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LICENCIATURA EM ENGENHARIA CIVIL

UNIDADE CURRICULAR DE:


TECNOLOGIA DOS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO II

ARGAMASSAS
REBOCOS TRADICIONAIS

DOCUMENTO ELABORADO POR:


Pedro Miguel Soares Raposeiro da Silva

Outubro de 2008
ISEL
Instituto Superior de Engenharia de Lisboa Materiais de Construção II

Índice Geral

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 5

2 ARGAMASSAS DE REBOCO ........................................................................................ 6

2.1 REBOCOS TRADICIONAIS .................................................................................... 7

2.2 REBOCOS NÃO TRADICIONAIS .......................................................................... 9

2.3 FUNÇÕES, E CARACTERISTICAS DE UMA ARGAMASSA DE REBOCO. 10

2.3.1 FUNÇÕES .......................................................................................................... 10

2.3.2 CARACTERÍSTICAS ....................................................................................... 11

2.4 COMPONENTES DE UMA ARGAMASSA DE REBOCO ................................. 16

2.4.1 ÁGUA ................................................................................................................ 16

2.4.2 AREIAS ............................................................................................................. 16

2.4.3 LIGANTES ........................................................................................................ 19

2.5 CARACTERIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES DAS ARGAMASSAS ............... 30

2.5.1 ESTADO FRESCO ............................................................................................ 30

2.5.2 ESTADO ENDURECIDO ................................................................................. 31

2.5.3 CLASSIFICAÇÃO MERUC ............................................................................. 34

3 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 48

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Índice de Fotos

Fotos n.º1 e 2 – Fissuras em argamassas tradicionais com traço 1:2 após uma semana.
Foto n.º3 – Ensaio de aderência. Várias tipologias de rotura (rotura no seio do suporte, rotura
mista e rotura no seio do revestimento).
Foto n.º4 – Determinação da consistência de argamassa pela mesa de espalhamento.
Foto n.º5 – Ensaio de espalhamento através da “flow table”.
Foto n.º6 – Determinação do teor em ar através do Aerómetro.
Foto n.º7 – Determinação da resistência à tracção por flexão pelo menos aos 7 e aos 28 dias
de idade.
Determinação da resistência à compressão pelo menos aos 7 e aos 28 dias de idade;
Foto n.º8 – Determinação das variações dimensionais (retracção/expansão) às 24h e aos 28
dias de idade.
Foto n.º9 – Determinação da absorção de água por capilaridade aos 28 dias de idade em
provetes prismáticos de 40x40x160 mm.
Fotos n.º 10, 11 e 12 – Determinação da absorção de água por capilaridade em provetes
cilíndricos de 100x25 mm.
Foto n.º13 – Ensaio de aderência (pull-off).
Foto n.º14 – Pastilhas metálicas coladas.
Foto n.º15 – Determinação da resistência à penetração de cloretos.
Foto n.º16 – Determinação da resistividade.

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Índice de Figuras

Figura n.º1 – Esquema síntese dos rebocos tradicionais


Figura n.º2 – Esquema do desenvolvimento de fissuras em revestimentos, de camada única e
de três camadas [11].
Figura n.º3 – Tipologias de fissuração correspondentes a revestimentos de baixo e de alto
teor em ligante.
Figura n.º4 – Representação esquemática do mecanismo de aderência por penetração da
argamassa nos poros ou rugosidades do suporte [1].
Figura n.º5 – Tipos de areias usadas em rebocos.
Figura n.º6 – Tipos de areia utilizada no fabrico de uma argamassa para reboco tradicional.
Figura n.º7 – Tipos de ligantes utilizados nas argamassas de reboco.
Figura n.º8 – Classificação das cais aéreas [6].

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Índice de Tabelas

Tabela n.º1 – Classificação das cais aéreas [6].


Tabela n.º2 – Vantagens da utilização de cal aérea nos rebocos [4].
Tabela n.º3 – Desvantagens da utilização de cal aérea nos rebocos [4].
Tabela n.º4 – Natureza da cal segundo a matéria-prima (quadro elaborado por Durand Claye
no principio do século XX) [6].
Tabela n.º5 – Classificação das cais hidráulicas [6].
Tabela n.º6 – Vantagens da utilização de cal hidráulica nos rebocos [4].
Tabela n.º7 – Desvantagens da utilização de cal hidráulica nos rebocos [4].
Tabela n.º8 – Principais tipos de cimento corrente [6].
Tabela n.º9 – Adequação dos vários tipos de cimento a uma determinada função, em
argamassa (catálogo Cimpor).
Tabela n.º10 – Vantagens da utilização de cimento portland nos rebocos [4].
Tabela n.º 11 – Desvantagens da utilização de cimento portland nos rebocos [4].
Tabela n.º12 – Classificação MERUC.

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1 INTRODUÇÃO

Neste documento pretende-se complementar, relativamente aos rebocos de tradicionais com


cal, os elementos incluídos nas “Folhas de apoio da disciplina de Materiais de Construção II.
Pretende-se, também, sensibilizar os alunos para a importância da utilização deste tipo de
argamassas, de modo a poderem prescrevê-las e divulgar o seu fabrico e controlo em obra.

Os rebocos são, talvez, de entre todos os componentes envolvidos na construção, os mais


vulneráveis, por se apresentarem normalmente numa camada delgada que tem como principal
função a protecção do edifício dos elementos exteriores, tendo em simultâneo de conferir um
aspecto agradável ao mesmo.

Um reboco é praticamente um microbetão mas, ainda que existam inúmeros estudos,


raramente é definido convenientemente num projecto ou num caderno de encargos,
constatando-se também que, em geral, não existe em obra um controlo capaz de responder às
exigências. Se se juntar o facto de cada vez existir menos mão-de-obra qualificada e que,
actualmente, o fabrico em obra das argamassas de reboco é entregue, muitas das vezes, ao
pessoal menos qualificado (por exemplo, aos serventes), criam-se as condições ideais para o
aparecimento de anomalias nos referidos rebocos [1] [10].

Apresenta-se, nos capítulos seguintes, uma descrição dos vários tipos de rebocos, dando
especial realce aos tradicionais e faz-se uma breve descrição das características dos mesmos e
dos seus componentes. Conclui-se com uma tipificação das anomalias, das suas causas e das
respectivas técnicas de diagnóstico.

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2 ARGAMASSAS DE REBOCO

As argamassas são misturas plásticas obtidas com um ou mais aglomerantes (gesso, cal ou
cimento), areia e água (podendo ou não adicionar-se adjuvantes e/ou aditivos), que servem
para ligar entre si as pedras naturais e artificiais das construções de alvenaria (argamassas de
assentamento), para as revestir como camadas protectoras e/ou decorativas (argamassas de
reboco) e para reparação, reconstrução e manutenção de estruturas de betão. Podem assim, ser
divididas em três grandes grupos [1] [9] [10]:
- Argamassas de assentamento;
- Argamassas de reboco;
- Argamassas de reparação.
No que se refere às argamassas de reboco, tema do presente trabalho, podem ainda dividirem-
se em dois subgrupos principais, conforme o processo de fabrico e materiais constituintes.
Têm-se assim [1] [9] [10]:
- Rebocos tradicionais;
- Rebocos não tradicionais;
Alguns autores (1) separam os constituídos à base de cal, dos de cal e/ou cimento, ficando-se,
assim, com a seguinte divisão:
- Rebocos tradicionais (com cal);
- Rebocos correntes (com cal e/ou cimento);
- Rebocos não tradicionais (pré-doseados e/ou monocamada);

(1) BRITO, Jorge – Folhas de apoio à disciplina de Reabilitação Não-Estrutural de Edifícios, Capitula 5 –
“Diagnóstico, Patologia e Reabilitação de Revestimentos de Paredes – IST, 2005/2006;

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2.1 REBOCOS TRADICIONAIS

As argamassas para rebocos tradicionais são doseadas e preparadas em obra, sendo


constituídas basicamente por um ligante, areia (areias naturais extraídas do leito dos rios ou de
areeiros de natureza siliciosa ou calcária) e eventualmente, adjuvantes e aditivos.

Para se obter um bom revestimento tradicional deve-se realizar pelo menos 2 ou 3 camadas:
crespido, camada de base e camada de acabamento. A necessidade de realização de mais do
que uma camada decorre na impossibilidade de serem integralmente conseguidas as
características pretendidas se aplicadas em camada única [1] [4] [10].

