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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Thiago Cavaliere Mourelle

O trabalhismo de Pedro Ernesto: limites e possibilidades


no Rio de Janeiro dos anos 1930

Rio de Janeiro
2008
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Thiago Cavaliere Mourelle

O trabalhismo de Pedro Ernesto: limites e possibilidades no Rio de Janeiro dos anos 1930

Dissertação apresentada como


requisito parcial à obtenção do título
de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração:
História Política.

Orientador: Prof. Dr. Orlando de Barros

Rio de Janeiro
2008
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A

E71 Mourelle, Thiago Cavaliere.


O trabalhismo de Pedro Ernesto: limites e possibilidades no Rio de
Janeiro dos anos 1930/ Thiago Cavaliere Mourelle. – 2008.
264 f.

Orientador: Orlando de Barros.


Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia: f. 159-164.

1. Ernesto, Pedro, 1884-1942. 2. Trabalhismo- Aspectos políticos –


Rio de Janeiro (RJ) - 1930 - Teses. 3. Trabalhismo – História – Rio de
Janeiro (RJ) – 1930 - Teses. 4. Populismo – Rio de Janeiro (RJ) –
Teses. I. Barros, Orlando de. II.Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título

CDU 32(815.31)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Thiago Cavaliere Mourelle

O trabalhismo de Pedro Ernesto: limites e possibilidades no Rio de Janeiro dos anos 1930
Dissertação apresentada como
requisito parcial à obtenção do título
de Mestre, Programa de Pós-
Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração:
História Política.

Aprovado em: 18/03/2008


Banca examinadora:

___________________________________________
Prof. Dr. Orlando de Barros (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
___________________________________________
Profª. Drª. Marilena Ramos Barbosa
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
___________________________________________
Prof. Dr. André Nunes Azevedo
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
___________________________________________
Prof. Dr. Fábio Koifman
Coordenação de História da Universidade Estácio de Sá

Rio de Janeiro
2008
DEDICATÓRIA

Ao eternamente lembrado José Mourelle,


amado pai e avô; e, recentemente, bisavô do
Bernardinho. Membro atuante do Exército
Brasileiro, pioneiro do pára-quedismo brasileiro,
gerente do Copacabana Palace, e participante
ativo e sincrético da Igreja Católica e da
Umbanda. Um homem que viveu intensamente e
sempre amou o Clube de Regatas do Flamengo,
seu país e sua família.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente presto meus agradecimentos à minha família e aos meus amigos, pela
paciência, pelo apoio e pela compreensão de semanas e semanas voltadas unicamente ao estudo,
o que me tornou em alguns momentos um homem distante dessas pessoas que sempre mereceram
e continuarão a merecer toda a minha atenção e respeito.
Agradeço a todos os professores que me deram aulas durante os dois anos de mestrado e
também aos que leram meu texto e apontaram erros e virtudes. Entre eles agradeço especialmente
à professora Mônica Lessa, que tornou possível que minha orientação permanecesse sob os
cuidados do professor Orlando de Barros.
Gostaria de agradecer também aos que contribuíram indiretamente para a execução da
minha pesquisa e do texto propriamente dito. Esse grupo é bastante amplo, contemplando desde
os funcionários dos locais onde fiz minhas pesquisas até os que ajudaram através de conversas –
meu irmão, cientista social, Rodrigo; colegas e professores do mestrado –, de empréstimos de
livros que eu não possuía ou que vieram a dar uma complementação ao meu texto – casos de meu
amigo Josimar, da professora Maria Letícia, da UERJ, de meu primo Pedro e meu tio Márcio.
Meus maiores agradecimentos vão para minha noiva Renata, que sempre esteve ao meu
lado, sendo uma das maiores incentivadoras do meu trabalho, ao lado de minha querida avó
Elzira. Renata deu o apoio psicológico imprescindível para a elaboração de um estudo desse porte
e foi meu porto seguro quando o cansaço e desânimo bateram à porta, além de ter dado
excelentes sugestões que foram aproveitadas por mim no desenrolar de minha pesquisa, o que
demonstra sua grande capacidade acadêmica.
Finalmente, gostaria de agradecer ao meu orientador, o doutor Orlando de Barros, que
sempre esteve à minha disposição, solucionando minhas dúvidas rapidamente e com a excelência
de quem tem experiência e conhecimento vasto não só no campo da História, mas também nas
áreas afins. Ele demonstrou uma humildade e uma dedicação incomum na Academia. É um
exemplo de caráter e de trabalhador, em quem tentarei me espelhar no decorrer de minha carreira
acadêmica e, principalmente, ao longo de minha vida. Estendo os préstimos à sua esposa, a
professora Stela, pelo carinho com que me recebeu em sua casa sempre que me vi obrigado a ir
até lá para resolver problemas relativos a este trabalho.
RESUMO

MOURELLE, Thiago Cavaliere. Limites e possibilidades do trabalhismo de Pedro Ernesto no


Rio de Janeiro na década de 1930. 2008. 272 f. Dissertação (Mestrado em História Política) -
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2008.

Este texto parte das análises que a historiografia brasileira fez do populismo e, mais
recentemente, do trabalhismo, para entender o governo de Pedro Ernesto Baptista, um dos
primeiros políticos a estabelecer uma relação nesses moldes com os trabalhadores. Pedro Ernesto,
interventor e depois prefeito eleito do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, foi aos poucos
aprofundando suas relações com os trabalhadores, o que causou o descontentamento de grupos
políticos e sociais que sentiram seus interesses afetados. A popularidade obtida por Pedro Ernesto
assustou não só os grupos de direita, como também os de esquerda, que viram o prefeito como
um concorrente à obtenção da atenção da população pelo PCB e pela ANL. Mas o grande
opositor do prefeito viria a ser o presidente da República e os homens do governo federal, que
viram em Pedro Ernesto como uma força política que crescia nacionalmente e que poderia se
tornar um concorrente em potencial. Caso isso ocorresse, seriam prejudicados os planos que
visavam a manutenção de Vargas no poder e o estabelecimento da ditadura. Portanto, as
possibilidades encontradas pelo prefeito em se aproximar dos trabalhadores e obter o respaldo
popular à sua administração foram bloqueadas pelos limites impostos por seus inimigos políticos.

Palavras-chave: Pedro Ernesto. Populismo. Trabalhismo. Década de 1930.


ABSTRACT

This study begins as an analysis of the brazilian historiography on Populism and


Laborism, followed by a presentation of Pedro Ernesto's political views and developments on
strengthening the ties with the working class in Brazil in the 1930's. Pedro Ernesto was a
brazilian politician first appointed as a temporary governor and later democratically elected as the
mayor of Rio the Janeiro, Brazil's former capital city. His main efforts were directed at
appeasing the general discontent of the working class and certain social groups, whose interests
were mostly disregarded and unattended in the politicial scene of that period. His popularity was
so overwhelming that he found opposition in both the Left and Right parties, as well as in Vargas
and his presidencial staff, whose interest was to maintain his position and authority and
implement a dictatorship. The resolutions and endeavors attempted by Pedro Ernesto to amass the
support of the working class were finally subverted by the defiance and restraints imposed by his
political enemies.

Keywords: Pedro Ernesto. Laborism. Populism. 1930's.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................10
1 POPULISMO E TRABALHISMO NOS ANOS 1930: HISTORIOGRAFIA E
TEORIA.............................................................................................................................16
1.1 O populismo na historiografia brasileira........................................................................16
1.1.1 A trajetória do termo “populismo”.....................................................................................16
1.1.2 O populismo para a sociologia paulista..............................................................................19
1.1.3 O populismo na visão de Francisco Weffort......................................................................21
1.1.4 Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira: a tentativa de novas abordagens.....................34
1.1.5 Crítica à “Teoria da Modernização”...................................................................................37
1.1.6 Ianni: colapso do populismo?.............................................................................................41
1.1.7 Trabalhismo: um novo viés?...............................................................................................43
1.1.8 Movimento de 1930: significados para a historiografia.....................................................46
1.2 Questões Teóricas.............................................................................................................52
1.2.1 A “Teoria das Elites” e os anos 1930.................................................................................52
1.2.2 A burocracia como instrumento dos regimes políticos ......................................................56
1.2.3 A formação de intelectuais orgânicos.................................................................................59
1.2.4 O “Estado-Relação” de Poulantzas.....................................................................................60
1.2.5 Estado proativo: homogeneizar para dominar....................................................................61
1.2.6 Estratégias de dominação....................................................................................................64
2 PEDRO ERNESTO E OS TRABALHADORES DO DISTRITO FEDERAL:
MEANDROS DE UMA RELAÇÃO...............................................................................67
2.1 A Formação intelectual de Pedro Ernesto e a forma pela qual ele se apresentou aos
trabalhadores.....................................................................................................................67
2.1.1 Vargas e Pedro Ernesto.......................................................................................................67
2.1.2 A formação intelectual de Pedro Ernesto...........................................................................68
2.1.3 Pedro Ernesto nomeado interventor....................................................................................70
2.1.4 O projeto educacional e a reorganização da saúde do Distrito Federal..............................71
2.1.5 O sentido dado por Pedro Ernesto à sua administração .....................................................73
2.1.6 Pedro Ernesto e o carnaval..................................................................................................76
2.1.7 As primeiras homenagens ao interventor............................................................................78
2.1.8 O Clube 3 de Outubro e a defesa do governo provisório....................................................81
2.1.9 Pedro Ernesto e o tenentismo..............................................................................................82
2.1.10 Góis Monteiro e o fim do “Clube”......................................................................................85
2.1.11 O Partido Autonomista e a vitória nas urnas......................................................................89
2.1.12 Razões do sucesso do PADF: novas e antigas práticas eleitorais.......................................94
2.1.13 A Carta de 1934: o trabalhismo em destaque.....................................................................96
2.1.14 Jornais na campanha de descrédito a Pedro Ernesto...........................................................98
2.1.15 De Pedro Ernesto para o povo: discursos do líder populista..............................................99
2.2 Os trabalhadores respondem ao seu líder....................................................................106
2.2.1 Manifestações a favor da libertação do prefeito...............................................................106
2.2.2 A conjuntura política do Distrito Federal em 1937..........................................................108
2.2.3 Pedro Ernesto: popularidade e importância política........................................................112
2.2.4 A libertação de Pedro Ernesto..........................................................................................114
2.2.5 O “herói” e o “anti-herói”: a construção do mito populista..............................................118
2.2.6 Mantendo a imagem de trabalhador e “bom homem”......................................................121
2.2.7 A disputa dos candidatos à Presidência da República pelo apoio de Pedro
Ernesto..............................................................................................................................122
2.2.8 Os últimos “suspiros democráticos”.................................................................................126
2.2.9 Estado Novo: o fim da carreira política de Pedro Ernesto................................................130
2.2.10 Tentativas de esfacelamento da imagem do ex-prefeito...................................................132
2.2.11 Um enterro característico de um líder populista...............................................................134
3 LIMITES E POSSIBILIDADES: PRESSÕES CONTRA A POLÍTICA
IMPLEMENTADA PELO PREFEITO PEDRO ERNESTO....................................139
3.1 A repercussão do aprofundamento da obra de Pedro Ernesto..................................139
3.1.1 A questão do trabalho: um problema nada novo..............................................................139
3.1.2 Lindolfo Collor.................................................................................................................145
3.1.3 Pedro Ernesto e a questão trabalhista...............................................................................151
3.1.4 A estrutura administrativa de Pedro Ernesto....................................................................156
3.1.5 A criação da polícia municipal.........................................................................................158
3.1.6 A legalização do jogo: um grande problema para o prefeito............................................161
3.1.7 A Universidade do Distrito Federal..................................................................................166
3.1.8 União Trabalhista x Partido Autonomista: especulações.................................................171
3.1.9 Palavras do prefeito sobre a União Trabalhista................................................................176
3.1.10 Vida curta, mas repercussão enorme................................................................................182
3.2 Mais limites e menos possibilidades: pressões contrárias e a eliminação política do
prefeito popular...............................................................................................................187
3.2.1 Religião e política: a Igreja Católica contra Pedro Ernesto..............................................188
3.2.2 Pedro Ernesto contra o autoritarismo e o Integralismo.....................................................197
3.2.3 As esquerdas de 1935 e suas relações com Pedro Ernesto...............................................203
3.2.4 Julgamento tendencioso....................................................................................................218
3.2.5 Depoimentos dos que estavam ao redor de Pedro Ernesto...............................................231
3.2.6 Vargas se aproveita da obra de Pedro Ernesto..................................................................232
4 CONCLUSÃO.................................................................................................................242
FONTES..........................................................................................................................247
REFERÊNCIAS..............................................................................................................249
ANEXOS..........................................................................................................................255
INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto de anos de árdua pesquisa tendo como tema a administração do prefeito Pedro
Ernesto no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, entre 1931 e 1936. Porém, a análise desenvolvida nas próximas
páginas não se ateve somente às ações políticas do prefeito, que recebeu de seus colegas o apelido de “tenente-civil”.
Além da análise de suas atitudes políticas, foi extremamente necessário compreender o contexto histórico em que
Pedro Ernesto desenvolveu sua administração.
Inicialmente, os periódicos da Biblioteca Nacional serviram de referência para acompanharmos de maneira
geral a trajetória do ex-prefeito desde suas primeiras participações no movimento tenentista, na rebelião ocorrida em
São Paulo, em 1924, até sua morte, em 1942. A leitura dos jornais tornou possível a criação de uma cronologia para
que começássemos a pensar a escrita do texto: a criação dos títulos dos capítulos e a decisão de quais seriam os
subtítulos e os tópicos dentro dos capítulos, a fim de facilitar a descrição da trajetória desse líder populista.
Da Biblioteca Nacional fomos à Fundação Getúlio Vargas, que nos apresentou uma documentação extensa e
de boa qualidade. Informações muito interessantes enriqueceram o conteúdo do trabalho que viria a ser elaborado:
cartas pessoais, discursos, além de análises de políticos da época sobre o julgamento do prefeito e dos problemas
internos do Partido Autonomista.
No Arquivo Nacional vieram as maiores dificuldades, advindas principalmente pelo fato do fundo “Tribunal
de Segurança Nacional” (TSN) estar interditado para tratamento. Além disso, o processo nº 1 do TSN, referente aos
casos de Prestes e Pedro Ernesto, não constava no arquivo porque havia sido enviado a Brasília a pedido do Tribunal
de Justiça Federal e não havia sido devolvido. Conseguimos algumas informações desse processo em algumas cópias
lá existentes, o que bastou para a execução da pesquisa, não prejudicando o andamento da mesma.
Também poucas informações foram obtidas no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Foram
enfrentadas grandes dificuldades devido à precariedade da organização do acervo nesse arquivo, mas, mesmo assim,
conseguimos encontrar alguns códices que muito ajudaram ao entendimento da administração Pedro Ernesto. Esses
poucos códices trouxeram leis e decretos sobre desapropriações, terrenos cedidos a associações – como o doado para
a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) construir sua sede, por exemplo – e o mais importante, a organização
administrativa da prefeitura carioca e os decretos de criação e a descrição da estrutura da Polícia Municipal e da
Universidade do Distrito Federal.
Os dados eleitorais e relativos às realizações da prefeitura foram obtidos na Câmara Municipal da Cidade do
Rio de Janeiro. Mais uma vez a desorganização e a falta de clareza na arrumação dos arquivos foram empecilhos,
mas conseguimos encontrar dados relativos às eleições municipais de 1934 e relatórios sobre a construção de
colégios e hospitais.
Finalmente, essa imensa pesquisa foi completada e lapidada com a ajuda de diversos autores que não apenas
forneceram informações imprescindíveis para o advento de idéias novas, mas também levantaram hipóteses, sendo
que algumas destas contaram com nossa anuência, outras não. Mas, com certeza, todos os livros lidos contribuíram
positivamente, tornando possível o debate, algo fundamental em qualquer produção histórica.
As referências bibliográficas podem ser divididas em três partes que se complementam. Primeiro, os livros
teóricos, voltados a uma análise das práticas políticas. Os livros usados nesse sentido são de autoria de Max Weber,
Poulantzas, Bobbio, Gramsci, Bourdieu, entre outros. Segundo, as obras voltadas para a análise específica da
experiência republicana Brasileira, para a qual colaboraram José Honório Rodrigues, Elisa Maria Reis, Oliveira
Viana, Raymundo Faoro, entre outros; e para o entendimento do momento histórico que vai do fim dos anos 1920 até
a década de 1930, casos de Wanderley Guilherme dos Santos, Orlando de Barros, John Dulles, Maria Spina Forjaz,
entre outros. Finalmente, a terceira parte da bibliografia traz textos sobre populismo, trabalhismo, com destaque para
as obras de Francisco Weffort, Daniel Aarão Reis Filho, Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira, entre outros; e
análises específicas sobre Pedro Ernesto, casos de Carlos Eduardo Sarmento e Michael Conniff, entre outros.
Há ainda uma série de obras que serviram para consultas no decorrer da escrita de nosso trabalho, a fim de
confirmar informações e fatos, casos, por exemplo, de Jairo Nicolau e sua História do Voto no Brasil e de Educação
para a Democracia, de Anísio Teixeira. Outros ainda, tais como A formação da classe operária inglesa, de E. P.
Thompson, Mundos do Trabalho, de Eric Hobbsbawn, e Por uma História Política, organizado por René Remond,
apesar de não serem citados explicitamente ao longo de nosso trabalho, nos forneceram informações valiosas sobre o
formato de nosso texto e fomentaram idéias sobre o tratamento que daríamos ao objeto estudado. A importância de
um livro se dá não apenas quando ele mostra um caminho a ser seguido, mas também quando ao lê-lo rechaçamos
algumas abordagens e optamos por outras.
Este texto pretende estudar a administração de Pedro Ernesto, que esteve à frente da prefeitura do Rio de
Janeiro entre novembro de 1931 e abril de 1936, primeiro como interventor e, a partir de 1935, na qualidade de
primeiro prefeito eleito da história da cidade do Rio de Janeiro – ainda que indiretamente, após ter sido eleito
vereador com uma votação muito significativa. Nesses quase cinco anos de governo, as relações de Pedro Ernesto
com vários políticos, inclusive com o presidente, mudaram muito. Para que tal ocorresse, foram fundamentais as
atitudes do prefeito durante sua estadia na prefeitura. A popularidade obtida junto aos trabalhadores e a ameaça que
ele passou a representar a grupos que viam seus interesses prejudicados tornaram o prefeito carioca um homem com
vários inimigos, que passaram a exercer pressões a fim de destituí-lo de seu cargo.
O presente trabalho possui três objetivos. Primeiramente a intenção é estudar a carreira política de Pedro
Ernesto a fim de compreender suas experiências políticas e, a partir delas, ponderar sobre as estratégias e as
intenções dele na aproximação estabelecida com os trabalhadores. Para se compreender o político Pedro Ernesto é
necessário analisar sua trajetória no tenentismo, no Partido Autonomista e suas relações com as direitas e as
esquerdas do país. As principais fontes utilizadas foram, entre as primárias, documentos partidários, cartas enviadas e
recebidas pelo prefeito mantendo contato com aliados e inimigos; complementando, entre as fontes secundárias,
foram utilizados livros que analisam o Partido Autonomista, o movimento tenentista e outros órgãos e associações
com as quais Pedro Ernesto se relacionou.
Já o segundo objetivo é de compreender a visão que os trabalhadores tinham do prefeito. Após compreender
o político Pedro Ernesto, é imprescindível saber como os trabalhadores receberam as ações, atitudes e
posicionamentos políticos do prefeito do Rio de Janeiro. Para tal, as principais fontes utilizadas foram os periódicos
da época que mencionaram as manifestações a favor e as crises enfrentadas pelo prefeito. Além disso, alguns
documentos complementaram as informações dos jornais, como, por exemplo, o “Manifesto dos Trabalhadores
Cariocas” em que trabalhadores defenderam Pedro Ernesto e criticaram periódicos que estariam supostamente
fazendo uma campanha para derrubar o prefeito. Completado esse objetivo, já teremos compreendido a trajetória de
Pedro Ernesto, suas ações para conseguir o apoio dos trabalhadores e a repercussão que tais medidas tiveram sobre a
população carioca.
Após o estudo dos dois lados que estabeleceram a relação trabalhista (ou populista, como queira), o terceiro
objetivo é o mais importante: estudar os grupos que cercaram e exerceram críticas a favor ou contra a ligação de
Pedro Ernesto com os trabalhadores. Nesse momento é que vamos conhecer os limites e as possibilidades que o
prefeito enfrentou na tentativa de estabelecer um vínculo mais estreito com a população carioca. Nos vimos
obrigados a analisar o posicionamento da Igreja Católica, da Ação Integralista Brasileira, da Aliança Nacional
Libertadora, do Partido Comunista do Brasil, do governo federal e de vários políticos importantes da época, cujas
opiniões eram de grande importância. Todos esses grupos foram analisados não somente em suas características
ideológicas próprias, mas principalmente relacionados às atitudes tomadas por Pedro Ernesto, tais como a legislação
trabalhista criada, a política exercida pelo Partido Autonomista e as fundações da Polícia Municipal, da União
Trabalhista do Distrito Federal e da Universidade do Distrito Federal, entre outras.
Dessa forma, esperamos que, no fim do presente texto, fique claro o contexto histórico do Rio de Janeiro da
década de 1930 – articulado, é claro, com o contexto mundial –, tornando possível identificar as possibilidades de
ação e as dificuldades enfrentadas por Pedro Ernesto Baptista. Assim, se estabelecerá a compreensão dos dois lados
da “relação prefeito-trabalhadores” e da importância das pressões exercidas por diversos grupos sociais para o
sucesso ou o fracasso das estratégias levadas à frente pelo prefeito, que tinha o intuito de obter a popularidade
necessária para levar adiante sua administração e garantir sua ascensão política nacional.
Na primeira parte do Capítulo I encontra-se um levantamento historiográfico a respeito do populismo. A
apresentação dos principais autores brasileiros que trabalharam com esse tema é fundamental para compreendermos
os avanços dos estudos históricos, as novas abordagens e propostas e torna possível situarmos Pedro Ernesto nesse
contexto. Já na segunda parte desse capítulo, fizemos um levantamento teórico, apresentando autores que nos
apontaram caminhos para compreender a ideologia que há por detrás das atitudes e dos discursos populistas e
trabalhistas. Achamos por bem dedicar um capítulo inteiro a essas questões teóricas e historiográficas, que
consideramos imprescindíveis de serem clareadas antes de começarmos a análise específica dos eventos ocorridos no
Brasil durante a década de 1930.
No capítulo seguinte, também dividido em duas partes, a primeira destina-se à análise da trajetória política
de Pedro Ernesto e às atitudes tomadas por ele durante sua administração, enfocando suas primeiras medidas como
prefeito, seu projeto voltado para a educação e para a saúde, seu posicionamento dentro do tenentismo, a criação de
seu Partido Autonomista e seus discursos voltados aos trabalhadores do Distrito Federal. A segunda parte do capítulo
procura mostrar as manifestações dos trabalhadores quando Pedro Ernesto ainda era interventor e depois que foi
eleito nas eleições municipais, as atitudes populares no momento da soltura e, em 1942, no funeral do prefeito. Por
fim, é destacada a importância política de Pedro Ernesto e a imagem que ele consolidou, se tornando um “mito
populista”.
Já o terceiro capítulo foge da análise cronológica. Ele se inicia fazendo uma avaliação das conseqüências
das ações de Pedro Ernesto na prefeitura, demonstrando os inimigos que ele fez e os problemas que ele teve que
enfrentar à medida que aprofundava seu projeto político mais voltado para a democracia do que para o autoritarismo
que tomava conta da política nacional – que tinha Vargas e seus aliados já preparando o fechamento do regime, o que
ficaria explícito com a repressão pós-Intentona e se concretizaria em novembro de 1937, com o Estado Novo.
A segunda parte do Capítulo 3 trata especificamente de como se deu a eliminação política do prefeito
carioca, mostrando passo-a-passo os acontecimentos e as estratégias utilizadas para tal. Caminhando para o fim do
capítulo, há a apresentação de como homens que estiveram próximos a Pedro Ernesto e vivenciaram aquela época
enxergam os fatos ocorridos. O encerramento se dá com a constatação da importância de Vargas para o fim político
do prefeito carioca.
É interessante um curto comentário sobre as palavras usadas em itálico. Elas se referem a expressões
consagradas pela historiografia ou correntes nos momentos históricos citados, às quais achamos melhor mantê-las
dependendo do assunto ao qual estivermos nos referindo. Entre elas, as mais importantes e dignas de uma explicação
específica são as palavras massas, Intentona Comunista e Revolução de 1930.
A palavra massas, apesar de amplamente combatida pela historiografia atual, foi muito usada nas primeiras
elaborações intelectuais sobre o populismo. Francisco Weffort, por exemplo, para nós o primeiro grande teórico do
populismo no Brasil, utilizava correntemente a expressão massas para se referir aos populares e mais
especificamente aos trabalhadores das classes subalternas da população. Achamos por bem respeitar a linguagem
desse sociólogo e por isso, ao interagir com o pensamento dele ao comparar a suas análise às dos demais analistas,
usamos algumas vezes a mesma expressão utilizada por Weffort.
Já em relação à Intentona Comunista, utilizamos essa expressão devido à consagração histórica dela e até
mesmo para evitar a confusão do leitor, já que fazemos referência a vários movimentos políticos das décadas de 1920
e 1930. Porém, fique claro que não concordamos com essa nomenclatura. Primeiro porque desse movimento fez
parte a Aliança Nacional Libertadora a qual era constituída não somente por comunistas, mas também por pessoas de
diversos outros credos que estavam unidas pelo sentimento anti-autoritário e anti-integralista; segundo porque
acredito que tal nome aumenta a importância do evento, que não passou de uma rebelião com poucos focos e
facilmente derrotada pelas forças governamentais.
A importância dada à Intentona foi uma estratégia utilizada por Vargas para superdimensionar a ameaça
comunista a fim de justificar o fechamento do regime, o que se consagrou com a decretação do Estado Novo, em
novembro de 1937.
Sobre a Revolução de 1930, fazemos referência no primeiro capítulo sobre as discordâncias em os
historiadores na avaliação desse importante evento histórico. Pessoalmente, não consideramos 1930 uma ruptura ou
uma profunda transformação das estruturas políticas, sociais e econômicas do país, por isso preferimos a referência a
tal momento histórico como movimento de outubro de 1930 e expressões similares a esta.
1 POPULISMO E TRABALHISMO NOS ANOS 1930: HISTORIOGRAFIA E TEORIA

1.1 O populismo na historiografia brasileira

1.1.1 A trajetória do termo “populismo”

O governo de Pedro Ernesto Baptista, prefeito do Rio de Janeiro entre 1931 e 1936, foi uma das primeiras
experiências populistas da História do Brasil, se não a primeira. As medidas tomadas por ele frente à prefeitura
comprovam isso: a antecipação de uma série de leis trabalhistas aos empregados municipais, a construção de escolas
e hospitais, a criação da União Trabalhista do Distrito Federal, entre outras.
O médico pernambucano, que atendia populares de graça em sua Casa de Saúde, logo se envolveu nos
movimentos tenentistas dos anos 1920, colaborou com a Aliança Liberal em 1929 e acabou sendo nomeado
interventor do Governo Federal no Rio de Janeiro, no final de 1931, em substituição a Adolfo Bergamini. Sua
trajetória no comando da capital do país ficou marcada pelas ações sociais e discursos de apelo emotivo, construindo
a imagem de homem a serviço da coletividade.
Para compreender as práticas de Pedro Ernesto é importante discutir primeiramente o conceito de
populismo. Michael L. Conniff fez um pequeno histórico da trajetória conceitual que esse termo teve na
historiografia, mencionando as diferentes interpretações que estudiosos deram a ele:

Em geral, concordam que o populismo abrange uma massa eleitoral urbana, liderança
carismática e o equilíbrio de diversos interesses na arena política. Entretanto, além dessa
simples convergência, eles têm formulado as interpretações mais diversas do populismo.
Para alguns, o termo significa uma manipulação oportunista de eleitores que haviam
recém-adquirido seu direito de votar. Para outros, é primordialmente um mecanismo de
controle social para o refreamento dos trabalhadores braçais urbanos. Outros, ainda, o
consideram um instrumento pelo qual os elementos mais novos de uma elite dirigente
arrebatam influência política dos elementos mais velhos. E outros grupos de estudiosos
consideram o populismo uma adaptação imperfeita dos procedimentos democráticos
ocidentais nos países recém-industrializados do Terceiro Mundo1.

Para Conniff, o populismo foi uma política inovadora do início do século XX que tentou corrigir abusos do
governo elitista e procurou acomodar as rápidas urbanização e industrialização. Englobava todas as classes, era
urbano, eleitoral, reformista, popular, não-autoritário e de liderança carismática2.
Essas características derivariam de três fatores: de “tradições coloniais e do início do século XIX, tais como
autonomia municipal, eleições, estrutura social holística e governo local intervencionista”, “do final do século XIX
quando a autonomia municipal foi eliminada” pelo o que chama de “revolução metropolitana”, e do “desejo, por
parte de reformistas do primeiro quartel do século XX, de ajudar o Brasil a modernizar-se rapidamente sem o
incentivo a rebeliões violentas”3. No caso específico do Brasil, o populismo, por derivar da tradição colonial urbana,
só seria possível de florescer em cidades grandes.
Segundo Michael Connif essas condições teriam começado a se aglutinar em meados dos anos 1920,
levando a uma crise que ele define como o resultado de uma ânsia reformadora que partia de determinados grupos
sociais.
Outra observação relevante na obra de Conniff diz respeito ao antagonismo que ele coloca entre duas
tradições muito fortes no Brasil: o autoritarismo e o populismo. O primeiro advém do poder patrimonial e o segundo
do municipal, ambos em constante conflito no Brasil desde a época da colonização portuguesa.
Partindo desse pensamento é possível concluir que a associação às vezes feita do populismo com o
autoritarismo e o fascismo é uma idéia equivocada. Na realidade, a tradição autoritária é forte no Brasil e aparece em
algumas administrações populistas, mas não estabelece com estas uma combinação necessária, muito menos lógica.
Conniff define o populismo como uma ação reformista que procura integrar o pobre a uma sociedade de massa. Tal
prática independe do tipo de governo, seja ele autoritário ou democrático.4
Toda a análise de Conniff sobre a origem do populismo parte da certeza que ele tem de que a primeira
experiência populista no Brasil surgiu com Pedro Ernesto Baptista, interventor federal no Rio de Janeiro – então
Distrito Federal – entre 1931 e 1935 e prefeito eleito da mesma cidade de 1935 e 1936.
Alexandre Elias da Silva compartilhou a idéia de Conniff em relação a Pedro Ernesto. Em sua dissertação de
mestrado, o autor fez interessantes afirmativas acerca de sua concepção do populismo surgido com o prefeito
municipal:

A entrada em cena do Estado atende a demandas da classe trabalhadora, que


reivindicava desde o início do século XX uma maior intervenção para regulamentar
questões trabalhistas. Atende também à burguesia, elaborando políticas sociais no intuito

1
Michael L. Conniff, Política urbana no Brasil: a ascensão do populismo, 1925-1945, Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 2006, p.15.
2
Id., ibid., p.19.
3
Ibid., p.19.
4
Ibid., p. 31.
de controlar as classes ‘potencialmente perigosas’ (...). Longe de ser oriundo da classe
trabalhadora que pretende contemplar em seu projeto, tal líder pertencia às elites mais
tradicionais do país, ligadas à propriedade rural e às profissões liberais. Mesmo não
compartilhando a origem social dos trabalhadores, cabia ao líder populista articular esta
classe, movendo-a de acordo com o jogo político5 [grifo meu].

Alexandre Silva deixa claro algumas idéias básicas que revelam o sentido de seu texto: acredita – assim
como Conniff – que o populismo é reformista; crê na tentativa de manipulação das classes trabalhadoras por parte do
líder populista; acredita que este líder é oriundo das elites do país. Compartilhamos dessas primeiras afirmações de
Silva, porém ao desdobrar sua linha de pensamento ele peca nas conclusões a que chega. Silva diz que o líder
populista lança mão de um carisma inequívoco, responsável por inúmeras manifestações populares de apoio ao seu
governo, ainda que suas práticas, de fato, não dêem conta de uma melhoria efetiva na qualidade de vida desses
trabalhadores. Os paliativos propostos pelos populistas, segundo Silva, são aceitos e aclamados pela população.6
Primeiramente, temos que questionar a expressão “melhoria efetiva na qualidade de vida” dos trabalhadores,
usada pelo historiador. Em comparação com as políticas sociais anteriores, as ações reformistas de Pedro Ernesto
representaram verdadeiramente grandes avanços. Para se perceber isso, é preciso analisar a década de 1930 sempre
dentro do contexto histórico da época; caso contrário, há o risco de se cometer anacronismos.
Além disso, Silva utiliza um diagnóstico do populismo discutido e criticado por um longo tempo na
historiografia. É difícil compreender o populismo sem pensar que a população que o apoiou não tenha recebido nada
substancial em troca. A propósito da obra de Pedro Ernesto, é inegável que a ampliação da rede escolar e a
construção de diversos hospitais trouxeram vantagens para a população carioca.
Assim, o populismo não deve ser encarado como uma forma de “enganar” os trabalhadores, a “massa”
popular ou a quem quer que seja, mas como uma nova forma de lidar com a população, não mais através da
violência, mas por intermédio de uma negociação em que os interesses populares eram levados em conta. Esta é a
idéia-chave para se compreender o populismo dos anos 1930.
Sobre a fase inicial do populismo cabe uma observação importante: os primeiros anos do Governo Vargas
ainda estiveram fortemente marcados pela violência da década anterior, cabendo a Pedro Ernesto, em escala
municipal, o pioneirismo na mudança da relação entre o governante e a maioria dos governados.
Alexandre Silva elaborou uma periodização sobre a história do movimento operário brasileiro tomando
como referência a historiografia do “grupo de Itatiaia” e, principalmente, a “sociologia paulista”: uma fase heróica,
anterior a 1930, com formação dos sindicatos sob influência do pensamento socialista e anarquista de fins do XIX;
posteriormente a 1930, uma fase alienada; e um novo sindicalismo no fim dos anos 1970 e início dos 1980.7
O período que vai de 1930 a 1964, tido por muitos como sendo o da fase populista, corresponde
cronologicamente ao momento em que teria existido alienação por parte do movimento operário brasileiro. Isto tem

5
Alexandre Elias da Silva, “Populismo e práticas políticas no governo Pedro Ernesto (1931-1936)”, dissertação de
mestrado defendida na UFF em 2005, p.89.
6
Id., ibid., p. 98.
7
Silva, op. cit.
tudo a ver com a forma como a historiografia tradicional definiu o populismo, e que cabe agora esmiuçar mais
detidamente.

1.1.2 O populismo para a sociologia paulista

Faziam parte do chamado “grupo de Itatiaia” alguns estudiosos que, nos anos 1950, debatiam sobre diversos
assuntos da realidade brasileira. Alberto Guerreiro Ramos, Cândido Mendes de Almeida, Hermes Lima, Ignácio
Rangel, João Paulo de Almeida Magalhães e Helio Jaguaribe eram alguns deles. De suas reuniões surgiram as
publicações dos Cadernos do Nosso Tempo, cujos exemplares apresentaram análises muito valiosas sobre o Brasil.
De integrantes desse grupo partiu a iniciativa para a criação do IBESP (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia
e Política), que viria a ser o núcleo básico para a organização do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros).
O pensamento do ISEB sobre populismo foi definido por Ângela de Castro Gomes como: “um proletariado
sem consciência de classe; uma classe dirigente em crise de hegemonia; e um líder carismático, cujo apelo subordina
instituições (como o partido, embora com ele conviva) e transcende fronteiras sociais (de classe e entre os meios
urbano/rural)”.8
No entanto, Gomes escolheu como alvo principal de suas críticas um membro de outro grupo de estudo,
Francisco Weffort, sociólogo que procurou aprofundar os estudos sobre o populismo, revendo as conclusões
pioneiras do “grupo de Itatiaia”.
Weffort era membro de um conjunto de sociólogos paulistas, entre os quais estavam Juarez Brandão Lopez,
José Albertino Rodrigues, Leôncio Martins Rodrigues, Emir Sader, Francisco de Oliveira, Bóris Fausto9, entre
outros. Para Gomes ele foi o mais importante teórico do populismo no Brasil.10
A obra de Francisco Weffort talvez resuma o pensamento da sociologia paulista sobre o chamado “ciclo
populista” – que é entendido como indo de 1930 até o golpe militar de 1964. Ângela de Castro Gomes atacou
diretamente a idéia de “massas populares manipuladas” e, ao observar a análise de Weffort sobre a classe operária
brasileira, a compreendeu como uma visão pejorativa daquele autor sobre a realidade brasileira:

(...) se o paradigma de classe operária européia (e outros) foi questionado,


demandando-se uma ótica singular para a realidade brasileira, ele o foi para reforçar uma
visão de que o que existe entre nós são massas – por definição desorganizadas e
inconscientes –, e, portanto, alvo privilegiado da política de manipulação do Estado: o
populismo.11

8
Ângela de Castro Gomes, “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito”. In
Jorge Ferreira (org), O Populismo e sua História: debate e crítica, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. p. 27.
9
Bóris Fausto, A Revolução de 1930, São Paulo, Brasiliense, 1994.
10
Gomes, op. Cit., p. 30.
11
Id., ibid., p. 35.
Enquanto Gomes rejeitou a abordagem de Weffort a respeito do populismo, Silva foi mais compreensivo
quanto a ele. Silva entendeu que a utilização da idéia de manipulação pelo termo aliança mostrou que “Weffort
entende que não há, de fato, uma manobra pura e simples das classes populares, e sim, uma troca de interesses entre
esta e o Estado, firmando a idéia de compromisso dentro do jogo político”.12
Compreendemos que, apesar de não analisar profundamente a relação entre o líder populista e os grupos
sociais governados por ele, Weffort deixa aberta a possibilidade de troca de interesses entre ambas as partes, o que
pode ser considerada uma inovação no estudo das práticas populistas.

1.1.3 O populismo na visão de Francisco Weffort

Ainda no intuito de estabelecer a trajetória acadêmica do termo populismo, nossa análise se detém agora
sobre a obra O populismo na política brasileira, onde Weffort expressou suas idéias sobre origem, desenvolvimento
e características do populismo.
Logo no início é possível encontrar o entendimento que o autor tem em relação à democracia brasileira. Ele
defendeu a especificidade desta em relação à americana. É possível perceber um certo pessimismo de Weffort no que
diz respeito à atuação da sociedade civil no Brasil, que parece ter tanto consciência política como capacidade de
mobilização mais fracas do que nos Estados Unidos.
Segundo Weffort, a democracia, como ideal de vida política, nunca chegou a ter, no Brasil, condições
propícias de difusão e é difícil garantir que possua raízes sociais profundas. Ainda mais difícil é admitir que, em
terras brasileiras, o regime democrático possua a eficácia apregoada pelos americanos como fórmula de equilíbrio e
de controle social. Não obstante, a democracia foi uma realidade no Brasil, tanto quanto pode ser real a democracia
burguesa. Não, porém, no sentido formal da vigência imperativa de uma constituição, mas no sentido de que as
massas participaram do jogo político.13
Desdobrando o pensamento de Weffort é possível concluirmos que em uma sociedade frágil – no sentido de
ter dificuldade em exercer a pressão necessária para o “equilíbrio e controle social” – a figura do líder populista
emerge como uma alternativa para propor a entrada das “massas no jogo político” de uma outra forma, a partir da
intermediação do Estado.
Francisco Weffort partiu dos Cadernos do Nosso Tempo para examinar as condições para o surgimento do
populismo. Ele fez um resumo comentado do pensamento central de seus colegas do “grupo de Itatiaia”:

Aí estabelecem-se as seguintes condições gerais para o populismo: 1- ‘massificação’,


provocada pela ‘proletarização’ (de fato, mas não consciente) de amplas camadas de
uma sociedade em desenvolvimento que desvincula os indivíduos de seus quadros
sociais de origem e os reúne na massa, ‘conglomerado multitudinário’ de indivíduos,
relacionados entre si por uma sociabilidade periférica e mecânica. (...) 2 – perda da
‘representatividade’ da ‘classe dirigente’ – e, em conseqüência, de sua ‘exemplaridade’ –
que, assim, se transforma em ‘dominante’, parasitária; 3 – aliadas estas duas condições à
12
Silva, op. cit., p. 100.
13
Francisco Weffort, O Populismo na Política Brasileira, 3ª Ed., Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986, p. 23.
presença de um líder dotado de carisma de massas, teríamos todas as possibilidades de
que o populismo se constitua e alcance ampla significação social.14

Cabe agora analisarmos cada um desses três pontos apresentados pelo autor, a fim de entender os
pormenores do sentido atribuído ao populismo pelo “grupo de Itatiaia” e compreender os avanços de Weffort. O
primeiro ponto talvez seja o mais importante, porque nele percebemos a visão que por um longo tempo perdurou
sobre a sociedade brasileira dos anos 1930: o autor reafirmou o fraco desenvolvimento da sociedade em termos de
consciência de seu papel histórico. Essa fragilidade seria a característica facilitadora da emergência do político
populista, que em outros países seriam substituídos pela ação integrada de sociedades civis mais “desenvolvidas” –
para usar a mesma expressão de Weffort.
No segundo item, Weffort fez referência a uma suposta perda de representatividade da classe dirigente. Isto
significa que cada vez mais se abriu um vão entre os que governavam e os governados, com a crescente pressão dos
segundos em obter maior participação política. Isso pode ser confirmado pela análise da situação social nos anos
1920, década conturbada que foi marcada pela exigência de reformas por parte de grupos militares e de parcela
significativa da população civil.
Logo, o populismo viria para sanar a vontade de participação política da sociedade civil não-consciente e
não-organizada – na visão do autor – e, ao mesmo tempo, teria a missão de promover reformas com o fim de
diminuir o descontentamento geral com a classe dirigente, evitando soluções mais drásticas tais como revoluções
sociais violentas.
Por tudo isso, é possível entender que o populismo, no pensamento de Weffort, foi uma prática reformista,
mas nem por isso de pouca importância. Pelo contrário, sem tais reformas, talvez os conflitos sociais teriam se
agravado de maneira imprevisível.
Finalmente, o terceiro ponto referido pelo autor diz respeito ao surgimento de um líder, que obteria os
objetivos citados mais através do carisma do que por meio de seu programa de governo. O carisma serviria para
ganhar a simpatia das massas, porém, é claro, ele não teria efeito prolongado caso sua atuação se resumisse ao
discurso e não oferecesse ganhos práticos ao povo.
É nesse ponto que Gomes teria se equivocado ao examinar o pensamento de Weffort. Apesar dele realmente
propor uma certa ingenuidade por parte das massas e o controle destas pelo líder populista, há ao longo do texto
seguidas referências de que tal relação não se daria sem contrapartida, ou seja, sem que fossem realizadas ações que
beneficiassem à população.
Portanto, a troca de interesses sugerida por Ângela de Castro Gomes não foi ignorada por Weffort, como
vemos no trecho a seguir:

O populismo foi, sem dúvida, manipulação de massas, mas a manipulação nunca foi
absoluta. Se o fosse, estaríamos obrigados a aceitar a visão liberal elitista que, em última
instância, vê no populismo uma espécie de aberração da história alimentada pela
14
Id., ibid., p.26.
emocionalidade das massas e pela falta de princípios dos líderes.15 (...) Do lado das
massas populares a manipulação populista estará sempre limitada pela pressão que
espontaneamente estas podem realizar e pelo nível crescente de suas reivindicações.16

Francisco Weffort não “infantilizou” as massas nem as considerou grupos puramente “emocionais”, mas
apenas defendeu a idéia de que elas não tiveram capacidade de se organizarem de modo a conseguir tomar o Estado
com um projeto próprio de desenvolvimento nacional. Uma das raízes da capacidade de manipulação dos grupos
dominantes sobre as massas, para Weffort, estaria na sua própria debilidade como classe, na sua divisão interna e na
sua incapacidade de assumir, em seu próprio nome, as responsabilidades do Estado.17 Essa desorganização seria
decorrente da pouco extensa experiência democrática brasileira quando comparada aos países europeus e aos Estados
Unidos.
Portanto, diante da crise entre os grupos dominantes, da incapacidade deles de resolverem os problemas
sociais e da demanda por participação política de outros grupos sociais, aliado à incapacidade de implementação de
novos projetos de Brasil por parte dos grupos sociais periféricos ao poder, a solução acabaria partindo, para Weffort,
da existência de um “Estado de compromisso” que assumiria a responsabilidade de agradar a todos.
Diante dos acontecimentos de 1929, auge da crise dos anos 1920, a classe média brasileira – que Weffort
define como de funcionários públicos, militares, empregados em serviços e profissionais liberais, setor dominante da
opinião pública18 – foi incapaz de tomar a liderança de um processo revolucionário.
Isso se deu porque, para Weffort, as classes médias tradicionais brasileiras, como parece ocorrer na maioria
dos países latino-americanos, não possuíam condições sociais e econômicas que lhes permitissem uma ação política
autônoma em face dos interesses vinculados à grande propriedade agrária. Diferentemente da velha classe média
americana, não tinham embasamento social e econômico na pequena propriedade independente, mas em atividades
subsidiárias da estrutura social de grande propriedade. Estes setores nunca conseguiram, por força de sua situação de
dependência neste contexto em que a grande propriedade é o padrão social e econômico dominante, definir uma
atividade política plenamente radical. Nunca conseguiram, por um lado, formular uma ideologia adequada à situação
brasileira; adotaram os princípios da democracia liberal que, nas linhas gerais, constituem o horizonte ideológico dos
setores agrários.19
Portanto, conforme Weffort, essa incapacidade abriu espaço para a tomada do poder pelo grupo que havia
lançado Vargas como candidato de oposição em 1929. Tal grupo assumiu este compromisso de atender a interesses
diversos, mas tinha como “missão” principal obter uma nova estratégia que possibilitasse o controle das camadas
populares, já que o método anterior, baseado na repressão policial e numa legislação social insuficiente, havia já há
tempos demonstrado sua ineficácia:

15
Ibid., p 62.
16
Ibid., p. 71.
17
Ibid.
18
Ibid., p. 47.
Com efeito, as formas concretas da aquisição e preservação do poder passam a ser
um fato de importância decisiva quando nenhum dos grupos econômicos dominantes
pode oferecer uma base sólida para o Estado e quando as classes médias não encontram
condições sociais e econômicas para instalar um regime democrático pluralista. A
revolução de 1930 havia liquidado com o sistema de acesso ao poder pelo recrutamento
no interior das famílias e grupos econômicos tradicionais, que vinham possibilitando à
oligarquia sua auto-renovação.
Deste modo, o poder conquistado pelos revolucionários nos quadros de um
compromisso, só encontraria condições de persistência na medida em que se tornasse
receptivo às aspirações populares, na medida em que as pessoas que o exercessem,
fossem capazes de conseguir uma liberdade relativa frente aos grupos dominantes e de
ampliar a esfera de compromisso, introduzindo nele uma nova força passível de
submeter-se à sua manipulação exclusiva. 20 [Grifos meus].

Weffort introduziu uma nova idéia no trecho grifado: o governo de compromisso deveria atender a
interesses diversos, resolvendo o problema do controle das massas, porém essa nova estratégia deveria não só
controlar essas massas, mas sim trazê-las para o lado do Estado, ou seja, usar o peso político que elas estavam
adquirindo para sustentar e dar legitimidade aos novos ocupantes do poder.
Nesse ponto se inseriram as estratégias políticas de Pedro Ernesto Baptista na prefeitura do Rio de Janeiro.
Pedro Ernesto utilizou medidas inovadoras que o fizeram ganhar a popularidade que deu sustento ao seu governo,
mesmo quando seu apoio político enfraqueceu. Para sua infelicidade, os eventos de 1935 abreviaram seu governo,
porém a importância desse apoio popular foi demonstrada pelo ousado segundo governo de Pedro Ernesto –
legitimado por uma votação extraordinária – e pela disputa do apoio do prefeito por parte dos candidatos ao pleito
presidencial que se realizaria em 1938.
Portanto, conseguir o apoio da maior parte da população era a necessidade do grupo que assumia o
compromisso de “governar para todos”, para assim obter uma base sólida ao seu poder.
Segundo Weffort, multiplicando os seus aliados, o governo que assumia o poder em 1930 encontrava,
assim, condições de abrir-se a todos os tipos de pressões sem se subordinar, exclusivamente, aos objetivos imediatos
de qualquer delas. Em outros termos: já não era uma oligarquia. Não era também o Estado tal como se forma na
tradição ocidental. Era um certo tipo de “Estado de massas”, expressão da prolongada crise agrária, da dependência
dos setores médios urbanos e da pressão popular.21 Nessas condições, em que nenhum dos grupos dominantes era
capaz de oferecer as bases para uma política de reformas, as massas populares apareceram novamente como a única
força capaz de dar sustentação a esta política e ao próprio Estado.22
O que Weffort não observou é que o grupo que assumiu o poder, em 1930, tinha uma origem social
definida. Não foram os trabalhadores ou as classes médias que chegaram ao Palácio do Catete – embora muitos
desses tenham apoiado o movimento de outubro de 1930. Getúlio Vargas fazia parte da oligarquia gaúcha e era o
representante de um grupo da elite que havia tido seus interesses ameaçados pela supremacia paulista.

19
Ibid., p. 48.
20
Ibid., p. 51
21
Ibid., p.51.
22
Ibid., p.58.
Assim, o Estado que surgiu em 1930 ainda tinha muito do Estado dos anos 1920, já que possuía como
características principais a execução de uma reforma e não de uma revolução. Pode-se dizer que a grande novidade
desse Estado, auto-intitulado revolucionário, era a entrada de um novo ator político no jogo do poder: os
trabalhadores urbanos. Não que estes antes estivessem totalmente à parte do jogo político – já que exerceram
pressões e resistência às medidas governamentais durante a Primeira República, tais como Ângela de Castro Gomes
demonstrou na primeira parte de sua obra Invenção do Trabalhismo –, mas sua importância havia crescido e se
tornava decisiva para os rumos políticos do país.
“Estado de compromisso”, “Estado de massas”, “Estado como árbitro”, todas essas expressões foram
utilizadas por Weffort. Ele está em concordância com Ruy Mauro Marini que faz a afirmação de que “dentro da
experiência histórica européia o bonapartismo seria talvez a situação política mais próxima dessa que procuramos
descrever para o Brasil”.23
Weffort defendeu a hipótese de que teria havido um “vácuo de poder” que resultou na tomada do governo
pela Aliança Liberal, grupo que havia saído derrotado das últimas eleições presidenciais. Porém, convém
observarmos que o conceito de “vácuo de poder” é um tanto vago, embora a idéia de vácuo possa insinuar situações
de indefinição ou falha no exercício do poder. No caso, a tomada do poder pela Aliança Liberal se deu em
decorrência de eventos inesperados – crise de 1929, atentado contra João Pessoa, entre outros – e da fratura interna
das oligarquias. A tomada do poder foi oportunista, no sentido dado pelo político mineiro Antônio Carlos: fez-se a
“revolução” antes que o povo a fizesse.
Concluído o movimento de 1930, as relações entre o novo governo e a população foram construídas aos
poucos ao longo dos anos 1930. Inicialmente, Vargas utilizou muitas vezes os métodos violentos de repressão,
comuns nos anos 1920, porém, paradoxalmente, sempre adotou um discurso conciliador e tentou uma aproximação
com os populares, ao mesmo tempo em que buscava angariar apoio político para sua permanência na presidência.
Primeiramente apoiou-se nos tenentes – que formaram o “Clube 3 de Outubro” a fim de manter em discussão a
continuidade dos ditos “ideais revolucionários” e que faziam parte também do chamado Gabinete Negro, que dava
apoio e aconselhava o presidente – e, depois da pressão paulista pela reconstitucionalização, buscou ampliar seu
leque de aliados24.
Nesse contexto, Lindolfo Colllor, primeiro ministro do Trabalho, Indústria e Comércio do governo que se
autodefinia revolucionário, foi pioneiro na execução de um estudo e na posterior criação de uma legislação
trabalhista que reafirmasse as leis anteriores e buscasse soluções inovadoras aplicáveis para os problemas dos
trabalhadores. No entanto, o sucesso e independência de Collor abreviaram sua estadia à frente do Ministério25. Seu
afastamento de Vargas chegou a um ponto insustentável após uma crise de gabinete. O mesmo destino teve Pedro
Ernesto alguns anos depois, pelo mesmo motivo, de estar concorrendo direta ou indiretamente com o presidente pela
preferência dos populares.

23
Ibid., p.70.
24
Maria Cecília Spina Forjaz, Tenentismo e forças armadas na Revolução de 30, Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1988.
25
Orlando de Barros, “Os intelectuais de esquerda e o ministério Lindolfo Collor”. In Jorge Ferreira (org.), História
das esquerdas no Brasil. 3 v., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007.
É essencial a percepção de que Vargas, nos primeiros anos de seu governo, estava numa posição
extremamente delicada, liderando um governo inconstitucional, tendo que exercer o que Weffort chamou de “função
de árbitro”, exposto ao ataque dos diversos grupos sociais que, uma vez alijados do poder, passado o momento mais
agudo da crise, queriam ter de volta seus lugares na cúpula do governo.
Tanto Lindolfo Collor como Pedro Ernesto foram homens que ganharam grande popularidade entre os
trabalhadores, o primeiro convidando diversos líderes anarquistas e sindicais da Primeira República a fazer parte da
estruturação da nova legislação e o segundo implementando no Distrito Federal direitos trabalhistas inovadores e
mantendo uma relação estreita com a população menos abastada da cidade.
Essa disputa pela simpatia popular ganhou tal importância que a conciliação entre os políticos nem sempre
era possível. Vargas teve que se livrar de Collor e depois de Pedro Ernesto para que pudesse se apresentar como o
único promotor de benesses para a população.
A legislação trabalhista era um pilar fundamental para a interação do líder populista com os trabalhadores,
daí a necessidade de Vargas em eliminar eventuais adversários na promoção de tais leis. Weffort foi bastante feliz ao
observar que, para as massas populares, a legislação do trabalho significou a primeira forma através da qual elas
viram definida sua cidadania e obtiveram seus direitos de participação nos assuntos do Estado. Essa legislação é um
dos elementos centrais para entendermos o tipo de aliança que os trabalhadores passaram a estabelecer com os
grupos dominantes, através dos líderes populistas. 26
Assim, entraram os trabalhadores no “jogo político”: pela intermediação do governo que buscava simpatia e
apoio popular a fim de viabilizar a sua manutenção no poder. As leis trabalhistas, frutos de uma longa e árdua
história de lutas e pressões populares por melhores condições de vida e trabalho, foram apresentadas pelo líder
populista como sendo um ato de bondade, um favor do governo, que automaticamente estabeleceu um vínculo quase
paternal com a população.
Como é possível perceber, essa estratégia visou não só trazer os trabalhadores para o lado do governo como
também esvaziar a visão marxista de luta de classes, apresentando o governo como um parceiro dos trabalhadores e o
líder populista quase como um messias, um justiceiro que merece toda a fidelidade que o povo possa lhe dar.
Essa ligação do povo com o governante ameaçava enfraquecer os partidos e organizações de esquerda.
Pedro Ernesto era mal visto pelos adeptos do Partido Comunista. Após tentativas frustradas de cooptar o prefeito
para sua causa revolucionária, o PCB e até mesmo a Aliança Nacional Libertadora passaram a enxergar nele um
empecilho à revolução socialista, já que Pedro Ernesto rivalizava com esses organismos pela preferência popular. Em
carta a Honório de Freitas Guimarães, no dia 13/02/1936, Luís Carlos Prestes afirmou a necessidade de “desmascarar
a demagogia de Pedro Ernesto”.27
Recorremos novamente a Weffort, que faz um apanhado geral importante sobre essa entrada mais efetiva
dos trabalhadores urbanos na vida política do país, nos anos 1930:

26
Weffort, op. cit., p. 66.
27
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, folheto PEB 5f.
Assim, condicionadas desde o início pela crise interna dos grupos dominantes,
penetram as massas populares urbanas na política brasileira. Constituem a única fonte
social possível de poder pessoal autônomo para o governante e, em certo sentido, se
constituirão na única fonte de legitimidade possível para o próprio Estado. O chefe de
Estado passará a atuar como árbitro dentro de uma situação de compromisso que,
inicialmente formada pelos interesses dominantes, deverá contar agora com um novo
parceiro – as massas populares urbanas – e a representação das massas nesse jogo
estará controlada pelo próprio chefe do Estado. Nas funções de árbitro, ele passa a
decidir em nome dos interesses de todo o povo e isto significa dizer que ele tende,
embora essa tendência não possa efetivar-se sempre, a optar por aquelas alternativas que
despertam menor resistência ou maior apoio popular.28 [Grifos do autor].

Para Weffort, a importância do apoio popular foi exatamente esta: em um momento em que o Estado teria
que atender a interesses diversos tentando manter-se como “árbitro”, não tomando parte incisivamente de nenhum
grupo e tentando achar um meio termo entre perspectivas distintas, tal apoio seria a oportunidade do governante de
fugir um pouco dessa espécie de dependência que tinha em relação aos diversos grupos sociais dominantes,
garantindo um pouco de poder autônomo baseado na aclamação popular.
Desta forma, a população, mais especificamente os trabalhadores, dariam ao líder populista a escora
necessária para que ele se mantivesse na liderança do processo político. Quando mais popular ele fosse, mais difícil
seria sua retirada do poder.
Mas, apesar de Weffort defender sempre a entrada tutelada das massas no processo político, com tal
processo se dando sempre por intermédio do líder populista – ponto, convém lembrar, criticado enfaticamente por
Ângela de Castro Gomes e por Jorge Ferreira29 –, é inegável que, para obter este apoio, que lhe daria maior status e
barganha política, o líder populista não utilizaria somente do discurso e da propaganda. Ele teria que apresentar
realizações concretas que justificassem a adesão popular ao seu governo.
Por mais que se discuta o quanto do caráter passivo ou ativo da forma como a maioria da população entrou
no processo político brasileiro nos anos 1930 – discussão que tem se mostrado acesa na academia –, a apresentação
de soluções práticas para os problemas concretos da população foi uma necessidade para que se tivesse início o
chamado “ciclo populista”.
Portanto, uma conclusão se torna inalienável: o populismo não foi mera manipulação nem um simples logro
da população pelos discursos do líder político, mas se pautou na apresentação e realização de medidas concretas. O
público para o qual se dirigia o discurso populista não era acéfalo nem uma irracional “massa de manobra”, mas
pessoas que precisavam enxergar na prática que suas necessidades já estavam sendo solucionadas ou estavam em via
de serem.
Ao longo do período de 1930 até 1945, a forma pela qual foi obtida a adesão popular, ou seja, a
contrapartida apresentada às chamadas “massas urbanas” como forma de obter seu apoio foi a sistematização da
legislação do trabalho. Isso foi feito de maneira paulatina e criteriosamente estudada, afinal, não se deve perder de

28
Weffort, op. cit., p. 69-70.
29
Jorge Ferreira (org.), O populismo e sua História: debate e crítica, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.
vista que havia outros interesses que o “Estado arbitral” deveria levar em conta: as necessidades dos proprietários
rurais, dos grandes industriais, dos diversos e heterogêneos grupos de classe média, entre outros.
Weffort comentou sobre a criação da legislação trabalhista implementada pelo governo de Getúlio Vargas:

Vargas, apoiado no controle das funções políticas, ‘doa’ às massas urbanas uma
legislação trabalhista que começa a formular-se desde os primeiros anos do Governo
Provisório e que se consolida no ano de 1943. A limitação da legislação aos setores
urbanos não deve passar desapercebida. São os setores que possuem maior capacidade
de pressão sobre o Estado e aqueles que, desde antes de 1930, possuíam alguma tradição
de luta; são também os setores disponíveis, para a manipulação política, pois apesar de
que as regras de jogo eleitoral estivessem suspensas desde 1937 elas foram uma das
primeiras conquistas da revolução de 1930 e continuavam a ter uma existência virtual.
Por outro lado, a restrição da legislação trabalhista às cidades atende às massas urbanas
sem interferir com os interesses dos grandes proprietários de terra.30

O governo Vargas, principalmente nos primeiros anos após o movimento de 1930, estava bastante suscetível
às pressões, tentando atender da melhor forma quem reivindicasse mais vigorosamente, a fim de fazer o menor
número de inimigos, sem pôr em risco o mando.
Os trabalhadores urbanos tinham maior capacidade de pressão sobre o governo federal do que os rurais,
razão pela qual conseguiram obter leis trabalhistas antes dos camponeses. Isso se deu por uma série de motivos,
dentre os quais a maior experiência em movimentos reivindicatórios – anarquismo, sindicalismo e comunismo eram
mais fortes nas cidades –, a proximidade espacial em relação aos centros de decisão e maior autonomia em relação às
autoridades, já que no campo os trabalhadores dependiam essencialmente do poder pessoal dos chamados “coronéis”
para a obtenção de serviços básicos de saúde e educação – temendo represálias em caso de revolta.
Porém, cabe aqui mencionar dois pontos discutíveis do último trecho citado de Weffort. Ele próprio disse
que os setores urbanos tinham “maior capacidade de pressão sobre o Estado”, mas ao mesmo tempo afirma, logo no
início desse parágrafo, que Vargas “doou” a legislação trabalhista às massas urbanas. Ora, o correto não seria que, a
partir da pressão de tais massas, Vargas permutou com elas elaborando a legislação trabalhista em troca de apoio?
Além disso, não foi exatamente a pressão popular que tornou viável a criação das leis do trabalho? Portanto, é mais
adequado falar em negociação do que em doação.
Num momento em que o governo tinha que exercer sua função muito cautelosamente, levando em conta
interesses tão distintos, tais leis representavam uma perda para os empregadores. Isto não pode ser esquecido. Elas só
foram elaboradas devido à imensa demanda por parte dos populares, pressão existente desde o início da República
através das greves e dos movimentos anarquistas e sindicalistas ao longo das quatro primeiras décadas republicanas.
Logo, não foi uma “doação” de Vargas, mas uma resposta às históricas pressões populares e uma tentativa
de diálogo em busca do apoio que era necessário para o governo fortalecer seus pilares de sustentação e ganhar maior
autonomia em relação aos grupos de pressão dominantes.

30
Weffort, op. cit., p.73.
O próprio Weffort, após o uso da palavra “doação”, paradoxalmente, em outro trecho, apresentou três
pontos de pressão que a população urbana exerceu sobre o governo, ou seja, a contrapartida em troca do apoio. Eles
seriam: a pressão para ter acesso aos empregos urbanos (que exerciam as massas de migrantes); a pressão no sentido
de ampliação das possibilidades de consumo (realizada pelas novas massas urbanas e também pelas antigas); e a
pressão que se orientou no sentido da participação política dentro dos quadros institucionais.31
O governo que atendesse a essas três demandas teria boas chances de conseguir o apoio popular tão
importante em tempos de instabilidade política. Pedro Ernesto conseguiu êxito nessa empreitada. Ele atendeu à
primeira expectativa na medida em que a criação de escolas e hospitais públicos aumentou a oferta de empregos –
inclusive foi acusado pelos seus opositores de utilizar tais instituições como “cabide de emprego”, assim como as
posteriormente criadas Polícia Municipal e Universidade do Distrito Federal.
As possibilidades de acesso ao consumo foram defendidas indiretamente com a oferta de empregos e
salários de razoável poder aquisitivo e, diretamente, por meio dos decretos que estabeleceram o tabelamento para os
artigos de primeira necessidade.32
E, finalmente, o acesso à participação política se deu primeiro por meio da política de alistamento do
Partido Autonomista do Distrito Federal – que praticamente triplicou o quadro de eleitores do Rio de Janeiro de 1930
a 193433 – e depois pela União Trabalhista do Distrito Federal, organismo criado pelo prefeito que, segundo suas
próprias palavras, destinava-se a esclarecer os trabalhadores quanto aos seus direitos através de uma associação deles
com intelectuais, tendo à frente deste processo o próprio Pedro Ernesto, na presidência do órgão.34
Por conseguinte, é possível perceber que o líder populista teve muito a fazer para conseguir a adesão dos
trabalhadores. Foi preciso construir laços com eles, atendendo suas demandas, obtendo confiança e só assim podendo
contar com seu apoio. Essa relação do líder com a população urbana era delicadíssima, pois, ao mesmo tempo em
que procurava agradá-la, ele não poderia esquecer dos outros grupos sociais que o cercavam e viam com
desconfiança essa aproximação do político com a população mais necessitada. Esse terminou sendo o ponto fraco de
Pedro Ernesto Baptista, que o levou a ser acusado de aderir ao comunismo, e, após a Intentona Comunista, ter sua
prisão decretada e sua carreira política abreviada.
Portanto, o populismo não pode ser definido como mera “manipulação de massas”, mas um jogo político de
interesses nos quais o objetivo é obter o apoio popular, oferecendo algo em troca, e, ao mesmo tempo, atentando para
os limites dessa relação, a fim de não causar descontentamento a outros setores da sociedade.
Para finalizarmos a análise de O populismo na política brasileira, é importante observarmos atentamente a
explicação dada por Weffort sobre o momento em que o populismo teria entrado em crise, durante o governo de João
Goulart. Para o autor, a manipulação das massas perdeu eficácia, isto é, “abriu a porta a uma verdadeira mobilização
política popular, exatamente quando a economia urbano-industrial começava a esgotar sua capacidade de absorção
de novos migrantes”. É nessa fase que a temática das reformas de estrutura teria começado a fazer-se popular.35

31
Id., ibid., p.75.
32
Decreto municipal nº 5636, de 30/09/1935.
33
Michael L. Conniff, Política urbana no Brasil: a ascensão do populismo, 1925-1945, Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 2006
34
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, folheto PEB 5f.
35
Ibid., p.77
A respeito desse pensamento de Weffort é possível analisarmos algumas idéias-chave. Primeiro: o
populismo seria então uma forma de manter sob o controle a ascensão política das massas, de modo em que nessa
ascensão elas não promovessem mudanças drásticas nas estruturas do país, ou seja, a maior participação da
população urbana na política dar-se-ia através de reformas e não de uma revolução.
Segundo: o autor deixa transparecer que a mobilização popular por reformas estruturais só dar-se-ia em um
momento de crise do populismo, em que aquelas três demandas principais citadas – emprego, poder aquisitivo e
participação política – estivessem ameaçadas. Se a busca por “reformas de estrutura” pode ser vista como a
“verdadeira mobilização política popular”, então no populismo a mobilização popular seria falsa? Sim, isso é o que
podemos compreender a partir da leitura do trecho acima, interpretando as palavras de Francisco Weffort.
Portanto, mais uma vez é possível notar que apesar de Weffort sugerir um pacto ou um acordo entre as
massas urbanas e o líder populista – assegurando que a população não é amorfa e exerce pressão sobre o governo –,
ele não aprofunda tal abordagem e, contraditoriamente, dá a entender que, mesmo havendo diálogo, na prática as
massas acabam agindo de acordo com a vontade do político populista.
Weffort deixa transparecer que a crise do populismo viria a ocorrer a partir do momento em que o líder
populista não conseguisse mais convergir interesses dos diferentes grupos sociais, deixando a desejar na sua função
de árbitro, ao mesmo tempo em que perdesse o controle sobre a ascensão das massas urbanas:

A imagem, se não o conceito, mais adequado para entendermos as relações entre as


massas urbanas e alguns grupos representados no Estado é a de uma aliança (tácita) entre
setores de diferentes classes sociais. Aliança na qual evidentemente a hegemonia se
encontra sempre com os interesses vinculados às classes dominantes, mas impossível de
realizar-se sem o atendimento de algumas aspirações básicas das classes populares (...).
Se as massas serviram como fonte de legitimidade para o Estado, isto só foi possível
enquanto estiveram contidas dentro de um esquema de aliança policlassista, que as
privava de autonomia.36

Portanto, a incapacidade no atendimento das aspirações populares acabaria causando o rompimento de tal
aliança. As massas urbanas passariam a buscar outros meios de atingir sua participação política institucional, livrar-
se-iam do controle populista, ganhariam autonomia e gritariam por reformas estruturais.
O exemplo histórico usado por Weffort para ilustrar essa teoria foi o governo de João Goulart. Este teria
rompido as diretrizes populistas, sem conseguir manter o equilíbrio entre os grupos dominantes e não sendo capaz de
ter sob seu controle o processo de ascensão das massas. Se suas atitudes foram intencionais ou fruto de
circunstâncias políticas do momento é uma questão que não deve ser discutida aqui. Sem o Estado “árbitro” que
defendesse seus interesses e atemorizados pela possível autonomia das “massas urbanas”, a solução dos grupos
dominantes foi apelar para uma ditadura que mantivesse a ordem e evitasse uma revolução popular. Teria sido esse o
momento que Octávio Ianni ousou chamar de “colapso do populismo”37, nomenclatura exagerada, mas que reflete

36
Ibid., p. 78.
37
Octávio Ianni, O colapso do populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 3ªEd., 1975.
exatamente a visão que muitos intelectuais tiveram dos anos que se estenderam de 1930 a 1964, período chamado de
“ciclo populista”.
Como foi possível observar, a obra de Weffort é cheia de idéias contraditórias, porém não deixa de ser uma
análise muito importante e rica do fenômeno histórico que é o populismo, podendo ser vista como a síntese do
pensamento de todo um grupo de estudo: a sociologia paulista.

1.1.4 Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira: a tentativa de novas abordagens

Após os esforços iniciais do “grupo de Itatiaia” e a sistematização mais complexa do grupo de estudiosos
paulistas, nos anos 1980, Ângela de Castro Gomes abriu uma discussão que seria seguida por muitos, em destaque
por seu pupilo Jorge Ferreira: uma tentativa de lançar novos olhares sobre o que a historiografia chamara de
populismo. Questionando obras clássicas – como O populismo na política brasileira, de Weffort – os dois
historiadores buscaram novos caminhos para se compreender a relação existente entre os líderes políticos e a
sociedade dos anos 1930 em diante.
A historiografia brasileira dos anos 80, influenciada por E. P. Thompson, segundo Ângela de Castro Gomes,
teria como principal ponto de inovação a mudança do foco de estudo dos “homens do Estado” para a cultura
operária. Talvez por isso os esforços empreendidos por Castro Gomes no intuito de afirmar e reafirmar repetidas
vezes a necessidade de entender a relação do líder populista com a sociedade não como uma mera manipulação ou
tutela, mas como uma troca. A autora, inclusive, é contra a expressão massas, que para ela tem significado negativo.
Ela parte do princípio de que há ação por essa parte da sociedade, que não é passiva, mas ativa.
Apesar de usar expressões como “manipulação”, “cooptação” e “massas”, Weffort em momento algum nega
a capacidade de resistência por parte da sociedade em relação à política empreendida pelo líder populista. Sua
diferença em relação a Ângela de Castro Gomes está na dose dessa resistência, bem maior na opinião da historiadora.
A oposição dela a Weffort talvez seja principalmente por causa do vocabulário usado por ele.
Gomes, fazendo clara referência a Weffort, defende que ser cooptado exclui uma relação de troca, esvazia o
sujeito da cooptação de qualquer poder (inclusive o de ter suscitado a cooptação) e o transforma em objeto, que é,
por definição, incapaz de negociação. Ela lembra que Weffort chega a sugerir a substituição de “manipulação” por
“aliança” como categoria mais precisa para o que deseja situar, contudo, afirma que “não há investimento nesta
modulação, nem por parte do autor, nem por parte de muitos outros que seguem suas pegadas”.38
A historiadora questiona ainda a concepção do Estado dos anos 1930 como sendo “arbitral” ou
“bonapartista”39 – idéia que tem como principais defensores Francisco Weffort e Boris Fausto –, colocando-se ao
lado de Regis Castro de Andrade40 na sugestão de que tal período teria sido um momento de supremacia burguesa,

38
Ângela de Castro Gomes, “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito”. In
Jorge Ferreira (org), O Populismo e sua História: debate e crítica, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. p. 34.
39
Conceito gramsciano que expressa a situação de um governo que surge em meio a uma crise, em que há conflito
entre dominantes e dominados, sem que nenhum grupo consiga supremacia sobre o outro. Para mais detalhes ver
Antônio Gramsci, A concepção dialética da História, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1987.
40
Régis Castro de Andrade, “Perspectivas no estudo do populismo brasileiro”, Revista Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, v. 7, 1978.
grupo social este que teria mais se beneficiado no período, através do ganho de poder em detrimento da antiga
oligarquia cafeeira e da negociação com os trabalhadores a fim de evitar que estes obtivessem seus direitos de forma
mais abrupta.
Uma síntese final do pensamento de Ângela de Castro Gomes pode ser explicitada pelas palavras da própria
autora no desfecho do capítulo de sua autoria no livro O populismo e sua História: debate e crítica, organizado por
Jorge Ferreira:

Não sou simpática (...) às idéias de uma classe trabalhadora ‘passiva’ e sem
consciência, sendo ‘manipulada’ por políticos inescrupulosos que a ‘enganavam’, e que
não tinham, na verdade, representatividade política e social. O que eu pretendia
demarcar era que não aceitava esta concepção, nem de classe trabalhadora nem de pacto
político. O uso da ‘palavra’ populismo, assim, me pareceu algo extremamente danoso
para enunciar o que eu desejava defender, e a ‘palavra’ trabalhismo, cuja invenção eu
acompanhava em minha análise histórica, surgia como muito mais adequada para a
proposta da então tese.41.

