer na comunidade deles pra melhoria. Isso, sei
lá, é uma forma de tentar orientar pra uma mudança. Mais ou
menos isso, esse intercâmbio, pra que possam ver que tem
realidades que são da Zona Norte e Zona Oeste e se casam, são
problemas comuns a todos, né? Então que eles possam estar
pensando, refletindo sobre o que fazer para mudar isso.

Conforme já discutido, esse deve ser o papel da sociedade civil. Os trechos

acima mostram, para além de uma atuação junto aos jovens da comunidade, a inserção

política destes em questões relacionadas ao melhor desenvolvimento da sua

comunidade. Ações com esse caráter de participação estão estreitamente relacionadas

aos conceitos de construção do capital social e de empoderamento da comunidade. Vale

à pena dedicar algumas linhas à coexistência desses conceitos no processo de

transformação social.

O termo capital social, já utilizado algumas vezes nesse trabalho, requer uma

análise a partir da ação coletiva. Trata-se de uma abordagem que propõe a construção de

comunidades comprometidas com o seu próprio futuro, junto às instituições e


179

movimentos já existentes em determinado território. Baquero e Baquero (2007)

apontam que:

Capital social emerge como uma categoria analítica nova, cujo objetivo é
propiciar outras perspectivas de análise e alternativas a velhos problemas,
principalmente aqueles relacionados com a relação entre Estado-sociedade,
a participação social, e a superação da pobreza e da exclusão social em
diferentes níveis de análise. (p. 48).

Assim, a participação da sociedade no contexto das políticas sociais está

relacionada ao estoque de capital social que determinada comunidade possui. A

expectativa de reciprocidade, aliada à confiança, são aspectos que fortalecem os

sentimentos de cooperação horizontal e a coesão social na comunidade. Baquero e

Baquero (2007) discutem ainda que o engajamento cívico por meio de redes tem

potencial real para a redução dos índices de pobreza e criminalidade de uma

comunidade, melhoria da educação, bem como para o desenvolvimento econômico e

social de forma mais justa e equitativa. Consiste, pois, na potencialização da ação

coletiva, com o fim de gerar soluções práticas para problemas específicos, por meio do

esforço conjunto.

Baquero e Baquero (2007) discutem que, embora a construção de capital social

seja essencial, não constitui, por si só, condição para o desenvolvimento social. Esta

perspectiva necessariamente deve vir atrelada à noção de empoderamento. Tal conceito

constitui-se enquanto uma categoria atrelada a concepções de direitos humanos,

democracia e participação, mas não só a estes conceitos. Vai além, significando uma

tomada de consciência a respeito de fenômenos de diversas esferas que fazem parte da

realidade do sujeito, como a econômica, política e cultural.

Kleba e Wendausen (2009) apontam que o empoderamento está associado ao

processo de práticas e mobilizações que visam impulsionar grupos comunitários em


180

direção à melhoria das condições de vida. Nesse sentido, não é algo que é fornecido

para determinado grupo, mas construído pelo próprio, por meio de mediações e criação

de espaços propícios ao desenvolvimento da autonomia:

Definimos empoderamento como um processo dinâmico que envolve


aspectos cognitivos, afetivos e condutais. Significa aumento do poder, da
autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações
interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos à
relações de opressão, discriminação e dominação social. Dá-se num
contexto de mudança social e desenvolvimento político, que promove
equidade e qualidade de vida através de suporte mútuo, cooperação,
autogestão e participação em movimentos sociais autônomos. Envolve
práticas não tradicionais de aprendizagem e ensino que desenvolvam uma
consciência crítica. No empoderamento, processo e produto se imbricam,
sofrendo assim interferência do contexto ecológico social, cujos lucros não
podem ser somente mensurados em termos de metas concretas, mas em
relação a sentimentos, conhecimentos, motivações etc. (p. 736).

Pase (2007) aponta que o empoderamento pode ocorrer nos níveis individual,

organizacional e comunitário. O primeiro corresponderia à capacidade dos indivíduos

de terem autonomia sobre a sua própria vida, o segundo estaria mais ligado às questões

de desempenho empresarial, e o terceiro é o que está diretamente relacionado ao capital

social de uma comunidade. Esse último, aliado à noção de participação e de geração de

capital social é o que tem potencial para construir mudanças efetivas na comunidade.

Com relação aos jovens, façamos a análise dos trechos abaixo:

Porque a gente traz: vamos trabalhar a questão da saúde. Agora


vocês que têm que trazer as ideias, sabe? Qual o plano de ação
que você queria desenvolver nessa comunidade? Qual o problema
Instituição 7 real que você acha? Não, precisa trabalhar isso ou aquilo... Então
a gente faz com que eles possam ser motivados a buscar algo a
mais, que a gente esteja só orientando, jogando ideias, e esteja
recolhendo deles o que eles querem de melhorias.

“Gera atitude”, um grupo de jovens protagonistas que tentam


fomentar entre eles a importância do estudo, de investir na
formação. Então, são outras ações que a agente pensa que
Instituição 5 somadas vão estar mostrando pra eles esse outro lado, o
conhecimento, a arte, a cultura, as coisas que vão realmente
engrandecê-los(...). É um grupo composto por alunos do
fundamental, a partir do oitavo ano, né, são já adolescentes, e do
181

médio, que são coordenados hoje pela professora Patrícia, com a


finalidade de atuar como protagonistas dentro da escola e
consequentemente dentro da comunidade. Então esse grupo se
reúne semanalmente pra ler, discutir temáticas diversas, temáticas
polêmicas (...)e se preparando para multiplicar essas informações
com os demais da escola e com a comunidade. Eles têm um meio
de circulação impressa, que é o jornal, e realizam ações. Reúnem-
se semanalmente e estudam temas diversos e realizam ações junto
à escola e a comunidade.

Esses trechos apontam para uma perspectiva voltada a uma busca pela mudança,

por meio da orientação acerca dos direitos desses jovens, bem como do incentivo ao

papel de multiplicador na comunidade. Aqui sim podemos perceber o sentido político

do conceito de protagonismo juvenil. Em contraposição a uma emancipação superficial

e ilusória, característica do incentivo ao protagonismo em ações de cunho

assistencialista, tem-se, nesses relatos, uma tentativa de real emancipação e construção

da autonomia. E ainda, de uma autonomia voltada para o contexto em que esse jovem

está inserido, considerando-o como um sujeito ativo não só do seu próprio

desenvolvimento, mas de questões pertinentes à sua comunidade, que influenciam

diretamente em sua vida.