Função das diversas camadas:


1ª Camada – crespido (salpico, chapisco)
- Consolidar a superfície do suporte;
- Reduzir a absorção da água das argamassas das camadas seguintes;
- Melhorar a aderência ao suporte;
Para atingir estes objectivos, utiliza-se preferencialmente cimento Portland.
2ª Camada – camada base (emboço, regularização)
- Garantir planeza;
- Garantir verticalidade;
Nesta camada, a dosagem de cal é importante, pois vai garantir a trabalhabilidade da
argamassa e retardar a presa, dando tempo aos trabalhos de regularização da superfície.
3ª Camada – acabamento (também denominado emboço de estucador quando usado no
interior)
Quando aplicado no exterior, o acabamento tem de resistir aos elementos, pelo que procura-se
aumentar a dosagem de cal e areia para reduzir a fendilhação, a “ductibilidade” e não
manchar;
Por outro lado, quando aplicado do lado interior, procura-se adicionar gesso para criar uma
superfície agradável ao toque, ao tacto e para receber um acabamento mais delicado.

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A existência de mais do que uma camada nos revestimentos tradicionais decorre também da
necessidade do revestimento ser razoavelmente espesso para poder constituir uma barreira
contra a penetração da água.

Portanto, cada camada deve ser sempre mais “fraca” do que a subjacente para que não a
deteriore por retracção e para que seja cada vez menor a tendência para a fissuração.

Se numa argamassa para reboco tradicional for adicionado um adjuvante retardador de presa,
ou eventualmente outros adjuvantes, como por exemplo, introdutores de ar, obtém-se uma
Argamassa Estabilizada.

Os introdutores de ar fazem com que as partículas de ar isolem as partículas de cimento,


tornando a argamassa mais homogénea, mais trabalhável e minimiza a exsudação. O
retardador de presa prolonga o início de presa da argamassa, de modo a que possa permanecer
utilizável em obra algumas horas depois de ter sido produzida (em geral 24h, 36h ou até 72h).

REBOCO TRADICIONAL

COM CAL E/OU CIMENTO SÓ COM CAL COM CAL E/OU CIMENTO +
ADJUVANTES
(DESIG: REBOCO CORRENTE) (DESIG: REBOCO TRADICIONAL) (DESIG: ARG. ESTABILIZADA)

FABRICADOS EM OBRA

APLICADOS EM 2 OU 3 CAMADAS

Figura n.º1 – esquema síntese dos rebocos tradicionais.

Durante largos anos, foram obtidos muito bons resultados na utilização de argamassas
tradicionais, graças sobretudo à existência de mão-de-obra qualificada [1] [4] [10].

Contudo, actualmente, uma onda de insucesso vem atingindo os revestimentos tradicionais de


execução mais recente. Em grande parte, tais insucessos ficam a dever-se:

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- Ao desaparecimento de mão-de-obra com domínio da tecnologia tradicional;


- À utilização imponderada, e como ligante único, do cimento Portland nas argamassas,
com o abandono quase total da cal;
- À execução demasiada rápida, sem respeito pelos trabalhos de preparação dos suportes,
pelo número de camadas ou pelos intervalos de tempo de secagem necessários;
- À ausência ou insuficiente humedecimento prévio do suporte, ou à falta de humidificação
posterior à execução das diversas camadas do revestimento, necessária para lhes garantir
uma cura correcta (no caso da utilização do cimento Portland como ligante).

Perante os inconvenientes desta situação, desenharam-se tendências diferentes para a


resolução do problema.
Surgem, assim, as argamassas prontas (rebocos não tradicionais).

2.2 REBOCOS NÃO TRADICIONAIS

Os rebocos não tradicionais são, basicamente, constituídos por argamassas prontas. São
produzidas misturas pré-doseadas em fábrica a que, em obra, apenas haverá que adicionar a
quantidade de água de amassadura especificada na própria embalagem de comercialização.
São, portanto, produtos que tentam manter as características das argamassas tradicionais e
proporcionam condições para que desapareçam os problemas relacionados com a falta de
mão-de-obra qualificada.

Por serem um produto pronto a usar, reduz a área tradicionalmente reservada para a produção
de argamassas em obra libertando assim espaço em estaleiro.

De entre os produtos de revestimento não tradicionais há ainda que destacar os rebocos


monocamada. São igualmente misturas produzidas em fábrica, para serem aplicadas em uma
ou duas demãos, podendo atingir uma espessura final na ordem dos 10 a 20 mm. Pretende-se
com estes produtos satisfazer, numa só camada, todas as características requeridas ao
revestimento e obtidas nos rebocos tradicionais, em pelo menos, três camadas [1] [4] [10].

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2.3 FUNÇÕES, E CARACTERISTICAS DE UMA ARGAMASSA DE REBOCO

2.3.1 FUNÇÕES

As funções de um reboco são [2] [4] [11] [12]:


1. Protecção:
- Melhorar a impermeabilidade da parede;
- Melhorar a resistência mecânica;
2. Conferir planura à superfície da parede;
3. Proporcionar suporte para pintura, revestimentos com azulejos ou outros.

Ainda que se trate de um componente usual na construção, a sua correcta execução é


complexa dada a grande variabilidade de diversos factores, tais como [2] [4] [11] [12]:

1. Os seus componentes:
- Agregado (por ex.: basta chover para que as suas características em obra apresentem
uma grande variação);
- Aglutinantes (por ex.: o cimento, a cal hidráulica e a cal aérea apresentam
fenómenos de retracção diferentes);
2. Ambientais (por ex.: exposição, quer durante a execução, quer posteriormente, ao sol,
à chuva, ao vento, a poluição, etc.);
3. Preparação e aplicação em obra (por ex.: formação do pessoal ou adequação do
equipamento);
4. De envolvente:
- Drenagem das águas dos terrenos adjacentes;
- Tensões provocadas sobre os rebocos devidas à dilatação térmica, sísmica, ou ao
vento;
5. De manutenção:
- Pressão de vapor de água, pela impermeabilidade ou ventilação deficiente;

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2.3.2 CARACTERÍSTICAS

Às argamassas de reboco exige-se que dêem resposta a determinadas características (regras de


qualidade), das quais se destacam as relacionadas com as seguintes propriedades [2] [4] [11]
[12]:
- Trabalhabilidade;
- Resistência à fendilhação;
- Capacidade de impermeabilização em zona não fendilhada;
- Aderência ao suporte;
- Compactibilidade com o suporte;
- Durabilidade.

2.3.2.1 TRABALHABILIDADE

A argamassa deve poder ser facilmente aplicada, de modo a serem obtidas boas aderências e
compacidade e bom rendimento, e deve poder ser trabalhada à superfície para que o aspecto
final seja satisfatório.

O aumento do teor de finos das areias usadas, o aumento do teor do ligante e o aumento da
quantidade de água de amassadura são factores que permitem melhorar a trabalhabilidade,
mas que têm consequências gravosas para outras características da argamassa. Assim, é
preferível melhorar a trabalhabilidade através da mistura de cal ou da incorporação de
adjuvantes apropriados (plastificantes e introdutores de ar).

2.3.2.2 RESISTÊNCIA À FENDILHAÇÃO

A resistência de uma argamassa à fendilhação é função da capacidade da argamassa para


resistir às tensões de tracção nela induzidas pelo efeito da restrição da retracção.

Logo que as argamassas são aplicadas sobre os suportes, começa a sua retracção de secagem
inicial, que é restringida pela aderência ao suporte. Esta restrição vai dar origem ao
desenvolvimento de tensões de tracção no revestimento e de corte no plano de contacto do
revestimento com o suporte.

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As tensões de tracção tenderão a fissurar o revestimento e as tensões de corte poderão


provocar o seu descolamento.

A execução de várias camadas de espessura não superior a 25mm conduz à redução da largura
das fissuras à superfície.

Fissura larga Fissuras estreitas e desencontradas

Parede Parede

2.A – Revestimento com camada única 2.B- Revestimento com três camadas

Figura n.º2 – Esquema do desenvolvimento de fissuras em revestimentos de camada única e


de três camadas [11].

Se as argamassas forem fortemente doseadas em ligante, as fissuras serão de largura elevada,


embora bastante afastadas entre si e atravessam toda a espessura do revestimento. Se as
argamassas forem menos ricas em ligante as fissuras serão finas, embora pouco espaçadas
entre si, e em geral não atravessam toda a espessura de um revestimento porque as tensões
instaladas são baixas. A fig. 3 ilustra as tipologias de fissuração correspondente aos casos de
revestimento “fraco” e de revestimento “forte”.