A tese referida pela autora é a que deu origem ao livro A invenção do trabalhismo. Gomes ainda admite que
a palavra trabalhismo também ganhou outros sentidos, assim como ocorreu com o termo populismo, porém afirma
que seu objetivo foi fugir do “lugar-comum populismo”, buscando atualizar os estudos, fazendo algo inovador.
Porém, é possível perceber que a construção inovadora do trabalhismo de Ângela de Castro Gomes também possui
uma série de problemas, entre os quais a periodização proposta pela historiadora, que defende a década de 1940
como o momento do surgimento do trabalhismo, quando, na verdade, nos anos 1930 já é possível identificar tais
práticas.
Cabe agora dar espaço ao historiador que foi orientando de Ângela de Castro Gomes e que seguiu seus
passos: Jorge Ferreira.
Ferreira lamenta, assim como sua colega, a imensa gama de significados que a palavra populismo adquiriu
ao longo dos anos, tendo hoje um valor negativo. Partindo deste ponto, ele elabora uma análise a respeito das origens
de tal conceito, afirmando que as elites liberais, que tiveram o controle sobre Estado abalado em 1930, passaram a
explicar o apoio dos assalariados a Vargas ressaltando a demagogia, a manipulação, a propaganda política, a
repressão policial, entre outros fatores, sugerindo uma relação destituída de reciprocidade: o Estado, com Vargas,
surgiu como todo-poderoso, capaz de influenciar a mente das pessoas; a sociedade – os trabalhadores em particular –
, amedrontada com a polícia e manipulada pela propaganda do DIP, foi transformada em “massa de manobra” e,
portanto, vitimizada.42
Ao longo dos anos, teria sido perpetuada essa imagem de Estado “enganador” da população – para usar
expressão de Ângela de Castro Gomes –, por ter se tornado cômoda tanto para os intelectuais da elite cafeeira
paulista, que necessitavam de uma justificativa à diminuição de seus poderes junto ao governo, como também para

41
Gomes, op. cit., p. 35.
os pensadores de esquerda, desejosos de compreender o porquê da grande simpatia de boa parte dos trabalhadores
pela figura de Getúlio Vargas, que se estendeu no imaginário popular até os dias atuais.
O populismo se tornou uma expressão usada no intuito de desqualificar o adversário, significando alguém
que utiliza o discurso e a propaganda para iludir a população com falsas promessas, se aproximando dela com o
intuito de ludibriá-la. Jorge Ferreira afirma que “a noção de ‘populismo’ tornou-se tão elástica e, de certo modo, a-
histórica, que passou a explicar tudo – e, como ocorre nesses casos, explicar muito pouco”.43
Essa aversão de Ferreira e Gomes em relação ao termo “populismo” talvez seja exagerada. O grande
problema é que, ao criticar a expressão “populismo”, Castro Gomes e Ferreira propõem sua substituição por
“trabalhismo”, palavra que também acabou adquirindo uma enormidade de significados. Portanto, o problema não
está em usar “populismo” ou “trabalhismo”, mas sim em compreendermos da melhor maneira possível as práticas
que receberam tal denominação.

1.1.5 Crítica à “Teoria da Modernização”

Na visão de Jorge Ferreira, a chamada “teoria da modernização” influenciou o pensamento de Weffort a


respeito do populismo. Segundo essa teoria, cujos principais criadores teriam sido Germani44 e Di Tella45, na
América Latina teria ocorrido uma rápida passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna, em um
processo veloz de industrialização e modernização. A maioria da população, de forma impaciente, teria pressionado
por participação política, passando por cima de meios institucionais clássicos.
Essa pressão teria desembocado em dois resultados distintos: golpes militares ou revoluções nacionais
populares das quais as experiências populistas faziam parte.
Os desdobramentos da teoria da modernização, ainda seguindo a linha de raciocínio de Jorge Ferreira,
enxergam na população dos grandes centros urbanos latino-americanos a falta de uma mobilização e, até mesmo, de
uma cultura política necessária para o exercício da cidadania plena. Numa visão preconceituosa em relação à
população rural, essa teoria entende que o “inchamento” das grandes cidades, em decorrência das migrações rurais
para as metrópoles, trouxe prejuízo para o grau de mobilização dos trabalhadores urbanos, como se o trabalhador
rural “desmobilizado” disseminasse esse “vírus” na população da cidade.
Conseqüentemente, a cidade aumentou de forma absurda sua população, que, por sua vez, não conseguiu se
organizar para atuar politicamente, exercendo pressões somente de modo instintivo sobre o governo, em busca de
interesses imediatos e de curto prazo. Estas pressões foram aproveitadas pelo líder populista, que se apresentou como
a ponte entre a população e seus direitos, implementou reformas que impediram a ocorrência de revoltas violentas,
controlou e manipulou a população, entre outras formas, por intermédio de uma publicidade que exaltou seu governo
e sua personalidade.

42
Jorge Ferreira (org), O populismo e sua História: debate e crítica, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p.
8-9.
43
Id., Ibid., p. 13.
44
Gino Germani, Política e sociedade em uma época de transição: da sociedade tradicional à sociedade de massas,
São Paulo, Mestre Jou, 1973.
45
Torcuato Di Tella, Para uma política latino-americana, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969.
Essa visão deu às massas uma posição claramente passiva, sendo manipuladas pelo líder populista. Ferreira,
assim como Gomes, não acha possível que uma personalidade como Vargas conseguisse se manter tanto tempo no
poder apenas “enganando” e se promovendo por intermédio de publicidade:

(...) o mito Vargas não foi criado simplesmente na esteira da vasta propaganda
política, ideológica e doutrinária veiculada pelo Estado. Não há propaganda, por mais
elaborada, sofisticada e massificante, que sustente uma personalidade pública por tantas
décadas sem realizações que beneficiem, em termos materiais ou simbólicos, o cotidiano
da sociedade.46

O autor ainda critica o uso do termo “totalitário” em relação ao Estado Novo, que dá a idéias de um poder
desmedido, transformando a sociedade em elemento passivo, inerte e vitimizado. Em outras palavras, Ferreira afirma
que “as relações entre Estado e sociedade não eram de mão única, de cima para baixo, mas, sim, de interlocução, de
cumplicidade”.47
Mais uma vez o cerne da questão para Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes fica claro: a população dos
anos 1930 não foi uma “massa passiva e manipulada”, mas uma sociedade civil ativa, que exerceu pressão sobre o
governo obrigando-lhe a negociar, estabelecendo uma relação de permuta.
Ferreira vai além e critica os intelectuais de esquerda que defenderam a visão de “massas manipuladas”,
segundo ele, com o intuito de justificar a simpatia que muitos trabalhadores têm até hoje em relação à figura de
Getúlio Vargas. Tais intelectuais teriam subestimado a capacidade de organização dos trabalhadores dos anos 1930,
e, igualmente aos adeptos da “teoria da modernização”, teriam sido preconceituosos em relação a eles.
O autor ironiza a idéia de que somente os intelectuais marxistas teriam a capacidade de superar as ilusões
fabricadas pela ideologia burguesa, que mantinha o povo submetido pela repressão e pela propaganda ideológica:
“estranha classe operária, no Brasil e nos países de capitalismo avançado. Forte o suficiente para revolucionar o
planeta, mas ‘enganada’ por qualquer líder ‘populista’, ‘totalitário’ ou ‘traidor’ que apareça em seu caminho”.48
Portanto, seria preciso esquecer de vez esta perspectiva de “massas manipuladas e enganadas” pela
propaganda do regime varguista. Jorge Ferreira comenta a necessidade do uso das contribuições da História Cultural
para o estudo da política pós-1930. A História Cultural teria mostrado que o domínio total, a manipulação sem
resistência, não existiu.
A concepção que o historiador inglês E. P. Thompson tem de classe social e de consciência de classe é
“incompatível com a concepção de populismo e de suas inevitáveis conseqüências, como manipulação de massas,
mistificação ideológica e consciências desviadas dos seus interesses ‘reais’”.49

46
Ferreira, op. cit., p. 88.
47
Id., ibid., p. 95.
48
Ibid., p. 97.
49
Ibid., p. 100.
Da mesma forma, por outro lado, convém lembrar que o líder populista também não era tão independente
como, costumeiramente, é apresentado pela historiografia. Miguel Bodea estudou os pormenores da trajetória
política de Vargas e procurou mostrar que o líder populista não é a-partidário, pelo contrário, sempre ganhou
expressão e poder dentro do partido para depois expandir seu prestígio para além dele.50
Convém lembrar mais uma vez que Vargas, ao assumir o poder em 1930, era o representante de um grupo –
a Aliança Liberal – que chegou ao poder sem saber as conseqüências de tamanha empreitada. Vargas cautelosamente
buscou o maior número possível de aliados, a fim de criar sua base de sustentação. Até 1932 apoiou-se
principalmente nos tenentes e, após a Revolução Constitucionalista do mesmo ano, percebeu que precisaria ampliar
ainda mais suas alianças para permanecer no poder no futuro Estado constitucional.
Até mesmo no momento do fechamento do regime, que começou a ser articulado a partir de 1935 e que teve
seu desfecho com a proclamação do Estado Novo e da nova constituição em 1937, Vargas teve ao seu lado figuras
imprescindíveis para sua manutenção no poder. Além dos generais Eurico Dutra e Góis Monteiro e do chefe de
polícia Felinto Muller, grande parte do congresso e do senado federal pouco a pouco foram convencidos de que a
permanência de Vargas seria a alternativa que lhes seria mais favorável.
Portanto, assim como é difícil crer na existência de “massas de manobra” desmobilizadas e dominadas, é
igualmente estranho acreditar que o líder populista, seja ele Vargas, Pedro Ernesto ou outro qualquer, tenha se
mantido no poder unicamente devido ao carisma pessoal.
Se Vargas obteve o apoio necessário para manter-se no poder, Pedro Ernesto não teve o mesmo êxito.
Mesmo após uma vitória magnífica nas urnas, sua gama de inimigos acabou superando o grupo de aliados. O
antagonismo da Igreja Católica, da Ação Integralista Brasileira e, principalmente, as pressões do governo federal e a
desintegração de seu partido, levaram à retirada do poder.51 Este é, mais uma vez, um argumento favorável de que a
propaganda e a excelente relação com a maioria da população não bastam para manter um político no escalão de
comando.
Portanto, percebemos ser necessário o estudo profundo das relações entre o líder populista e os
trabalhadores. Somente analisando as ações concretas que construíram tal laço entre ambos é que será possível
chegar mais próximo da compreensão sobre o que se chama de populismo.
Não adianta apenas teorizar sobre o período estudado sem entender como se deu o desenvolvimento da
legislação trabalhista, a exaltação das festas nacionais, os comícios, as greves, a organização dos sindicatos, os
grupos de pressão da sociedade civil, ou seja, todas as práticas que refletiam a interação entre governo e população.

1.1.6 Ianni: colapso do populismo?

Em livro que – assim como O Populismo na política brasileira, de Weffort – já se tornou um clássico sobre
o populismo, Octávio Ianni apontou as características do chamado “ciclo populista” – período de 1930 até 1964 –,
analisando as causas de sua origem e os desdobramentos que levaram ao seu “colapso”, após o golpe militar de 1964.

50
Miguel Bodea, Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Editora da UFRGR, 1992.
51
Carlos Eduardo Sarmento, O Rio de Janeiro na Era Pedro Ernesto, Rio de Janeiro, FGV, 2001.
Se o populismo for visto como uma estratégia para o controle das massas, tal como considera a “teoria da
modernização”, o “grupo de Itatiaia” e mesmo Francisco Weffort – apesar deste último sugerir a existência de
pressões advindas dessas massas sobre o líder populista –, o golpe militar de 1964 pode ser compreendido como um
rompimento da estratégia populista. A partir do momento em que as massas não mais puderam ser dominadas, se
fizeram necessários o golpe de Estado e a imposição da força para mantê-las sob controle.
Por outro lado, caso sejam analisadas as estratégias de governo utilizadas durante a ditadura militar e até
mesmo depois dela, será bem possível que sejam identificadas muitas permanências da chamada política populista. A
propaganda do regime, a criação de legislação trabalhista – como, por exemplo, o FGTS – e o discurso
governamental que objetivava estreitar os laços entre governo e população se mantiveram e se mantêm até hoje na
política brasileira.
Porém, mais importante do que a discussão sobre o colapso ou não do populismo, é a abordagem que Ianni
fez do período em que ele supostamente esteve em voga (1930-1964). A definição que o autor dá ao populismo é a
de um período caracterizado por uma política de substituição de importações; a apresentação do Brasil como uma
potência autônoma; uma política de massas sob o dirigismo estatal; uma política externa independente e, finalmente,
a democracia populista.52
Na visão de Ianni, os anos 1930 assistiram a combinação de interesses econômicos e políticos reunindo o
proletariado, a classe média e a burguesia industrial em prol da industrialização e do desenvolvimento nacionalista.
Nesse sentido, os sindicatos e seus dirigentes foram subordinados pelo governo e reduzidos a instrumentos de
manobras políticas. Tudo isso foi agravado pela forte composição rural-urbana do proletariado, que era conformado,
inexperiente e de um universo cultural atrasado que se refletiu na falta de consciência crítica – como é possível
perceber, Ianni também se baseia na “teoria da modernização”.53
Octávio Ianni chegou a comentar bem rapidamente algumas benesses providas pelo Estado, mas não as
aprofundou como sendo medidas para obtenção de diálogo com a população, tratando-as somente como ações no
intuito de fortalecer a cooptação dos trabalhadores.
Daniel Aarão Reis Filho comenta sobre O colapso do populismo no Brasil fazendo a pertinente observação
de que, “no texto de Octávio Ianni, não existe nenhuma referência à ação consciente dos trabalhadores, à sua
capacidade de elaborar avaliações, cálculos, escolhas”.54 Talvez o ponto que mais suscite discussão na obra de Ianni
é a passividade que ele atribui aos trabalhadores dos anos 1930, que chega a impressionar. Reis Filho é agressivo nas
críticas e termina fazendo um resumo irônico de O colapso do populismo no Brasil:

Aqui estão, subjacentes, sem dúvida, as referências de um certo marxismo-leninismo,


segundo o qual os trabalhadores apenas agem conscientemente, ou, em outras palavras,
somente se constituem como classe quando formulam propostas socialistas
revolucionárias (...). De um lado, do lado dos dominantes, lideranças superconscientes
que, por processos mal esclarecidos, conseguem forjar uma cultura política hegemônica,
52
Octávio Ianni, O colapso do populismo no Brasil, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 3ª ed., 1975, p. 54.
53
Id. 56-57.
54
Daniel Aarão Reis Filho, “O colapso do colapso do populismo ou a propósito de uma herança maldita”. In Jorge
Ferreira (org.), O populismo e sua História: debate e crítica, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 353.
um muro contra o qual nada podem a pertinácia e o talento das propostas alternativas.
De outro: esquerdas iludidas, oportunistas, aprisionadas, engolfadas, desarmadas. No
meio: as massas instrumentalizadas, galvanizadas, manipuladas.55 [grifos do autor]

Segundo Reis Filho, a obra de Ianni se tornou um marco porque levava a crer que a ditadura militar havia
encerrado o período populista e “acordado” as massas trabalhadoras de suas “ilusões populistas”. Isso implicava que
a ditadura levaria ao aumento das contradições do sistema até chegar ao auge da luta de classes. Quando esse
momento chegasse, as massas organizadas, com “verdadeira consciência”, agiriam ativamente no intuito de obter a
satisfação de seus reais anseios. Ou seja, Ianni acendeu uma esperança para o futuro da classe trabalhadora, mas para
isso desqualificou o comportamento popular anterior a 1964: populismo foi sinônimo de manipulação feita pelo
Estado e significou uma ilusão popular.
Sobre o período histórico considerado como “ciclo populista” Reis Filho diz que existiam entre os
trabalhadores duas fortes tradições: a comunista, representada principalmente pelo Partido Comunista; e a trabalhista,
que veio a se solidificar institucionalmente no Partido Trabalhista criado no fim do Estado Novo. Estas tradições não
teriam se afirmado “graças a manobras maquiavélicas de cérebros iluminados, mas porque foram acolhidas e
construídas pelas classes trabalhadoras, muitas vezes de forma subordinada, mas sempre de maneira consciente e
entusiasmada”.56
Daniel Aarão Reis Filho talvez esteja exagerando em sua afirmativa. É impossível medir o “grau de
consciência” do proletariado, principalmente em um período marcado pela censura e pela propaganda em favor do
regime, como se deu no Estado Novo. Porém, o que Reis Filho parece querer destacar é que os trabalhadores dos
anos 1930 tiveram uma postura mais ativa do que a historiografia vem conferindo a eles nas últimas décadas.
Mais uma vez a idéia de massas apáticas e de um líder populista superpoderoso e manipulador é alvo de
críticas. Reis Filho explicita a importância fundamental que tem o período de 1930 a 1964 para compreendermos as
lutas dos trabalhadores brasileiros. Relegar este período a uma fase obscura e indigna do movimento operário, em
que os trabalhadores não seriam mais do que meros fantoches nas mãos do Estado, é abrir mão de compreender o
papel popular no processo de sistematização da legislação trabalhista.
Não estudar os fundamentos históricos e sociais deste processo e, a pretexto de que sofreu uma terrível
derrota política, tentar definir e demonizar bodes expiatórios, distorcer referências, invertendo sinais e mudando
nomes, é pavimentar o caminho para novas – e graves – incompreensões e derrotas.57

1.1.7 Trabalhismo, um novo viés?

Ângela de Castro Gomes, em meados dos anos 1980, na obra intitulada A invenção do trabalhismo58,
abandonou a utilização do termo populismo e adotou o trabalhismo como um novo conceito a respeito da relação do
líder político com os trabalhadores das cidades.

55
Id., ibid., p. 356.
56
Id., ibid., p. 373.
57
Id., ibid., p. 374.
Aperfeiçoando o conceito de “aliança” sugerido por Weffort, Gomes procurou associar a relação entre o
chefe do executivo federal e os trabalhadores como uma troca, em que a legislação trabalhista foi o meio de
convencimento para que a população apoiasse Vargas como se tivesse uma dívida moral com ele.
Ela nomeou essa estratégia governamental como sendo a “lógica do dar-receber-retribuir”, que funcionava
da seguinte forma: o governo apresentava a legislação do trabalho como uma doação feita pelo Estado para os
trabalhadores, como se eles não tivessem lutado historicamente para adquirir tais direitos, mas os recebido na forma
de dádiva.
A propaganda do regime funcionava como meio de construir a imagem de Getúlio Vargas como o homem
responsável por essa doação, uma premissa que, se tornando verdadeira, acabava criando um vínculo emocional dos
trabalhadores com o chefe do governo, que passava a ser visto como um “bom homem” ou, como a historiografia se
convencionou a chamá-lo: o “pai dos pobres”.
Dessa forma, recebendo essas “benesses” do “bom homem” do governo, o trabalhador se via quase que
moralmente obrigado não só a colaborar com seu beneficiário como também a atendê-lo no que fosse necessário.
Assim, Vargas conseguia ganhar popularidade e, conseqüentemente, credibilidade junto à população pobre e
necessitada.
Logo, o trabalhismo utilizado por Ângela de Castro Gomes foi uma estratégia adotada por Vargas ao longo
do Estado Novo e que se solidificou mais efetivamente durante a estadia de Marcondes Filho frente ao Ministério do
Trabalho, de 1942 a 1945. O objetivo foi criar um vínculo emocional entre Vargas e os trabalhadores com o fim de o
presidente obter o apoio e, mais do que isso, a gratidão popular, tendo em vista a redemocratização que estava por
vir.
Jorge Ferreira concorda com Ângela de Castro Gomes, não só no que diz respeito à execração do termo
“populismo”, mas também reafirmando o que sua colega dissera a respeito do trabalhismo:

Sobretudo a partir de 1942, a formulação do projeto trabalhista contribuiu, de


maneira decisiva, para configurar uma identidade coletiva da classe trabalhadora (...). No
caso brasileiro, como em outros, tratou-se de uma relação, em que as partes, Estado e
classe trabalhadora, identificaram interesses comuns.59 [grifos do autor].

O enfoque de Castro Gomes e Ferreira, no entanto, decorre da periodização adotada por ambos, isto é, de
que o trabalhismo data de 1942 em diante. Porém este tem suas raízes bem antes do ano mencionado, pois, a nosso
ver, Pedro Ernesto, prefeito do Rio de Janeiro no início dos anos 1930, foi o precursor das estratégias adotadas por
Vargas durante o Estado Novo.

58
Ângela de Castro Gomes, A invenção do trabalhismo, 3ª Ed., Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005.
59
Jorge Ferreira, “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”. In O populismo e sua História: debate e
crítica, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 103.
A análise mais detida dos acontecimentos da década de 1930 irá clarear essa afirmativa. Mas, por enquanto,
as atenções devem estar voltadas para a compreensão teórica dos autores que trataram do período, a fim de entender
suas relações com as pretensões do presente trabalho.
O essencial nesse trecho citado de Jorge Ferreira é perceber que, assim como Gomes, ele evita o uso da
palavra “populismo”, a substitui por “trabalhismo” e traça uma nova visão da relação entre governante e governados,
não mais como relação de superioridade e manipulação do líder político quanto aos trabalhadores.
Ferreira aproveita para criticar a noção de classe operária não-consciente, atribuída por muitos historiadores
aos trabalhadores dos anos 1930, e a idéia de que a máquina propagandista do governo teria por si só imposto a
simpatia pelo regime. Na visão dele o trabalhismo, compreendido como um conjunto de experiências políticas,
econômicas, sociais, ideológicas e culturais, expressou uma consciência de classe, legítima porque histórica. Por este
enfoque, “os trabalhadores, ‘ao viverem sua própria história’, deixam de ser considerados simples objetos de
regulamentação estatal. O projeto trabalhista, para ser compreendido e aceito, não pode ignorar o patrimônio
simbólico presente na cultura política popular”. O sucesso do trabalhismo, portanto, não foi arbitrário, e muito menos
imposto pela propaganda política e pela máquina policial.60
É certo que o operariado não era acéfalo. Mas o que não pode ser esquecido é a existência de sindicatos
dirigidos por pelegos, sob intervenção do governo e controlado através de uma rígida legislação. Portanto, se não
devemos radicalizar dizendo que o proletariado era amorfo, também não podemos ignorar a influência que a
propaganda do Estado Novo, muito bem articulada, exercia sobre os trabalhadores.
O “trabalhismo” de Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira, como é possível perceber, é passível de
algumas críticas. Mesmo assim, ele não deixa de ser um conceito interessante, principalmente por enxergar a
população urbana de maneira muito mais ativa do que propôs Otávio Ianni, o grupo de Itatiaia e Francisco Weffort.
Sem dúvida parece uma forma mais adequada para se estudar o comportamento dos trabalhadores dos anos 1930.
Porém, a aversão adquirida pelos dois historiadores em relação ao termo “populismo” não se justifica.
Talvez por discordarem da forma como foi construída a definição do populismo pelas gerações antecessoras ou pelos
inúmeros significados que essa palavra ganhou nos dias atuais, buscaram um novo conceito, uma nova forma de se
definir a relação entre o líder político e seus governados durante o período chamado de “ciclo populista”.
O importante é, independente dos nomes dados aos fenômenos estudados – “populismo” ou “trabalhismo”
–, que eles sejam compreendidos para que a produção científica possa avançar ainda mais no estudo desse importante
período da História do Brasil que são os anos 1930.

1.1.8 Movimento de 1930: significados para a historiografia

Para que seja possível analisar a trajetória de Pedro Ernesto, sua atuação como interventor e, mais tarde, na
qualidade de prefeito eleito, é preciso avaliar, antes, algumas contribuições historiográficas sobre o significado da
chegada de Getúlio Vargas ao poder em 1930.

60
Id., p. 103.
O Estado brasileiro de 1930 tinha a responsabilidade de dar uma resposta às pressões de diversos grupos
sociais que, desde o início da década de 1920, demandavam mudanças. O movimento tenentista é classicamente
citado como sendo a expressão maior da insatisfação com o governo da “República Velha”, porém convém lembrar
que o movimento operário e boa parte da sociedade urbana também defendiam a reformulação da maneira como a
oligarquia paulista lidava com problemas tais como a industrialização e a relação com os trabalhadores.
Nessa perspectiva, Vargas chegava ao poder com a necessidade de buscar uma nova maneira de se
relacionar com os trabalhadores e criar uma estratégia para que o país entrasse de forma mais efetiva no capitalismo
industrial. Restava ao presidente tentar inovar, atendendo a reivindicações há muito em pauta, mas sem promover
mudanças radicais que prejudicassem seu relacionamento político de modo a comprometer a base de sustentação de
seu governo. Vargas assumia tendo que construir seu caminho com cuidado e atenção redobrados.
Convém novamente frisar que Getúlio Vargas, nos primeiros anos de seu governo, não tinha ainda a
imagem que veio a criar posteriormente, principalmente no Estado Novo. Sua popularidade ainda não impressionava
– inclusive, na eleição de 1929, havia tido menos votos na capital da República do que seu concorrente Júlio
Prestes61 – e sua capacidade de governar o país era questionada no meio político. Sua estadia no Palácio do Catete
era bastante contestada e ele precisava arquitetar uma base de sustentação que garantisse sua estabilidade na
presidência.
A “Revolução de 1930” abriu oportunidades para o surgimento de novos líderes políticos, não só por causa
da contestação de muitas das tradicionais lideranças da “República Velha”, mas também, talvez principalmente, pelo
temor que muitos políticos de nome tiveram de se lançarem à frente de um movimento que não sabiam se daria certo.
Homens como Vargas, Pedro Ernesto, Juracy Magalhães, João Alberto, entre outros, buscavam uma chance
de tomarem a frente da condução política do país. Essa oportunidade apareceu durante o movimento de 1930. Os
significados desse momento histórico têm inúmeras interpretações por parte da historiografia: uns defendem o
caráter real de revolução aos eventos; outros dizem que “outubro de 1930” foi fruto somente de uma cisão
oligárquica; outros ainda que significou uma crise de poder que deu origem a um Estado bonapartista (como sugerem
Bóris Fausto e Francisco Weffort).
Edgard De Decca diz que é necessário “desmontar os mecanismos pelos quais os discursos políticos
produziram este fato histórico visando sua própria legitimação”.62 Ele afirma que essa memória histórica – que
lembra 1930 como um ano revolucionário – foi produzida pelo discurso governamental ao longo dos anos trinta e diz
ser necessário elaborar um contra-discurso que assuma a ótica e a dimensão simbólica de outros grupos sociais sobre
esse momento histórico.

61
Foi uma das poucas vezes na História que a capital da República deu mais votos à situação do que à oposição, no
que tange aos pleitos presidenciais. Ver Jairo Nicolau, História do voto no Brasil, Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editora, 2004. Apesar das fraudes eleitorais poderem ter influenciado nos números finais dessas eleições, inclusive
no resultado final de votos da capital da República, é certo de que Vargas não possuía unanimidade no Rio de
Janeiro; pelo contrário, Júlio Prestes possuía apoio muito significativo. Ver Michael L. Conniff, Política urbana no
Brasil: a ascensão do populismo, 1925-1945, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2006
62
Edgard de Decca, O silêncio dos vencidos, São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 16
Outros autores elaboraram contribuições importantes sobre a natureza dos eventos de outubro de 1930. José
Honório Rodrigues, em obra clássica63, os vê como sendo resultado da intransigência da elite dominante com os
opositores e da exclusão de segmentos das elites estaduais do poder, que por este motivo teriam se organizado para
chegar ao governo.
Cecília Spina Forjaz e Boris Fausto compartilham a mesma visão. Ambos acreditam na existência de um
“Estado de compromisso”64, defendendo a idéia de que a “revolução de 1930 destruiu a hegemonia da burguesia
cafeeira, mas nenhum outro setor das classes dominantes teve condições de assumi-la”.65
Já Vitor Nunes Leal, em Coronelismo, enxada e voto, vê os anos 1930 de forma positiva, como sendo o
momento decisivo para a decadência coronelista decorrente da industrialização, do aperfeiçoamento da Justiça
Eleitoral, da urbanização e da inauguração de uma real competição pluripartidária – esta apenas mais tarde, a partir
de 1945 –, mas não analisa profundamente os eventos em si.
Raymundo Faoro, numa perspectiva diferente de seu colega acima, enxerga a dita “Revolução de 1930”
como uma revolução “antes que o povo a fizesse”. A urbanização teria sido sim um dos fatores do enfraquecimento
do coronelismo, mas a nação teria continuado a ser governada por um grupo fechado, dessa vez sob a égide
autoritária. Haveria, no Brasil, uma compatibilidade entre o capitalismo moderno e o quadro tradicional, com o
Estado se mantendo independente da nação – separação entre sociedade civil e sociedade política.66
Paulo Prado, filho de cafeicultores paulistas, tem uma visão bem própria de seu grupo social a respeito de
1930. Seu Retrato do Brasil67 descreve um país com sérios problemas herdados do período colonial. É um relato
marcado por críticas à corrupção das elites e ao comportamento inerte dos demais grupos sociais. Apesar de pregar
mudanças urgentes para o Brasil, Prado se decepciona com os eventos de 1930, vendo eles como uma simples luta
pelo poder que nada agregaria de positivo às reais necessidades de desenvolvimento do país – o enfraquecimento do
grupo social do autor, os cafeicultores paulistas, sem dúvidas influenciou tal opinião.
Para Elisa Maria Reis a expansão do poder público se deu de forma crescente desde a “República Velha”,
mesmo que ainda dentro de um contexto oligárquico. Segundo ela, “a elite agrária nacional passa de uma defesa
ardente do laissez-faire a uma adesão aberta à regulação do mercado pelo Estado”68, com o fim de obter vantagens
disso; porém, contraditoriamente, o poder do Estado acaba ganhando mais espaço frente ao poder local. Desta forma
a chamada “Revolução de 1930” marcaria o momento chave da consagração do poder público frente aos

63
José Honório Rodrigues, Conciliação e Reforma no Brasil: um desafio histórico-cultural, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1965.
64
A idéia do Estado como árbitro é bastante criticada principalmente por autores reconhecidamente marxistas, como
Sonia Regina de Mendonça. Tal perspectiva acabaria esvaziando a luta de classes, já que a partir do momento em
que o Estado não representa classe nenhuma, logo não estabelece uma dominação de uma classe sobre a outra. Sobre
a posição de Mendonça em relação à crise da década de 1920 e o movimento de 1930 ver Sonia Regina de
Mendonça, “Estado e sociedade: a consolidação da República Oligárquica”. In Maria Yedda Linhares (org.),
História Geral do Brasil, Rio de Janeiro, Campus, 1990.
65
Maria Cecília Spina Forjaz, Tenentismo e forças armadas na Revolução de 1930, Forense Universitária, 1ª Edição,
1989, Rio de Janeiro, p. 6.
66
Raymundo Faoro, Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, 3ª ed., São Paulo, Globo, 2001.
67
Paulo Prado, Retrato do Brasil. Ensaio sobre a tristeza brasileira, 3ª ed., São Paulo, Cia. das letras, 1997.
68
Elisa Maria Pereira Reis, “O Estado nacional como ideologia: o caso brasileiro”, Processos e Escolhas: estudos de
sociologia política, Rio de Janeiro, Contracapa, 1998, p. 77.
particularismos locais. Porém isso não significou uma democratização do Estado e sim que este “passava a atuar
como avalista da coalizão de poder que acomodava as elites agrárias tradicionais e o setor industrial emergente”.69
Há ainda autores que constituíram o pensamento autoritário brasileiro ao longo da República Velha e que
foram utilizados para dar legitimidade ao governo, que estava bastante enfraquecido e que iniciava uma trajetória de
centralização que culminaria no Estado Novo. Oliveira Viana não só foi fundamental na formulação teórica, como
veio a participar do governo de Vargas.
Viana enxergava 1930 como a oportunidade do Estado retomar o controle do país. Para ele, pela via
autoritária deviam ser estabelecidos os princípios fundamentais para o desenvolvimento nacional, promovendo o
bem coletivo em contraposição aos interesses particulares, que tinham tido mais importância durante a “República
Velha”.70
Porém, talvez a avaliação mais precisa sobre a natureza do que aconteceu no final dos anos 1920 e início da
década seguinte tenha sido a de Wanderley Guilherme dos Santos:

A resposta repressora do laissez-faire brasileiro (...) era, ao mesmo tempo, inevitável


e suicida. Inevitável em razão da rigidez ideológica da elite e da estrutura dos recursos
disponíveis, e suicida em virtude da impossibilidade de garantir a acumulação pela pura
e simples via da coação. Tornava-se indispensável uma mudança na composição da
elite, ou, pelo menos, em parte dela, que permitisse a renovação do equipamento
ideológico com que se enfrentava o problema da ordem econômica e social, em
primeiro lugar, e, como corolário, que se alterassem as normas que presidiam o processo
de acumulação e a relações sociais que aí se davam. Este programa será realizado, a um
ritmo verdadeiramente vertiginoso, pela revolução de 30.71 [grifos meus]

A principal meta do movimento de 1930, para Santos, não seria promover mudanças estruturais no país, mas
reformas que estavam sendo vistas como necessárias a fim de se criar uma nova relação – mais amistosa e com mais
diálogo – com os grupos que não estavam na cúpula do poder: os trabalhadores. Somente através de tais reformas é
que a ordem seria mantida e a possibilidade de uma revolução social diminuída. Ao mesmo tempo, com a introdução
de novos homens na cúpula decisória da política nacional, o objetivo seria diminuir a influência dos interesses
agrários – diminuir, não eliminar –, dar mais atenção ao crescimento urbano e estabelecer medidas que apoiariam,
estimulariam e organizariam a produção industrial.
Logo, podemos concluir que o movimento de 1930, embora tenha inaugurado um momento histórico repleto
de mudanças e com diferenças acentuadas em relação ao período antecedente da História do Brasil, não pode ser
visto como uma revolução. O que houve foi uma cisão entre as elites governantes do país. Algumas figuras novas
apareceram na liderança desse processo histórico, mas quase todas elas tinham algum vínculo com a ordem existente
anteriormente.

69
Id., ibid., p. 82.
70
Francisco José Oliveira Vianna, Instituições Políticas Brasileiras, Rio de Janeiro, Record, 1974, 3ª Ed.
71
Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e Justiça. A política social na ordem brasileira, 2ª Ed., Rio de
Janeiro, Campus, 1987, p. 67.
Não ocorreram medidas entendidas como drásticas. Pelo contrário, podemos observar várias continuidades
nos primeiros anos do governo de Getúlio Vargas quando comparado aos governos da República Velha – inclusive o
uso de violência contra os trabalhadores. O novo presidente não promoveu rupturas profundas na estrutura política e
econômica do país, mas paulatinas reformas.
Os adeptos à idéia de que 1930 foi uma “revolução” justificam esse posicionamento afirmando que o Brasil
é um país tão conservador – tendo em vista a longa permanência de oligarquias de mesma linhagem familiar, desde o
período colonial – que reformas sistemáticas já devem ser entendidas como revolucionárias. O populismo, por sua
vez, permitiu ganhos sociais importantes, chegando a ter cunho revolucionário – como as medidas de João Goulart,
na década de 1960, por exemplo. Caso as ousadas “reformas populistas” de Goulart sejam vistas como as causas do
golpe militar de 1964, e este seja entendido como contra-revolucionário, logo o populismo de “Jango” não pode
deixar de ser conceituado como revolucionário.
Cabe a estudos posteriores continuar esse sadio debate a fim de obter cada vez melhor compreensão sobre o
“golpe”, a “cisão” ou a “revolução” que ocorreu em 1930. O mais importante para o presente trabalho é perceber que
tais eventos trouxeram para os dias subseqüentes a necessidade da realização de mudanças na forma de se governar o
país. Após a tomada do poder, era preciso apresentar algo novo, mas existiam várias alternativas de ação, não
havendo um projeto único de governo. Assim, as novas lideranças políticas – que se mesclaram aos antigos líderes
políticos nacionais – iniciaram uma verdadeira batalha para estabelecer de quem seria a direção e qual seria o novo
rumo político do Brasil.
Para finalizar essa curta análise sobre o caráter do movimento de 1930, nada melhor que as palavras de
Pedro Ernesto, em discurso sem data certa – provavelmente entre 1931 e 1934 –, por ocasião da inauguração de uma
obra:

Esse imenso movimento de revolta que sacudiu o país, em 1930, foi, todos bem o
sabemos, mais a expressão da indignação do Brasil contra os erros e mistificações do
regime político em que vivemos, do que a impetuosa e violenta imposição de uma nova
ideologia ou uma nova teoria política.
Por isso mesmo, tornou-se praticamente impossível construir um programa de bases
ideológicas renovadas para o período discricionário apesar das inúmeras tentativas dos
revolucionários.
Seria, entretanto, inexato afirmar-se que os anseios e aspirações revolucionárias não
eram suscetíveis de nenhuma concretização prática. A ausência de lastro ideológico para
a construção teórica de um Estado revolucionário, não queria dizer que faltasse à
revolução todo e qualquer rumo. Esses rumos se afirmavam pela imposição imperiosa da
mais escrupulosa probidade administrativa, por uma sede desesperada de justiça, pelo
reconhecimento vitorioso da igualdade de todos os brasileiros, e por uma expectativa
angustiosa de serviços públicos que ao Estado cabia prover, para o bem-estar da
coletividade. 72

72
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, fot. 894.
Este trecho de discurso de Pedro Ernesto revela várias facetas do movimento dito revolucionário. Não
houve a imposição de uma nova ideologia ou teoria política, tampouco a construção de um programa de bases
ideológicas renovadas. Logo, parece claro que não havia a intenção de mudanças estruturais. As palavras do prefeito
deixam transparecer que havia a necessidade de mudança: mais justiça, igualdade e probidade administrativa. Para se
atingir tais metas, as instituições deveriam passar por reformas de sentido prático, que realmente aconteceram de
forma bastante significativa.
Mas é certo também que, por exemplo, o café continuou sendo um dos principais produtos das exportações
brasileiras, os trabalhadores permaneceram longe da cúpula política decisória, uma oligarquia continuou no
comando, ou seja, as permanências foram tão importantes quanto as mudanças. A estratégia de dominação foi
modificada de forma radical, é verdade, mas os princípios de exclusão e domínio foram mantidos. A violência
paulatinamente foi dando lugar ao diálogo, mas sempre com o trabalhador mantido no seu devido lugar.
Cabe uma observação mais detida sobre o final do discurso de Pedro Ernesto citado: o que vemos é uma
clara proposta de diálogo com a população. O Estado, nas palavras de Pedro Ernesto, é apresentado como provedor.
Os anos ditos pós-revolucionários estavam sendo apresentados como uma nova era, em que a violência seria
substituída pelo discurso de “bem estar da coletividade”.
O ano de 1930 inaugurou um momento de disputas políticas abertas, de necessidade de inovações e
mudanças e de uma competição sobre a melhor forma de congregar as necessidades de grupos sociais distintos. Um
desses grupos, cujos interesses deveriam ser levados em conta, era o dos trabalhadores urbanos: nunca na história do
país havia se dado tanta importância às demandas deles, que aumentavam numericamente de maneira acelerada e
que, por isso, tiveram seu apoio disputado ferrenhamente nos anos que se seguiram.

1.2 Questões teóricas


1.2.1 A “teoria das elites” e os anos 1930

Tomando como referência o Dicionário de Política, de N. Bobbio, ao se observar o verbete destinado à


“Teoria das Elites” é possível obter informações que muito ajudam à compreensão dos anos 1930. Essa teoria,
discutida e rediscutida inúmeras vezes por vários autores importantes, pode ser resumida, em linhas gerais, como a
teoria segundo a qual, em cada sociedade, “o poder político pertence sempre a um restrito círculo de pessoas: o poder
de tomar e de impor decisões válidas para todos os membros do grupo, mesmo que tenha de recorrer à força, em
última instância”.73
Partindo da definição de Mosca, temos o pressuposto de que:

em todas as sociedades (...) existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a


dos governados. A primeira, que é sempre a menos numerosa, cumpre todas as funções
públicas, monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estão anexas; enquanto que a
segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira, de modo mais ou menos

73
Norberto Bobbio et all., Dicionário de Política, 4ª Ed., Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1992, p. 385.
legal ou de modo mais ou menos arbitrário e violento, fornecendo a ela, ao menos
aparentemente, os meios materiais de subsistência e os que são necessários à vitalidade
do organismo político.74

A conclusão mais importante a se retirar a partir da citação acima é a de que em toda sociedade sempre
haverá um grupo minoritário beneficiado pelo poder de decisão, enquanto a maioria sempre estará submetida às
decisões desse grupo restrito denominado elite. Nessa ótica, o movimento de 1930 deve ser entendido como a
substituição parcial ou total de uma elite por outra.
Apesar de novos nomes ganharem projeção na política nacional, pouquíssimos foram os que chegaram a tal
status partindo de níveis baixos da escala social. Essa mistura de velhas com novas lideranças caracterizou a política
da década de 1930, o que leva à conclusão de que, se houve troca de elite, isso se deu somente de modo parcial – o
que consolida a afirmação de que o movimento de 1930 não foi uma revolução e sim uma ação reformista de parte da
elite dirigente, em decorrência da necessidade de uma mudança na estratégia de governar o país.
A revolução “antes que o povo a fizesse”, portanto, acabou não sendo de fato uma revolução. O grupo que
assumiu o poder procurou logo entrar em negociação com o grupo derrotado, tanto que, após a pressão imposta pela
“Revolução Constitucionalista” de 1932, começaram os trabalhos para a reconstitucionalização do país.
As novas estratégias e métodos que a “nova” elite usou para se relacionar com a população, além da maior
atenção com a industrialização e urbanização do país, não devem ser confundidas com mudanças estruturais
significativas. Não ocorreram grandes rupturas, mas acomodação de forças.

(...) em toda sociedade organizada, as relações entre indivíduos ou grupos que a


caracterizam são relações de desigualdades (...). O poder tende a ficar concentrado nas
mãos de um grupo restrito de pessoas (...), uma minoria [que pode competir entre si],
mas que têm ligames entre si e são solidários pelo menos na manutenção das regras
do jogo (...).75 [grifos meus]

A quebra das “regras do jogo”, se ocorreu de fato alguma vez – talvez na pressão pela saída de Washington
Luís –, não chegou a durar muito tempo. Isso porque a manutenção delas era vital para a continuação da elite
dirigente no poder e a contenção de possíveis manifestações populares. A preservação da ordem e dos bons costumes
sempre foi uma assertiva utilizada com sucesso pela elite a fim de manter seu comando sobre a maioria da
população, evitando qualquer tipo de ameaça de subversão do status-quo.
A competição entre si, que existe dentro da cúpula do poder, não deve de modo algum se expandir para
além desse círculo. Diante de qualquer tipo de tentativa de revolução popular, a concorrência entre os membros da
elite na mesma hora se encerra dando lugar a uma solidariedade e união impressionantes.

74
Id., ibid.
75
Ibid., p. 391.
Outro ponto a abordar é a questão de como se daria essa divisão entre uma elite dominante e uma maioria
dominada. Segundo Michels, a grande chave é a organização, que seria a “mãe do predomínio dos eleitos sobre os
eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os delegantes. Quem diz organização diz
oligarquia”.76
Tal perspectiva traz, por analogia, a idéia de que os trabalhadores nos anos 1930 estavam menos
organizados do que as elites, o que os teria levado a serem sobrepujados por ela. Porém, isso não corresponde à
realidade, já que desde o início da República e, principalmente, a partir da segunda década do século XX, é
observável que a organização dos movimentos anarquista e sindicalista adquiriram uma força formidável e crescente
grau de organização – como mostraram as greves de 1917 e 1918, por exemplo, em São Paulo e no Rio de Janeiro,
respectivamente.
Michels avança a um segundo ponto, agora sim esclarecendo o porquê da vantagem da elite sobre os
trabalhadores. O grande trunfo seria estar no controle das principais instituições do país, o que hoje em dia
poderíamos chamar de “máquina do governo”, que teria possibilitado a reprodução do status-quo e a manutenção de
parte da elite da República Velha no poder durante os anos 1930 – com as ressalvas já assinaladas.
As palavras de Santos estão de acordo com o pensamento de Michels a respeito da elite, criticando a idéia,
defendida por Mosca e Pareto, de que naturalmente haveria um grupo que se sobreporia aos outros na busca por
postos de comando. O movimento seria o contrário, com as instituições justificando e articulando o domínio:

São as organizações e instituições de poder que convertem seus ocupantes em uma


elite, destacando-os da base social ou do público a que teoricamente deveriam
obediência, e não o inverso. As instituições de poder se transformam em instituições de
elite não porque vêm a ser ocupadas por seres particularmente distinguidos, mas porque
os distinguem. Em outras palavras, as elites não são, naturalmente, segregadas, e
filtradas pela sociedade, mas produzidas pelas próprias instituições, sejam as instituições
econômicas, sejam as burocrático-administrativas, públicas e privadas, sejam as
políticas.77

Logo, uma vez constituídas as principais instituições da sociedade, automaticamente seus membros se
tornariam uma elite – um grupo fechado ou quase fechado – que se propagaria no poder sempre utilizando estratégias
para a manutenção da ordem vigente.
O que ocorreu nos anos 1920 foi a falência de uma dessas estratégias e a necessidade da substituição parcial
da cúpula dessa elite – substituídos por outros membros da mesma elite, que não estavam no centro do poder –
devido à incapacidade dos dirigentes de modificarem sua forma de agir, o que poderia levar a uma verdadeira
revolução social.
Percebe-se, mais uma vez, a natureza reformista do movimento de 1930. Radicalizações que colocassem a
ordem existente em xeque não seriam admitidas. Daí pode ser compreendido o temor que muitas instituições

76
Michels apud Bobbio, Norberto Bobbio et all., Dicionário de Política, 4ª Ed., Brasília, Editora Universidade de
Brasília, 1992, p.386.
conservadoras – como a Igreja Católica – tinham em relação a lideranças populares que ameaçavam aprofundar as
reformas, como Luís Carlos Prestes, por exemplo.
A eliminação política de Pedro Ernesto, além da ameaça que representava sua popularidade para o governo
federal, entrou no bojo desse medo que a elite e suas instituições tinham do excesso de proximidade do líder
municipal com os trabalhadores; isso em um momento delicado, em que ocorreu a elaboração de uma nova estratégia
de dominação. Os inimigos do prefeito não se cansaram de criticar a proximidade dele com a população pobre,
chegando a acusá-lo, por isso, de comunista.
Cabe ainda citar Ralf Dahrendorf, autor que defende “que é a autoridade e não a propriedade, ou seja, o
poder de comando, que consegue obediência e é a causa da formação das classes sociais, das desigualdades e dos
conflitos”.78 Tal afirmação justifica o carisma populista, expressão que, por muito tempo, a historiografia brasileira
colocou num pedestal como fonte explicadora do sucesso de Vargas e de outros políticos ditos populistas. Hoje
acontece o contrário, com o esvaziamento do carisma em prol da visão que privilegia a resistência e a ação da
população frente ao líder populista – influência da História Cultural, principalmente de E. P. Thompson .
Talvez seja mais realista buscar um meio-termo: nem creditar tanto no poder do “carisma populista” nem
esvaziar totalmente sua importância. É claro que nos anos 1930 havia toda uma sólida estrutura de governo,
utilizando inúmeros recursos para manter a popularidade do presidente; e é certo também que havia resistência por
parte da população, que não era meramente manipulada. Porém, o carisma pessoal do líder político – seja ele Vargas,
Pedro Ernesto ou outro qualquer – tem, sem dúvida, seu valor. A autoridade que o carisma conquista é tão ou mais
importante quanto a propriedade no mundo das relações sociais.
A aplicação da “teoria das elites” parece ser a mais adequada no estudo da década de 1930. Negativamente,
o que as várias teorias elitistas têm em comum é, por um lado, a crítica da ideologia democrática radical, segundo a
qual é possível uma sociedade em que o poder seja exercido efetivamente pela maioria e, por outro lado, a crítica da
teoria marxista, segundo a qual, estando o poder ligado à propriedade dos meios de produção, é possível uma
sociedade fundada sobre o poder da maioria, ou seja, sobre o poder de todo o povo, desde o momento em que a
propriedade dos meios de produção seja coletivizada.79
A ideologia democrática radical e a teoria marxista têm seus adeptos, mas, entre os exemplos históricos que
podem sustentá-las não está o que gira em torno dos anos 1930. A existência de uma elite que detém maior influência
– apesar de não ter monopólio total – na direção do processo político brasileiro é inegável.

1.2.2 A burocracia como instrumento dos regimes políticos

É claro que temos sempre que ter em mente que os tipos puros de dominação explicados por Weber80, como
o próprio nome sugere, são idealizações que não existem realmente, mas apenas combinados. Weber parte da análise

77
Santos, op. cit., p. 53
78
Dahrendorf apud Bobbio. Norberto Bobbio et all., Dicionário de Política, 4ª Ed., Brasília, Editora Universidade de
Brasília, 1992, p. 390.
79
Bobbio, op. cit., p. 391
80
Max Webber, “Burocracia”. In H. H. Gerth e C. Writgh Mills (org.), Marx Weber – ensaios de Sociologia, Parte
II: Poder, cap. VIII, Rio de Janeiro, Guanabara, 1982.
individual – premissa básica de sua “sociologia compreensiva” – para chegar ao coletivo e, desse modo, estabelece
que somente no Estado Moderno há uma diferenciação entre privado e público.
Um mecanismo chave para essa diferenciação é a criação de uma burocracia impessoal, especializada, que
receba salário periodicamente e galgue uma carreira dentro de suas funções. Tal burocracia só pode vir a existir após
o surgimento de uma economia monetária que possibilite o recolhimento de tributos de maneira constante e estável.
Dessa forma, seria possível a previsão de gastos e receitas e, conseqüentemente, viável o pagamento dos funcionários
do Estado, constituindo uma burocracia duradoura.
A importância da burocracia é fundamental para todo e qualquer governo. Pedro Ernesto sabia disso e
aplicou tal conhecimento na construção dos pilares de sua administração frente à prefeitura do Distrito Federal. Uma
de suas primeiras atitudes, quando assumiu o governo, foi promover a profissionalização da burocracia, criando pisos
e tetos salariais, plano de carreira e, principalmente, as primeiras leis trabalhistas para os funcionários municipais,
dentre as quais podem ser destacadas a lei de férias, licença maternidade, assistência médica, entre outras.
A fim de fortalecer sua administração se escorando na burocracia, Pedro Ernesto estabeleceu a Polícia
Municipal, construiu hospitais e colégios públicos e obteve autonomia para o Rio de Janeiro frente ao governo
federal. Dessa forma, ele se cercou de instituições sólidas, sob seu controle e com homens de confiança ocupando
cargos de chefia.
Uma série de instituições deu o apoio e o sustento necessários para que o prefeito levasse à frente seu
projeto inovador. Mas tal sucesso não seria alcançado se ele não tivesse obtido a simpatia dos funcionários públicos
de um modo geral, que exerciam diretamente as atividades que subsidiavam o funcionamento do Estado. Foi aí que
as leis trabalhistas ocuparam papel fundamental, gerando um sentimento de gratidão que estimulou a cooperação da
burocracia em prol do sucesso do governo municipal.
Essa gratidão pode ser vista em numerosos momentos. A manifestação popular na ocasião da soltura de
Pedro Ernesto – em 1937, depois de sua prisão no ano anterior – e, posteriormente, a comoção que houve em sua
morte, em 1942, já falariam por si. Mas podemos ainda citar: a grande manifestação de 31/12/1932 no Campo de
Santana81, de agradecimento dos trabalhadores pelas leis trabalhistas de 1932; a carta de repúdio82 aos jornais O
Diário da Noite e O Globo, assinada por diversas associações de trabalhadores recomendando o boicote a esses
jornais, que estariam caluniando o prefeito; e ainda a carta83 dos funcionários públicos municipais a Góis Monteiro,
em 1939, pedindo que ele usasse de sua influência junto a Vargas para trazer Pedro Ernesto de volta à prefeitura.
Essa idéia da importância da burocracia, tal como proposta por Weber, encontrou ecos na historiografia
brasileira. Apesar da necessidade vista pelo pensador alemão da neutralidade burocrática para o sucesso do
governante, é mais prudente compartilharmos da visão de Santos sobre o caso brasileiro, nunca perdendo de vista a
década de 1930:

Max Webber, “Os três tipos puros de dominação legítima”. In Gabriel Cohn (org.), Max Weber: Sociologia, São
Paulo, Ática, 1982 (Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 13).
Max Webber, “Sociologia da Dominação”. In Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva,
Brasília, Editora da UNB, 1991, vol. 2.
81
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, de 01/01/1933.
82
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 553 e 554.
As elites decisórias não operam o aparelho de Estado de acordo apenas com sua
vontade, justamente porque a idéia de que o aparelho de Estado – burocracias, grupos
técnicos, assessorias – é neutro não se adequa à realidade. As burocracias estatais são,
por vezes, suficientemente fortes quer para sabotar um plano governamental, quer para
garantir o funcionamento mais ou menos normal do Estado enquanto a estrutura política
mais visível está sendo destroçada por conflitos de grande magnitude e intensidade.
(...) Pela mesma razão, elevada taxa de renovação da elite política não garante,
automaticamente, que se produzirão mudanças consideráveis na orientação das decisões
políticas. Tudo depende da autonomia do aparato estatal, enquanto organização, o
qual pode se tornar um obstáculo à mudança, ou , alternativamente, uma fonte
geradora de mudanças. Não existe, pois, uma relação simples e direta entre a
renovação da elite política (ou mudança em suas opiniões) e mudanças nas decisões
políticas específicas.84 [Grifos meus]

Logo, mais importante do que o próprio governante é a burocracia que dá sustentação ao governo dele. Os
nomes que comandam mudam, mas a base permanece praticamente a mesma. A estrutura do serviço público tende a
se manter por um longo prazo, com os funcionários realizando seu serviço independente de quem está no poder. É
claro que, de acordo com as pressões e iniciativas do chefe do executivo, essa independência se torna relativa, porém
é certo de que é muito mais difícil alterar o comportamento do imenso grupo de funcionários do Estado do que trocar
o homem que está no comando.
Os esforços de Pedro Ernesto se deram nesse sentido: assim que ele conquistasse o apoio do funcionalismo
do Distrito Federal, mais fácil seria a implementação das mudanças que ele julgava necessárias.
A despreocupação com a burocracia pode levar idéias inovadoras ao fracasso. O apoio burocrático é
fundamental. Logo, a necessidade de auto-afirmação do prefeito – ainda mais em tempos de tanta disputa pelo poder,
como foram os anos que se seguiram ao movimento de 1930 – passava pela estratégia de obter a adesão dos
funcionários municipais a seus projetos públicos por meio do oferecimento de uma série de benefícios a eles.
A burocracia municipal foi ampliada e reestruturada com a construção de diversos hospitais e colégios, o
que, inclusive, fez a oposição acusar Pedro Ernesto de estar criando uma rede de “cabide de empregos” para aliados.
O sucesso do governo dependia, em grande parte, da atuação dos funcionários públicos. Por isso o
trabalhismo de Pedro Ernesto iniciou-se por eles.

1.2.3 A formação de intelectuais orgânicos

Antonio Gramsci85 propõe a conquista do Estado através da chamada “Guerra de Posição”. A conquista do
consenso se daria a partir da atuação do que Gramsci chama de intelectuais orgânicos, a forma mais eficaz de se
conquistar a hegemonia86 no Ocidente.

83
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 637.
84
Santos, op. cit., p. 61-63.
85
Antonio Gramsci, A concepção dialética da História, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1987.
O “intelectual orgânico” de Gramsci atuaria na tomada do poder e na constituição de uma nova hegemonia,
passando, num segundo momento, a agir pela manutenção da ordem estabelecida, ganhando o nome de “intelectual
tradicional”.
As contribuições de Gramsci ao presente trabalho se aplicam da seguinte forma: é na Universidade do
Distrito Federal onde Pedro Ernesto pretendia formar os intelectuais responsáveis pelas mudanças em curso e pela
posterior manutenção do projeto que estava desenvolvendo na cidade do Rio de Janeiro.
Na inauguração da universidade87 ele afirmou que lá seria o local onde se criariam os formadores de opinião
e se construiriam as bases para o desenvolvimento do Estado e da sociedade, sendo o auge do projeto educacional
que ele havia iniciado com a construção de 25 escolas públicas.
Os intelectuais orgânicos de Pedro Ernesto também teriam atuação fundamental na União Trabalhista
Humanitária do Distrito Federal, órgão que, segundo o próprio prefeito, seria uma associação entre intelectuais e
trabalhadores para a troca de experiências e informações.88
Somente pela criação de uma nova “elite pensante” é que seria possível lançar raízes profundas para uma
nova concepção de Estado. Pedro Ernesto tinha contra si o movimento “Revitalização Católica” – liderado por
Sebastião Leme e Francisco Campos89 –, que pregava o ensino religioso nas escolas, e o governo federal, que cada
vez mais assumia uma postura centralizadora e autoritária. Ou seja, o ambiente era hostil para seus ideais laicos e
democratas.
Era preciso preparar uma atmosfera receptiva e nada melhor do que a educação para obter as mudanças
estruturais necessárias, não apenas nos colégios secundaristas, mas principalmente pela atuação da Universidade do
Distrito Federal, órgão máximo do pensamento acadêmico, que formaria os professores que atuariam nas escolas.
Já a União Trabalhista teria o papel de aproximar Pedro Ernesto dos trabalhadores – aqueles que, na sua
larga maioria, já não estavam nos colégios –, lançando sobre eles a concepção dos pilares democráticos e laicos
defendidos pelo prefeito.
A mudança mais profunda, para Pedro Ernesto Baptista, não se daria através das armas, e sim por meio da
educação e da mobilização através das idéias.

1.2.4 O “Estado-relação” de Poulantzas

Antonio Gramsci, Maquiavel, a política e o Estado moderno, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.
Antonio Gramsci, Os intelectuais e a organização da cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1986.
86
Hegemonia é a conquista do poder em dada sociedade, expressa pelo domínio de um grupo social sobre outro. Seu
conceito é muito extenso, sendo impossível desenvolvê-lo aqui. Ver Antônio Gramsci, A concepção dialética da
História, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1987.
87
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, folheto Lf 88f.
88
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, folheto PEB 5f.
89
Michael L. Conniff, Política urbana no Brasil: a ascensão do populismo, 1925-1945, Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 2006.
Já a abordagem de Nicos Poulantzas90 é bastante diferente da de Antonio Gramsci, apesar de não paradoxal
na utilização que será dada a ela neste trabalho. Poulantzas – marxista como Gramsci – entende o Estado como a
condensação da luta de classes, ou seja, ele transfere para a “sociedade política” as disputas que, para Gramsci, se
situam na “sociedade civil”. O Estado seria, assim, o resultado de uma correlação de forças, das relações entre as
classes.
Toda classe existe dentro do Estado, participando dele, mesmo que não necessariamente através de órgãos
vinculados a ele. Logo, sempre haverá pressões advindas das necessidades e vontades de cada grupo social, com
maior ou menor força, dependendo da ocasião e das circunstâncias.
A leitura que Poulantzas faz do Estado, por analogia, traz uma questão interessante ao se pensar o Brasil dos
anos 1930: se o pressuposto da existência do “Estado-Relação” for levado em conta, então a chamada “tutela” do
Estado em relação às massas e a dominação extrema que tal expressão denota não são verdadeiras.
A partir de Poulantzas podemos afirmar que os trabalhadores também existem dentro do Estado, e, apesar
de estarem numa posição subalterna, obrigam quem está numa posição superior – usemos essa expressão pela falta
de outra mais adequada – a negociar, oferecer uma permuta.
O Estado, dessa forma, não simplesmente manipula os trabalhadores como marionetes, mas sofre pressão
deles. Mesmo que dê privilégios aos interesses da elite dominante, não pode ignorar a demanda da maioria da
população. Os trabalhadores, apesar de estarem longe do centro de poder do Estado, não são somente joguetes “nas
mãos” de quem detém o poder. Pelo contrário, de alguma forma fazem parte do Estado e influenciam as ações
governamentais.

1.2.5 Estado proativo: homogeneizar para dominar

O foco principal de Charles Tilly91 é o estudo das minorias, ou seja, os que resistem ou
tentam resistir ao Estado e sua ação homogeneizante. Para esse autor – seguindo a mesma linha
de Norbert Elias – a opção do homem pelo Estado na forma moderna e contemporânea se
justifica pelo fato deste ser mais eficaz e funcional para a guerra. Portanto, é uma questão de
proteção, de segurança. Esse primeiro princípio deve ser guardado.
O Estado, com o fim de facilitar a prática de suas políticas públicas, busca tornar a
população cada vez mais homogênea para que, eliminando ou diminuindo as diferenças entre os
diversos grupos sociais, fique mais fácil compreender suas demandas e atender a seus interesses.

90
Nicos Poulantzas, “As lutas políticas: o Estado, condensação de uma relação de forças”. In O Estado, o Poder, o
Socialismo, São Paulo, Paz e Terra, 2000.
Nicos Poulantzas, Poder Político e Classes Sociais, São Paulo, Martins Fontes, 1977.
91
Charles Tilly, Coerção, Capital e Estados Europeus. 990-1992, São Paulo, EDUSP, 1996.
A homogeneização dos que vivem dentro do espaço geográfico controlado pelo Estado é,
logo, uma forma de proteção dos que o dirigem. Identificar e conhecer os governados é uma
necessidade básica para o governo, que, desta forma, consegue exercer o domínio de maneira
plena e eficaz.
As minorias, por não se adequarem às normas gerais de conduta, por possuírem uma
língua, religião, hábitos ou costumes próprios, se tornam um problema ao exercício do poder
pelos governantes. Tilly afirma que há uma constante negociação do Estado com esses grupos,
que conseguem ganhos à medida que resistem aos empreendimentos que objetivam a
homogeneização.
A complexidade desta visão de Tilly leva a algumas conclusões, ao fazermos a
transposição de seu modelo para o Brasil da década de 1930. Os trabalhadores, apesar de maioria
da população, no Brasil nunca conseguiram se organizar de modo a chegar ao poder. A vontade
de uma minoria quase sempre prevaleceu – desde o período colonial –, com os mais numerosos
sendo tratados como exóticos, que não correspondiam com a imagem que se pretendia ter do país
no exterior. A população sempre foi uma ameaça ao governo, que preferiu manter o divórcio
entre Estado e nação92. Dessa forma, constituiu-se uma inversão da ordem natural: a maioria, no
Brasil, sempre foi tratada como minoria, ou seja, tendo que se submeter a regras que não são
suas, sob a pena de sofrerem represálias.
Em 1930 houve uma mudança na estratégia dos governantes lidarem com a população.
Toda a política social colocada em prática por Pedro Ernesto e Getúlio Vargas pode ser entendida
como ações no intuito de trazer para a órbita do Estado os grupos sociais que estavam excluídos,
longe do poder público.
Ao invés de manter o status-quo através da violência explícita, estratégia que resultava no
aumento cada vez maior da distância entre governantes e trabalhadores – o que incentivava a
aversão dos últimos em relação aos primeiros e dava justificativas para o aumento dos
movimentos de esquerda –, o Estado optou por uma mudança de postura. A classe trabalhadora
urbana crescia e as pressões exercidas por ela dentro do “Estado-Relação” descrito por
Poulantzas faziam com que sua importância fosse redimensionada.

92
István Jancsó e João Paulo Garrido Pimenta, “Peças para um mosaico (ou apontamentos para o estudo da
emergência da identidade nacional”. In Carlos Guilherme Mota (org.), Viagem incompleta. Formação: Histórias. A
experiência brasileira, São Paulo, SENAC/SESC, 1999.
Os trabalhadores não poderiam continuar sendo um grupo excluído, pois seu crescimento
traria problemas futuros para a estabilidade do governo. O estreitamento dos laços entre o líder
do executivo e os trabalhadores foi estabelecido pela política social. Os laços horizontais entre os
trabalhadores se enfraqueceram em prol dos laços verticais entre o líder político e eles. A ações
sociais trouxeram o inimigo de outrora – vítima da violência dos cassetetes – para próximo do
Estado.
Segundo Tilly, em um determinado momento o Estado passou a se antecipar às demandas
da população e, ao invés de reagir às necessidades dos governados negociando, passou a agir de
forma proativa, ou seja, criando por intermédio de suas instituições um modelo de cidadão que
desde a infância seria ensinado a seguir um padrão de conduta, reproduzindo a realidade vigente.
Embora hoje em dia possamos citar a mídia, de um modo geral, como tendo grande
responsabilidade na elaboração de valores e comportamentos, a instituição mais importante nesse
sentido, que ajuda mais eficazmente o Estado a atingir seus objetivos, é a escola.
Não é à toa que Pedro Ernesto investiu na educação, construiu colégios, trouxe Anísio
Teixeira para implementar um novo modelo escolar e coroou seu projeto criando uma
universidade. A Universidade do Distrito Federal gerou intelectuais que poderiam vir a ser os
intelectuais orgânicos de Gramsci, e, ao mesmo tempo, definiu diretrizes que seriam utilizadas
em todo o sistema de ensino, tentando implementar a forma de pensar do governo sobre a
população. Essa é uma prática comum tanto em tempos de democracia como de ditadura, embora
seja mais perfeitamente observável durante esta última.
O próprio trabalhismo ou o populismo – não importa a denominação e sim o fenômeno –
pode ser visto como mais uma medida proativa do Estado, que se antecipa ao conflito e utiliza-se
da propaganda para se colocar como doador de direitos trabalhistas, ocultando que tal conquista
foi fruto de décadas de lutas dos trabalhadores. É o Estado percebendo que vale mais à pena agir
antes do conflito do que depois, tentando imprimir uma ideologia aos governados a fim de
facilitar a sua ação enquanto governo e manter o status quo.
A resistência não só existe, mas se dá de forma bastante significativa. Logo, não há
“massas tuteladas” ou “massas amorfas”. Há uma mudança de estratégia do governo, com a
substituição de uma forma arcaica de resolver conflitos – com base na violência – para uma mais
elaborada e planejada – com base no convencimento ideológico e oferecimento de serviços –,
mas a negociação entre governo e trabalhadores nunca cessa, nem em tempos de ditadura. Por
mais que o governo atinja sucesso e popularidade, ele sempre terá obrigatoriamente que
responder às demandas explícitas ou implícitas da população, sob a pena de arriscar sua
autoridade e legitimidade caso não o faça.

1.2.6 Estratégias de dominação

O mais interessante é que as contribuições que Pierre Bourdieu93 deu ao presente trabalho
não dizem respeito aos pontos consagrados de seu pensamento. Alguns trechos de Bourdieu, que
normalmente são vistos como passagens coadjuvantes para quem faz uma leitura preocupada com
os aspectos centrais de suas idéias, iluminaram de tal forma esta dissertação que não podem
deixar de serem citados.
Tratam-se de trechos curtos que podem ser resumidos a partir de duas citações, mas que
detém grande importância por nortear idéias centrais na concepção desta dissertação. Existem
outros autores que trabalham mais especificamente tais pontos, porém foi a leitura de Bourdieu
que os trouxeram à nossa mente e, por isso, o crédito deve ser a ele atribuído.

O processo a que se chama militarização consiste em basear a autoridade na situação


de guerra com que se defronta a organização do que pode ser produzida por um trabalho
sobre a representação da situação, a fim de produzir e de reproduzir continuamente o
medo de ser contra, fundamento último de todas as disciplinas militantes ou militares.94
[grifo meu]

A citação acima poderia descrever, com perfeição, processos ocorridos na Alemanha e na


Itália pouco antes da Segunda Guerra Mundial, assim como outros numerosos períodos históricos
de diversas regiões no mundo. Porém, escolhemos o Brasil de fins do ano de 1935 a fim de fazer
uma analogia.
Após a chamada “Intentona Comunista” o que se viu foi o enrijecimento cada vez maior
do regime, desembocando na ditadura de 1937. Durante um período de aproximadamente dois

93
Pierre Bourdieu, “Condição de classe e posição de classe” e “Campo do poder, campo intelectual e habitus”. In A
economia das trocas simbólicas, São Paulo, Perspectiva, 1987.
Roger Chartier, “Pierre Bourdieu e a História”, debate com José Sérgio Leite Lopes. Topoi, Rio de Janeiro,
PPGHIS/UFRJ, mar. 2002.
94
Pierre Bourdieu, O poder simbólico, Lisboa/Rio de Janeiro, Difel/Bertrand Brasil, 1989, p. 201
anos, de 1935 a 1937, houve o fortalecimento da autoridade do presidente e a diminuição da
importância das instituições democráticas republicanas. A campanha anticomunista produziu um
maniqueísmo que rotulou as pessoas em “comunistas” e “não-comunistas”. Quem fosse a favor
do governo e apoiasse Vargas estaria no segundo grupo, enquanto os demais fariam parte do
primeiro.
Foi desta forma que foi criado o medo – incentivado também pela crescente censura – que
acabou por constranger políticos e imprensa a se colocarem sempre ao lado do governo, que, por
sua vez, acusava de comunistas os que titubeassem em agir de tal forma.
Pedro Ernesto, por representar uma ameaça a Vargas, foi colocado ao lado dos extremistas
de esquerda. Não há certeza de que o prefeito fosse um possível candidato às eleições de 1938 –
embora muitos de seu partido e colegas tenentes assim quisessem –, mas, mesmo assim, seu
discurso democrata e anti-autoritário, aliado à sua grande popularidade, colocavam-no como
persona non grata do governo federal, sendo importante que fosse afastado sob a acusação do
crime mais hediondo que se podia cometer em tal época: ser comunista.
O “medo de ser contra” impediu que alguma voz se levantasse ativamente para defendê-
lo – uma das pouquíssimas exceções pode ser dada a panfletos do PCB, que, por sua vez,
gritavam mais por Prestes do que por Pedro Ernesto.
Bourdieu afirma ainda que a dominação simbólica existe na medida que “os dominados
incorporam os princípios da dominação que asseguram a sua dependência como legítima”.95 Isso
ocorreu no Brasil varguista do Estado Novo, quando o povo aclamou Vargas ao posto de seu
protetor, conferindo a ele a responsabilidade das melhorias sociais, aceitando alguém que, na
verdade, não pertencia ao grupo dos dominados, mas ao dos dominantes. Da mesma forma se
apresentou Pedro Ernesto aos trabalhadores do Distrito Federal, alguns anos antes da ditadura de
1937.
Ainda para Bourdieu existe a possibilidade de recusa progressiva da dominação ou um
acontecimento brutal que “dilacera o tecido ordinário da reprodução”.96 Assim se daria a
mudança na História, porém esta não é uma perspectiva aprofundada pelo autor, que se preocupa
mais em identificar os meios utilizados para a reprodução da dominação.
Voltando as atenções para a relação entre o líder político e os trabalhadores, nos anos
1930, percebemos que, por um lado, houve a incorporação dos princípios da dominação por parte

95
Chartier, op. cit., p. 16.
dos trabalhadores, simpáticos a Pedro Ernesto a ponto de compreendê-lo como um real
representante dos mais necessitados e solucionador dos problemas do proletariado. Porém, por
outro, existiu também resistência dos dominados em relação aos dominadores, expressa através
das pressões que o Estado sofreu desde os primeiros movimentos sociais republicanos e
continuou sofrendo ao longo da década de 1930.
A resistência não deve ser superdimensionada, como sugere Gomes, Ferreira e Reis Filho,
nem ignorada, tal como dá a entender Ianni. Faz-se necessário agora estudar as influências
políticas de Pedro Ernesto para compreender sua posição em relação aos trabalhadores e, em
seguida, trilhar o sentido contrário, analisando qual a visão que a população do Rio de Janeiro
tinha de seu prefeito.