Além desses exemplos, vale falar um pouco acerca de uma ação implementada

pela Instituição 9, como um exemplo do que seria um incentivo à transformação da

comunidade, a partir do empoderamento e da geração de capital social. Tal ação, não

necessariamente conta com a participação somente da juventude mas, por ser realizada

por uma instituição voltada para esse público e por abarcar a comunidade em geral, na

qual esses jovens estão inseridos, é importante de ser destacada.

Trata-se de uma iniciativa que começou encabeçada pela Instituição 9, no

entanto, hoje já foi adotada por diversos moradores de Felipe Camarão:

Instituição 9 Então o nosso objetivo é mais nesse incentivo, incentivar, chegar


“Olha, o teu direito é esse, tu tens que buscar”. Às vezes a família
182

(fala) “Ah, mas está acontecendo isso, tem um foco de caramujo


aqui e isso e isso...” Aí a gente (diz) “A gente vai te ajudar, mas
você tem que unir a comunidade pra estar fazendo isso na sua rua,
pra estar indo lá junto à secretaria pra junto amenizar aquilo”.
Então a gente vai mais pra isso, pra estar incentivando, pra estar
buscando junto com ela, pra estar lutando, e pra isso foi criada a
Rede Social, que é uma voz da comunidade. Se tiver alguma
reclamação, sugestão, a gente vai até a Rede Social, fala com a
Rede Social, e a Rede Social vai junto com a comunidade pra estar
reivindicando seus direitos.

A Rede Social, como apontado no trecho acima, é a “voz da comunidade”.

Consiste de uma rede que é composta por moradores do bairro, entidades que estão em

FC, ONGs, grupos culturais formais e informais e instituições privadas, com o objetivo

de realizar o monitoramento das políticas públicas para o bairro de Felipe Camarão. A

Rede Social, de acordo com os relatos, pretende que essa metodologia se expanda para

outros bairros da cidade e que vá se propagando, a fim de potencializar a comunidade

para reivindicar seus direitos e criar uma cultura de participação, abandonando o

conformismo. Conforme relatado, essa iniciativa pretende potencializar a comunidade a

“correr atrás do Estado”.

Atualmente, a Rede passa por um processo de consolidação, mas já possui uma

coordenação colegiada, que é composta por moradores e entidades do bairro. As

decisões são realizadas conjuntamente, em assembleia. A Rede Social já realizou

algumas ações pontuais em FC e agora está focada na divulgação dessa metodologia nas

escolas, junto aos pais e alunos. Além disso, tem se inserido em espaços de participação

que vão além das demandas do bairro, como a Conferência Municipal da Saúde e

Conferência Municipal da Mulher.

Essa forma de articulação comunitária, se desenvolvida de forma plena, tende a

gerar um tecido social coeso, em que os moradores cada vez mais se sintam

empoderados e capazes de contribuir para melhorias na comunidade. Trata-se de um


183

exemplo emblemático acerca das possibilidades atinentes ao fortalecimento do capital

social. Vale salientar que a tarefa de manutenção de um sistema de cooperação como

esse deve ser pautada por sentimentos de reciprocidade e colaboração horizontal.

Observemos que a Instituição 9, nesse processo, situa-se apenas como mais um dos

atores de mediação, como um dos catalisadores das ações, que são construídas por todos

e em prol de todos.

Entretanto, é preciso ter em mente que, apesar da forma como foi relatada, a

Rede Social certamente ainda carece de uma real consolidação em FC. Afirmamos isso

embasados no fato de que, dentre as dez instituições pesquisadas, a Instituição 9 foi a

única que fez menção à existência desse projeto da comunidade. Isso é reflexo, dentre

outras coisas, da distância que ainda existe entre o discurso e a prática das ações em FC,

que não difere de outras comunidades em que se tem diversos tipos de intervenção, seja

estatal, seja da sociedade civil. Apesar disso, reconhecemos a enorme importância de

um projeto como esse em uma comunidade permeada por diversos contextos de

violação de direitos. Reconhecemos também a dificuldade em consolidar tal projeto em

uma sociedade marcada pelo individualismo e pela descrença na transformação social,

decorrentes da lógica perversa de uma sociedade de consumo, que marginaliza,

possibilita a criação de espaços regidos pelas leis de um estado paralelo (ou associado) e

reafirma o processo de subalternização das classes populares.

Essa distância entre discurso e prática está associada, inclusive, à falta de

articulação entre a grande maioria das instituições de FC. A articulação institucional

constitui-se de um processo importante no processo de busca por direitos, especialmente

no enfrentamento a problemáticas como a pobreza e a violência. Consiste em um dos

aspectos da tessitura do capital social de uma comunidade.


184

Fazendo uma análise geral das ações desenvolvidas em FC como um todo,

podemos apontar uma tendência predominante em cada instituição, através do discurso

de seus profissionais, de modo que caracterizamos da seguinte forma o objetivo das

instituições:

Tabela 3 – Objetivo das ações


Objetivo das ações Instituições (N)
Assistencialista 3
Compensatório 3
Emancipatório 4
Total 10

Vale salientar que não queremos aqui atribuir um rótulo às instituições que

foram estudadas e que tal categorização não consiste em uma condição excludente e

dicotômica com relação aos outros objetivos. Isto é, não é só porque uma instituição foi

caracterizada como compensatória que ela não pode ter também ações de cunho mais

assistencialista, e vice-versa. Trata-se apenas de uma análise geral, em que, a partir do

olhar da pesquisadora, foi possível distinguir as diferentes tendências de atuação nesses

espaços.

Sobre essa análise, Gohn (2004) aponta que:

Disso tudo resulta um cenário contraditório, no qual convivem entidades


que buscam a mera integração dos excluídos por meio da participação
comunitária em políticas sociais exclusivamente compensatórias; com
entidades, redes e fóruns sociais que buscam a transformação social por
meio da mudança do modelo de desenvolvimento que impera no país,
inspirados num novo modelo civilizatório no qual a cidadania, a ética, a
justiça e a igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis.
(p. 23).