Camada de base

Camada de base Crespido

Crespido

Suporte Suporte

3.A – Revestimento de baixo teor em ligante 3.B – Revestimento de alto teor em ligante

Figura n.º3 – Tipologias de fissuração correspondentes a revestimentos de baixo e de alto teor


em ligante.

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Fotos n.º1 e 2 – Fissuras em argamassas tradicionais com traço 1:2 após uma semana.

2.3.2.3 CAPACIDADE DE IMPERMEABILIZAÇÃO EM ZONA NÃO FENDILHADA

A argamassa, tal como, de um modo geral, os restantes constituintes das alvenarias, são
materiais de porosidade aberta, onde a água pode penetrar principalmente por permeabilidade
ou por capilaridade, conforme a dimensão dos poros e dos capilares, do grau de sucção do
suporte e da pressão de água incidente.

A absorção capilar depende da finura do cimento (diminui quando a finura aumenta), da


relação a/c (aumenta quando a/c aumenta), da idade (diminui quando a idade aumenta), da
duração da cura húmida (diminui quando a duração aumenta) e da compacidade.

A capilaridade da argamassa é reduzida quando as partículas com dimensões inferiores a 0,5


mm existem em pequena quantidade. A adição de hidrófugos também pode diminuir
substancialmente a capilaridade, os introdutores de ar, devido à redução da relação a/c tendem
a diminuir a absorção capilar.

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2.3.2.4 ADERÊNCIA AO SUPORTE

A aderência da argamassa ao suporte é devida essencialmente à penetração da água carregada


de ligante ou da própria argamassa nos poros ou entre as rugosidades do suporte. É
influenciada pela natureza e estado de conservação e limpeza do suporte, por características
do próprio revestimento, pelo método de aplicação e, também, pelas condições atmosféricas
que vigorem durante a aplicação. É facilitada quando aumenta a rugosidade do suporte.

A fig. 4 ilustra o mecanismo de aderência por penetração da argamassa em diferentes


suportes.

Suporte
Revestimento

a) - Suporte muito liso e compacto b) - Suporte rugoso e não c) - Suporte demasiadamente absorvente
(Más condições de aderência) demasiadamente absorvente (Risco de dessecação prematura)
(Boas condições de aderência)

Figura n.º4 – Representação esquemática do mecanismo de aderência por penetração da


argamassa nos poros ou rugosidades do suporte [1].

Foto n.º3 – Ensaio de aderência. Várias tipologias de rotura (rotura no seio do suporte, rotura
mista e rotura no seio do revestimento).

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2.3.2.5 DURABILIDADE

A durabilidade das argamassas está fundamentalmente relacionada com alguma das anomalias
que as podem afectar, tais como: a fendilhação; a penetração de água por capilaridade; as
perdas de aderência; o esfarelamento provocado por dessecação prematura; o corte do
suporte; o ataque de sais, nomeadamente sulfatos, existentes nos materiais que constituem os
suportes, no ar ou na água.

Além dos diferentes aspectos referidos anteriormente, também é importante referir a


resistência à penetração de cloretos e a resistividade eléctrica. Estes dois aspectos são
relevantes quando se trata de argamassas de reparação.

Hoje em dia, a contaminação do betão por cloretos é identificada como uma das maiores
causas de deterioração das estruturas de betão armado. Existe um enorme número de
estruturas que estão afectadas por este problema e onde se incluem, particularmente, as
expostas ao ambiente marinho ou à acção de sais de degelo.

Uma das técnicas mais utilizadas para reabilitar estruturas em que a corrosão é devida ao
elevado teor de cloretos é a reparação localizada, utilizando argamassas de elevada
resistência, sem retracção, nem segregação e de elevada resistência à penetração de iões de
cloretos.

A resistividade é um bom parâmetro para avaliar a velocidade de penetração de iões cloreto


no betão e nas argamassas. A resistividade eléctrica (a unidade de medida é .cm)é uma
propriedade de cada material e corresponde ao inverso da sua condutividade. Depende em
grande proporção do grau de saturação dos poros do betão e das argamassas e, em menor
grau, da hidratação da pasta.

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2.4 COMPONENTES DE UMA ARGAMASSA DE REBOCO

2.4.1 ÁGUA
Funções da água na argamassa [4][6]: molhar os agregados; activar os aglutinantes; conferir
consistência.

Quando usada em excesso na preparação da argamassa, ao evaporar provoca:

- Retracções - Diminuição da resistência


INFILTRAÇÕES
- Fissuras - Aparecimento de fissuras

Cuidados a ter com a água a utilizar em rebocos:

- A água não deve ter sais dissolvidos ► com o tempo surgem eflorescências que degradam
o reboco e a pintura;
- A água não deve ter matéria orgânica pois diminui a resistência mecânica do reboco;
- A água não deve ser muito pura ► a água pura dissolve a cal do reboco podendo surgir
fissuras.
Portanto, a melhor água para as argamassas é a potável, proveniente de rios ou poços, que não
contenha sais nocivos à presa dos aglomerantes e ao comportamento destes em obra. As águas
que tenham cloretos de sódio ou de magnésio ou de sulfatos em quantidades elevadas, não
devem ser aplicadas porque prejudicam a resistência das argamassas. O mesmo acontece com
as águas que contenham substâncias orgânicas, como as estagnadas provenientes de poços ou
pântanos.

2.4.2 AREIAS
Funções das areias num reboco [4] [6]:
- Criar volume;
- Reduzir a retracção;
- Melhorar a resistência mecânica;
- Absorver o vapor de água.

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Tipos de areis usadas nos rebocos:

AREIAS

ARTIFICIAIS NATURAIS

Obtidas por Do rio Da mina Da praia


britagem

No inverno ou após Deve ser lavada para a


chuva a quantidade eliminação de sais
de finos altera-se
significativamente

Figura n.º5 – Tipos de areias usadas em rebocos.

Cuidados a ter com as areias na preparação de rebocos:


- Não devem ter matérias orgânicas ► pois fazem diminuir a resistência do reboco;
- Não devem ter sais (por exemplo a areia do mar não lavada) ► posteriormente provocam
o aparecimento de eflorescências que degradam o reboco;
- Devem ser crivadas ► nas camadas finais devem utilizar-se areias mais finas para um
melhor acabamento da superfície;
- Na preparação de rebocos, duas partes devem ser de areia do rio (grão grosso) e uma parte
de areia da mina (com partículas finas que dão o efeito de “goma”).

Nas obras com utilização de rebocos tradicionais existem, normalmente, dois montículos de
cores diferentes:

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AREIA SILICIOSA AREIA ARGILOSA

- areia branca; - areia amarela;


- areia do rio; - areia da mina;
- areia grossa; - areia fina;
- areia lavada; - areia com “goma”;
- areia de Coina;
- areia de Rio Maior;

- dá resistência ao reboco; - torna o reboco mais


- cria uma camada sólida para compacto e cria o efeito de
assentamento do revestimento; “goma”
- permite executar camadas (impermeável/compacto);
delgadas sem cair; - permite afagar com esponja;
- deve ser sempre misturada
com areia do rio senão cai ou
estala;

Figura n.º6 – Tipos de areia utilizada no fabrico de uma argamassa para reboco tradicional.

As areias provenientes do mar devem ser lavadas com água doce, para lhes extrair o cloreto
de sódio que, ao dissolver-se na água, iria prejudicar a resistência das argamassas e o seu
comportamento em obra.

As areias provenientes dos rios devem ser crivadas, a fim de as libertar de substâncias
orgânicas como raízes, fragmentos de madeira, carvão, etc..

As areias provenientes de bancos naturais quando isentas de raízes e outras impurezas devem
ainda ser controladas quanto ao teor em argila. Quando a quantidade de argila for superior a
6% deve evitar-se a sua utilização nas argamassas de cimento, pois a argila actua como
retardador de presa, altera a distribuição granulométrica, prejudica a aderência entre o
agregado e a pasta de cimento e altera a resistência das argamassas.