2 PEDRO ERNESTO E OS TRABALHADORES DO DISTRITO FEDERAL: MEANDROS DE UMA RELAÇÃO

2.1 A formação intelectual de Pedro Ernesto e a forma pela qual ele se apresentou aos trabalhadores

2.1.1 Vargas e Pedro Ernesto

Pedro Ernesto se enquadrava no modelo de novo homem que a sociedade tanto almejava: de formação
científica e dedicado às questões sociais. Para Sarmento, a imagem de “médico bondoso, que se despende
completamente das suas necessidades e anseios para servir à comunidade”, foi decisiva para a grande popularidade
que o prefeito obteve. O mesmo historiador defende ainda que a idéia do médico como zelador do corpo social já

96
Chartier, op. cit., p.16.
superava, em fins dos anos 1920, a crença de que o melhor administrador seria o formado em engenharia.97 É uma
constante nos discursos de Pedro Ernesto a menção à sua carreira médica para justificar o porquê dele compreender,
melhor do que outros, as demandas da população pobre e necessitada.
Prova disso é que, já nos primeiros meses de seu governo, no início de 1932, Pedro Ernesto discursou no
Centro de Proprietários de Veículos afirmando o seguinte: “(...) não foi no posto do governo que me acho que me pus
em contato com a massa e conheci as necessidades do povo, foi dentro da minha profissão de médico, profissão que
mais se presta ao contato geral, que mais permite verificar as necessidades dos que trabalham”.98
Pedro Ernesto assumiu a interventoria do Distrito Federal na condição de homem que detinha a total
confiança do presidente da República. Sua participação no movimento de 1930, no Clube 3 de Outubro e no
Gabinete Negro eram provas incontestes da fidelidade do “tenente civil” com o líder máximo da nação.
Vargas e Pedro Ernesto concordavam que a injustiça social era decorrente da produção agrária arcaica. A
industrialização do Brasil seria a grande reforma a ser operada. A partir dela se poderia pensar na transformação da
sociedade, promovendo a tão esperada justiça social. A função do Estado, nesse contexto, seria a de habilitar as
camadas inferiores para o ingresso nessas novas relações de produção. Até esse ponto não havia discordâncias entre
o prefeito e o presidente.
O grande sucesso do prefeito junto à população, sua capacidade de articulação política e, principalmente,
sua autonomia em relação ao presidente – no período que se seguiu às eleições municipais – é que levou Vargas e
Pedro Ernesto a lados opostos. Não era agradável a Vargas que o prefeito do Distrito Federal – cidade que era o
palco central da vida política brasileira – tivesse um projeto educacional distinto do implementado pelo governo
federal e uma popularidade crescente, que se traduziu em autonomia política frente ao governo federal. Pedro
Ernesto oferecia aos trabalhadores uma parceria que o presidente já articulava e que não poderia ser dividida com
mais ninguém.

2.1.2 A formação intelectual de Pedro Ernesto

Pedro Ernesto Batista nasceu em Pernambuco, em 1884, fez faculdade de medicina na Bahia e terminou
seus estudos no Rio de Janeiro, em 1908. Era proveniente de uma família de posses, mas que teve problemas
financeiros que o obrigaram a trabalhar ainda jovem para que pudesse pagar as despesas que garantiram sua
formatura. Seu pai era um importante membro de uma loja maçônica em Pernambuco. Isso lhe valeu a proteção e a
ajuda dos maçons cariocas.99
Após participar de várias campanhas de vacinação e de fiscalização sanitária – inclusive uma delas nos
morros da cidade, ao lado de Oswaldo Cruz –, Pedro Ernesto foi trabalhar na farmácia de Augusto do Amaral

97
Carlos Eduardo Sarmento, “A arquitetura do impossível: a estruturação do Partido Autonomista do Distrito
Federal e o debate autonomista nos anos 1930”. In Marieta de Moraes Ferreira (Coord.), Rio de Janeiro: Uma cidade
na História. Rio de Janeiro, FGV, 2000.
98
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 874.
99
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 126: “Nós, Cavaleiros da Cruz (...) para ele pedimos vossas
valiosas proteções em qualquer emergência em que se ache”. Pedido enviado pelas lojas maçônicas pernambucanas
aos maçons da cidade do Rio de Janeiro.
Peixoto, como médico assistente, no final da década de 1910. Assim, conheceu os filhos de seu patrão, oficiais da
marinha oposicionistas ao governo Artur Bernardes, e obteve os primeiros contatos com o ideário tenentista.
O sucesso no exercício da medicina valeu a Pedro Ernesto não só dinheiro, mas também inúmeras amizades.
Acabou ganhando de um rico cliente português, cujo nome nunca revelou, o terreno onde acabou construindo sua
casa de saúde, em 1922. Nesse momento começou a ser construída a imagem de “médico bondoso” do Dr. Pedro
Ernesto Batista.
Como a cidade ainda não tinha grandes hospitais públicos, a população tinha à sua disposição somente os
postos de saúde – que existiam em número ainda bastante reduzido – e as casas de saúde particulares. Pedro Ernesto
atendia todo dia a dezenas de pessoas pobres de forma gratuita. Desta forma ganhou simpatia e popularidade junto
aos pobres necessitados.
Mas o sucesso de Pedro Ernesto não se deu apenas com a população carente. O futuro prefeito adquiriu os
importantes títulos de membro da Academia Francesa de Medicina e do American College of Surgeons. Sua
competência fez com que suas finanças pessoais prosperassem; “logo se tornou um membro da nova elite,
comprando uma casa em Copacabana, um automóvel e entrando para os clubes certos”.100
Pedro Ernesto foi participante ativo das conspirações tenentistas dos anos 1920, inclusive integrou a Aliança
Liberal em 1929 e, no ano seguinte, participou ativamente do movimento que colocou Getúlio Dornelles Vargas na
presidência por meio insurrecional. Sua entrada na política ocorreu num período muito importante da
História brasileira: tempos de tenentismo, da fundação do PCB e da conturbada sucessão de Epitácio Pessoa.
Preso por participação no movimento tenentista de 1924, ganhou o apelido de “mãe dos tenentes” pelo
apoio irrestrito dado a eles. Suas ambulâncias muitas vezes guardaram e transportaram armas e sua casa de saúde era
ponto de divulgação do ideário tenentista, chegando inclusive a ser local de esconderijo de muitos que tinham prisão
decretada por participação naquele movimento.
Outro apelido, o de “tenente civil”, foi dado a Pedro Ernesto por ele ser considerado o elemento de ligação
entre os militares que participaram de insurreições e lideranças civis que os apoiaram. Em 1930, foi o articulador no
Rio de Janeiro do movimento que pôs Vargas na presidência. Sua importância consistia no fato de ser um homem
muito bem relacionado e bem visto nos setores civis e militares, além da imagem de “médico bondoso” junto à
população de baixa renda.
As suas ações em torno do movimento de 1930 lhe valeram a participação no chamado Gabinete Negro101,
nome dado pela imprensa da época ao grupo de “revolucionários” – como se auto-intitularam os participantes do
movimento de outubro de 1930 – que se reuniam e debatiam idéias sobre os rumos do governo recém-instalado.

2.1.3 Pedro Ernesto nomeado interventor

100
Michael L. Conniff, Política urbana no Brasil: a ascensão do populismo, 1925-1945, Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 2006, p. 119.
101
Faziam parte do Gabinete Negro Osvaldo Aranha, Leite de Castro Ari Parreiras, José Américo de Almeida, Juarez
Távora, João Alberto e Pedro Ernesto, além do presidente Vargas, é claro.
Além da aliança política durante o movimento de 1930, Pedro Ernesto tinha também uma ótima relação
pessoal com o presidente. Como médico da família Vargas chegou a salvar a vida do filho e impedir que a esposa do
presidente tivesse uma perna amputada, após um violento acidente automobilístico. Freqüentador assíduo da casa e
do gabinete presidencial, já nos primeiros meses do governo provisório foi nomeado diretor da assistência hospitalar
do Distrito Federal.

Pouco tempo depois, um abaixo assinado de oficiais que participaram do movimento de outubro de 1930,
datado provavelmente do início de 1931, já pedia a Vargas um “alto cargo administrativo” para Pedro Ernesto,
homem que, segundo eles, possuía “honradez, independência política e tino administrativo”, além de disposição de
“tudo fazer pela unificação e redenção do Brasil”.102
Mais uma vez as boas relações pessoais e profissionais de Pedro Ernesto lhe valeram a subida de mais um
degrau na política nacional: em 30/09/1931 o então diretor de assistência hospitalar do Distrito Federal foi nomeado
interventor, em substituição a Adolfo Bergamini. A notícia chegou à população através da edição das 18h do jornal
O Globo, em 01/10/1931, que dava ciência de que Adolfo Bergamini havia pedido demissão e de que Pedro Ernesto
Baptista, “uma das figuras mais destacadas do movimento revolucionário triunfante”, seria seu substituto.
Pedro Ernesto assumiu usando pela primeira vez de um jargão que acabaria sendo o um lema repetido
inúmeras vezes ao longo de seu governo: trabalho, honestidade e justiça. Reafirmou fidelidade total ao presidente da
República e procurou demonstrar a unidade dos “revolucionários” ao dizer que “o programa de governo, aqui como
nos Estados, é um só, é o da Revolução”.103
Quando observamos a conjuntura política daquele momento, percebemos que o novo interventor do Distrito
Federal fez parte de um grupo numeroso de tenentes que estavam sendo nomeados interventores, o que mostrava a
força política tenentista no início do governo Vargas.
Essa era a estratégia do presidente, que buscava se cercar de quem o havia ajudado a chegar ao poder para
se defender das pressões que sofria de estados fortes, tais como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do sul, pelo
retorno de um governo constitucional.
Nesse contexto, o então interventor Pedro Ernesto foi um dos fundadores do Clube 3 de Outubro, composto
em sua maioria por militares, que funcionou como uma base de apoio a Vargas até a Revolução Constitucionalista de
1932.
Com o fim do levante paulista o Clube 3 de Outubro se desfigurou. A certeza em torno da redemocratização
do país fez com que os tenentes perdessem a influência que tinham com o governo provisório forte. Além disso, eles
se dividiram em diferentes grupos políticos para as eleições que se realizariam para constituinte no ano seguinte.

2.1.4 O projeto educacional e a reorganização da saúde do Distrito Federal

Em 1932 foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, tendo à frente intelectuais que nos anos
1920 trabalharam nas reformas educacionais estaduais, tais como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço

102
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 447.
103
Biblioteca Nacional, periódico O Globo, 01/10/1931 e 02/01/1931.
Filho, entre outros. Eles defendiam práticas pedagógicas novas, voltadas para um ensino mais prático e para a
formação de mão-de-obra para modernas indústrias, bancos e comércio. Desejavam, logo, a construção do país em
bases urbano-industriais democráticas.104
O investimento de Pedro Ernesto na educação teve o objetivo de atingir as camadas urbanas mais pobres. O
projeto, conduzido por Anísio Teixeira – destacado educador do Movimento da Escola Nova – bateu de frente com a
educação tradicional e dogmática da Igreja Católica e também com a legislação educacional federal que era voltada
para um projeto de poder uniformizador e autoritário.105
Anísio Teixeira via a educação como a oportunidade não só de preparar o cidadão para o convívio social,
mas também de dar a ele a formação profissional que possibilitasse sua inserção competitiva no crescente mercado
de trabalho industrial, que tinha a demanda por conhecimentos específicos para a área. Já Francisco Campos,
nomeado por Vargas para o Ministério da Educação, enxergava o ensino como a forma de se lidar com as “massas”,
atuando diretamente sobre seu inconsciente. Estudando a questão, Sarmento resumiu as diferenças entre os dois
educadores como sendo uma disputa entre habilitar e controlar o cidadão.106
O ponto fundamental de discordância entre os dois era relativo à questão da obrigatoriedade do ensino
religioso nas escolas. Campos acreditava que o catolicismo era importante para a formação disciplinar do estudante e
para a disseminação de valores que mantivessem a ordem pública. Já Teixeira era totalmente a favor de um ensino
laico, desvinculado de qualquer credo político ou religioso.
Já para levar à frente o projeto de saúde de Pedro Ernesto o convidado foi o médico Gastão Guimarães.
Primeiramente, foram instalados postos de saúde pela cidade, com ênfase nas áreas consideradas mais carentes,
próximas a favelas e ao longo dos bairros das zonas norte e oeste. O objetivo era que esses postos prestassem
assistência à população até que fossem concluídas as obras dos grandes hospitais públicos.
O grande símbolo da mudança de postura da prefeitura em relação aos problemas de saúde no Rio de
Janeiro é o decreto 4.252, de 08/06/1932, instituído aproximadamente 7 meses depois de Pedro Ernesto assumir a
interventoria da capital da República. Esse decreto regulamentou o funcionamento da Diretoria Geral de Assistência
Municipal e estabeleceu as diretrizes que deveriam ser seguidas para o desenvolvimento da estrutura sanitária do
Distrito Federal.
Essa Diretoria era dotada basicamente de três atribuições: prestar assistência social e previdenciária à mãe, à
criança, ao inválido, ao desempregado e aos parentes do morto; comportar uma perícia para os funcionários da
prefeitura; e desenvolver e fiscalizar o setor de assistência médico-hospitalar. Este passaria a se organizar de forma
complexa, regionalizada, hierarquizada e centralizada. Seus serviços iam do “Pronto Socorro” ao “Hospital
Regional”, do “Dispensário Clínico” aos “Hospitais para Incuráveis”.
O decreto de 1932 ainda determinou que o trabalho médico passasse a ser enquadrado progressivamente
numa racionalidade administrativa centralizada que visava detalhar as informações e padronizar os procedimentos.

104
João Roberto Oliveira Nunes, “A administração Pedro Ernesto e a questão educacional”, dissertação de mestrado,
UERJ, 2001, p.15.
105
João Roberto Oliveira Nunes, “A administração Pedro Ernesto e a questão educacional”, dissertação de mestrado,
UERJ, 2001. p. 10.
106
Carlos Eduardo Sarmento, O Rio de Janeiro na Era Pedro Ernesto, Rio de Janeiro, FGV, 2001, p. 145.
Seguindo o lastro tecnicista que vigorava nos anos 1930, foi criado um “Conselho Técnico” para “investigar sobre os
métodos, processos e sistemas de trabalho e sua adoção”.107
Durante a estadia de Pedro Ernesto frente à prefeitura foram iniciadas as obras dos hospitais Rocha Faria,
Carlos Chagas, Miguel Couto, Getúlio Vargas, Pedro Ernesto, Paulino Werneck, Carmela Dutra e Salgado Filho. Os
nomes de Vargas e Pedro Ernesto eram sempre vinculados quando da inauguração das obras e o chamado “governo
revolucionário”, instalado no pós-1930, recebia os créditos por obras que os homens públicos não cansavam de dizer
que não existiriam caso o movimento de outubro de 1930 não obtivesse êxito.
Para Antonio Cezar Lemme108 a ação de Pedro Ernesto teve o mérito de ampliar a cidadania e fortalecer o
regime democrático, se contrapondo ao caminho autoritário traçado pelo Governo Federal. Alberto Gawryszewski109
concorda com Lemme, acrescentando ainda que o favorecimento do reconhecimento da cidadania se deu mesmo
com o cunho liberal-tecnocrático da administração do prefeito.

2.1.5 O sentido dado por Pedro Ernesto à sua administração

Pedro Ernesto, em seu governo no Distrito Federal, priorizou a educação e a saúde. O emprego da ciência na
prática administrativa, numa busca pela administração racional, era comum na época. Nesse sentido, a presença de
um médico frente à prefeitura tinha o caráter de buscar a cura para as chagas sociais. Na década de 1930 as
transformações urbanas ainda tinham importância, mas passaram a dividir espaço com a preocupação crescente do
poder público em construir uma nova relação com a população, em especial com os trabalhadores. A fundação do
Partido Comunista do Brasil (PCB) e sua crescente influência – principalmente sobre o operariado das grandes
cidades – trouxe a certeza de que a “política dos cassetetes” era ineficaz, sendo necessário substituí-la por um outro
tipo de relação.

Optou-se pela busca de uma maior aproximação com a população. O Estado tinha que estender sua esfera de
influência o mais distante possível. Todos deveriam ser contemplados e, conseqüentemente, submetidos pelo poder
público. No caso do Rio de Janeiro, os principais esforços da prefeitura foram no intuito de integrar a zona oeste,
uma área quase rural no início da década de 1930, e fortalecer o “braço do Estado” na zona norte, onde morava
grande parte do proletariado da cidade. Desta forma, a zona sul e o centro não mais concentraram tanto os
investimentos do poder público como era de praxe até o fim da década de 1920.
Os subúrbios foram paulatinamente sendo inseridos dentro do planejamento do Estado.110 Pedro Ernesto
procurou promover uma política pública que atendesse as camadas pobres em sua demanda por melhores condições
de saúde, além de inseri-las em um projeto educacional que os integrasse na economia capitalista urbano-industrial.

107
Decreto Municipal de 4252, de 08/06/1932.
108
Antonio Cezar Lemme, Rompendo o Silêncio: educação, cidadania na administração Pedro Ernesto, Rio de
Janeiro, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria das Culturas, s/d. “Saúde, Educação e Cidadania na
Década de 30”, dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social/UERJ, 1992.
109
Alberto Gawryszewski, “A administração Pedro Ernesto: Rio de Janeiro (DF) 1931-1936”, dissertação de
Mestrado, Niterói: Instituto de Ciências Humanas e Filosofia/UFF, 1988.
110
Exemplo disso é a distribuição espacial das novas escolas. Segundo o Boletim de Educação Pública – publicado
pela Prefeitura do Distrito Federal – referente aos meses de julho a dezembro de 1934 (capítulo XIII, página 204),
Anísio Spínola Teixeira chegou a viajar para os Estados Unidos, onde entrou em contato com as idéias de
John Dewey, um dos ícones da educação na época. Pela sua formação é possível perceber que nada havia de
socialista nas idéias do secretário de educação. Pelo contrário, Teixeira baseava-se no modelo capitalista, pregando a
igualdade de oportunidades no mercado de trabalho.111 Essa observação é importante porque a Igreja Católica, diante
da possibilidade do fim da obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas, disparou contra Teixeira as mais
contundentes acusações de comunismo, principalmente depois da fundação da Universidade do Distrito Federal,
instituição que tinha em seu corpo docente professores dos mais diversos credos e posições políticas.
Ao longo dos três anos em que Anísio Teixeira esteve à frente da secretaria de educação foram construídas
28 escolas e contratados 800 professores, com cerca de 30 mil estudantes sendo beneficiados. A maioria dos novos
prédios escolares erguidos se situavam em áreas pobres e com carência de investimento do poder público,
principalmente em bairros das zonas norte e oeste. O dia 29/06/1935 pode ser considerado simbólico, já que marcou
a fundação da primeira escola pública situada numa favela, mais precisamente no Morro da Mangueira: a
administração municipal mostrava seu intuito de atingir diretamente os mais necessitados, ampliando a esfera de
influência do Estado e obtendo a simpatia de parte da população que estava esquecida pelo poder público e,
conseqüentemente, mais suscetível a aderir a movimentos de esquerda. É importante frisar a magnitude desses
números, já que até o início da década de 1930 cerca de 80% das instalações educacionais municipais eram prédios
alugados pela prefeitura, muitos com infra-estrutura que deixava muito a desejar, com falta de espaço, luz
insuficiente e constantes problemas de falta de água.112
O mesmo avanço foi obtido pela política sanitária de Pedro Ernesto. Antes mesmo do término das obras dos
grandes hospitais públicos, a nova organização da saúde, estabelecida pelo decreto 4.252, já apresentava resultados
positivos. Através da análise dos serviços prestados pela Diretoria Geral de Assistência Municipal, entre os anos de
1930 e 1934, foi possível perceber o aumento de 50% nos atendimentos de emergência, o crescimento de quase
400% do número de consultas e 600% a mais de intervenções cirúrgicas e aplicações de injeções, o que prova que
realmente houve uma extensão do atendimento médico a um número maior de pessoas.113
Pedro Ernesto cumpriu com sucesso a grande meta dos anos 1930: mudar a imagem do Estado perante a
população, que passava a vê-lo não como um “vilão”, mas como um “herói”. A “política dos cassetetes” foi
substituída pelo diálogo populista, já que o grupo dos trabalhadores urbanos crescia aceleradamente, sendo
necessário tê-los como aliados e não como possíveis inimigos.
Completando o tripé de diretrizes principais da administração de Pedro Ernesto estão as medidas
trabalhistas. Primeiro elas foram direcionadas à burocracia municipal, mas quando o prefeito tentou se aproximar dos

das 22 escolas cujas obras estavam iniciadas ou terminadas até então, 19 se localizavam nas zonas oeste e norte e
apenas 3 na zona sul.
111
O manifesto da Escola Nova, movimento do qual Anísio Teixeira fazia parte, tinha cunho positivista, iluminista e
liberal. Ele se contrapunha aos métodos conservadores do ensino e à interferência da Igreja Católica na educação
pública. Mas em momento algum criticava a natureza do sistema capitalista.
112
Alberto Gawryszewski apresenta dados precisos em “A administração Pedro Ernesto 1931-1936”, dissertação de
Mestrado, UFF, 1988: Existiam 236 prédios escolares, no momento em que Pedro Ernesto assumiu a prefeitura. 147
de aluguel: todos prédios de residência e em estado de conservação ruim. 89 próprios e particulares: dentre estes,
mais de 60 eram residências particulares adaptadas pela prefeitura.
113
Prefeitura do Distrito Federal. Boletim da Assistência Municipal, Ano 1, 1935.
trabalhadores urbanos de modo mais amplo, com a criação da União Trabalhista do Distrito Federal, foi combatido
de tal forma que não pôde levar suas intenções em diante.
A fidelidade dos empregados municipais era algo imprescindível para que o prefeito pudesse iniciar seu
governo com uma base sólida de sustentação que lhe assegurasse a possibilidade de colocar suas idéias em prática. A
importância da burocracia, salientada por Weber, é maior do que a de quem está à frente dela, no comando do
Estado. A partir do momento em que Pedro Ernesto contemplou os funcionários municipais com a aposentadoria por
doença incurável, licença de três meses para as gestantes e assistência médico-cirúrgica, no ano de 1932, já
estabeleceu com seus comandados uma relação de simpatia e cumplicidade que não se abalou até o momento de sua
morte.
São várias as manifestações públicas de apoio dos empregados do município ao seu prefeito, as quais
necessitam uma análise mais detida.

2.1.6 Pedro Ernesto e o carnaval

Os jornais de janeiro de 1932 já mostravam a mudança de postura da prefeitura do Rio de Janeiro em


relação ao carnaval. Cada vez mais Pedro Ernesto demonstrava sua vontade de não só oficializar o carnaval, mas
também de subvencionar os clubes carnavalescos e organizar a “noite das escolas de samba”.
Há uma intensa discussão sobre essa possibilidade acenada pela prefeitura. Enquanto alguns editoriais
exaltavam essa iniciativa, outros demonstravam o temor de que a intervenção do poder público interferisse e
modificasse essa grande festa popular, como é o caso de José Mariano Filho, colaborador do jornal Diário da
Noite.114
Em entrevista no dia 11/01/1932 o prefeito afirmou ver no carnaval o grande impulso para incentivar o
turismo na cidade, pretendendo trazer pessoas de várias partes do mundo para assistir aos bailes e ao carnaval de rua
do Rio de Janeiro.
No mês seguinte, durante o carnaval, várias batalhas de confete ofereceram homenagens a Pedro Ernesto,
por “valorizar essa grande festa do povo carioca, além de isentar de impostos as primeiras comemorações”.115
Tudo isso só vem a ratificar a mudança de postura do poder público em relação à população depois de
1930. Era necessário ganhar a simpatia dos trabalhadores. O carnaval, por ser uma festa popular e amplamente
festejada na cidade, foi a primeira grande oportunidade para que o interventor, ainda nos primeiros meses de
governo, demonstrasse seus objetivos. Não foi à toa que ele conseguiu, no ano seguinte, a adesão de Flávio das
Neves, Paulo da Portela116 e Saturnino Gonçalves, sambistas importantes da cidade, que passaram a ser

114
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 05/01/1932.
115
Biblioteca Nacional, periódico Correio da Manhã, 01/02/1932.
116
Paulo da Portela, muitos anos depois, disse numa entrevista que o único político brasileiro que fizera algo que
beneficiasse o samba e os “pobres em geral” foi Pedro Ernesto. Apud Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., p. 243.
colaboradores do prefeito nos morros tanto na campanha política nas eleições da assembléia constituinte – que se
realizaram em maio de 1933 – como no pleito municipal de 1934.117
O apoio moral dado pelo prefeito ao carnaval de 1932 se ampliou no ano seguinte. Pedro Ernesto fez
questão de presidir o julgamento das marchas e sambas, que se realizou no Teatro João Caetano em 02/03/1933.118
No mesmo ano colocou em prática o plano de organizar a “noite das escolas de samba”, ganhando de vez a simpatia
dos foliões.119
A estratégia de marketing da prefeitura naquele fevereiro carnavalesco se completou com a divulgação de
um balanço financeiro baseado na avaliação de Henrique Dantas, técnico contabilista do Banco do Brasil, mostrando
que de 1915 a 1932 a municipalidade havia obtido seguidos déficits anuais, mas em 1932, pela primeira vez desde
1914, obtivera 36 contos de réis de superávit.120
Assim, o prefeito tratava de sua imagem, tentando mostrar que, além de médico competente – zelador da
boa saúde do corpo social –, era também bom administrador e parceiro da população nas festas populares. Pedro
Ernesto soube construir uma boa imagem e obter a popularidade necessária para a redemocratização que se
apresentava iminente desde a revolta paulista de 1932.
Ainda em 1933 Pedro Ernesto começou a introduzir em seus discursos um desejo que seria muito combatido
ao longo de sua administração: a vontade de tornar legal o jogo na cidade do Rio de Janeiro. Ao afirmar que “turismo
sem jogo é irrealizável”121, Pedro Ernesto lembrava que outros países, como Portugal e Itália, tiveram um decréscimo
no turismo depois de proibirem o jogo e tiveram que voltar atrás na decisão. Essa questão não poderia deixar de ser
citada aqui, mas merece uma análise mais detida, o que será feito no próximo capítulo.

2.1.7 As primeiras homenagens ao interventor

O ano de 1932 foi importantíssimo para o início do planejamento político do novo prefeito, dedicado
exclusivamente à obtenção da simpatia de dois setores da população que eram essenciais para o desdobramento das
intenções de Pedro Ernesto: a população carente e os funcionários públicos.

A aproximação com os mais pobres, antes mesmo da implementação das políticas educacional e sanitária,
foram atingidos através da ação do prefeito no intuito de valorizar o carnaval e torná-lo parte do calendário oficial do
município, patrocinando a “noite das escolas de samba” e estreitando relações com os sambistas Flávio das Neves e
Paulo da Portela, ambos com grande aceitação nos morros da cidade.
Porém, mais importante ainda foi a intenção de Pedro Ernesto em obter o apoio dos funcionários públicos
do município, já que eles constituíam o corpo burocrático responsável pela colocação em prática dos projetos da
prefeitura.

117
Isabel Lustosa, As Trapaças da Sorte - pequeno relato das circunstâncias que resultaram na prisão do prefeito
Pedro Ernesto, à luz das experiências de Maquiavel e Tocqueville, Série Textos de Trabalho / FCRB, Rio de Janeiro,
v. 02, 1994. p. 21.
118
Biblioteca Nacional, periódico Correio da Manhã, 02/03/1932.
119
Lustosa, op. cit., p. 22.
120
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 28/01/1933.
As leis trabalhistas municipais foram todas colocadas em vigor já no ano de 1932, o que demonstra a
vontade do prefeito em ganhar o mais rápido possível o apoio de seus subordinados, o que de fato ocorreu. Prova
disso é que, após pouco mais de um ano de governo, o interventor já começou a colher os frutos de seu trabalho
frente à prefeitura.
No primeiro dia de 1933 o funcionalismo fez a primeira das grandes manifestações que viria a fazer em
homenagem ao prefeito. O Jornal do Brasil de 01/01/1933 estampou a manchete “um preito de gratidão”122,
relatando as homenagens do funcionalismo e do operariado municipais a Pedro Ernesto.123
Foi o início da construção da imagem de populista. As realizações do prefeito foram apresentadas não como
obrigação do governo, mas como um favor, uma concessão, numa visão típica de quem quer se apresentar como
amigo e parceiro dos trabalhadores. O sentimento de “gratidão”, mencionado pelo jornal, mostra bem a esperada
contrapartida, a resposta ao favor prestado. Tal resposta foi pedida alguns meses depois, na campanha do Partido
Autonomista nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte.
Continuando com o relato do Jornal do Brasil sobre a manifestação de 01/01/1933 podemos ainda perceber
outras características da construção de Pedro Ernesto como líder populista. Para o jornal, aquela exaltação ao prefeito
era “em sinal de reconhecimento por benefícios aos servidores da municipalidade, que se concretizaram em decretos
recentemente expedidos”. A natureza do decreto deu uma visibilidade ainda maior ao líder executivo municipal,
como se a lei fosse de responsabilidade única do prefeito, a quem cabia governar através da emissão de decretos. As
pressões de outros políticos e, principalmente, a luta histórica dos trabalhadores, ficaram em segundo plano,
enquanto o mérito esteve exclusivamente com o interventor.
Com a Praça da República já lotada, vários oradores discursaram ressaltando principalmente “o lado
humanitário das leis decretadas pelo interventor do Distrito Federal”. Essa é mais uma característica do líder
populista: alguém sensível, capaz de perceber as necessidades das pessoas e agir de forma humanitária, grandiosa.
Estabeleceu-se então um vínculo afetivo entre o político e seus eleitores, o que Ângela de Castro Gomes definiu
como sendo a lógica do “dar-receber-retribuir”.
O último orador encerrou os discursos lembrando a necessidade de retribuir as benesses do prefeito,
afirmando que os funcionários e os operários “saberiam, no momento justo, conduzi-lo, triunfante, a protetor do
Distrito Federal”.
Por fim tomou a palavra o homenageado, ovacionado pela multidão. Pedro Ernesto começou apresentando
os problemas que suas ações “humanitárias” estavam acarretando. Ele cobrou a retribuição do povo – que deveria vir
em forma de apoio – porque, segundo ele, já estava sofrendo “a maledicência do anônimo, a má-vontade daqueles
que têm seus interesses pessoais prejudicados”. A união de forças em torno de si, para combater esse inimigo
invisível que era a “maledicência do anônimo”, é mais uma característica típica do líder populista. O povo deveria
apoiar irrestritamente quem era seu amigo, quem era humanitário e generoso; em resumo: deveria demonstrar
gratidão a Pedro Ernesto.

121
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 04/02/1933.
122
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, 01/01/1933.
123
Os líderes sindicais Rafael Pinheiro e Gastão Pereira da Silva estavam entre os principais organizadores do
evento.
O interventor ainda reafirmou sua confiança no presidente Vargas e na obtenção da autonomia para o
Distrito Federal e disse que daria “aos pequenos o que lhes pertencem, quer na representação pública, quer no
conforto da família”. A menção aos trabalhadores pobres e desprovidos se manteve como uma constante e, por
último, um representante do funcionalismo público pediu a palavra, supostamente quebrando o protocolo, para
afirmar de forma emocionada que a atitude de Pedro Ernesto “estancou as lágrimas das mães, esposas e filhas dos
funcionários municipais”. Foi o desfecho perfeito: o apelo às emoções fechou essa manifestação que poderia ser
usada como exemplo de como se deveria construir a imagem de um líder populista.
Houve outras tantas homenagens124 a Pedro Ernesto, sempre em datas significativas, como natal, ano novo e
aniversário do movimento de 1930, entre outras. As características delas estiveram sempre nos mesmos moldes da
que mencionamos acima.
Acrescenta dados novos somente a última delas, promovida pela União dos Operários Municipais, que serve
de exemplo para mostrar que a relação do prefeito com os trabalhadores já era bastante estreita bem antes da criação
da União Trabalhista do Distrito Federal. Milhares de trabalhadores de diversos órgãos privados e municipais
tomaram conta do centro da cidade agradecendo as realizações de Pedro Ernesto como interventor. A passeada,
realizada em outubro de 1934, tinha o objetivo de dar um grand finale à administração de Pedro Ernesto, que
caminhava para o final diante do estabelecimento das datas para as eleições municipais.125
Uma grande faixa, cujos dizeres foram estampados em alguns jornais, agradecia ao prefeito: “o grande
operário que nos deu instrução, assistência e a garantia do pão de cada dia”. Mais uma vez aparece a imagem de
prefeito-provedor. Mais do que isso: prefeito-operário.
Pedro Ernesto encerrou sua intervenção na capital da República com sua imagem de líder populista
consolidada. Conseguiu a adesão dos funcionários municipais, a simpatia do povo pobre dos subúrbios e a adesão
maciça dos trabalhadores. O cenário estava montado para o sucesso nas eleições municipais.
Os trabalhadores viam Pedro Ernesto realmente como um “grande operário”, “homem bom”, generoso e
humanitário. Enfim, todas as características que ele tentou fixar naquele primeiro grande comício a que aludimos e
que haviam sido eficazmente absorvidas. Tudo ocorreu conforme o planejado e, dessa forma, ele pôde levar seus
projetos políticos adiante.
Sua eleição e o ganho da autonomia do Distrito Federal serviram como estímulos finais para que o “pai dos
cariocas pobres” julgasse ter obtido autonomia pessoal em relação a Vargas. Aprofundou seu programa político –
que já era distinto do levado a cabo pelo governo federal – e, assim, se tornou uma ameaça, a partir do momento que
seu status político cresceu junto com sua popularidade, na capital da República, palco dos grandes acontecimentos
nacionais.

2.1.8 O Clube de Outubro e a defesa do governo provisório

124
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 122: mais de cem títulos honoríficos de várias entidades de
diversas naturezas (clubes, associações, etc).
125
A Constituição de 1934 pôs fim à interventoria de Pedro Ernesto. Ela previa a realização de eleições municipais
para a escolha do prefeito, que, desde o começo da República era nomeado pelo presidente da República.
O Clube 3 de Outubro foi criado em princípios de 1931. Entre seus fundadores estavam o general Góis
Monteiro, Pedro Ernesto Baptista e Augusto do Amaral Peixoto. Célula de organização política da velha guarda
revolucionária, ele contava com a participação de civis e militares em busca de um projeto de transformações para a
nação.

Segundo Sarmento, os participantes do Clube 3 de Outubro não pretendiam efetuar uma profunda
transformação na esfera econômica e muito menos alterar a estrutura social brasileira. O que basicamente almejavam
era a transformação do espaço político, assumindo que tal processo deveria ser imposto à sociedade “a partir da ação
da estrutura do Estado”.126
O “Clube” defendia a manutenção da ideologia e da prática dos ideais revolucionários, com a ditadura para
efetivá-los. Segundo Maria Cecília Spina Forjaz, no período logo após o movimento de 1930 o “autoritarismo, o
combate ao liberalismo e a todas as outras idéias ‘importadas’, a mentalidade anti-partido político, o corporativismo,
o nacionalismo e o objetivismo tecnocrático”127 reinaram no cenário político brasileiro, até a Revolução
Constitucionalista de 1932.
O desprezo pela atividade parlamentar, e, mais do que isso, a concepção de que a política não passava de
retórica falaciosa foram traços marcantes dos tenentes. Foram eles que propuseram concretamente a transformação
do Legislativo em Conselhos Técnicos.
Com a pressão pela redemocratização, e, depois, com a Revolta Constitucionalista de São Paulo, o governo
se viu obrigado a redemocratizar o país e o “Clube” a se envolver em um programa político partidário. A
reconstitucionalização tinha como objetivo imediato a exclusão política do tenentismo; nesse sentido, a Revolução de
1932 saiu vitoriosa.
Para Sarmento, o Partido Autonomista do Distrito Federal (PADF) teria sido “o partido que representou as
propostas do Clube 3 de outubro”.128 Na verdade, o PADF, apesar de contar com diversos nomes que fizeram parte
do Clube 3 de Outubro, tinha objetivos muito distintos dos do “Clube”.
Num primeiro momento o partido funcionou como o meio legal para que muitos dos membros do Clube 3
de Outubro concorressem nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte em 1933, porém a maioria deles se
desligou do partido pouco tempo depois ou simplesmente se manteve afastado das discussões em torno do programa
político partidário.
Maria Cecília Spina Forjaz defende a idéia de que o Clube 3 de Outubro morreu ideologicamente quando da
ocorrência da Revolução Constitucionalista de 1932. Apesar de derrotados nas armas, os paulistas conseguiram o
objetivo maior: a reconstitucionalização do país. O “Clube”, que tinha como objetivo principal a imposição dos
chamados “ideais revolucionários” por meio de um governo ditatorial, esvaziou-se e perdeu o sentido assim que o
governo provisório cedeu e acenou com a proposta de uma assembléia constituinte.

126
Carlos Eduardo Sarmento, “A arquitetura do impossível: a estruturação do Partido Autonomista do Distrito
Federal e o debate autonomista nos anos 1930”. In Marieta de Moraes Ferreira (Coord.), Rio de Janeiro: Uma cidade
na História. Rio de Janeiro, FGV, 2000, p. 79.
127
Maria Cecília Spina Forjaz, Tenentismo e forças armadas na Revolução de 1930, Forense Universitária, 1ª
Edição, 1989, Rio de Janeiro, p. 40.
128
Sarmento, “A arquitetura do impossível...” op. cit., p. 87.
O Partido Autonomista, portanto, não deixou de funcionar como um trampolim político para que os
membros do “Clube” participassem das eleições para a assembléia que elaboraria a nova constituição do país, mas as
relações dele com o Clube 3 de Outubro se resumem a esse ponto. Os objetivos centrais do partido eram outros:
funcionar como centralizador de forças em torno da obtenção da autonomia para o Distrito Federal; elevar o nome de
Pedro Ernesto como responsável por tal conquista; enfraquecer as demais lideranças locais do Rio de Janeiro; e
representar um “porto seguro” para Vargas na capital da República.
Mais tarde ficaria claro outro objetivo, desta vez de mérito pessoal de Pedro Ernesto, ao fundar o PADF:
fortalecer-se politicamente, ganhar popularidade e, após a obtenção da autonomia da cidade, aprofundar seu
programa administrativo voltado principalmente às classes trabalhadoras, apresentando-se como seu representante e
benfeitor. O sucesso de Pedro Ernesto acabou projetando seu nome nacionalmente e despertando o temor daqueles
que defendiam a centralização política em torno do chefe do executivo federal.

2.1.9 Pedro Ernesto e o tenentismo

O tenentismo partia da noção comteana que via a política como ciência, ou seja, como algo que funciona de
modo bem sucedido quando submetido ao primado da técnica, do planejamento e com profissionais especializados
no comando das funções específicas do Estado.129 No caso, a pasta da educação exigia um educador, a da saúde um
médico, e assim por diante. Em resumo: o poder emanava do saber da competência técnica.
Forjaz afirma que a perspectiva de incorporar o conflito operário para controlá-lo não era estranha à visão
comteana.130 É claro que a expansão do movimento operário criou a necessidade da elaboração das leis trabalhistas,
mas a matiz ideológica tenentista foi o diferencial para apressar as ações governamentais nesse sentido, já que nas
décadas anteriores, apesar de ter avançado, a legislação trabalhista caminhava de maneira muito lenta.
Outros temas positivistas estavam presentes na ideologia dos tenentes, podendo ser observados durante a
administração de Pedro Ernesto na capital federal: a ênfase na educação como fator de progresso social e a
insistência na “regeneração social” – este presente em vários discursos dos auto-intitulados “revolucionários”, para
se diferenciarem dos que estavam no poder antes de 1930.
O programa educacional de Pedro Ernesto, um dos grandes pilares de seu governo, baseava-se nessa idéia
de que somente com o aumento do número de prédios escolares, o aparelhamento dos colégios e a reforma do
modelo educacional é que os cariocas estariam preparados para evoluir de modo a se tornarem pessoas mais bem
preparadas profissionalmente e conscientes de seus deveres e direitos em relação à sociedade.131
Há ainda uma terceira característica do tenentismo – além da ação educacional e da regeneração moral –
citada por Forjaz: a identificação da artificialidade do Estado.132 Esse é um ponto crucial para compreendermos as
diferentes posições tomadas dentro do grupo que levou Vargas ao poder.

129
Forjaz, op. cit., p. 49.
130
Forjaz, op. cit., p. 50.
131
João Roberto Oliveira Nunes, “A administração Pedro Ernesto e a questão educacional”, dissertação de mestrado,
UERJ, 2001.
132
Forjaz, op. cit., p. 51.
Discordando de Forjaz, cabe aqui salientar que essa artificialidade não era consenso entre os tenentes.
Talvez o fosse apenas nos primeiros meses que se seguiram ao movimento de 1930, mais por estratégia do que por
ideologia. Assim que tomaram o poder e colocaram Vargas na presidência, os tenentes e seus aliados não queriam
correr o risco de um contragolpe paulista. Então, naquela ocasião, o governo autoritário era a melhor forma de
conduzir o país. Era a forma mais segura de dar os primeiros passos para a reorganização do poder. Daí
compreendermos a posição de Pedro Ernesto, homem que sempre se disse “um democrata”133, tendo pactuado com
seus colegas a favor da ditadura, como forma de preservar a nova ordem política vigente.
A estratégia da ditadura caiu por terra após as pressões paulistas, principalmente após a Revolução
Constitucionalista. O Clube 3 de Outubro, principal apoio do governo inconstitucional, se fragmentou e seus
membros migraram para a política partidária a fim de se disporem para a disputa de cadeiras na Assembléia Nacional
Constituinte. De 1933 em diante ficaram claras as discussões sobre a “artificialidade do liberalismo”: de um lado o
governo federal, querendo fechar o regime, mas de maneira gradual; de outro os integralistas, querendo fazer o
mesmo, mas de forma radical; havia ainda os militantes de esquerda – divididos entre o Partido Comunista e a
Aliança Nacional Libertadora –, que variavam entre promover maiores ganhos sociais e a defesa da implantação do
socialismo; e ainda aqueles que defendiam os valores democratas acima de tudo, antagônicos a qualquer subversão
da ordem constitucional, como era, aliás, o caso de Pedro Ernesto.
Voltando ao ideário tenentista, cabe aqui destacar outro ponto comum aos tenentes dos anos 1920 em suas
atuações administrativas na década seguinte: a visão paternalista-autoritária do conflito social. Forjaz diz que “só o
fortalecimento da coerção – provinda do Estado – é que pode afastar os riscos provenientes do conflito social,
manifestação da irracionalidade e dos maus impulsos inerentes à natureza humana”.134
Até mesmo Pedro Ernesto, que se auto-intitulava democrata, teve uma postura paternalista em relação aos
trabalhadores cariocas. Não devemos esquecer que o grande objetivo do prefeito não era diferente do de Vargas –
apesar da forma de alcançá-lo ter sido –: trazer os trabalhadores para a esfera de influência do Estado, evitando sua
organização e autonomia, a fim de utilizá-los como “trampolim político” nas eleições futuras.
A ideologia tenentista exerceu influência significativa sobre Pedro Ernesto. No “Esboço do Programa
Revolucionário de Reconstrução Política e Social do Brasil”, encontramos pontos que foram seguidos pelo prefeito,
que valem a pena serem explicitados abaixo:

Criar uma legislação operária, que logre reivindicar verdadeiramente os direitos do


trabalhador, defendendo o trabalho e tendo em vista que este não pode ser considerado
uma simples mercadoria (...). Considerar o salário vital como o mínimo necessário (...),
cumprindo aos poderes governamentais assegurarem, em toda a plenitude, o direito, ao
ensino e à educação (...). Reorganizar e racionalizar os serviços de Saúde Pública no
Brasil (...).135

133
Carlos Eduardo Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit.
134
Forjaz, op. cit., p. 78.
135
Esboço do Programa Revolucionário de Reconstrução Política e Social do Brasil, edição do Clube 3 de Outubro,
1932. Apud Forjaz, op. cit., p. 84..
É mais um exemplo da importância que era dada pelos “revolucionários” de 1930 à questão social. Isso
pode ser percebido não só pelos pontos explicitados acima, mas também pelo próprio nome dado ao “Esboço”,
intitulado responsável pela reconstrução “política e social” do Brasil. As preocupações com “o social” eram
primordiais. Soluções para a questão do crescimento do operariado eram essenciais para o sucesso dos governos da
década de 1930. Isso foi percebido de forma imediata pelos “revolucionários”, daí compreendermos as várias
estratégias que foram traçadas com o intuito de substituir a “política dos cassetetes” pela “política do diálogo”.
A posição de Pedro Ernesto, como presidente do Clube 3 de Outubro, já mostrava sua importância no
movimento de 1930 e, além disso, pode ser entendido como a demonstração de que o “Clube” não pretendia ser visto
como uma mera organização de militares. Quando prefeito, suas primeiras medidas foram voltadas para o
desenvolvimento da legislação trabalhista do funcionalismo municipal, tais como a lei de férias, a licença
maternidade e a assistência médico-hospitalar, o que mostra que o prefeito compartilhava da preocupação da época e
agia de acordo com os preceitos do Clube 3 de Outubro e de seus colegas tenentes.

2.1.10 Góis Monteiro e o fim do “Clube”

Fundado numa tentativa de aglutinar forças em torno de um programa de ações para o governo provisório, o
Clube 3 de Outubro foi uma resposta ao fracasso das chamadas “Legiões Revolucionárias”, que tinham o mesmo
objetivo, mas não alcançaram grande êxito.

O “Clube” não foi e não teve a intenção de ser um partido político, embora alguns tenham levantado essa
hipótese na I Convenção Nacional realizada no dia 5 de julho de 1932 – 4 dias antes da revolta paulista. Segundo
Forjaz136, a maioria dos tenentes recusou o envolvimento numa luta propriamente política e eleitoral para tentar
impor seu projeto à sociedade como um todo.137
Vargas inicialmente procurou apoiar-se nos tenentes a fim de dar sustentação ao seu governo. Prova disso é
que, no final de 1931, somente três estados estavam fora do domínio tenentista: Rio Grande do Sul, São Paulo e
Minas Gerais. Nessa mesma época o presidente nomeou uma série de tenentes para as interventorias estaduais, como,
por exemplo, Juracy Magalhães, na Bahia, e Pedro Ernesto, no Distrito Federal.
Afonso Henriques, em libelo escrito contra Vargas, levantou uma hipótese polêmica, mas interessante, que
não deve ser descartada: a de que Vargas teria se aproveitado da falta de experiência política dos tenentes para
utilizá-los somente até que eles não fossem necessários.138 É importante frisar que, segundo dados do próprio Clube

136
Forjaz, op. cit., p.171.
137
Os tenentes se diziam descrentes do processo político tradicional. Na época, diziam ter medo do retorno das
práticas do sistema que havia sido deposto pelo movimento de 1930. Isso pode ser percebido em algumas
correspondências trocadas entre os tenentes. Ver: CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 509, 510,
511,512.
138
Afonso Henriques, Ascensão e queda de Getúlio Vargas, o maquiavélico, Rio de Janeiro, Distribuidora Record,
s/d., pp. 138-9.
3 de Outubro, mais de 75% dos membros tinham entre 20 e 40 anos, e apenas 5% tinham mais de 50139, o que vem a
confirmar a juventude e a inexperiência apontada por Afonso Henriques.
Em meio à juventude da maioria dos tenentes encontrava-se o general Góis Monteiro, figura essencial para
compreendermos o desenrolar dos acontecimentos nos anos 1930. Um dos fundadores do Clube 3 de Outubro, ele
abandonou o “Clube” em decorrência de discordâncias com vários tenentes, retornando apenas em 1934, quando o
“Clube” já estava esvaziado da presença dos tenentes, com maioria de civis e sem o peso político de outrora.
Góis Monteiro era acusado por muitos de ter sido um “revolucionário de última hora”140, ou seja, de ter se
juntado ao movimento de 1930 somente quando percebeu que a vitória era certa. Convém lembrar que o tenentismo
causou um grave problema hierárquico dentro do exército, questão que nunca deixou de pairar nas relações que o
general estabeleceu com os tenentes.
Suas ações eram voltadas para a defesa do afastamento do exército em relação à política. Góis Monteiro era
adepto da ideologia de “soldado profissional”, que ganhou muita força principalmente a partir da influência dos
chamados “jovens turcos” – grupo de militares brasileiros que haviam passado por uma espécie de estágio na Europa
e trouxeram essas idéias ao Brasil, no fim da década de 1910. Já os tenentes eram partidários da ideologia de
“soldado cidadão”, que, ao contrário do “soldado profissional”, deveria se envolver com os assuntos políticos
nacionais de forma ativa, participando sempre que possível de debates e ações na esfera política.
Nos anos 1930 Góis Monteiro moderou convicções do passado, mas continuou se contrapondo aos tenentes,
que para ele significavam uma cisão no exército. Ele passou a defender que o Exército até poderia atuar
politicamente, mas de forma coletiva e seguindo a mesma linha, nunca se dividindo em correntes políticas distintas
ou opiniões individuais, como vemos no trecho de livro a seguir, escrito pelo próprio Góis Monteiro: “(...) sendo o
exército um instrumento essencialmente político, a consciência coletiva deve-se criar no sentido de se fazer a política
do exército, e não a política no exército (...), suprimindo, quanto possível, o individualismo ou qualquer outra espécie
de particularismo”.141
No início dos anos 1930, como é possível perceber pela leitura do trecho acima, o general passou a defender
uma “terceira via”, diferente do “soldado cidadão” ou do “soldado profissional”: um intervencionismo controlador.
O exército não mais seria neutro, tendo que agir como grupo para manter a “ordem” e assegurar a segurança
nacional. Góis Monteiro se tornou um dos principais aliados de Vargas, contribuindo de maneira decisiva para o
paulatino fechamento do regime. Se o general via os tenentes como militares que subverteram a hierarquia, tinha
menos apreço ainda por um tenente que nem militar era: o prefeito Pedro Ernesto Baptista.
Após a revolta paulista Vargas percebeu que não mais conseguiria governar sem uma constituição. Portanto,
o grupo que sustentava sua ditadura não mais teria a importância que tivera até ali. Logo, era necessário se livrar da
grande influência dos tenentes. Segundo Alain Rouquié142, Vargas contou com Góis Monteiro para minar as
aspirações políticas tenentistas. O próprio general confirmou isso com suas palavras, afirmando que “a Revolução

139
Forjaz, op. cit., p. 132.
140
Para mais detalhes, ver: CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 524.
141
Góis Monteiro, A Revolução de 30 e a finalidade política do Exército, Rio de Janeiro, Andersen, s/d., p. 163.
142
Alain Rouquié, Papéis e comportamentos políticos das Forças Armadas na América Latina (1930-1945).
Algumas reflexões para um estudo comparativo, papel apresentado no “Seminário sobre a Revolução de 30”,
organizado no CPDOC - FGV, Rio de Janeiro, 22 a 25 de setembro de 1980, p.7, mimeogr.
Paulista trouxe uma conseqüência boa: restabeleceu a disciplina no Exército, que estava, realmente, ao sabor das
conveniências de alguns elementos agitadores e exploradores da farda”.143
Góis Monteiro foi um dos fundadores do Partido Autonomista do Distrito Federal, juntamente com Pedro
Ernesto, Mendonça Lima e João Alberto, mas não demorou a desligar-se dele, após um desentendimento público que
teve com o prefeito do Distrito Federal.
Na qualidade de Ministro da Guerra, Góis arquitetou o plano de combate ao comunismo e de defesa da
segurança nacional, que culminou na aprovação da Lei de Segurança Nacional144 (LSN) em abril de 1935.145 No mês
seguinte pediu demissão, em virtude de uma crise que se desenrolou de uma punição que ele estabeleceu a militares
que o haviam interpelado sobre o reajuste dos vencimentos militares, prometido há muito pelo governo. Em seu
discurso de despedida, Góis acusou o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, de ter sido o responsável
por sua saída do governo.146
Mas o tempo que passou longe do governo federal não foi muito demorado, já que Góis era uma figura
muito importante para Vargas. Ele logo retornou como chefe do Estado Maior do Exército, em 07/08/1937,
participando de encontros de cúpula que definiram os rumos do país. Em 27/09/1937, numa importante reunião147
que salientou a necessidade do combate ao comunismo, Góis defendeu a implementação da ditadura, o que foi
postergado para novembro em razão da indefinição do general Dutra, então Ministro da Guerra, em apoiar a
medida.148
A presença de Góis Monteiro no movimento tenentista é mais uma prova da grande heterogeneidade do
grupo. Os tenentes, que tinham cindido com a desaprovação de Luís Carlos Prestes ao movimento de 1930149,
ganharam importância até 1932, chegando a ter influência na maioria dos Estados da nação, mas depois sofreram um
duro golpe com a reconstitucionalização do país. Foi o fim de fato do movimento tenentista, com seus líderes e
militantes tendo se dispersado entre os mais distintos partidos políticos e as mais diferentes ideologias.
Do tenentismo na década de 1920 Prestes aderiu ao comunismo, Costa Leite se tornou um dos fundadores
da Aliança Nacional Libertadora, Pedro Ernesto se auto-intitulou um democrata contra qualquer tipo de extremismo
de esquerda ou de direita, e outros muitos juraram fidelidade a Vargas e se posicionaram junto ao presidente mesmo

143
Góis Monteiro, op. cit. p. 208.
144
Lei nº 38, de 04/04/1935.
145
Oswaldo Aranha, na época Embaixador do Brasil nos Estados Unidos, escreveu a Góis Monteiro sobre a LSN: “A
Lei que você formulou me faz rir, o que significa na realidade chorar quando nada pode ser feito (...). O Estado
policial não pode sobreviver; só leva à decadência, anarquia e desordem”. Apud Conniff, op. cit., p.188.
146
Oficiais da cidade de Cachoeira do Sul, situada no Rio Grande do Sul, interpelaram Góis Monteiro sobre o projeto
de aumento do soldo dos militares, que há muito transitava no congresso sem uma definição. Góis Monteiro
imediatamente puniu esses oficiais. Flores da Cunha, governador gaúcho e importante articulador político da época,
aproveitou essa situação para insuflar os militares a pressionar o governo federal pela demissão de Góis Monteiro do
cargo de Ministro da Guerra. Diante de tal situação, Góis Monteiro entregou o cargo em 7 de maio de 1935. Daí em
diante as relações entre o ex-Ministro da Guerra e o governador gaúcho, que já eram ruins, pioraram de maneira
definitiva. Para mais informações, ver: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital,
verbete Flores da Cunha.
147
Dessa reunião participaram Góis Monteiro (chefe do Estado-Maior do Exército), José Antônio Coelho Neto
(diretor de aviação), Newton de Andrade Cavalcanti (comandante da 1ª Brigada de Infantaria), Felinto Muller (chefe
de polícia do Distrito Federal) e Dutra (Ministro da Guerra).
148
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Góis Monteiro.
149
Ver manifesto de Prestes, publicado no Diário da Noite, em 29/05/1930.
quando os planos para a ditadura do Estado Novo se apresentaram irredutíveis, casos de Carlos Chevalier, Cristóvão
Barcelos, Mendonça Lima e, principalmente, Góis Monteiro.
Vargas precisava do “pulso firme” de Góis, general experiente e de grande influência não só nos meios
militares, mas no cenário político da época. A imposição da hierarquia e da disciplina, o combate ao comunismo e a
perseguição a quem se tornava um empecilho ao estabelecimento de um governo forte e centralizado, eram
atribuições que Vargas sabia que ninguém melhor do que Góis saberia colocar em prática. Assim, foi formado o
grupo que deu sustentação a Vargas e eliminou politicamente seus inimigos, acusando-os de envolvimento na
Intentona de 1935. Góis Monteiro, Felinto Muller, Mendonça Lima e Eurico Dutra – este o último a apoiar o plano
da ditadura – foram os homens de confiança do presidente.
Pedro Ernesto, após a morte política do Clube 3 de Outubro e a desagregação dos tenentes, optou por fazer
do Partido Autonomista seu sustentáculo rumo à prefeitura e, depois de eleito, assumiu de vez uma postura autônoma
ao governo federal, com projetos educacionais alternativos e posição política independente, almejando uma relação
direta com os trabalhadores urbanos através da criação da União Trabalhista do Distrito Federal. Sua popularidade
tornou-se uma ameaça ao governo federal, que não poderia admitir um projeto político autônomo e bem sucedido, o
que levou Pedro Ernesto a entrar na lista de perseguição de Góis Monteiro e Felinto Muller.

2.1.11 O Partido Autonomista e a vitória nas urnas

Encerrada a Revolução Constitucionalista, Vargas cedeu e cada vez mais deu a entender que optaria pela
reconstitucionalização do país. Os tenentes, enfraquecidos, notaram a dificuldade da manutenção da ditadura e
temeram o retorno do poder aos paulistas, como é perceptível em carta escrita por Honório Cavalcanti a Pedro
Ernesto, dois meses depois do fim do movimento paulista, em 01/12/1932:

O Getúlio, se continuar com as condescendências que tem tido, acabará corrido a pau de
vassoura. Não mais se satisfarão em chamá-lo de chuchu ou banana. Eu sei que ele não
correrá risco, pois o que eles querem é assaltar o poder. De posse do mesmo prendê-lo-
ão e o deportarão talvez em um transatlântico de luxo, mas nós que nos sacrificamos
para dar à nação um governo honesto e moralizador, veremos voltar as vantagens do
PRP e iremos para os calabouços.150

O comentário de Honório Cavalcanti sobre a possibilidade de um novo golpe de Estado, que partiria do
Partido Republicano Paulista, revela a enorme insatisfação dos tenentes com a mudança de postura de Vargas. Não
havendo mais condições para a manutenção do governo inconstitucional, os tenentes perceberam que não mais
teriam a importância que tiveram outrora para o presidente.
A sobrevivência política dos tenentes passou a depender da disputa em outra esfera: nos partidos políticos.
Pedro Ernesto não tardou a perceber as mudanças da “regra do jogo”, tratando de se preparar para as disputas

150
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 503.
eleitorais que viriam. Ele levava à frente sua interventoria com base no investimento em educação e saúde, obtendo
popularidade e buscando alianças com políticos locais tanto para as eleições da constituinte como para a obtenção da
desejada autonomia para o Distrito Federal. A autonomia carioca, aliás, constava no programa da Aliança Liberal,
mas o presidente Vargas protelava em colocar em prática – provavelmente com medo de perder o controle da
principal praça política do país, a capital da República, num momento em que ainda buscava solidificar sua posição
como chefe do executivo nacional.
O prefeito encabeçou a criação do Partido Autonomista do Distrito Federal (PADF), que aglutinou políticos
e pessoas importantes da opinião pública em torno da idéia de autonomia para a capital da República, questão que
suscitava discussões desde a proclamação da República.151
No dia 06/03/1933 vários jornais publicaram uma matéria paga dando ciência da existência do novo partido.
Entre as principais diretrizes programáticas do PADF estava a criação de um programa educacional que defendesse o
ensino primário obrigatório e o secundário e o profissional gratuitos, a elaboração de legislação trabalhista, da
previdência social, um salário-base, lei de férias, aposentadoria e licenças regulares.
O texto falava da necessidade da organização do trabalho de maneira a colocar empregados e empregadores
em colaboração, o que mais uma vez mostra a importância da questão trabalhista no contexto da época. O
incremento industrial objetivado por Vargas e por seus colaboradores implicaria o aumento substancial do operariado
urbano, que já crescia antes mesmo do movimento de outubro de 1930. Logo, havia a prioridade de tratar a questão
do trabalho, a fim de evitar problemas sociais mais graves, tais como greves, pressões sindicais e atividades
anarquistas e comunistas.152
No espaço de divulgação do Partido Autonomista há ainda, nos itens b e c, referências à representação
profissional como órgão das profissões para transformar as reivindicações em leis claras e exeqüíveis e a definição
de sindicato como sendo o órgão profissional responsável por representar o empregado ou o empregador dentro da
legislação vigente. O texto tinha as assinaturas de Pedro Ernesto, Góis Monteiro, João Alberto e Mendonça Lima.153
Essas preocupações não eram somente do governo federal e do Partido Autonomista, mas pairavam no meio
político em geral. Se antes a questão social era tratada com violência, a postura passou a ser outra. Era extremamente
necessário legislar de modo a manter um controle sobre o crescente grupo proletário a fim de ser possível vigiá-lo e

151
Para mais informações sobre a histórica discussão sobre a autonomia carioca ver Américo Freyre, “República,
cidade e capital: o poder central e as forças políticas do Rio de Janeiro no contexto da implantação republicana”. In
Marieta de Moraes Ferreira (Coord.), Rio de Janeiro: Uma cidade na História. Rio de Janeiro, FGV, 2000.
152
É importante lembrar que desde a Revolução Russa, que ocorreu em 1917, havia aumentado a preocupação
internacional com a situação dos trabalhadores. O temor era que as más condições de vida e a exploração do trabalho
pudessem acarretar outras revoluções socialistas. A Organização Internacional do Trabalho já na década de 1920
pressionava os governos nacionais a implementar uma legislação trabalhista que atendesse às demandas dos
trabalhadores. Geraldo Mesquita Júnior, Breve história do socialismo, Brasília, Senado Federal, 2003. O autor afirma
à p. 59: “Os acontecimentos de 1917/1919 serviram de alerta em várias partes do mundo. Em 1919, realizou-se em
Washington a primeira Conferência da OIT (Organização Internacional do Trabalho), então recém fundada, e as
principais reivindicações trabalhistas começaram a granjear reconhecimento na maioria dos países democráticos,
como o regime de 8 horas de trabalho diário, normas de proteção do trabalho das mulheres e dos menores, e
condições mínimas de higiene e segurança do trabalho”. Também, a propósito: “Em estudo das condições de
trabalho no Brasil. O discurso do Sr. Albert Thomas no banquete de ante-ontem”, Jornal do Brasil, 18/07/1925.
153
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 06/03/1933.
controlar suas ações. A intenção era não dar margem para o crescimento das insatisfações populares que abririam,
por conseguinte, oportunidades para que o comunismo chegasse ao poder.
A disputa pelo privilégio de estar à frente dessa política preocupada com os problemas sociais se deu nas
eleições, que tinham novos participantes. A constituição de 1934 estabeleceu o direito de voto às mulheres e aos
maiores de 18 anos, criando entre os partidos políticos a necessidade de se movimentarem a fim de buscar o apoio
desses novos eleitores para as eleições municipais seguintes e para o pleito presidencial previsto para 1938. Assim
acirrou-se a competição político-partidária.
O Partido Autonomista foi criado 15 dias antes do fim do prazo para as inscrições eleitorais, num momento
em que vários partidos foram fundados visando as eleições do dia 3 de maio seguinte para a assembléia nacional
constituinte.
No Rio de Janeiro competiam, além do Partido Autonomista, alguns candidatos avulsos – o que era
permitido na época –, o Partido Nacional do Trabalho – o que mostra, novamente, essa tendência política geral de
atenção às questões e problemas dos trabalhadores, no início da década de 1930 – e o Partido Economista.
A oposição a Vargas em 1933, nessas eleições para a constituinte, concentrava-se no Partido Democrático,
encabeçado por Adolfo Bergamini, e no Centro Republicano, chefiado por Henrique Dodsworth – é interessante
perceber que o futuro interventor federal na cidade do Rio de Janeiro, em 1937, era oposição em 1933. Essas
lideranças políticas migraram para o Partido Economista, organizado por empresários, e que acabou ficando em
segundo nas eleições constituintes, elegendo Miguel Couto e Dodsworth. Bergamini saiu derrotado do pleito
eleitoral.
Havia 60 mil eleitores cadastrados e regularizados para votarem na capital da República. Segundo o Jornal
do Brasil esses eleitores deveriam eleger 10 deputados constituintes, existindo para isso um quociente eleitoral que
resultava do número total de eleitores dividido pelas cadeiras que o Distrito Federal tinha direito. Esse quociente
eleitoral, portanto, equivalia a 6 mil votos.154 Quem tivesse 12 mil votos, por exemplo, poderia levar consigo outro
deputado do mesmo partido.155
Na eleição para a Assembléia Constituinte apenas 27% dos votos dados aos candidatos do PADF (11 mil
dos 41 mil) levaram o nome do partido; o resto estava em branco ou levou os nomes dos chefes locais que
distribuíram as cédulas. Isso indicava que a lealdade do eleitor permanecia mais com os chefes locais do que com o
partido – permanência da prática eleitoral da República Velha, que se baseava no “curral eleitoral”156 e no “voto de
cabresto”157, o que não era exclusividade das áreas rurais.

154
Resultado do número de eleitores, 60 mil, dividido pelo número de cadeiras, 10.
155
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, 02/05/1933.
156
Prática comum na República Velha. Os trabalhadores eram levados em grupo, pelo dono da terra em que
trabalhavam, até a urna eleitoral para efetuar o voto. Por chegarem agrupados e em grande número ao local de
votação, foi feita uma comparação entre esses votantes e o curral onde os bois se situam na fazenda. Apesar de
existirem mais menções sobre a ocorrência dessa prática no meio rural, ela também existia nas cidades. O político
que tinha influência em determinada região pagava as despesas de alimentação e transporte para que as pessoas desse
lugar fossem levadas até o local de votação, a fim de assegurar que seus eleitores comparecessem ao pleito eleitoral.
Para mais informações ver: Jairo Nicolau, História do voto no Brasil, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2004.
157
Nome dado ao voto efetuado durante a República Velha – prática que não cessou totalmente até hoje – por causa
da forma autoritária como o eleitor era levado até a urna e pressionado a votar que acordo com os interesses do
político responsável por seu transporte. Normalmente o político que praticava o “voto de cabresto” era patrão do
Segundo o brasilianista Michael Conniff essa situação determinou uma nova estratégia para o PADF nos
dezoito meses seguintes: a de “usar Pedro Ernesto como um símbolo populista”.158 Conniff afirma que foi a partir
desse momento que a popularidade do prefeito, que já era significativa, ganhou um status assustador para seus
adversários políticos. Para a divulgação da imagem do “médico bondoso” foi utilizado o rádio – tática inovadora –,
meio eficaz de atingir principalmente os analfabetos, que votavam, mas não tinham como ler os periódicos diários.
Antes mesmo de Vargas criar a "Hora do Brasil" – o que foi feito em 1934 –, Pedro Ernesto já usava uma
rádio-escola, a PRD-5, órgão educacional da Secretaria de Instrução Pública, para veicular notícias sobre os serviços
oferecidos pela prefeitura. A mesma rádio também serviu, posteriormente, como meio de divulgação do nome de
Pedro Ernesto pela cidade, durante sua campanha nas eleições municipais de 1934. Isso mostra que o prefeito estava
na vanguarda da propaganda política que se desenvolvia no início da década de 1930.
Com pouco tempo para o registro do eleitor, a eleição de 1933 teve 9% a mais de votos do que a de 1930. Já
a eleição municipal de 1934 recebeu 110 mil votos válidos, quase o dobro dos de 1930. Embora o eleitorado tivesse
crescido de 220 mil para 750 mil entre 1920 e 1940, o número de votos dados entre 1922 e 1934 subiu mais rápido
ainda, num índice cinco vezes maior do que o crescimento da população da cidade no mesmo período.159
A estratégia do Partido Autonomista nas eleições municipais de 1934 foi simples e objetiva: orientar os
eleitores para escreverem nas cédulas o nome do partido ou de Pedro Ernesto. O resultado foi o sucesso triunfante do
partido e, principalmente, do tenente-civil. Cerca de 45 mil cédulas (42% do total) tiveram o nome de Pedro Ernesto.
Das 10 cadeiras de representantes do Distrito Federal na Câmara dos Deputados, 8 foram para o Partido
Autonomista. Já na Câmara Municipal, 20 das 22 dos vereadores ficaram com o partido, confirmando Pedro Ernesto
como primeiro prefeito eleito da História do Rio de Janeiro, embora de forma indireta, em votação promovida entre
os vereadores eleitos.160

2.1.12 Razões do sucesso do PADF: novas e antigas práticas eleitorais

Segundo Sarmento161, no início dos anos 1930 o objetivo político de Vargas no tocante à cidade do Rio de
Janeiro era o seguinte: limitar a atuação dos políticos locais por pura precaução, a fim de neutralizar a política
carioca e manter a estabilidade do governo federal que tinha sede na cidade. Para Nunes162 e Sarmento163, Pedro
Ernesto buscou criar para Vargas uma base de sustentação na política local carioca, num momento em que todo
apoio era bem vindo para fortalecer um governo provisório e ainda inconstitucional.

eleitor, dono da terra onde ele trabalhava ou tinha grande influência na área onde o eleitor morava, o que era usado
como forma de intimidação sobre o votante.
158
Michael L. Conniff, Política urbana no Brasil: a ascensão do populismo, 1925-1945, Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 2006 p. 142.
159
Idem, ibidem, p. 154.
160
Idem, ibidem.
161
Sarmento, “A arquitetura do impossível...” op. cit.
162
João Roberto Oliveira Nunes, “A administração Pedro Ernesto e a questão educacional”, dissertação de mestrado,
UERJ, 2001.
163
Sarmento, “A arquitetura do impossível...” op. cit.
Embora a importância do apoio do presidente ter sido muito maior para os políticos cariocas do que a
contrapartida deles para Vargas, não podemos esquecer que estamos falando do centro da política nacional. Embora
muitos desses políticos cariocas não tivessem projeção nacional, a cidade era o cenário político que irradiava
tendências políticas para o restante do país, principalmente por intermédio da imprensa.
Pedro Ernesto aumentava seu prestígio junto ao presidente dando a ele o máximo que poderia dentro das
suas funções de prefeito: garantir a fidelidade da maioria dos políticos do Distrito Federal164, pedindo em troca algo
que já figurava no programa da Aliança Liberal – que havia tido como candidato o próprio Vargas em 1929 –: a
autonomia da capital da República.
A adesão dos políticos cariocas a Pedro Ernesto foi maciça: havia os que viam na autonomia a possibilidade
de ganharem expressão nacional; os que enxergavam a oportunidade de se livrarem da tutela que o senado e o
presidente exerciam sobre a câmara municipal e o prefeito; e também os que aderiram somente pelo medo de ficarem
isolados politicamente.
A estrutura do Partido Autonomista era muito bem definida. Foram criadas dezenas de diretórios ao longo
da cidade, cada um com um líder local responsável. Esses diretórios tinham a função de fazer propaganda política,
cadastrar os eleitores, cooptar cabos eleitorais e orientar a população sobre como votar.
Um fator que ajudou o PADF nas eleições para a constituinte e para o município foi a introdução do voto
feminino, dos maiores de 18 anos e, principalmente, o voto secreto. Tal medida aumentou o eleitorado, trazendo para
a arena política parcelas da população que nunca haviam votado e não estavam – pelo menos teoricamente –
vinculadas a nenhum “curral eleitoral”, ou seja, não estavam acostumadas a votar em um determinado político. Já o
voto secreto ajudou na diminuição das pressões dos líderes políticos tradicionais sobre seus antigos correligionários.
Logo, na teoria, o tradicional “voto de cabresto”, famoso na República Velha e prática comum em várias regiões das
grandes cidades, sofreu uma derrota significativa.
Por outro lado, como na História as mudanças nunca ocorrem de forma drástica, mas de maneira paulatina,
algumas antigas práticas eleitorais continuaram em voga. O curioso é que tais práticas, criticadas pelos tenentes,
foram utilizadas por muitos participantes do movimento tenentista, o que revela a hipocrisia do discurso moralizador
dos que se auto-intitulavam “revolucionários” . A aproximação de Pedro Ernesto com os sambistas Flávio das Neves
– então presidente da Associação das Escolas de Samba, em 1933 –, Paulo da Portela e Saturnino Gonçalves – este
último da Mangueira –, por exemplo, tinha o intuito claro de estabelecer vínculos com os eleitores da periferia e
incentivar através desses intermediários a presença eleitoral desses cidadãos que por um bom tempo ficaram longe da
atividade política. Nesse sentido, o apoio oficial pioneiro dado pela prefeitura ao desfile das escolas de samba, em
1933, fazia parte da estratégia inovadora de mudar a imagem do Estado de repressor a aliado, mas, por outro lado,
também tinha um intuito eleitoreiro de curto prazo.