Em meio a esse campo contraditório de intervenções, especialmente no tocante

aos jovens, consiste em um grande desafio pautar a temática do enfrentamento à

violência. Apesar do grande número de instituições voltadas para a juventude de FC, a

comunidade como um todo ainda padece de uma carência de participação; as iniciativas

não atingem nem a totalidade nem a maioria da população; as políticas estatais, apesar
185

de presentes, por meio de escolas, unidades de saúde e da assistência social, carecem de

infraestrutura básica e de formação de pessoal suficientes para a transformação da

realidade.

2.3 – Da abrangência das ações

“Utopia não significa algo irrealizável, mas, pelo contrário, a


luta por estar noutro lugar humano e social. (...). Trata-se,
pois, de um processo de luta, de batalha no campo das ideias
e no campo da luta política.”
Gaudêncio Frigotto

A Figura 5, apresentada na seção 4.1, sobre a caracterização de FC, indica a

localização dos aparatos públicos da comunidade. Com relação às instituições do

“terceiro setor”, a sua localização na comunidade também segue a mesma lógica, isto é,

todas elas são sediadas nas regiões mais centrais do bairro. No entanto, a localização de

uma instituição não necessariamente significa que a abrangência das suas ações se dá

somente na sua sede, podendo haver ações itinerantes, que abranjam outras áreas da

comunidade. Em FC, ações realizadas em outros locais da comunidade, que não sejam a

sede das instituições, foram identificadas em apenas três delas. Vale ressaltar que nos

referimos a ações de caráter continuado, que façam parte do planejamento e que estejam

previstas na rotina das instituições, e não intervenções pontuais. Considerando estas

últimas, nove entre as dez instituições relataram já ter tido alguma experiência pontual

externa à sua sede.

É válido destacar ainda que, apesar de três delas apresentarem ações que são

externas e que ocorrem em diferentes pontos da comunidade, apenas duas têm

conseguido realizar ações continuadas dentro de um desses pontos mais críticos de FC

(referimo-nos à atividade da Copa de Futebol das Juventudes). Diante desse cenário, as


186

consequências da falta de intervenção in loco também refletem na ausência desses

jovens nas instituições:

Mas a gente percebe que ainda não consegue chegar nesse


jovem... Né? Que normalmente é da encosta do morro, uma
localidade, que normalmente as pessoas chamam de favela, mas é
uma localidade específica aqui do bairro. Que não tem muito
acesso aos serviços. Que não vem a unidade de saúde, que não vai
às escolas, que não vai aos projetos, entendeu? As encostas das
dunas ali, o que mais tem são esses grupos, e muita gente não
chega pra lado de lá pra fazer trabalho, e quando chega, são
Instituição 8 forças militares, e já chegam, chegando.

Que tá no gueto, que tá dentro da localidade do Fio, aquele que tá


na Encosta do Morro, aquele que é aviãozinho, aquele... A gente
não conseguiu trabalhar ainda. Com esse jovem especificamente,
esse jovem que tá no tráfico, esse jovem, que é usado como
ferramenta de trabalho, esse jovem... A gente não consegue chegar
ainda. A gente tem pouquíssimas experiências, ou quase nenhuma
que trabalha com esse jovem, num é?

Vale destacar ainda um aspecto importante, apontado também pela Instituição 8,

que diz respeito à existência, em Felipe Camarão, de cerca de 18 grupos de swingueira,

alguns até com CNPJ. Consiste em um estilo musical que atrai a atenção dos jovens,

que acabam por se organizar autonomamente em grupos, para cantar e dançar nesse

estilo. Ocorre que, os jovens que fazem parte desses grupos, de acordo com relato da

Instituição 8, não têm muito espaço nas demais entidades do bairro, principalmente

devido ao estilo musical, que pode ir de encontro a algumas ideologias de ONGs,

Igrejas e outras instituições. Além disso, em geral, trata-se de jovens moradores dessas

regiões mais afastadas de Felipe Camarão, o que, por si só, já seria um motivo de

segregação.

Esse contexto de apartheid social que ocorre dentro da própria comunidade, em

que as ações não estão disponíveis para todos os jovens, indistintamente do lugar de

onde vêm, é bastante preocupante. Seja pelo medo, limites ideológicos, ou até falta de
187

infraestrutura das instituições, percebemos, em geral, que certos jovens simplesmente

não chegam às instituições, nem são atingidos por suas ações.

Os relatos dos grupos apontam uma tendência segregacionista, no sentido de que

os jovens que participam dos projetos e das ações não são os mesmos jovens que têm

sido diuturnamente vitimizados. Trata-se do famigerado termo “jovens de projeto”, em

contraposição aos jovens que possuem uma maior aproximação com os contextos de

atividades ilícitas, ou até com simples grupos de swingueira. Os “jovens de projeto”

inserem-se em atividades culturais, esportivas e de desenvolvimento social, trazidas por

essas instituições, enquanto que os demais continuam sendo vitimizados e esquecidos

por esses mesmos espaços de promoção da não-violência. Trata-se de um constante

desafio, que está relacionado à quebra de paradigmas a respeito da criminalização da

juventude. Mesmo os profissionais que estão no dia a dia com esses jovens, por vezes

ainda apresentam posturas discriminatórias nesse sentido, de voltar suas ações somente

para o perfil de jovens que se enquadrem no “projeto” e de temer ou excluir os demais.

Vale salientar que a Instituição 8 tem buscado dar espaço a esses grupos que não

chegam nas instituições. Já organizou três grandes shows na comunidade, em que esses

jovens puderam se apresentar e não houve relatos de criminalidade ou algum tipo de

violência ocorrido durante os shows, mesmo o último tendo tido cerca de cinco mil

pessoas, dentre as quais havia dois grupos rivais. Vale salientar que o aparato policial

nessa ocasião consistia em dois agentes da segurança pública, e que essa rivalidade que

possivelmente ocasionaria violência não foi contida pelos agentes, mas sim, por meio da

intervenção e negociação da Instituição 8 junto aos jovens dos dois grupos.