A escolha da areia mais acertada para a utilização prevista é bastante importante. Além das
exigências de qualidade expressas na norma - LNEC E373 – Características e verificação da
conformidade, como a dureza dos grãos, a sua limpeza, a inexistência de torrões de barro,
galhos ou matéria orgânica, haverá que estar atento à distribuição das dimensões dos grãos.
As areias poderão classificar-se em grossas, médias e finas destinando-se isoladamente a

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funções distintas que, ao serem misturadas, obtêm uma maior compacidade. Por estes
motivos, há necessidade de realizar análises granulométricas

2.4.3 LIGANTES

LIGANTES AÉREOS LIGANTES HIDRÁULICOS

- gesso; - cimento portland;


- cal aérea; - cal hidráulica;
(cor branca)

Após endurecer não são


Após endurecer, em contacto afectados pelo contacto com
com a água podem perder a água.
total ou parcialmente a As altas temperaturas atingidas
capacidade como ligante. durante o fabrico torna
insolúvel depois de ganhar
presa.

Figura n.º7 – Tipos de ligantes utilizados nas argamassas de reboco.

Cada um dos ligantes apresentado tem determinadas propriedades ou comportamentos que,


por si só, não são suficientes para cumprir as funções já descritas em pontos anteriores. Ao
executar-se um reboco tradicional nas suas diversas camadas é necessário dosear quantidades
dos diversos ligantes por forma a se conseguir um bom reboco.

De uma forma geral, todos os ligantes são obtidos de rochas cozidas em fornos e reduzidas a
pó que, ao serem posteriormente misturadas com água, tendem a ter um comportamento
químico análogo ao da rocha que lhe deu origem [4] [6].

Passa-se de seguida a descrever, de forma sucinta, cada um dos ligantes referidos.

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2.4.3.1 CAL AÉREA

A cal aérea é obtida pela cozedura a 1000ºC de uma rocha calcária com uma percentagem de
pelo menos 95% de carbonato de cálcio (CaCO3), ou carbonato de cálcio e magnésio. Quanto
ao teor de carbonato de cálcio, a cal aérea tradicionalmente divide-se em:
- Cal Gorda:
Quando provêm de calcários quase puros, com teores de argila até 1%;
- Cal Magra:
Quando provêm de calcários com teores de argila de 1 a 5%.

REACÇÃO RESULTANTE DA COZEDURA DO CALCÁRIO

CaCO3 + Energia CaO + CO2

Pedras de calcário + calor Oxido de cálcio + Dióxido de


(cal viva) carbono

Durante o processo de fabrico, as pedras perdem cerca de 1/3 do seu peso e volume pela
libertação intensa de dióxido de carbono.

Quando em contacto com a água dá-se uma grande libertação de calor pelo que antes de ser
utilizada na preparação dos rebocos deve ser apagada (extinta).
Antigamente a extinção da cal era
EXTINÇÃO DA CAL Cal extinta
feita no estaleiro da obra,
Cal hidratada
construindo-se, para isso, pequenos
depósitos de alvenaria, ou no caso de
pequenas quantidades, era extinta em CaO + H2O Ca(OH)2 + CO2

bidons metálicos.

Hidróxido de cal
ou cal apagada

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Actualmente, pode-se encontrar no mercado cal aérea em pedra (pedra de calcário) ou em pó,
no entanto o mais frequente é ela ser previamente extinta em fábrica sendo vendida sob a
forma de pasta.
Pode-se, assim, quanto ao seu estado, classificar as cais aéreas em:
- Cais Vivas (Q):
Encontrando-se em blocos de 20 a 30 cm (fornos artesanais), grãos de 4 a 10 cm (fornos
industriais) ou reduzida a pó (por moagem);
- Cais Hidratadas (S):
Encontrando-se sob a forma de pó seco, pasta ou calda, obtidas por extinção controlada.
Actualmente, as cais aéreas classificam-se em cais cálcicas (CL) e cais dolomíticas (DL)
segundo os diferentes teores de óxido de cálcio e de óxido de magnésio, conforme o seguinte
quadro:

TIPO CaO+MgO (%) MgO (%) CO2 (%) SO3 (%)

CL 90 ≥ 90 ≤4
CL 80 ≥ 80 ≤5 ≤7
CL 70 ≥ 70 ≤ 12 ≤2
DL 85 ≥ 85 ≥ 30 ≤7
DL 80 ≥ 80 ≥5 ≤7

Tabela n.º1 – Classificação das cais aéreas [6].

Exemplifica-se a seguir a designação de uma cal aérea:


CL 90 – Q ⇒ cal aérea cálcica (CL) com pelo menos 90% de (CaO + MgO) em cal viva.

Se a extinção da cal for feita de REACÇÃO DA CAL COM O CO2, NOS REBOCOS
forma incorrecta ou apressada a
camada de reboco a que der Ca(OH)2 + CO2 CaCO3

origem, tende a cair, ficando a


parede com aspecto de ter sido Pedra de
calcário
ponteada.

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Com o tempo a cal dos rebocos reage com o dióxido de carbono existente na atmosfera,
transformando parte do reboco numa película rígida e quimicamente análoga à pedra de
calcário que lhe deu origem [4] [6].

VANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DE CAL AÉREA NOS REBOCOS

- Retarda o fenómeno de presa, permitindo que os rebocos sejam afagados, nivelados,


areados ou executados desenhos.

- Quando utilizado no assentamento de azulejos ou tijolo à vista, tolera bem as variações


térmicas, evitando fissuras.

- É permeável ao vapor de água.

- Torna os rebocos mais plásticos e trabalháveis.

- Dificulta a formação de condensações.

- Economia, já que na composição de argamassas bastardas parte do cimento é substituído


pela cal. Esta substituição é feita por volume e, nestas condições, consegue-se o mesmo
volume de argamassa por um preço inferior. Esta economia poderá traduzir-se em valores
na ordem dos 20 a 30%.

Tabela n.º2 – Vantagens da utilização de cal aérea nos rebocos [4].

DESVANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DE CAL AÉREA NOS REBOCOS

- Durante a secagem, as argamassas com maior teor de cal (argamassas bastardas)


apresentam retracções. As retracções, durante a secagem, podem fazer o reboco soltar-se da
parede. As retracções podem provocar ainda fissuras que, ao facilitarem a fixação de CO2
(processo de carbonatação), darão origem a infiltrações.

- Rebocos de regularização para assentamento de revestimentos pesados, tais como pedras,


com dosagem maior de cal aérea podem originar desprendimento do revestimento.

- Os rebocos exteriores com cal aérea são mais porosos, mais permeáveis à água e logo
menos duráveis.

- Dado ganharem presa muito lentamente só devem ser aplicados durante o tempo seco.

Tabela n.º3 – desvantagens da utilização de cal aérea nos rebocos [4].

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2.4.3.2 CAL HIDRÁULICA

É um produto resultante da acção da cozedura, abaixo da temperatura de vitrificação, do


calcário contendo uma certa percentagem de argila. Depois de cozida, a cal é extinta e
reduzida a pó, fazendo presa e endurecendo, tanto ao ar como submersa.

As margas que servem de matéria-prima à cal hidráulica são rochas calcárias com quantidades
de argila entre 5 e 20%.

Segundo Vicat, a hidraulicidade da cal seria tanto maior, quanto maior fosse a percentagem de
argila no calcário. Verificou também que, quando a percentagem de argila era superior a 20%,
a cal produzida já não se extinguia por adição de água. A este produto chamou-se cal limite,
ficando marcada a fronteira para os cimentos naturais. Sendo difícil distinguir claramente uma
cal de um cimento, considerou-se que o melhor critério era considerar que uma cal hidráulica
necessita de ser extinta depois de cozida, enquanto um cimento nunca o é.

TEOR DE ÍNDICE DE TEMPO DE


NATUREZA DA CAL ARGILA HIDRAULICIDADE PRESA
(%) (DIAS)

FRACA HIDRAULICIDADE 5.3 a 8.2 10 a 6.2 16 a 30


MÉDIA HIDRAULICIDADE 8.2 a 14.8 6.2 a 3.1 10 a 15
SIMPLESMENTE HIDRÁULICA 14.8 a 19.1 3.1 a 2.4 5a9
EMINENTEMENTE HIDRÁULICA 19.1 a 21.8 2.4 a 2.0 2a4
CAL LIMITE OU CIMENTO DE PRESA 21.8 a 26.7 2.0 a 1.5 1
LENTA

Tabela n.º4 – Natureza da cal segundo a matéria-prima (quadro elaborado por Durand Claye
no principio do século XX) [6].