164
O fim do governo provisório e as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte (ANC) aumentaram o poder
de barganha de Pedro Ernesto junto a Vargas. Ao eleger, através do Partido Autonomista do Distrito Federal, 8 dos
10 representantes do Distrito Federal para a ANC, o prefeito deixou de ser um mero líder de políticos locais,
passando a representar deputados que serviriam aos interesses do presidente na elaboração da nova constituição.
Ganhando maior projeção nacional, o Partido Autonomista fortaleceu-se politicamente na luta pela autonomia da
capital federal.
Há ainda um outro exemplo de continuidade das práticas eleitorais da República Velha. Encontramos uma
carta em que um homem não identificado, cabo eleitoral de Pedro Ernesto, cobrava ao prefeito os custos que teve
com transporte e alimentação de centenas de eleitores que ele recrutou nos morros da cidade no dia do pleito
eleitoral.165 Isso reafirma a permanência de práticas antigas de recrutamento eleitoral e mostra que as mudanças
defendidas pelos tenentes tinham o objetivo de combater os adversários políticos e não de moralizar as eleições.
Entre os que se colocaram contra o Partido Autonomista e acabaram sofrendo grandes derrotas podemos
citar dois políticos locais importantes: Henrique Dodsworth e Solano Cunha.166 Dodsworth defendia a autonomia,
mas se colocava contra o partido fundado pelo prefeito, para ele apenas um meio pelo qual Pedro Ernesto estabelecia
uma relação de patronagem, distribuindo cargos de forma irresponsável e com objetivos unicamente políticos. Já
Solano Cunha era contra a autonomia, dizendo que ela significaria a diminuição dos investimentos da União na
cidade, acarretando prejuízos ao Rio de Janeiro.
Porém, a aprovação da autonomia carioca através de uma emenda constitucional proposta por Jones Rocha –
deputado eleito pelo PADF para a Assembléia Nacional Constituinte e homem de confiança de Pedro Ernesto –, em
junho de 1934, deu ainda mais força ao Partido Autonomista do Distrito Federal para as eleições municipais.
O PADF alcançou grande sucesso num curto espaço de tempo. Sarmento, em seus estudos, se refere à
formação do Partido Autonomista como a “arquitetura do impossível”, devido à grande heterogeneidade de seus
membros. Podemos afirmar que, se num primeiro momento essa heterogeneidade foi o ponto forte do partido,
levando-o à esmagadora vitória nas eleições municipais, num segundo momento as divergências dentro do partido
acabaram por levar à sua fragmentação poucos anos depois de sua fundação.

2.1.13 A carta de 1934: o trabalhismo em destaque

É importante abrir espaço para uma curta avaliação do significado da primeira constituição da chamada “Era
Vargas”. A medida que afetou diretamente a cidade do Rio de Janeiro foi a autonomia política e administrativa dada
pela Carta de 1934, mas é importante ainda analisar outros trechos dessa constituição que afetaram a vida política
nacional, principalmente no tocante às inovações trabalhistas.
Vargas já havia dado os primeiros passos no sentido de se aproximar dos trabalhadores, graças ao trabalho
que seus ministros da pasta do Trabalho vinham desenvolvendo desde o início do governo provisório, tendo como
pioneiro, nesse sentido, o canal aberto por Lindolfo Collor167 junto a lideres anarquistas e sindicais, com os quais
estabeleceu diálogos imprescindíveis para a significativa aproximação entre Estado e trabalhadores.
A carta de 1934 tornou essa ligação mais sólida a partir do momento que homologou definitivamente
medidas antes colocadas em vigor por decretos e acordos. O artigo 121 estabeleceu a necessidade da criação do
salário mínimo; proibiu a diferença de salário por motivo de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil; reafirmou a

165
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 519.
166
Sarmento, “A arquitetura do impossível...” op. cit.
167
Para mais informações ver Orlando de Barros, “Os intelectuais de esquerda e o ministério Lindolfo Collor”. In
Jorge Ferreira (org.), História das esquerdas no Brasil. 3 v., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007.
jornada de oito horas de trabalho semanal168, motivo de discussões acaloradas desde a década de 1920; e protegeu o
trabalhador com férias anuais remuneradas e indenização por dispensa sem justa causa. A constituição acenou ainda
com a criação da Justiça do Trabalho, com a presença de representantes de empregados e empregadores nas
audiências a serem realizadas.169
As medidas trabalhistas, portanto, não devem ter como marco fundamental a promulgação da Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT) – de 1943, tal como afirma Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira. Encontramos no
ano de 1934 a consolidação de todo um trabalho que começou no ministério de Lindolfo Collor, ainda em 1930.
Embora algumas dessas medidas tenham entrado em vigor somente no Estado Novo, e, outras ainda postergadas para
o fim da ditadura Vargas, é incontestável estabelecer o ano de 1934 como um marco fundamental da reforma e
desenvolvimento dos direitos dos trabalhadores.
Portanto, a primeira constituição do governo Vargas deve ser entendida como um marco da mudança de
postura do poder público em relação aos trabalhadores. É a consolidação da mudança da “política dos cassetetes”
para a “política do diálogo”. Assim Vargas procurou trazer o grupo dos trabalhadores urbanos, que cada vez crescia
mais, para a sua esfera de influência.
Outro assunto abordado na constituição que merece ser analisado mais detidamente é o título VI, referente à
segurança nacional. A criação do Conselho de Segurança Nacional deu poderes ao presidente da República, aos
Ministros de Estado, ao Chefe do Estado-Maior do Exército e ao Chefe do Estado-Maior da Marinha para decidirem
quando alguma questão estaria ou não afetando a segurança do país, abrindo espaço para a subjetividade dessa
decisão.
O artigo 161, que tratava do Estado de Guerra, estabelecia a suspensão das garantias constitucionais que
pudessem prejudicar direta ou indiretamente a segurança nacional. Inicialmente previsto somente em caso de
hostilidade com outros países, esse artigo foi modificado no ano seguinte, em razão da chamada “Intentona
Comunista”, aumentando os poderes estatais e ampliando a possibilidade de suspensão dos direitos constitucionais, o
que abriu caminho para que o presidente fizesse uma verdadeira perseguição aos comunistas, prendendo opositores e
quem mais pudesse ameaçar seus planos centralizadores, entre eles o prefeito do Distrito Federal, que estava cada
vez mais popular entre os trabalhadores e ganhava projeção nacional.

2.1.14 Jornais na campanha de descrédito a Pedro Ernesto

A campanha contra Pedro Ernesto encontrou eco em alguns órgãos da imprensa, que havia se dividido entre
o apoio ou não ao prefeito da capital da República.
O Diário da Noite, em 13/05/1935, chegou a chamar a recém-fundada União Trabalhista do Distrito Federal
de um Partido Socialista.170 Na mesma edição esse mesmo jornal ainda afirmou em manchete que “o senhor Pedro

168
Para se ter idéia da grande discussão que suscitava a questão da jornada de trabalho semanal, ver o jornal O Globo
em outubro de 1931, que fez um debate com vários representantes de patrões e empregados.
169
Constituição do Brasil, 1934, artigo 121.
170
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 13/05/1935.
Ernesto vai assumir a presidência da Aliança Nacional Libertadora” e ainda listou em tópicos o que seria o programa
da União Trabalhista.
Segundo o Diário da Noite a União Trabalhista defendia a nacionalização das minas e riquezas geológicas
nacionais e a participação direta do Estado no lucro das grandes empresas nacionais, assuntos nunca mencionados
pelo prefeito ou por qualquer outro participante da fundação do órgão no dia anterior.
Ainda no intuito de trazer complicações a Pedro Ernesto junto ao governo federal, o jornal mencionou que a
União Trabalhista lutaria pela defesa do proletariado contra a exploração e usura capitalista171, o que batia de frente
com a Lei de Segurança Nacional aprovada em abril no mesmo ano172, voltada principalmente a combater toda e
qualquer manifestação de caráter socialista, o que parecia ser o caso.
Diante desse ataque direto de alguns periódicos ao prefeito, em 19/06/1935 foi publicada em vários jornais
uma matéria paga intitulada de “manifesto das classes trabalhadoras ao povo carioca”. O texto desse manifesto foi
assinado por diversos sindicatos e associações, inclusive pelas federações dos Trabalhadores Marítimos e dos
Trabalhadores Terrestres.
Foram feitas muitas críticas à imprensa, à qual foi atribuída a responsabilidade por uma campanha de
descrédito contra Pedro Ernesto. A nota afirmou que “(...) essa campanha, que, todos sabem, se origina dos ódios e
despeitos dos exploradores de todas as matizes contra o programa de realizações humanitárias que o governador da
cidade, dentro das possibilidades constitucionais, vem executando nesta capital”.
Após a defesa enfática do programa de governo do prefeito, o texto propunha o boicote aos jornais O Globo
e Diário da Noite, que, segundo o manifesto, seriam “pasquins que não devem merecer a leitura e muito menos o
apoio do proletariado consciente”.173
Convém lembrar que tanto Orlando Ramos, presidente da Federação dos Trabalhadores Marítimos, como
Alberto Santos, presidente da Federação dos Trabalhadores Terrestres, estiveram presentes e discursaram na
cerimônia de fundação da União Trabalhista do Distrito Federal. Este órgão, inclusive, chegou a contar com a adesão
de 70 sindicatos, o que totalizou aproximadamente o número de 30 mil trabalhadores filiados a esta organização
criada por Pedro Ernesto, prova definitiva da força que o prefeito adquiriu entre os trabalhadores da capital da
República em meados de 1935.

2.1.15 De Pedro Ernesto para o povo: discursos do líder populista

Desde o início de seu governo, ainda na qualidade de interventor, o prefeito se posicionava como parceiro
dos trabalhadores, alguém digno de toda a confiança e profundo conhecedor dos problemas populares. O fato de ser
médico ajudava bastante: o “doutor Pedro Ernesto” era quem traria o remédio para os males enfrentados pelos pobres
e desprovidos.

171
Biblioteca Nacional, periódico A Noite, 13/05/1935.
172
Lei nº 38, de 04/04/1935.
173
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 553 e 554.
O médico pernambucano tinha ainda a favor de si os inúmeros atendimentos gratuitos que havia realizado
em sua Casa de Saúde, durante a década de 1920. Mas a suposta generosidade teve o seu preço cobrado na campanha
eleitoral de 1934: a “lógica do dar-receber-retribuir”, concebida por Ângela de Castro Gomes174 para justificar o
apoio que Vargas recebeu dos trabalhadores, esteve presente na política de Pedro Ernesto, principalmente no período
eleitoral para a escolha dos deputados da constituinte e, em seguida, no pleito municipal de 1934. Era de se esperar
que a população apoiasse quem já os havia prestado atendimento de graça. Isso não era um pedido, mas uma
obrigação moral.
A proteção aos indefesos e a valorização dos trabalhadores é algo bastante comum nos discursos de Pedro
Ernesto. Pelas palavras dele percebemos a clara mudança de postura que o Estado passou nos anos 1930,
substituindo o uso da força pelo diálogo com o operariado. Não encontramos nenhum discurso em que Pedro Ernesto
tenha feito críticas a manifestações ou movimentos dos trabalhadores. Sua aproximação com o operariado nunca
deixou de ser vista com desconfiança por diversos setores da sociedade – entre os quais a Igreja Católica, os
integralistas, políticos governistas e até por membros de seu partido –, o que lhe valeu a pecha de comunista desde o
início de seu governo e acabou causando uma cisão no Partido Autonomista, após a criação da União Trabalhista, em
maio de 1935.
Quando tomou posse como interventor, Pedro Ernesto criou o lema “honestidade, justiça e trabalho”, que
reafirmou inúmeras vezes ao longo de sua gestão. À primeira vista, pode parecer um simples chavão sem muita
importância. Porém, o comentário do interventor sobre o porquê da escolha desse lema nos deu informações
importantes para percebermos o rumo traçado por ele desde o início de seu governo.175 A “honestidade”, algo
imprescindível na imagem de um bom político, vinha de seu suposto passado de médico unicamente preocupado com
a saúde da população, sem a obsessão pelo lucro – fruto dos atendimentos gratuitos. A “justiça” era uma idéia fixa
repetida pelos participantes do movimento de 1930, que viam a derrubada de Washington Luís como algo essencial
para o restabelecimento da justiça no Brasil; justiça no sentido amplo: fim da corrupção, das fraudes eleitorais e do
cabide de empregos – o que impulsionou a criação dos conselhos técnicos e a valorização do conhecimento
científico. E, finalmente, o “trabalho” era um aceno em direção aos trabalhadores. Claro que Pedro Ernesto se
colocou como um deles, um membro ativo desse grupo que crescia a passos largos e que precisava ser trazido para
junto do Estado. Os trabalhadores não podiam ser inimigos do Estado, o que fortaleceria partidos e organizações de
esquerda. Havia uma necessidade, compreendida pela maioria dos homens poderosos da década de 1930, de tornar os
trabalhadores parceiros, aliados, e, em última instância, eleitores para futuras disputas eleitorais. Este era o cerne da
política populista e Pedro Ernesto estava totalmente inserido nela.
O programa de governo do prefeito, no que se refere à saúde e à educação, foi alvo de muitas críticas. Os
donos de Casas de Saúde, que se viam destinados à falência com a criação dos grandes hospitais, denunciaram o alto
custo das obras e o suposto “cabide de empregos” devido ao grande número de cargos criados para preencher a
burocracia das novas instalações.176 Já os problemas em torno da educação foram ainda mais difíceis de serem

174
Ângela de Castro Gomes, A invenção do trabalhismo, Rio de Janeiro, FGV, 2002, p. 226.
175
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 881 e 882.
176
Essa é uma acusação que, pelo que pudemos perceber pela análise dos periódicos da época, Pedro Ernesto
enfrentou diversas vezes ao longo de seu governo, como interventor e, posteriormente, na qualidade de prefeito
contornados em razão do embate contra a Igreja na questão da obrigatoriedade ou não do ensino religioso nas
escolas. As inovações implementadas por Anísio Teixeira, que não era bem visto por setores do governo federal –
que eram contra a manutenção de professores assumidamente comunistas – era outro fator contribuinte para que o
prefeito viesse a público pedir o apoio popular, imprescindível para garantir a manutenção de sua política nessas
duas áreas.177
A abertura do VII Congresso Nacional de Educação, em 26/06/1935, foi uma ocasião bastante significativa,
em que Pedro Ernesto – que tomara posse como prefeito eleito há pouco – defendeu o investimento Estatal em saúde
e educação, exaltando, por conseguinte, sua administração:

Sentimos, desde o primeiro instante em que nos vieram aos ombros as


responsabilidades de conduzir o governo da grande metrópole brasileira, que aqui se
devia processar o movimento de educação indispensável à reabilitação do homem
nacional, esmagado, anteriormente, pelo seu desaparecimento para a vida moderna e
civilizada.
Repensemos, assim, o problema, tomando-o a cogitação maior e mais viva do
governo, no seu duplo aspecto, de saúde e de educação. As necessidades do país sempre
nos pareceram condicionadas às suas deficiências na formação de seus homens e defesa
de sua saúde.178

Pedro Ernesto vinculava sempre a educação à saúde, como duas questões que deveriam ser resolvidas em
conjunto e inter-relacionadas. Para ele, o bom estudante deveria ter boa saúde para conseguir maximizar seu
desempenho. Podemos perceber que o prefeito tinha uma visão bastante avançada sobre a questão social, já que o
mais comum na época era a preocupação com realizações de resultados em curto prazo, como a construção de
grandes avenidas, praças e outros tipos de grandes obras, que eram visíveis para qualquer transeunte. Houve uma
transposição das prioridades da prefeitura: ao invés de cuidar da estrutura física da cidade, passou-se a trabalhar no
sentido de modificar, em longo prazo, a estrutura social do Rio de Janeiro.
Mas é importante frisar que essa estratégia nada tinha de caridosa e desapegada de qualquer retorno. Ao
mesmo tempo, o prefeito trabalhava também no fortalecimento dos laços emocionais e afetivos com a população. A
“lógica do dar-receber-retribuir” estava mais viva do que nunca. As ações de Pedro Ernesto eram inovadoras, se
deram no bojo da urgência que a cidade tinha de atender as necessidades de uma população urbana que crescia
aceleradamente, mas foram apresentadas como dádivas e favores prestados aos trabalhadores cariocas.
Pedro Ernesto uniu o útil ao agradável: aproveitou-se das necessidades da população para maximizar a
importância de seu governo, utilizando para isso a enorme estrutura do Partido Autonomista, que funcionou como

eleito. Os hospitais e os colégios foram os primeiros alvos e, pouco antes de ser preso, teve que ouvir a mesma crítica
a respeito da Polícia Municipal, criada em 1935.
177
Inúmeras vezes Pedro Ernesto discursou pedindo o apoio popular para que pudesse enfrentar seus inimigos, que
estariam enraivecidos com sua obra frente à prefeitura (CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 883, 884,
885). Mas dificilmente a esses inimigos eram dados nomes. O único a ser citado nominalmente foi o cônego Olímpio
de Melo, nas ocasiões dos discursos proferidos por Pedro Ernesto em 1937, após sua definitiva absolvição (CPDOC -
FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 912).
centro de divulgação e propaganda – através dos diretórios partidários espalhados por toda a cidade e do uso pioneiro
do rádio.
Em 30/05/1935, o prefeito reiterava, mais uma vez, a importância de seu programa social, ratificando sua
imagem de “médico bondoso” e, em razão disso, entendedor dos problemas que afligiam a população necessitada.
No trecho de discurso a seguir, proferido durante uma homenagem oferecida pela Associação Comercial do Distrito
Federal e pela Federação das Associações Comerciais do Brasil, é perceptível o uso do fato de ser médico para
justificar uma suposta maior capacidade e autoridade nos assuntos referentes ao trato dos mais necessitados:

Dentro da minha formação espiritual, que não renego e que afirmo de público sempre
que me é dado fazê-lo, teria que desenvolver, fatalmente, chegando ao governo, uma
ação decisiva em prol dos humildes, dos deserdados da fortuna, de todos os que lutam
contra as mais árduas adversidades, porque foram esses os que primeiro encontrei
quando dos bancos acadêmicos passei para o campo da vida prática.179

Pedro Ernesto afirmou ainda, em outra ocasião, ter trazido para o Distrito Federal “um programa social, um
programa longamente pensado e longamente sentido na minha vida de médico, na minha vida de assistente diário do
grande drama humano de viver e sofrer”.180
A resposta a tais palavras foram efusivos aplausos ao homem que os populares julgavam diferente dos
demais por um simples motivo: o médico saberia mais sobre os “dramas humanos” do que o engenheiro, profissão de
boa parte dos prefeitos antecessores. Logo, a população do Rio de Janeiro, principalmente o operariado, aderiu em
massa ao prefeito, que conseguiu o sucesso almejado: trouxe os trabalhadores para junto do Estado e,
conseqüentemente, obteve vitórias avassaladoras nas disputas eleitorais, deixando a oposição numa situação
extremamente desfavorável.
As ações do governo de Pedro Ernesto podem ser consideradas importantes exemplos do fim definitivo do
laissez-faire, que, segundo Elisa Reis181, foi cada vez mais sendo abandonado pelo governo brasileiro desde o início
da República. A intervenção estatal, presente desde o Império no que se refere às exportações cafeeiras, se fortaleceu
após a crise mundial de 1929 e se ampliou na década seguinte. Na ocasião da inauguração do Hospital Jesus, Pedro
Ernesto foi categórico ao afirmar que havia, nos anos 1930, uma “expectativa angustiosa de serviços públicos que ao
Estado cabia prover, para o bem-estar da coletividade”.182 Essa necessidade, gerada pela crise do liberalismo, de
maior intervenção estatal, foi confundida no Brasil com um paternalismo do chefe do executivo em relação à
população do país, gerando as raízes para o advento do fenômeno populista.
Na cidade do Rio de Janeiro não foi diferente: Pedro Ernesto foi um dos pioneiros do populismo. Em seus
discursos essa postura é bastante evidente. Ele se coloca como o solucionador dos problemas da população, salvador

178
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 906.
179
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 887 e 888.
180
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 904.
181
Elisa Maria Pereira Reis, “O Estado nacional como ideologia: o caso brasileiro”. In Processos e Escolhas: estudos
de sociologia política, Rio de Janeiro, Contracapa, 1998.
dos pobres e necessitados e único responsável pela melhoria da qualidade de vida. O fortalecimento do Estado
acabou superdimensionando a figura do presidente, no âmbito nacional, e do prefeito, no âmbito municipal. Ambos
se escoraram numa intensa propaganda que lhes assegurou uma imagem messiânica.
Outra situação fundamental para a afirmação das lideranças populistas foi a criação da figura do “anti-
herói”, indispensável para que o “herói” se constituísse como tal. O protagonista precisava do antagonista. Em razão
disso, o líder populista procurou sempre transmitir a idéia de que estava sendo perseguido por alguém e enfrentando
forças que tentam desestabilizá-lo do poder. Conclamou a população a apoiá-lo, já que os inimigos do governo
populista foram citados como sendo, automaticamente, inimigos do povo. O populista definia a oposição como um
grupo que, uma vez alijado do poder, era capaz de agir inescrupulosamente para recuperá-lo. A recuperação do poder
pela oposição traria de volta, segundo o líder populista, todos os problemas vividos no passado e que, graças às ações
do seu governo, já estavam superados.
A construção da imagem desses “inimigos do povo” esteve sempre presente nas palavras proferidas por
Pedro Ernesto. Em períodos eleitorais, a referência aos inimigos aumentava bastante, como percebemos em discurso
feito na ocasião das eleições municipais de 1934:

Cariocas, atenção! Muita atenção mesmo! Andam por aí os nossos inimigos a


engendrar coisas contra nós (...). Por acaso desmerecerá de vós quem baixou decretos
beneficiando o funcionalismo em geral, quem fez justiça a gregos e troianos, sem
segundas intenções, quem trabalhou honestamente durante três anos em meio à
tempestade? 183

Como vemos, mais uma vez a contrapartida foi exigida. A “lógica do dar-receber-retribuir” apareceu
novamente. O período eleitoral era um momento de cobrança, hora em que a população deveria retribuir a caridade
do “bom médico” e a legislação trabalhista, os hospitais e os colégios criados pelo prefeito. Todos deveriam
comparecer às urnas e sagrar o nome de Pedro Ernesto, o salvador, evitando que os “inimigos invisíveis”
retornassem ao poder.
É importante ressaltar que não pretendemos dizer que Pedro Ernesto, na época do pleito municipal, não
tenha tido inimigos. Não só os tinha, como um dos mais poderosos era a Igreja Católica. Porém, o que caracterizou o
populismo foi o uso constante dos inimigos para a formação da imagem de homem perseguido por lutar pelos
direitos do povo. Os adversários eram superdimensionados e demonizados.
O grande problema de Pedro Ernesto era o fato de que os seus dois principais inimigos eram a Igreja
Católica – desde a época em que foi interventor – e o presidente Getúlio Vargas – a partir de 1935, quando Pedro
Ernesto já era prefeito eleito184. Esses dois adversários não podiam ser atacados diretamente, a primeira porque

182
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 894.
183
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 885.
184
É importante lembrar a polarização ideológica do Brasil em 1935: de um lado a esquerda revolucionária, que
contava com o Partido Comunista e a Aliança Nacional Libertadora; de outro os conservadores de direita, que
contavam com os integralistas, a Igreja Católica e o governo federal de tendência cada vez mais centralizadora.
representava a fé da maioria da população e o segundo porque era a autoridade máxima do país e, além disso,
também dispunha de uma popularidade significativa.
Logo, a imagem de “anticristo”, até 1936, foi atribuída a forças inomináveis. Após a prisão de Pedro
Ernesto, ela foi lançada sobre Olímpio de Melo, suposto traidor, por ter feito parte da administração do prefeito
detido. Daí os “morras” gritados pela multidão na ocasião da soltura de Pedro Ernesto185, que retornou como o
salvador que havia sido enganado pelo cônego Melo, seu Judas.
Essa comparação não é exagerada. Impressiona o excesso de sentimentalismo e irracionalidade presente na
relação do líder populista com a população da qual ele era o representante eleito.
Pedro Ernesto não media palavras para se apresentar à população como aliado e representante dos
trabalhadores. Ele parecia não se importar com as acusações de que era partidário da ideologia comunista.186 Para
ele, mais importante do que se defender ou evitar tais acusações, era obter a adesão dos trabalhadores ao seu
programa de governo, julgando que assim conseguiria aumentar seu peso político e garantir sua sustentação no
poder. Em visita ao estado de Pernambuco, logo após as eleições municipais, Pedro Ernesto fez aos seus
conterrâneos um discurso emblematicamente populista:

Os direitos elementares de vida, a subsistência, a saúde e a educação, devem ser


estendidos à grande maioria dos brasileiros que não podem continuar divididos em duas
famílias – a dos beneficiários desse grande país e a dos que trabalham para proveito
daqueles privilegiados (...)
Servir ao povo, servir aos seus interesses, servir aos seus direitos, este é o programa
da revolução.187

A revolução referida era o movimento de outubro de 1930, mas bem que poderia ser a “Intentona” de 1935,
dada a ferocidade da crítica social feita. Tais palavras, que foram repetidas em outros locais e ocasiões, ofereceram
oportunidades para que os adversários políticos continuassem a acusar o prefeito de comunista.
Ao relatar uma suposta divisão dos brasileiros entre beneficiários de um lado e trabalhadores do outro,
colocando-se a favor destes últimos, Pedro Ernesto reafirmava seu objetivo único e exclusivo de conseguir o apoio
da maioria, que era a classe trabalhadora, mais precisamente o extenso número de trabalhadores urbanos que crescia
aceleradamente nas grandes cidades. Ele apostou tudo no apoio dos trabalhadores, descuidando-se de seus inimigos

Pedro Ernesto, apesar de não ser comunista, foi acusado de tal pelo seu posicionamento anti-autoritário e por ter
defendido o ensino laico, contrariando a Igreja Católica. Num momento tão conturbado e polarizado
ideologicamente, quem não estava de um lado era taxado de estar do outro. Para evitar que sua situação piorasse, era
conveniente evitar ataques públicos à Igreja Católica e principalmente, manter a melhor relação possível com o
presidente. Foi o que Pedro Ernesto tentou fazer durante seu governo. Para mais informações, ver: Carlos Eduardo
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era Pedro Ernesto, Rio de Janeiro, FGV, 2001.
185
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 14/09/1937.
186
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 896. Nessa carta escrita a um amigo (cujo nome não foi
possível identificar) Pedro Ernesto se mostra confiante e dá a entender que o apoio popular é o mais importante para
ele. Ele se mostra incrédulo de que seus inimigos encontrem alguma prova que possam incriminá-lo de alguma
forma.
187
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 896.
políticos. Ao mesmo tempo, o governo federal acompanhava a estratégia do prefeito do Distrito Federal, temendo
que o sucesso de Pedro Ernesto significasse o surgimento de um forte adversário político.
Para a infelicidade de Pedro Ernesto, o apoio e a adoração popular não foram suficientes para mantê-lo no
poder. No Palácio do Catete, o presidente também articulava uma estratégia para permanecer no poder. Até que,
chegado um dado momento, os limites foram impostos de tal forma a Pedro Ernesto que encerraram definitivamente
as possibilidades que ele havia enxergado para a execução de seu projeto populista e trabalhista. Esse momento
ocorreu em novembro de 1935, mês da “Intentona Comunista”, fato que deu a Vargas a chance de aplicar o “cheque-
mate” sobre todos que representavam – ou poderiam vir a representar – uma ameaça à sua manutenção na
presidência do Brasil.

2.2 Os trabalhadores respondem ao seu líder

2.2.1 Manifestações a favor da libertação do prefeito

Após ter sido renovado de três em três meses desde a Intentona Comunista de 1935, em meados do mês de
julho de 1937 o Estado de Guerra foi suspenso. Foi perceptível, ao analisarmos os periódicos dessa época, que os
jornalistas passaram a escrever com mais ousadia, chegando inclusive a criticar o governo em algumas matérias.

As reportagens, que durante o período de vigência do Estado de Guerra estiveram lacônicas e meramente
informativas, passaram a carregar mais a opinião do jornal, de seus jornalistas e editores. O debate político, que
estivera suspenso durante mais de um ano e meio, estava de volta à imprensa.
Da mesma forma assistimos ao retorno das manifestações populares, que foram quase inexistentes durante o
Estado de Guerra. Nessa atmosfera realizou-se, no dia 22/07, uma grande manifestação pedindo a libertação de Pedro
Ernesto.
Antes da análise desse evento convém mencionarmos um fato importante que retrata a insatisfação popular
com o interventor Olímpio de Melo. O cônego, que havia assumido a prefeitura na ocasião da prisão de Pedro
Ernesto, estava como interventor desde março de 1937, quando Vargas decretou a interventoria no Distrito Federal.
Tal atitude do presidente teve caráter bastante estratégico, visto que Pedro Ernesto iria ser julgado no fim de março e,
caso absolvido, retornaria ao cargo para o qual havia sido eleito nas eleições municipais de 1935. Com a
interventoria, Vargas deu um golpe contra o possível retorno de Pedro Ernesto, obtendo poderes para nomear quem
quisesse para a prefeitura da capital do país.
As críticas da população a Olímpio de Melo começaram a partir do momento em que o novo prefeito iniciou
o desmanche do aparato burocrático de seu antecessor. Foram demitidos e transferidos centenas de funcionários da
prefeitura e várias obras iniciadas no governo anterior foram inauguradas sem que o nome de Pedro Ernesto fosse
sequer mencionado. Pelo contrário, muitas vezes Olímpio de Melo fazia questão de criticar Pedro Ernesto e acusá-lo
de comunista.
Luís Aranha188, que havia se juntado a Olímpio de Melo na campanha contra a administração de Pedro
Ernesto, na cisão que o Partido Autonomista havia sofrido em meados de 1935, logo percebeu a falta de tato de seu
colega e passou a criticá-lo e fazer oposição ao governo municipal, tentando deixar que o rótulo de “anti-herói”
ficasse todo com Olímpio de Melo, o que acabou mesmo acontecendo.
No dia 03/07/1937, em situação insustentável, Olímpio de Melo deixou a interventoria, sendo substituído
por Henrique Dodsworth. Segundo o Diário da Noite, na ocasião da passagem do cargo, “o povo invadiu a prefeitura
em manifestação de desagrado ao padre Olímpio (...) O novo interventor foi recebido aos vivas [sic] ao ex-
governador Pedro Ernesto”189.
Ainda segundo o mesmo jornal, o funcionalismo se arregimentou para homenagear Pedro Ernesto no
Hospital da Penitência, onde ele cumpria a pena de três anos e dois meses que lhe fora imposta em março do mesmo
ano, “organizando-se comissões populares para esse fim, debaixo de grande entusiasmo”.
A situação foi contornada pela inteligência de Dodsworth que, percebendo o clima hostil, tratou de,
sutilmente, tomar a palavra de Olímpio de Melo, antes que o discurso deste terminasse, e discursou elogiando a obra
de Pedro Ernesto, o que animou os populares a cessarem as vaias e até mesmo arriscarem alguns aplausos.
Dodsworth tratou de buscar a simpatia da população nas semanas subseqüentes. No dia 07/07/1937190 o
novo prefeito, que fora adversário político de Pedro Ernesto nas eleições municipais de 1934, visitou a esposa do ex-
prefeito, mais uma vez elogiou a obra do tenente-civil e prometeu visitá-lo na prisão, assim que fosse possível. Mais
apaziguador do que Olímpio de Melo, Henrique Dodsworth ainda mandou cartas nominais a cada um dos vereadores
– que estavam insatisfeitos por terem tido suas atividades suspensas pela intervenção federal –, convidando-os para
uma reunião de conciliação.

2.2.2 A conjuntura política do Distrito Federal em 1937

Em julho de 1937, um mês antes da absolvição de Pedro Ernesto, a conjuntura política do Distrito Federal
era bastante distinta da situação de alguns anos antes. Augusto Amaral Peixoto, Luís Aranha e João Alberto
continuavam no Partido Autonomista, mas este estava longe de ter a expressão que tivera nas eleições municipais.
Muitos haviam deixado o partido e fundado outros. Esse era o caso, por exemplo, do senador Cesário de Melo: o
“rei do triângulo”191 havia fundado o Partido Republicano Federal.
Já o senador Jones Rocha, homem de confiança de Pedro Ernesto, no dia 07/07/1937 registrou o Partido
Libertador Carioca (PLC) no Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. O PLC tinha como principais objetivos
o combate à interventoria federal no Rio de Janeiro e a busca da libertação de Pedro Ernesto. Rocha tratou de afirmar
o apoio à candidatura de Armando Sales à presidência da República, opondo-se ao candidato oficial, José

188
Luiz Aranha: irmão de Oswaldo Aranha. Chegou a ser vice-presidente do Partido Autonomista do Distrito
Federal. Foi eleito vereador nas eleições municipais de 1934. Não conseguiu atingir grande expressão na política
nacional, tendo mais importância na política da cidade do Rio de Janeiro, onde era um chefe local, possuindo o seu
reduto eleitoral na Ilha do Governador.
189
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 03/07/1937.
190
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 07/07/1937.
Américo.192 Essa atitude já demonstrava o rompimento entre Pedro Ernesto e Getúlio Vargas, embora o tenente-civil
só fosse ratificar isso publicamente no discurso que veio a fazer na Esplanada do Castelo no momento de sua saída
da prisão193 e no momento em que declarou seu apoio a Armando Sales no discurso de posse da presidência do
Partido Libertador Carioca.194
Num clima de maior liberdade política ocorreu, às 13 horas do dia 22/07/1937, uma grande manifestação
pela libertação de Pedro Ernesto. Após a concentração na Praça da República, uma multidão que se estendia até o
Quartel General do Ministério da Guerra – na época situado no Palácio Duque de Caxias –, calculada em cerca de
quinze mil pessoas, caminhou até o Ministério da Justiça com o objetivo de pressionar o ministro Macedo Soares a
libertar o ex-prefeito.
Macedo Soares, que havia assumido o ministério no mês anterior, havia ordenado a soltura de todos os
presos políticos acusados de envolvimento na “Intentona Comunista” que não estavam com processo judicial
estabelecido. Isso encheu de esperanças os partidários do ex-prefeito, que pretendiam que o mesmo fosse feito a
Pedro Ernesto.
O Diário da Noite noticiou, em sua edição vespertina, que uma “imensa multidão” tomava parte da
“manifestação pela liberdade do ex-prefeito Pedro Ernesto”. O mesmo jornal dava destaque à participação de
populares de todos os cantos da cidade: “(...) gente do morro está aí, gente dos subúrbios, da zona rural, de
Copacabana, de todos os cantos da cidade”.195 Já o Diário de Notícias foi mais específico, afirmando que “a massa
popular se compunha de numerosas delegações de associações de classe e grande número de crianças de escolas
públicas”.196
Após a chegada ao prédio do Ministério da Justiça foram proferidos alguns discursos, debaixo de muitos
aplausos. Primeiro foi a vez do ex-deputado Nicanor Nascimento, amigo pessoal de Pedro Ernesto. Em seguida a
palavra foi passada ao vereador Jansen Miller, que discursou contra a prisão de Pedro Ernesto e contra a intervenção
federal. O jornalista Mário Martins foi o terceiro a falar, lembrando o apoio dado por Pedro Ernesto à Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), inclusive cedendo o terreno para a construção de sua sede. No fim uma aluna do
ensino público discursou brevemente dando créditos ao ex-prefeito pela construção de dezenas de escolas públicas e
pelo aparelhamento das mesmas.
Depois de decorrido algum tempo, o ministro apareceu na janela e falou aos populares. Macedo Soares
pediu à multidão que confiasse nas suas instituições e nos tribunais responsáveis. Nicanor Nascimento agradeceu a
atenção do ministro, defendeu o caráter pacífico da manifestação e pediu à multidão que se dispersasse.

191
Tinha esse apelido pelo fato de ter sido um líder local da região que abrangia Campo Grande, Santa Cruz e
Guaratiba, obtendo votações expressivas nesses locais. O médico pernambucano viria a se tornar senador, em 1935.
192
José Américo fora interventor na Paraíba, em 1930. No mesmo ano foi convidado a ser o novo Ministro da
Aviação, cargo que acabou ocupando até 1934, quando decidiu participar das eleições para a Assembléia Nacional
Constituinte. Em 1935, assumiu o cargo de Senador pela Paraíba. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro,
CPDOC - FGV, edição digital, verbete José Américo de Almeida.
193
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, 15/07/1937.
194
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 30/07/1937.
195
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 22/07/1937.
196
Biblioteca Nacional, periódico Diário de Notícias, 23/07/1937.
No dia seguinte o periódico O Jornal dedicou um enorme editorial aos acontecimentos do dia anterior. Num
tom desafiador incomum desde a primeira implantação do Estado de Guerra, o periódico criticou a condenação de
Pedro Ernesto lembrando, inclusive, uma carta197 em que Eliezer Magalhães198 confessava ter usado o nome do ex-
prefeito para animar seus correligionários a acreditar que a Aliança Nacional Libertadora contava com mais apoio do
que realmente tinha:

Existe na consciência do país a convicção de que foi exagerada a penalidade imposta


pelo Tribunal de Segurança ao sr. Pedro Ernesto, não só em vista da falta de densidade
das provas acumuladas contra ele, como, sobretudo, por ter sido a mesma pena imposta a
comunistas confessos e declaradamente líderes do movimento de novembro de 1935.
Basta ver a obra da construção de hospitais e de escolas, para se compreender porque
o povo vem, em massa, para as ruas, afim [sic] de interceder pela sua liberdade.199

A ousadia dos jornais nas críticas à intervenção federal e à prisão e condenação de Pedro Ernesto cresceu a
cada dia. Na edição de 23/07/1937 o Jornal do Brasil dedicou grande espaço da edição para reclamar do fato da
câmara municipal ter sido fechada dando ao interventor liberdade para legislar ao seu bel-prazer.200 Alguns jornais de
oposição a Pedro Ernesto, como o Diário Carioca, procuraram não discutir essas questões. Sobre a manifestação
pela libertação do ex-prefeito, o Diário Carioca deu mais destaque ao discurso do ministro sobre a necessidade de
confiar nas instituições do que às intenções que os populares tinham na ida ao Ministério da Justiça.
Alguns parlamentares aproveitaram o ambiente favorável para a defesa do fim da intervenção federal na
cidade do Rio de Janeiro. No dia 23/07, dia seguinte da manifestação, Cesário de Melo discursou no senado a favor
da autonomia, o que teve grande destaque no Diário da Noite, jornal que se mostrava claramente a favor do retorno
de Pedro Ernesto para a prefeitura do Distrito Federal e da candidatura de Armando Sales para a presidência da
República.201
No dia 03/08, o conceituado deputado Júlio Novais deu uma entrevista ao mesmo jornal ironizando o
interventor Henrique Dodsworth, a quem chamou o tempo todo de “interventor número dois” – já que Dodsworth
havia substituído o primeiro interventor, Olímpio de Melo. Novais também defendeu o retorno de Pedro Ernesto à

197
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 592.
198
O médico cearense Eliezer Magalhães chegou a participar da administração municipal como Diretor do Hostipital
do Pronto Socorro (atual Hospital Miguel Couto). Foi também um destacado colaborador da Aliança Nacional
Libertadora (ANL), chegando a vender algumas de suas propriedades e doar o dinheiro para a ANL. Era Irmão do
governador da Bahia, Juracy Magalhães. Eliezer Magalhães foi amigo próximo de Pedro Ernesto e tentou convencer
o prefeito a aderir à ANL, sem sucesso. Para animar seus correligionários da ANL, escreveu uma carta a eles dizendo
que o prefeito do Distrito Federal dava apoio incondicional ao grupo esquerdista. Sua prisão foi postergada devido à
posição que seu irmão Juracy ocupava, mas em fevereiro de 1936, Eliezer teve finalmente a prisão decretada pela
Comissão de Repressão ao Comunismo. Diante disso, fugiu para Paris, onde se manteve escondido. Dicionário
Histórico-biográfico brasileiro, CPDOC – FGV, edição digital, verbete “Eliezer Montenegro Magalhães”.
199
Biblioteca Nacional, periódico O Jornal, 23/07/1937.
200
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, 23/07/1937.
201
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 23/07/1937.
prefeitura, realçando sua capacidade administrativa, que considerava superior à do prefeito que estava em
exercício.202
No dia 26/07, em tom ameaçador, Jones Rocha voltou a ser destaque das páginas políticas dizendo que o
retorno de Pedro Ernesto seria uma grande “volta por cima”. O senador disse ainda que o ex-Ministro da Justiça,
Vicente Ráo, não era o culpado pela prisão de Pedro Ernesto203, e que o responsável seria apontado pelo próprio
Pedro Ernesto no momento de sua saída da prisão, e que tal revelação deixaria “todos boquiabertos”.204
É claro que havia muito de sensacionalismo nas palavras de Jones Rocha, mas quando lembramos do
discurso de Pedro Ernesto no momento de sua saída da prisão, execrando a intervenção federal na capital da
República, criticando o governo Vargas e, posteriormente, defendendo a candidatura de Armando Sales Oliveira,
percebemos que com o fim do Estado de Guerra o “jogo político” havia se reacendido e as posições haviam deixado
a neutralidade para se definirem novamente: estava claro quem estava contra e quem se colocava a favor de Vargas.
Talvez a não-renovação do Estado de Guerra por mais três meses tenha sido mais uma estratégia de Vargas,
que voltou a ver diante de si os rostos de seus inimigos, que momentaneamente estiveram escondidos. Dessa forma,
ele e seus aliados puderam observar a situação e reavaliar os planos que objetivavam o fechamento do regime.

2.2.3 Pedro Ernesto: popularidade e importância política

O prestígio de Pedro Ernesto no momento de sua prisão já era enorme, o que percebemos na análise dos
votos recebidos por ele e seu partido na constituinte e nas eleições municipais seguintes. Nos meses subseqüentes à
sua posse como prefeito eleito, Pedro Ernesto aprofundou seu programa de governo com a criação da Universidade
do Distrito Federal (UDF) e da União Trabalhista do Distrito Federal (UTDF). A UDF significou o segundo passo
em sua política educacional – o primeiro fora a construção de escolas e a implementação do ensino laico. Já a UTDF
foi o segundo passo em sua política trabalhista – o primeiro fora a conquista da simpatia dos funcionários
municipais, que constituíam a burocracia que era a base de sustentação de sua administração.205
Segundo Sarmento, o prefeito possuía um projeto político que “transcendia a esfera da municipalidade”206.
Os tenentes julgavam-no um homem “com independência política e tino administrativo”207. O deputado Alcedo
Cavalcanti208 também elogiou Pedro Ernesto, dizendo, em 05/11/1936, que até o momento o Brasil ainda não havia
tido “um homem de Estado regional ou federal que interpretasse tão bem e realizasse com tanta firmeza as aspirações

202
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 03/08/1937.
203
Um boato que circulava nos jornais dava conta de que Pedro Ernesto teria sido preso única e exclusivamente por
iniciativa do Ministro da Justiça na época, Vicente Ráo.
204
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 26/07/1937.
205
A importância da burocracia para um governante está explicada em Max Weber, “Burocracia”. In H. H. Gerth e
C. Writgh Mills (org.), Marx Weber – ensaios de Sociologia, Parte II: Poder, cap. VIII, Rio de Janeiro, Guanabara,
1982.
206
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era... op. cit.
207
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 447.
208
Militar pernambucano que participou do movimento de outubro de 1930. Crítico do governo Vargas, acabou
acusado de participação na revolta aliancista de 1935, sendo mais uma vítima da perseguição política que Vargas
implementou contra seus opositores. Exilou-se no Uruguai.
e necessidades do povo”.209 Antes disso, engrossando o coro a favor do então prefeito, no ano de 1935 proliferaram
as músicas populares que defendiam sua candidatura à presidência. Uma delas, que tinha o título ufanista de “um
verdadeiro brasileiro”, foi comentada por alguns jornais por ter tido grande divulgação e aceitação na capital da
República:

Tem sofrido uma campanha


Da artimanha
De certo gente sem merecer
Mas ele de certo não recua
Continua
Para o Brasil então vencer

Somente havia por esmola


A escola
E também o hospital
O seu governo tudo deu
E resolveu
E ninguém mais vê o mal

O operário que vivia


Na agonia
Sem trabalho e sem pão
Hoje em dia de contente
Reverente,
Para o céu levanta a mão

E agora meu patrício


Está na hora
De mostrar a gratidão
Vamos levá-lo a candidato
Pra ser de fato
O chefe desta nação210

Mais uma vez aparece a menção ao operário como grande beneficiário da obra do prefeito, com destaque
para a política educacional e sanitária de Pedro Ernesto frente à prefeitura do Distrito Federal.
Não é possível provar que Pedro Ernesto queria ser candidato à presidência da República. Independente
disso, o indispensável é perceber a importância crescente que o prefeito foi adquirindo no meio político desde
quando foi nomeado interventor, em 1931, até sua condição de prefeito eleito e extremamente popular, em 1935. Seu
peso político havia aumentado na mesma proporção de sua popularidade.
Porém, a posição de Pedro Ernesto em relação a Vargas havia mudado. Ele permanecia com o discurso fiel
ao presidente, porém seu projeto político distinguia-se muito do implementado pelo governo federal, principalmente
no tocante à educação. A postura antiautoritária de Pedro Ernesto, discursando contra o que chamava de

209
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 607
210
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 110.
“radicalismos contemporâneos”211, defendendo o respeito à constituição e a democracia, começou a incomodar o
presidente e seus aliados.
Prova do prestígio de Pedro Ernesto foram as duas cartas que Luís Carlos Prestes enviou para o prefeito por
intermédio de Eliezer Magalhães212, pedindo que o administrador municipal aderisse à Aliança Nacional Libertadora.
Segundo Eliezer Magalhães, a adesão do prefeito incentivaria de modo decisivo os “aliancistas” a acreditarem no
sucesso do movimento no Rio de Janeiro.
Porém, o auge do prestígio de Pedro Ernesto ocorreu na ocasião de sua libertação, no dia 14/09/1937. Não
foram apenas os milhares de cariocas que festejaram sua libertação. Ocorreram também festividades nas ruas de
Pernambuco e do Rio Grande do Sul.213 Nos dias que se seguiram foi grande a expectativa e o debate nos jornais a
respeito de qual candidato à presidência teria o apoio de Pedro Ernesto.

2.2.4 A libertação de Pedro Ernesto

No dia 14 de setembro de 1937 Pedro Ernesto Baptista foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal da
pena que lhe impusera o Tribunal de Segurança Nacional em março do mesmo ano.

O que viu na cidade foi uma ovação poucas vezes repetidas na história do Rio de Janeiro. Todos os jornais
que circulavam na cidade estamparam manchetes e fotos com destaque absoluto na primeira página, mostrando a
imensa multidão, calculada em mais de duzentas mil pessoas, que foram às ruas comemorar a absolvição do ex-
prefeito.
O Jornal do Brasil relatou que do Hospital da Terceira Ordem da Penitência, em que se achava recolhido,
até a Esplanada do Castelo, onde falou ao povo, Pedro Ernesto foi acompanhado por uma densa multidão e por
centenas de automóveis superlotados, sob aclamações constantes e entusiásticas que partiam de todos os lados.
Citemos um trecho da reportagem que ilustra com clareza o clima vivido pela cidade do Rio de Janeiro
naquela tarde de 14 de setembro:

A multidão canta o nome de Pedro Ernesto entoadamente. Enquanto isso, o povo vai
afluindo para todas a vias que deverão ser percorridas pelo cortejo, tomando as calçadas.
(...) O trânsito de veículos, que antes se fazia por um único lado da Avenida [Rio
Branco], ficou impedido. Todos os veículos estacionados não podiam mover-se nem
lentamente se o quisessem. (...) Há centenas de milhares de pessoas e centenas de
automóveis superlotados.214

211
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, folheto PEB 5f.
212
Cartas anexadas mencionadas no processo judicial contra de Pedro Ernesto, cuja existência foi confirmada pelo
depoimento de Eliezer Magalhães.
213
Biblioteca Nacional, periódico A Batalha, 19/09/1937.
214
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, 15/09/1937.
No mesmo dia Pedro Ernesto recebeu a saudação de diversos governadores estaduais e instituições públicas
e privadas. Flores da Cunha215 mandou telegrama de congratulações. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) –
divulgou nota oficial dando os parabéns ao ex-prefeito. Seus aliados de sempre, os funcionários públicos estaduais,
fizeram um pedido coletivo que foi prontamente aceito pelo prefeito Henrique Dodsworth, para serem liberados mais
cedo do trabalho a fim de participarem do cortejo de libertação de Pedro Ernesto.216
Na Esplanada do Castelo, antes do discurso de Pedro Ernesto, Paulo da Portela cantou o hino nacional – um
homem vindo do morro e do samba representava as camadas sociais que o ex-prefeito soube conquistar ao longo dos
anos que esteve à frente da prefeitura: os trabalhadores urbanos pobres. Em seguida, Pedro Ernesto fez um discurso
sob aplausos – que foi transmitido pela Rádio Tupi para o Rio de Janeiro e São Paulo e pela Rádio Farroupilha para
o Rio Grande do Sul. Primeiro foi irônico, pedindo à imprensa para que escrevesse exatamente as palavras que ele
iria pronunciar, a fim de evitar manipulações similares às que foram feitas em seu julgamento, quando diversas
testemunhas protestaram por ter seus depoimentos alterados – casos, por exemplo, do então tenente-coronel Estillac
Leal e do general Cristóvão Barcelos.
Em seguida, pela primeira vez o ex-prefeito atacou abertamente o governo federal, criticando o
autoritarismo e a intervenção que estava sendo imposta à cidade do Rio de Janeiro desde março do mesmo ano:

Encontro esta cidade debaixo do jugo de uma intervenção infame, decretada pela tirania
governamental. Penso que o povo me acompanhará em bloco na campanha que devemos
encetar para a reconquista da autonomia do Distrito Federal; e para isso dispomos de
uma arma – o voto – com a qual expulsaremos aqueles que contribuíram para o
desaparecimento da autonomia carioca.217

A guerra estava declarada ao presidente da República e ao interventor do Distrito Federal. Pedro Ernesto
havia passado de ameaça em potencial a um adversário declarado e poderoso, capaz de levar centenas de milhares de
pessoas às ruas.
A maior parte da imprensa prestigiava Pedro Ernesto com reportagens diárias sobre o ex-prefeito. Alguns
periódicos tinham a mera intenção de vender mais exemplares – dada a popularidade do ex-prefeito –, já outros
demonstravam também apoio declarado ao seu retorno à prefeitura do Distrito Federal. Não encontramos nenhum
jornal que desferisse criticas ou hostilidades ao ex-prefeito. O Diário Carioca, que, entre todos os periódicos, talvez

215
Flores da Cunha, como vimos, teve problemas com Góis Monteiro, levando à demissão deste do cargo de
Ministro da Guerra. O principal objetivo de Flores da Cunha era minar o autoritarismo crescente de Vargas, Góis e
de outros elementos do governo que buscavam a centralização do poder e a continuidade de Vargas. Principalmente
a partir de 1935 Flores da Cunha passou a intevir nas eleições estaduais sempre apoiando o candidato oposto ao
apoiado por Vargas. Exemplos disso foram as eleições em Santa Catarina e no estado do Rio de Janeiro. A intenção
do governador gaúcho era fortalecer a autonomia dos estados enfraquecendo as intervenções do governo federal
neles.
216
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, 15/09/1937.
217
Biblioteca Nacional, periódico Correio da Manhã, 15/09/1937.
fosse o que tivesse uma relação mais hostil com Pedro Ernesto218, limitava-se a não mencionar o nome de seu
desafeto.
Nos dias que se seguiram, o Diário da Noite fez uma série de reportagens sobre as possibilidades legais do
retorno de Pedro Ernesto à prefeitura. Dava-se ênfase ao fato de que a intervenção, publicada em 17/03/1937, tinha a
duração máxima de 1 ano: caso não fosse votado pelos órgãos competentes, o decreto perderia o valor jurídico,
facilitando o retorno do prefeito eleito.
Em editorial no mesmo periódico, o jornalista Austregésilo de Ataíde tirou pertinentes conclusões sobre a
grande exaltação popular ao ex-prefeito. Segundo o jornalista, “o martírio exaltou um prestígio que teria de acabar,
pela natural versatilidade da opinião, quando se aproximasse o termo de seu governo”. Toda a simpatia popular que
foi obtida por Pedro Ernesto quando ele esteve no comando da prefeitura ganhou feições de adoração após a via-
crúcis que o ex-prefeito enfrentou no tempo em que esteve preso.
Ataíde chegou a comparar a prisão de Pedro Ernesto com a de Jesus Cristo. Para o editor, “os traidores
encolhem-se amedrontados, enquanto passa o cortejo triunfante. Eles que o julgavam sepultado para sempre, depois
de o haverem vendido por trinta dinheiros”.219
É o auge da caracterização do líder populista. A propaganda a favor do ex-prefeito não se cansava de
atribuir as causas da prisão e do sofrimento de Pedro Ernesto ao fato dele ter se colocado “ao lado do povo”. A idéia
propagada era a de que Pedro Ernesto teria sofrido com a injustiça da mesma forma como milhares de brasileiros
sofriam diariamente.
Todos queriam ver o “homem bom e humanitário”, que deu escolas e hospitais à população; enfim, um
“trabalhador”. Pedro Ernesto passou a ser caracterizado como um vingador do povo, que atendeu às necessidades
populares que até então eram ignoradas pelos governantes. Um estandarte, no meio da multidão, revelou essa relação
afetiva, trazendo em enormes dizeres: “o pobre terá a riqueza do coração de Pedro Ernesto”. Era como se o
“messias” tivesse retornado da prisão para “salvar o Distrito Federal” da intervenção, fazer justiça aos trabalhadores
e aos funcionários públicos que haviam sido perseguidos, principalmente pelo cônego Olímpio de Melo.
Aliás, os jornais mais uma vez não pouparam o cônego. Novamente foi ele o escolhido para representar a
figura do “anti-herói”. Em tempos de repressão e autoritarismo, o nome do chefe da nação nem mesmo era cogitado
como um dos responsáveis pela prisão do tenente-civil.
Os “vivas” a Pedro Ernesto e “morras” a Olímpio de Melo foram justificados pelo Diário da Noite pelo fato
do cônego ter procurado “ferir Pedro Ernesto por todos os lados. Logo ele, que tudo devia a Pedro Ernesto, desde
logo se revelou seu maior inimigo, a começar pela campanha de descrédito em que procurou envolver a
administração benemérita do eminente prefeito”. Vargas não foi poupado, mas as acusações ao presidente sempre

218
As hostilidades vinham desde 1932, quando do episódio do empastelamento do Diário Carioca, cuja
responsabilidade foi atribuída aos tenentes, já que o jornal era um severo crítico do tenentismo. O evento teve ainda a
participação de Odilon Baptista – filho de Pedro Ernesto. O então prefeito foi acusado de ter sido um dos mandantes
e houve pressão política sobre Vargas para que o demitisse do cargo de interventor.
Outros jornais, como O Globo e o Diário da Noite chegaram a criticar duramente Pedro Ernesto durante sua
administração, mas mudaram de postura após uma ampla proposta de boicote a esses jornais, sugerida por diversos
órgãos trabalhistas. O Diário da Noite, inclusive, se tornou um dos maiores defensores de Pedro Ernesto durante o
tempo em que ele esteve preso.
219
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 15/09/1937.
pairavam de forma indireta, como quando o mesmo jornal afirmou que Olímpio de Melo dizia “agir em obediência a
determinações do Presidente da República”.220
O interventor no momento, Henrique Dodsworth, novamente também não foi poupado. A exemplo do que
fizera Júlio Novais semanas antes, o deputado Caldeira de Alvarenga criticou a intervenção e os dois interventores
que governaram a cidade nesse período: Melo e Dodsworth. O senador Jones Rocha, “braço direito” de Pedro
Ernesto, que esteve ao lado do prefeito durante seu discurso na Esplanada do Castelo, veio a público dizer que a
ovação recebida por seu amigo “representou a deposição moral do interventor Henrique Dodsworth”. O periódico A
Batalha também engrossou o coro contra o então atual interventor, dizendo que “diante da formidável manifestação
prestada ao governador efetivo, o senhor Henrique Dodsworth deve se sentir um intruso na administração da cidade”.
Na mesma edição, outra reportagem foi ainda mais direta: “(...) a festa de hoje tem para o senhor Henrique
Dodsworth uma significação clara e insofismável – o povo carioca, a uma voz, indica-lhe o ‘olho da rua’”.221

2.2.5 O “herói” e o “anti-herói”: a construção do mito populista

Chegou finalmente o dia


Da grande e infinda alegria
Da grande reparação
E; pois, merecido o preito
Quem o povo satisfeito
Em viva consagração

Vêm dos longínquos subúrbios


Modestos funcionários
E os humildes operários
Descem dos morros vizinhos...
Nas ladeiras, nos caminhos,
Vê-se esse povo modesto,
Grato, operoso e honesto,
Passo a passo caminhando,
Todos alegres cantando
Louvores a Pedro Ernesto222

Esse poema, escrito por um compositor popular que usava o nome “João Nordestino”, expressa bem o que
ocorreu no dia da libertação de Pedro Ernesto. Havia no ar um sentimento de “reparação”, como disse o poema. A
maior parte da população do Distrito Federal tinha apreço pelo primeiro prefeito eleito da história da cidade e
lamentava o fato dele ter sido condenado por envolvimento na “Intentona Comunista”.
O que é perceptível, através da leitura dos jornais da época e dos depoimentos dos políticos e membros da
sociedade civil – advogados, jornalistas, professores –, é que havia medo do comunismo e um profundo respeito
pelas atitudes do governo federal, vistas como necessárias para impedir que os “vermelhos” deflagrassem uma nova

220
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 14/09/1937.
221
Biblioteca Nacional, periódico A Batalha, 15/09/1937.
insurreição. Mais do que isso, muitas vezes esse respeito se tornava em temor de acabar sendo acusado de
comunismo caso não apoiasse as atitudes drásticas tomadas pela administração federal contra os supostos
comunistas.
Logo, de novembro de 1935 a setembro de 1937, o posicionamento da população carioca em relação à
prisão de seu prefeito pode ser resumida dessa forma: incredulidade em sua culpa, mas ao mesmo tempo um
sentimento de dever cívico em apoiar Vargas na grande “cruzada” contra o comunismo. Tudo isso acentuado pelo
temor de ser preso e acusado de comunismo, caso demonstrasse insatisfação em relação à forma que o governo
conduzia as investigações. É importante frisar que o Estado de Guerra, durante esse período de quase dois anos,
esteve sempre sendo renovado, o que aumentava o “medo de ser contra”.223
Apesar de levar em conta que o poeta “João Nordestino” era obviamente um entusiasta de Pedro Ernesto,
cabe ainda observar as características que ele atribuiu aos que vinham manifestar-se a favor do ex-prefeito. Gente
proveniente dos subúrbios, dos morros, operários humildes e honestos. Um povo “modesto” que estava “grato” por
tudo o que Pedro Ernesto havia realizado por eles.
É um retrato perfeito do populismo. O líder populista vinha como um messias para vingar os pobres e
oprimidos. Pedro Ernesto era o “homem bom” que havia lhes provido o que não tinham anteriormente. O enfoque
dado aos funcionários e operários teve o objetivo de dar esse significado a Pedro Ernesto: ele era o pai dos pobres,
dos trabalhadores, das pessoas necessitadas.
O político populista, nesses versos, é apresentado não como alguém que está cumprindo com o seu dever de
representante eleito pela sociedade, mas como um justiceiro, alguém que fez algo extraordinário que nenhum outro
faria. As leis trabalhistas estendidas aos funcionários municipais e, posteriormente, o estreitamento das relações entre
prefeito e trabalhadores com a criação da União Trabalhista foram os cernes da política populista – ou trabalhista,
como queira – de Pedro Ernesto. Sua prisão, de certa forma, fez aumentar sua fama entre os trabalhadores, que o
viam como um igual: um sofredor das “injustiças do mundo” assim como muitos dos trabalhadores, que sofriam
diante de condições ruins de vida e empregos cansativos e mal-remunerados.
Para existir um herói era necessário que houvesse um anti-herói. A administração do cônego Olímpio de
Melo tratou de resolver esse problema. Ao desmantelar a estrutura burocrática de seu antecessor e condenar a
administração do mesmo, Olímpio de Melo tratou de despertar a antipatia de seus governados.
É claro a falta de apoio político e a inexperiência administrativa tiveram papel fundamental para o fracasso
da administração do cônego, mas tudo isso ganhou mais evidência por ter sido ele o sucessor de um prefeito que era
querido por boa parte da população. O fato de Olímpio de Melo ter sido eleito pelo Partido Autonomista e ter
ocupado a presidência da câmara municipal por indicação de Pedro Ernesto aumentavam as acusações de que o
prefeito substituto havia traído a confiança de quem lhe fora amigo. No meio político, seus adversários ainda

222
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 106 e 107. Versos de “João Nordestino”.
223
Basear sua autoridade numa situação de guerra, reproduzindo nas pessoas o medo de ser contra, o que fortalece e
dá carta branca à ação, muitas vezes arbitrária, do Estado. Sobre esse conceito, ver Pierre Bourdieu, O poder
simbólico, Lisboa/Rio de Janeiro, Difel/Bertrand Brasil, 1989, p. 201.
lembravam que Olímpio de Melo fora um dos que haviam assinado um documento, em meados de 1935, prestando
solidariedade a Pedro Ernesto em todas as questões que surgissem dentro do partido.224
Logo, não foi à toa que Olímpio de Melo foi vaiado quando deixou a prefeitura. Mais do que isso, na
ocasião em que Pedro Ernesto foi solto, a multidão gritou vivas ao prefeito libertado e “morras” a Olímpio de
Melo.225

2.2.6 Mantendo a imagem de trabalhador e “bom homem”

Diariamente os jornais passaram a trazer matérias que discutiam quem legalmente tinha o direito de ocupar
o cargo de prefeito da capital federal.226 Alguns diziam que seria um embaraço a imposição de um mandado de
segurança a favor de Pedro Ernesto, já que a intervenção havia sido um ato federal. Outros defendiam ainda que,
com base no artigo 68 da constituição federal, o poder judiciário não poderia interferir em decisões de caráter
“exclusivamente políticas”.
Por outro lado, havia os que lembravam o fato de Pedro Ernesto ter sido eleito e que, num regime
democrático, a vontade popular era soberana. Por isso, uma vez inocentado, não deveriam existir empecilhos para
que ele reassumisse a prefeitura. A pressão era tão grande nesse sentido que o prefeito Henrique Dodsworth veio a
público dizer que, caso a justiça assim resolvesse, deixaria o governo sem recorrer ou impetrar nenhum tipo de
recurso.
Todos aguardavam os dizeres do relator da intervenção federal, deputado Otacílio Negrão de Lima, que
ficou responsabilizado por analisar a situação e emitir um parecer o mais rápido possível.
Enquanto o debate sobre a possibilidade do retorno do prefeito eleito esquentava nos jornais, Pedro Ernesto
tratava de continuar cuidando de sua imagem. Dois dias depois de conseguir a liberdade ele já retornava ao seu ofício
de médico. O Diário da Noite exibiu na primeira página uma fotografia, supostamente tirada em sigilo, que mostrava
o ex-prefeito em ação durante uma cirurgia. “Esta manhã, muito cedo, ‘Diário da Noite’ apanhou o médico Pedro
Ernesto em flagrante cirurgia”227, dizia a manchete em letras gigantescas.
A idéia passada para os leitores era a de que o “prefeito-trabalhador” estava lá, praticando sua obrigação,
bem cedo, tão logo deixou a prisão. O jornal fazia questão de afirmar que Pedro Ernesto mal pôde dar entrevista, já
que estava muito preocupado com a operação que faria em um idoso. A única declaração de Pedro Ernesto foi a
seguinte: “muita gente pensa que não tenho que trabalhar. Enquanto estive preso não ganhei nada. E não trouxe
dinheiro da prefeitura. Tenho família e preciso trabalhar”.

224
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 535: há dezesseis assinaturas, dentre as quais as de Cesário de
Melo e Olímpio de Melo. Este último liderou, ao lado de Luís Aranha, o grupo de oposição ao prefeito dentro do
partido.
225
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 14/09/1937.
226
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 17/09/1937. Nessa edição ocupa quase a primeira página inteira o
debate entre advogados sobre a possibilidade legal do retorno de Pedro Ernesto à prefeitura carioca. Encontramos
esse assunto em destaque em vários jornais desde a soltura de Pedro Ernesto até o início de novembro, quando foi
decretado o Estado de Guerra.
227
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 16/09/1937.
Não que fosse preciso duvidar da honestidade de Pedro Ernesto, mas é claro que ele sabia muito bem
construir a imagem de homem bom, trabalhador, ciente de suas obrigações e honesto. Para completar a reportagem o
jornal destacou que “o velhinho só admitiu a operação depois da liberdade do governador da cidade”. O senhor de
idade, interpelado pelo jornalista, afirmou que “não queria morrer antes de ver Pedro Ernesto em liberdade”.
Definitivamente, mais uma vez foi montado o cenário que apresentava o líder populista “nos braços do povo”.
Passado mais um dia, Pedro Ernesto visitou a redação do Diário da Noite, agradecendo a atenção dada por
este jornal ao seu julgamento e libertação.228 O ex-prefeito repetiu o mesmo gesto com outros periódicos nas semanas
seguintes, provando que continuava a ser um homem de grande percepção política e com habilidade para congregar
amigos.

2.2.7 A disputa dos candidatos à Presidência da República pelo apoio de Pedro Ernesto

Enquanto na cidade do Rio de Janeiro esperava-se uma decisão a respeito do futuro da prefeitura do Distrito
Federal, as atenções nacionais estavam mais voltadas para o pleito presidencial que iria se realizar em 1938. José
Américo de Almeida era o candidato da situação, enquanto Armando Sales de Oliveira se apresentava como seu
concorrente.

A candidatura do ex-governador do Estado de São Paulo, representando a oposição, parecia ter mais força,
contando com o apoio da maioria dos meios de comunicação e sendo mais bem sucedida nos comícios realizados por
várias regiões brasileiras.
O candidato oficial, José Américo, tinha apoio político frágil. O próprio Vargas e seus aliados não entraram
firmes na defesa da candidatura de seu possível sucessor. A impressão passada era a de que o candidato do governo
estava abandonado, o que era motivo de chacota para a oposição.

No Rio de Janeiro, o Partido Autonomista do Distrito Federal apoiava o candidato do presidente, enquanto
uma de suas dissidências, o Partido Libertador Carioca – de Jones Rocha – já havia emitido nota oficializando o
apoio ao candidato oposicionista. Pedro Ernesto, a julgar por sua estreita ligação com Rocha e pela antipatia
declarada a Vargas no discurso proferido na Esplanada do Castelo, caminhava naturalmente para apoiar o ex-
governador paulista. Porém, isso não impediu que o candidato do governo tentasse de todas as formas obter o apoio
do homem que dias antes havia levado duzentas mil pessoas às ruas da capital da República.
Pedro Ernesto recebeu inúmeros políticos de ambos os lados e cartas de governadores, deputados e
senadores, que procuravam seduzir o “tenente-civil” a apoiar um ou outro candidato.229 No dia 25 de setembro os
jornais mais uma vez destacaram em primeira página o ex-prefeito da capital federal. O jornal O Globo afirmou que

228
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 17/09/1937.
229
Vários jornais fizeram menção a cartas, convites e presentes enviados por correligionários dos dois candidatos à
presidência a Pedro Ernesto, nos dias que se seguiram à absolvição de Pedro Ernesto. Pela análise dos periódicos da
Biblioteca Nacional, pudemos perceber que os periódicos Diário da Noite, Correio da Manhã e Diário de Notícias
deram especial destaque a esse assunto, desde o dia da libertação de Pedro Ernesto até o discurso em que ele definiu
quem teria seu apoio.
no dia 30 de setembro Pedro Ernesto iria participar de uma importante solenidade, em que receberia de Jones Rocha
a presidência do Partido Libertador Carioca e faria “importantes declarações públicas”.230
O cenário político efervesceu na expectativa a respeito do que o ex-prefeito iria dizer. As especulações
giravam em torno de que poderiam ser acusações contra os responsáveis pela sua prisão ou de que ele poderia vir a
ocupar algum cargo importante na chapa de um dos candidatos à presidência.
Porém, as movimentações políticas aos poucos foram desfazendo o mistério. Pedro Ernesto revelou que
viajaria num futuro próximo para o Rio Grande do sul, onde se encontraria com Flores da Cunha, desafeto de Vargas
e partidário de Armando Sales. Por outro lado, Dodsworth explicitou abertamente seu apoio a José Américo.231 Tudo
caminhava para o posicionamento de Pedro Ernesto ao lado da oposição, o que deveria ser oficializado na cerimônia
do dia 30.
No dia 30 de setembro a imprensa compareceu em massa à sede do Partido Libertador Carioca (PLC), que
tinha menos de 3 meses de existência e que nunca tivera tanto espaço na mídia como teve naquele dia. O discurso de
Pedro Ernesto foi transmitido para várias partes do Brasil, pelas rádios Tupi, Mayrink Veiga, Ipanema, Educadora,
todas da cidade do Rio de Janeiro; Rádio Club de Pernambuco, de Recife; Guarani, de Belo Horizonte; Tupi e
Bandeirante, de São Paulo; e Farroupilha, do Rio Grande do Sul.232
Na abertura da cerimônia, Jones Rocha fez questão de lembrar que o PLC era aliado da União Democrática
Brasileira (UDB), partido de Sales, e salientou a presença de Raul Bittencourt, representante de Flores da Cunha, e
Waldemar Ferreira, um dos líderes do Partido Constitucionalista de São Paulo. Em seguida, Rocha passou a
presidência do Partido Libertador a Pedro Ernesto, que iniciou seu tão esperado pronunciamento.
As primeiras palavras do ex-prefeito tiveram o intuito de transferir para a população do Rio de Janeiro a
responsabilidade de punir os responsáveis por sua prisão. Como bom político populista, afirmou que o voto seria a
única arma a ser utilizada contra os seus inimigos. Desta forma, os populares deveriam lhe fazer justiça nos pleitos
eleitorais que se aproximavam.