Essas iniciativas da Instituição 8 diferem do caráter das demais ações, aqui já

apresentado, especialmente no que se refere à abrangência, visto que a entidade tem se

proposto a trabalhar com todas as variações de público jovem existente em FC,


188

funcionando muitas vezes apenas como um facilitador de processos organizatórios que

já existem por iniciativa deles próprios, a exemplo dos grupos de swingueira.

2.4 – Da articulação das ações

"Todos os homens do mundo na medida em que se unem entre


si em sociedade, trabalham, lutam e melhoram a si mesmos."
Antônio Gramsci

Em todas as instituições, perguntamos se os membros do grupo conheciam

alguma outra entidade que tivesse o seu trabalho voltado para os jovens de FC e se

possuíam algum tipo de articulação com estas. Na maioria dos grupos, os membros só

conseguiram apontar, no máximo, três instituições. E, mesmo assim, muitas vezes não

conseguiram explicar ao certo que tipo de trabalho essas outras organizações

desenvolviam com os jovens, ou se sequer eram mesmo voltadas para esse público.

Houve também os grupos que citaram ter ciência da existência de outros espaços, mas

que não havia nenhum processo de articulação com esses, devido ao caráter de

funcionamento isolado de cada instituição, conforme demonstrado nos excertos abaixo:

Mas as ações acontecem, só que isoladamente. Mas está faltando


uma pessoa que chegue e junte todo mundo.

Instituição 7 Porque quando acontecem ações assim, teve até uma ação agora
da saúde, tem os grupos, mas assim, cada um com a sua parte,
nenhum se junta, nenhum troca ideias, entendeu? É como se fosse
assim uma competição de quem tem mais adolescentes.

Instituição 10 As instituições de Felipe Camarão são muito fechadas em si.

Eu não conheço, não tenho, não sei [respondendo à pergunta sobre


Instituição 4
outras instituições que atuam com jovens em FC].

Instituição 9 Aqui é cada um no seu quadrado

Obviamente, com a falta de conhecimento sobre a existência de determinada

instituição, é impossível haver algum tipo de articulação. E, nas que têm conhecimento
189

de outras, observamos que, ou não ocorrem ações, ou ocorrem somente ações pontuais

realizadas em conjunto, conforme podemos observar nos trechos abaixo:

7 de setembro aqui, há um momento muito importante aqui, que as


Instituição 3 escolas, junto com a Instituição 3, se reúnem, faz um lindo desfile
aqui das escolas, mostrando, assim, os eventos culturais.

E as outras organizações governamentais e não-governamentais


que existem, realizam atividades, estimulam também essa coisa da
participação comunitária. Mas nos convidam. E nós as convidamos.
Instituição 1 Não existe uma atividade hoje que é realizada, né, em parceria. Só
eventos. Participação em eventos. Nós participamos dos eventos
promovidos por outras organizações.

Outra forma de parceria entre as instituições refere-se à utilização do espaço

físico – a exemplo da Instituição 6 –, visto que algumas possuem uma infraestrutura

mais adequada para a realização de atividades que ficariam impossibilitadas de

acontecer no espaço da instituição proponente da ação.

Além dessas articulações pontuais, foram recorrentes nos encontros alguns

relatos de aspectos negativos de outras instituições, desqualificando o trabalho realizado

pelas outras e enaltecendo as qualidades da sua. Essa postura, por si só, já dificulta a

proposição de ações articuladas. Como se não bastasse a rotina, muitas vezes já fechada,

das diversas atividades de cada instituição, ainda existem posturas dessa natureza, que

dificultam ainda mais o processo de articulação das ações de forma sistemática.

Salientamos que essa realidade não está condizente com a busca pela construção de um

capital social que possa fomentar mudanças efetivas na comunidade.

As parcerias continuadas com outras instituições são caracterizadas, em sua

maioria, por parcerias em prol do financiamento para a manutenção das atividades da

organização. Tratam-se, pois, de articulações com entidades externas à comunidade. As

financiadoras vão desde organizações que compõem a cooperação internacional até

empresas de capital privado, locais e nacionais, que destinam uma parcela de seus
190

recursos para ações de caráter social. Com relação às entidades governamentais, no

geral, estas se sobressaíram no quesito conhecimento de outras instituições, visto que

conheciam a grande maioria dos espaços voltados para a juventude da comunidade.

Entretanto, com relação à articulação das ações, essas deixam a desejar, tanto quanto as

do “terceiro setor”.

Apesar dessa realidade de desarticulação das atividades realizadas em FC, é

válido destacar uma experiência exitosa no que diz respeito à articulação de duas

instituições. Tal experiência consiste de emblemático exemplo de como podem ser

potencializadas as iniciativas voltadas para a juventude em FC. Trata-se da realização

da “Copa de Futebol das Juventudes”, realizada por meio de uma parceria entre as

instituições 8 e 9. Consiste em um campeonato de futebol envolvendo 15 equipes,

formadas por jovens da região, cada equipe com 15 jogadores. Através dessa atividade,

as duas entidades proponentes alcançaram um grande avanço junto aos jovens da

comunidade. Conseguiram realizar os jogos dentro de uma das comunidades periféricas

de FC, a localidade do Fio (assim denominada por se localizar embaixo de fios de alta

tensão). Consiste de um espaço tido como inacessível para as demais instituições, por

ter um histórico de violência bem acentuado e por se caracterizar como um território sob

o controle do tráfico. O campeonato foi todo realizado em uma área descampada, um

campinho de futebol improvisado, dentro da comunidade. De acordo com relatos de

ambas as instituições, a recepção das pessoas da comunidade à atividade esportiva foi

muito boa. Durante a realização do campeonato, no sábado de manhã, não se percebia o

movimento do tráfico e da violência, visto que os proponentes construíram, aos poucos,

relações de confiança com os moradores do Fio. Além disso, houve adesão de muitos

jovens que, organizados em equipes, por vezes rivais, conseguiram dirimir alguns
191

conflitos por meio da prática do esporte. Alguns excertos acerca dessa atividade

merecem ser destacados:

E aí assim, e a gente tá servindo de ponte, essa copa também tá


servindo de ponte, né? Nós já conseguimos na 6 ou 8, a partir do,
dos meninos de Educação Física [alunos da UFRN que ajudam na
arbitragem da copa], pra fazer teste no América, no Alecrim e no
ABC.