A cal hidráulica classifica-se, actualmente, pela sua resistência á compressão aos 28 dias,
ensaiada numa argamassa normalizada, estando previstas 3 classes de resistência (2, 3.5 e 5
MPa). Quanto ao seu processo de fabrico as cais hidráulicas designam-se por:
- Cais hidráulicas naturais (NHL):
Apresentando-se reduzidas a pó por extinção, com ou sem moagem;

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- Cais hidráulicas (HL):


Formadas por cais hidráulicas naturais e material adicional, pozolânico ou hidráulico,
até 20% em massa.

CAL LIVRE RESISTÊNCIA Á COMPRESSÃO (MPa)


TIPO
(%) 7 DIAS 28 DIAS

HL 2 ≥8
--------- 2a7
NHL 2 ≥ 15
HL 3.5 ≥6
--------- 3.5 a 10
NHL 3.5 ≥9
HL 5 ≥3
≥2 5 a 15 (20)
NHL 5 ≥3

Tabela n.º5 – Classificação das cais hidráulicas [6].

A cal produzida tem de ser extinta, não só para eliminar a cal viva, mas principalmente para
provocar a pulverização das partículas maiores. É este processo que faz a distinção entre a cal
hidráulica e o cimento. Ou seja, a finura da cal, necessária ao seu endurecimento, é obtida por
extinção da cal viva e não necessariamente por moagem. No entanto, actualmente, a fim de
obter produtos de boa qualidade, a cal hidráulica é sujeita ao processo de moagem.
Devido ás suas características físicas, as cais hidráulicas podem ser utilizadas na alvenaria
corrente, em argamassas de salpisco, emboço ou assentamentos de revestimentos, como
argamassa simples ou misturada com cimento [4] [6].

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VANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DE CAL HIDRÁULICA NOS REBOCOS

- Tem uma aderência melhor que cal aérea, mas não uma rigidez que a impeça de
acompanhar as alterações do suporte ou da estrutura (maior “ductibilidade”).

- O calor de hidratação é baixo e liberta-se lentamente fazendo com que a evaporação da


água seja lenta evitando assim o aparecimento de fissuras.
As retracções que eventualmente se registem, são moderadas.

- O teor de cal torna a argamassa dos rebocos mais plástica e trabalhável.

- Os rebocos com cal hidráulica são permeáveis ao vapor de água (as paredes “respiram
melhor”) “restituindo” ao ambiente o vapor de água quando o tempo está mais quente.

- O teor de cal ajuda a fechar com o tempo (por carbonatação), eventuais fissuras
(regeneração).

- As camadas de regularização para o assentamento de revestimentos, tijolo, azulejo ou


pedra, apresentam uma boa coesão e ductibilidade evitando-se fendilhações ou
desprendimentos.

- Maior compatibilidade com suportes de alvenaria de tijolo ou pedra.

- A perda de água durante a presa é lenta.

Tabela n.º6 – Vantagens da utilização de cal hidráulica nos rebocos [4].

DESVANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DE CAL HIDRÁULICA NOS REBOCOS

- Maior custo em relação à cal aérea.

- A cal hidráulica endurece mais depressa e o reboco torna-se mais duro e mais forte do que
o de cal aérea. Mas a água vai “permanecer” mais tempo na alvenaria e no reboco, o que
pode ter os seus inconvenientes.

Tabela n.º7 – Desvantagens da utilização de cal hidráulica nos rebocos [4].

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2.4.3.3 CIMENTO NATURAL

Tal como já se referiu, quando a percentagem de argila no calcário excede 20%, pode-se obter
por cozedura, um ligante hidráulico designado por cimento natural. Este ligante, fazendo a
transição da cal hidráulica para o cimento Portland, considera-se com dosagens de argila no
calcário até 40%.

Antes da descoberta do cimento Portland, utilizava-se muito o cimento natural, obtido a partir
da queima de uma mistura natural de calcário e argila. Como esta mistura ocorria na natureza
sem qualquer intervenção humana, as propriedades deste cimento variavam muito. Na
actualidade, a designação de cimentos naturais não é oficial, havendo apenas a designação de
cal hidráulica. À semelhança do que acontece com as cais hidráulicas, a observação
microscópica destes cimentos permite verificar a presença de matéria-prima não calcinada e
algum carvão, revelando insuficiência de cozedura. As resistências mecânicas em relação às
do cimento Portland são da ordem dos 20% [4] [6].

2.4.3.4 CIMENTO PORTLAND

O cimento é um ligante hidráulico, isto é, um material inorgânico que, quando misturado com
água, forma uma pasta que faz presa e endurece tanto ao ar como debaixo de água.

O cimento Portland, artificial, é obtido a partir de uma mistura devidamente proporcionada de


calcário, argila e, eventualmente, outra substância apropriada rica em sílica, alumina ou óxido
de ferro, reduzida a pó muito fino, que se sujeita à acção da temperatura da ordem dos
1450ºC. A mistura é depois muito bem homogeneizada e dispersa. Àquelas temperaturas,
obtidas em fornos rotativos, as matérias-primas reagem entre si, no que são ajudadas pela sua
fusão parcial, originando novos compostos. Em virtude destes fenómenos químicos e físicos,
os produtos da reacção aglomeram-se em grãos esferóides, de 2 a 20 mm, chamados clinquer.

Posteriormente, o clinquer, conjuntamente com gesso e outros eventuais constituintes como


sejam a pozolana, escória de alto forno, cinzas volantes ou calcário, é moído com o objectivo

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 26


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de o reduzir a um pó muito fino para permitir a reacção dos grãos de cimento com a água e a
formação dos compostos hidratados que conferem resistência aos aglomerados.

O cimento é então homogeneizado e armazenado em grandes silos, onde é preservado do


processo de envelhecimento que ocorreria naturalmente ao ar livre.

A normalização em vigor (NP EN 197-1) prevê 5 tipos principais de cimentos correntes:


CEM I Cimento Portland;

CEM II Cimento Portland composto;

CEM III Cimento de alto forno;

CEM IV Cimento pozolânico;

CEM V Cimento composto.

Tabela n.º8 – Principais tipos de cimento corrente [6].

Os tipos de cimentos são função da natureza e percentagem dos seus constituintes, podendo
estes ser determinados quantitativamente recorrendo a ensaios adequados. Como
subcategorias dos 5 tipos principais de cimento, a normalização prevê 11 designações de
cimentos e 27 produtos da família dos cimentos correntes. O cimento do tipo CEM II é o que
tem maior variação possível de composição, e inclui por isso 19 variedades de cimentos [4]
[6].

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Adequação dos vários tipos de cimento a uma determinada função, em argamassa:


CEM II/A- CEM II/B-
CEM I CEM I CAL
UTILIZAÇÃO L L
52.5 R 42.5 R HIDRÁULICA
42.5 R 32.5 N

Rebocos interiores ev ev ev ac id

Rebocos exteriores ev ev ev ac ac

Rebocos em edifícios
ev ev ev ev id
antigos

Recuperação de alvenarias
ev ev ev pa id
em edifícios antigos

Legenda: ev = a evitar; pa = pouco aconselhável; ac = aconselhável; id = ideal


Tabela n.º9 – Adequação dos vários tipos de cimento a uma determinada função, em
argamassa (catálogo Cimpor).

VANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DE CIMENTO PORTLAND NOS REBOCOS

- Imune à água depois de ganhar presa.

- Boa resistência mecânica.


No salpico, para além de impermeabilizar confere uma forte coerência à superfície do pano
onde é aplicado.
Nas camadas de regularização e suporte de revestimentos de pedra confere uma boa coesão.

- Confere aderência ao suporte que pode ser melhorada com a utilização de areia grossa.

- Confere uma boa resistência ao choque e à abrasão.

Tabela n.º 10 – Vantagens da utilização de cimento portland nos rebocos [4].

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DESVANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DE CIMENTO PORTLAND NOS REBOCOS

- Ao secar, a libertação da água à superfície é mais rápida que em profundidade, podendo


provocar o aparecimento de microfissuras que, em algumas situações, podem assumir toda a
espessura do reboco.
O aparecimento de fissuras pode ser atenuado com o humedecimento e protecção do reboco
da radiação solar directa e do vento.

- O cimento pode conferir uma rigidez excessiva ao reboco impedindo-o de acompanhar


qualquer alteração do suporte ou da estrutura.