(...) Sei que aqueles que resolveram o meu sacrifício, que deliberaram e impuseram o
meu afastamento do cargo para o qual fui eleito pelo povo, tremem neste momento,
julgando ter chegado a hora do ajuste de contas (...). Todavia não trago articulado o meu
libelo. Não acuso, não condeno, não absolvo. O juiz inflexível das democracias é ainda o
povo. Ele proferirá a sua sentença em tempo oportuno com uma inigualável sabedoria
(...).233

230
Biblioteca Nacional, periódico O Globo, 25/09/1937.
231
Apesar da fragilidade da candidatura de José Américo, que não contava com o engajamento aliados importantes
em sua campanha – tais como o presidente Vargas e a maioria de seus ministros –, não se pode esquecer que ele era
o candidato da situação. Henrique Dodsworth, interventor na cidade do Rio de Janeiro, nomeado pelo presidente
Getúlio Vargas, por motivos lógicos não poderia deixar de apoiar Américo. Pedro Ernesto, ao se contrapor à
intervenção federal que estava em voga na cidade do Rio de Janeiro, levava a crer que se juntaria à oposição e
apoiaria Armando Sales.
232
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 29/09/1937.
233
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 30/09/1937.
Nesse trecho, ficou evidente mais uma vez que Pedro Ernesto se colocou como mártir, alguém sacrificado
por pessoas que agiram não só contra ele, mas também contra o “povo” que o havia colocado na prefeitura através de
legítima votação.
Continuando, o ex-prefeito lembrou sua trajetória como revolucionário, desde a década de 1920 até o
movimento de 1930, fazendo questão de lembrar que não era um político, mas um médico idealista que amava “sua
pátria e sua gente”. O discurso somente ratifica o que já mencionamos, essa obsessão de Pedro Ernesto em sempre
estar reafirmando sua imagem de médico, homem de boa índole, conhecedor das necessidades e problemas da
população e perseguido por pessoas que não desejavam ver a justiça social e a felicidade da coletividade – embora
nunca especifique nos discursos quem são esses seus perseguidores.
Pedro Ernesto recapitulou também os sete anos decorridos desde o movimento de 1930, conclamando que
todos os participantes dos eventos daquele mês de outubro fizessem um exame de consciência sobre os erros
praticados nos anos posteriores. Concluiu que ele não tinha do que se arrepender, já que seus atos beneficiando os
mais necessitados falavam por si:

Fui de encontro com as necessidades mais presentes do povo a começar pela


educação e pela saúde, pontos essenciais para quem aspira uma pátria grande e forte;
procurei realizar um programa de humana solidariedade e de justiça na administração
pública, amparando os que sofrem, melhorando a sorte do operário e do funcionalismo
(...); amparei as reivindicações legítimas do pobre e do necessitado; estive sempre
identificado com os pobres, com os humildes e com os sofredores de todas as categorias;
reparei injustiças praticadas pela revolução contra funcionários, ainda mesmo quando
adversários políticos (...).234

Portanto, estava ali diante de todos o homem que se auto-intitulava o representante dos mais humildes, o
“pai dos cariocas pobres”, o justiceiro daqueles que sempre haviam sido negligenciados pelo Estado brasileiro. Pedro
Ernesto pode ser considerado um exemplo típico dos novos governantes que surgiram nos anos 1930, buscando a
mudança da estratégia de se lidar com os trabalhadores. A grande massa de trabalhadores foi absorvida pelo Estado,
que percebeu que não podia mais tê-los como inimigos. Foi necessário disputar a simpatia dos trabalhadores com
outros grupos que os arregimentavam, principalmente os comunistas e os sindicatos de diversas ideologias.
O sucesso de Pedro Ernesto é incontestável. A votação expressiva e as manifestações de agradecimento dos
sambistas, do operariado e do funcionalismo público foram muito significativas, principalmente no que tange ao Rio
de Janeiro, cidade que era politicamente fragmentada, bastante dividida entre as lideranças locais235 de cada bairro ou
região. O ex-prefeito tornou-se quase uma unanimidade entre os populares, tornando-se importante num centro
estratégico da política brasileira: a capital da República, cede do governo federal. Isso tudo justifica a expectativa em
torno de seu pronunciamento e a disputa pelo seu apoio para as eleições presidenciais de 1938.

234
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 30/09/1937.
235
Edgard Romero, Ernani Cardoso, Cesário de Melo e Luís Aranha são exemplos de alguns líderes locais, cada qual
com influência numa região específica da cidade.
Continuando o discurso, após a defesa de seu governo, ele voltou a criticar o que chamava de extremismos
contemporâneos – a Aliança Nacional Libertadora e a Ação Integralista Brasileira –, dizendo que tais radicalismos só
existiam “onde não há esperanças e nem confiança nos homens do governo”, abrindo o verbo contra o presidente da
República.
Pedro Ernesto afirmou que não poderia apoiar o candidato da situação porque, agindo assim, estaria se
posicionando a favor da intervenção imposta ao Distrito Federal. Ele defendeu a autonomia para a cidade do Rio de
Janeiro e fez, em seguida, vários elogios a Armando Sales Oliveira. Concluindo, o ex-prefeito, emocionado, elogiou
a fidelidade de Jones Rocha, amigos e correligionários, e encerrou seu pronunciamento pregando o voto ao candidato
da oposição nas eleições presidenciais que estavam por vir.

2.2.8 Os últimos “suspiros democráticos”

A grande festa teve repercussão em praticamente todos os jornais cariocas, com exceção dos poucos que
eram adeptos da candidatura de José Américo para a presidência. Porém, os dias posteriores vieram a mostrar que
esse grande evento, em 30 de setembro, acabou sendo um dos últimos suspiros democráticos antes do fechamento do
regime e da implementação do Estado Novo.
O governo federal, diante do crescimento da popularidade e do apoio político à candidatura do paulista
Armando Sales, não titubeou em organizar o contra-ataque que seria mortal às pretensões da oposição. No dia 1º de
outubro, em conseqüência da “descoberta” do Plano Cohen – documento forjado que revelava um plano de
derrubada do governo pelos comunistas –, foi apresentado pelo governo um documento elaborado pelos ministros da
Guerra e da Marinha, relembrando a “Intentona Comunista” de 1935 e apresentando a necessidade urgente do
retorno da implementação do Estado de Guerra.
A atmosfera na capital da República era de confusão e incertezas. O jornal A Batalha, de 02/10/1937,
mostrou com exatidão esse panorama:

Novamente o Estado de Guerra. Boatos... Entre todos os que circularam, ontem, só o


Estado de Guerra tem confirmação (...). A cidade viveu ontem um dia cheio de boatos,
que invadiram a própria casa do poder legislativo, onde encontraram eco os informes
vindos da rua.
Falava-se novamente em ditadura, prorrogação de mandatos, golpe de Estado, com a
dissolução do congresso e o Estado de Guerra.236

Pedro Ernesto, ciente de que o fechamento do regime estava próximo, seguiu para São Paulo no segundo dia
do mês de outubro, data em que o Estado de Guerra iria ser votado na Câmara dos Deputados. Ele já tinha tudo
acertado para um possível exílio na Argentina, caso fossem confirmadas as pretensões do governo federal.

236
Biblioteca Nacional, periódico A Batalha, 01/10/1937.
A câmara aprovou o Estado de Guerra com 128 votos a favor e 52 contra. No senado a vitória foi mais
significativa ainda, com 22 votos a favor e apenas 3 contra, ou seja, 91% de aprovação.
Uma importante voz que, mesmo num quadro de aumento da censura e da repressão, apresentou críticas
incisivas ao governo federal, foi o jornal A Batalha. Em editorial intitulado “verdades para o dia de amanhã”, que
ocupou mais da metade da primeira página, Júlio Barata reclamou da implementação do Estado de Guerra e salientou
que, uma vez que ele fosse aprovado pela Câmara e pelo Senado, os jornais teriam suas liberdades restringidas
devido à censura:

(...) como amanhã este jornal, que se orienta pela nossa direção e circula sob a nossa
responsabilidade, estará, por certo, sob o regime do silêncio forçado, queremos dizer
hoje ao povo que nos lê uma palavra ao menos de protesto contra o desvirtuamento das
finalidades do Estado de Guerra (...), que se transformou em máquina partidária a
serviço de ignóbeis intenções (...).237

Julio Barata – que posteriormente, no Estado Novo, contraditoriamente passou a apoiar o governo238 –
lembrou ainda que A Batalha havia sempre apoiado o combate aos comunistas e, por isso, se achava com direito de
criticar o que chamou de “desvirtuamento” do Estado de Guerra.
A principal preocupação de Barata era a possível implementação de uma ditadura e a conseqüente anulação
das eleições que se realizariam no dia 3 de janeiro de 1938. Bastante incisivo, afirmou que seria um paradoxo “anular
a democracia para se defender a democracia” e que o melhor meio de lutar contra o extremismo seria praticar a
democracia dentro da lei.
As críticas corajosas desferidas pelo A Batalha contra o presidente Vargas são dignas de nota, já que era
muito difícil encontrar, naquele momento de advento do autoritarismo, alguma voz que ousasse se indispor com as
forças federais:

Quem não se recorda das instruções escandalosas da censura, que se destinavam,


única e exclusivamente, a beneficiar a política pessoal do presidente da República, seja
proibindo qualquer reverência amável ao General Flores da Cunha, seja vetando até a
publicação de discursos parlamentares que não agradassem ao senhor Getúlio Vargas?
(...)
Não temos fé no senhor Getúlio Vargas, que, com a sua notória capacidade de
dissimulação, enquanto finge abominar a prorrogação de seu mandato, tudo faz para
perpetuar-se no poder. Mas no Exército e na Marinha temos fé. Tudo nos diz e nos

237
Biblioteca Nacional, periódico A Batalha, 02/10/1937.
238
Júlio Barata foi, durante o Estado Novo, diretor da divisão de rádio do DIP – Departamento de Imprensa e
Propaganda do governo federal. Isso contradisse o discurso democrático e anti-ditatorial que ele havia assumido nos
meses antecedentes à decretação do Estado Novo e mostrou que o diretor do A Batalha tinha convicções frágeis ou, o
que é mais provável, abriu mão delas a fim de obter sucesso profissional na nova realidade política que o país
enfrentou a partir de 10 de novembro de 1937.
demonstra que as classes armadas não se prestarão ao papel de capangas do Catete para
o fim escuso de rasgar a Constituição (...).239

Barata fez constantes apelos às forças armadas pela não implementação de uma ditadura. Lembrou as
declarações do Ministro da Guerra, Eurico Dutra, de que o Exército deveria se afastar da política e das afirmações do
chefe do Estado Maior do Exército, Góis Monteiro, que havia negado publicamente a paternidade da idéia de uma
ditadura.
Uma vez aprovado o Estado de Guerra, o editorial de Júlio Barata não mais apareceu nos dias subseqüentes.
Na semana seguinte, mais precisamente no dia 8 de outubro, o governo começou a se organizar
burocraticamente para colocar seus planos em prática, com a nomeação das autoridades que seriam responsáveis por
executar as medidas relativas ao Estado de Guerra em cada estado brasileiro. Para o Distrito Federal o escolhido foi
Felinto Muller, homem que já era um tradicional aliado do governo federal, com fama de violento, e que havia sido o
responsável pelas prisões de diversos acusados de participação na “Intentona” de 1935 – inclusive Pedro Ernesto.
O dia 10 marcou a decretação oficial do Estado de Guerra em todo o território nacional. Pedro Ernesto, em
São Paulo, avistou-se com o general César Augusto Parga Rodrigues, executor do Estado de Guerra naquele estado,
a fim de comunicar-lhe sua viagem, segundo os trâmites legais. O general entrou em contato com autoridades
superiores que lhe deram ordens para prender o ex-prefeito do Distrito Federal. No dia 12, Pedro Ernesto e seu filho
Odilon Batista foram detidos.
Os jornais deram enorme destaque para a prisão de Pedro Ernesto. A junta federal encarregada de executar o
Estado de Guerra em todo o território nacional, composta pelo ministro José Carlos Macedo Soares – o mesmo que
havia libertado, 5 meses antes, centenas de presos políticos, e que havia recebido uma multidão que pedira a soltura
de Pedro Ernesto –, do almirante Dário Paes Leme de Castro e do general Newton Cavalcanti, havia expedido ordens
aos executores estaduais para que fossem presos todos os que tiveram ou fossem suspeitos de participação no
movimento de novembro de 1935, inclusive os que foram absolvidos.240
O deputado João Carlos Machado, líder da União Democrática Brasileira (UDB) na Câmara, discursou de
maneira ponderada e objetiva, pedindo explicações lógicas sobre a prisão de Pedro Ernesto, mas não obteve qualquer
tipo de resposta por parte do governo ou de seus líderes no parlamento. Dias depois a UDB enviou um requerimento
ao Ministro da Justiça reiterando o pedido de explicações, mais uma vez sem qualquer resposta.
Ao mesmo tempo a repressão intensificou-se também contra as associações e órgãos, de qualquer natureza,
que significassem alguma ameaça para o governo federal. A União Democrática Estudantil e a Coligação
Democrática foram fechadas. Ao mesmo tempo proliferavam as agremiações anticomunistas, como a Defesa Social
Brasileira, criada com o objetivo de “defender as instituições contra o perigo vermelho”, auto-intitulada “uma
sociedade civil apolítica congregando todas as classes”.241
O cerco ia se fechando e a ditadura cada vez mais parecia uma questão de tempo. No dia 19, o estado que
talvez representasse uma das maiores ameaças a Vargas foi neutralizado: Flores da Cunha renunciou ao governo do

239
Biblioteca Nacional, periódico A Batalha, 02/10/1937.
240
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Pedro Ernesto.
Rio Grande do Sul e buscou exílio no exterior. Imediatamente a intervenção federal foi decretada em solo gaúcho,
sob o mesmo pretexto que vigorava em âmbito nacional: o de “combater núcleos comunistas em atividade”.242 O
interventor nomeado foi o general Daltro Filho.

2.2.9 Estado Novo: o fim da carreira política de Pedro Ernesto

A crescente repressão criou um ambiente de progressivo aumento do autoritarismo. O governo federal cada
vez agia com mais independência, centralizando os poderes e ignorando as autoridades legislativas e judiciárias do
país. As prisões eram feitas de forma arbitrária e a justificativa usada era sempre o envolvimento do suspeito com
atividades subversivas de cunho comunista.

Através da análise dos jornais da época pudemos perceber que aos poucos foi iniciado um debate sobre as
reais condições de se realizar um pleito presidencial num país que vivia a suposta ameaça de uma nova insurreição
comunista.
A União Democrática Brasileira e seus aliados se reuniram no dia 22 de outubro para analisar a situação do
país e deliberar sobre o futuro da candidatura de Armando Sales Oliveira. Ao final do encontro, os correligionários
do político paulista foram unânimes em reafirmar a certeza da realização das eleições e da vitória de seu candidato.
Já a candidatura de José Américo de Almeida, que já não contava com um esforço significativo do governo
federal no sentido de apoiá-la mais eficazmente, enfraqueceu-se em definitivo com a decisão pela suspensão
temporária de sua publicidade. No dia 25 do mesmo mês o próprio José Américo resolveu conceder uma entrevista
coletiva à imprensa, em que lamentou que muitos de seus aliados tivessem “abandonado a candidatura”, mas fez
questão de dizer que iria até o fim, seguindo “sozinho com o povo”.243
No início de novembro ressurgiram os editoriais de Júlio Barata no A Batalha, posicionando-se a favor da
candidatura de Armando Sales e fazendo coro pelo fim da chapa de José Américo. Ele voltou a defender o respeito à
constituição, mas mudou de tom ao falar sobre o presidente da República. Um Barata mais diplomático disse
acreditar no “presidente da República, que assegurou a normalidade da sucessão presidencial”.244
Porém, já no dia seguinte as palavras de Júlio Barata perderam quaisquer possibilidades de tornarem-se
realidade. No dia 10 de novembro foi anunciada uma nova constituição e decretado o Estado Novo.
Todo o processo de fechamento do regime foi cautelosamente estudado e planejado. O cronograma do
governo foi seguido à risca numa sucessão de acontecimentos que podem ser resumidos da seguinte forma: o boicote
“oficioso” à candidatura de José Américo, a invenção do Plano Cohen, a decretação do Estado de Guerra, a
nomeação de executores do Estado de Guerra em cada estado e no Distrito Federal, a prisão dos inimigos políticos, a
intervenção no Rio Grande do Sul, o boicote oficial à candidatura de José Américo – articulado pelo governador de
Minas Gerais, Benedito Valadares, que passou a defender publicamente a desistência do candidato –, a viagem de

241
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 13/10/1937.
242
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 19/10/1937.
243
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 25/10/1937.
Negrão de Lima pelas regiões norte e nordeste – sob o pretexto de arregimentar apoio ao presidente na suposta luta
contra o comunismo – e, finalmente, a implementação de uma nova constituição.
No Distrito Federal a submissão aos planos centralizadores do governo federal já estava garantida desde a
prisão de Pedro Ernesto e consolidada com a intervenção que vigorava desde março de 1937. A liberdade obtida pelo
ex-prefeito e a declaração de seu apoio a Armando Sales foram neutralizadas após o anúncio da “descoberta” do
Plano Cohen, que deu a justificativa necessária para que Pedro Ernesto fosse novamente preso e não atrapalhasse os
planos de Vargas até que a ditadura fosse instaurada.
A ditadura de novembro de 1937 representou o fim da carreira de Pedro Ernesto. Foi o golpe final de
Vargas contra quaisquer pretensões políticas do ex-prefeito. Os que se mantiveram fiéis aliados de Vargas desde
1930 conseguiram altos cargos administrativos. Outros, que eram oposicionistas e mudaram de lado a tempo,
conseguiram espaço para prosseguir a carreira política.
Nenhum dos dois era o caso de Pedro Ernesto. Ele havia se tornado demasiado popular, tinha independência
política, possuía um projeto administrativo diferente do levado a cabo pelo governo federal e defendia a democracia.
O sucesso de Pedro Ernesto foi o motivo de sua eliminação política.
De interventor ele se tornou prefeito eleito e, a partir desse momento, ganhou “vida própria” se dissociando
definitivamente de Vargas. O presidente, por sua vez, não poderia admitir que outro político se destacasse tanto junto
aos trabalhadores. Não poderiam existir dois “pais dos pobres”. Assim, Pedro Ernesto foi eliminado no momento em
que se tornava ainda mais forte politicamente.
Se a prisão o fortalecera junto ao povo, fornecendo a ele a imagem de mártir, tal erro não haveria de ser
cometido novamente. O governo federal foi implacável, apagando a imagem do ex-prefeito e afastando qualquer
hipótese de um novo retorno dele à vida política.

2.2.10 Tentativas de esfacelamento da imagem do prefeito

Em 10 de novembro de 1937, dia da decretação do Estado Novo, Pedro Ernesto escreveu a Henrique
Dodsworth solicitando que ele interviesse junto a Vargas em favor de sua libertação. Em troca o ex-prefeito
renunciaria a cargos públicos e a quaisquer pretensões políticas.245 Alguns dias mais tarde, Pedro Ernesto foi
transferido para Campanha, em Minas Gerais, sob prisão domiciliar e, em janeiro de 1938, obteve permissão de
Vargas para regressar ao Rio de Janeiro em liberdade.
Uma série de humilhações estava à espera do ex-prefeito do Distrito Federal. Primeiramente sua patente de
coronel-médico do Exército foi cassada, sob as acusações de que ele havia traído sua pátria e posto em risco a
segurança nacional ao compactuar com líderes comunistas. Em seguida, Pedro Ernesto teve que enfrentar um longo
processo na justiça, junto com outros funcionários municipais, respondendo à acusação de desvio de material da
prefeitura, o que se transformou num escândalo muito explorado pelos jornais. Sua condição de ex-prefeito lhe

244
Biblioteca Nacional, periódico A Batalha, 09/11/1937.
245
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC – FGV, edição digital, verbete Pedro Ernesto.
conferia o direito de foro especial, porém isso lhe foi negado pela justiça. Depois de quase dois anos, em agosto de
1939, finalmente Pedro Ernesto foi julgado e absolvido pelo juízo da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
Da mesma forma como Pedro Ernesto trabalhou intensamente na construção de sua imagem de bom
homem, justiceiro dos pobres e humildes, defensor dos trabalhadores e mártir das causas populares, o governo
federal tratou de combater o “mito populista” com acusações que procuraram esfacelar essa auto-imagem criada pelo
ex-prefeito que fora aceita pela população.
A patente de tenente, substituída depois pela de coronel-médico, tinha um valor simbólico importantíssimo
na construção da imagem de Pedro Ernesto, já que ele a recebera em razão de ter participado do movimento que se
vangloriava de ter derrubado as oligarquias do poder em 1930. Ao caçar a patente de Pedro Ernesto o objetivo era
transformá-lo de herói nacional a traidor da pátria. A alcunha de “comunista traidor”, atribuída ao ex-prefeito,
buscava esfacelar a idéia de um Pedro Ernesto nacionalista e defensor de seu povo.
Ao mesmo tempo, as acusações de improbidade administrativa, por ter desviado material da prefeitura,
atingia algo do qual Pedro Ernesto sempre se gabou: o orgulho de ter conduzido a administração do Rio de Janeiro
de forma honesta e competente. Atacando sua moral e seus princípios, automaticamente a imagem de bom homem e
representante dos trabalhadores humildes e necessitados seria arranhada. A “mancha da corrupção”, uma vez lançada
sobre o nome de um político, cumpriria com sucesso a intenção de desmoralizá-lo publicamente.
Mesmo após essa forte campanha de desmoralização, em 18/07/1940 um novo fato, ocorrido no auge do
Estado Novo, dava mostras de que a popularidade de Pedro Ernesto permanecia forte entre os funcionários
municipais, mesmo transcorridos quatro anos do fim de sua administração. Foi publicado em alguns jornais cariocas
um abaixo-assinado, com centenas de assinaturas, em que o funcionalismo municipal pedia o retorno de Pedro
Ernesto à prefeitura, exaltando suas ações enquanto prefeito.246
O mesmo abaixo-assinado foi enviado a Góis Monteiro com o pedido de que este utilizasse a influência que
tinha sobre Vargas para recomendar ao presidente o nome de Pedro Ernesto para a interventoria do Distrito Federal.
Desafeto do ex-prefeito, é claro que o general ignorou o pedido.
Apesar de não ter obtido o sucesso desejado, tal demonstração de afeto por Pedro Ernesto mostrou
definitivamente que os processos e prisões não haviam afetado a imagem que ele havia construído ao longo de quase
5 anos como prefeito. Os funcionários públicos afirmavam que Pedro Ernesto, “como prefeito, foi inédito e nenhum
o sobrepujou até hoje. Deu ao povo carioca escolas e hospitais elevando assim o nível moral, intelectual e físico do
povo que dirigiu”.247 Não era fácil destruir uma imagem tão bem construída e já introjetada na memória dos
trabalhadores cariocas.
Mal sabiam os que pediam pelo retorno de Pedro Ernesto que a vida dele estava prestes a se findar. As
sucessivas prisões e os processos enfrentados ao longo de desgastantes 3 anos e 4 meses, de abril de 1936 – quando
foi encarcerado pela primeira vez – a agosto de 1939 – mês de sua última absolvição –, fizeram mal para a saúde do
ex-prefeito.
A reclusão e o afastamento da vida pública, pela qual tinha adoração, só fizeram aumentar os problemas.
Pedro Ernesto, muito debilitado, teve que ser internado diversas vezes. O agravamento de seu estado de saúde se deu

246
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 637.
progressivamente, forçando-o a enfrentar uma intervenção cirúrgica em dezembro de 1941. Menos de um ano depois
da cirurgia, em 10 de agosto de 1942, morreu o primeiro prefeito eleito da História do Rio de Janeiro.

2.2.11 Um enterro característico de um líder populista

É sabido que no momento da morte muitas vezes são ocultados os erros que o falecido cometeu em vida. As
homenagens, os relatos de parentes, a lembrança das ações positivas, tudo isso muitas vezes é colocado acima dos
deslizes e eventuais falhas cometidas pelo morto. Os periódicos que relatam a morte de Pedro Ernesto seguiram essa
linha; neles encontramos apaixonadas e exageradas defesas de sua vida e obra. Não faltaram discursos de exaltação à
sua atuação na prefeitura do Distrito Federal e lamentações pela perda do primeiro prefeito eleito da cidade do Rio de
Janeiro.

O essencial no enterro de Pedro Ernesto é perceber a consagração final do mito populista. Ele foi um dos
pioneiros no atendimento de várias necessidades populares – principalmente no que diz respeito à saúde, educação e
leis trabalhistas – e soube se autopromover, muitas vezes superdimensionando suas realizações. Se existia ainda
alguma dúvida a respeito da eficácia da penetração da imagem de Pedro Ernesto como bom homem, honesto e
trabalhador no imaginário popular, esse questionamento se esvai quando vemos a ovação que ele recebeu no cortejo
que o levou ao cemitério São João Batista.
É importante, antes de tudo, lembrar que no ano de 1942 a ditadura ainda estava em vigor e a
redemocratização só viria a ocorrer 3 anos depois. Portanto, os jornais evitaram categoricamente fazer qualquer
menção sobre a prisão do ex-prefeito e seu desentendimento com o presidente Vargas, que ainda ocupava o Palácio
do Catete. As curtas retrospectivas biográficas dos jornais, comuns na hora do falecimento de homens públicos, não
entraram em detalhes sobre acontecimentos específicos do governo de Pedro Ernesto, obviamente para evitar
qualquer reprimenda, censura ou sanção por parte do governo federal.248
O Correio da Manhã referiu-se ao ex-prefeito com um homem bondoso, que ajudou os humildes e fez uma
significativa obra na educação e na saúde da capital da República. Aparece novamente uma das características
fundamentais do populismo: a apresentação do político como um justiceiro, alguém que atendia “as classes pobres,
com quem gozava de real popularidade, pelo seu boníssimo coração, aliado a um caráter filantrópico de elevada
classe”, como relatou o jornal matutino.249
O mesmo jornal realçou a presença na multidão de pessoas das mais diversas origens sociais, “desde as mais
elevadas, com a presença de altas personalidades, até os mais humildes cariocas, pessoas do povo, mulheres que
levavam nos braços filhos pequenos”. Todos estavam ali para prestar a última homenagem ao homem que
consideravam um verdadeiro mártir, alguém que julgavam ter se dedicado integralmente a atender as aspirações

247
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 637.
248
É importante lembrar que, em 1942, o país estava há 5 anos vivendo a ditadura do Estado Novo, ainda longe da
redemocratização que viria 3 anos mais tarde. Além de toda a censura exercida pelo DIP – Departamento de
Imprensa e Propaganda –, o governo tinha ainda o monopólio da importação e liberação do papel de imprensa. Logo,
é perfeitamente entendível que a imprensa evitasse quaisquer palavras que pudessem desagradar o governo federal.
249
Biblioteca Nacional, periódico Correio da Manhã, 11/08/1942.
populares. Dessa forma, não faltaram no cortejo as mais exaltadas manifestações de afeto ao líder populista que
havia deixado a vida, deixando seus “filhos” – a população do Rio de Janeiro – órfãos.
A lógica do populismo não compreende o político como um representante popular que tem o dever que
governar em nome da coletividade. Pelo contrário, para uma população descrente em conseguir melhores condições
de vida, numa democracia falha e diante de uma sociedade civil pouco organizada, o político que atendesse as
necessidades populares, mesmo que superficialmente, era digno de exaltação e homenagens infindas.
Pedro Ernesto pode ser considerado um homem-símbolo, precursor do populismo. Soube como ninguém
lidar com a população, dando ênfase aos trabalhadores urbanos, grupo social que crescia e ganhava cada vez mais
importância na sociedade brasileira. Soube também se aproveitar das carências dos cariocas para exaltar os direitos
trabalhistas que estabeleceu e suas realizações nas esferas da saúde e da educação, promovendo uma propaganda que
consolidou sua imagem de “salvador” para a posteridade.
Lendo as palavras do Correio da Manhã podemos, num esforço, imaginar a cena final da vida do ex-
prefeito, a consagração de um líder populista:

A certa altura, não foi mais possível conter os que se esforçavam para conseguir tomar
uma das alças do caixão, e desse momento em diante passou a urna funerária a ser
carregada ao ombro dos populares, muitos dos quais a aparência denunciava
pertencerem à classe humilde, onde maior se fizera o vasto círculo de admiradores do
ex-prefeito da cidade. (...)
Uma vastíssima multidão assistiu ao desfile fúnebre. Representantes de todas as classes.
Grupos formados pelos representantes de associações profissionais, enfermeiras,
militares, escolares, serventuários municipais, entre outros.250

O jornal lembrou ainda que era surpreendente a presença de dezenas de milhares de pessoas, visto que Pedro
Ernesto já estava afastado da vida pública há alguns anos. O grande destaque ficou a cargo dos discursos de
lideranças operárias. O presidente do sindicato dos marítimos foi o mais aplaudido ao exaltar o ex-prefeito como um
administrador zeloso e competente e, mais do que isso, como o “grande responsável pela consagração dos direitos
das classes trabalhistas da cidade”.251
O Diário da Noite, além de uma extensa reportagem na primeira página, dedicou todo o seu editorial para
homenagear o ex-prefeito. Austregésilo de Ataíde, diretor do periódico, elaborou um relato sobre Pedro Ernesto que
ilustra com perfeição a imagem que o ex-prefeito procurou sempre passar em seus discursos. No momento da morte,
ficava claro que havia obtido sucesso. O tenente-civil, homem importante para a deflagração do movimento de 1930,
participante ativo do Gabinete Negro, fundador do Clube 3 de Outubro e fundador e líder do Partido Autonomista do
Distrito Federal, ou seja, uma “raposa política”, conseguiu, curiosamente, passar a idéia de que era um homem
ingênuo, transparente e afastado das negociações do ambiente político tradicional:

250
Biblioteca Nacional, periódico Correio da Manhã, 12/08/1942.
251
Biblioteca Nacional, periódico Correio da Manhã, 12/08/1942.
(...) A vida publica encheu-o de decepções e sofrimentos, porque lhe faltaram horizontes
para integrar-se num sistema e agir em função de uma determinada ideologia. Não
pertencia à família multiforme e vária do ‘anthropos politikon’. Possuiu, no entanto,
comunicações secretas com as massas, esse sentido que faz às vezes os profetas, os
santos e os heróis, e que consiste em sobrepor a caridade a toda outra fórmula de ação
social.252

A imagem que Pedro Ernesto construiu ao longo de sua carreira política foi superdimensionada após sua
morte. A comparação com os profetas, santos e heróis foi tudo o que ele sempre quis. Justiceiro em vida, santo após
a morte: é uma qualificação bem característica atribuída aos líderes populistas.
A multidão ocupou a totalidade da imensa rua Voluntários da Pátria, no bairro de Botafogo, tomando o
rumo do cemitério. Relatando tal fato, o Jornal do Brasil justificou a presença maciça de populares pelo fato de
Pedro Ernesto ter sido o pioneiro na priorização da questão social no Brasil. Segundo esse jornal, “Pedro Ernesto
soube lançar e encaminhar a obra de amparo social, ao lado do presidente Getúlio Vargas”.253
Outros jornais, tais como a Gazeta de Notícias e o Diário de Notícias também deram destaque à
popularidade do ex-prefeito. Ambos reservaram mais da metade de suas primeiras páginas a fotos da multidão
presente ao cortejo fúnebre. Mais uma vez, foram ressaltados os laços afetivos entre os trabalhadores e Pedro
Ernesto. A Gazeta de Notícias disse que “o povo soube compreendê-lo e por isso o amava com devotamento, vendo
em sua figura uma força representativa de suas aspirações e um ardoroso defensor de suas prerrogativas”.254
Já o Diário Carioca e A Noite, ao contrário dos demais jornais, deram também bastante importância à
presença de personalidades no enterro, tais como o prefeito Henrique Dodsworth, o embaixador Oswaldo Aranha, o
importante político mineiro Antônio Carlos, os companheiros de tenentismo Juracy Magalhães, João Alberto,
Augusto Amaral Peixoto; os generais Cristóvão Barcelos, Almerio de Moura e Manoel Rabelo, entre outros.
Esses dois periódicos também destacaram as várias homenagens recebidas pela família do falecido.
Dodsdworth decretou luto oficial na cidade. A ABI, o Conselho de Medicina, o Liceu Literário Português, os
empregados municipais e tantos outros órgãos enviaram coroas de flores. O mesmo gesto foi seguido pelo presidente
Vargas, que embora não tenha comparecido ao enterro, fez questão de enviar um representante.
Enfim, o sepultamento de Pedro Ernesto foi um momento-símbolo que deixou claro não só que a sua
imagem de líder populista estava fortemente enraizada na memória popular, como também demonstrou a grande
importância que o ex-prefeito possuía no cenário político nacional, conseguido por causa da popularidade que
obteve, é claro, mas também por sua enorme engenhosidade na formação de alianças políticas. Ao contrário do que
afirmou Austregésilo de Ataíde em seu editorial, definitivamente Pedro Ernesto fazia parte da “família anthropos
politikon”.

252
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 12/08/1942.
253
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, 12/08/1942.
254
Biblioteca Nacional, periódico Gazeta de Notícias, 11/08/1942.
As palavras de A Noite fizeram um balanço final da importância do último evento populista de Pedro
Ernesto: “dificilmente a nossa capital assistirá mais expressiva e comovente demonstração de estima e de sentimento
pela morte de um de seus servidores”.255
Para a compreensão dos limites e possibilidades do trabalhismo de Pedro Ernesto cabe agora a análise de
quais grupos se posicionaram contra e a favor dos rumos da administração do tenente civil frente ao município
carioca. A aproximação entre Pedro Ernesto e os trabalhadores – primeiramente somente o funcionalismo público e,
em seguida, o operariado urbano em geral – causou o descontentamento de muitos. Se num primeiro momento as
possibilidades encontradas por ele se mostraram maiores do que os limites impostos pela conjuntura política
nacional, a situação de inverteu no ano de 1935, levando à sua saída da prefeitura e ao seu aniquilamento político.

3 LIMITES E POSSIBILIDADES: PRESSÕES CONTRA A POLÍTICA IMPLEMENTADA PELO


PREFEITO PEDRO ERNESTO

3.1 A repercussão da obra de Pedro Ernesto

3.1.1 A questão do trabalho: um problema nada novo

A legislação trabalhista criada nas décadas de 1930 e 1940 foi amplamente divulgada e utilizada como
propaganda política pelo governo do presidente Getúlio Vargas. Em razão disso, nas décadas seguintes, foi
consolidada a idéia de que foi durante a administração de Vargas que o trabalhador obteve os direitos trabalhistas
que tanto almejava, em razão das realizações desse presidente.

Sem tirar o mérito da criação e posterior implementação da legislação trabalhista por Vargas, é preciso que
não se perca de vista que a obtenção de tais direitos só foi possível devido a uma longa e árdua luta dos trabalhadores
em defesa de seus interesses, desde o início da República.

255
Biblioteca Nacional, periódico A Noite, 12/08/1942.
A Primeira República – ou República Velha – foi um período rico de construções, de práticas e
representações simbólicas do operariado. Associações foram criadas, greves levadas à frente, boicotes estabelecidos,
comemorações entusiasmadas do 1º de maio realizadas e alguns projetos de partidos políticos chegaram a sair do
papel – embora não tenham tido vida longa. Até o início da década de 1920 a liderança das mobilizações populares
esteve com os anarquistas, que foram sucedidos pelos socialistas nos anos posteriores.256
De outro lado, o setor patronal também se viu obrigado a se organizar. As pressões que o patronato exerceu
sobre o Estado – que tinha em seu comando mais homens ligados aos patrões do que aos trabalhadores – teve como
conseqüência a “política dos cassetetes”, que reprimia as manifestações dos trabalhadores de forma violenta e
prendia os líderes populares. O empresariado, de uma forma geral, buscou boicotar projetos de lei que
representassem ganhos para os seus empregados e alguma perda para seus negócios.
Já em 1890 o jornal “A Voz do Povo” tentou representar os anseios dos trabalhadores. O periódico, que
divulgava os movimentos sociais europeus e pressionava por uma maior ação social do Estado, não atingiu grande
êxito, já que circulava somente na cidade do Rio de Janeiro e tinha um alcance curto, visto que o número de
trabalhadores urbanos que tinham trabalho fixo e sabiam ler era pequeno.257
Algumas organizações foram criadas ainda no século XIX, mas foi somente no início do século XX que
ocorreu um crescimento significativo de agremiações dos trabalhadores. Um exemplo foi a criação por Vicente de
Souza, em 1902, do “Centro das Classes Operárias”, com o objetivo de apoiar as greves, reivindicações e amparar os
trabalhadores no que fosse possível.
Embora tivessem poucos recursos e um número não muito expressivo de participantes, a proliferação desses
grupos retratou o aumento da busca popular por melhores condições de trabalho. Nesse sentido, o setor têxtil era um
dos mais mobilizados e também o que empregava o maior número de trabalhadores urbanos na capital da República.
As demandas mais mencionadas eram a diminuição da jornada de trabalho – que não tinha um limite diário –, o
estabelecimento da pensão por invalidez, a criação de uma legislação para o trabalho de menores de idade, o amparo
à velhice, entre outras.
Os anarquistas exerceram um papel fundamental para a auto-consciência dos trabalhadores dos problemas
contra os quais deviam lutar. Eles defendiam uma revolução social e não apenas uma revolução política. Viam a
educação como algo essencial, e, sendo assim, eram a favor da associação de trabalhadores para a troca de
experiências e informações a fim de obter um desenvolvimento humanístico dos mesmos.
Porém, essas associações não deveriam ter o objetivo de ingressar na política partidária – principal
divergência com os socialistas, que, aliás, eram chamados de “amarelos”258. O anarquismo buscava a valorização do
trabalho e do trabalhador, em oposição aos que se aproveitavam desse trabalho e exploravam os trabalhadores.
Apesar de conseguir sucesso durante um tempo razoável, alguns pontos da ideologia anarquista eram
suscetíveis a críticas que não só justificaram o seu combate pelas autoridades públicas, mas também acabaram
enfraquecendo o movimento internamente. A Igreja era vista como opressora e inimiga do livre pensamento, mas a

256
Ângela de Castro Gomes, A invenção do trabalhismo, Rio de Janeiro, FGV, 2002.
257
Gomes, op. cit., p. 38.
258
Similar ao que veio a se chamar “pelego”. “Amarelo” era o nome dado aos trabalhadores que diziam estar ao lado
de seus colegas, quando na verdade eram guiados pelo patronato ou pelas autoridades públicas.
maioria absoluta dos trabalhadores era de católicos, o que se tornou um grave problema. Já a pátria, para os
anarquistas, era a humanidade, o que deu margens a acusações de antipatriotas259 por parte de seus inimigos.
O resultado foi o aumento crescente da repressão. Segundo a historiadora Ângela de Castro Gomes, “(...) a
questão social, ou melhor, a questão do anarquismo, havia sido definida como uma ameaça à ordem constituída,
devendo ser eliminada por ação policial. Sendo assim, as prisões de militantes, invasões e destruição de sedes de
associações de classe não cessavam”.260 Em 1921 veio o golpe fatal contra o anarquismo: a lei de autoria do
deputado Adolfo Gordo, conhecida como “Lei de Expulsão de Estrangeiros”, definiu o anarquismo como crime,
permitindo a deportação de estrangeiros envolvidos no movimento.261
Mas o movimento anarquista no Brasil, apesar dos muitos reveses sofridos, contribuiu decisivamente para
pressionar o governo federal a se preocupar seriamente com os problemas sociais, particularmente com os problemas
relacionados ao trabalho. Os anarquistas e os socialistas, apesar das diferenças, se uniram várias vezes contra a
política de repressão levada a cabo pelo poder público, que se viu forçado a ceder com algumas concessões a fim de
esfriar o ímpeto das agremiações e associações dos trabalhadores.
O deputado federal Maurício de Lacerda, estudioso do socialismo e simpático às demandas populares, criou
em 1917 um projeto que previa a criação de comissões, formadas por patrões e empregados, que teriam o poder de
arbitrar sobre conflitos no trabalho. Apesar de aprovado pela câmara, em 1917, e pelo senado, no ano seguinte, o
projeto não foi colocado em prática devido às pressões do patronato sobre o governo federal.
Somente em 1923 foi criado um Conselho Nacional do Trabalho (CNT) destinado a resolver problemas
entre patrões e empregados, mas com atribuições bem diferentes da proposta inicial de Lacerda. Como afirma o
brasilianista Michael Conniff, o CNT era um órgão que atendia muito mais ao governo e às empresas262, quando
deveria fazer uma ligação imparcial entre patrão e empregado para resolver os problemas que surgiam no cotidiano.
É desnecessário dizer que nenhuma das medidas mais progressistas – jornada de oito horas, proibição do trabalho
infantil, regras de negociação coletiva, segurança no local de trabalho – foram conseguidas através da CNT. Mesmo
depois da reforma constitucional de 1926, que influenciou mudanças nesse órgão – que passou a contar com maior
participação dos operários –, a maioria absoluta das decisões eram a favor do patronato.263
Outro órgão digno de nota foi a Confederação Sindicalista Cooperativista do Brasil (CSCB). Seu líder,
Sarandy Raposo, orientava a “seção operária” do jornal O Paiz. Segundo Ângela de Castro Gomes, “(...) na hora em
que Bernardes [Arthur Bernardes, então presidente] perseguia meio mundo, permitiu que Sarandy dominasse a seção
operária de O Paiz”264, o que despertou a desconfiança de vários líderes populares que passaram a ver em Sarandy
Raposo um possível “amarelo”. Porém, ao mesmo tempo, as lideranças operárias viram a oportunidade de, a partir de

259
O que era um paradoxo, já que grande parte do patronato carioca era formado por famílias estrangeiras. Isso se
constituiu em um problema real, acarretando discussões que acabaram por relativizar as acusações indiscriminadas
contra os estrangeiros.
260
Gomes, op. cit., p. 135.
261
As discussões sobre a expulsão de estrangeiros são antigas no Brasil. O ano de 1906 foi emblemático, com a
criação de um projeto de lei, cristalizado com o decreto que estabeleceu a Lei de Expulsão de Estrangeiros em 17 de
janeiro do ano seguinte.
262
Michael L. Conniff, Política urbana no Brasil: a ascensão do populismo, 1925-1945, Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 2006, p. 70.
263
Conniff, op. cit.
uma aproximação com Raposo, conseguirem a publicação de artigos e panfletos sobre socialismo no jornal em que
ele trabalhava.
Sarandy Raposo apoiava abertamente Arthur Bernardes e ao mesmo tempo mantinha relações estreitas com
as associações e agremiações dos trabalhadores. O governo federal, num grande erro estratégico, perdeu a chance de
se aproximar e estabelecer um controle sobre os grupos operários a partir do momento em que retirou a ajuda
pecuniária que dava aos sindicatos filiados à CSCB, afastando esses grupos de si e optando mais uma vez por lidar
com eles através da “política dos cassetetes”. Tal erro não viria a ser cometido pelos homens públicos da década de
1930.
Ainda no final da década de 1910 e início dos anos 1920 os trabalhadores obtiveram outros ganhos
trabalhistas importantes de serem citados. Em 1919, foi aprovada a Lei de Acidentes de Trabalho265; quatro anos
mais tarde as Caixas de Aposentadorias e Pensões passaram a significar um grande avanço na política trabalhista,
com os ferroviários sendo os primeiros a serem beneficiados; já em 1926, foi elaborada a Lei de Férias para os
comerciários e operários industriais266 e o Código de Menores, este último implementando uma série de regras a
serem adotadas na admissão do trabalho dos menores de idade.
É importante frisar que, somente a partir do decreto nº 4859, de 26/09/1924, o dia 1º de maio foi declarado
feriado nacional, em homenagem aos trabalhadores. Foi durante o governo de Arthur Bernardes, entre 15 de
novembro de 1922 a 15 de novembro de 1926, que foram obtidos consideráveis avanços na questão trabalhista,
apesar de dificuldade de colocação em prática das medidas, em razão da resistência dos empregadores e da falta de
fiscalização do governo.
O historiador Orlando de Barros dá uma explicação para essa atenção dada pelo governo Bernardes à
legislação trabalhista. Segundo esse historiador, “entre 1923 e 26, houve um grande esforço para criar um sistema
legal de relações de trabalho, todavia quase inteiramente como resultado dos compromissos assumidos com o
Tratado de Versalhes e pela participação brasileira na Liga das Nações”267. Bernardes queria o Brasil como membro
permanente do Conselho de Segurança e, não a obtendo, retirou o país da Liga das Nações no final de seu governo.
Barros ainda comenta sobre a Lei Eloy Chaves268 que estabeleceu, pela primeira vez, a criação das caixas de
pensão (CAPs). Segundo ele, a visita de Albert Thomas ao Brasil – realizada em meio ao debate sobre as CAPs – foi
uma forma de pressionar para que o país colocasse em prática a criação de uma legislação social, de acordo com os
compromissos assumidos com o Tratado de Versalhes.269 Existia uma preocupação internacional com a Revolução

264
Gomes, op. cit. p. 146.
265
Decreto nº 3724, de 15/01/1919.O Decreto nº 16912, de 20/05/1925, concedeu autorização para que a Companhia
Internacional de Seguros operasse em seguros contra acidentes de trabalho.
266
Decreto nº 17496, de 30/10/1926. Seriam concedidos 15 dias de férias anuais.
267
Orlando de Barros, "Os intelectuais de esquerda e o ministério Lindolfo Collor", In Jorge Ferreira e Daniel Aarão
Reis (org.), As esquerdas no Brasil, vol. 1 (A formação das tradições, 1889-1945), Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2007, pp. 297-330.
268
A Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923), criou para cada Estrada de Ferro do
País uma Caixa de Aposentadoria e Pensões.
269
Albert Thomas, ex-ministro da guerra da França, foi o primeiro Diretor Geral da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Ele esteve em visita ao Brasil em 1925, precisamente 2 anos depois da Lei Eloy Chaves, quando a
discussão a respeito das CAPs ocupava vivamente a política brasileira. Sua presença no Brasil foi criticada por "A
classe operária", em seu número 12, que afirmou que a real intenção de Thomas não era em defender os
Russa (1917) e com a possibilidade de crescimento do socialismo, daí a preocupação das potências capitalistas em
estimular a legislação social que atendesse a demandas dos trabalhadores e evitasse a difusão do ideário socialista.
A fundação do Partido Socialista do Brasil, por Antônio Evaristo de Moraes, em 1917 – depois fundado
novamente em 1925, sendo o mesmo o redator do manifesto-programa – já dava mostras do crescimento do
socialismo. Mas foi a definição do anarquismo como crime, em 1921, e a criação do Partido Comunista do Brasil
(PCB), em 1922, que marcaram definitivamente o enfraquecimento da doutrina anarquista e o fortalecimento do
socialismo como a nova ideologia proeminente entre os trabalhadores brasileiros. O PCB cresceu, ganhou o apoio
dos sindicatos, liderou comícios, divulgou suas idéias e criou folhetins. O Bloco Operário e Camponês (BOC) é a
prova do fortalecimento da doutrina socialista, mas divisões internas, inexperiências e a forte repressão policial
desencadeada, principalmente em 1929, levaram ao seu enfraquecimento.270 A adesão de Luís Carlos Prestes, o
“cavaleiro da esperança”, serviu como nova mola impulsionadora do PCB, que teve papel importantíssimo no
desenrolar dos acontecimentos políticos da década de 1930.
O importante é frisar que, no final da década de 1920, a participação sindical promoveu uma visão mais
ampla dos problemas dos trabalhadores. O brasilianista Michael Conniff ressalta que, nessa época, muitos grupos
publicavam e contribuíam para jornais e revistas. Mais do que isso, sindicatos maiores ocasionalmente mandavam
observadores a conferências trabalhistas nacionais ou internacionais como as da Organização Internacional do
Trabalho.271
Outro exemplo da crescente organização proletária foi a realização de dois congressos trabalhistas, um em
meados de 1926272 e outro no final de 1927273, com o objetivo discutir a colocação em prática da Lei de Férias,
aprovada em 1925, mas que até então não havia saído do papel. Ou seja, os trabalhadores cresciam numericamente
com o aumento da industrialização foram se organizando a fim de pleitear não só a aprovação de medidas de
proteção aos empregados, mas também a colocação em prática delas – o que parecia ser o mais difícil, devido à
resistência dos patrões, muitos dos quais ocupavam cargos no governo ou tinham amigos que lá estavam.
É claro que as crescentes pressões dos trabalhadores, fortalecidos pelo crescimento da organização sindical
e guiados pelo ideário socialista, levaram os políticos a perceberem a ineficácia da “política dos cassetetes”. Mas, por
outro lado, outro fator também contribuiu para que o poder público mudasse a estratégia do uso da violência para o
diálogo e a parceria com os trabalhadores: as pressões internacionais.
As pressões da OIT, cristalizadas pela presença física de Albert Thomas em 1925, aumentaram em 1929
com a imposição de novas medidas a serem adotadas. Segundo Michael Conniff, o novo “pacote” da OIT exigia
indenização e prevenção a acidentes, segurança e higiene, carga de trabalho reduzida para mulheres grávidas,
proteção para mulheres e adolescentes, eliminação de trabalho físico para crianças com menos de quatorze anos,

trabalhadores, mas controlá-los. Essa publicação resultou no fechamento do folhetim pelo governo, que só foi
reaberto em 1928.
270
Não é o objetivo do presente trabalho explicar os pormenores do desenvolvimento do PCB. Para mais
informações, ver John W. F. Dulles, Anarquistas e comunistas no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1973.
271
Conniff, op. cit. p.72.
272
Biblioteca Nacional, periódico Correio da Manhã, edições de março de 1926.
273
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, edições de dezembro de 1927.
prevenção a greves e dispensas temporárias por meio de mediação, tribunais especializados, ampliação de
aposentadoria, jornada de 8 horas diárias, descanso aos domingos e inspeção governamental das condições laborais.
É importante lembrar ainda que 1929 é o ano em que ocorreu a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque,
uma das maiores crises da história do capitalismo. Se o medo do socialismo e da influência da Revolução Russa já
era uma realidade, em 1929 os cuidados se redobraram, tornando-se definitivamente essenciais medidas reformistas
que assegurassem o bem-estar do trabalhador de modo a evitar manifestações extremistas contra a lógica do sistema.
Portanto, seja por razões externas ou por necessidades internas, o fato é que o reformismo estava no ar nos
anos 1920, atingindo todos, mas especialmente mobilizando a elite e os setores médios. Os movimentos tenentistas
exigiam mudanças, os trabalhadores lutavam por seus direitos e as autoridades internacionais sentiam a necessidade
de mudança de postura do governo brasileiro.
Os líderes políticos que vieram após o movimento de outubro de 1930 trouxeram consigo a consciência da
necessidade de mudanças. A força foi paulatinamente deixada de lado e a parceria com os trabalhadores vista como a
forma mais eficaz de eliminar esse possível inimigo que crescia numericamente e se organizava cada vez melhor.
Primeiro ministro da pasta do Trabalho, Lindolfo Collor soube coordenar os primeiros esforços que deram
continuidade aos avanços trabalhistas dos anos 1930, mas que tiveram uma grande inovação: a de trazer os
trabalhadores para o lado do governo, seduzindo-os ao invés de somente reprimi-los.

3.1.2 Lindolfo Collor

O primeiro a assumir o recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi o político gaúcho
Lindolfo Collor. Já em seu discurso de posse, Collor tratou se seguir o mesmo caminho que os auto-intitulados
revolucionários de 1930 repetiriam ao longo dos anos: afirmou que o tempo da violência e da arbitrariedade havia
ficado para trás e que o novo governo seria honesto, justo e trataria de modernizar o Brasil, colocando a excelência
técnica acima dos interesses pessoais na nomeação dos profissionais que ocupariam os cargos na administração
pública. A importância da questão do trabalho para o novo governo pode ser resumida pela seguinte proclamação: “É
o Ministério do Trabalho especificamente o Ministério da Revolução”.274
A dita preferência pelo conhecimento técnico e a necessidade da adequação da legislação trabalhista
européia à realidade brasileira fez com que Collor reunisse uma série de colaboradores com a missão de ajudar na
elaboração de uma legislação trabalhista que atendesse às demandas do país levando em conta a necessidade de
empregados e patrões. O próprio nome oficial do ministério, chamado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
mostrava que ele deveria tratar da questão social em geral, dando voz tanto aos trabalhadores como aos empresários
da indústria e do comércio em geral.
Os quatorze meses da estadia de Collor frente ao ministério não devem, de forma alguma, ser sub-
dimensionados. Apesar do período relativamente curto em que esteve no governo, Collor colocou em prática
algumas importantes leis trabalhistas e elaborou os principais projetos que seriam efetivados por seus sucessores.

274
Apud Orlando de Barros, “Os intelectuais de esquerda e o ministério Lindolfo Collor”, In Jorge Ferreira e Daniel
Aarão Reis (org.), As esquerdas no Brasil, vol. 1 (A formação das tradições, 1889-1945), Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2007, pp. 297-330.
Percebendo a necessidade de aproximação com os trabalhadores, Lindolfo Collor foi um dos pioneiros em encurtar a
distância entre o poder público e as associações de trabalhadores, convidando muitas lideranças e ex-lideranças
operárias a fazer parte do seu grupo de colaboradores, além de jornalistas e intelectuais que eram simpáticos à luta
dos trabalhadores:

Um exame do pessoal que transitou pelo Ministério do Trabalho no


período de Collor mostra que quase todos eram bacharéis em Direito, com
longa militância como advogados e ativistas dos movimentos proletários,
como Evaristo de Moraes, Joaquim Pimenta e Agripino Nazareth. Outros,
além disso, tinham tido mandatos legislativos, com longa folha de serviços
prestados à “justiça social”, como Augusto Lima e Deodato Maia.
Técnicos propriamente podiam-se considerar Afonso de Toledo Bandeira
de Melo, que servira como tal na representação brasileira na Organização
Internacional do Trabalho (OIT) da Liga das Nações, além de Dulphe
Pinheiro Machado e Leo de Afonseca, e o médico Raul Azedo, que atuou
como especialista em higiene do trabalho. Jorge Street, respeitado
industrial, simpático à causa operária, também foi convocado, em março
de 1931, para o cargo de diretor geral do Departamento Nacional da
Indústria.275

No pouco tempo em que esteve frente ao ministério, Collor e seus colaboradores coletaram informações,
consultaram algumas vezes entidades de classe, procuraram aperfeiçoar leis existentes e levantaram a necessidade da
criação de outras ainda não debatidas.
A legislação trabalhista foi iniciada pelo novo governo com a criação da “Lei dos dois terços”, que
estabelecia a obrigatoriedade da presença de brasileiros em pelo menos dois terços do número total de empregados
em cada indústria ou estabelecimento comercial. Em seguida foi criado o fundo especial de amparo, a fim de
encontrar vagas de trabalho para os que estavam desempregados. O combate ao desemprego foi um ponto bastante
desenvolvido no Ministério Collor, que apresentou uma série de estudos que foi revertida em legislação sobre a
estabilidade do emprego. Foi também com Collor que as CAPs, criadas em benefício aos ferroviários, em 1923 – Lei
Eloy Chaves –, foram estendidas a diversas outras categorias de trabalhadores.276
O historiador Orlando de Barros ainda cita alguns projetos inconclusos de Collor, que foram finalizados
posteriormente, tais como: a instituição da Justiça do Trabalho – criada pela Constituição de 1934 e colocada em
prática mais tarde – e a regulamentação do trabalho feminino e de menores de 14 anos. Além disso, havia ainda uma
proposta para a criação de uma Universidade do Trabalho, que terminou engavetada com a saída de Collor do
ministério.277
Mas, talvez, a lei que mais tenha obtido repercussão tenha sido a criada pelo decreto 19770, em 19/03/1931,
a chamada Lei de Sindicalização. Ela regulamentou a sindicalização das classes patronais e operárias, estabelecendo
federações com, no mínimo, três sindicatos, e confederações nacionais compostas por, no mínimo, cinco federações

275
Apud Barros, op. cit.
276
Para mais detalhes, ver: Barros, op. cit.
– contrariando o princípio de pluralidade estabelecido em 1907, mais de duas décadas antes. Além disso, a Lei de
Sindicalização ainda proibiu a divulgação do que chamava de “ideologias sectárias” por parte dos sindicatos, tornou
obrigatória a presença de delegados do Ministério do Trabalho nas assembléias gerais, exigia acesso ao ministério de
todos os estatutos, minutas de reuniões e registros financeiros e acenou com a possibilidade de impor a administração
direta (intervenção) em certos casos.
Um dos pontos mais importantes do programa social de Collor era a sindicalização do trabalhador e
associações de empresários, isto é, licenciamento pelo Ministério do Trabalho em troca de reconhecimento oficial.
Desse modo, Collor buscava incorporar sindicatos e organizações de produtores na estrutura do Estado.278
Os estudos de Conniff revelam que houve resistência por parte das associações de empresários e sindicatos,
que evitaram o reconhecimento a fim de proteger sua autonomia.279 Barros afirma que, frustrada a estratégia
populista com a ocorrência de greves e manifestações populares, “Vargas não só reagiu com repressão policial como
também suspendeu as comemorações do 1º de maio de 1931 (...)”.280
Ângela de Castro Gomes lembra que outra medida do governo veio a minar as resistências encontradas: foi
estabelecido que só teria direito à legislação social quem estivesse inscrito nos sindicatos oficiais, o que acabou
forçando os trabalhadores a aderirem à política do governo, a fim de terem direito aos benefícios da legislação social.
Pouco tempo depois, quando da ocorrência das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, em 1933, foi
apresentada aos trabalhadores a possibilidade de elegerem uma “bancada de deputados classistas eleita pelos
sindicatos de empregadores e empregadores”281 que estivessem oficializados. Assim, a resistência inicial cedeu lugar
à vontade da obtenção dos direitos trabalhistas e da chance de obterem participação política, um estimulante decisivo
para que boa parte dos trabalhadores aderisse à política sindical do governo.
Percebemos que, apesar da mudança de postura e do estabelecimento de um diálogo com os trabalhadores, o
objetivo principal do governo permanecia sendo o mesmo: controlar os trabalhadores. A idéia era o Estado monitorar
as atitudes do proletariado, administrando seu comportamento a fim de evitar que se tornassem uma ameaça ao poder
público, impossibilitando qualquer chance de revolução social. O governo procurou obter a confiança popular para
manter os socialistas afastados dos trabalhadores.
A intenção de Collor e Vargas foi assim descrita pelo historiador Orlando de Barros: “(...) o ministro e o
chefe do governo provisório entendiam que a criação do Ministério do Trabalho, em síntese, viera para prevenir o
país do ‘germe da explosão dos ódios de classe’”.282 Nesse sentido, a questão social foi atacada desde o primeiro
momento do governo provisório. A meta era, ao mesmo tempo, conter o intuito revolucionário dos empregados e a
postura reacionária dos empregadores, elaborando uma legislação social de acordo com os interesses do novo
governo.
Em março de 1932 a estadia de Lindolfo Collor frente ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
chegou ao fim. Collor pediu demissão ao mesmo tempo em que se exoneravam Maurício Cardoso, do Ministério da

277
Barros, op. cit.
278
Conniff, op. cit. p. 169.
279
Conniff, op. cit. p. 170.
280
Barros, op. cit.
281
Gomes, op. cit. p. 167.
282
Barros, op. cit.
Justiça, João Neves da Foutoura, da consultoria jurídica do Banco do Brasil, e Batista Luzardo, da chefia de polícia
do Distrito Federal. A demissão teve como gota d’água o empastelamento do jornal Diário Carioca por membros do
Clube 3 de Outubro, mas significava o auge da pressão, advinda de alguns políticos do Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e principalmente São Paulo, contra o cerceamento da liberdade de um modo geral, exigindo a
reconstitucionalização do país o mais rápido possível.
Barros, a partir de suas pesquisas, afirma que, apesar dos problemas com a oposição aos institutos legais que
se elaboravam em sua pasta, a renúncia de Collor deu-se mais em virtude de seu afastamento de Vargas. Conniff não
só corrobora como também aponta Collor como uma real ameaça a Vargas:

A estratégia política de Collor era à de (...) continuar um tanto


independente de Vargas e obter apoio para si mesmo no Rio. (...) Buscou
uma coalizão multiclasse, esperando usar sindicatos, empregadores e
cidadãos do setor médio em geral. Junto com Maurício de Lacerda e
Evaristo de Moraes, enquadrou a legislação que seria a política federal do
trabalho por quase uma década. (...) A posição de Collor no governo
também foi logo desgastada durante 1931, embora ele conseguisse
agüentar mais tempo que Bergamini. Fizesse o que fizesse no Ministério
do Trabalho, Collor parecia ameaçar Vargas.283

O pedido de demissão de Collor foi causado por motivos bem mais amplos do que uma simples crise de
gabinete, o empastelamento do Diário Carioca ou os problemas de Vargas com alguns políticos gaúchos. Todos
esses fatores contribuíram para tal desfecho, mas o mais importante é percebermos Collor como uma figura de
grande potencial administrativo e independência política.
O pouco tempo em que esteve frente à pasta que chamou de “Ministério da Revolução” é enganoso e pode
sugerir que Collor não tenha atingido os objetivos traçados. Pelo contrário, apesar das pressões de associações
patronais e manifestações de trabalhadores, Collor conseguiu lançar as bases da legislação trabalhista que seria
desenvolvida ao longo de todo o período em que Vargas esteve no poder. Além disso, sua capacidade de agregar
pessoal que conhecia profundamente a história do movimento operário foi fundamental para que vencesse o grande
desafio de fazer um balanço da legislação social existente, adequar os direitos obtidos pelos trabalhadores europeus à
realidade brasileira e dar os primeiros passos para alterar a forma como a questão social era vista no Brasil.
Se o Ministério do Trabalho era o “Ministério da Revolução”, logo a responsabilidade de Collor foi enorme,
já que a ele coube dar os primeiros passos na complicada transição da “política dos cassetetes” para a “política do
diálogo”. A prova do sucesso de Collor é que seus sucessores mantiveram sua obra e desenvolveram os pontos que
estavam em andamento ou ainda em processo de estudo e levantamento de dados.
O grande problema de Collor foi sua independência política. Vargas não podia manter, num ministério tão
importante, alguém que discordasse da forma como ele estava guiando o governo provisório. É imprescindível
perceber que, nos primeiros anos do governo auto-intitulado revolucionário, havia um grande clima de incerteza no

283
Conniff, op. cit. p. 126 e 131.
ar, ou seja, o presidente sem uma constituição para se apoiar e não tinha ainda uma base suficientemente sólida que
garantisse sua permanência no poder por um longo período284:

Em nenhum momento dos primeiros quatro anos de governo Vargas


sentiu-se seguro, o que o deixava em especial cauteloso, mas também
solícito quanto a apoios onde quer que pudesse encontrá-los. Ele mantinha
controle sobre um diverso e mutável grupo de políticos do Rio e nos
estados importantes, incapaz de dar uma forma definitiva a seu governo.
Governava por decreto sem supervisão legislativa ou judicial, e sua
autoridade era freqüentemente limitada à capital e a alguns estados onde
tinha apoio leal. Prédios da Assembléia Legislativa estadual eram
indicados para interventores, ou agentes federais, muitos dos quais tinham
pouco em comum com Vargas. O mandato dele era questionado toda
hora.285

Conniff fez menção somente aos quatro primeiros anos do governo, realmente os mais problemáticos devido
à inconstitucionalidade do governo provisório, mas podemos estender o período de incerteza – em que o poder estava
ainda em aberto – até a decretação do Estado Novo. Lindolfo Collor acabou saindo pelo mesmo motivo que levaria à
prisão de Pedro Ernesto três anos depois: após um inicial alinhamento político com Vargas, ele ganhou uma
independência política que tornou inadmissível sua manutenção no governo. Para Vargas não interessava um
ministro que fosse capaz de estabelecer alianças políticas em proveito próprio e que se destacasse à margem do
presidente.
Outra similaridade entre Collor e Pedro Ernesto foi a forma como ambos foram propositalmente
“esquecidos”. Segundo Orlando de Barros, na revista Cultura Política, editada pelo DIP a partir 1941, existiam
detalhadas avaliações retrospectivas da legislação social, mas o nome de Collor sequer aparecia.286 Ao que parece, o
governo Vargas não só se preocupava em eliminar possíveis rivais como também em apagar da memória da
população a existência de propostas políticas diferentes da levada a cabo pelo presidente da República.