E a gente tem tido essa recepção muito boa, lá das pessoas da


Localidade do Fio, né? Tem um time de lá, tem. Não tivemos
nenhum problema até agora, né? E, e o mais interessante que
assim, a juventude lá da Localidade do Fio, tá participando,
ativamente, né? E isso pra gente, é um dos objetivos nossos, que
eles participassem, né? E o mais interessante assim, é o
envolvimento da comunidade ali próximo, do dia a dia, entendeu?
Instituição 8
A gente, primeiro quis ver que dentro dos times que tão dentro do
bairro de Felipe Camarão, são juventudes diferentes. São pessoas
com, com ritmo de vidas diferentes, são pessoas com poderes
aquisitivos diferentes, né?

Desde a década de 80, e até muito antes disso, que é a história que
em momentos são fortes, em outros momentos são fracos, e esse é
um momento muito forte, né? Que jovens de Guarapes não podem
vir pra Felipe Camarão, os jovens da Cidade Nova não podem ir
pra Guarapes, tem essa coisa. E a gente convidou um time da
Cidade Nova, um time do Guarapes, um time da Esperança, um
time do Bom Pastor, pra gente também ter essa relação.

Está sendo muito bom, pra mim está sendo realmente onde eu
quero chegar, e quero chegar mais além. Claro que tem também
minha, a integridade física da pessoa, mas acho que a gente está
conseguindo reverter um pouco essa situação de dentro pra fora,
entendeu?

Esse trabalho de futebol às vezes a gente acha que é só um


Instituição 9 trabalho qualquer, mas não é, porque nós estamos juntando as
comunidades que são uma contra a outra. A gente está tentando
fazer uma união entre eles pra que não exista mais esse tipo de
coisa.

Hoje eu estou como eu queria estar, e tem uma turma, uns dez, uns
dez ou no máximo quinze, que é esse o foco. São os que realmente
estão dentro.
192

Juntamente ao campeonato, foi utilizada também a metodologia de oficinas e de

rodas de conversa com esses jovens, acerca de questões cotidianas da vida deles, que

também auxiliaram nos processos de redução de conflitos e consistiram de importantes

momentos de reflexão na construção autônoma dos seus projetos de vida. A vinculação

com essa juventude que não chega à sede das instituições proporcionou também outros

momentos de lazer, em que os jovens se encontravam com os membros das instituições

em outros espaços de convívio, em momentos que não coincidiam com as atividades

esportivas. Além disso, abriu oportunidade para alguns dos jovens fazerem testes em

times profissionais da cidade. Durante o momento de coleta de dados, a copa estava nas

fases finais e já havia pretensão de um novo campeonato, dessa vez com o público

mirim e infantil.

Essa experiência nos traz reflexões que vão além do processo de articulação

continuada entre duas instituições, principalmente devido ao seu impacto já em curto

prazo, no qual já podemos perceber mudanças incipientes na comunidade, que tendem a

ser potencializadas, caso haja um processo de intervenção continuada no espaço.

Observamos uma carência de ações que busquem a promoção dos direitos, ações

afirmativas, que aconteçam in loco, no foco central onde os contextos são mais

favoráveis à vitimização dos nossos jovens. Essas ações podem – e devem – se

sobressair às ações de repressão e controle das forças coercitivas do Estado. Além disso,

temos claro que o processo de articulação dessas instituições também consiste em um

ponto importante no enfrentamento à violência na comunidade.

Se, em todos os processos reivindicatórios apontados anteriormente, houvesse

união de esforços não só da sociedade, mas das instituições entre si, juntamente com os

diversos públicos atendidos, talvez houvesse a proposição de ações mais concretas e

mais fortalecidas, que tivessem um maior impacto no processo de redução da violência.


193

2.5 – Das principais dificuldades

"Não estamos perdidos. Ao contrário, venceremos se não


tivermos desaprendido a aprender."
Rosa Luxemburgo

Diante das diversas atividades realizadas pelas instituições, foram relatadas

algumas dificuldades que merecem uma discussão. Tais entraves refletem, muitas vezes,

na limitação das ações realizadas, e, por consequência, também têm o seu impacto junto

à juventude atendida nesses diversos espaços.

Especificamente com relação às instituições do poder público, o principal

obstáculo apontado pelos profissionais diz respeito à infraestrutura e condições de

trabalho. A limitação do espaço físico, a ausência de meios de transporte e de materiais

para realização de ações, além da má remuneração dos profissionais, foram aspectos

apontados como os problemas mais evidentes no desempenho das ações. Na Instituição

10, por exemplo, o lugar em que a mesma deveria funcionar está em reforma há dois

anos. Durante esse período, as ações acontecem provisoriamente em uma casa alugada,

que não possui espaço adequado para a realização de cursos, grupos e oficinas, ainda

que essas atividades estejam dentro das diretrizes de atuação da instituição. Esse mesmo

espaço é dividido com a Instituição 7, que executa as suas ações em uma pequena sala

que não comporta a quantidade de jovens prevista nas diretrizes do programa. A questão

salarial também foi apontada por profissionais de algumas instituições como um fator

desestimulante para a execução do trabalho.

Historicamente, as políticas sociais têm se caracterizado dessa forma

precarizada. Temos uma política pobre, para os pobres. Analisando essa problemática

no contexto do atual modus operandi da nossa sociedade, percebemos que isso

corresponde à lógica de um Estado mínimo, em que a destinação orçamentária para a

área social se dá no limite mínimo de intervenção estatal, e não visa o fim das mazelas
194

sociais, mas apenas o controle dos altos indicadores nacionais de pobreza, fome,

violência, etc. Desta forma, percebemos que, nacionalmente, os gastos com o social,

apesar de terem tido um tímido avanço na última década, ainda carecem de um maior

investimento. Ou ainda, de um melhor investimento.

O processo de municipalização de alguns setores das políticas sociais tem o

potencial de fortalecer os espaços de reivindicação por uma melhor atenção às sequelas

da “questão social”, visto que a gestão e execução das políticas, feitas a partir do poder

local, oferecem melhores condições para a participação cidadã nessas várias etapas. No

entanto, a forma como tem se dado o desenvolvimento desses passos, pelo menos no

município do Natal/RN, não só carece dessa participação cidadã, como padece de sérios

problemas de ordem estrutural, que vão desde a destinação de dotação orçamentária

para os projetos, até a carência de recursos humanos. Essa realidade reflete diretamente

na execução das políticas, vide o que foi apontado pelas instituições de FC.