- Pode não tolerar a expansão térmica ou higrometrica dos materiais de revestimento.

- Não é permeável ao vapor de água.

- Impede a saída de humidades que estejam no interior da parede.

Tabela n.º 11 – Desvantagens da utilização de cimento portland nos rebocos [4].

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2.5 CARACTERIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES DAS ARGAMASSAS

2.5.1 ESTADO FRESCO


Consistem fundamentalmente na determinação da consistência por espalhamento, teor em ar,
massa volúmica, segregação e aderência [1] [11] [12].

Foto n.º4 – Determinação da consistência


de argamassa pela mesa de espalhamento.

Foto n.º5 – Ensaio de espalhamento


através da “flow table”.

Foto n.º6 – Determinação do teor em ar


através do Aerómetro.

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2.5.2 ESTADO ENDURECIDO

Consiste em vários ensaios realizados sobre diferentes provetes [1] [11] [12].

- Os ensaios realizados sobre provetes prismáticos de 40 x 40 x 160 mm são os


seguintes:

Foto n.º7 – Determinação da resistência à


tracção por flexão pelo menos aos 7 e aos 28
dias de idade;

Determinação da resistência à compressão


pelo menos aos 7 e aos 28 dias de idade.

Foto n.º8 – Determinação das variações


dimensionais (retracção/expansão) às 24h e
aos 28 dias de idade.

Foto n.º9 – Determinação da absorção de


água por capilaridade aos 28 dias de idade
em provetes prismáticos de 40x40x160 mm;

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 31


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– Determinação da absorção de água por capilaridade em provetes cilíndricos de 100x25


mm

Fotos n.º 10, 11 e 12 –


Determinação da absorção
de água por capilaridade em
provetes cilíndricos de
100x25 mm.

- Ensaio de aderência ao suporte (pull-off) em lajetas de 40x40 cm;

Foto n.º13 – Ensaio de aderência (pull-off). Foto n.º14 – Pastilhas metálicas coladas.

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- Determinação da resistência à penetração de cloretos sobre provetes cilíndricos de 100


x 50 mm;

Foto n.º15 – Determinação da resistência à


penetração de cloretos.

- Determinação da resistividade das argamassas de reparação sobre provetes cilíndricos


de 100 x 200 mm;

Foto n.º16 – Determinação da


resistividade.

Outros ensaios de caracterização das propriedades das argamassas no estado endurecido:

- Resistência à carbonatação;
- Compatibilidade térmica com o suporte sob condições ambientais extremas;
- Módulo de elasticidade.

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2.5.3 CLASSIFICAÇÃO MERUC

No caso das argamassas para rebocos não tradicionais (sistema monocamada), há a destacar a
actuação do CSTB (Centre Scientifique et Tecchnique du Batiment) junto do mercado francês.
Todas as argamassas são estudadas para que seja possível a emissão de um certificado de
homologação do produto antes da sua entrada no mercado. Esta certificação tem um prazo
pré-estabelecido, durante o qual é acompanhado o desempenho do produto, exigência que tem
de ser atendida para a manutenção da homologação.

Tal experiência permitiu ao CSTB estabelecer a classificação MERUC, que especifica as


propriedades da argamassa associadas ao seu desempenho em obra. Baseia-se, assim, em
cincos propriedades:
- M – Mass volumique apparent de l’enduit durci (massa volúmica aparente no estado
endurecido - kg/m3);
- E – modulo d’Élasticité (modulo de elasticidade – MPa);
- R - Résistence á la traction – (resistência á tracção por flexão – MPa);
- U – rétention d’éaU – humidification ( retenção de água no estado fresco - %);
- C – Capillarité – coeficiente de capilaridade (g/dm2.min1/2).

Cada propriedade tem critérios de desempenho subdivididos em seis classes:


M E R U
CLASSES 3
C (g/dm2.min1/2)
(kg/m ) (MPa) (MPa) (%)

1 < 1200 < 5000 < 1.5 < 78 < 1.5

2 1000 a1400 3500 a 7000 1.0 a 2.0 72 a 85 1.0 a 2.5

3 1200 a 1600 5000 a 10000 1.5 a 2.7 80 a 90 2a4

4 1400 a 1800 7500 a 14000 2.0 a 3.5 86 a 94 3a7

5 1600 a 2000 12000 a 20000 2.7 a 4.5 91 a 97 5 a 12

6 > 1800 > 16000 > 3.5 95 a 100 > 10

Tabela n.º12 – classificação MERUC.

Os procedimentos de ensaio estão detalhados na publicação CSTB 2669-4 – Modalités


d’essais.

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 34


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Uma argamassa pode não ser classificada exclusivamente segundo os critérios de uma mesma
classe. Por exemplo, uma argamassa pode ser M1, classe 1 para a massa volúmica no estado
endurecido e E2, classe 2 para o módulo de elasticidade, R2 e U4 e C3.

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 35


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3 ANOMALIAS EM REBOCOS TRADICIONAIS

3.1 TIPOS DE ANOMALIAS

Descrevem-se de seguida as principais anomalias em rebocos tradicionais e o aspecto mais


provável de observar para cada uma:

3.1.1 REBOCOS POUCO ADERENTES (SOLTOS)

Os rebocos pouco aderentes ou soltos apresentam normalmente uma forte tendência para
descolar. Os descolamentos podem apresentar uma extensão muito variável, sendo que a
perda de aderência pode ocorrer de diversas formas [5] [7] [8]:
- Com empolamento;
- Em placas;
- Com pulverulência.
Qualquer das diversas formas de perda de aderência, pode apresentar três tipos de
descolamento:
- Na interface revestimento/base;
- Entre duas camadas do revestimento;
- No meio de uma das camadas do revestimento.

ASPECTO OBSERVADO DA ANOMALIA


- Descolamento com empolamento:
A superfície do reboco descola do emboço formando bolhas, cujos diâmetros aumentam
progressivamente. O reboco apresenta um som oco sob percussão.
- Descolamento em placas:
A placa apresenta-se endurecida, quebrando com dificuldade. O reboco apresenta um som
oco sob percussão.
- Descolamento com pulverulência:
A película de tinta descola arrastando o reboco que se desagrega com facilidade.

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 36


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Local: Calçada Conde Penafiel, Lisboa Local: Rua do Terreirinho, Lisboa

Fotos n.º 17 a 22 – Alguns exemplos de rebocos pouco aderentes (soltos).

3.1.2 REBOCOS POUCO DUROS OU RESISTENTES

Um reboco pouco duro ou resistente pode também estar associado a um reboco sem coesão ou
até mesmo à presença de humidade [5] [7] [8].

ASPECTO OBSERVADO DA ANOMALIA


Um reboco pouco duro ou resistente, pode apresentar-se com mossas na sua superfície ou
arestas erodidas.

Local: Rua de São Pedro Mártir, Lisboa Local: Rua de São Lourenço, Lisboa

Fotos n.º 23 a 28 – Alguns exemplos de rebocos pouco duros ou resistentes.

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 37


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3.1.3 REBOCOS MOLES NO INTERIOR

Como se verá, quando se analisar as causas desta anomalia, é um pouco discutível considerar
que um reboco mole no interior seja considerado uma anomalia.

ASPECTO OBSERVADO DA ANOMALIA


Um reboco mole no interior, pode apresentar-se, com mossas na sua superfície ou arestas
erodidas.

3.1.4 REBOCOS FISSURADOS

As fissuras, num reboco, apresentam-se normalmente em duas formas [5] [7] [8]:
- Fissuras pontuais bem definidas e com algum comprimento;
- Fissuras mapeadas.

Figura n.º 21 – Fissuração mapeada/


pontual.

ASPECTO OBSERVADO DA ANOMALIA


- Fissuras pontuais:
Apresentam-se ao longo de toda a parede. Pode apresentar descolamento do revestimento
em placas, com som oco sob percussão.
- Fissuras mapeadas:
As fissuras têm uma forma muito variada e distribuem-se por toda a superfície.

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 38


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Fotos n.º 29 a 36 – Alguns exemplos de rebocos fissurados.

3.1.5 REBOCOS EMPOLADOS

Empolamento pontual e isolado da pintura. Numa fase mais adiantada, a pintura poderá cair,
podendo assim observar-se pequenas crateras no reboco [5] [7] [8].

ASPECTO OBSERVADO DA ANOMALIA


Empolamento da pintura, podendo formar bolhas de humidade.