3.1.3 Pedro Ernesto e a questão trabalhista

Pedro Ernesto Baptista, mesmo antes de assumir a prefeitura, já defendia o aumento de gastos com hospitais
e serviços da previdência social vinculados a eles, sugerindo a legalização do jogo, de cuja taxação iria sustentá-los –
projeto que, mais tarde, veio a por em prática. Segundo Conniff, ele “acreditava que o estado deveria assumir uma

284
O empastelamento do Diário Carioca mostra a necessidade de calar a oposição que pudesse colocar em risco o
governo que havia recém-assumido o poder. Além disso, a forma como Vargas de apoiava no Clube 3 de Outubro e a
nomeação de vários tenentes para as interventorias estaduais mostra que o presidente ainda dependia muito do grupo
que o havia colocado no cargo máximo do país. Nos primeiros momentos do governo Vargas dependeu
demasiadamente desse grupo restrito dos tenentes e temia que seu governo, ainda não estabilizado, sofresse um
ataque por parte dos paulistas ou de outro grupo que almejasse o poder.
285
Conniff, op. cit., p. 123.
286
Barros, op. cit.
responsabilidade mais ampla pelos pobres”.287 É claro que, muito além de um sentimento humanitário, a percepção
do tenente-civil girava em torno da necessidade de resolver os problemas sociais que cresciam de ano a ano.
Sobre a legislação trabalhista, assim que convidado a assumir o executivo do Distrito Federal, Pedro Ernesto
não demorou muito para agir no sentido de torná-la realidade na capital da República. Já dissemos que o prefeito
teve o objetivo que conquistar a simpatia da burocracia municipal; dessa forma, ele obteve o funcionalismo público
da cidade do Rio de Janeiro como um aliado importantíssimo que não cessou de manifestar publicamente palavras de
apoio ao prefeito nas diversas oportunidades em que a administração de Pedro Ernesto foi criticada.
Mais importante, porém, é percebermos a ação de Pedro Ernesto dentro da conjuntura nacional de mudança
de postura do governo em relação aos trabalhadores. O pioneirismo de Lindolfo Collor no estudo e desenvolvimento
da legislação trabalhista para o país, coube a Pedro Ernesto no âmbito municipal. Mais do que isso, o prefeito
algumas vezes se antecipou às deliberações nacionais, efetivando direitos trabalhistas através de decretos municipais
antes mesmo dos mesmos serem postos em prática pelo presidente da República.
Pedro Ernesto era, sem dúvida, um homem extremamente atento à necessidade de conquistar o apoio dos
trabalhadores. Sua estratégia para atingir tal objetivo talvez tenha sido mais bem desenvolvida do que a planejada
pelo presidente da República. Durante o período em que esteve na qualidade de interventor ele se preocupou em
proteger os empregados municipais com uma série de leis e, antes mesmo do fim de seu mandato na interventoria,
acenou com uma paulatina ampliação desses direitos aos trabalhadores de um modo geral.
A criação da União Trabalhista do Distrito Federal foi o auge de um projeto minuciosamente planejado,
desde 1931, para a extensão do “braço do Estado” a todos os trabalhadores. Como nos informa Tilly288, a
homogeneização da população torna mais fácil a administração pública. Os hospitais e escolas construídos, nesse
sentido, podem ser entendidos como unidades nas quais agiriam os micro-poderes – especificados por Foucault289 –,
mantendo a vigilância e a ordem. O Estado, ao transformar os excluídos em cidadãos, teriam destes a legitimação do
novo Estado, ou seja, era um tipo de “acordo” que beneficiava ambos.
O pioneirismo de Pedro Ernesto no tratamento da questão trabalhista começou com a criação da Assistência
Médico-Cirúrgica para os funcionários municipais – decreto 4033 – e o Montepio dos Empregados Municipais, além
da regularização do pagamento do vencimento dos mesmos.290 A Assistência Médico-Cirúrgica se manteve graças à
“quota de saúde”, taxa de 1% sobre todos os pagamentos devidos à prefeitura, à exceção dos impostos predial e
territorial. Ainda, no intuito de conseguir verbas para solucionar os problemas sociais, Pedro Ernesto revogou o
plano de urbanização concebido por Alfred Agache291 e aprovado por seu antecessor, Adolfo Bergamini – o que
também evitou centenas de expropriações de casas populares. Definitivamente, é perceptível que a prioridade do
governo, que costumeiramente era dada às reformas urbanas, se transferiu para os problemas sociais, que clamavam
pela atenção do poder público.
Uma série de decretos municipais revolucionou a forma como a questão trabalhista era tratada pelo poder
público. Já em 28/10/1931, nos primeiros dias da interventoria de Pedro Ernesto, o decreto 766 beneficiou a

287
Conniff, op. cit., p. 164.
288
Charles Tilly, Coerção, Capital e Estados Europeus. 990-1992, São Paulo, EDUSP, 1996.
289
Michel Foucault, Vigiar e punir: nascimento da prisão, 2. ed., Petrópolis, Vozes, 1983.
290
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Pedro Ernesto Baptista.
burocracia municipal com a estabilidade no emprego, ameaçada pela legislação anterior que preocupava-se em
permitir demissões e afastamentos em caso de necessidade de redução de gastos.
Alguns meses depois o decreto 3790, de 02/03/1932, concedeu aos operários os direitos do funcionário
municipal, tais como maior proteção da estabilidade no emprego e assistência médico-cirúrgica. Os operários ainda
viriam a se beneficiar quando o decreto 3786, inicialmente criado em prol dos funcionários do município, também se
estendeu a eles, dispondo a respeito de aposentadorias e licenças por motivo de doenças contagiosas tais como
tuberculose, lepra e câncer – até então o empregado doente se via forçado a ir trabalhar para não perder o emprego e
costumeiramente acabava contagiando alguns de seus colegas – e ampliando para três meses o prazo de licença-
maternidade.
Em maio de 1934, portanto, já no fim de sua interventoria, Pedro Ernesto baixou o decreto 4771, passando a
conceder um mês de vencimento à família do funcionário falecido, algo inovador até então. Na mesma época, já no
início da campanha eleitoral para as eleições municipais, o prefeito-interventor estendeu a operários, diaristas,
jornaleiros292 e mensalistas, não titulados, da municipalidade, as férias de que tratava o decreto 2124.
O mais importante talvez tenha sido o decreto que Pedro Ernesto instituiu no 1º de maio de 1934,
antecipando-se mais uma vez ao governo federal, criando a Lei do Salário Mínimo no município do Rio de Janeiro.
O prefeito aproveitou a ocasião para conceder, no mesmo dia, 10% de aumento ao funcionalismo público.293
Tais realizações nos ajudam a compreender ainda melhor o porquê das dezenas de manifestações de apoio a
Pedro Ernesto ao longo de seu mandato e a ovação recebida no momento de sua libertação, em 1937, e em seu
enterro, em 1942. Não foi somente sua famosa obra nos campos da educação e saúde que fizeram com que o tenente-
civil fosse querido pela população, mas também, e talvez principalmente, esses diversos decretos estendendo os
direitos trabalhistas, primeiro para a burocracia municipal, depois para os trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro
de um modo mais amplo.
Pedro Ernesto fez questão de ressaltar sua capacidade administrativa em vários momentos. Nesse trecho de
um discurso proferido já depois de sua saída da prefeitura, verificamos o orgulho do então já ex-prefeito pela forma
como foi arquitetada a engenharia financeira no seu governo: “(...) de 1931 até a data em que se verificou o meu
afastamento, foi o Distrito Federal a única unidade da Federação que não bateu às portas do Banco do Brasil e da
Caixa Econômica ou que não derramou apólices de empréstimos de consolidação com prêmios tentadores”.294
Numa análise mais detida dos decretos instituídos pelo prefeito no período que vai do final de sua
interventoria até o fim do curto período em que esteve na qualidade de prefeito eleito, percebemos o aprofundamento
do caráter popular da administração de Pedro Ernesto. A estratégia dele era claramente definida: a manutenção de
boas relações com diversos grupos da sociedade civil ao mesmo tempo em que buscava sua base de apoio
prioritariamente junto ao trabalhador da capital da República.
Pedro Ernesto soube estabelecer com diversos grupos da sociedade civil uma relação pacífica e harmônica
que lhe faltara nas relações políticas com a Igreja Católica, a Ação Integralista Brasileira e, em determinado

291
Urbanista francês que elaborou, entre 1928 e 1930, um plano de urbanização para o Rio de Janeiro.
292
No vocabulário da época: quem fazia uma jornada de trabalho durante determinado período na semana.
293
Todas essas leis e decretos podem ser vistos em: CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 912.
294
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 914.
momento, dentro de seu próprio partido. O prefeito era querido na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) pelo fato
de ter doado o terreno onde ira ser construída a sede desse órgão.295 Também coube a Pedro Ernesto a doação de
parte do terreno onde foram estabelecidas as instalações do Clube de Regatas do Flamengo, na Gávea. As
participações em festas, solenidades e as várias colaborações da prefeitura com clubes, associações e grupos civis
valeram ao prefeito o recebimento de uma enormidade de títulos honoríficos de diversas naturezas. Associações
comerciais296, a Academia Brasileira de Letras (ABL) e grupos de industriais portugueses foram outros exemplos de
grupos com os quais o prefeito gozava de imensa simpatia.
A moralização do serviço público, cuja corrupção era um problema grave a ser enfrentado, também foi uma
tônica recorrente da administração Pedro Ernesto. O decreto mais importante, nesse sentido, foi o de número 5003,
de 12/07/1934, que definiu que os serventuários só receberiam remunerações mediante mostrar a carteira de
identidade funcional – criada também por Pedro Ernesto – na “Seção de Pessoal e Informações”. O pagador que não
anotasse o número ou o adulterasse, poderia receber penas gravíssimas que chegavam até a exoneração.
Enquanto isso a extensão das medidas trabalhistas continuaram: em 21/11/1935, o decreto de número 48
permitiu que professores primários e secundários particulares do Distrito Federal contribuíssem para a assistência
médico-cirúrgica dos empregados municipais, contanto que estivessem inscritos no Departamento de Educação.
A desapropriação de terrenos para a colocação em prática da política educacional e sanitária também é
muito recorrente. Na análise dos decretos do prefeito encontramos várias desapropriações para esse fim,
principalmente nesse período do final de sua interventoria e início da gestão como prefeito eleito. Exemplos disso
foram os decretos 5260, de 06/12/1934, e 5618, de novembro de 1935. Eles desapropriaram, respectivamente, um
terreno na Rua Mariz e Barros e outro na Estrada Real de Santa Cruz, ambos no intuito de construir nessas
localidades novas escolas públicas.
Dentre as inúmeras medidas sociais de Pedro Ernesto ainda cabe mencionar duas iniciativas importantes. A
primeira foi a criação da “Comissão Mista de Tabelamento de Gêneros Alimentícios”, pelo decreto 5636, de
30/09/1935. O intuito era estabelecer preços máximos para artigos de primeira necessidade. Essa não é uma prática
inovadora, mas é importante devido à constância que aparece o tabelamento nos decretos municipais.
Outra iniciativa interessante foi o grande acordo instituído pelo prefeito em 11/12/1935. O decreto 5679
perdoava algumas dívidas e dava um prazo de 15 dias para que os contribuintes devedores da prefeitura pagassem
sem multa seus atrasos com o fisco. Essa medida, implementada duas semanas depois da Intentona Comunista pode
ser entendida como um ato populista com o intuito de ganhar popularidade num momento tão conturbado, em que
seu projeto político estava já em risco, seu principal secretário – Anísio Teixeira – havia deixado o cargo na
Secretaria de Educação e o próprio Pedro Ernesto já estava sofrendo acusações de envolvimento na tentativa de
insurreição deflagrada em novembro último.

295
Decreto nº 27 de 25/09/1935.
296
Um exemplo é a cessão de um terreno, pelo decreto nº 50, de 22/11/1935, ao Instituto de Aposentadoria e Pensões
dos Comerciários, para a construção de sua sede.
3.1.4 A estrutura da administração de Pedro Ernesto

A estrutura administrativa do segundo governo de Pedro Ernesto, após tomar posse como prefeito eleito do
Distrito Federal, revela a soma de todas as experiências acumuladas por ele ao longo dos quase quatro anos em que
já ocupava a prefeitura da capital da República.

O decreto nº 17, de 02/09/1935, apresentou uma estrutura administrativa moderna, cuja análise nos mostra
os pontos priorizados pelo prefeito, ressaltando os avanços administrativos na forma como a questão social estava
sendo tratada. A observação atenta na nomenclatura e das atribuições de cada secretaria e suas subdivisões internas
não só dá uma idéia final de como Pedro Ernesto organizou e estruturou seu governo, mas também tornam claras as
metas objetivadas pelo prefeito.
A prefeitura se dividia em cinco secretarias: de Interior e Segurança, de Finanças, de Educação e Cultura, de
Saúde e Assistência, e de Viação, Trabalho e Obras Públicas.297
A Secretaria de Interior e Segurança era dividida em quatro diretorias: de Interior, de Segurança, de
Abastecimento e a grande novidade, a Diretoria de Turismo e Propaganda.
É interessante perceber que, na década de 1930, o Rio de Janeiro não tinha grandes problemas de segurança
pública. A Diretoria de Segurança, apesar de ter a sua importância, não tinha tanta visibilidade como viria a ter com
o passar dos anos.
Já a Diretoria de Turismo e Propaganda era a “menina dos olhos” do prefeito. Criado em 1933, o
Departamento de Turismo era um dos pontos mais importantes da administração de Pedro Ernesto, tanto que se
transformou em uma diretoria em 1935. Já mencionamos que logo que assumiu a prefeitura, Pedro Ernesto defendeu
a utilização do carnaval como mola propulsora do crescimento do turismo na cidade do Rio de Janeiro.
O prefeito abraçou a idéia de transformar a capital da República num dos principais centros mundiais de
turismo, chegando a elaborar um calendário turístico que teria início, como não podia deixar de ser, com a grande
festa popular do carnaval carioca. Daí entendermos o outro lado da iniciativa da prefeitura em oficializar, financiar e
promover o desfile das grandes escolas de samba. Além de obter a simpatia dos foliões, o prefeito também pensava
em organizar a festa de modo que ela se tornasse atraente à visitação turística e, conseqüentemente, lucrativa.
Logo, é possível percebermos que a Diretoria de Turismo e Propaganda foi mais uma iniciativa inovadora
da administração Pedro Ernesto, que se mostrava cada vez um administrador competente e um político que tinha um
claro destaque dentro da política nacional. As realizações na capital da República eram divulgadas pelas várias
regiões do Brasil através principalmente de periódicos, já que a cidade do Rio de Janeiro, Distrito Federal, era o
palco da política nacional e irradiava tendências para as demais cidades brasileiras.
Já a Secretaria de Educação e Cultura, nesse momento – 1935 – tratava quase que exclusivamente da recém-
criada Universidade do Distrito Federal (UDF). Esse projeto, ponto importantíssimo da administração Pedro Ernesto,
será tratado mais detalhadamente nas próximas páginas. O decreto que 02/09/1935 dava total atenção ao bom
funcionamento dos institutos da UDF e propunha um passo à frente: a criação de um Conservatório de Música. O

297
Todas as informações desse tópico foram obtidas em: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro – Códice 48-3-
34A.
próprio nome dessa secretaria mostra a visão ampla que Anísio Teixeira e Pedro Ernesto tinham da educação. Mais
do que mero ensino escolar, eles a viam como o mecanismo de desenvolvimento da cultura nacional.
A Secretaria de Viação, Trabalho e Obras públicas tinha a missão de promover a harmonia da estrutura
urbana como um todo, cuidando do bem estar do “corpo físico” da cidade. As atribuições dessa secretaria iam desde
o cuidado com o transporte público, passava pelo estudo dos locais que necessitavam que obras urgentes e a previsão
do tempo de duração das mesmas, e se estendiam a análise do desemprego, do levantamento numérico das profissões
e dos problemas relativos ao trabalho.
Outra secretaria que merece destaque é a de Saúde e Assistência. Juntamente com a de Educação e Cultura,
ela foi o ponto-chave da administração municipal. O desenvolvimento da educação e da saúde era visto como um
princípio básico ao desenvolvimento da cidadania e, mais do que isso, primordiais para que o Estado ampliasse sua
esfera de influência, estendendo o “braço do poder público” às camadas da população que estavam sem infra-
estrutura dos serviços urbanos e, muitas vezes, com o agravante de estarem fisicamente distantes do centro da
cidade.298
A Secretaria de Saúde e Assistência tinha como objetivos “defender a saúde por todos os modos e meios
possíveis”. O decreto nº 17, de 02/09/1935, estabelecia que a secretaria deveria prover tratamento médico hospitalar,
prestação médico-cirúrgica de urgência e dar noções de boa higiene pessoal aos assistidos. Até esse ponto nada de
novo. Englobava ainda as atribuições da secretaria a “defesa da raça, compreendendo os problemas de patologia
social e amparando a maternidade, a infância a juventude e os adultos em perigo físico, econômico e social” [grifos
meus].
Logo, percebemos aqui que, ao contrário do que afirma Ângela de Castro Gomes, a introdução da medicina
social no Brasil e visão ampla da saúde do trabalhador como uma questão que englobava, mais do que cuidados
médicos, também fatores econômicos e sociais, não foi pioneirismo do Estado Novo Varguista299, estando presente
já em 1935 nas atribuições principais da Secretaria Municipal de Saúde e Assistência do Distrito Federal.300
Completavam as atribuições dessa secretaria o amparo aos velhos [sic] e a assistência aos mortos. A última
secretaria, de caráter essencialmente técnico, era a de Finanças.

3.1.5 A criação da Polícia Municipal

Pouco antes das eleições municipais de 1934, Pedro Ernesto criou, através de um decreto, a Polícia
Municipal. Pelo decreto municipal nº 4790, de 22/05/1934, a corporação seria composta por 1900 homens a serviço
da prefeitura, incluindo neste total 400 guardas-noturnos. O debate político sobre a necessidade de existência de tal
instituição foi amplo, suscitando posições divergentes e troca de acusações.

298
Lembrar que a grande maioria dos colégios públicos construídos foram nas zonas norte e oeste, além de,
pioneiramente, uma escola ter sido construída numa favela: no morro da Mangueira.
299
Gomes afirma isso nas pp. 242 e 243 de A invenção do trabalhismo, Rio de Janeiro, FGV, 2002.
300
Problemas de saúde e “patologia social” (expressão usada na época) fizeram parte de um programa internacional,
sob a égide da eugenia. O marco desse pensamento no Brasil foi o Congresso de Eugenia, em 1928, que fez
recomendações à administração pública sobre a questão. Para mais informações, ver: Vanderlei Sebastião de Souza,
Para o prefeito, a existência de tal polícia era mais um passo rumo à autonomia carioca tão pregada por seu
partido. Já para a oposição, a Polícia Municipal nada mais era do que um grupamento desnecessário – visto que o
policiamento do Distrito Federal era feito pelas polícias civil e militar, sob o comando do Chefe de Polícia do
Distrito Federal, Felinto Muller – que aumentava os gastos do município e funcionava como “cabide de emprego”,
com os cargos de confiança sendo entregues de acordo com os interesses políticos do prefeito.301
Segundo Michael Conniff, em 1934 “Pedro Ernesto opunha-se decididamente a Muller e a outros, em
especial Góis Monteiro, ministro da Guerra desde o início de 1934. Por isso, o prefeito propôs a criação de uma
Guarda Municipal para assumir muitas funções da polícia na capital”.302 Sem dúvida a criação da Polícia Municipal
tinha o objetivo de diminuir o poder de intervenção do Chefe de Polícia do Distrito Federal, Felinto Muller.
Porém, tal meta foi parcialmente boicotada pela atuação do General Góis Monteiro, Ministro da Guerra na
ocasião, que conseguiu que a Polícia Municipal fosse equipada apenas com “armamento ligeiro” – ou seja, pistolas e
metralhadoras leves. Ainda por pressão do Ministro da Guerra, o comando da polícia do município foi entregue ao
tenente-coronel Zenóbio da Costa, militar de tendências conservadoras e que, na época, tinha simpatias pela
ideologia da Ação Integralista Brasileira.303
Pelo menos Pedro Ernesto conseguiu um relativo esvaziamento do poder de Felinto Muller. Segundo o
historiador Carlos Eduardo Sarmento, a tensão entre o prefeito e o chefe de polícia do Distrito Federal “era uma das
facetas das questões ideológicas que estavam abalando as relações entre algumas lideranças tenentistas”. Pedro
Ernesto, ao optar por uma aproximação com as camadas populares e com lideranças operárias dentro de seu projeto
democrático, contrapunha-se a uma tendência que ganhava corpo entre os antigos revolucionários e “membros do
governo Vargas que viam na centralização e na adoção de um perfil autoritário de Estado as únicas formas de
empreender a condução política brasileira”.304
Entendemos que a Polícia Municipal tinha um pouco de cada uma das intenções relatadas pelos políticos da
época. Pedro Ernesto estava dizendo a verdade sobre o fato da Polícia Municipal ser mais um passo rumo à obtenção
da autonomia carioca. Logo, isso implicaria no esvaziamento do poder do Chefe de Polícia Felinto Muller, indicado
pelo presidente da República. Já as criticas feitas pela oposição, apesar de ter o intuito óbvio de desvalorizar a obra
de Pedro Ernesto, também estava correto, já que a Polícia Municipal aumentou verdadeiramente o corpo burocrático
da prefeitura, dando origem a cargos que foram ocupados de acordo com as necessidades políticas do prefeito.
Podemos ainda identificar que o prefeito, ao criar a polícia do município, teve o intuito de possuir uma força
policial própria, independente da civil e militar, que fosse mais fiel às deliberações de Pedro Ernesto e que evitasse
qualquer tentativa de golpe articulada pelos seus inimigos, principalmente de um eventual ataque integralista.
Mais tarde veremos que a Polícia Municipal foi usada contra Pedro Ernesto em seu julgamento, em 1937,
sendo acusada de prestar auxílio aos revoltosos do movimento aliancista deflagrado em novembro de 1935. Por hora,

“A ‘eugenia negativa’ nos trópicos: a política biológica e a construção da nacionalidade na trajetória de Renato Kehl
(1928-1932)”, XII Encontro de História Regional, Rio de Janeiro, 2006.
301
Na oposição, destaque para a atuação de Adolfo Bergamini e para o discurso de Thiers Perissé na Câmara dos
Deputados, em meados de 1934, criticando efusivamente a criação da Polícia Municipal carioca. Anais da Câmara
dos Deputados, 1934, v. 2, p. 3.
302
Conniff, op. cit., p 186.
303
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Pedro Ernesto Baptista.
é mais importante analisar o caráter dado à Polícia Municipal de Pedro Ernesto. O decreto nº 32 de 02/10/1935,
posteriormente regulamentado pelo decreto nº 5658 de 05/11/1935, estabeleceu que fosse criada uma “Escola de
Polícia”, dentro da Polícia Municipal, a fim de dar “educação profissional aos guardas, fiscais e comissários dessa
corporação”.305
A simples existência da força policial municipal não garantia ao prefeito sua ação da forma como ele
almejava. Seguindo os mesmos princípios que aplicava em sua política educacional, Pedro Ernesto entendia ser
necessária a educação dos policiais para o serviço que iriam prestar. Essa educação tinha dois vieses: por um lado
preparava melhor o policial às suas funções e, por outro, estabelecia um comando forte, criando um vínculo sólido da
corporação com sua chefia – que era, em última instância, o prefeito.
O curso, pelo qual deveriam passar todos os policiais da Polícia Municipal, teria a duração de dois anos,
durante os quais seriam ensinadas as seguintes disciplinas: “Brasileiro306 [sic], Aritmética, Geografia, História Pátria,
além do Curso Especial”. Este último seria composto por “instrução policial e noções de Direito Penal, de Direito
Constitucional, de Polícia Técnica, de Patologia Social e de Psicologia Forense Estatística”.307
Pedro Ernesto, como é possível perceber, tinha uma visão moderna também no que diz respeito à preparação
e desenvolvimento de uma política de segurança. Suas inovações eram criticadas por muitos e aplaudidas por outros.
Mas o que nos interessa é compreender que o sucesso de suas medidas administrativas e a independência política que
ele vinha obtendo, lançando idéias novas e ganhando projeção não só na cidade, mas também nacionalmente, fazia
ele cada vez mais um político visado.
Tudo isso aliado à imensa popularidade que ele havia conquistado durante os anos em que estava à frente da
prefeitura o tornava um político muito perigoso não só para o presidente Vargas, mas também para todos aqueles que
eram a favor de um governo centralizado e autoritário e que não admitiam projetos políticos alternativos. Enquanto
Pedro Ernesto inovava estando submetido ao presidente, sua ameaça era mínima; mas, a partir do momento em que
ele se tornou prefeito eleito e agiu decisivamente no intuito de se emancipar do governo federal – e a criação da
Polícia Municipal foi uma das medidas com esse objetivo –, então sua permanência na prefeitura da capital do país,
palco central dos acontecimentos políticos da nação, se tornou inconcebível.

3.1.6 A legalização do jogo: um grande problema para o prefeito

Pedro Ernesto, desde que assumira a prefeitura, ainda na qualidade de interventor, já defendia a legalização
do jogo como uma forma de obter, através dos fundos provenientes da taxação sobre os jogos de azar, recursos para
investir em sua obra educacional e sanitária.

304
Carlos Eduardo Sarmento, O Rio de Janeiro na Era Pedro Ernesto, Rio de Janeiro, FGV, 2001 pp. 174 e 175.
305
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro – Códice 48-3-34A.
306
Para mais informações sobre a discussão da possível criação de uma “Língua Brasileira”, ver: Orlando de Barros,
“O anarquista das letras”, In Rafael Deminicis; Daniel Aarão Reis Filho (org.), História do Anarquismo no Brasil
(volume 1), Niterói / Rio de Janeiro, EdUFF / Mauad, 2006, p. 203-230.
307
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro – Códice 48-3-34A.
Além disso, o prefeito disse repetidas vezes que “turismo sem jogo é irrealizável”, dando os exemplos de
Portugal e Itália que tiveram um enorme decréscimo turístico depois de proibirem o funcionamento dos cassinos, o
que lhes obrigou a voltar atrás em tal decisão.308
Embora a Constituição e o Código Penal Brasileiro considerassem tal prática ilegal, o prefeito do Distrito
Federal conseguiu a permissão do presidente, que emitiu decreto dando permissão para o funcionamento de casas de
jogos de azar. Dessa forma, no final de 1934 os cassinos e roletas entraram em funcionamento no Rio de Janeiro.
Inclusive o popular “jogo do bicho”, também proibido, passou a ter suas bancas de aposta funcionando livremente,
sem a costumeira repressão policial.
A legalização do jogo causou um debate ainda mais efervescente do que a criação da Polícia Municipal.
Pedro Ernesto teve que enfrentar críticas não só da oposição,309 mas também de membros de seu próprio partido, que
não viam com bons olhos tal medida. O vereador Átila Soares, presidente do diretório autonomista da Lagoa,
convenceu Augusto Amaral Peixoto a promover uma investigação sobre o funcionamento das casas de apostas. O
resultado foi uma denúncia contra um emissário do senador Jones Rocha, homem de confiança de Pedro Ernesto.
Surpreendendo a muitos, Pedro Ernesto puniu o emissário, mas não se convenceu do envolvimento de Jones
Rocha em qualquer atividade ilícita. Essa situação causou um mal-estar que deflagrou uma grande crise no já
dividido Partido Autonomista do Distrito Federal, levando ao rompimento entre dois velhos amigos: Augusto Amaral
Peixoto e Pedro Ernesto.
As denúncias de irregularidade no jogo causaram problemas ainda maiores para o prefeito. Além da crise de
sua base aliada local, provocou uma série de críticas de políticos de várias partes do Brasil, principalmente de
senadores da República. Um exemplo disso foi o discurso do senador piauiense Pires Rabelo310, que clamou pelo
retorno da intervenção federal no Rio de Janeiro.
Apesar de todos os problemas, Pedro Ernesto bancou a continuidade da liberalização das roletas na cidade,
sempre realçando que os impostos colhidos estavam sendo fundamentais para a colocação em prática de seus
projetos de construção de hospitais e colégios públicos.
É interessante percebermos que as críticas ao jogo se mantém ao longo de todo o ano de 1935, porém são
reportagens pontuais e referências isoladas em alguns discursos de parlamentares. A partir do momento em que a
administração Pedro Ernesto entrou no que podemos chamar de fase de declínio – o que se deu imediatamente após a
ocorrência da Intentona Comunista, em novembro do mesmo ano –, as críticas se multiplicaram e se tornaram
claramente mais ferozes.
A maior aproximação de Pedro Ernesto com os trabalhadores, dando origem à União Trabalhista do Distrito
311
Federal (UTDF), além do aprofundamento de sua política educacional, com a criação da Universidade do Distrito
312
Federal (UDF), foram decisivos para a percepção do governo federal de que o prefeito obtivera uma
independência política ameaçadora e que precisava ser combatido.

308
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 04/02/1933.
309
Destaque para a atuação de Azevedo Lima, que denunciou recorrentemente a utilização das casas de apostas como
financiadoras do empreguismo e do enriquecimento ilícito de líderes do Partido Autonomista.
310
Anais do Senado Federal, 1935, v. 5, p. 30.
311
Fundada em 13/05/1935.
312
Criada em 04/04/1935.
Após a realização desses dois projetos, criados e desenvolvidos de abril a outubro de 1935, o prefeito passou
a enfrentar maiores pressões e a sofrer acusações de alinhamento ao comunismo. O movimento aliancista de
novembro foi a desgraça de Pedro Ernesto, já que ocorreu num momento chave em que o prefeito já havia
consolidado a autonomia do Distrito Federal, dava um passo à frente em sua política educacional e aprofundava seus
laços com os trabalhadores. Era tudo o que o governo federal precisava para eliminar as pretensões do prefeito sob
uma justificativa aceitável: acusação de envolvimento na Intentona.
Nessa atmosfera política, de novembro em diante as críticas ao jogo se intensificaram a ponto de, em
fevereiro do ano seguinte, dois periódicos atacarem diariamente a prefeitura pela forma como ela lidava com a
questão dos cassinos. Enfraquecido com a demissão de Anísio Teixeira e a saída de outros muitos colaboradores –
todos acusados de envolvimento com o comunismo – e ideologicamente derrotado com o fracasso da União
Trabalhista e da Universidade do Distrito Federal – cuja orientação apolítica foi forçosamente mudada com a
demissão de vários professores esquerdistas –, Pedro Ernesto aguardava o momento em que ele próprio iria perder
seu cargo. O período de dezembro de 1935 a abril de 1936 foi marcado pela completa desarticulação da estrutura
administrativa de Pedro Ernesto, o que conseqüentemente também acabou prejudicando o controle fiscal sobre as
casas de apostas.
O Diário da Noite, de modo mais contido e, principalmente, o Diário de Notícias, esse de forma mais
incisiva, atacaram duramente Pedro Ernesto até sua saída da prefeitura, como um claro intuito – mais por parte do
segundo periódico – de jogar a opinião contra o líder municipal, dando um golpe fatal contra sua administração.
Não é preciso afirmar que o Diário de Notícias tenha sido pressionado pelo governo federal a fazer uma
campanha de descrédito contra Pedro Ernesto, até porque sua orientação sempre foi antigovernista, o que é
facilmente demonstrável pela sucessão de críticas que esse periódico vinha fazendo ao presidente Vargas. Talvez,
pela liberalização do jogo ter sido referendada por Vargas, o jornal tenha atacado Pedro Ernesto querendo atingir
também, por tabela, o presidente. O que os diretores do jornal não perceberam é que as críticas feitas contra a
administração municipal acabaram por beneficiar o governo federal e a perspectiva centralizadora que estava em
marcha – perspectiva que o Diário de Notícias tanto atacou –, já que estavam atacando um projeto político que,
embora tivesse seus defeitos, se apresentava como uma alternativa democrática frente às idéias autoritárias
defendidas pelo presidente da República e seus homens de confiança.
Sendo assim, na edição de 04/02/1936, o jornal apresentou os cassinos como casas de desvirtuamento
social, reforçando as palavras do vereador Átila Soares e do grupo que o apoiava, a Liga Eleitoral Católica (LEC):

(...) só se descobrem males, e dos maiores, nas novas concessões. (...) Ora,
da maneira porque caminham as coisas, acabaremos um dia com a cidade
entregue à jogatina desenfreada, sem cassinos e sem rendas para as obras
de assistência social. (...) Defronta-se, já agora, um espetáculo
comprometedor. Em pleno dia, nas horas de trabalho, o Rio de Janeiro se
vê entregue à sedução do jogo, que atrai comerciários, bancários,
funcionários públicos, trabalhadores modestos.
Longe de se limitar aos cassinos, onde a seleção é forçada pela sua
situação especial e pela fiscalização da prefeitura e da polícia, o jogo vai
envolver as classes que deveriam ser protegidas contra a sua infiltração.313

Essa questão do jogo deu oportunidade a outros vários ataques sofridos pela administração Pedro Ernesto.
No dia seguinte o Diário de Notícias, mais uma vez, trouxe um cuidadoso levantamento dos artigos regulamentares
que estavam sendo infligidos pelas casas de jogos, entre os quais a realização de jogos não permitidos pelo decreto
presidencial, a não comprovação do patrimônio mínimo de 1 conto de réis para a criação de um cassino, a não
apresentação de uma planta especificando todos os pré-requisitos arquitetônicos para a aprovação do funcionamento
da casa, e a ausência de salões para música, teatro, cinema, conferências, exposições e restaurantes – também
obrigatórios, segundo o regulamento de liberalização do jogo.
O jornal ainda ameaçou o prefeito, dizendo que nas próximas reportagens continuaria a demonstrar, “com o
regulamento do jogo na mão, as escandalosas e inadmissíveis violações do seu texto”. E finalizou dizendo que era de
“crer que o sr. Pedro Ernesto, em face delas, reconheça afinal, o erro enorme que vem praticando, nesse particular,
sob a responsabilidade do seu nome e de sua administração”.314
O fato é que o Diário da Noite fez coro com seu concorrente, dando ênfase às transgressões que o
regulamento do jogo estava sofrendo:

(..) O sr. Pedro Ernesto deve ter agido inadvertidamente ao concordar com
essas clamorosas transgressões do regulamento do jogo. As casas do
centro da cidade, focos de dissolução social, exploram o jogo sem
constrangimento, em edifícios improvisados, com despesas mínimas,
pagando impostos insignificantes. É incrível!315

No dia 14 do mesmo mês, o mesmo jornal trouxe uma carta aberta dos moradores da Praça Tiradentes,
clamando a Pedro Ernesto que não permitisse que um famoso restaurante da região se transformasse em cassino, o
que traria prejuízo aos comerciantes ao redor – que teriam sua freguesia desviada para o novo estabelecimento –,
além de prejudicar os teatros João Caetano e Carlos Gomes, que também perderiam público para a nova casa de
jogos.316
Somente em 30/03/1936 o Diário da Noite mudou o discurso, relatando o maior rigor da fiscalização dos
cassinos. Além do aumento da taxa fixa, de 4 para 5 contos de réis, houve a alteração do imposto sobre o movimento,
de 10% para 12,5%, e a redução do limite mínimo de vendas de “pules”. Não seria permitida ainda, a partir de 1º de
abril, a distribuição de prêmios extras; as casas de jogos desportivos só poderiam distribuir a quantia exata do rateio.

313
Biblioteca Nacional, periódico Diário de Notícias, 04/02/1936.
314
Biblioteca Nacional, periódico Diário de Notícias, 05/02/1936.
315
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 06/02/1936.
316
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 14/02/1936.
O “cessar-fogo” não foi seguido pelo Diário de Notícias que, sempre incisivo, encarou as medidas como
enganadoras e que não resolviam o real problema que era simplesmente o fato das casas de jogos existirem. Estas
estariam, segundo o jornal, levando “à maior degradação moral e social que já se infligiu a uma capital de um
país”.317
A oposição do Diário de Notícias a Pedro Ernesto era tão intransigente que, na edição de 04/04, a prisão e
conseqüente saída de Pedro Ernesto da prefeitura foi encarada como um fato positivo que levaria ao fim da
permissão do jogo.318 Quatorze dias depois, no dia 18 do mesmo mês, o jornal não só festejou a proibição do jogo,
como atacou incisivamente a administração do prefeito preso, elogiando somente o legado educacional e sanitário
deixado por ele. Segundo a reportagem, teriam sido na educação e na saúde “os únicos traços de atividade benéfica
do senhor Pedro Ernesto que merecem respeito, porque tudo o mais exige demolição, precedida de creolina, pois não
basta apenas demolir, é preciso também expurgar”.319
Logo, é possível percebermos que o jogo serviu como elemento importante para a arrecadação de impostos,
mas a aplicação falha de seu regulamento fez com que esse projeto se tornasse um verdadeiro “calcanhar de Aquiles”
para Pedro Ernesto. Críticas surgiram na imprensa, alguns protestos vieram da população e o problema envolvendo
Jones Rocha contribuiu para o aumento dos problemas dentro do Partido Autonomista. Em linhas gerais, o jogo
trouxe mais malefícios do que benefícios para a vida política do primeiro prefeito eleito da história do Rio de
Janeiro.

3.1.7 A Universidade do Distrito Federal

Inaugurada em 04/04/1935, a Universidade do Distrito Federal (UDF), segundo as palavras de Isabel


320
Lustosa , foi uma experiência inédita na vida cultural da cidade do Rio de Janeiro. Atraindo os mais expressivos
nomes das ciências, letras e artes do Brasil, a UDF representou a concretização das esperanças dos setores liberais da
intelectualidade.
A UDF tinha instalações precárias, havendo a intenção de que, futuramente, elas seriam ampliadas com a
construção de prédios próprios para a universidade – o que a saída de Pedro Ernesto da prefeitura impediu que
ocorresse. As aulas das artes ocorriam no Instituto de Educação e as demais eram realizadas em partes de
estabelecimentos cedidos por outras instituições, tais como o Museu Nacional, a Escola Rodrigues Alves, o Colégio
João Alfredo, entre outros.
O decreto de criação da UDF estabelecia seis itens onde se definiu como a universidade era constituída. Ao
Instituto de Educação cabia a formação de professores. Além dele haveria a Escola de Ciências, a Escola de
Economia e Direito, a Escola de Filosofia e Letras e, finalmente, o Instituto de Artes. Já a incumbência da
experimentação pedagógica, prática de ensino, pesquisa e difusão cultural seria de responsabilidade do que o decreto

317
Biblioteca Nacional, periódico Diário de Notícias, 31/03/1936.
318
Biblioteca Nacional, periódico Diário de Notícias, 04/04/1936.
319
Biblioteca Nacional, periódico Diário de Notícias, 18/04/1936.
320
Isabel Lustosa, As Trapaças da Sorte - pequeno relato das circunstâncias que resultaram na prisão do prefeito
Pedro Ernesto, à luz das experiências de Maquiavel e Tocqueville, Série Textos de Trabalho / FCRB, Rio de Janeiro,
v. 02, 1994, p. 19.
chamava de Instituições Complementares, a serem definidas posteriormente.321 O reitor da UDF, Afrânio Peixoto,
negociou, inclusive, a vinda de missões universitárias francesas com a finalidade de ajudar na implantação dos
cursos da universidade.322
O decreto nº 5513 estabeleceu ainda que as finalidades da universidade seriam: promover e estimular a
cultura de modo a concorrer para o aperfeiçoamento da comunidade brasileira; encorajar a pesquisa científica,
literária e artística; propagar as aquisições da ciência e das artes, pelo ensino regular de suas escolas e pelos cursos
de extensão popular; formar profissionais e técnicos nos vários ramos de atividade que as suas escolas e institutos
comportarem; prover a formação do magistério, em todos os seus graus.
Em seus estudos, a educadora Lectícia Vicenzi faz uma observação interessante: nota-se na exposição de
motivos e no rol de objetivos da Universidade do Distrito Federal “a ausência de menção às ‘elites’, ‘personalidades
capazes de colaborar eficaz e conscientemente na vida social do país’, ou ‘formação de classes dirigentes’”323, que
foram as principais referências do Estatuto da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e também do
Decreto nº 6283, de 25/01/1934, que criou a Universidade de São Paulo.
É interessante se observar que, considerando-se o contexto brasileiro, tratava-se de uma universidade
bastante original, tanto na nomenclatura atribuída às escolas, quanto na divisão interna, como, ainda, nos cursos, tais
como os de diplomática, de artes cinematográfica e coreográfica, entre outros. Conniff324 acrescenta ainda que ela
assumiu a responsabilidade da promoção de atividades culturais na cidade, passando, inclusive a administrar a
estação de rádio municipal educacional, a Escola Rádio.
Vicenzi comenta a respeito da forte influência norte-americana na importância conferida às artes industriais
e aplicadas. É conveniente lembrar que Anísio Teixeira havia estudado nos Estados Unidos e seguia a linha de
pensamento do educador John Dewey, um ícone da educação até hoje. Convém ainda dizer que nada havia de
comunista nas idéias de Dewey, muito pelo contrário, o que serve para mostrar a inverdade das acusações de
envolvimento com o comunismo sofridas por Teixeira.325
Há, também, na Universidade do Distrito Federal, uma grande preocupação com a cultura geral,
especialmente a clássica. Em todo caso, “o compromisso principal é com o presente e o porvir; deseja-se promover o
desenvolvimento da comunidade brasileira através da educação”.326
Atribuía-se, por conseguinte, ao professor primário e secundário um papel muito superior ao que
normalmente lhe era conferido. Isso se deve, segundo Vicenzi, à pretensão de “reformar a sociedade elevando
significativamente a educação de todos”. O professor precisava, portanto, ser polimorfo e abrangente, com farto

321
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, Folheto LF 88f.
322
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Afrânio Peixoto.
323
Lectícia Josephina Braga de Vicenzi, A fundação da Universidade do Distrito Federal e seu significado para a
educação no Brasil, Fórum Educacional, Rio de Janeiro, v.10, n.3, jul./set. 1986.
324
Conniff, op. cit., p. 162.
325
John Dewey acreditava que o ensino deveria ajudar os cidadãos não só a se qualificarem a fim de entrar na
concorrência do mercado de trabalho da sociedade capitalista, mas também auxiliá-los para a conscientização dos
direitos e deveres necessários para à obtenção da cidadania.
326
Conniff, op. cit., p. 162.
conhecimento e prática de pesquisa científica. “Na medida do possível e com o máximo de extensão, as novas
gerações por ele despertadas e orientadas deveriam alçar-se à condição de elites”.327
Foram contratados professores que estavam na vanguarda de suas respectivas especialidades, não só do
Brasil, mas também do exterior. Na seção de educação o próprio secretário de educação da cidade, Anísio Teixeira,
era um dos principais nomes, tendo como seu colega outro educador renomado: Júlio de Afrânio Peixoto.
Na Escola de Ciências, os destaques eram os professores Bernhard Gross e Herman Lent. Já na Escola de
Economia e Direito, a seção de Ciências Sociais tinha Gilberto Freyre, que havia escrito poucos anos antes a obra
Casagrande e Senzala, que se tornaria um clássico. Mas foi no campo das artes onde se encontrava a maior
quantidade de nomes de excelência: Lúcio Costa, Cândido Portinari, Heitor Villa-Lobos e Cecília Meireles.
As admissões que se seguiram abrilhantaram ainda mais a universidade com as nomeações de Sérgio
Buarque de Holanda, José Maria Belo, Jorge de Lima, Álvaro Vieira Pinto, Josué de Castro, Afonso Arinos Franco,
Arnaldo Estrela, Di Cavalcanti, Delgado de Carvalho, Emile Brehier, Pierre Defontaines, Gaston Leduc, Thomas
Lynn Smith, entre outros. Foram reunidos professores de diversas opções políticas. A idéia era criar um campo
intelectual autônomo, marcado pela cientificidade.
A proposta de criação de uma nova universidade era algo emblemático dos planos desenvolvidos por Pedro
Ernesto e Anísio Teixeira. Para o historiador Alexandre Elias da Silva, o tecnicismo, a igualdade de oportunidades
para os cidadãos, além da crença na democracia e na participação como elementos de mudança da sociedade era
comum a ambos. Ainda segundo o mesmo autor, o pensamento de Teixeira estava “impregnado das concepções
cientificistas e industrialistas presentes em sua época. Para os que acreditavam nessas concepções, os avanços
tecnológicos e as mudanças proporcionadas pela ciência iriam alterar não só a estrutura física, mas também social
dos países”.328 Caberia aos governos estimular esses avanços científicos e industriais. E às universidades ficaria a
importante incumbência de ser o centro de onde partiriam as iniciativas de modernização do país.
Observando as nomeações dos professores e as atribuições da UDF, percebemos que essa universidade é
mais uma realização-símbolo das pretensões de Pedro Ernesto frente à prefeitura. Após privilegiar a construção de
colégios – principalmente em regiões afastadas do centro da cidade – e lutar pela implementação do ensino laico, a
criação da UDF pretendia aprofundar esse projeto educacional atingindo não só os alunos, mas agora os professores.
A mudança estrutural da educação tinha essencialmente que passar pela mudança na formação dos
profissionais que ministrariam aulas nos colégios públicos. A iniciativa da prefeitura na criação de uma universidade
era uma atitude bastante ousada e que chamou a atenção de seus oposicionistas. Logo a política educacional da
prefeitura recebeu uma sucessão de ataques, ainda mais incisivos do que os já sofridos por ocasião do debate sobre a
obrigatoriedade do ensino religioso.
Aliás, a nomeação de professores comunistas foi o grande problema do prefeito, já que deu margem para
que seus inimigos políticos voltassem a chamar Pedro Ernesto de comunista. Segundo o historiador João Roberto

327
Id., Ibid.
328
Alexandre Elias da Silva, “Populismo e práticas políticas no governo Pedro Ernesto (1931-1936)”, dissertação de
mestrado defendida na UFF, em 2005, p. 80.
Oliveira Nunes, estudioso do sistema de ensino implementado por Teixeira, o católico Alceu Amoroso Lima chegou
a chamar a UDF de consolidação definitiva das “idéias de inspiração comunista do prefeito”.329
Entre os professores declaradamente de esquerda estavam Hermes Lima, Leônidas de Resende e Edgard de
Castro Rabelo. Hermes Lima, por exemplo, ex-jornalista do Diário de Notícias, advogado e professor, era o diretor
da faculdade de Direito da Universidade do Distrito Federal. Baiano, tinha antigas relações com o secretário
municipal de educação, seu conterrâneo. Lima era ligado à Aliança Nacional Libertadora, havendo colaborado,
inclusive, no jornal aliancista A Manhã, principal porta-voz da organização.
A nomeação de Hermes Lima era uma das mais criticadas, inclusive por Augusto do Amaral Peixoto, velho
amigo de Pedro Ernesto e que havia rompido com o prefeito no início de 1935 por não concordar com os poderes que
o prefeito estava dando ao senador Jones Rocha dentro do Partido Autonomista. Amaral Peixoto chegou a relatar, em
carta enviada a Odilon Batista – filho de Pedro Ernesto –, que tais nomeações vieram “em má hora” e que sentia
“piorar a situação” para o prefeito do Distrito Federal.330
Pedro Ernesto se dizia um democrata e é aí que está o seu grande problema, visto que o governo federal
caminhava para o autoritarismo e a centralização do poder. Assim como Pedro Ernesto e Anísio Teixeira tinham um
projeto educacional, Getúlio Vargas e Gustavo Capanema também tinham, diferente em muitos aspectos e, em
outros, mesmo antagônico ao que se colocava em prática na capital da República.
Para Lustosa, a criação da UDF “feria os brios e interesses de (...) Gustavo Capanema (...), que tinha o seu
próprio projeto de universidade, o qual a universidade de Anísio vinha ofuscar”.331 Conniff vai além e fala da
formação de uma frente contra o planejamento educacional de Pedro Ernesto e Anísio Teixeira. Segundo ele, “as
políticas progressistas de Teixeira defrontaram-se com a oposição dos líderes católicos e da direita política do Rio, os
quais, com o consentimento de Vargas, montaram uma campanha contra o Departamento de Educação” da cidade.332
A Intentona Comunista foi determinante para que as críticas se cristalizassem numa ação real contra a
Universidade do Distrito Federal. Já no fim de novembro e início de dezembro foram presos vários professores da
UDF, sendo que alguns eram assessores diretos de Anísio Teixeira: Hermes Lima, Edgardo Castro Rabelo, Leônidas
Resende e Luís Saverbrun Carpenter. Essas prisões, segundo o historiador Carlos Eduardo Sarmento, além da perda
de pessoal, trouxe também uma desconfiança crescente em relação ao governo municipal, com surgimento de boatos
de que “havia muitos dentro da estrutura administrativa do Rio de Janeiro que tinham se utilizado do aparelho de
Estado para facilitar a articulação e o desencadeamento do golpe de novembro”.333
Anísio Teixeira, diante das crescentes pressões e da acusação de também ter participado do movimento de
novembro, pediu demissão e fugiu para o interior da Bahia, onde permaneceu escondido. Para o seu lugar o governo
federal propôs Francisco Campos, ex-Ministro da Educação, católico praticante e defensor da obrigatoriedade do
ensino religioso nas escolas. Pedro Ernesto, que viu todo o seu projeto sofrer uma definitiva derrota ideológica,

329
João Roberto Oliveira Nunes, “A administração Pedro Ernesto e a questão educacional”, dissertação de mestrado,
UERJ, 2001, p. 101.
330
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 526.
331
Lustosa, op. cit., p.20.
332
Conniff, op. cit., p. 163.
333
Sarmento, op. cit., p. 202.
aceitou o nome do ex-ministro numa tentativa de ele próprio ser poupado da “caça às bruxas” levada à cabo pelo
governo Vargas, sob a justificativa de estar defendendo o país de uma suposta ameaça comunista.
Não demorou para que, finalmente, em 20 de dezembro de 1935, o decreto nº 5685 desse o golpe final
contra os princípios iniciais de criação da Universidade do Distrito Federal.334 O quadro de pessoal administrativo da
universidade foi radicalmente alterado, retirando homens de confiança de Pedro Ernesto e colocando em seus cargos
pessoas de interesse do governo federal. Capanema, que já havia seguidas vezes afirmado que a UDF estava fora dos
padrões dos regulamentos federais, a considerando ilegal e inconstitucional, conseguiu a vitória final sobre Anísio
Teixeira e Pedro Ernesto.
A Universidade do Distrito Federal continuou funcionando, tendo suas primeiras turmas adquirido a
graduação em 1938.335 Porém, do projeto original, apolítico e comprometido com mudanças culturais e educacionais
profundas, pouco restou após dezembro de 1935. Com Francisco Campos na secretaria municipal de educação, o
sistema educacional do Rio de Janeiro teve que se alinhar ao projeto de educação do governo federal. A obra
educacional mais ambiciosa de Anísio Teixeira e Pedro Ernesto teve apenas oito meses de duração.

3.1.8 União Trabalhista X Partido Autonomista: especulações

Alexandre Elias da Silva caracteriza a União Trabalhista como mais um “expediente político utilizado por
Pedro Ernesto para tentar frear as críticas ao seu governo e manter sua base popular”.336 O historiador esvazia o
significado da UTDF, definindo-a mais como uma “demonstração de força” para os seus opositores e críticos do que
um real projeto que tivesse objetivos mais amplos.
Já Sarmento vê a criação da União Trabalhista do Distrito Federal como a solução encontrada pelo prefeito
para agregar em sua política partidária grupos que estavam encontrando resistência na entrada para o Partido
Autonomista do Distrito Federal.
Realmente a União Trabalhista não deve ser encarada como uma congregação meramente ilustrativa. Ela só
surgiu após Pedro Ernesto ter certeza da impossibilidade de reunir em um único partido os antigos líderes políticos
locais e as novas lideranças sindicais e trabalhistas que ganhavam força no decorrer na década de 1930, com o
crescimento do operariado urbano. Como pudemos perceber no decorrer de sua administração, o prefeito tinha como
objetivo central conseguir a adesão maciça da população de baixa renda e, principalmente, dos trabalhadores.
Sua votação expressiva e a conseqüente vitória nas eleições municipais serviram como estímulo para que
Pedro Ernesto levasse à frente sua aproximação com as lideranças populares e, diante das pressões que sofria de
outros grupos sociais – principalmente dos Integralistas, dos militantes católicos e de representantes do governo
federal –, buscasse de escorar nos trabalhadores a fim de levar adiante seus projetos administrativos.
Sarmento, em seus estudos, salienta as fortes críticas sofridas por Pedro Ernesto não só vindas da oposição –
o marco foi o discurso do vereador Alberico de Morais, do Partido Economista Democrático, criticando, em maio de

334
Esse decreto buscou ainda indicar novos ocupantes para os cargos de oito diretores de faculdade e numerosos
professores, que haviam sido exonerados juntamente com o reitor, Afrânio Peixoto.
335
Depois ela daria lugar à Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
336
Silva, op. cit. p. 123.
1935, o discurso de posse de Pedro Ernesto, que considerou “socialista”337 –, mas também de dentro de seu próprio
partido:

(...) ficara no ar uma crescente inquietação com a questão da aproximação


de Pedro Ernesto das lideranças comunistas, problema que se agravaria
com a criação da União Trabalhista do Distrito Federal. Tais fatores, que
representavam uma tentativa de Pedro Ernesto de se aproximar de setores
marginalizados da cena política, foram prontamente interpretados por
alguns setores do Partido Autonomista como uma traição às bases
originárias da organização e como um esboço da nova trajetória a que
estaria se dirigindo o prefeito carioca.338

Augusto Amaral Peixoto, em carta a Odilon Batista, revelava seu temor de que a União Trabalhista viesse a
“substituir o Partido Autonomista”, criticando os líderes operários que, junto com Pedro Ernesto, viabilizaram a
criação da UTDF, chamando-os de “pseudo-socialistas, indivíduos que não entendem a necessidade dos
trabalhadores, arregimentando as massas para induzi-las”.339
Sarmento, especialista na estrutura e funcionamento do Partido Autonomista, pondera que o projeto político
e social do prefeito preconizava a assimilação das massas ao processo político, o que levaria a uma marcante
aproximação com os vetores organizativos operários e com lideranças populares, o que resultaria em “uma forte
oposição dos setores tradicionais agregados ao partido”.340 Tal resistência levou à criação de uma organização nova,
independente do Partido Autonomista. Dessa forma, a União Trabalhista nasceu como um autêntico partido de
massas, filiando associações de funcionários públicos e trabalhadores urbanos. Sua lógica era diferente da
estabelecida pelo Partido Autonomista, que se relacionava com as massas somente na perspectiva de “contingente
eleitoral conformador de suas bases de apoio político”.341
O Partido Autonomista, formado com a intenção de conseguir a autonomia do Distrito Federal, congregava
políticos das mais diferentes ideologias e linhas de pensamento: antigos líderes locais, católicos fervorosos, ex-
líderes tenentistas, entre outros. Após as eleições suas dissidências internas cresciam dia após dia. Com a criação da
União Trabalhista o PADF se dividiu de vez, começando a surgir diversos boatos da saída de políticos importantes e
da possibilidade da criação de novos partidos na cidade – o que de fato acabou mesmo acontecendo.
Sarmento comenta que, se a luta pela autonomia que surgiu como uma oportunidade de ressurgimento
político dos líderes locais do Rio de Janeiro e também da possibilidade deles ganharem projeção nacional, no
momento do surgimento da União Trabalhista do Distrito Federal tudo se inverteu. Surgiram murmúrios, sem que
ninguém assumisse a autoria, de que a melhor solução seria o retorno da intervenção federal. Havia o medo de que a
aliança do prefeito com os trabalhadores fizesse com que os antigos líderes locais perdessem espaço e até sofressem

337
Anais da Câmara Municipal do Distrito Federal, maio de 1935, p. 73.
338
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 186.
339
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 526.
340
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 189.
341
Id. Ibid.
derrotas políticas definitivas nas eleições seguintes. Sarmento conclui que, se anteriormente a luta pela autonomia era
“a própria luta pela manutenção do funcionamento do campo político [carioca], uma opção pela intervenção pode ser
(...) compreendida como uma limitação da esfera de atuação no interior do campo em troca da garantia da
sobrevivência política de alguns setores”.342
Na imprensa os murmúrios sobre uma possível divisão do Partido Autonomista se intensificaram desde o
início de maio de 1935. As informações eram muito desencontradas. Alguns jornais falavam a respeito de uma
provável saída de Pedro Ernesto do PADF, outros diziam que quem deixaria o partido seriam os políticos que
estavam descontentes com o prefeito, e haviam ainda periódicos que apostavam na criação de uma ala operária do
PADF. Enfim, a imprensa especulou bastante até o anúncio oficial da criação da União Trabalhista do Distrito
Federal.
Em 13/05 o Diário da Noite estampou em manchete que Pedro Ernesto iria “assumir a presidência da
Aliança Nacional Libertadora”.343 O mesmo jornal revelava, na mesma edição, que o prefeito pretendia fundar o
“Partido Socialista Humanitário”, “uma agremiação operária”, “uma associação política um tanto rodeada de
mistério”. A reportagem falou sobre uma sigilosa reunião que acontecera na casa de Pedro Ernesto, da qual “nenhum
dos políticos em voga no Distrito Federal” participou.
Pedro Ernesto falou ao jornal que falaria mais da reunião em uma hora oportuna e que esperava somente que
“cada um cumpra com seu dever”, contanto com “a cooperação de todos para o objetivo comum”. O jornal encerrou
a reportagem com uma frase bastante oportuna para a ocasião: “coisas de mistério...”.
O jornal A Noite, de 11/05, insistia na existência de uma crise interna no Partido Autonomista. O periódico
falava de uma possível cisão no partido, embora todos os políticos consultados tivessem insistido em negá-la. Jones
Rocha falou ao repórter que o prefeito continuava apoiado “quer na Câmara Municipal, quer no Congresso Nacional,
por todos os membros eleitos pelo partido”.
Perguntado sobre os boatos que davam conta da fundação de um novo partido, Rocha afirmou o seguinte:

Sei que, realmente, o Dr. Pedro Ernesto vem fazendo um novo programa,
calcado em princípios mais objetivos com a realidade brasileira. Princípios
mais humanos e elevados e que possam, postos em prática, melhor servir à
coletividade. Mas nada sabemos a respeito (...). Na hora certa o Dr. Pedro
Ernesto apresentará o novo programa ao partido.344

Jones Rocha ainda desmentiu a saída de Cesário de Mello do partido assegurando mais uma vez a unidade
do PADF.
É claro que Rocha já sabia sobre a natureza das modificações que Pedro Ernesto pretendia implementar no
partido. A “realidade brasileira” apresentava a necessidade de trazer os trabalhadores urbanos, grupo que crescia
cada vez mais, para junto do governo. Os princípios mais “humanos” para “servir à coletividade” são pontos que

342
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 195.
343
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 13/05/1935.
atendessem a necessidade dos trabalhadores, servindo como forma de atraí-los para o Partido Autonomista, ficando
na órbita de controle do prefeito carioca.
Tal postura de Pedro Ernesto estabeleceu a inimizade, inclusive, dos comunistas em relação a ele. A ação do
prefeito, objetivando agregar ao seu partido e à sua esfera de influência os trabalhadores urbanos, tinha como meta
também esvaziar a influência do PCB sobre eles, já que, apesar de Pedro Ernesto sempre ter se posicionado contra a
Ação Integralista Brasileira, ele também fez questão inúmeras vezes de afirmar ser contra “qualquer tipo de
extremismo, seja de esquerda ou de direita” – que chamava de “radicalismos contemporâneos”.345
O A Noite, em edição noturna no mesmo dia, estampou uma manchete sobre o que chamou de “a
transformação do Partido Autonomista”, voltando a frisar a existência de “notícias em torno da criação de uma ala
operária” do partido. Nogueira Penido, líder da bancada do partido na câmara dos deputados, foi mais um que negou
qualquer cisão e reiterou o apoio irrestrito ao prefeito. Porém, Penido falou sobre a possível criação de uma ala
operária no PADF, vendo com bons olhos tal iniciativa:

A constituição de uma ‘ala operária’, atuando conjuntamente com o


partido, só poderá emprestar a este uma força maior e mais eficiente,
trazendo-lhe o concurso precioso das massas trabalhadoras, que, cada vez
mais, fazem sentir a sua influência nas democracias.346

Átila Soares, que em pouco tempo se tornaria um dos maiores críticos do prefeito, também aderiu aos
“panos quentes”, dizendo que o que existia, afinal, “era o seguinte: o Dr Pedro Ernesto simpatiza com uma ala
operária, que o apoiaria, fortalecendo o partido, ao contrário de enfraquecê-lo”. Completando os depoimentos, o
deputado Cândido Pessoa347 acompanhou seus colegas afirmando que estava “com o Dr. Pedro Ernesto para a vida e
para a morte”.
Sobre essa possível criação de uma “ala operária” dentro do Partido Autonomista do Distrito Federal
(PADF) cabe a seguinte questão: se alguns dos principais nomes do partido não apresentaram – pelo menos é o que
parece – restrições a tal iniciativa, então por que, exatamente três dias depois, foi criada a União Trabalhista do
Distrito Federal, à parte do PADF?
A hipótese de Sarmento, de que a criação da UTDF foi a solução encontrada por Pedro Ernesto diante das
restrições enfrentadas dentro do partido, é questionável, a não ser que em três dias a opinião geral tenha mudado
bruscamente ou que os políticos estivessem mentindo em suas declarações para a imprensa.
O que nos parece é que a intenção de Pedro Ernesto nunca foi estabelecer uma “ala operária” dentro de seu
Partido Autonomista. O objetivo dele sempre foi criar uma organização autônoma, distinta do PADF, que fizesse os

344
Biblioteca Nacional, periódico A Noite, 11/05/1935.
345
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, Folheto PEB 5f.
346
Biblioteca Nacional, periódico A Noite, 11/05/1935, edição noturna.
347
Um dos fundadores do Partido Autonomista do distrito Federal. Foi eleito deputado nas eleições para a
Assembléia Nacional Constituinte e ficou no cargo até sua morte, em julho de 1936, quando foi substituído por
Bertha Lutz, também do PADF, conhecida pela luta pelos direitos femininos.
trabalhadores na política tendo como condutor ele próprio. Isso não impossibilitava, aos olhos do prefeito, que o
PADF continuasse existindo. Essa estratégia seria a mesma empregada por Vargas posteriormente, no Estado Novo,
ao dar sua benção tanto para o Partido Social Democrático (PSD) como para o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) –
que acabaram se unindo nas eleições de 1945.
A estratégia de Pedro Ernesto era extremamente inteligente, mas ele não contava com o temor dos políticos
tradicionais em perderem espaço com a criação da nova organização política. Nesse ponto Sarmento tem razão: a
possibilidade de ascensão política de lideranças operárias causou pavor em boa parte dos políticos tradicionais,
muitos dos quais passaram a fazer oposição ao prefeito e até a clamar pelo retorno da intervenção federal na capital
da República.
Na noite do dia 13 de maio Pedro Ernesto discursou falando dos objetivos e do programa da União
Trabalhista, o que foi manchete de primeira página em praticamente todos os jornais cariocas no dia seguinte.

3.1.9 Palavras do prefeito sobre a União Trabalhista348

Achamos por bem reproduzir, na íntegra, o discurso proferido por Pedro Ernesto na cerimônia de fundação
da União Trabalhista do Distrito Federal, dada a importância que consideramos ter tal explanação. Em seu curto
pronunciamento, o prefeito tocou nos pontos principais de sua administração: falou sobre a aproximação que vinha
estabelecendo junto às camadas populares, se defendeu das acusações de comunismo e fez uma interessante
ponderação sobre o momento político vivido e os rumos tomados pelo governo transcorridos quase cinco anos do
movimento de outubro de 1930.

Inicialmente, Pedro Ernesto procurou definir o que seria a União Trabalhista do Distrito Federal:

A associação que hoje aqui se instala solenemente, e de que tenho a honra


de presidir, é o primeiro núcleo de mobilização das forças trabalhadoras
do Rio de Janeiro e do Brasil para uma colaboração e aproximação mais
estreita com o governo.
Não se trata de um partido político, como desejam fazer crer certos
adversários disfarçados da aproximação entre o Poder e as classes
populares. Trata-se de uma associação livre e independente de
trabalhadores e de intelectuais, que se dispõem a organizar-se para mútuo
esclarecimento e mútuo benefício, como ainda para a defesa eficaz dos
seus interesses legítimos.

Percebe-se que Pedro Ernesto tinha noção de seu pioneirismo ao afirmar a União Trabalhista como o
primeiro órgão de aproximação mais estreita entre trabalhadores e o governo. Ao mesmo tempo, podemos
compreender essa afirmação como uma crítica aos outros órgãos trabalhistas que não teriam, por conseguinte, esse

348
Todas as notas de rodapé destacadas do texto são referentes ao discurso pronunciado por Pedro Ernesto Baptista
na ocasião da fundação da União Trabalhista do Distrito Federal, em 13/05/1935. CPDOC - FGV, Arquivo Pedro
Ernesto, folheto PEB 5f.
mecanismo de cooperação com o Poder Público. Daí é possível compreender o porquê dos comunistas se tornarem
oposição ao governo Pedro Ernesto, já que a criação da União Trabalhista também pode ser encarada como um meio
de esvaziar as associações de trabalhadores autônomas que não estabeleciam relações diretas com as autoridades
executivas.
Em seguida ele respondeu principalmente à imprensa e aos membros do Partido Autonomista, defendendo
que a UTDF não seria um partido político – ou seja, o Partido Autonomista do Distrito Federal continuaria sendo o
partido do prefeito.
A definição da UTDF como uma associação livre e independente nos remete à ideologia anarquista posta
em prática ainda na Primeira República. Parece-nos claro que o prefeito, na elaboração do esboço da União
Trabalhista, se aproveitou de práticas já existentes na história da luta operária. O anarquismo defendia exatamente
isso: a associação entre trabalhadores de distintas áreas e realidades a fim de promover o esclarecimento mútuo, o
que significaria o advento cultural e político do grupo em sua totalidade.
Outra clara influência da política sindical das décadas anteriores consta no próprio nome da UTDF, que
oficialmente se chamava União Humanitária Trabalhista do Distrito Federal, embora poucas vezes essa nomenclatura
fosse dita cotidianamente pelas pessoas que a ela se referiam – aparece somente nos jornais do dia seguinte de sua
criação. A palavra “humanitária” foi utilizada bastante pelos anarquistas do início do século XX349, que tinham a
humanidade como pátria e, em seguida, ganhou novo significado nos discursos socialistas, que usavam a palavra
“humanitária” no sentido que conhecemos hoje, com o intuito de auxiliar os necessitados através do
assistencialismo.350
O prefeito fez ponderações a respeito da importância de uma organização como a União Trabalhista para
aquele momento histórico e criticou quem via sua iniciativa como algo inconstitucional ou um extremismo
preocupante:

O regime político em que vivemos não é infenso, nunca o foi, aos


interesses populares. A constituição que estamos com o dever de executar
e fazer cumprir é de um largo e esclarecido liberalismo, que nos compele,
e não apenas aconselha, a sentir a questão social e resolvê-la dentro das
possibilidades do regime.
Os governantes, que diante desse imperativo constitucional, que é também
o imperativo da hora presente, cruzam os braços, julgando que nada
devem fazer, estão colaborando expressamente na obra de demolição do
regime que se está concretizando sob os nossos próprios olhos com a
arregimentação reacionária.
Aqueles que insinuam que a fundação de uma associação trabalhista, entre
nós, é indício de extremismo, já lá estão arregimentados no reacionarismo
que nos ameaça, e com isso vêm apenas revelar até que limites desejam

349
Para mais detalhes, ver a primeira parte de Ângela de Castro Gomes, A invenção do trabalhismo, Rio de Janeiro,
FGV, 2002; ver também John W. F. Dulles, Anarquistas e comunistas no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1973
350
Cabe aqui atentar o leitor para as semelhanças entre a União Trabalhista e a feição liberal da maçonaria. É
interessante lembrar que o pai de Pedro Ernesto foi líder maçom em Pernambuco.
levar os seus propósitos de oprimir o povo brasileiro e de lhe impedir o
livre direito de se associar e se organizar, senão até de pensar.

A confiança no liberalismo da constituição de 1934 contrasta com a crescente centralização expressa, por
exemplo, pela aprovação da Lei de Segurança Nacional de 04/04/1935 – um mês antes desse discurso. O prefeito fez
uma enorme aposta na manutenção no liberalismo democrático, crendo que o apoio das camadas populares fossem
assegurar sua permanência no poder. Ao mesmo tempo, o que nos parece é que Pedro Ernesto acreditava que o
presidente não tomaria a impopular medida de agir contra organismos trabalhistas num momento em que os
trabalhadores cresciam numericamente e ganhavam um peso maior na política nacional.
Pelo trecho que relatamos, é perceptível também que Pedro Ernesto não só voltou a afirmar a necessidade de
“sentir a questão social e resolvê-la”, mas também se defendeu da acusação de extremismo com outra acusação,
chamando seus críticos de reacionários.Em seguida, o prefeito elaborou uma interessante proposta do que acreditava
ser o papel do Estado na época:

É indiscutível, com efeito, meus senhores, o alargamento de funções do


governo, no momento presente. É indiscutível que o mesmo não se pode
hoje restringir à sua primeira função de mantenedor da ordem. É
indiscutível que deve ir mais longe. Deve manter a ordem, mas sobretudo
melhorá-la, porque melhorá-la é, hoje, o único meio de mantê-la. E como
querem que façamos isto? Conservando os mesmos órgãos, as mesmas
atividades e as mesmas funções anteriores? Ou, pelo contrário, abrindo ao
governo novas possibilidades de contato com o povo, com a maioria do
povo, cujos interesses, acima de tudo deve defender, sentindo-lhe as
necessidades e as aspirações para que as mesmas possam influir e atuar
sobre os rumos e as diretrizes que ao governo compete seguir, e face de
suas novas responsabilidades e novos deveres?
Os males dos governos brasileiros sempre se encontraram no feitio
oligárquico que os caracterizou. Oligárquico, no sentido de que problemas
que os interessavam e as soluções para um pequeno grupo de brasileiros,
esquecidos os grandes problemas populares que afetavam realmente a
grande massa do povo.
Romper com esse espírito de oligarquia e de casta e ir ao encontro dos
problemas econômicos e políticos de massa, não é fazer extremismo, não é
ameaçar as instituições, mas responder à vocação já secular do Brasil por
um regime de justiça social que sempre esteve em suas leis e foi sempre
negado pelos governos. É realizar a verdadeira obra construtora de fazer
viver as instituições para que elas possam ser mantidas. Não admito que o
governo se sinta estranho a nenhum problema econômico ou técnico que
interesse à maioria, e desejo, sinceramente, encaminhar as soluções
públicas para que as mesmas afetem sempre o maior número e não o
menor número, e isso é, apenas, procurar realizar o regime político em que
vivemos.

Pedro Ernesto falou sobre “contato com o povo”, mais precisamente com a “maioria do povo”, dizendo que
o governo deveria atender suas “aspirações”, “interesses” e “necessidades”. É um discurso bastante enfático e
voltado quase exclusivamente para os trabalhadores. O prefeito parece ter usado o seu pronunciamento para fazer
uma verdadeira ode às classes trabalhadoras, colocando-se indiscutivelmente ao lado deles como o intermediário
entre o operariado e seus direitos.
É muito recorrente nas palavras do prefeito a idéia de uma administração voltada para a uma maioria de
necessitados, ao contrário dos governos anteriores, que se teriam se preocupado apenas com os interesses de uma
minoria privilegiada.
Entendemos que, ao se defender das acusações de extremismo justificando seus atos como sendo em prol
da população pobre e necessitada, Pedro Ernesto fez um verdadeiro apelo para que os trabalhadores dessem a
sustentação necessária à continuidade de seu projeto político que tantos ataques estava sofrendo.
Apesar de ter o objetivo de conquistar o apoio popular e se apoiar nele, os métodos do prefeito para atingir
tal meta eram distintos dos utilizados pelos comunistas. Caminhando para o fim de seu discurso, Pedro Ernesto –
agora também presidente da União Trabalhista do Distrito Federal – se preocupou mais uma vez em deixar clara que
sua intenção, ao fundar essa nova organização, não era guinar para o socialismo. Ele atacou mais uma vez os que lhe
colocavam a pecha de comunista e defendeu o governo instalado após o movimento de 1930, assegurando estar
trabalhando para o fortalecimento das instituições do país e não para a dissolução das mesmas:

Houve quem achasse vago esse programa. Ele só é vago para os que não
sabem o que significa um programa de amplos serviços sociais e populares
em um país que, até hoje, nunca realizou tais serviços senão para um
pequeno grupo de beneficiados e com o caráter disfarçado ou descoberto
de mistificação ou de piedade caridosa. Si é vago para esses ou para os
que desejavam, intencionalmente, que defendêssemos princípios estranhos
ao atual regime político para aí encontrar o pretexto desejado de nos
acusar ou de nos enfraquecer.
Entre os que favorecem a decomposição das nossas instituições traindo-as,
todos os dias, e recusando-se a executá-las e os que as buscam destruir,
diretamente, com a propaganda subversiva da extrema direita ou extrema
esquerda, nos colocamos nós, dispostos a tudo envidar para a objetivação
das instituições que nos deu a revolução e para a realização do seu
programa.
A União Trabalhista é, apenas, um passo para a execução desses objetivos.
Nem o regime, nem o partido que apóia o nosso governo estão em jogo, a
não ser para que se sintam mais à vontade na obra comum que ambos se
propõem a realizar, plenamente – a obra revolucionária, consagrada na
Constituição de 1934.

Há de se destacar a busca por parte de Pedro Ernesto em se dissociar, mais uma vez, tanto da extrema-
direita como também da extrema-esquerda. Mais importante ainda é o aceno que o prefeito fez para o governo
federal e para o Partido Autonomista, no último parágrafo desse trecho, ao dizer que “nem o regime, nem o partido
que apóia o nosso governo estão em jogo”.
Para a infelicidade do prefeito, ambos não concordariam com essa afirmativa. O governo federal
compreenderia a União Trabalhista como uma prova definitiva da popularidade e da independência política de Pedro
Ernesto, chegando à conclusão de que o mais certo seria retirá-lo da arena política, eliminando um projeto alternativo
e um possível concorrente ao posto de “pai dos pobres” que seria buscado por Vargas assim que o fechamento do
regime se efetivou.
Já os políticos do Partido Autonomista veriam na União Trabalhista um meio de ascensão de líderes
operários que, com laços reforçados com o prefeito do Distrito Federal, se tornariam uma séria ameaça ao equilíbrio
de forças então estabelecido.
Encerrando seu pronunciamento, Pedro Ernesto demonstrou uma certa insatisfação com os rumos do
movimento de 1930 nos últimos meses, por culpa de pessoas que estavam assumindo uma postura reacionária. Fez
ainda uma incisiva defesa da postura que sua administração vinha tendo no enfrentando estes que agiam de forma
reacionária e demonstrou confiança no sucesso da organização que acabava de fundar:

Com efeito, meus senhores, é preciso ver claro nesses dias inquietos de
consolidação definitiva do regime legal. Não será possível que tenhamos
feito uma revolução para entrar em um período mais reacionário do que
aquele de que saímos. Não será possível que nos acumpliciemos, assim,
com os inimigos da revolução, empenhados em não deixar da mesma, nem
sequer os vestígios espirituais de uma nova atitude para com a coisa
pública e para com o povo. A exploração de nossa atitude revela o desejo
secreto dos adversários da revolução de lançar sobre as iniciativas mais
sadias e mais puras do novo regime a pecha de extremistas, para que mais
facilmente as possam destruir.
Buscamos, assim, muito intencionalmente, esclarecer de uma vez por
todas, a nossa atitude, porque estamos dispostos a continuá-la, custe o que
custar, dando ao Distrito Federal um governo realmente renovado, com
novos órgãos de ação para ferir os problemas novos do trabalho e bem-
estar de sua população.
A aproximação que, hoje, se inicia entre o governo e as camadas
populares,virá dar fontes de inspiração e de novos rumos para maior
justiça econômica e maior justiça social.

Assim se encerrou o discurso de fundação da União Trabalhista do Distrito Federal Um discurso


preocupado em falar para os trabalhadores e, ao mesmo tempo, em se antecipar a novas acusações de alinhamento ao
comunismo. A estratégia de Pedro Ernesto foi se colocar sempre como um revolucionário sim, mas um
revolucionário que seguia as linhas traçadas pelo movimento de 1930 e não pelo o que chamou de “extremismos de
direita ou de esquerda”.
Apesar dessa tentativa de autodefesa, pautado no ataque aos ditos “reacionários” ou “traidores” dos
princípios do movimento de 1930, o que se viu nos meses seguintes foi que a aproximação entre a prefeitura do Rio
de Janeiro e “as camadas verdadeiramente populares” afetou diversos interesses políticos. Os ataques a Pedro
Ernesto não demoraram muito, começando já nas páginas dos jornais do dia seguinte.