Ainda com relação à carência de infraestrutura, foi apontado pela maioria das

instituições que a ausência de espaços públicos de lazer, tais como praças e quadras,

também limita a atuação das instituições, que, ou utilizam seus espaços privados

(quando há), ou improvisam em algum terreno baldio na comunidade. Esses fatores,

aliados à má iluminação pública, à falta de pavimentação de algumas ruas (em especial

nos assentamentos precários de FC), ausência de saneamento básico e a atuação policial

de forma repressiva, surgiram nos grupos como exemplos da inoperância do poder

público na comunidade. Esses últimos aspectos apontados, apesar de não estarem

diretamente ligados às atividades das instituições, acabam por influenciar na eficácia

das ações de enfrentamento à violência, visto que, de fato, são reflexos da ausência do

Estado, seja por meio de ações preventivas, ou através de garantias mínimas, como, por

exemplo, condições dignas de moradia. Relembramos que essas necessidades são


195

levantadas apesar da existência de diversas escolas e unidades de saúde na comunidade,

que ajudam, em números, a mascarar essa carência do poder público no bairro. Mesmo

sobre essas instituições, houve apontamentos relevantes, que mostram que somente a

quantidade de unidades não significa a prestação de um serviço de qualidade à

população:

Pra mim o problema daqui de Felipe Camarão é a falta, a


ausência realmente de políticas públicas, entendeu? A gente vê
Instituição 1 negligência no ensino, a gente vê negligência na unidade de
saúde, teve uma unidade de saúde que foi fechada, a gente não... A
situação das pessoas aqui, muitas vezes não é nem por violência

Só que acontece o seguinte: O sistema tá falido, gente. Né? As


ambulâncias tão, tão sucateadas, enquanto o cara lá tem uma
metralhadora, o soldado tem um 38... A diferença é grande, né?
Instituição 3 Então existe esse tipo de diferença.

A educação falindo, o professor, ganhando o que não merece,


pra... Aguentar tanta coisa, né?

Mas se eles realmente frequentassem a escola, se tivesse aula eu


acho que uma boa parte seria diminuída, porquê você sabe que o
Instituição 6
ensino não é de qualidade, o ensino público, principalmente pela
falta de aulas.

Instituição 10 A educação passa por um problema geral de carência no Brasil

Além desses aspectos, outra dificuldade apontada pelos profissionais foi a

respeito da ausência de articulação entre os diversos serviços oferecidos pelas

instituições. Como já dedicamos a seção anterior desse capítulo a essa questão, cabe-nos

somente reforçar a importância do funcionamento em rede dessas ações, por meio de

parcerias e atividades conjuntas na própria comunidade. Mais uma vez, o Estado deve

ser responsabilizado nesse quesito, visto que, por meio da Assistência Social, deveria

oferecer condições de abranger e articular essa rede de parceiros no enfrentamento à


196

violência em FC – ou a qualquer outra demanda urgente que necessitasse de sua

intervenção.

A Instituição 6 fez a reflexão que a realização de projetos paliativos, que não

visam a mudança das condições de vida da população, consiste em um dos principais

entraves para a efetivação dos direitos dos jovens de FC. De acordo com o relato, os

projetos e benefícios que chegam à comunidade não vêm com a proposta de resolução

dos problemas, mas de uma contribuição frágil e momentânea. Essa observação está

condizente com a nossa discussão acerca do caráter de precarização das políticas

sociais, já discutido.

Ainda no âmbito das políticas públicas, os profissionais apontaram como de

caráter fundamental para a potencialização das ações de enfrentamento à violência, que

houvesse mais incentivo a atividades culturais no bairro, visto que se trata de uma

prática que tende a atrair a atenção dos jovens de FC, e que pode ser uma mediadora no

processo de construção de uma cultura da não-violência. Além disso, indicaram que

iniciativas, a partir do Estado, de inclusão digital e capacitação dos jovens, que lhes

dessem possibilidade de ingresso no mercado de trabalho, também seriam importantes

propulsores nos projetos de vida desses jovens. Vale salientar que, como bem colocou a

Instituição 6, essas iniciativas, apesar de não terem o rótulo de enfrentamento à

violência, teriam condições de estimular as potencialidades dos jovens, e a redução da

resolução de conflitos por meio da violência seria “apenas” consequência.

Além disso, outra questão, dessa vez trazida pelas instituições 8 e 10, diz

respeito à oferta, quando há, de cursos de capacitação que não são condizentes com a

realidade dos jovens e que não têm potencial contributivo nem para sua formação

enquanto cidadãos, nem para o seu ingresso no mercado de trabalho. A Instituição 10

apontou que, a vinda de projetos prontos, sem um real diagnóstico das necessidades da
197

comunidade, ocasiona uma pouca participação e engajamento dos jovens, visto que

estes têm que se adaptar aos projetos, mas o contrário não é possível. Os profissionais

discutiram ainda que é necessário escutar os jovens e as suas demandas, para que o

delineamento dos projetos seja elaborado de forma democrática e participativa. Sobre

essa questão, a Instituição 8 nos informou que fez uma intervenção junto à Assistência

Social no bairro para que os cursos oferecidos aos jovens tivessem um caráter

diferenciado, de cunho mais político, visto que os de “manicure e corte de cabelo já

foram oferecidos muitas vezes, e não mudam a realidade de ninguém”. Assim, por meio

de parceria com a Instituição 10, conseguiram desenvolver alguns cursos políticos,

técnicos e de formação, que já não existiam no período de realização dessa pesquisa.

Por fim, a falta de apoio das famílias dos jovens e da comunidade em geral nas

ações realizadas pelas instituições, também foi um aspecto indicado como uma

limitação. Muitas vezes, por não acreditarem na real efetividade do trabalho realizado

pelas entidades do bairro, as famílias acabam por não incentivar a participação dos

jovens e, quando incentivam, não fazem o acompanhamento devido, nem se implicam

nas ações em que são demandados. O mesmo tem valido para a comunidade como um

todo, que, nas ações que demandam esforço coletivo, os profissionais sentem que

deveria haver uma maior mobilização por parte dos moradores, na busca pela garantia

dos seus direitos. Muito desse descrédito pode ser decorrente da situação generalizada

de violação de direitos que essas famílias, seus jovens e a comunidade como um todo

precisam enfrentar cotidianamente. Em um histórico contexto de privações, permeado

por uma singular estigmatização e criminalização, aliadas às promessas de campanha


198

não cumpridas por políticos, oriundos da própria comunidade27, são fatores que podem

influenciar nesse processo de desmobilização.