Fotos n.º 37 a 40 – Alguns exemplos de rebocos empolados.

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 39


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3.1.6 VESTÍGIOS DE HUMIDADE

Os vestígios de humidade num reboco podem manifestar-se de várias formas [5] [7] [8] [9]
[11]:
- Através de eflorescências;
- Através de bolor, algas, musgos e líquenes;
- Através da visualização de manchas.

ASPECTO OBSERVADO DA ANOMALIA


- Eflorescências:
Manchas de humidade e pó branco acumulado sobre a superfície.
- Bolor, algas, musgos e líquenes:
Manchas esverdeadas ou escuras podendo o revestimento apresentar alguma desagregação.
- Manchas:
Aparecimento de linhas, sobre o reboco, que desenham o perímetro das juntas horizontais e
verticais da alvenaria.

Fotos n.º 41 a 46 – Alguns exemplos de rebocos com vestígios de humidade.

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 40


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3.1.7 QUADRO RESUMO DAS ANOMALIAS E RESPECTIVO ASPECTO


OBSERVADO

ANOMALIAS ASPECTO DA ANOMALIA


A superfície do reboco descola do emboço formando
Descolamento com
bolhas, cujos diâmetros aumentam progressivamente.
empolamento
O reboco apresenta um som oco sob percussão.
Reboco pouco aderente
A placa apresenta-se endurecida, quebrando com
ou solto (com
Descolamento em placas dificuldade. O reboco apresenta um som oco sob
descolamento)
percussão.
Descolamento com A película de tinta descola, arrastando o reboco que se
pulverlência desagrega com facilidade.
Pode apresentar-se, com mossas na sua superfície ou
Reboco pouco duro ou resistente
arestas erodidas
Pode apresentar-se com mossas na sua superfície ou
Reboco mole no interior
arestas erodidas
Apresentam-se localizadas ou ao longo de toda a
Fissuras pontuais parede. Pode apresentar descolamento do
Reboco fissurado revestimento em placas, com som oco sob percussão.
As fissuras têm uma forma muito variada e
Fissuras mapeadas
distribuem-se por toda a superfície
Empolamento da pintura, podendo formar bolhas de
Reboco empolado
humidade
Manchas de humidade e pó branco acumulado sobre a
Através de eflorescências
superfície
Através de bolor, algas, Manchas esverdeadas ou escuras podendo o
Reboco com vestígios
musgos e líquenes revestimento apresentar alguma desagregação
de humidade
Aparecimento de linhas sobre o reboco, que
Através de manchas desenham o perímetro das juntas horizontais e
verticais da alvenaria

Figura n.º 22 – Quadro resumo das principais anomalias em rebocos e aspecto observado.

3.2 CAUSAS DAS ANOMALIAS

As causas das anomalias podem ser divididas, numa primeira abordagem, da seguinte forma
[5] [7] [8]:
- Causas de origem humana;
- Causas resultantes de acções naturais;
- Causas de origem acidental (tanto por acção humana como por desastre natural).

Argamassas: rebocos tradicionais Pág. 41


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3.2.1 CAUSAS DE ORIGEM HUMANA

O factor humano adquire grande importância no processo das anomalias na construção,


podendo aquele manifestar-se durante as diferentes fases da vida de um edifício: fase de
concepção e projecto, fase de execução e fase de utilização.

1. Fase de Concepção e Projecto


Ausência de projecto ou informação insuficiente, má concepção, inadequação ao ambiente,
inadequação às condicionantes técnicas e económicas, dimensionamento incorrecto,
pormenorização deficiente, inadequação de materiais e técnicas construtivas, etc.
2. Fase de Execução
Materiais de qualidade deficiente, desajustamento entre projecto e execução, mão-de-obra
sem formação adequada, ausência ou insuficiência de fiscalização, etc.
3. Fase de Utilização
Alteração das funções inicialmente previstas, remodelações e alterações inadequadas,
degradação dos materiais por incúria na utilização, falta ou desajuste de manutenção
permitindo a livre progressão das anomalias, alterações na envolvente do edifício, etc.

3.2.2 CAUSAS RESULTANTES DE ACÇÕES NATURAIS

Estas acções funcionam como fontes potenciais de anomalias, manifestando-se de modo


corrente, usual, de longa duração e com intensidade variável de actuação sobre os edifícios,
consoante as condições em que se verificam.
Dividem-se em causas físicas, químicas e biológicas.

1. Causas Físicas
Acção da gravidade, assentamento diferencial (cargas excessivas, sapatas desniveladas, etc.),
alterações sofridas pelo terreno (diminuição ou aumento de volume do solo e presença de
água, nível freático), capacidade de resistência do solo, variações de temperatura
(temperaturas extremas), radiação solar, vento (pressão, abrasão e vibração), acção de água
(chuva, neve, gelo, humidade do solo, etc), retracção, fluência, relaxação, etc.

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2. Causas Químicas
Oxidação, carbonatação, presença de água, presença de sais, chuva ácida, reacções
electroquímicas, radiação solar (raios ultravioletas), etc.

3. Causas Biológicas
Presença de vegetais (raízes, líquenes, fungos, bolores), presença de animais (vermes,
insectos, roedores, pássaros).

3.2.3 CAUSAS DE ORIGEM ACIDENTAL

1. Desastres Naturais
Sismo, ciclone, tornado, cheia, deslizamento de terras, avalanche, erupção vulcânica,
tempestade marítima, trovoada, etc.

2. Desastres de responsabilidade humana


Incêndio, explosão, inundação, etc.

3.2.4 HUMIDADE, SUAS FORMAS DE OCORRÊNCIA

As principais formas de manifestação da humidade, como causa directa ou indirecta de


anomalias construtivas nos edifícios são [5] [7] [8] [9]:

- Humidade derivada da condensação;


- Humidades da construção;
- Humidade derivada da precipitação;
- Humidade por contacto com paredes enterradas;
- Humidade devida a causas fortuitas.

A razão pela qual os vários tipos de humidade podem ser associados a anomalias prende-se
com as seguintes causas:
- Humidade derivada da condensação:

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Falta de ventilação
Variações de temperatura
Excesso de vapor de água
Combustão de gás engarrafado
- Humidade da construção:
Tempo insuficiente de secagem dos materiais
Excesso de água
- Humidade derivada da precipitação:
Defeitos em elementos exteriores tais como: caleiras, algerozes,
impermeabilizações, rebocos, etc
- Humidade por contacto com paredes enterradas:
Falha/ausência de sistema de impermeabilização
Terreno adjacente elevado
Nível freático elevado
- Humidade devida a causas fortuitas:
Rotura de canalizações
Etc.

Normalmente, as ocorrências dos variados tipos de anomalias devidas à humidade não se


manifestam de um modo isolado. É habitual que dois ou mais fenómenos surjam associados,
quando se verificam condições propícias ao seu aparecimento ou devido à possibilidade de
uns serem consequência dos outros.

3.2.4.1 HUMIDADE DE CONDENSAÇÃO

Este fenómeno manifesta-se quando o ar quente e húmido de um local entra em contacto com
uma parede ou com uma zona fria. A humidade do ar condensa-se sobre a parede, formando
água.
Esta água ficará sob a forma de gotículas se a superfície for lisa, ou é absorvida pela
superfície se esta for porosa, formando manchas escuras e, a longo prazo, colónias de fungos,
bolores e líquenes.

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3.2.4.2 HUMIDADE DE CONSTRUÇÃO

A água é utilizada na composição da maioria dos materiais aplicados na construção como


sejam as argamassas e os betões. Torna-se assim necessário, que decorra um período de
tempo suficiente para a secagem dos materiais, que, caso não seja respeitado, ou se verifique
uma ocupação precoce do edifício, dá origem ao aumento da humidade acumulada, num ciclo
vicioso de progressiva humidificação.

As patologias derivadas das humidades de construção, podem ser devido à evaporação da


água existente (provocando expansões ou destaque de materiais e dando ainda origem a
condensações), ou aos próprios materiais possuírem um elevado teor de água (produzindo
manchas de humidade ou condensações). Estas patologias desaparecem ao fim de um período
relativamente curto, dependendo da utilização do edifício e do clima.