3.1.10 Vida curta, mas repercussão enorme


De nada adiantaram as afirmações de Pedro Ernesto dando conta de que a União Trabalhista não tinha
qualquer vínculo partidário e muito menos orientação comunista. O Diário da Noite, no dia seguinte, estampou uma
manchete falando do “novo partido presidido pelo senhor Pedro Ernesto, que defenderá um programa socialista”.351
O A Noite seguiu a mesma linha, dizendo que a União Trabalhista foi criada “com as características de um novo
partido político”.352
O Diário da Noite mencionou que a criação da União Trabalhista foi articulada às escondidas, ponto que
mereceu um destaque ainda maior no O Jornal. Este periódico deu ênfase nos “mistérios que cercaram a fundação
desse novo partido, em cujas sessões preparatórias nenhum jornalista podia entrar” e afirmou que “(...) se não
houvesse segundas intenções, o governador da cidade e seus amigos não ocultariam à opinião pública um fato que,
de outra forma, não passaria de um acontecimento comum”.353 Foi mencionada ainda uma reunião que teria ocorrido
na casa do cônego Olímpio de Mello em que os membros da comissão executiva do Partido Autonomista ouviram
explicações de Pedro Ernesto sobre seus objetivos com a criação da UTDF.
O interessante é que, pela primeira vez, houve uma alusão de que o prefeito tinha objetivos políticos
maiores do que a prefeitura do Distrito Federal. O Diário da Noite explicava que Pedro Ernesto, sem dúvida, era um
“pretendente à cadeira nacional do próximo quatriênio”, motivo pelo qual ele procurava “articular forças
nacionalmente”. O Partido Autonomista, “com um programa limitado, não serviria para seu intuito. Daí a idéia de
explorar o socialismo”. O mesmo jornal ainda fez questão de dizer que a União Trabalhista tinha “programa próprio
e material técnico para arregimentação eleitoral”.
Esse quadro traçado de aliança com os trabalhadores, preocupação com arregimentação eleitoral e
pretensões de ascender politicamente, quem sabe, disputando as próximas eleições para a presidência da República,
criou uma grande desconfiança do governo federal em relação a Pedro Ernesto. O prefeito, que já tinha alguns
desafetos que faziam parte do círculo de confiança de Vargas – tais como Góis Monteiro, Gustavo Capanema e
Felinto Muller –, passou a ser acompanhado com mais atenção, visto que sua popularidade e sua postura liberal-
democrática o tornava uma ameaça ao centralismo e conseqüentemente à continuidade de Vargas na presidência.
A edição do Diário da Noite ainda mencionou as palavras do professor Hermes Lima, diretor da faculdade
de Direito da Universidade do Distrito Federal, que salientou a necessidade de “união do proletariado e da sua
organização como força consciente”.354 Lima, disse que “(...) o governo não deve estar acima nem abaixo do povo,
mas integrado a ele” e, em seguida, ao contrário do que o próprio Pedro Ernesto dissera, também acabou chamando a
União Trabalhista de um partido, quando elogiou a postura do prefeito de se colocar “à frente de uma organização
partidária constituída apenas por proletários de terra e mar”.355 Aliás, é importante salientar isso: todos os diretores
da União Trabalhista, com exceção de Pedro Ernesto, eram trabalhadores filiados à Federação de Trabalhadores
Terrestres ou à Federação de Trabalhadores Marítimos.356

351
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 14/05/1935.
352
Biblioteca Nacional, periódico A Noite, 14/05/1935.
353
Biblioteca Nacional, periódico O Jornal, 14/05/1935.
354
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 14/05/1935.
355
Biblioteca Nacional, periódico A Noite, 14/05/1935.
356
Biblioteca Nacional, periódico A Noite, 14/05/1935.
Além de Hermes Lima e Pedro Ernesto, estavam também presentes o secretário de saúde Gastão Guimarães,
o secretário de educação Anísio Teixeira, o deputado Moreira Machado, o professor Leônidas de Resende – assim
como Lima, professor da Universidade do Distrito Federal – e os vereadores Rocha Leão, Henrique Maggioli,
Adauto Reais e Edgard Romero.
Após os pronunciamentos de Pedro Ernesto e Hermes Lima, foi a vez do discurso do presidente da
Federação dos Marítimos, Orlando Ramos, que foi seguido pelas palavras finais de Alberto Santos, presidente da
Federação dos Trabalhadores Terrestres.
Numa clara tentativa de trazer problemas para o prefeito carioca, o Diário da Noite divulgou um suposto
programa da União Trabalhista. Segundo o jornal, a nova organização lutaria, entre outras coisas, pela participação
direta do operariado no poder, pela nacionalização das minas e riquezas geológicas nacionais e objetivaria ainda a
participação direta do Estado no lucro das grandes empresas nacionais. Tal notícia provocou um mal-estar
generalizado e especulações de que o prefeito poderia ser processado com base na recém-aprovada Lei de Segurança
Nacional (LSN) – estabelecida pouco mais de um mês antes, em 04/04/1935.
Numa prova de demonstração de força, o prefeito obteve o respaldo de dezenas de associações de
trabalhadores que assinaram um manifesto repudiando a atitude desse jornal357, que justificou a presença de tal
programa dizendo que obtido tais informações por meio de entrevistas a diretores da União Trabalhista. Era esse
apoio popular crescente que, ao mesmo tempo em que dava respaldo à administração de Pedro Ernesto, fazia com
que o governo federal o olhasse com desconfiança, esperando pela melhor hora de eliminá-lo.
A União Trabalhista, a exemplo da Universidade do Distrito Federal, funcionou durante um período
curtíssimo, mas, assim como a UDF358, também obteve sucesso. Embora tivesse sido fechada em dezembro de 1935,
nos 7 meses em que esteve em pleno funcionamento, com sede na rua Sacadura Cabral, nº 42, ela conseguiu a adesão
de cerca de 70 sindicatos, contanto com um significativo número de mais de 30 mil associados.359
Mais do que uma demonstração de força para seus adversários, a União Trabalhista funcionou como uma
base de sustentação política para o prefeito, diante de todas as críticas que recebia da Igreja Católica, dos
integralistas, de homens do governo federal e até de comunistas – estes últimos viam a UTDF como uma organização
governista que contribuía para o esvaziamento do PCB e outras organizações proletárias.360
A postura democrática de Pedro Ernesto, que defendia sistematicamente a liberdade de expressão e assumia
uma postura anti-autoritária, deu margem para que seus inimigos o acusassem de alinhamento ao socialismo. É
perceptível que o prefeito tinha uma certa simpatia em relação à Aliança Nacional Libertadora, até porque
originalmente, a ANL foi fundada por Herculino Cascardo com o objetivo de combater a extrema-direita
representada pelo Integralismo, não para ser uma organização comunista ou socialista. Muitos dos amigos e

357
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 553 e 554. O manifesto também fez menção de repúdio ao O
Globo, que havia feito acusações parecidas na edição do dia 14/05/1935.
358
Cabe lembrar que, apesar da Universidade do Distrito Federal ter existido durante alguns anos – até ser
incorporada pela Universidade do Brasil –, ela só funcionou nos moldes estabelecidos por Pedro Ernesto e Anísio
Teixeira até dezembro de 1935, quando Teixeira saiu da secretaria de educação e a universidade sofreu um
remodelamento que a alterou significativamente.
359
Mário Bulhões Pedreira et all, Razões de Defesa do Dr. Pedro Ernesto Baptista, 1937.
360
Prestes chegou a afirmar, em carta, a necessidade de “desmascarar” o que chamou de “demagogia de Pedro
Ernesto”. Pedreira et all, op. cit.
colaboradores do prefeito carioca freqüentavam reuniões aliancistas e é inegável que alguns princípios da Aliança
Nacional Libertadora eram compartilhados pelo prefeito.361
Porém, Pedro Ernesto não queria se engessar em nenhuma organização, mas trilhar o seu próprio caminho.
Estava claro para ele que, caso ingressasse na ANL, não só as pressões de seus inimigos iriam se tornar
insustentáveis como também ele perderia muito de sua autonomia e independência política, tendo que se submeter às
decisões de Herculino Cascardo – líder nacional – ou Luís Carlos Prestes – presidente de honra da organização.
Portanto, a União Trabalhista foi o caminho solitário do prefeito, que tentou se manter à parte da guerra
ideológica entre a direita e a esquerda, dizendo ser contrário a quaisquer extremismos e, ao mesmo tempo, se
aproximando cada vez mais de líderes proletários a fim de obter o apoio necessário para levar seu projeto político
adiante.
Paradoxalmente, apesar da participação maciça de trabalhadores ter dado força à União Trabalhista, ao
mesmo tempo criou uma grande dor de cabeça para o prefeito: boa parte dos filiados à UTDF, apesar de apoiarem o
prefeito, também tinham ligações com sindicatos classistas e, muitas vezes, participavam de debates e reuniões da
Aliança Nacional Libertadora e do Partido Comunista do Brasil.362 Era comum que os debates efetuados nessas
outras organizações fossem levados para dentro da União Trabalhista. Por isso, nos meses em que a UTDF
funcionou, foram muito comuns acusações de que a associação fundada por Pedro Ernesto estivesse tendo
“infiltrações comunistas” ou até servindo como “centro de propagação de idéias extremistas”.363
Pedro Ernesto tentava sempre defender a União Trabalhista em função de sua importância estratégica para o
governo municipal e também porque seu fechamento seria uma medida bastante impopular visto o grande número de
trabalhadores que a ela estavam filiados e usufruindo não só dos debates filosóficos lá promovidos, mas
principalmente dos atendimentos médicos gratuitos oferecidos.364
Portanto, podemos dizer que a UTDF foi, ao mesmo tempo, uma grande solução e um grande problema para
o prefeito. Mas os benefícios que ela proporcionou passaram a não valer mais a pena quando, no início de outubro,
surgiu uma denúncia de que a seção cultural da União Trabalhista estava organizando “cursos populares tendentes a
facilitar a propaganda extremista sob os auspícios da Aliança [Nacional Libertadora]”.365 Nesse momento Pedro
Ernesto percebeu que, ou fechava a organização, ou daria a seus inimigos a grande chance de enquadrá-lo como uma
ameaça pública com base na Lei de Segurança Nacional.
Nada havia de mentirosa na denúncia. A seção cultural da UTDF tinha a finalidade de esclarecer ao
trabalhador os seus direitos e ajudar seu acesso à cultura e à informação. Porém, com a passagem dos meses, cada
vez mais os cursos populares promovidos buscaram ensinar para o operariado trechos do manifesto comunista e

361
Informações obtidas a partir da análise das entrevistas concedidas por Augusto do Amaral Peixoto e Odilon
Batista, consultadas em CPDOC – FGV, Programa de História Oral.
362
Hermes Lima, que era diretor da faculdade de Direito da Universidade do Distrito Federal, participava da União
Trabalhista e era assumidamente de esquerda. Além dele, líderes sindicais tais como Orlando Ramos e Alberto
Santos, simpáticos ao comunismo; entre outros.
363
Acusação presente, inclusive, no processo nº 1 do Tribunal de Segurança Nacional, no qual Pedro Ernesto e Luís
Carlos Prestes, entre outros, foram acusados de participação em atividades comunistas que resultaram na Intentona,
em novembro de 1935.
364
O jornal O Globo, em 05/10/1935, chegou a criticar a proposta de fechamento da UTDF, alegando que seriam
“deixados ao desamparo dezenas de enfermos”.
outros livros que incentivavam os trabalhadores à luta. A seção cultural logo se transformou num centro de
mobilização para a revolução socialista. Pedro Ernesto, apesar de presidente da organização, pouco intervinha no
funcionamento da mesma, deixando a responsabilidade a cargo das lideranças operárias.366 Até que veio a emenda de
um dos cursos, que fazia referência ao socialismo revolucionário, o que se tornou um escândalo na imprensa.
Sem perder tempo, na mesma manhã em que a denúncia ocorreu, o prefeito mandou fechar a seção cultural
e ordenou a paulatina desativação da União Trabalhista do Distrito Federal – o que acabou ocorrendo até dezembro –
, minimizando os prejuízos, afirmando ser contra quaisquer extremismos que levassem perigo às instituições.
Contrariando seu discurso de posse, em que afirmou ser a UTDF destinada ao livre debate entre intelectuais
e trabalhadores, Pedro Ernesto afirmou que a União Trabalhista foi “criada (...) como instituição de caridade,
destinada a socorrer trabalhadores”. Disse ainda que, à vista do desvirtuamento dessa finalidade”, resolveu “extingui-
la para evitar que a mesma (...) se transformasse em núcleo de agitação política perturbadora da ordem”. Procurou
eximir-se de qualquer culpa falando que o programa da seção cultural não apenas não foi organizado por ordem dele,
como ele até desconhecia a existência de tal programa.367
Esse foi o melancólico fim de uma organização fundada para ser a base de sustentação política do governo,
“primeiro núcleo de mobilização das forças trabalhadoras do Rio de Janeiro e do Brasil para uma colaboração mais
estreita com o governo”.368 A grande divulgação de sua fundação e o número expressivo de adesões foi um enorme
sucesso, procedido pela necessidade de um fechamento brusco que significou uma derrota significativa dos esforços
trabalhistas do prefeito carioca.
As coisas não iam bem para Pedro Ernesto, e ficaram bem piores com a Intentona de novembro de 1935. A
estreita relação do prefeito com os trabalhadores se voltou contra ele, servindo como pretexto para a acusação de
envolvimento do líder municipal em atividades subversivas. A Intentona Comunista foi o golpe final contra as
pretensões trabalhistas de Pedro Ernesto. Dela se aproveitaram seus inimigos para eliminá-lo da carreira política,
impondo-lhe uma derrota tão imperativa que passou pela demissão de seus homens de confiança da prefeitura, pelo
desmantelamento de sua política educacional e, teve como desfecho, sua prisão em abril do ano seguinte.

3.2 Mais limites e menos possibilidades: pressões contrárias e a eliminação política do prefeito popular

3.2.1 Religião e política: a Igreja Católica contra Pedro Ernesto

O movimento liderado pelo advogado e político Francisco Campos e que teve início no estado de Minas
Gerais usava as escolas para inculcar valores de patriotismo, hierarquia, disciplina e religiosidade. Francisco Campos

365
Trecho retirado da acusação contra Pedro Ernesto, processo nº 1 do Tribunal de Segurança Nacional.
366
Pela leitura dos periódicos da época é perceptível que Pedro Ernesto, apesar de presidente da União Trabalhista,
quase não freqüentava a mesma, situada à rua Sacadura Cabral, no centro da cidade. Fica bastante claro que ele
pretendia apenas manter o vínculo e, conseqüentemente, o apoio dos sindicatos filiados à UTDF ao seu governo, mas
não tinha quaisquer preocupações administrativas com a associação que ele criou – ausência de preocupações que
acabou lhe custando caro.
367
Trecho de depoimento de Pedro Ernesto, da época do fechamento da UTDF, que acabou sendo utilizado pelo seu
advogado em sua defesa e foi publicada por Pedreira, op. cit., de onde retiramos.
368
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, folheto PEB 5f.
atuou no remodelamento do ensino em Minas Gerais durante a administração do governador Antônio Carlos, no final
da década de 1920. Apesar de partidário de algumas das idéias trazidas pelo movimento da Escola Nova, que
orientou a reforma que imprimiu no ensino mineiro, Campos era católico fervoroso, o que contribuiu para que o
Estado de Minas Gerais fosse pioneiro na introdução do ensino religioso obrigatório nas escolas.369
Campos era a favor da modernização do ensino, porém partindo “de cima”, numa visão claramente
conservadora e autoritária. Após se tornar o primeiro Ministro da Educação (1930-1932) do governo de Getúlio
Vargas, ele reorganizou o que hoje chamamos de ensino médio e ensino superior.
As atitudes de Francisco Campos eram, em parte, influenciadas por um movimento mais amplo para
reformar a sociedade brasileira. A Revitalização Católica buscava o fortalecimento do poder da Igreja Católica que,
separada do Estado, na proclamação da República, havia se enfraquecido com o declínio da assiduidade dos fiéis e
por uma crise nas vocações dos jovens à carreira eclesiástica.370
A Igreja era mais fraca na cidade já que a secularização ocorreu no mesmo ritmo da urbanização. Conniff,
em seus estudos, comprova tal situação: no Rio de Janeiro havia apenas mil padres para uma cidade de mais de um
milhão de pessoas, e o protestantismo e as religiões africanas tinham alcançado grandes avanços entre os cariocas.
Além disso, as irmandades, símbolos tradicionais da influência secular da Igreja, declinavam rapidamente. As
associações baseadas em atividades profissionais aumentavam, enquanto as com base na religião apresentavam
queda significativa. Nesse sentido, surgiu um movimento que pedia a introdução de emendas religiosas à
Constituição de 1891, para assegurar a obrigatoriedade do ensino religioso em todos os estabelecimentos de ensino
do país e obter, em última instância, o retorno da religião católica como a oficial do país. Os líderes católicos
constataram que a fé enfrentava uma grave crise, o tornava urgente ações que alterassem o quadro estabelecido.371
Sob a liderança do arcebispo dom Sebastião Leme – que viria a ser cardeal do Brasil entre 1928 e 1942 –, as
medidas revitalizadoras iam desde o proselitismo junto à juventude abastada, por intermédio do Centro Dom Vital372
– fundado em 1922 – até os esforços na busca pelo retorno do Catolicismo como religião oficial do Estado
brasileiro.373
Embora o encaminhamento das propostas seguisse majoritariamente uma estratégia elitista, buscando
converter os líderes políticos e procurando o fortalecimento do catolicismo por meio da criação de leis e de emendas
constitucionais – caso das emendas religiosas à Constituição de 1934 e também do estabelecimento da
obrigatoriedade do ensino religioso –, o objetivo de atingir a sociedade como um todo obteve êxito. As metas da
Igreja foram facilitadas não só pela boa relação estabelecida com o governo federal, mas também pelo fato de o

369
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Francisco Campos. É
interessante perceber que, desde a Constituição de 1891, havia se efetivado a separação entre Igreja e Estado. Logo, a
re-introdução do ensino religioso por Francisco Campos em Minas Gerais durante a administração do governador
Antônio Carlos, no final da década de 1920, poderia ser compreendida como uma medida antagônica ao Estado
laico, sendo, portanto, inconstitucional.
370
Conniff, op. cit., p. 80.
371
Id., Ibid.
372
Principal núcleo intelectual do catolicismo no Brasil durante os anos 1920. Criado por Jackson de Figueiredo e
Sebastião Leme, em 1922.
373
Conniff, op. cit., p. 80.
catolicismo ter sido atrelado à ideologia nacionalista pelos integralistas e, por outro lado, funcionar como um
símbolo de oposição ao socialismo – que é, por definição, ateu.374
A parceria entre a Igreja Católica e Vargas começou desde os primeiros meses da nova administração. Após
o movimento de 1930, as exigências da Igreja Católica passaram a ser vistas com bons olhos pelo governo
provisório, que necessitava de apoio e enxergava na aliança com a Igreja uma boa oportunidade de ampliar sua base
de sustentação política e angariar simpatias entre os católicos, já que o catolicismo era a religião oficial da maioria da
população do país.
Segundo Conniff, já no início da década de 1930, o “restabelecimento da colaboração Igreja-Estado” era um
dos três elementos fundamentais do corporativismo emergente de Vargas, ao lado da vigilância policial dos
trabalhadores e da representação de classe.375
O mesmo autor ainda faz observações sobre como se deu o estreitamento das ligações do governo
provisório com a Igreja Católica, com Francisco Campos atuando como intermediário das relações entre Vargas e o
cardeal dom Sebastião Leme, principal líder católico do Brasil. Para o brasilianista, “Vargas respeitava a influência
da Igreja e decidira conceder certos favores a Leme em troca de seu apoio nos dias iniciais do regime”. Nesse
sentido, o presidente concordou com duas das três solicitações da Igreja: a obrigatoriedade do ensino religioso e a
ilegalidade do divórcio.376
Campos justificou para Vargas a necessidade da implementação do ensino religioso nas escolas para a
obtenção do apoio da Igreja num momento de afirmação para o novo governo. O então Ministro da Educação teria
dito que naquele momento “de grandes dificuldades”, em que era indispensável “reunir todas as forças materiais e
morais, este decreto” mobilizaria “toda a Igreja Católica para o lado do Governo”.377
A única negativa do presidente a Sebastião Leme ocorreu em relação ao pedido do cardeal para uma
mudança na lei sindical. Leme, que tentava iniciar um movimento trabalhista católico – seguindo os mesmos passos
de vários políticos da década de 1930, inclusive Pedro Ernesto, de se aproximar dos trabalhadores, que cresciam
numericamente e adquiriam maior peso político –, viu suas pretensões caírem por terra pela insistência de Vargas em
manter o sindicato unitário, licenciado publicamente e sem vínculos políticos, étnicos ou religiosos.378
É importante perceber, mais uma vez, a importância dada pelo governo de Getúlio Vargas à questão
trabalhista. Nem mesmo a Igreja Católica, um aliado valiosíssimo, teve capacidade de barganha suficiente para obter
autorização de atuar junto aos sindicatos. Essa prerrogativa caberia somente ao governo federal e, mais
especificamente, ao presidente. Nem Lindolfo Collor, nem Sebastião Leme, nem Pedro Ernesto obtiveram salvo-
conduto para uma aproximação mais estreita com os trabalhadores, sendo que este e aquele foram eliminados
politicamente. Pedro Ernesto, o que obteve mais sucesso nessa empreitada, acabou sofrendo forte oposição do
governo federal e terminou preso. No que tange ao trabalhismo, os limites impostos pelo governo federal eram bem
maiores do que as possibilidades existentes para tal ação política.

374
Id. Ibid.
375
Conniff, op. cit. p. 171.
376
Conniff, op. cit. p. 174.
377
Id., Ibid.
378
Conniff, op. cit., p. 80.
Após a revolta paulista de 1932, com o governo cedendo às pressões e marcando eleições para a Assembléia
Nacional Constituinte, Amoroso Lima e Heráclito Sobral Pinto, ambos membros do Centro Dom Vital, pressionaram
o grande líder católico do país, o cardeal Sebastião Leme, para a criação de um partido político católico. Porém,
seguindo sua orientação de manter neutralidade na esfera político-partidária, Leme se posicionou contra tal
iniciativa. Em vista disso, a decisão foi de criar um organismo que funcionasse como uma organização de pressão
sobre os políticos, pressionando em prol dos interesses da Igreja Católica.379
Dessa forma, a Liga Eleitoral Católica (LEC) foi criada em março de 1932380 com o intuito de defender os
interesses da Igreja Católica nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, em 1933, e nos pleitos para a
Câmara Federal e para as assembléias estaduais constituintes, em 1934. Sebastião Leme foi o fundador, auxiliado
pelo intelectual católico leigo Alceu Amoroso Lima.
O objetivo era oferecer o apoio oficial da Igreja aos candidatos considerados afins aos interesses católicos
e, ao mesmo tempo, condenar os políticos que defendessem idéias consideradas prejudiciais aos católicos do país.
No ensino, a Reforma Francisco Campos, implementada em 1931, durante o período em que o mesmo
esteve na condição de Ministro da Educação, autorizou o ensino religioso nas escolas, mas não o tornou obrigatório.
Diante disso, Pedro Ernesto e Anísio Teixeira se recusaram a adotar a medida na educação do Distrito Federal. O
secretário de educação do Rio de Janeiro não autorizou a presença de padres na rede pública de ensino e somente
admitia a educação religiosa quando tal era requisitado oficialmente pelos pais, por escrito.381
Segundo Sarmento, a educação, na visão de Francisco Campos, “seria uma forma de se lidar com as massas,
atuando diretamente sobre seu inconsciente”.382 Além disso, Campos acreditava que o catolicismo era importante
para a formação disciplinar do estudante e para a manutenção da ordem, o que batia de frente com as convicções
laicas do secretário de educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira. Enfim, era uma disputa entre “controlar o
cidadão” contra “habilitar o cidadão”.383
É importante lembrar que a discussão sobre o ensino religioso não se ateve somente à capital da República,
embora tenha sido no Distrito Federal onde o debate foi mais acirrado entre poder público municipal e os
eclesiásticos e intelectuais católicos. O debate efervesceu em várias capitais do país, como, por exemplo, em São
Paulo, onde o interventor Manuel Rabelo revogou o ensino religioso em 2 de janeiro de 1932, causando grande
polêmica.384
No Rio de Janeiro, católicos liderados pelo intelectual laico Alceu Amoroso Lima iniciaram um ataque
contra as autoridades municipais que se estenderia do início de 1932 até dezembro de 1935, mês em que Teixeira
deixou a secretaria de educação e foi substituído por Francisco Campos, num claro sinal de derrota política e
ideológica do prefeito Pedro Ernesto, pressionado pelo crescente autoritarismo e centralismo que tomou conta do
país após a Intentona de novembro do mesmo ano.

379
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Liga Eleitoral Católica (LEC).
380
O Jornal do Brasil de 19/03/1932 trouxe um texto escrito por Alceu Amoroso Lima explicando os motivos da
fundação da LEC.
381
Conniff, op. cit.. p.80.
382
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., p. 150.
383
Id., Ibid.
384
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 02/01/1932.
O historiador Carlos Eduardo Sarmento resumiu bem o problema da Igreja Católica com a política
educacional da prefeitura do Rio de Janeiro:

(...) Anísio [Teixeira] defendia a necessidade de laicização


do ensino como única forma de garantir a formação do
homem adequado às necessidades das modernas sociedades
democráticas, capaz de se estabelecer como pleno cidadão,
livre do dirigismo de toda e qualquer espécie. Devido a esta
posição liberal, Anísio era constantemente definido como
um pensador marxista, principalmente entre os intelectuais
católicos que, ao lutar pelo ensino religioso como forma de
restabelecer a posição de preponderância da Igreja na
sociedade, viam o educador como um inimigo da religião
(...).385

No princípio, as críticas sofridas pela administração de Pedro Ernesto diziam respeito somente ao suposto
abandono do ensino de valores morais na escola, instituição que, para a Igreja, além da transmissão do aprendizado
técnico e humanístico, deveria contribuir para a formação do caráter e dos princípios de conduta do estudante.
Diante da intransigência de Anísio Teixeira e Pedro Ernesto sobre essa questão, as críticas se encorparam e
os católicos passaram a questionar a competência e o profissionalismo das autoridades municipais. O principal
crítico, Alceu Amoroso Lima, chegou a afirmar que “a política da classe trabalhadora sem a âncora moral da religião
levaria ao comunismo”.386
No ínterim dessa discussão, os religiosos obtiveram grande vitória, mais uma vez se valendo do apoio
mútuo que estabeleceram com o governo federal desde o início do governo provisório. Nas discussões da Assembléia
Constituinte, a maioria dos políticos aprovou as chamadas emendas religiosas, que foram adicionadas à Constituição
de 1934. Isso fortaleceu ainda mais a ação revitalizadora da Igreja, que alcançara grandes avanços desde o início do
movimento da Revitalização Católica. Entre essas emendas, estava o reconhecimento de legitimidade civil ao
casamento religioso e a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas de todo o país.387
Anísio Teixeira e Pedro Ernesto tentaram protelar ao máximo a implementação do ensino religioso no
ensino municipal, alegando problemas operacionais e burocráticos. Ao mesmo tempo, tentavam angariar apoio
político e buscar uma alternativa para evitar a consolidação da derrota nessa questão. Com a instituição da
obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas por via constitucional, a política educacional laica de Pedro Ernesto
ficou ainda mais exposta aos ataques dos inimigos políticos, dentre os quais podemos destacar o intelectual católico
Alceu Amoroso Lima, homem conservador e de postura rígida, que não poupou esforços na tentativa de
desestabilizar o governo municipal.

385
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 196.
386
Conniff, op. cit., p. 194.
387
Constituição do Brasil de 1934.
A Igreja Católica, aproveitando o momento de vitórias políticas, resolveu agir mais incisivamente para
resolver seus problemas no Distrito Federal, buscando alguém que pudesse trabalhar dentro do meio político-
partidário contra o ensino laico pregado por Anísio Teixeira e Pedro Ernesto. O vereador Átila Soares, militar e
católico fervoroso, eleito pela legenda do Partido Autonomista – sua presença dentro dessa organização partidária é
mais uma prova da grande heterogeneidade do partido criado pelo prefeito –, foi o escolhido para levar à frente as
intenções católicas.388
No início de 1935, Soares entrou com um projeto de lei, registrado com o número 8
no Poder Legislativo Municipal, que previa a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas primárias, secundárias,
complementares, profissionais ou normais.
Imediatamente as discussões políticas se intensificaram. Anísio Teixeira aproveitou seus programas
radiofônicos na Rádio Escola para defender-se das acusações e críticas da Igreja, salientando o intervencionismo
religioso nos assuntos que, para ele, competiam somente ao Estado.389
Nem a aliança de Anísio Teixeira com o vereador Adauto Reis tornou possível o veto ao projeto, que foi
aprovado na câmara do município em maio de 1935. Considerando uma afronta a o que julgou ser uma intervenção
no seu trabalho frente à educação municipal, Teixeira pediu demissão do cargo.390
Diante dessa situação, o prefeito nem titubeou em se posicionar imediatamente ao lado de seu amigo e
secretário de educação. Pedro Ernesto não apenas ignorou o pedido de demissão de Teixeira, como fez críticas
incisivas ao vereador Átila Soares, dando início a uma profunda crise dentro do Partido Autonomista. Soares
apresentou um requerimento à câmara pedindo que seus colegas tomassem uma posição sobre a questão,
pressionando-os a se posicionarem sobre o problema em questão.391
Augusto Amaral Peixoto tratou logo de defender a atuação de Átila Soares, o que acabou se tornando um
dos motivos da crise de relacionamento entre ele e o prefeito, que culminaria no rompimento de relações poucas
semanas depois.392 Já os demais vereadores se viram numa situação de um profundo mal-estar: eles, que haviam
votado a favor do projeto, ganhando a simpatia da Igreja Católica, temiam tomar uma posição contrária à do prefeito
e acabar perdendo não só o apoio do administrador municipal, mas também os cargos de confiança que haviam
obtido.
A criação da União Trabalhista, que representou uma guinada do prefeito na busca de apoio popular, e a
fundação da Universidade do Distrito Federal, que contou com a presença de vários professores assumidamente
comunistas ou simpáticos à Aliança Nacional Libertadora, aumentou a desconfiança dos políticos do PADF em
relação ao prefeito, sanando a dúvida de muitos sobre em que lado se posicionar. O apoio da Igreja Católica parecia
mais garantido do que o de um prefeito que se aproximava das camadas populares e introduzia líderes sindicais na

388
João Roberto Oliveira Nunes, “A administração Pedro Ernesto e a questão educacional”, dissertação de mestrado,
UERJ, 2001.
389
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 196.
390
Anos depois, Delso Mendes da Fonseca, que fora secretário de obras de Pedro Ernesto, revelou ao Programa de
História Oral do CPDOC (FGV), que Anísio era um homem de personalidade forte, que não admitia qualquer tipo de
interferência em seu trabalho. Anísio Teixeira inclusive era contra qualquer distribuição de cargo por motivos
políticos, fazendo questão ele próprio de escolher os profissionais com quem trabalhava na secretaria de educação.
391
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 198.
392
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 526.
política municipal e nacional. Segundo a historiadora Isabel Lustosa, foi “a obrigatoriedade do ensino religioso nas
escolas públicas o que mais contribuiu para minar as bases do prefeito”.393
A conclusão foi a seguinte: Pedro Ernesto, ciente dos problemas que sua política educacional sofreria com a
aprovação do projeto nº 8, se recusou a assinar a lei, que teve que retornar à câmara. Olímpio de Mello, presidente da
Câmara Municipal, que já articulava, ao lado de Luís Aranha, uma oposição a Pedro Ernesto dentro do PADF,
aproveitou-se de uma sessão em que só estavam vereadores favoráveis ao projeto para aprová-lo.394
A recusa do prefeito em implantar o ensino religioso no ensino municipal, somado às experiências das
criações da União Trabalhista e da Universidade do Distrito Federal, contribuiu para que aumentassem as acusações
de que o prefeito estava aderindo ao comunismo. Átila Soares chegou a afirmar que Pedro Ernesto estava
“sovietizando” a cidade.395 Para o historiador Carlos Eduardo Sarmento, foi a partir desse episódio do projeto nº 8
que se tornou nítida a “defecção autonomista liderada por Olímpio de Mello e Luís Aranha, que passaram a articular
abertamente a oposição ao prefeito dentro da própria bancada de seu partido”.396
Ainda em 1935, Sebastião Leme criou a Ação Católica Brasileira (ACB), dando prosseguimento ao projeto
de resgate da influência política do catolicismo. A ACB foi fundada em resposta à bula do papa Pio XI –, que
defendia a militância de um movimento católico leigo que teria ramificações por todo o mundo.397 Mais uma vez
Leme adotou uma postura neutra em relação às disputas políticas nacionais, apesar de ter uma certa simpatia pelo
Integralismo, por este se posicionar contrário ao socialismo e ter a crença em Deus como um de seus princípios
fundamentais. A idéia era agir para a penetração do catolicismo nas regiões e locais que não tinham eclesiásticos ou
onde a Igreja enfrentasse dificuldades de difundir seu credo.
A criação da ACB pode ser vista como o resultado final de instituições católicas voltadas ao laicato que
proliferavam no país desde a bula papal de 1922, quando Roma afirmou a necessidade de um maior
comprometimento dos católicos leigos na divulgação do credo de sua Igreja. Podem ser consideradas, como um
preâmbulo à criação da ACB, a fundação das confederações católicas de Recife e do Rio de Janeiro, ainda na década
de 1920, assim como os círculos operários, a Ação Universitária Católica, o Instituto Católico de Estudos Superiores
e a Confederação Católica Brasileira de Educação.398
Um dos objetivos era combater o crescimento do socialismo, pregando a ação de todos os católicos, leigos
ou eclesiásticos, no sentido de enfrentar tal ideologia que tinha como um de seus pilares o ateísmo. A ACB tinha
Sebastião Leme como chefe máximo e Alceu Amoroso Lima exercendo a presidência nacional – nesse momento,
Amoroso Lima também era presidente do Centro Dom Vital e da Liga Eleitoral Católica.399
Fortalecidos, os católicos, liderados por Amoroso Lima, intensificaram as críticas ao prefeito e ao secretário
de educação do Rio de Janeiro, abandonando de vez a ponderação que, de certa forma, ainda existia nas críticas. Em

393
Lustosa, op. cit., p. 26.
394
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 203.
395
Conniff, op. cit, p. 195.
396
Conniff, op. cit, p. 203.
397
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Ação Católica Brasileira
(ACB).
398
Id. Ibid.
399
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Alceu Amoroso Lima.
1935, Pedro Ernesto e Anísio Teixeira eram chamados abertamente de comunistas e desagregadores da sociedade
brasileira.
É importante salientar que chamar alguém de comunista trazia implícita a acusação de ateísmo. Para os
católicos, qualquer um que se opusesse ao ensino religioso e defendesse a escola laica era suspeito de ateísmo, sendo
comunista ou filo-comunista. Tais acusações podem ser entendidas como uma estratégia de jogar a opinião pública
contra aqueles que estavam delimitando o antes irrestrito poder religioso nas instituições educacionais.
O surgimento da Universidade do Distrito Federal, nas mesmas bases laicas e com a presença de vários
professores assumidamente simpáticos ao PCB e à Aliança Nacional Libertadora, foi o estopim para que os católicos
concluíssem a necessidade de eliminar imediatamente o prefeito da política municipal, já que ele demonstrava total
desalinhamento em relação aos interesses e necessidades da Igreja Católica.
Após a Intentona Comunista e a repressão política que se seguiu, com o aumento do autoritarismo e do
centralismo por parte do governo federal, a administração alternativa de Pedro Ernesto sofreu um golpe definitivo.
Vários colaboradores do prefeito foram acusados de participação no movimento aliancista, sendo presos ou tendo
que fugir para evitar que isso ocorresse. Este foi o caso de Anísio Teixeira, que pediu demissão – dessa vez, aceita
pelo prefeito – e fugiu para o interior da Bahia, seu estado natal.
A entrada de Francisco Campos no lugar de Anísio Teixeira, como novo secretário municipal de educação,
teve o intuito de desmantelar a obra de seu antecessor, alinhar o projeto educacional municipal ao levado a cabo pelo
governo federal – e também pela Igreja Católica – e contribuir para a minar as bases de sustentação do prefeito Pedro
Ernesto.400
Campos, finalmente, colocou em prática, no início de 1936, a obrigatoriedade do ensino religioso nas
escolas cariocas,401 encerrando o intenso combate entre autoridades municipais e Igreja Católica, que já durava
alguns anos, dando vitória final aos católicos. O prefeito, derrotado não só politicamente, mas também
ideologicamente, viria a ser preso em abril de 1936, não mais retornando ao cargo que ocupou por mais de 4 anos.
A consciência da importância de dominar a educação como meio de controlar a ideologia social fez com
que, alguns anos mais tarde, surgissem duas universidades emblemáticas nesse sentido: a Universidade do Brasil –
atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, organizada pelo governo federal, e a Pontifícia Universidade
Católica (PUC), símbolo maior do ingresso da Igreja Católica no ensino superior. A PUC tem, até hoje, disciplinas
religiosas obrigatórias na grade de seus cursos de graduação.

3.2.2 Pedro Ernesto contra o autoritarismo e o integralismo

Para a historiadora Maria Cecília Spina Forjaz, a Ação Integralista Brasileira, assim como a Aliança
Nacional Libertadora, foi uma forma de representação das camadas médias urbanas. Forjaz caracteriza esses dois

400
Nunes, op. cit.
401
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Francisco Campos.
movimentos pela rápida e intensa mobilização, pelo caráter nacional – pela primeira vez no Brasil movimentos
assumiram âmbito nacional significativo e não apenas importância regional – e pelo radicalismo ideológico.402
A mesma historiadora afirma ainda que a AIB se definia mais pela oposição ao liberalismo e ao comunismo
do que pela afirmação de princípios independentes.403 O discurso da Ação Integralista Brasileira era voltado
prioritariamente para as classes médias e seu sucesso é demonstrado pela sua composição social, que era
majoritariamente constituída por grupos médios urbanos que, inclusive, ocupavam cargos de chefia no movimento.
Uma explicação para essa adesão maciça de camadas médias da população ao Integralismo é o
posicionamento anticomunista da AIB, que era visto com bons olhos pelos grupos médios reacionários que temiam a
organização, cada vez melhor articulada, de setores operários e o crescimento da adesão dos trabalhadores urbanos
ao comunismo. Para os grupos médios, as mudanças profundas que o comunismo pregava trazia o medo de perder
suas conquistas materiais, fomentando essa postura reacionária.
Para Forjaz, o clima político, no início da década de 1930, era de consciência de que uma crise ocorria.
Havia uma noção da necessidade de mudança, o ceticismo diante do liberalismo e uma inquietação sobre o futuro. O
liberalismo era criticado tanto pela esquerda como pela direita, que pregavam a mudança, embora discordassem
sobre a forma disso ocorrer.404 Daí provém o crescimento do fascismo e do comunismo, cada um oferecendo uma
alternativa para superar a crise liberal que deu origem a uma recessão generalizada.
Hélgio Trindade complementa dizendo que o antiliberalismo, o autoritarismo e o fascismo se fortaleceram
diante da “incapacidade das democracias liberais em fazerem frente à ameaça socialista”.405 É imprescindível, para
que entendamos o Integralismo, percebermos o contexto nacional e internacional que influenciou sua criação.
O centenário da independência do Brasil, em 1922, completou seu primeiro centenário trazendo consigo a
necessidade de uma avaliação completa do país cem anos depois da separação de Portugal. Nesse contexto, a década
de 1920 foi marcada pela tentativa de implementação de reformas e do almejo por mudanças. Ocorreram os levantes
tenentistas, a fundação do PCB, a criação do Centro Dom Vital, a Semana de Arte Moderna; enfim, uma série de
transformações sacudiu a sociedade brasileira.
A crise de 1929, iniciada nos EUA e propagada pelas mais diversas regiões do globo, fortaleceu os
movimentos que pregavam o autoritarismo e o centralismo como as melhores alternativas para o desenvolvimento
das nações. Com o capitalismo em crise e diante da Revolução Russa, ocorrida pouco mais de uma década antes, o
medo da ascensão do comunismo foi fundamental para a adesão de milhares de pessoas aos movimentos de extrema
direita – principalmente as classes médias, historicamente com tendências mais conservadoras do que
progressistas.406

402
Maria Cecília Spina Forjaz, Tenentismo e forças armadas na Revolução de 1930, Forense Universitária, 1ª
Edição, 1989, Rio de Janeiro, p. 37.
403
Id. Ibid.
404
Forjaz, op. cit., p. 40.
405
Hélgio Trindade, Integralismo – o fascismo brasileiro da década de 1930, 2ª ed., 1979, Difel, SP/RJ, p. 99.
406
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Integralismo.
Os principais ideólogos da direita autoritária no Brasil foram Azevedo Amaral, Alberto Torres e Oliveira
Viana, este último, inclusive, participante ativo do governo Vargas durante a ditadura do Estado Novo. Eles
propuseram a reformulação da política num viés antiliberal.407
Sendo o movimento de 1930 auto-intitulado liberal-democrático, os defensores do autoritarismo trataram de
se posicionarem numa posição neutra, sem atacar diretamente o novo governo, mas, ao mesmo tempo, criticavam a
falta de uma ideologia definida e de um rumo específico a ser tomado para os anos seguintes.408
Durante o governo provisório, Plínio Salgado chegou a defender Vargas e o governo inconstitucional que
vigorava – o que lhe valeu o apedrejamento do escritório onde escrevia seus panfletos por militantes do movimento
constitucionalista de São Paulo409 –, mas logo que decretadas as eleições para a constituinte, o apoio do líder
integralista ao presidente esfriou – embora não tenha se transformado em oposição. Salgado tratou de organizar a
Ação Integralista Brasileira, com o objetivo de atingir sua meta de um país com o Estado forte e combater com todas
as forças o liberalismo e o comunismo, que para ele eram doutrinas que só enfraqueciam a nação.
Entre as várias organizações que antecederam a Ação Integralista Brasileira, talvez a mais importante tenha
sido a Legião Cearense do Trabalho, criada por Severino Sombra410 logo após o movimento de 1930, com a
organização burocrática e os princípios que inspirariam a criação da AIB pouco tempo depois. Em 07/10/1932, foi
publicado nos jornais um manifesto lançando a AIB como um movimento político independente.
O líder era Plínio Salgado, nacionalmente a figura mais importante do Integralismo. No Rio de Janeiro, o
principal líder foi o médico baiano Belmiro Valverde, que entrou no Integralismo no início de 1933 e, em 1936,
tornou-se membro do Conselho Supremo da AIB. Ele foi apontado como o responsável pela Intentona Integralista de
1938 – embora acusá-lo possa ter sido uma alternativa sem êxito de salvar Plínio Salgado da prisão.411
Trindade, em seus estudos, é mais específico do que Forjaz ao apontar os meios onde o Integralismo obteve
maior infiltração. As camadas médias atingidas seria a média burguesia dos profissionais liberais e os oficiais das
forças armadas – classe média superior – e a pequena burguesia dos pequenos proprietários urbanos, rurais e os
burocratas dos setores públicos e privados – classe média inferior.412 A organização do Integralismo partia de uma
disciplina rígida, de um indispensável respeito pela hierarquia e da militarização de seus membros.
O jargão “Deus, pátria e família” constituiu a base da ideologia da AIB, claramente conservadora. Nele
estão embutidas idéias nacionalistas e religiosas que contribuíram para a boa relação que o Integralismo estabeleceu
com a Igreja Católica e o governo federal. A análise das críticas feitas pelos integralistas ao liberalismo e ao
comunismo serve para compreendermos melhor os valores da AIB.

407
Trindade, op. cit., p. 98.
408
Trindade, op. cit., p. 99.
409
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Plínio Salgado.
410
A Legião Cearense do Trabalho (LCT) foi criada em 1931. Ela obteve a adesão de 15 mil cearenses e de 40
organizações operárias daquele estado. Ficou conhecida nas principais capitais do país depois que Alceu Amoroso
Lima escreveu um artigo no jornal A Razão realçando a capacidade organizativa de Sombra e enfatizando a grande
proporção adquirida pela LCT, considerada o organismo mais importante dentre os vários que antecederam a criação
da Ação Integralista Brasileira (AIB). Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital,
verbete Severino Sombra.
411
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Revolta Integralista.
412
Trindade, op. cit., p. 131.
Um dos pontos mais frisados foi o espiritualismo, defendido em oposição ao materialismo. Para os
integralistas, o liberalismo coloca o homem contra seus semelhantes. O trabalho é sagrado, já que é uma cooperação
do homem com Deus, mas deve ser praticado em favor da família, da pátria e da sociedade. A palavra-chave era
aperfeiçoamento, já que somente a partir do trabalho e do fortalecimento dos vínculos familiares de todos é que a
sociedade seria aperfeiçoada.413
A crítica principal do Integralismo, pelo menos inicialmente, não era contra o comunismo e sim contra o
liberalismo. Eles culpavam a ideologia liberal pelo crescimento que o comunismo havia obtido dentro da sociedade.
O comunismo só passou a ser o principal adversário quando a ideologia liberal já parecia decadente e o
comunismo se fortalecia como uma alternativa para a sociedade, assim como o Integralismo. Dessa forma, foi criada
uma polarização ideológica em que, de um lado, estava a Ação Integralista Brasileira e, de outro, os comunistas.
Os integralistas consideravam o comunismo uma ideologia fragmentária do século XIX, que não atendia às
demandas da sociedade brasileira e que estava longe de possuir as prerrogativas necessárias ao desenvolvimento do
país, enquanto o Integralismo sim possuía uma doutrina moderna e inovadora.414 Além disso, o comunismo era
considerado tão materialista quando o liberalismo, já que também tinha como principal preocupação o sistema
econômico e não a espiritualidade. Aliás, a ausência de espiritualidade era representada pelo ateísmo comunista, que
era considerado inimigo da família, de Deus e da pátria – este último porque o comunismo era um movimento que
privilegiava o internacionalismo e não o patriotismo e o nacionalismo.415
Dessa forma, o comunismo se tornou o grande rival dos militantes da AIB, que aterrorizavam a população
dizendo que, caso o comunismo chegasse ao poder, as pessoas não teriam nem casa nem família, que a sociedade
entraria em caos sem os valores religiosos e morais e que todos perderiam o que haviam conquistado através do
trabalho.416
O radicalismo da esquerda e da direita, num momento de crescente polarização ideológica, forçava a todos
tomarem uma posição a favor de um ou outro grupo. Pedro Ernesto, que tinha pretensões de se aproximar dos setores
populares, foi logo criticado e visto como um político a favor dos comunistas.
Sua postura democrática, mantendo em seu governo colaboradores assumidamente comunistas e nomeando
para a Universidade do Distrito Federal professores partidários de da ideologia de Prestes, aumentou ainda mais as
críticas sofridas. Soma-se a isso a defesa do ensino laico e a oposição ao ensino religioso obrigatório. Pedro Ernesto,
que se dizia um democrata, procurou assumir uma neutralidade pela qual não era bem vista numa época de
polarização ideológica, até porque suas atitudes democratas batiam de frente com o ideário autoritário integralista, o
que, por exclusão, o lançava para o outro grupo: o da Aliança Nacional Libertadora – o pensamento que vigorava na
época era simples: quem não estava de um lado, estava do outro.
O autoritarismo cresceu, principalmente a partir de 1935. Em abril foi aprovada a Lei de Segurança
Nacional417 (LSN), dando margem ao fechamento de organizações que estivessem supostamente ferindo a segurança

413
Trindade, op. cit., p. 147.
414
Trindade, op. cit., p. 250.
415
É interessante perceber que as acusações eram bem parecidas às desferidas contra os anarquistas durante a
República Velha.
416
Trindade, op. cit., p. 252.
417
Em 04/04/1935.
da nação. O governo de Getúlio Vargas, que contava com várias figuras que defendiam o uso da força para
estabelecer a “ordem”, como Góis Monteiro e Felinto Muller, começava a articular o aumento do poder do governo
federal e o enfraquecimento de grupos e instituições que pudessem atrapalhar a manutenção de Vargas na
presidência.
Sobre o autoritarismo, Michael Conniff afirma que sua justificação global sempre é “preservar a
coletividade de algum perigo imediato não percebido pelos cidadãos”.418 E, naquele momento, os princípios
comunistas e aliancistas eram mais perigosos para o presidente do que o ideário autoritário da Ação Integralista
Brasileira. Conniff demonstra que a repressão política já era crescente mesmo antes das perseguições aos acusados
de participação na Intentona. Já em setembro de 1934 “os escritórios dos trabalhadores de padaria, motoristas,
marceneiros e ferroviários tinham sido invadidos pela polícia [liderada por Felinto Muller], e os arquivos desses
sindicatos, confiscados”.419
Em suma, Muller utilizava cada vez mais métodos violentos para “intimidar os adversários de Vargas
durante 1934 e início de 1935 (...). Por essa e outras razões, Pedro Ernesto opunha-se decididamente a Muller e a
outros, em especial ao general Góis Monteiro”.420
A postura anti-autoritária de Pedro Ernesto, além de ser percebida na análise de suas ações na prefeitura,
fica óbvio quando observamos seus discursos. Na campanha eleitoral de 1934, ele foi categórico:

Serei, no governo, uma garantia à democracia.


Serei, no governo, uma garantia aos vossos direitos. Serei,
no governo, uma consciência vigilante pelas reivindicações
populares (...). É o próprio direito de fazer em governo
popular, democrático e humano, que está em risco de cair,
no Brasil (...). Contra tal investida, fascista ou integralista,
que ameaça os direitos fundamentais do povo brasileiro,
temos que nos afirmar, não para contrariar esse movimento
com outro movimento subversivo, mas para assegurar e
garantir as liberdades (...)421

É importante perceber que Pedro Ernesto teve a preocupação de dizer que não era a favor de qualquer
movimento subversivo, procurando colocar-se também contra qualquer tipo de insurreição. No discurso de posse
como prefeito eleito, ele inclusive criticou ambos os “radicalismos contemporâneos, seja de direita ou de
esquerda”.422
Porém, percebemos também que sua preocupação era maior em relação ao Integralismo, já que as idéias
defendidas pela AIB refletiam exatamente o contrário dos princípios democráticos do prefeito. Ao que parece, o
maior temor de Pedro Ernesto era em relação ao autoritarismo e supressão das instituições democráticas do país.

418
Conniff, op. cit., p. 182.
419
Conniff, op. cit., p. 185.
420
Conniff, op. cit., p. 186.
421
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 880.
422
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, folheto PEB 5f.
Portanto, é lógico que Pedro Ernesto tinha maior simpatia pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), apesar de não
ter aderido a ela. Isso é perfeitamente entendível quando analisamos as origens da ANL e notamos que ela foi
fundada para ser um organismo que congregasse pessoas das mais variadas ideologias, com o objetivo de combater o
autoritarismo e fazer frente ao Integralismo. Portanto, apesar de contar com a presença de comunistas, a Aliança
Nacional Libertadora não era uma organização comunista.423
Após a vitória nas eleições municipais, já no discurso de posse, Pedro Ernesto reafirmou seus valores
democráticos, posicionando-se novamente contrário ao ideário autoritário-conservador. O prefeito disse que, em seu
governo, haveria sempre “uma rigorosa liberdade de palavra e imprensa” e que nenhum obstáculo seria posto à livre
circulação de idéias.424 Alguns dias depois voltou a discursar, na ocasião de uma homenagem recebida, apontando o
Integralismo como uma barreira aos direitos, liberdades e reivindicações populares.425
Podemos dizer que, em meados de 1935, havia uma clara definição política: de um lado o Integralismo, que
tinha a simpatia da Igreja, dos setores mais autoritários do exército e do governo federal; de outro a Aliança Nacional
Libertadora, com o apoio de social-democratas, liberais, trabalhadores, comunistas e de Pedro Ernesto – que, apesar
de continuar tentando manter uma postura independente, se opunha incisivamente ao Integralismo e tinha vários
amigos dentro da ANL. Dessa forma, ficou clara a oposição entre Vargas, que caminhava para o autoritarismo, e
Pedro Ernesto, que defendia seus interesses democráticos, com medo de que o fechamento do regime prejudicasse
sua estratégia política junto aos trabalhadores.

3.2.3 As esquerdas e 1935 e suas relações com Pedro Ernesto

Compartilhamos da mesma opinião de Sarmento sobre a postura de Pedro Ernesto diante da Aliança
Nacional Libertadora. Apesar da clara simpatia do prefeito em relação a ANL, é difícil precisar as reais relações que
ele possuía com os aliancistas.426 Embora tenha cedido o Teatro João Caetano para uma assembléia da ANL – um
dos argumentos usados pela acusação no processo movido no Tribunal de Segurança Nacional contra o prefeito427 –,
isso definitivamente não prova um envolvimento mais efetivo do líder municipal com a Aliança Nacional
Libertadora, já que Pedro Ernesto costumava ceder o teatro para reuniões e eventos das mais diversas naturezas.
Embora mantivesse um diálogo com alguns ex-tenentes integrantes do movimento, parece claro que o
prefeito sempre esteve a uma certa distância do núcleo organizativo da ANL. Enquanto, de um lado, alguns de seus
inimigos não tinham dúvidas quanto à adesão de Pedro Ernesto à Aliança Nacional Libertadora, de outro, também
Prestes e outros membros da ANL por um bom tempo viram o prefeito como um aliado em potencial. Já para o
presidente, Pedro Ernesto revelou que suas conversas com Eliezer Magalhães tinham o intuito apenas de sondar os
planos aliancistas e contar a Vargas qualquer fato que parecesse ameaçar o líder da nação.428 Pedro Ernesto,

423
Segundo o depoimento prestado por Augusto Amaral Peixoto ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV, e
confirmado por John W. F. Dulles, Anarquistas e comunistas no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1973.
424
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, folheto PEB 5f.
425
Nunes, op. cit., p. 114.
426
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., p. 233.
427
Processo nº 1 do Tribunal de Segurança Nacional.
428
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., p. 233.
inclusive, foi o responsável pelo aviso recebido pelo presidente da República sobre a ocorrência do levante aliancista
no Rio de Janeiro429, o que foi confirmado por diversas autoridades, como, por exemplo, o tenente-coronel Zenóbio
da Costa430 e o ex-ministro Antunes Maciel.431
Ao analisar o caminho traçado por Pedro Ernesto após a impressionante votação recebida nas eleições
municipais, compreendemos que a aproximação estabelecida com a ANL não tinha o intuito de apoiar qualquer
revolução ou medidas de caráter comunista, até porque, mesmo se optasse pelo apoio ao comunismo, dificilmente o
prefeito seria o líder de um possível governo pós-revolucionário. Os líderes comunistas já tinham suas lideranças
consolidadas. Caso de, por exemplo, o mais importante de todos: Luís Carlos Prestes.
Era mais interessante para o prefeito levar à frente seu projeto político de aproximação com os trabalhadores
e as classes populares, estratégia que até o momento estava sendo vitoriosa, dada a popularidade alcançada por Pedro
Ernesto. Logo, seus interesses junto à ANL podem ser expressos por dois objetivos principais: primeiro, de se
contrapor ao autoritarismo que significaria sua derrota política – visto que a Aliança era uma frente anti-fascista;
segundo, de estabelecer com os setores menos radicais da ANL – principalmente os social-democratas – uma relação
que garantisse ao prefeito o apoio que ele necessitava para continuar com sua escalada política, já que seu partido
estava fragmentado e ele sofria pressões políticas de diversos grupos.
Ainda havia outra questão que afastava Pedro Ernesto de uma adesão oficial à Aliança: ele não tinha
qualquer intenção de estabelecer relações com o PCB, ainda mais diante das críticas que vinha recebendo dando
conta de que ele era comunista. É preciso lembrar que, com o passar dos meses, cada vez mais o PCB adquiria maior
influência dentro da Aliança Nacional Libertadora.
A adesão do PCB à ANL se deveu à orientação de Moscou para a formação de uma frente popular
internacional antifascista. Foi preconizado, inclusive, o alinhamento dos comunistas aos social-democratas – que
sempre foram muito criticados pelos comunistas –, aos elementos liberais da burguesia e até a alguns grupos
conservadores. O objetivo era fazer uma frente, de todos que partilhassem a posição antifascista, para deter o avanço
da extrema-direita e do autoritarismo reacionário. Essa deliberação foi trazida para o Brasil, em 1934, pelo então
secretário geral do PCB, o ex-sargento Antônio Maciel Bonfim – conhecido como pela alcunha de “Miranda”.432
No final de 1934, o PCB tinha cerca de 5 mil membros que iniciaram uma intensa discussão sobre a forma
pela qual seria estabelecida essa frente proposta pelos soviéticos. Porém, a criação da ANL pelo tenente Herculino
Cascardo, com o mesmo ideal antifascista, ofereceu a oportunidade para que os comunistas concluíssem seus
projetos. Prestes definiu a Aliança Nacional Libertadora como a continuação da obra tenentista da década de 1920433,
herdeira de Siqueira Campos, Joaquim Távora, Cleto Campello, Janson de Mello, Djalma Dutra, e outros tantos.434 O
“cavaleiro da esperança” desprezava o tenentismo do início da década de 1930, representado pelo Clube 3 de
Outubro, e considerava que somente naquele momento que era estabelecida uma continuidade dos ideais tenentistas

429
Carta de Pedro Ernesto ao presidente da República, anexa aos autos do processo enfrentado pelo prefeito. CPDOC
– FGV, Arquivo Pedro Ernesto.
430
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 596.
431
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 597.
432
John W. F. Dulles, Anarquistas e comunistas no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1973, p. 418.
433
Dulles, op. cit., p. 419.
434
Divulgado pelo A Platéa, 06/07/1935.
da década anterior. Diante da ameaça que o Integralismo representava e da necessidade de obediência às deliberações
de Moscou, a adesão do PCB à ANL aconteceu com naturalidade.
As primeiras impressões de Prestes tinham razão de ser, já que o fundador da Aliança Nacional Libertadora,
Herculino Cascardo435, também tinha a intenção de dar continuidade ao ideário tenentista. Ernani Amaral Peixoto
confirma a meta de Cascardo:

Quanto à ANL, a idéia comunista não era geral


entre seus organizadores. O Cascardo não era comunista,
prova disso é que ele me convidou, a mim e ao meu irmão
[Augusto Amaral Peixoto], para entrar na Aliança.
Era uma continuação do tenentismo. Até foi
funcionar no mesmo lugar onde funcionava o Clube 3 de
Outubro. O Cascardo queria dar um sentido de continuidade,
mas depois ele foi cercado por muitos elementos de
esquerda.436

O filho de Pedro Ernesto, Odilon Batista, assumidamente comunista, é outro que reforça a idéia de que
Cascardo não era comunista. Para Batista, Cascardo apenas chefiou uma “ala do Clube 3 de Outubro que tendeu mais
para a esquerda, não necessariamente se tornando comunista”. Ele disse ainda que seu pai tinha simpatia pela
Aliança Nacional Libertadora, mas não aderiu a ela, tendo, inclusive, criticado bastante a sectarização da ANL.437
O engenheiro Tomás Pompeu Borges, que ingressou na Aliança Nacional Libertadora no fim de abril de
1935, confirma que no momento de sua entrada havia muitos, dentro da ANL, que não eram do PCB ou que, apesar
de serem partidários da doutrina comunista, se posicionavam contra qualquer tipo de radicalização. Segundo Borges,
nesse grupo anti-radical estavam os professores Hermes Lima, Leônidas Resende e Castro Rebelo – que fizeram
parte da administração Pedro Ernesto.438
A ascensão comunista dentro da ANL teve um momento-símbolo. Numa reunião realizada, no início de
1935, no Teatro João Caetano, o jovem líder estudantil Carlos Lacerda – filho do ex-deputado trabalhista Maurício
de Lacerda – pediu a palavra e lançou o nome de Luís Carlos Prestes como presidente de honra da Aliança Nacional
Libertadora. Nesse instante foram levantadas faixas em várias partes do teatro, o que demonstrou que a proposta não
surgira de maneira espontânea, mas que tinha sido articulada pelos comunistas. O nome do “cavaleiro da esperança”
recebeu uma significativa aclamação por boa parte dos presentes, o que foi decisivo para a homologação da proposta
de Lacerda.439

435
Cascardo foi o principal idealizador. Ele fundou a ANL juntamente com Carlos da Costa Leite, Francisco Moésia
Rolim, Neno Canabarro Lucas, Antônio Rollemberg, Trifino Correia, entre outros. Dicionário Histórico Biográfico
Brasileiro, CPDOC – FGV, edição digital, verbete Carlos da Costa Leite.
436
Entrevista de Ernani Amaral Peixoto ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
437
Entrevista de Odilon Batista ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
438
Entrevista de Tomás Pompeu Borges ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
439
Para mais detalhes, ver Dulles, op. cit.
Augusto Amaral Peixoto revela que Cascardo, na qualidade de fundador da ANL, se viu pressionado pela
situação e aceitou o que os integrantes haviam definido – mesmo não compartilhando da opinião de seus
companheiros. Cascardo teria contado a Amaral Peixoto que, se fosse contra a opinião da maioria, estaria assumindo
uma postura autoritária e de acordo com os princípios de seus inimigos da AIB.440
Após algumas semanas, Prestes enviou uma carta de adesão à ANL e recebeu o título de presidente de honra
do movimento, o que consagrou a forte influência comunista dentro da Aliança Nacional Libertadora. Se, por um
lado, a iniciativa de Prestes foi um grande estímulo para a adesão de comunistas que ainda viam com desconfiança a
organização fundada por Cascardo, por outro lado a entrada dele no movimento assustou muitos social-democratas e
conservadores, que estavam na ANL por considerá-la um veículo antagônico à extrema-direita, mas que não queriam
militar numa organização liderada por elementos comunistas.
Isso pesou na posição tomada pelo prefeito, que tinha uma certa simpatia pelos princípios democráticos da
ANL, mas que não queria ter seu nome associado ao de Luís Carlos Prestes, porque daria motivos para que seus
inimigos continuassem a chamá-lo de comunista e poderia prejudicá-lo junto ao presidente do país.
Vargas, adotando cada vez mais uma postura autoritária, acompanhava atenciosamente o desenvolvimento
da Aliança Nacional Libertadora, esperando o momento de enquadrá-la na Lei de Segurança Nacional, que tinha sido
aprovada nos primeiros dias de abril de 1935.
Em 5 de julho, nas comemorações pelos 11 e 13 anos das revoltas tenentistas do Rio de Janeiro e de São
Paulo, respectivamente, Carlos Lacerda leu um manifesto escrito por Prestes em que o líder comunista abusou do uso
de palavras de ordem e propôs ações radicais ao movimento aliancista. Herculino Cascardo e a maioria dos
integrantes do diretório nacional da ANL se colocaram contra a leitura desse texto. Cascardo inclusive se negou a
comparecer à assembléia. Nessa assembléia comemorativa foi definitivamente ratificada a grande influência
comunista dentro do movimento aliancista.441
Prestes iniciou o manifesto afirmando que o país estava mais unificado pelo “sofrimento, pela miséria e pela
humilhação em que vegeta, do que por uma unidade nacional, impossível nas condições semicoloniais e
semifeudais” em que se encontrava. Prestes também aproveitou para atacar enfaticamente o governo de Getúlio
Vargas:

Os trabalhadores de todo o Brasil demonstram,


através de lutas sucessivas, que já não podem mais suportar
e nem querem mais se submeter ao governo em
decomposição de Vargas e seus asseclas nos Estados. Além
disso, os cinco últimos anos deram uma grande experiência
a todos em que no Brasil tiveram de suportar e sofrer a
malabarista e nojenta dominação getuliana. E esses cinco
anos de manobras e traições, de contradanças de homens do
poder, de situacionistas que passam a oposicionistas e vice-
versa, de inimigos “irreconciliáveis” que se abraçam,
cinicamente, sobre os cadáveres ainda quentes dos lutadores

440
Entrevista de Augusto Amaral Peixoto ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
441
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC – FGV, edição digital, verbete Herculino Cascardo.
de 1922, abriram os olhos de muita gente. Onde estão as
promessas de 1930? Que diferença entre o que se dizia e se
prometia em 1930 e a tremenda realidade já vivida nestes
cinco anos getulianos!442

Prestes ainda chamou o Integralismo de “fotografia da podridão”, alertou para uma possível “ditadura
fascista”, e definiu o momento vivido como o de uma situação de dois pólos definidos: “os libertadores do Brasil, de
um lado, e os traidores, a serviço do imperialismo, do outro”. O mais interessante é que o líder comunista criticou
ferrenhamente os social-democratas – que tinham muitos representantes dentro da ANL –, chamando-os de
“hipócritas”, ao mesmo tempo em que disse orgulhar-se por ser a ANL “uma vasta e ampla organização de frente
única nacional”. Uma atitude paradoxal, já que, ao mesmo tempo em que se alegrava pela amplitude e vastidão do
movimento, criava atrito com grupos que apoiavam a Aliança Nacional Libertadora.
O “cavaleiro da esperança” encerrou seu manifesto enumerando alguns objetivos a serem alcançados, tais
como a nacionalização de todos serviços públicos , o não-pagamento da dívida externa, a diminuição da influência da
Igreja Católica nas questões do Estado e, finalmente, encerrou conclamando os trabalhadores para a revolução com a
frase: “todo o poder à Aliança Nacional Libertadora”.443
As reações às palavras de Prestes foram imediatas. Pedro Ernesto, ainda no dia anterior a esse
pronunciamento, ao saber pelo seu amigo Eliezer Magalhães o teor do discurso que seria lido, imediatamente proibiu
o uso do Teatro João Caetano.444 No dia seguinte, poucas horas antes do evento, o jornal O Globo noticiou que:

(...) a prefeitura, resolvera vedar, de agora em


diante, a realização de quaesquer [sic] meetings de caráter
político em que se ataquem os poderes constituídos do país
ou o regimen [sic] em que vivemos, e onde se preguem a
subversão e a queda das instituições tradicionais do
Brasil.445

Diante da negativa da prefeitura em relação ao teatro, a liderança da ANL pediu para o prefeito a cessão de
um local onde costumeiramente aconteciam feiras de amostras, mas novamente Pedro Ernesto negou. Nota-se que o
chefe municipal estava contrariado pelas críticas que seriam feitas à social-democracia, e também pelo o fato dele
não querer de forma alguma ser vinculado às palavras que seriam pronunciadas por Prestes, por intermédio de Carlos
Lacerda. No dia seguinte, a ANL enviou uma nota de desaprovação à atitude do prefeito, chamando-o de uma “força
reacionária, mobilizada contra o civilismo brasileiro”.446

442
Divulgado pelo A Platéa, 06/07/1935.
443
Divulgado pelo A Platéa, 06/07/1935.
444
Mário Bulhões Pedreira, Razões de Defesa do Dr. Pedro Ernesto Baptista, 1937, p. 30.
445
O Globo, 06/07/1935.
446
Id., ibid.
Logo, se por um lado Pedro Ernesto procurou fazer um papel que agradasse ao presidente Vargas e, de certa
forma, livrasse o prefeito de eventuais acusações de cooperação com o radicalismo de Prestes; por outro, a atitude de
Pedro Ernesto despertou a ira de muitos comunistas, inclusive a de Luís Carlos Prestes.
O interessante é que a relação conflituosa de Pedro Ernesto com as lideranças da Aliança Nacional
Libertadora não influenciou a popularidade do prefeito com sindicatos e trabalhadores comunistas e aliancistas.
Convém lembrar que, na mesma época desse episódio do cancelamento da autorização do uso do Teatro João
Caetano, a União Trabalhista do Distrito Federal funcionava já há 2 meses e o prefeito havia a pouco tempo
assumido a prefeitura na qualidade de prefeito eleito. A popularidade de Pedro Ernesto e a visão de benfeitor do
povo que os trabalhadores tinham dele não foi abalada nem pelas criticas feitas pelo prefeito ao Integralismo, nem
pelo seu posicionamento à margem do PCB e da ANL – logo, Pedro Ernesto se apoiava somente em suas práticas
populistas.
Isso se deu porque o prefeito sabia muito bem cultivar o apoio popular, como aconteceu, por exemplo, no
chamado “caso da gasolina”. Em julho de 1935, companhias estrangeiras, que forneciam gasolina para o Distrito
Federal, pressionaram as autoridades federais e municipais em prol de um aumento do preço dos combustíveis.
Enquanto se criou um impasse entre os políticos brasileiros, Pedro Ernesto se posicionou rapidamente e
enfaticamente contra qualquer tipo de aumento. Como, alguns dias antes, ele proibira a ANL de fazer sua assembléia
em propriedades municipais – a melhor decisão no momento, mas que poderia afetar seu prestígio junto aos
trabalhadores de esquerda –, era necessária uma ação que proporcionasse a Pedro Ernesto “posar de nacionalista,
defensor dos sindicatos e prefeito ativista”.447
Unidas em prol do objetivo comum, a Standard Oil, a Caloric, a Anglo-Mexican, a Atlantic e a Texaco
resolveram aumentar em 9% o preço da gasolina, o que causou o protesto de donos de postos, levando muitos a até
pararem de vender o combustível. O problema era grave já que, de 1932 a 1935, o consumo da gasolina havia
aumentado 1.000%.448
No mês seguinte, as companhias estrangeiras ofereceram a Pedro Ernesto um cheque em branco como
suborno, para que ele mudasse de posição. Pedro Ernesto exibiu o cheque publicamente antes de rasgá-lo, numa cena
categórica para atrair os aplausos dos trabalhadores.
O governo federal, intervindo no impasse, nomeou Valentin Bouças449 – amigo pessoal de Vargas – para
avaliar a situação e dar seu parecer. O representante do presidente enfatizou a vulnerável posição comercial do Brasil
em relação a Estados Unidos e Inglaterra e se manifestou contra a proposta do sindicato dos motoristas de importar
gasolina da Rússia, dizendo que tal decisão poderia provocar uma retaliação comercial dos países capitalistas.