Apesar dessas dificuldades, no geral, os profissionais avaliam que as suas ações

possuem um impacto positivo na comunidade:

Porque a partir daquela experiência, eles hoje tão qualificados e


tão trabalhando. Tão tendo essa mudança de vida. Nós temos que,
meninos e meninas, que realmente tiveram problemas, mas, estou
dizendo, meninos e meninas que se resolveram. Tão aí usando a
Instituição 8
dança.

Às vezes dá vontade de desistir, mas quando encontramos jovens


que estão bem, isso nos dá ânimo para continuar.

Aí sábado eu recebi a resposta que realmente, minimamente faz


alguma diferença. Alguma coisa que você falou, que você fez, uma
ação sua, um gesto seu vai fazer a diferença sim.
Instituição 9
A gente sabe que não vai solucionar todos os problemas, mas são
intervenções como essa que a gente acredita que vão estar de uma
forma ou de outra semeando, como disse o colega, pequenas
mudanças.

Então, são outras ações que a agente pensa que somadas vão estar
mostrando pra eles esse outro lado, o conhecimento, a arte, a
cultura, as coisas que vão realmente engrandecê-lo.
Instituição 5
E a gente acha que a gente está diretamente, eu acho que eu posso
dizer diretamente, oferecendo aí essa outra visão que a gente disse
que a escola precisa dar pra eles, essa construção de valores que
a gente vê na comunidade tão fragilizado ou deturpado...

O que a gente vive aqui mesmo é um trabalho de formiguinha, de


cinquenta adolescentes a gente vai tirar um que vai se
Instituição 7 conscientizar e que vai multiplicar pros outros a questão da
melhoria da violência dentro dessa comunidade, de ações que
possam estar resolvendo ou não.
Instituição 1 Fortalecer junto aos jovens uma cultura que não é ensinada na

27
Atualmente, existe um vereador na Câmara Municipal de Natal que teve seu berço em Felipe
Camarão. A comunidade como um todo é descontente com a sua atuação junto às dificuldades
enfrentadas no bairro. Esse descontentamento foi apontado em várias instituições, em especial, naquelas
em que havia profissionais moradores do bairro.
199

escola onde deveria também ser ensinada, mas por professores


que muitas vezes não são nem alfabetizados. Então é essa a nossa
contribuição, nosso impacto aqui no bairro.

Eles estando aqui eles estão aprendendo seja lá qual for a


atividade que a gente esteja fazendo eles estão aprendendo, nem
Instituição 6
que seja a convivência que é o que a gente mais trabalha aqui é a
convivência deles.

Apesar de em nenhuma das instituições haver um projeto, ação ou iniciativa

declaradamente e nominalmente voltada para o enfrentamento à violência, percebemos

que as contribuições dessas entidades junto à comunidade perpassam, de fato, uma

perspectiva de redução da violência, pelo menos entre aqueles jovens que frequentam as

suas ações. Como apontado por várias delas, trata-se de um trabalho lento e gradual,

mas que pode fazer a diferença na construção dos projetos de vida desses jovens. A

partir dos relatos, percebemos uma contribuição no sentido do fortalecimento da

organização dos jovens e do seu protagonismo na comunidade e nas suas próprias vidas.

Essa implicação, por vezes, vem acompanhada de um fortalecimento da autoestima no

processo de construção da sua identidade. O incentivo à participação de atividades em

grupo, a visibilidade que lhes é dada nas ações desenvolvidas e, principalmente, a sua

valorização enquanto sujeitos de direito constituem aspectos essenciais para o

desenvolvimento das suas potencialidades.


200

IV – PARA NÃO CONCLUIR: Desafios e perspectivas no enfrentamento aos

contextos de violência em Felipe Camarão

“Metade de mim agora é assim, de um lado a poesia, o verbo,


a saudade, do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no
fim. E o fim é belo, incerto... Depende de como você vê!”
Fernando Anitelli

Diante de tantas ações, de naturezas, abrangências e enfoques diferentes, que

esforços ainda são necessários para conseguirmos, de fato, uma redução dos índices de

violência que assolam a comunidade de Felipe Camarão? As ações já existentes em FC

têm conseguido influenciar nesse processo? Que tipos de mecanismos ainda são

necessários lançar mão para buscar um futuro melhor para os nossos jovens?

Uma vez caracterizadas e apresentadas as ações que são desenvolvidas em

Felipe Camarão no âmbito da juventude, somos impelidos a refletir acerca dos

principais desafios que subjazem o enfrentamento aos contextos de violência no bairro.

Temos uma comunidade permeada pelo contraditório contexto de fortes raízes

culturais tradicionais, que convivem com a barbárie cotidiana. Nesse meio, encontram-

se os jovens de FC, com suas diferentes experiências de vida, vividas dentro de

instituições, do Estado ou do “terceiro setor”, ou fora delas, nos espaços públicos que

lhes oferecem toda a sorte de oportunidades, perversas ou não, de construção de suas

identidades.

Sobre essas entidades, que possuem suas ações voltadas para as juventudes, foi

possível perceber, no discurso da grande maioria dos participantes dessa pesquisa, o

engajamento e a vontade de transformar a vida desses jovens. Discurso esse, às vezes

permeado por cansaço e moralismos, mas, outras vezes carregado de lucidez quanto à

necessidade do engajamento político e união de esforços em prol da busca pela

transformação social.
201

No entanto, a desigualdade social continua sendo um dos principais problemas

dessa nação, de modo que, ainda há um longo caminho a percorrer entre a intenção das

ações e o seu real impacto dentro da comunidade. Como bem coloca Frigotto (2009), o

real desafio consiste em ultrapassarmos as circunstâncias culturais, sociais, humanas,

políticas e educacionais construídas sob as relações capitalistas, que violam os direitos

humanos e a democracia.