3.2.4.3 HUMIDADE DE PRECIPITAÇÃO

É através da envolvente exterior das edificações (paredes, respectivos vãos, e coberturas) que
a água proveniente das precipitações vai penetrar nas construções, quer no seu estado líquido
– chuva, quer no estado sólido - neve e gelo, conduzindo assim à humidificação dos materiais.
A chuva, como factor isolado, não constitui uma grande ameaça para as paredes dos edifícios,
excepto quando associada ao factor vento; a acção conjugada destes dois fenómenos sujeita as
paredes a uma acção de molhagem que se revela significativa para o humedecimento dos
paramentos interiores e para a diminuição da resistência térmica dos materiais que compõem
as paredes.

3.2.4.4 HUMIDADE POR CONTACTO COM PAREDES ENTERRADAS

É a transmigração da água que se verifica nas caves, garagens, pisos enterrados ou em paredes
parcialmente enterradas.

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Dependendo da porosidade dos materiais constituintes das paredes, da quantidade de água em


contacto com as mesmas e das condições de evaporação, a água pode atingir alturas
significativas nas edificações, alturas essas que variam com a espessura, época de construção
e orientação das paredes afectadas (quanto maior a espessura da parede maior a altura atingida
pela humidade, sendo as paredes viradas a norte as mais afectadas).
A existência de sais no terreno e nos materiais de construção associados à ascensão de água
nas paredes são condição fundamental para a ocorrência de fenómenos patológicos nestes
elementos. Os sais dissolvidos na água migram através das paredes até à sua superfície ou
imediatamente abaixo desta (sob o revestimento da parede). Após a evaporação da água
cristalizam, dando origem à formação de eflorescências (cristalização superficial de sais) ou
de criptoflorescências (cristalização de sais abaixo da superfície).

3.2.4.5 HUMIDADE DEVIDA A CAUSAS FORTUITAS

Nesta designação incluem-se todos os fenómenos de ocorrência acidental e de origem diversa


de humidades nas edificações. Dada a multiplicidade das situações, toma-se difícil tipificar
todas as causas possíveis. Estas podem ter carácter pontual, encontrando-se normalmente
associadas a defeitos de construção, falhas de equipamentos ou erros humanos, quer activos
(acidentes), quer passivos (falta de manutenção).

Este tipo de anomalias tem como causas mais usuais as roturas e perdas de estanqueidade nas
canalizações das redes técnicas, as infiltrações através da cobertura por falta de manutenção e
limpeza, as inundações por descuido, a humidificação de pavimentos e paredes devido ao
recurso a quantidade excessiva de água na sua lavagem, etc.

É de referir que, em edificações antigas, as roturas de instalações de águas e esgotos pluviais e


residuais, funcionam como uma das principais fontes de humidificação do edifício, em
especial em instalações executadas à posteriori, relativamente à sua construção.

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3.2.5 QUADRO RESUMO DAS CAUSAS PROVÁVEIS DE ANOMALIAS


ASSOCIADAS A REBOCOS

ANOMALIAS CAUSAS PROVÁVEIS


Descolamento - Mau estado geral do suporte;
com - Suporte demasiado absorvente;
empolamento - Ausência da camada de chapisco;
- Materiais do reboco incompatíveis com o do suporte;
Descolamento - Falta de aderência das camadas do revestimento à base;
Reboco pouco
em placas - Utilização de cimento na composição e em excesso;
aderente ou
- Uso de dosagens ricas em aglomerantes e com espessuras excessivas
solto (com
superiores a 2 cm;
descolamento)
- Grandes variações de temperatura, o que pode gerar tensões de
Descolamento
cisalhamento na interface argamassa/base, capaz de provocar
com
descolamento do revestimento;
pulverlência
- Humidade de construção: evaporação da água existente e quantidade
de água do material ser superior ao normal;
- Ligante utilizado com pouca resistência mecânica;
- Presença de materiais prejudiciais nas argamassas;
Reboco pouco duro ou resistente - Humidade ascensional, o que impede o crescimento das resistências;
- Impurezas nas areias;
- Cura deficiente;
Endurecimento demasiado lento devido á utilização de ligantes com
Reboco mole no interior
presa exclusivamente aérea;
- O excesso de finos acarreta maior consumo de água de amassadura,
Fissuras gerando maior retracção por secagem;
pontuais - Dosagens ricas em aglomerantes;
- Falta de molhagem da base antes da aplicação do reboco;
- Deficiência ou falta de cura do revestimento;
Reboco fissurado
- Regiões muito quentes com humidades relativas baixas, ensolaradas e
Fissuras ventosas;
mapeadas - Grandes espessuras dos revestimentos;
- Rebocos executados em uma só camada;
- Retracção da argamassa da camada de base;
- Aplicação prematura de tinta demasiado impermeável;
Reboco empolado
- Infiltração de humidade;
- Humidade derivada da condensação:
Falta de ventilação
Através de Variações de temperatura
eflorescências Excesso de vapor de água
Utilização de gás engarrafado
- Humidade da construção:
Tempo de secagem dos materiais, insuficiente
Reboco com Através de Excesso de água
vestígios de bolor - Humidade derivada da precipitação:
humidade Defeitos exteriores tais como: caleiras, algerozes, rebocos,
impermeabilizações, etc.
- Humidade por contacto com paredes enterradas:
Falha/ausência de sistema de impermeabilização
Através de Terreno adjacente elevado
manchas Nível freático elevado
- Humidade devida a causas fortuitas:
Rotura de canalizações, etc.
Figura n.º 23 – Quadro resumo das causas prováveis de anomalias associadas a rebocos.

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4 BIBLIOGRAFIA

[1] VEIGA, Maria do Rosário; ”Comportamento de argamassas de revestimento de paredes.


Contribuição para o estudo da sua resistência à fendilhação”; (dissertação elaborada para a
obtenção do grau de Doutor em Engenharia Civil pela FEUP); LNEC (TPI 12), Lisboa,
1998;
[2] VEIGA, Maria do Rosário; MIRANDA, Vidália; “Influência de alguns parâmetros sobre a
aderência de rebocos tradicionais”; Congresso Nacional da Construção 2004; FEUP,
pp.603-608, 13-15 de Dezembro de 2004;
[3] BRITO, Jorge – Folhas de apoio à disciplina de Reabilitação Não-Estrutural de Edifícios,
Capitula 5 – “Diagnóstico, Patologia e Reabilitação de Revestimentos de Paredes – IST,
2005/2006;
[4] MASCARENHAS, Jorge; “Sistemas de Construção – II – Paredes exteriores (1ªparte) ”;
Livros Horizonte, 3ª edição, Lisboa 2004;
[5] CAMPANELLA, Christian – Obras de conservação e restauro arquitectónico – condições
técnicas especiais. Câmara Municipal de Lisboa, Licenciamento Urbanístico e
Reabilitação Urbana – Lisboa, Dezembro de 2003;
[6] COSTA, João Manuel Barrento – Folhas de apoio às disciplinas de Materiais de
Construção I e II – ISEL, 2005/2006;
[7] RESENDE, Maurício Marques; BARROS, Mércia M.S. Bottura de; “Patologia dos
Revestimentos de Argamassa”; escola Politécnica da Universidade de S. Paulo, PCC 5816
– Tecnologia da Produção de Revestimentos, S. Paulo, Maio de 2001;
[8] CARVALHO, Luís; Rodrigues, Miguel; “Levantamento Arquitectónico – Centro
Histórico de Arouca” Câmara Municipal de Arouca, 2003;
[9] HENRIQUES, Fernando “Humidade em paredes”; LNEC (CED 1), Lisboa, 1994;
[10] PINHO, Fernando F. S. “Paredes de edifícios antigos em Portugal”; LNEC (CED 8),
Lisboa, 2000.
[11] VEIGA, Maria do Rosário; AGUIAR, José; SILVA, A. Santos; CARVALHO, Fernanda;
“Conservação e renovação de revestimentos de paredes de edifícios antigos” LNEC (CDE
9), Lisboa, 2004.
[12] SILVA, A. Santos; REIS, M. Olinda; “Caracterização de argamassas antigas” LNEC
(COM 49), Lisboa, 1999;
[13] APPLETON, João – Reabilitação de Edifícios Antigos – Patologias e Tecnologias de
Intervenção. Amadora, 1ª Edição, Setembro de 2003;
[14] Dicionário Técnico EMOdico;
[15] BRANCO, J. Paz; “Infraestruturas, Estruturas, alvenarias e cantarias em Edifícios”;
Edição da E.P. Gustavo Eiffel, 1ª edição; Queluz, Junho de 1993;

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