Sabemos que essa perspectiva de superação vai de encontro com a lógica

neoliberal. Por isso mesmo, a reafirmação dos direitos humanos, faz-se necessária para

a consolidação de um real Estado Democrático de Direito. Conforme aponta Netto

(2009), a integridade dos homens só se viabiliza por meio de trabalho assegurado,

garantia de alimentação, moradia adequada, educação formal e assistência à saúde.

Acrescentamos a esses fatores o direito à segurança. Sem essas garantias, não podemos

falar em liberdade. Muito menos em exercício da democracia e cidadania.

Percebemos, pois, a necessidade de uma real política de Estado, que busque

incessantemente o fim da desigualdade social e o combate às mazelas trazidas pelo

capitalismo.

Defendemos que essa transformação só será possível à medida que possamos

reconfigurar o cenário das nossas políticas. Já que vivemos sob a égide do capital, que,

com sua mão invisível, viola, maltrata e exclui – ou inclui perversamente –, resta-nos a

busca por essa transformação estrutural, em que se reorganize o processo de distribuição

de riquezas e se oportunize a inserção social de forma mais equânime.

Não se trata somente de oferecer cursos de capacitação, mas de oportunizar o

aumento das vagas no mercado. Não se trata somente de investir recursos na educação,

mas de criar estratégias de incentivo à cultura, esporte e lazer, em sua complementação.

Não se trata de realizar muitas ações, em diferentes instituições, mas de articulá-las no


202

processo de enfrentamento à violência. Trata-se sim, de realizar ações de cunho

emancipatório, que possam chegar à maioria dos jovens. E, em especial, não se trata de

reprimir e estigmatizar a pobreza, mas de buscar desconstruir a cultura de

criminalização e repressão às classes subalternizadas – por parte da sociedade, mas

principalmente por parte do Estado – em especial aos nossos jovens.


203

V – Referências

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APÊNDICES
213

APÊNDICE A

NA FRONTEIRA DA EXCLUSÃO: AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À


VIOLÊNCIA NA JUVENTUDE

Guia de Tópicos dos Grupos Focais (roteiro)

Pesquisadora: Candida de Souza


Orientadora: Ilana Lemos de Paiva
Co-orientadora: Isabel Fernandes de Oliveira
Observatório da População Infanto-Juvenil em Contextos de Violência
Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação

Público-alvo: profissionais que trabalham nas instituições voltadas para a


população jovem em contexto de violência em Felipe Camarão.
Duração: um encontro com duração entre uma hora e meia e duas horas.

Apresentação:
- Iniciar apresentando o projeto e seus objetivos e solicitar uma rápida
apresentação de cada um, seguida de uma palavra que defina o seu trabalho na
instituição.

Material de estímulo (recorte de jornal)


“Um jovem de 20 anos foi executado no bairro de Felipe Camarão na noite desta
segunda-feira (11). O servente de pedreiro João Lins (nome fictício) passava com a
namorada pela rua Santa Helena, quando foi abordado por dois homens em uma
motocicleta modelo Pop. A dupla teria efetuado vários disparos de arma de fogo contra
a vítima, que não resistiu aos ferimentos e morreu no local. A namorada da vítima
conseguiu fugir e não foi atingida por nenhum tiro. De acordo com informações da
Polícia Militar, João não tinha envolvimentos com o crime e nem era viciado em
drogas. Ainda não há suspeita sobre a motivação do assassinato." (Tribuna do Norte, 12
de abril de 2011)

Tópicos para discussão:


1 – Qual a sua opinião sobre a informação dada pela Polícia Militar para o caso
mencionado?
2 – Quais as questões mais relevantes que perpassam o público-alvo com quem
você trabalha?
3 – Que tipo de respostas demandam essas questões dos jovens?
4 – Qual o papel da instituição que você trabalha diante desse contexto?
5 – O que você acha que deveria/poderia ser feito para evitar situações violentas
como a apontada na reportagem?
6 – Como você avalia as ações de enfrentamento à violência na juventude em
Felipe Camarão?
214

APÊNDICE B

CARTA DE ANUÊNCIA

A instituição ________________________________ autoriza a realização da

pesquisa intitulada “Na fronteira da exclusão: ações de enfrentamento à violência na

juventude”, a ser realizada com a equipe profissional desta instituição, em sua sede. A

pesquisadora responsável é Candida de Souza, mestranda do Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da UFRN, vinculada ao Projeto Observatório da População

Infantojuvenil em Contextos de Violência e à base de pesquisa Marxismo e Educação.

Natal/RN, _____ de ______________ de 2011.

_______________________________________

Assinatura do responsável
215

APÊNDICE C

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Projeto de Pesquisa: “Na fronteira da exclusão: ações de enfrentamento à violência na


juventude”

Coordenadora da Pesquisa: Candida de Souza


Natureza do Projeto: você é convidado a participar deste projeto, que tem como objetivo
identificar e analisar as ações voltadas para a prevenção e combate à violência na juventude que
estão sendo desenvolvidas em Felipe Camarão.
Participantes do estudo: a amostra será constituída pelos profissionais que atuam nas
instituições com ações voltadas para jovens em Felipe Camarão.
Envolvimento no projeto: se você concordar em participar deste projeto, você participará do
grupo focal que discutirá temáticas relacionadas à violência na juventude. Caso você queira
pedir mais informações, entre em contato com a coordenadora do projeto através do telefone
(84)32153793.
Riscos e desconforto: a participação neste estudo não traz nenhum risco ou desconforto. As
imagens produzidas não serão divulgadas de nenhuma forma. Servem somente para a coleta de
dados da pesquisa.
Pagamento: você não terá nenhum tipo de despesa por participar deste projeto. E nada será
pago por sua participação.

Tendo em vista os itens acima apresentados,

eu,______________________________________________________________________, de
forma livre e esclarecida, manifesto meu interesse em participar deste projeto de pesquisa.

Local e data: ___________,___de____________de_____.

Assinatura do participante: __________________________________________.

Assinatura da pesquisadora: _________________________________________.

Qualquer dúvida a respeito desta pesquisa o senhor (a) poderá se comunicar através do seguinte contato:
Coordenadora da Pesquisa: Candida de Souza. Tel. (84)32153793 email:didapsi@yahoo.com

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