447
Conniff, op. cit., p. 192.
448
Conniff, op. cit., p. 191.
449
Bouças havia sido vendedor da National Cash Register Co., de 1912 a 1915, representante da Boston Belting Co.,
de 1915 a 1917, e representante da Internacional Business Machines (IBM), de 1917 a 1949, o que mostra seu
comprometimento com empresas estrangeiras e, logo, torna perceptível o posicionamento tomado por Vargas no
“caso da gasolina”. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC – FGV, edição digital, verbete Valentin
Bouças.
Apesar de defender o ponto de vista das empresas estrangeiras, Bouças preferiu não dar um veredicto a
favor delas, optando por dizer que cabia ao prefeito dar a última palavra.450 Essa atitude foi amplamente benéfica
para Pedro Ernesto, que, não só se viu fortalecido, como também percebeu que o apoio popular que recebera –
principalmente depois de exibir publicamente a prova do suborno oferecido – intimidou o governo federal a tomar
uma posição contrária à sua decisão. O prefeito constatou que sua aproximação com os trabalhadores era realmente
uma boa estratégia para obter independência política e fazer frente ao autoritarismo varguista.
O desfecho da situação da gasolina foi emblemático: Pedro Ernesto se definiu pela importação da gasolina
russa, revelando isso durante um discurso no sindicato dos motoristas, organização liderada por comunistas. Esse
evento convenceu muitos – inclusive políticos do Partido Autonomista – de que o prefeito “havia se inclinado
excessivamente para a esquerda ao cortejar a classe trabalhadora, pondo em risco sua liderança”.451 Porém, diante do
sucesso da atuação do prefeito, não houve quem levantasse a voz para criticá-lo publicamente.
Eis outro exemplo da popularidade que Pedro Ernesto dispunha, no fim do terceiro trimestre de 1935, entre
os comunistas: depois de um boato sobre um possível atentado que seria operado contra o prefeito durante uma
parada que ocorreria em Vila Isabel, vários trabalhadores comunistas se mobilizaram na defesa do prefeito. No dia
30 de setembro de 1935, dia da parada, a polícia encontrou material bélico, conforme noticiou o Diário da Noite no
dia seguinte. A manchete perguntava em letras garrafais: “queriam assassinar o sr. Pedro Ernesto?”; e a reportagem
comunicava que “comunistas presos em Vila Isabel disseram que o material bélico seria para a proteção de Pedro
Ernesto, que seria atraído por integralistas na parada que lá de realizava, para depois ser assassinado”.452
O presidente de honra da ANL, ao contrário de seus correligionários populares, via Pedro Ernesto com
desconfiança. Em alguns momentos, ele parecia crer num eventual apoio do prefeito carioca. Isso se devia às criticas
do chefe municipal ao Integralismo e à simpatia que ele parecia ter em relação à ANL. Além disso, Eliezer
Magalhães dizia ser uma questão de tempo convencer o prefeito a militar na Aliança Nacional Libertadora.453
Em outros momentos, Prestes suspeitava de que Pedro Ernesto era uma ameaça, já que seu relacionamento
com os trabalhadores era um empecilho à mobilização dos mesmos para a revolução comunista. Algumas situações:
a negação da cessão do Teatro João Caetano para a assembléia da ANL de 6 de julho; o fato de o prefeito ter avisado
a Vargas da ocorrência da Intentona no Rio de Janeiro; e a aceitação passiva da intervenção federal na prefeitura,
simbolizada pela a entrada de Francisco Campo na secretaria de educação, formaram a opinião definitiva de Prestes
sobre o prefeito da capital federal. Numa carta enviada a Honório de Freitas Guimarães454, datada de 13 de fevereiro
de 1936, Luís Carlos Prestes revelou o que pensava do prefeito, falando da necessidade em “desmascarar a
demagogia de Pedro Ernesto.” Disse ainda que “este não podemos absolutamente atacar de frente, mas devemos
utilizar todas as oportunidades para fazer com que o próprio povo o possa praticamente julgar”.455

450
Conniff, op. cit., p. 193.
451
Id. Ibid.
452
Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite, 01/10/1935.
453
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 592.
454
Honório de Freitas Guimarães era dos líderes do PCB e também participante ativo da Aliança Nacional
Libertadora.
455
Carta anexa aos autos do Processo nº 1 do Tribunal de Segurança Nacional. CPDOC – FGV, Arquivo Pedro
Ernesto.
Talvez, se não fosse a presença de Prestes na ANL, seriam maiores as chances de cooperação de Pedro
Ernesto com esse movimento. Assim como, se Prestes não tivesse escrito palavras tão radicais em seu discurso,
talvez a vida da ANL na legalidade tivesse sido maior. O certo é que o desenrolar dos acontecimentos de julho de
1935 foram trágicos para os aliancistas e magnânimos para os integralistas e para os homens do governo federal que
eram defensores do autoritarismo. Vargas, com base na Lei de Segurança Nacional, fechou, em 11 de julho, a ANL –
que passou a atuar na ilegalidade –, cinco dias após a leitura do manifesto de Prestes.
Enquanto, em São Paulo, Caio Prado Júnior e Miguel Costa lideraram uma marcha de protesto ao
fechamento da Aliança Nacional Libertadora, contanto com 500 manifestantes456, no Rio de Janeiro Pedro Ernesto se
posicionou contra o fechamento da ANL, em discurso proferido no sindicato dos motoristas. Na mesma ocasião, o
prefeito classificou o fascismo e o movimento integralista como repressivos e reacionários. Isso aumentou ainda
mais a irritação que Felinto Muller, a Ação Integralista Brasileira e os setores mais autoritários do exército e do
governo federal tinham em relação a ele.457
Embora tivesse suas diferenças com os líderes da ANL, Pedro Ernesto entendia que, com o fechamento da
Aliança Nacional Libertadora, o Integralismo ganharia mais força, o que era ruim para o prefeito, que era um
defensor da democracia e da liberdade de pensamento e que, principalmente, temia que o aumento do autoritarismo
prejudicasse sua estratégia de aproximação com os trabalhadores.
Para o filho do prefeito, Odilon Batista, a postura de Prestes foi fundamental para o fechamento da ANL.
Muitos anos depois, Batista criticou o “cavaleiro da esperança”: o ex-militante comunista não só reclamou da
posição “isolacionista” adotada por Prestes em 1930, mas também criticou duramente o radicalismo e as palavras de
ordem usadas por ele em 1935. Para Batista, as atitudes do líder comunista prejudicaram a ANL tanto em julho,
ocasionando o seu fechamento, como nos levantes fracassados de novembro. Batista considerou a Intentona uma
“tenentada”, “um erro”, que “deu margem ao crescimento da repressão”.458
Essa repressão, que vinha aumentando desde o final de 1934, se intensificou ao longo do ano seguinte.
Mesmo assim, acreditando que o momento era propício, logo após o fechamento da ANL, em julho, seus líderes
começaram a articular uma revolta de dimensões nacionais com o objetivo de chegar ao poder. Mas o que se viu
foram revoltas completamente desarticuladas, desorganizadas, que resultaram numa derrota humilhante para
aliancistas e comunistas.
No levante ocorrido em Natal, no dia 23, os insurretos chegaram a tomar o poder durante meros 4 dias. Em
Recife, depois de 2 dias de lutas – 24 e 25 de novembro –, o governo obteve a vitória. Já na capital federal a derrota
foi ainda mais acachapante, ocorrendo poucas horas depois da deflagração do movimento, no dia 27. O apoio obtido
foi bem menor do que o esperado. Um símbolo da falta de organização da Intentona foi a reclamação do principal
dirigente comunista do nordeste, Cristiano Cordeiro, que afirmou sequer ter sido informado dos detalhes dos
levantes.
Segundo as pesquisas de John W. F. Dulles, o representante enviado pelo PCB a Moscou, Fernando de
Lacerda, disse aos soviéticos, em agosto de 1935, que milhões de brasileiros se reuniam em torno da Aliança

456
Dulles, op. cit., p. 421.
457
Lustosa, op. cit., p. 26.
458
Entrevista de Odilon Batista ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
Nacional Libertadora. Para Dulles, houve uma precipitação e uma apreensão errada da situação da sociedade
brasileira. Dessa forma, os movimentos de novembro acabaram ocorrendo “num momento muito pouco oportuno”.459
Sarmento comenta que, após o levante de 1935, “assumiram papéis preponderantes na cena política nacional
homens como Góis Monteiro e Felinto Muller. A consolidação desse novo perfil, que passava a caracterizar o
governo federal, colocou Vargas num pólo oposto ao que norteava a ação do prefeito do Distrito Federal”.460
Os levantes ocorridos no Rio de Janeiro, em Natal e na cidade de Recife, deram margem para que Vargas
desse continuidade à sua escalada autoritária. Foi decretado o Estado de Sítio e, com base na Lei de Segurança
Nacional (LSN), iniciou-se uma verdadeira perseguição a todo e qualquer elemento considerado de esquerda. O
governo federal aproveitou a instabilidade para se fortalecer e eliminar seus inimigos políticos e quem mais que
pudesse se tornar uma ameaça para a ditadura.461
As “atividades subversivas” ou que pusessem em risco a “segurança nacional” não eram especificados
claramente na LSN, o que possibilitou a homens como Felinto Muller e Góis Monteiro interpretarem, de acordo com
seus interesses, quem poderia ser enquadrado nessa lei. Divergentes politicamente de Pedro Ernesto, essas duas
figuras, além de outros governistas defensores do autoritarismo e da permanência de Vargas, iniciaram uma
verdadeira perseguição a muitos homens de confiança de Pedro Ernesto, entre os quais estava Anísio Teixeira.462
A Intentona, seguida da perseguição desses participantes do governo municipal, deixaram Pedro Ernesto
numa situação muito difícil. Além de perder muitos colaboradores que, ou foram presos, ou fugiram, o prefeito teve
que brecar sua política de aproximação com os trabalhadores, foi praticamente obrigado a aceitar a presença de
Francisco Campos na pasta de educação do município, e passou a conviver com a ameaça real de perder não só seu
mandato, mas também sua liberdade.
Sem o apoio de seu fragmentado partido, distante de Vargas e impossibilitado de continuar mantendo laços
com sindicatos e associações trabalhistas – o que poderia levá-lo a uma acusação formal de participação na Intentona
–, Pedro Ernesto perdeu definitivamente sua base de sustentação política.
Entre as acusações que Pedro Ernesto veio a receber estava a de subvencionar o jornal aliancista A
463
Manhã. O relatório do delegado Belens Porto, responsável pela investigação sobre a revolta ocorrida na cidade do
Rio de Janeiro, relata que o prefeito teria “com os dinheiros públicos, ajudado a manter um órgão inimigo do
governo”. Porém, tal acusação não foi levada a juízo já que a defesa facilmente provou que a única ligação do
prefeito com esse periódico foi um empréstimo, nas normas da lei, de 60 contos de réis, de um amigo seu ao jornal.

459
Dulles, op. cit, p. 425.
460
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., p. 201.
461
Nunes, op. cit., p. 118.
462
Nunes, op. cit., p. 110.
463
Um dos colaboradores do jornal A Manhã era o professor Hermes Lima, diretor da Faculdade de Direito da
Universidade do Distrito Federal. Foi mais um dos muitos amigos e colaboradores de Pedro Ernesto que foram
presos – sob a acusação de participação nas revoltas aliancistas de novembro –, o que desmantelou a estrutura
administrativa da prefeitura e deu margem para que os inimigos do prefeito o acusassem de estar protegendo
elementos comunistas. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC – FGV, edição digital, verbete Hermes
Lima.
Inclusive, na época dessa transação, Vargas foi informado pessoalmente por Pedro Ernesto e não se opôs a essa
movimentação financeira.464
Outro ponto importante na defesa de Pedro Ernesto é que o jornal A Manhã fez apenas algumas referências
a Pedro Ernesto, mas sempre em pequenas notas, sem dar à administração municipal uma importância digna de quem
seria, por exemplo, um eventual colaborador ou um militante importante. As poucas e diminutas reportagens apenas
comentam algumas medidas da prefeitura, umas vezes elogiando, outras criticando.
Pela nossa análise, o objetivo principal do A Manhã era a divulgação do ideário antifascista, dando
preferência a reportagens que criticavam não só a Ação Integralista Brasileira, como também o movimento fascista
italiano e o nazismo alemão. Enquanto os demais periódicos se referiam a Hitler e Mussolini como importantes
chefes de Estado, o jornal aliancista era o único que criticava fortemente esses homens.
Analisando as edições de maio de 1935, por exemplo, encontramos uma enorme manchete chamando Hitler
de “o homem monstro”465 – criticando a participação infantil em organizações nazistas – e várias reportagens
ridicularizando os integralistas.466
O interessante é que, embora todos os outros jornais tenham repercutido a fundação da União Trabalhista do
Distrito Federal, o A Manhã simplesmente não tocou no assunto. Por se tratar de um jornal militante, isso pode ser
entendido como uma estratégia de não dar popularidade a organizações que fugissem à esfera de comando da ANL,
ainda mais tendo sido a UTDF um órgão atrelado a uma autoridade municipal. Essa percepção só reforça a idéia de
que a UTDF era mesmo um órgão que fazia parte da estratégia de Pedro Ernesto de procurar o apoio popular
independentemente da ANL e do PCB, numa cooperação direta entre poder público e trabalhadores – embora
saibamos que, no decorrer do tempo, elementos comunistas acabaram por ingressar na União Trabalhista.
Diante das acusações que eclodiram após os levantes de novembro, Pedro Ernesto optou por ficar calado e
esperar que o momento difícil passasse. Segundo Michael Conniff, por vários dias houve até boatos de que Pedro
Ernesto poderia renunciar.467 Mas isso não veio a ocorrer já que, mesmo com o desmantelamento de seu governo e
sua desestruturação política, o prefeito só deixou o cargo quando foi preso, no início de abril do ano seguinte.
O interessante é perceber que diante de uma atmosfera política tenebrosa, Pedro Ernesto ainda teve forças
para uma tentativa de rearticulação de sua estratégia política, no início de 1936. Isabel Lustosa afirma que o prefeito
procurou reconquistar seu prestígio junto às elites do Estado.468 O bom relacionamento com a Associação Brasileira
de Imprensa (ABI) – para a qual doou o terreno onde foi construída a sede dessa associação – e com a comunidade
portuguesa da cidade – cujo terreno onde foi construído o Clube Ginástico Português também foi doado por Pedro
Ernesto – era imprescindível na tentativa de o prefeito restabelecer uma base de apoio ao seu governo.

464
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 590.
465
Biblioteca Nacional, periódico A Manhã, 13/05/1935.
466
Biblioteca Nacional, periódico A Manhã, 14/05/1935.
467
Conniff, op. cit., p. 197.
468
Isabel Lustosa, As Trapaças da Sorte - pequeno relato das circunstâncias que resultaram na prisão do prefeito
Pedro Ernesto, à luz das experiências de Maquiavel e Tocqueville, Série Textos de Trabalho / FCRB, Rio de Janeiro,
v. 02, 1994, p. 28.
Lustosa ainda fala sobre as relações cordiais que Pedro Ernesto mantinha com os Guinle469 e com o
deputado Pereira Carneiro.470 Para o dia em que acabou se efetivando a prisão do prefeito, 4 de abril, o prefeito havia
planejado o que chamou de “jantar das classes conservadoras”, que teria as participações dos mencionados acima,
além do jornalista Herbert Moses e dos governadores do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e de Sergipe,
respectivamente Flores da Cunha, Nereu Ramos e Eronides de Carvalho. O jantar acabou não se realizando, mas o
convite a pessoas de tamanha importância política deixa claro que Pedro Ernesto já estava num momento de plena
rearticulação de forças. É necessário um destaque especial para o convite a Flores da Cunha, homem de
personalidade forte, que se constituía numa ameaça a Vargas não só por se tratar de um governador do estratégico
Estado do Rio Grande do Sul471, mas também por ser ele um desafeto de Góis Monteiro.472
Conniff lembra ainda dois momentos importantes na tentativa de Pedro Ernesto de se erguer politicamente.
Primeiro, o brasilianista atribui a Pedro Ernesto as matérias pagas, divulgadas em vários jornais da capital federal,
que sugeriam um plebiscito para escolher o sucessor de Vargas.473 Com tal atitude, Pedro Ernesto tinha o intuito de
pressionar contra um eventual fechamento do regime, de fazer uma campanha pela manutenção da democracia e, ao
mesmo tempo, de procurar conseguir apoio popular – já que, num plebiscito, muito provavelmente seu nome estaria
entre os mais citados, dada a popularidade que o prefeito tinha.
O outro ponto abordado por Conniff pode ser entendido como uma última tentativa de Pedro Ernesto em
salvar seu Partido Autonomista de uma fragmentação definitiva. Em março de 1936, ou seja, um mês antes de sua
prisão, ele anunciou uma reorganização do PADF, lançando um programa liberal mais atrativo aos setores médios da
população.474 Nota-se que, nesse momento, o prefeito procurou manter certa distância dos trabalhadores, logicamente
por medo de que seus inimigos criassem uma associação entre a proximidade dele com sindicatos e a Intentona
Comunista de meses atrás. Ciente da situação vivida no país, Pedro Ernesto sabia que todo cuidado era pouco.
O novo programa do PADF tinha caráter democrático e o objetivo era que os setores médios aderissem a ele
em oposição à tendência ditatorial de Vargas.475 Justamente poucos dias depois foram encontrados papéis, no cofre
da casa de Prestes, dando conta de uma possível relação de Pedro Ernesto com elementos participantes da

469
Família famosa e poderosa da cidade, que era dona de muitos empreendimentos, entre os quais o Copacabana
Palace. Os Guinle também foram os principais investidores no jogo, prática que esteve legalizada na cidade do Rio
de Janeiro durante cerca de 1 ano, sendo proibida duas semanas depois da prisão de Pedro Ernesto. Biblioteca
Nacional, periódico Diário de Notícias, 05/05/1936.
470
Jornalista, deputado constituinte em 1934 e deputado federal de 1935 a 1937. Pereira Carneiro era um homem de
negócios, de posses, e que tinha uma série de investimentos no Distrito Federal. O interessante é que Pereira
Carneiro era defensor do ensino religioso obrigatório – o que prova que num momento de dificuldade, Pedro Ernesto
esqueceu diferenças ideológicas em prol da necessidade de se rearticular politicamente. Portanto, ao contrário do que
afirmou o Diário da Noite, no dia seguinte da morte do ex-prefeito, em 12/08/1942, Pedro Ernesto não era ingênuo e
fazia parte sim do que o jornal chamou de “família multiforme e vária do ‘anthropos politikon’”, que muda de
postura de acordo com a situação política.
471
Estado de onde vinha Vargas e que tinha um poder político significativo nas questões políticas nacionais. A
Frente Gaúcha chegou a congregar uma grande quantidade de políticos gaúchos de importância nacional e que tinha
por objetivo agir em grupo para a obtenção de suas demandas. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC -
FGV, edição digital, verbete Frente Única Gaúcha.
472
É importante lembrar que Góis Monteiro acusou Flores da Cunha como o responsável pelo seu pedido de
demissão do cargo de Ministro da Guerra, o que ocorrera menos de um ano antes, em 7 de maio de 1935.
473
Conniff, op. cit., p. 197.
474
Conniff, op. cit., p. 196.
Intentona.476 A prisão do prefeito foi o golpe de misericórdia contra um homem que, mesmo derrotado
ideologicamente e tendo seus colaboradores perseguidos, ainda encontrou forças para tentar um contragolpe. Pedro
Ernesto, prefeito legitimamente eleito pelo voto popular, deixou o governo no dia 4 de abril de 1935, para nunca
mais voltar ao cargo.
As metas traçadas pela ANL não foram atingidas. Até hoje ainda são discutidos os motivos e os eventuais
responsáveis pelo fracasso. Entre os historiadores, o consenso que parece existir é de que houve uma precipitação na
deflagração da Intentona, seja pela imaturidade dos dirigentes da ANL, por uma articulação deficiente, pela
radicalização intempestiva, por uma leitura equivocada da situação política nacional, pela ocorrência de problemas
imponderáveis de ordem prática no momento dos levantes, ou por todos esses motivos juntos.
O certo é que os levantes de novembro tiveram um efeito contrário, fortalecendo o governo federal, que
justificou o uso da força como necessário para a manutenção da ordem e da integridade das instituições do país.
Vargas criou uma guerra no front interno e utilizou a estratégia que Bourdieu chamou de “medo de ser contra”.477As
situações de guerra exigem quase sempre o estabelecimento de uma polarização ideológica maniqueísta: quem não
estivesse com o “governo defensor do país”, estaria com “os inimigos da nação”. A titubeação no apoio ao governo
já tornava o cidadão suscetível a ser preso, já que estava em vigência o Estado de Sítio e a Lei de Segurança
Nacional.
Os meses seguintes à chamada Intentona Comunista mostraram conseqüências cruéis para os erros
cometidos pelos aliancistas. O autoritarismo cresceu, até culminar na ditadura do Estado Novo, e os movimentos
sociais democráticos foram pouco a pouso sendo desmantelados: alguns encerraram suas atividades espontaneamente
com medo da repressão, outros tiveram seus líderes presos, e outros ainda sofreram intervenções federais ou foram
fechados à força.
Pedro Ernesto, homem popular, bom articulador político, de postura independente e que levava à frente um
projeto político diferente do colocado em prática pelo governo federal, se tornava cada vez mais uma ameaça para o
presidente Vargas. O presidente não podia, de forma alguma, aceitar a defesa efusiva da social-democracia num
momento em que seu único objetivo era aumentar seus poderes; e menos ainda aceitar um forte concorrente na busca
pelo apoio dos trabalhadores. Só poderia haver um “pai dos pobres” e este não poderia ser Pedro Ernesto e sim
Vargas, daí a necessidade de eliminar politicamente o prefeito carioca.

3.2.4 Julgamento tendencioso

O prefeito estava sendo atacado em várias frentes. Além do processo que o acusava de envolvimento na
Intentona Comunista, que tramitava no Tribunal de Segurança Nacional, Pedro Ernesto também foi acusado de
corrupção em sua administração na prefeitura do Rio de Janeiro, o que era mais uma ofensiva de seus inimigos na
intenção de não apenas eliminá-lo da política carioca, como também de manchar sua imagem. Pedro Ernesto, para
minimizar as acusações desse processo, que corria na 9ª Vara Criminal, declarou que a câmara municipal tinha

475
Id. Ibid.
476
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Pedro Ernesto.
477
Pierre Bourdieu, O poder simbólico, Lisboa/Rio de Janeiro, Difel/Bertrand Brasil, 1989, p. 201.
autonomia para julgá-lo e declarou estar interessado caso tivessem havido na prefeitura quaisquer ações de infração à
lei.478
Já no relatório do delegado Eurico Bellens Porto, relativo ao processo que se instalaria no Tribunal de
Segurança Nacional479, havia alusões à documentação apreendida pela polícia em março de 1936 na residência de
Luís Carlos Prestes. Havia várias correspondências entre Prestes e Ilvo Meirelles480 citando Pedro Ernesto pelos
pseudônimos de Sá, Sá Ferreira e Moreno, além de rascunhos de duas cartas supostamente enviadas por Prestes ao
prefeito carioca.
As cartas de Ilvo Meirelles faziam referência a uma reunião que teria ocorrido entre Pedro Ernesto e os
generais Cristóvão Barcellos, Manuel Rabelo e o tenente-coronel Newton Estilllac Leal, na qual o prefeito teria
revelado sua concordância com o programa da Aliança Nacional Libertadora e admitido seu apoio à insurreição
preparada por Prestes. Tudo isso acabou sendo negado por Rabelo, Barcellos e Estilllac Leal, mas mesmo assim
continuou no inquérito como prova substancial contra o prefeito.481
Eliezer Magalhães, membro da ANL e amigo pessoal de Pedro Ernesto, também veio em defesa do prefeito.
Ele declarou, em carta a Felinto Muller, serem falsas as informações transmitidas de Ilvo Meirelles a Luís Carlos
Prestes. Eliezer482 disse ter sido o elemento designado por líderes comunistas para tentar convencer Pedro Ernesto a
aderir à ANL, repassando suas impressões para Meirelles. Diante da negativa do prefeito, mas acreditando que o
convenceria com o tempo, passou a dar informações otimistas a Meirelles, a fim de infundir ânimo entre seus
companheiros.483
A mesma informação já havia sido transmitida a Pedro Ernesto por um dos irmãos de Eliezer, Jurandyr
Magalhães. Em carta enviada ao prefeito, ainda nos primeiros dias em que este se encontrava na prisão, Jurandyr
pediu calma a Pedro Ernesto e disse que seria uma questão de tempo provar que “os comunistas envolvem nomes de
poderosos para dar credibilidade à sua causa”.484
Eliezer ainda acrescentou que “Pedro Ernesto sempre e sempre se mostrou disposto a ficar dentro de seu
partido (...), fugindo sempre e declaradamente de qualquer participação na campanha da Aliança”.485 Os advogados
de Pedro Ernesto, Mário Bulhões Pedreira, Jorge Severiano e Miguel Timponi486, revelaram muita insatisfação por
essas evidências irem a juízo mesmo com a declaração de Eliezer. Juracy Magalhães, governador da Bahia, fez coro
com os advogados, revelando uma conversa que havia tido com Felinto Muller, em que este o havia garantido que
bastava uma carta de Eliezer esclarecendo os fatos para que o prefeito recebesse liberdade, o que não aconteceu. Os

478
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 576.
479
O relatório policial do delegado Bellens Porto foi encaminhado para o Ministério Público e o procurador Himalaia
Virgolino fez a denúncia contra Pedro Ernesto, dando início ao processo.
480
Ilvo Meirelles era pernambucano. Formou-se em medicina. Ele era o tesoureiro do PCB.
481
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Pedro Ernesto.
482
Chamaremos cada um dos irmãos Magalhães pelo primeiro nome a partir de agora, já que faremos várias
referências aos três daqui em diante.
483
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 592.
484
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 580.
485
Mário Bulhões Pedreira, Razões de Defesa do Dr. Pedro Ernesto Baptista, 1937, p. 80.
486
Amigo próximo de Pedro Ernesto. Ex- secretário de Interior e Segurança da Prefeitura do Rio de Janeiro.
advogados acrescentaram que nem mesmo a opinião do chefe de polícia “prevaleceu sobre os interesses misteriosos
que exigiam a detenção do prefeito”.487
O que complicou Pedro Ernesto foi também o depoimento de Costa Leite488, talvez o líder comunista mais
importante depois de Prestes, que revelou ter sido informado de que o prefeito fazia parte da conspiração. Apesar de
não ter falado com Pedro Ernesto pessoalmente, ele se pautou nas cartas escritas por Eliezer Magalhães. Para a
defesa, o depoimento de Costa Leite se tornava automaticamente inválido, uma vez que Eliezer admitiu ter
exagerado e até mentido nas cartas.
Outra acusação presente no inquérito era em relação aos rascunhos referentes às duas cartas de Prestes para
Pedro Ernesto. O prefeito confirmou ter recebido de Eliezer uma primeira carta, que levou imediatamente ao
conhecimento de Vargas e Felinto Muller. Sobre a segunda carta, na qual Prestes esboçava o plano de ação para a
tomada do poder, Pedro Ernesto afirmou não ter recebido. Eliezer, quando perguntado sobre essa outra carta, afirmou
tê-la recebido com a missão de entregar a Pedro Ernesto, mas diante da postura tomada pelo prefeito ao receber a
primeira carta, optou por não entregá-la.489
A defesa realçou a ausência de cartas de Pedro Ernesto a Prestes, dizendo que a relação entre os dois só se
estabeleceu em única direção: de Prestes para Pedro Ernesto, sem qualquer tipo de resposta. Além disso, os
advogados mostraram provas diversas do envio de cartas por parte dos comunistas a vários políticos importantes,
inclusive a membros do governo federal.490 A intenção era provar que os comunistas envolviam nomes de políticos
para animar seus correligionários ou para confundir a polícia. Há, inclusive, uma carta em que Ilvo Meirelles encerra
dizendo que “Belmiro Valverde mandou oferecer os préstimos”491, algo completamente absurdo, visto que Valverde
era o principal líder integralista no Rio de Janeiro.
As provas contra Pedro Ernesto eram tão pouco substanciais que seu advogado Miguel Timponi chegou a
enviar um bilhete ao seu cliente, em 15/06/1936, dizendo que a vitória era certa.492
Mas logo surgiram novas acusações contra o prefeito municipal. O inquérito do delegado Bellens Porto
dava conta de que a polícia municipal estava envolvida com seu efetivo na Intentona, inclusive tendo suprido
equipamentos e munição para os revoltosos. Essa acusação ratificava as preocupações demonstradas por Góis

487
Id. Ibid.
488
Carlos da Costa Leite foi um militar carioca que estudou na mesma turma de Luís Carlos Prestes, Eduardo Gomes
e Eduardo de Siqueira Campos na Escola Militar de Realengo, na turma que se formou em 1918. Participou do
movimento paulista de 1924. Assim como Prestes, Costa Leite não apoiou o movimento de outubro de 1930. Ele foi
um dos fundadores da ANL, fazendo parte do Diretório Nacional da mesma até seu fechamento por Vargas. Uma
carta de Prestes, datada de 14 de outubro de 1935, deu instruções ao Diretório Nacional da ANL colocando Costa
Leite como seu representante em todo o Brasil, especialmente nos estados da região sul de país. O nome dele
apareceu no Relatório Bellens Porto como o responsável pelo desvio de armas do exército para a ANL. Foi
denunciado pelo procurador Himalaia Virgolino e condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional, em maio de
1937, junto com Pedro Ernesto, a 3 anos e meio de prisão. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, CPDOC -
FGV, edição digital, verbete Costa Leite.
489
Ibid.
490
Entre os membros do governo que teriam recebido cartas dos comunistas estavam, por exemplo, o General
Cristóvão Barcellos e o Ministro Agamenon Magalhães. Este último foi Ministro do Trabalho, de 1934 a 1937, e da
Justiça, em 1937.
491
Pedreira et all, op. cit., p. 130.
492
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 598.
Monteiro, no momento da fundação dessa polícia, no início de 1935, de que essa nova força policial poderia vir a se
constituir uma ameaça ao governo federal.
Porém, logo que se tornou pública essa acusação, o tenente-coronel Euclides Zenóbio da Costa, Diretor de
Segurança da Prefeitura, fez uma declaração aos jornais contando que, na noite da Intentona no Rio de Janeiro,
surgiram boatos de que a polícia municipal estaria apoiando os revoltosos a mando de Pedro Ernesto. Ele disse que,
imediatamente, solicitou de um ministro de Vargas alguém de confiança para “verificar a existência de armamento
na sede [da polícia municipal] e se os guardas municipais estavam nos seus postos respectivos”.493 O coronel João
Bernardo Lobato Filho foi o designado para a averiguação. Ele verificou, pessoalmente, a inverdade dos boatos.
Timponi questionou a ocorrência desse fato para o coronel Lobato que não só confirmou o ocorrido como
também declarou que, depois da verificação, ele entrou em contato com Zenóbio da Costa, ouvindo deste que o
“prefeito havia dado ordens, nas últimas horas da tarde de 26 [de novembro], de pôr à disposição do Ministro da
Guerra toda a força policial do município”.494
O Diretor de Segurança do Distrito Federal resolveu, alguns dias depois, enviar uma carta ao delegado
Bellens Porto, defendendo Pedro Ernesto. Na carta, Zenóbio da Costa afirmou que, ao eclodir o movimento, além do
prefeito ter mandado que ele colocasse as forças municipais à serviço do governo federal, Pedro Ernesto ainda teria
dito que era um dever “defender o governo federal sem medir sacrifícios”495
O delegado recebeu e anexou aos autos a carta de Zenóbio da Costa. Porém, a autoridade policial não fez
nenhuma referência a ela em seu relatório e sequer chamou o Diretor de Segurança do Distrito Federal para prestar
depoimento. Zenóbio da Costa, assumidamente simpático ao integralismo, não parecia ter motivos políticos para
defender o prefeito – que era crítico da Ação Integralista.
O tenente-coronel Zenóbio da Costa, ao perceber que não se davam ouvidos às suas declarações, deu a
entender que Pedro Ernesto continuava preso apenas por motivo pessoal de algumas autoridades e criticou a forma
como a política estava sendo desenvolvida no país, dizendo: “(...) a política não me seduz; os homens passam por ela
sem fixação de credo ou de normas patrióticas de conduta”.496
Um outro ponto de discussão entre a defesa e a acusação foi a carta que Pedro Ernesto enviou a Vargas por
intermédio do Ministro da Justiça à época, Antunes Maciel.497 Através dessa correspondência o prefeito avisou ao
presidente a ocorrência do levante aliancista 24 horas antes da deflagração do movimento.
O teor desta carta nos faz questionar as reais intenções do prefeito ao comunicar tal fato ao presidente. É
claro que Pedro Ernesto já havia notado, pelo menos desde o final de 1934, a guinada de Vargas para o autoritarismo.
Também é perceptível que a administração do prefeito havia se voltado para uma política de maior inserção dos

493
Pedreira et all, op. cit., p. 135.
494
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 614.
495
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 596.
496
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 596.
497
Gaúcho de Pelotas, também participante da Força Única Gaúcha, frente de poderosos do Rio Grande do Sul que
pretendiam defender os interesses de seu Estado na política nacional. A situação de Antunes Maciel no Governo
Vargas por várias vezes ficou incômoda, já que ele era ao mesmo tempo aliado do presidente e de Flores da Cunha,
desafeto de Vargas. Foi Ministro da Justiça de 1º de novembro de 1932 até 24 de julho de 1934. Dicionário Histórico
Biográfico Brasileiro, CPDOC - FGV, edição digital, verbete Antunes Maciel.
trabalhadores no meio político, com Pedro Ernesto se apresentando como o líder destes. Então, se estavam em lados
opostos, a princípio é estranho compreender a atitude de Pedro Ernesto.
Conniff crê na hipótese de que Vargas ludibriou Pedro Ernesto. Para o brasilianista, o prefeito acreditava
que o presidente guardava simpatias pela esquerda, o que viria a público logo que Vargas achasse conveniente. As
pressões de setores autoritários do governo seriam a causa para a centralização apresentada pelo regime e, logo que o
presidente não precisasse mais do apoio desse grupo, iria se unir ao prefeito na estratégia de se apoiar politicamente
nos setores populares. O presidente teria dito isso a Pedro Ernesto para continuar contando com a colaboração do
prefeito na atração dos trabalhadores para a órbita do governo.498
Essa hipótese é muito questionável e, até certo ponto, ingênua. Primeiro porque Pedro Ernesto era um
homem experimentado politicamente e conhecedor de Vargas e dos grupos que cercavam o governo federal.
Segundo, porque é difícil de acreditar que uma guinada tão decisiva rumo ao autoritarismo se tivesse efetivado
somente pela vontade suprema de grupos de influência, hipótese que retira do presidente toda e qualquer iniciativa,
como se ele fosse uma mera marionete nas mãos de outros.
Além disso, mesmo se Vargas estivesse ludibriado Pedro Ernesto, a recíproca também seria verdadeira, já
que Pedro Ernesto claramente buscava independência política e se aproximava não só dos setores trabalhistas, mas
também de grupos social-democratas e de aliancistas que não fossem radicais. Portanto, o prefeito cortejava o apoio
do presidente, mas ao mesmo tempo buscava fortalecer e ampliar o poder político com outras alianças.
A carta escrita para o presidente, em nossa opinião, teria o mesmo objetivo da proibição da assembléia
aliancista de 5 de julho em propriedades municipais: servir como prova cabal para desvincular definitivamente o
prefeito do comunismo. Mesmo não tendo ligações diretas com os líderes da ANL – que já eram, desde julho, a
maioria comunista –, era público e notório a simpatia que Pedro Ernesto tinha em relação ao antifascismo e alguns
princípios democráticos da Aliança.
Ao perceber a dominação comunista na ANL – e, com pavor de ser acusado de cúmplice e acabar sendo
perseguido em caso de fracasso da Intentona – hipótese que já estava fortalecida, diante das derrotas aliancistas em
Natal e no Recife – , o prefeito julgou mais prudente avisar o presidente e se posicionar como um amigo fiel e de
confiança. Isso encerraria as acusações que ele vinha sofrendo de adesão ao comunismo e protegeria seu cargo,
dando-lhe a possibilidade de continuar seus projetos tais como a Universidade do Distrito Federal e, talvez, valer-lhe
a retomada da União Trabalhista que havia sido fechada por causa da infiltração comunista em sua seção cultural.
Porém a estratégia da carta não obteve o êxito desejado pelo prefeito. Seus inimigos viram a
correspondência somente como mais uma prova de que ele estava se relacionando com aliancistas e sabia das
intenções da ANL. A defesa se mostrou revoltada com esse posicionamento da acusação, defendeu a hipótese da
lealdade de Pedro Ernesto a Vargas e viu a carta como um ato heróico em prol da defesa da nação.499 Por motivos
políticos, a hipótese vitoriosa foi a defendida pela acusação.
Ns prisão, Pedro Ernesto escreveu ao presidente, que recebeu essa nova carta por intermédio do advogado
Miguel Timponi. O prefeito procurou se defender diante do presidente esclarecendo sua conduta:

498
Conniff, op. cit. p. 207.
499
Pedreira et all, op. cit., p. 91.
(...) todos meus atos com relação aos conspirados de
novembro eram do conhecimento de vossa excelência. Eu
levava ao seu conhecimento o contato que mantinha, as
pessoas que me procuravam, e dizia ser necessário entreter
essa situação afim de melhor observar. Tinha sempre uma
frase para vossa excelência: ‘eu não me entendo com pessoa
alguma do governo a não ser diretamente com vossa
excelência e no momento oportuno será vossa excelência
avisado’.
No dia 26 de novembro, às cinco e meia da tarde, dava eu o
aviso a vossa excelência (...). Não referia a vossa excelência
quem era o meu informante nem referia seu nome agora se o
próprio, por sua livre e espontânea vontade, não se tivesse
apresentado.
Era o Dr Eliezer Magalhães. Tinha de poupá-lo, ouvindo-o e
observando, para a defesa da pessoa e do governo de vossa
excelência.500

O aviso de Eliezer a Pedro Ernesto foi uma última tentativa da adesão do prefeito ao movimento. Eliezer
acreditava na vitória e pensava que, caso seu amigo não se juntasse à ANL, sofreria represálias se o movimento fosse
vitorioso. Pedro Ernesto, que se entretinha com os dois lados, fez o julgamento correto de que o levante não teria
tanta força e optou pelo aviso a Vargas. Porém, para não ser chamado de traidor da amizade de Eliezer, o prefeito fez
questão que contar que comunicou ao seu amigo que avisaria a Vargas do levante, mas que não diria a fonte da
informação.501
Com o silêncio de Vargas, Miguel Timponi procurou o ex-Ministro da Justiça, Antunes Maciel, a fim de
confirmar se ele havia mesmo sido o portador da carta de aviso ao presidente sobre o levante. Timponi enviou uma
correspondência a Antunes Maciel no dia 27 de maio de 1936, respondida 2 dias depois.502 O ex-ministro afirmou
que realmente Pedro Ernesto fez o aviso a Vargas e que o presidente deu ordens que foram repassadas ao prefeito
para que fosse colocada a polícia municipal sob as ordens do Ministro da Guerra503, o que, a julgar pelos
depoimentos do coronel Lobato Filho e do tenente-coronel Zenóbio da Costa, foram obedecidas pelo prefeito.
Antunes Maciel fez ainda uma importante declaração sobre o caso:

É certo que fui portador da carta cuja cópia vos devolvo,


rubricada em todas as suas páginas, dirigida ao Sr.
Presidente da República pelo referido Dr. Pedro Ernesto
Batista.
Também é certo que, posteriormente, tendo comunicado ao
Sr. Presidente da República que visitaria o Dr. Pedro
Ernesto, então recolhido ao Hospital da Penitência na
500
Carta de Pedro Ernesto a Getúlio Vargas. Documento junto aos autos. CPDOC – FGV, Arquivo Pedro Ernesto.
501
Pedreira et all, op. cit., p. 73.
502
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 597.
503
Nessa época, João Gomes, que estava no cargo desde abril, quando substituiu Góis Monteiro.
Tijuca, S. Excia. me disse que perguntasse ao mesmo Dr.
Pedro Ernesto se queria que aquela carta fosse encaminhada
ao Tribunal de Segurança Nacional, para efeitos de sua
defesa – o que fiz, tendo o Dr. Pedro Ernesto, desde logo,
aceito o espontâneo oferecimento.504

Porém, mais uma vez, Pedro Ernesto não foi beneficiado, com a carta sendo transviada e desaparecendo, o
que causou a revolta de Miguel Timponi: “o nobre intuito do Presidente da República, imprimindo ao documento o
cunho oficial de veracidade para o estabelecimento da verdade, não logrou objetivar-se!”.505 Cada vez mais a defesa
percebia a dificuldade que teria para inocentar o prefeito, por crer que existiam interesses políticos profundos em sua
condenação.
É difícil acreditar que a intenção do presidente era realmente de livrar Pedro Ernesto da cadeia. Se o
quisesse, Vargas teria feito alguma declaração pública ou até ter aceitado servir de testemunha, já que foi o principal
beneficiário pelo aviso do levante no Rio de Janeiro. O que parece mais provável é que Vargas teria mais uma vez
agido de acordo com um pensamento que, posto em frase, acabou sendo atribuída a ele, de que “na política não
existe amigo que não possa de tornar inimigo, nem inimigo que não possa de tornar amigo”.506
O “nobre intuito” ao qual o advogado de defesa se referiu, provavelmente foi um aceno de Vargas a Pedro
Ernesto para evitar um corte definitivo de relações entre os dois, tentando se esquivar de levar a culpa pela prisão do
prefeito. A estratégia de Vargas deu certo já que, mesmo preso, Pedro Ernesto continuou a elogiar o presidente –
esperando uma intervenção mais efetiva de Vargas em seu favor. As acusações de Timponi e dos demais advogados
de Pedro Ernesto passaram a se voltar mais para o tribunal e para abstratos “membros do governo interessados na
culpabilidade do prefeito”, evitando quaisquer referências ao maior líder da nação. As críticas do prefeito ao
presidente só viriam ocorrer após sua soltura, em setembro de 1937.
Outros itens que deram base à acusação foram a permissão de reuniões da ANL pelo prefeito e a licença
dada pela prefeitura para um funcionário comunista da Secretaria de Abastecimento Municipal viajar ao Estado de
Mato-Grosso.
Sobre a permissão às reuniões ANL, os advogados de Pedro Ernesto afirmaram que existiram reuniões de
diversas ideologias e credos que foram permitidas pelo prefeito, inclusive algumas da AIB. Em respeito à ANL, a
defesa provou que a única reunião aprovada pela prefeitura foi a de fevereiro, em que foi fundada a Aliança Nacional
Libertadora, no Teatro João Caetano, e lembrou da proibição estabelecida por Pedro Ernesto para a reunião do dia 5
de julho no mesmo teatro, reunião essa que tinha sido aprovada pelo chefe de polícia Felinto Muller.507

504
Declarações de Antunes Maciel. Documentação junto aos autos. FGV – CPDOC, Arquivo Pedro Ernesto.
505
Pedreira et all, op. cit., p. 71.
506
Talvez Getúlio Vargas nunca tenha dito tal frase – que aparece em livros de História voltados ao Ensino Médio a
fim de ilustrar para os alunos a postura política desse importante presidente –, mas é certo que tal frase se aplica
muito bem à relação entre Vargas e Pedro Ernesto.
507
Pedreira et all, op. cit., p. 28.
Em relação ao funcionário Agrícola508, a defesa alegou que nada tinha a ver o prefeito com o credo de seus
funcionários e que a licença dada para a viagem era comum e já havia beneficiado vários servidores municipais, sem
que o prefeito tivesse questionado a ideologia de cada um dos beneficiados.509
Timponi e seus colegas reclamavam não só da falta de provas, mas também da ausência de clareza nas
acusações. Em um trecho da defesa chegaram a afirmar que havia no processo “uma denúncia criminal sem o crime.
Não para explicar, mas para homologar”.510 Isso, segundo os mesmos, vinha desde o relatório policial, que “não
acusa, intriga; não positiva fatos para o libelo, mas alicia suspeitas para a maledicência”.511
Independente de Pedro Ernesto ter culpa ou não, a verdade é que os elementos colhidos pela oposição eram
realmente muito pouco substanciais para que a acusação obtivesse êxito. Porém, a aceitação do Ministério Público de
algumas provas julgadas inexpressivas e a forma como o julgamento ocorria dava a muitos a certeza de que
dificilmente Pedro Ernesto escaparia da condenação. A defesa não poupou críticas, comentando que era “estranhável
a subordinação do Ministério Público, instrumentalizando-se ao serviço de interesses ocultos e poderosos, para o
aniquilamento de uma grande expressão política (...)”.512 Timponi chegou a ironizar, dizendo que assistia a um
criminoso à procura de seu crime.
Fatos estranhos se seguiram no julgamento do prefeito carioca. O depoimento do tenente-coronel Estillac
Leal, colhido pelo delegado Belens Porto, segundo a defesa foi alterado de acordo com a intenção do delegado. Ao
tomar ciência disso, o próprio Estillac Leal foi a juízo para reclamar que seu depoimento fora “muito deformado,
aparecendo suas idéias truncadas”.513
O mais grave é que esse não foi um caso isolado. O general Cristóvão Barcellos, ao saber pelos jornais de
declarações atribuídas a ele, “imediatamente telegrafou ao General João Gomes, Ministro da Guerra, protestando
contra tais referências e solicitando uma completa investigação sobre o assunto”. Porém segundo o próprio Barcellos,
“nenhuma providência tomou o ministro até se retirar do ministério”. Barcellos ainda reiterou o pedido a outras
autoridades, com o fim de investigar o porquê de tais alterações, mas acabou desistindo porque compreendera que o
objetivo das autoridades era “fazer silêncio sobre a matéria”.514
Os dois depoimentos acima faziam reverências sobre a possível reunião que teria ocorrido entre Pedro
Ernesto e os generais Barcellos, Estillac Leal e Manoel Rabello, oportunidade em que o prefeito teria revelado sua
inserção na ANL e incitado eles a também ingressarem no movimento. Todos os envolvidos negaram que a reunião
tenha sido sobre a ANL.
Além de todas as acusações já mencionadas, os advogados da acusação ainda procuraram sustentar a
hipótese de que Pedro Ernesto estaria, desde dezembro, articulando um novo levante comunista. Para isso, contaram
com o testemunho do jornalista Raul Goulart, que mencionou ter recebido essa informação de uma senhora vestida

508
Não conseguimos obter o nome completo dele, mesmo tendo pesquisado com afinco. Ele não aparece na
bibliografia referente a Pedro Ernesto. Só obtivemos informações no CPDOC, FGV, mesmo assim as citações se
contentam em chamá-lo de Agrícola.
509
Pedreira et all, op. cit., p. 26.
510
Pedreira et all, op. cit., p. 21.
511
Pedreira et all, op. cit., p. 25.
512
Pedreira et all, op. cit., p. 26.
513
Depoimento do General Estillac Leal, nos autos do processo. CPDOC – FGV, Arquivo Pedro Ernesto.
514
Depoimento do General Cristóvão Barcellos, nos autos do processo. CPDOC – FGV, Arquivo Pedro Ernesto.
de preto, cujo nome não sabia, sendo para ele uma desconhecida. Perguntado pela defesa sobre um fato concreto em
que o prefeito tivesse prestado alguma forma de auxílio aos revoltosos, disse que tal mulher “limitou-se a essa
informação vaga, sem positivar fato algum”.515
Outra testemunha de acusação foi o diretor do Avante e redator do Correio da Manhã. Augusto Pamplona
mais pareceu ser testemunha de defesa, já que afirmou que “os militares conspiradores, para angariar simpatias
populares, envolviam propositadamente o nome de Pedro Ernesto e de outras figuras estimadas pela população”.
Pamplona, que fora um dos formadores do Partido Autonomista, revelou estar certo de que o prefeito não era
comunista e sim de orientação social-democrata.516
No resultado final, os membros do TSN ignoraram a carta enviada por Eliezer, argumentando que ela fora
enviada de muito longe e sem a presença física do mesmo; já a carta a Vargas, como vimos, desapareceu. Os
rascunhos das cartas de Prestes e os bilhetes de Ilvo Meirelles – ambos se referindo a Pedro Ernesto –, além da
viagem de Agrícola e a permissão do uso do Teatro João Caetano para a fundação da ANL foram argumentos
considerados comprovadores da culpabilidade do prefeito do Distrito Federal, mesmo diante de uma grande
quantidade de depoimentos a favor de Pedro Ernesto e da fragilidade das provas.
O fato é que, apesar de todos os questionamentos sobre a veracidade e seriedade das provas e do
julgamento, em 8 de maio de 1937 Pedro Ernesto foi julgado e condenado a três anos e quatro meses de prisão. As
lamentações dos amigos e dos advogados não pouparam críticas ao Tribunal de Segurança Nacional. Diante da
derrota as acusações e ao julgamento foram ainda incisivas, sem nenhum pudor. Timponi se referiu ao TSN como
sendo “criado para decidir a sorte dos que tentavam transformar as nossas instituições públicas, melhorando-as”; o
advogado complementou elogiando seu cliente e amigo como uma pessoa que tinha “amor ao público, traço
marcante do vosso governo, transformado pelos invejosos e inimigos gratuitos, em comunismo”.517
Bulhões Pedreira, outro advogado do prefeito, foi ainda mais enfático, deixando bem claro que a
condenação teria sido decidida antes mesmo de ser anunciada oficialmente:

Dos círculos oficiais chegavam até nós as informações


positivas sobre a condenação pré-determinada (...). Houve
mesmo certo órgão de imprensa diária que, vencendo a
censura, noticiou a condenação com dois dias de
antecedência.
Os membros do Tribunal desprezam a história. Servindo a
interesses, com abandono de princípios, noite alta,
clandestinamente, segregados na mais alta
incomunicabilidade, condenaram Pedro Ernesto com
argumentos que o absolvem.518

515
Depoimento de Raul Goulart, anexo aos autos. CPDOC – FGV, Arquivo Pedro Ernesto.
516
Depoimento de Augusto Pamplona, anexo aos autos. CPDOC – FGV, Arquivo Pedro Ernesto.
517
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 615.
518
Pedreira et all, op. cit., p. 11.
Os advogados ainda destacaram o fato de, no dia do resultado do julgamento, “grandes contingentes das
polícias civil e militar, infantes, cavalarianos e pelotões da brigada de choque da Polícia Especial, munidos de fuzis e
metralhadoras”, faziam a segurança do Tribunal, temendo alguma manifestação popular. Para a defesa, essa era a
maior prova da importância e popularidade de Pedro Ernesto e também do temor que o tribunal tinha sobre a própria
segurança, dado que a condenação já estava definida.519
Enquanto Conniff não se deu ao trabalho de analisar o julgamento de Pedro Ernesto porque, segundo ele, as
evidências apresentadas pela acusação não eram imparciais, já que “o principal motivo da prisão de Pedro Ernesto
era político”520, Isabel Lustosa romantizou exageradamente a história de Pedro Ernesto, dando o nome de “política e
ingratidão” ao curto capítulo que escreveu sobre o julgamento do prefeito. Mas, mesmo assim, a historiadora fez
questionamentos interessantes sobre o posicionamento de políticos ao longo do tempo em que o líder municipal
esteve preso. Ela fez uma coletânea de pessoas que eram amigas ou aliadas e haviam mudado rapidamente de lado.
Lustosa lembrou do padre Olímpio de Melo, que havia sido presidente da câmara municipal graças a Pedro
Ernesto, mas que tinha se tornado inimigo do prefeito. Melo pleiteou substituir o prefeito preso e, quando conseguiu
esse objetivo, passou a criticar seu sucessor ferrenhamente, inclusive omitindo o nome de Pedro Ernesto durante
inaugurações de obras iniciadas por ele.
Outro criticado por Lustosa foi o governador de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti521, que convidou o
prefeito do Rio de Janeiro para assistir sua posse em Recife, no início de 1935. Na ocasião, Cavalcanti fez questão de
elogiar a administração e Pedro Ernesto, aproveitando-se da imensa popularidade deste, porém, assim que Pedro
Ernesto foi preso, Cavalcanti mudou o tom e declarou: “é uma infâmia dizerem que tenho ligações com ele. É uma
vergonha que a capital da República tenha como governador um tipo desta espécie, desonesto e analfabeto”.522
Mas o principal questionamento levantado por Lustosa foi a razão de Vargas não ter defendido Pedro
Ernesto. Para ela, há duas explicações: uma atribui ao temor que Getúlio Vargas tinha de se indispor com seus
principais aliados, Dutra, Felinto Muller e, principalmente, Góis Monteiro, todos em desacordo com a política
democrática do prefeito do Distrito Federal, sendo que Góis Monteiro ainda tinha problemas pessoais com Pedro
Ernesto.523 Outra explicação atribui ao desejo do presidente em eliminar um possível forte concorrente político.524 O
mais provável é que a razão da atitude de Vargas seja a combinação das duas hipóteses levantadas acima. O certo é
que Pedro Ernesto continuou mantendo um tom amigável quando se referia ao presidente, não só por ainda ter

519
Pedreira et all, op. cit., p. 17.
520
Michael L. Conniff, Política urbana no Brasil: a ascensão do populismo, 1925-1945, Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 2006, p. 198.
521
Interventor federal em Pernambuco de 1930 à 1935, quando tomou posse como governador eleito do mesmo
estado.
522
Isabel Lustosa, As Trapaças da Sorte - pequeno relato das circunstâncias que resultaram na prisão do prefeito
Pedro Ernesto, à luz das experiências de Maquiavel e Tocqueville, Série Textos de Trabalho / FCRB, Rio de Janeiro,
v. 02, 1994, p. 29.
523
Góis Monteiro havia criticado publicamente a postura de Pedro Ernesto na prefeitura e Pedro Ernesto revidou
chamando-o de “revolucionário de última hora” – referindo-se a outubro de 1930. Antes disso, os dois já não se
davam bem. O conservador Góis Monteiro não via com bons olhos a existência de um tenente-civil e o prefeito tinha
muita desconfiança na demora de Monteiro em tomar uma posição política diante de situações tais como o
movimento de 1930 e a revolta constitucionalista de São Paulo, em 1932. CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto,
rolo 1, fot. 524.
524
Lustosa, op. cit., p. 31.
esperanças de um acordo político que representasse sua soltura, mas também pela estratégia política de não se
antagonizar a uma figura tão poderosa num momento em que estava numa posição bastante desfavorável.
Uma prova de que Pedro Ernesto poupara Vargas até a saída da prisão foi a declaração feita por ele em 24
de janeiro de 1937 ao Correio da Manhã:

(...) eu vou defender a minha obra em homenagem àqueles


que à aplaudiram, em consideração àqueles que, como o
senhor Presidente da República, contribuíram para a
execução da mesma, facilitando o meu trabalho,
estimulando-me com a sua aprovação.525

Somente após sua soltura, em 14 de setembro de 1937, é que Pedro Ernesto revelou publicamente, durante
um discurso para milhares de pessoas na Esplanada do Castelo, que Adalberto Corrêa, presidente da Comissão de
Repressão ao Comunismo, pedira ao Ministro Vicente Ráo526 sua prisão. O ministro discordara e, então, Corrêa fora
pedir o mesmo a Vargas, que prontamente se colocara de acordo com a prisão527, como dissemos, pela necessidade
de eliminar um possível concorrente e para agradar os membros autoritários de seu governo.

3.2.5 Depoimentos dos que estavam ao redor de Pedro Ernesto

É interessante analisar os discursos de alguns contemporâneos de Pedro Ernesto a fim de obtermos mais
informações sobre a forma de agir do ex-prefeito. Comecemos por Átila Soares, vereador do Partido Autonomista
responsável pela lei que assegurou a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas municipais cariocas.

Soares se mostrou convencido, assim como Augusto Amaral Peixoto, de que o problema de Pedro Ernesto
foi a grande influência exercida por Jones Rocha sobre ele. Ele citou a questão dos cassinos, que teria causado o
enriquecimento ilícito de Rocha, que fora nomeado por Pedro Ernesto para representar a fiscalização da prefeitura
nos mesmos. Fiscalização essa que, como vimos, foi muito criticada pelos jornais. O ex-vereador ainda afirmou que
o início de suas desavenças com o prefeito ocorreu quando este colocou Jones Rocha para a vaga do partido no
senado.
Dando prosseguimento ao seu depoimento, Átila Soares acusou Anísio Teixeira e Pedro Ernesto de irem
contra o ensino religioso e tentarem implantar o ensino comunista na capital federal. Soares disse que, apesar de
achar que o prefeito não era comunista, era “influenciado e fazia o jogo deles”, se tornando um “inocente útil”.528
No fim da entrevista, o ex-vereador faz repetidas acusações, como a de que Pedro Ernesto estava
defendendo os comunistas, que teriam se aproveitado da vaidade do prefeito para bajulá-lo a fim de obterem

525
Biblioteca Nacional, periódico Correio da Manhã, 24/01/1937.
526
Ministro da Justiça que sucedeu Antunes Maciel.
527
Biblioteca Nacional, periódico Jornal do Brasil, 13/05/1935.
528
Entrevista de Átila Soares ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
proteção. Encerrando, Átila Soares faz uma interessante afirmação, de que “Pedro Ernesto, no fundo, tinha um
objetivo: ser presidente da República. Ele nunca se manifestou abertamente, mas nós, que éramos companheiros,
sabíamos disso”.529
Outra entrevista bastante interessante foi a do filho do prefeito, Odilon Batista. Ele começou a entrevista
criticando o Clube 3 de Outubro como uma organização fascistóide, que empastelou o Diário Carioca por ser contra
o governo. Por outro lado, admite que todos que haviam participado do movimento de 1930 se sentiram satisfeitos
com tal empastelamento.
Batista confirma a péssima relação entre seu pai e Góis Monteiro, afirmando que isso se deu pelo fato do
general ser um homem muito autoritário, totalmente diferente de Pedro Ernesto. Batista conta ainda que ouviu várias
vezes discussões entre os dois, desde a época do movimento em 1930, em que seu pai teria dito a Góis Monteiro que
“ele sempre agia de maneira dúbia e agia niponicamente, sem ter uma posição definida”.530 Essa é uma crítica
contraditória vinda de Pedro Ernesto, que defendeu junto ao Clube 3 de Outubro o governo autoritário de Vargas até
a convocação das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, além de ter mantido alianças com o presidente e,
ao mesmo tempo, com homens declaradamente de esquerda do PCB e da ANL. Se Góis Monteiro agiu de maneira
dúbia, o mesmo pode ser dito sobre Pedro Ernesto em alguns momentos.
Sobre seu pai, Odilon Batista o define da seguinte forma: “ele era um humanista, não era um homem com
formação ideológica definida; não conhecia bem o marxismo, mas era um humanista. Quando começou a crescer o
fenômeno nazi-fascista, ele tomou logo uma posição contra”.531
Sobre a prisão de Pedro Ernesto, Odilon Batista deu sua opinião dando conta de que os responsáveis teriam
sido três homens que chegaram ao Ministério da Guerra: Góis Monteiro, João Gomes e Dutra, sendo partidário dos
que isentam Vargas de culpa. Batista concluiu que esses três “foram os que fizeram uma tremenda proteção contra
meu pai. E eu tenho a impressão de que se o velho Pedro não fosse preso, quem seria deposto era Getúlio. Hoje estou
convicto disso”.532
Batista afirmou ainda que a prisão de Pedro Ernesto foi uma forma de ceifar uma liderança que crescia e,
assim como Átila Soares, admite que seu pai tinha pretensões de chegar ao Palácio do Catete:

Papai era um homem que estava se projetando como líder


popular. Naquela confusão toda, era um homem que podia
surgir como candidato. Foi o primeiro homem público,
homem de governo, que tomou posição definida contra o
nazi-fascismo. Foi um homem que teve a coragem de dizer
que admitia que se tivesse contato até com comunistas. Daí
que vem toda a história.533

529
Id., ibid.
530
Entrevista de Odilon Batista ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
531
Entrevista de Odilon Batista ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
532
Id. Ibid.
533
Id. Ibid.
A “história” a que ele se refere são as acusações de comunismo, que fariam os três homens do governo já
citados, juntamente com Adalberto Corrêa534 – que fora contrariado numa pretensão de ganhar uma concessão de
fornecimento de carne para a prefeitura – exercerem pressões contra a continuação de Pedro Ernesto na prefeitura e a
favor de sua prisão.
Batista não esquece de comentar sobre Felinto Muller que, ironicamente deu a Pedro Ernesto, depois de
prendê-lo, um livro chamado A imitação do Cristo. Muller teria sido visitado pelo ex-interventor do Maranhão,
Lourival Serôa da Mota, que lhe teria dito: “você é um canalha. Antes de prender Pedro Ernesto, tinha que pedir
demissão”.535
Sobre os homens que trabalhavam com seu pai, Batista também revelou que não gostava de Jones Rocha e
que havia muita pressão dos políticos do PADF para obterem um “cabide de emprego” dentro das secretarias. Gastão
Guimarães teria cedido a essas pressões, que vinha principalmente de Cesário de Melo, Ernani Cardoso e Olímpio de
Mello. Somente Anísio Teixeira se mantinha firme, lidando apenas com profissionais capacitados para as respectivas
funções, o que aumentava a simpatia do prefeito por seu secretário de educação.
Odilon Batista termina sua entrevista dizendo que Pedro Ernesto chegou a tentar estabelecer um contato
entre seus amigos de esquerda e Vargas para possíveis alianças políticas, o que foi rechaçado pelo presidente. Diante
de tal negativa, o prefeito não mais repetiu esse gesto e disse ao presidente que manteria os contatos para que se
mantivesse informado sobre a movimentação da ANL e do PCB – conforme Pedro Ernesto revelou, como vimos, em
carta ao presidente.
A soltura de Pedro Ernesto teria sido articulada por Armando Salles e, quando solto, Batista revelou ter
aconselhado seu pai a sair do país, mas ele preferiu retomar sua política no Rio de Janeiro, assumindo a presidência
do Partido Libertador Carioca e ingressando na campanha de Salles para a presidência. Resultado: pouco antes do
golpe do Estado Novo ele foi novamente preso, para evitar que viesse a atrapalhar os planos de Vargas.
Augusto Amaral Peixoto, velho amigo de Pedro Ernesto e que rompera com ele em meados de 1935, foi
outro que criticou Jones Rocha e Góis Monteiro. Considerava o primeiro um aproveitador e, sobre o segundo, disse
que ele “se considerava num plano superior, como o provável sucessor de Vargas”.536 Amaral Peixoto confirmou que
havia uma grande disputa, “por detrás das cortinas”, sobre quem seria o próximo presidente, o que fortalece ainda
mais a idéia de que Pedro Ernesto era uma real ameaça aos defensores do autoritarismo.
O entrevistado não poupou elogios à administração de Pedro Ernesto, dando ênfase à obra construída na
saúde e na educação e salientou as eleições municipais de 1934 que consagraram o prefeito politicamente.
Sobre o rompimento entre ele e o prefeito, comentou que Pedro Ernesto era tão fiel aos seus amigos que, às
vezes, se deixava influenciar demais por eles. Seu rompimento se deu ao perceber que Pedro Ernesto dava muita
atenção a Jones Rocha e a aliados de esquerda, que teriam feito o prefeito tomar um rumo que acabaria levando à sua
saída da prefeitura. A crise entre os dois amigos se deu por isso, pela discordância sobre que rumo levaria a política
da prefeitura.
A respeito da possível participação de Pedro Ernesto no levante aliancista, Amaral Peixoto foi veemente:

534
Deputado Federal pelo Partido Republicano Libertador (PRL) do Rio Grande do Sul.
535
Entrevista de Odilon Batista ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
536
Entrevista Augusto Amaral Peixoto ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
Ora, Pedro Ernesto era um homem experimentado. Não era
nenhum louco de se meter numa aventura, contando apenas
com o 3º Regimento da Praia Vermelha. Ele, que tinha feito
tantas revoluções, sabia que não era com isso que iria
triunfar, que isso era uma coisa para morrer no nascedouro,
como de fato morreu. Ele não se ia envolver nessa
aventura.537

Disse ainda que via Pedro Ernesto como uma vítima e que o importante é que a história o marcou como um
grande prefeito, que chegou a ser “endeusado pela população”. Quando solto Pedro Ernesto teria dito a Amaral
Peixoto que ele fora seu único amigo, enquanto outros o bajulavam e pediam favores.
Ao terminar, Augusto Amaral Peixoto comentou sobre a ideologia de Pedro Ernesto e, assim como Odilon
Batista, o definiu como um humanista:

Naquela época se chamavam humanistas ao grupo de


intelectuais, profissionais, médicos, advogados, escritores,
que tinham idéias avançadas. Eles queriam corrigir certas
falhas de que a administração se descuidava. Pedro Ernesto,
por exemplo, era realmente um humanista, um homem que
se interessava pelo bem-estar social. Entre ser humanista e
ser comunista, vai uma diferença muito grande.538

O irmão de Augusto, Ernani do Amaral Peixoto, não era tão próximo de Pedro Ernesto como seu irmão, mas
também o conhecia de longa data. Ele também afirmou que Pedro Ernesto se deixou influenciar por más influências
e deu a entender que pessoas que cercavam o prefeito cometeram delitos com o dinheiro público “no jogo e nas
construções de hospitais e escolas”, mas Pedro Ernesto não tomou providências, não acreditando que estivesse
realmente ocorrendo a prática da corrupção por parte de homens em que tanto confiava.539
O ex-Secretário de Obras de Pedro Ernesto, Delso Mendes da Fonseca, também deu a entender que havia
corrupção na prefeitura por parte de algumas figuras que faziam parte da administração Pedro Ernesto, mas defende
Jones Rocha, de quem era amigo pessoal e colega de trabalho. Porém, para Fonseca, o maior problema eram as
pressões de membros do Partido Autonomista por cargos na administração municipal. Às vésperas das eleições
municipais, Fonseca pediu demissão porque percebeu que Pedro Ernesto sofria pressões para substituí-lo do cargo
que ocupava e que tomou essa decisão para evitar constrangimentos ao prefeito ou para evitar que criasse desavenças
às vésperas de eleições tão importantes para a consolidação do partido.540

537
Entrevista de Augusto Amaral Peixoto ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
538
Id.
539
Id. ibid.
540
Entrevista de Delso Mendes da Fonseca ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
O entrevistado ainda afirmou que, assim como fizera Lourival Serôa da Mota, também procurou Felinto
Muller para criticar a atitude do chefe de polícia de prender Pedro Ernesto. Na ocasião, Muller teria dito que fez isso
porque foi obrigado e teve que ouvir a réplica de Fonseca, que disse que o chefe de polícia deveria entregar o cargo,
mas não tomar tal atitude contra o prefeito.
Já o militar Aristides Leal, participante do movimento de 1930 e íntimo dos problemas políticos dentro do
exército, dá ênfase na relação entre Pedro Ernesto e Góis Monteiro, atribuindo ao segundo boa parte da
responsabilidade pela prisão do primeiro.
Segundo Leal, os generais Góis Monteiro e Daltro Filho pretendiam, ainda durante o governo provisório,
derrubar Vargas. Isso só não ocorreu por causa das pressões exercidas por Guedes da Fontoura e principalmente por
Pedro Ernesto, que mobilizou o exército para o apoio ao presidente.
Leal afirmou que Getúlio Vargas ficou sabendo desse ocorrido, mas “como não tinha confiança nos outros
generais, manteve Góis na pasta da guerra e tirou Daltro Filho de São Paulo”. Esse teria sido mais um problema entre
Góis Monteiro e Pedro Ernesto. O resultado, para Aristides Leal, foi que, “quando veio o movimento de 1935,
Vargas se ligou aos generais de corpo e alma. Então, tudo o que os generais exigiram foi a prisão de Pedro
Ernesto”.541

3.2.6 Vargas se aproveita da obra de Pedro Ernesto

Apesar do período de um ano e quatro meses na prisão, Pedro Ernesto teve de positivo o apoio de diversos
líderes políticos, inclusive de alguns que fizeram ou ainda faziam parte do governo federal. A ABI, apesar de não
protestar abertamente contra a prisão do prefeito, não cansou de agradecer o terreno cedido a ela para a construção de
sua sede.

O que mais encontramos no arquivo de correspondências de Pedro Ernesto foram cartas de jornalistas, a
maioria com apenas um apelido ou iniciais no remetente, com o fim de evitar alguma perturbação por parte dos
aparelhos de repressão governamentais. Em uma dessas cartas, um jornalista não identificado parabenizou o prefeito
pela sua defesa e o chamou de “grande estadista”, construtor de “tantos hospitais e tantas escolas”.542
Outra correspondência, provavelmente de um antigo amigo ou companheiro do movimento de outubro de
1930, reclamou da “miséria moral” vigente naquele momento no Brasil e elogiou Pedro Ernesto pelo seu “passado,
como companheiro” e pela “sua obra, como governador”, que “sobressaem a qualquer acusação e são
indestrutíveis”.543
Já o capitão gaúcho Emídio da Costa Miranda544, companheiro de Pedro Ernesto desde o movimento
tenentista de 1924, tornou públicas suas declarações, afirmando que Pedro Ernesto lhe dissera, em meados de 1935,
que “seria uma verdadeira loucura, um quase suicídio para quem quisesse fazer uma revolução no Brasil”.545 Isso

541
Entrevista de Aristides Leal ao Programa de História Oral do CPDOC – FGV.
542
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 577.
543
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 579.
544
Participante do movimento de 1930.
545
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 581.
explica o porquê do prefeito não ter cedido às pressões de Eliezer já que, mesmo sendo simpático a ANL, tinha
clareza das dificuldades de uma possível vitória da Aliança – além, é claro, das relações ruins que tinha com líderes
comunistas como, por exemplo, Prestes.
Outro conhecido, utilizando a alcunha de “Pompeu”, enviou diversas cartas para o prefeito detido, sempre
fazendo críticas ao presidente. Pompeu parecia crer que Vargas tenha prendido Pedro Ernesto por causa das pressões
de seus homens de confiança. Sobre isso, uma carta diz que “o presidente, ante a pressão militar, ou daria carne às
feras, ou seria carne para as feras. E o Dr. Pedro Ernesto foi dado a comer, como o presidente sempre caprichou
perversa e sadicamente a fazer com seus amigos”.546 Pompeu finaliza resumindo seu pensamento: “em resumo,
inventou-se o ‘estado de guerra’ porque, pela via legal, não seria possível prender-se o ilustre Governador do Distrito
Federal”.547
Victor Guedes Júnior, em 12/07/1936, fez coro às idéias de Pompeu, dando conta de que a prisão do prefeito
havia sido política pelo fato dele ter conseguido grande apoio popular. Guedes Júnior afirmou que o que estava
acontecendo era “perseguição movida pelo despeito daqueles espíritos pequenos a quem o brilho alheio ofusca e
incomoda”.548
O mais interessante é que Pedro Ernesto quase sempre era defendido por amigos de esquerda, sejam eles
aliancistas ou comunistas. Esse fato realmente é importante e deve ter sido levado em conta durante o julgamento do
TSN.
O deputado federal pelo Partido Autonomista, Júlio Novais549, em carta com data incerta – provavelmente
entre 1936 e 1937 –, incentivou Pedro Ernesto a “nunca renunciar”, já que “a renúncia seria morte moral e prova de
debilidade vergonhosa”. Novais fez uma previsão que acabou se realizando, de que o povo iria “carregá-lo vitorioso
assim que chegasse a hora”.550
Entre os homens do governo que se posicionaram ao lado de Pedro Ernesto estava o general Manoel
Rabello. Além de depor a favor do prefeito, Rabello chegou a emitir uma nota pública afirmando que constituía “o
maior de todos os absurdos a imputação de que ele [Pedro Ernesto] fosse partidário de idéias comunistas” e que
“nem os inimigos dele poderiam fazer semelhante afirmação”.551
Enquanto isso, a esquerda continuava ajudando o prefeito. O italiano Rodopho Ghioldi, um dos líderes da
Intentona no Rio de Janeiro, afirmou que “dentro do Partido Comunista do Brasil jamais ouviu referências em torno
da pessoa do Dr. Pedro Ernesto”.552
Segundo Sarmento, os projetos políticos de Vargas e Pedro Ernesto foram pouco a pouco se antagonizando.
Apesar de ter sido sondado ainda na prisão, por elementos próximos a Vargas, a adotar um tom conciliatório, o que
realmente fez, Pedro Ernesto acabou preferindo a tentativa de retomada de seu projeto político – o que se viu no

546
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 583.
547
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 586.
548
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 595.
549
Novais, juntamente a Jones Rocha e a Armando Salles de Oliveira, foram os políticos que mais defenderam o
prefeito enquanto ele esteve preso. O último por motivos políticos, já que era candidato à presidência nas eleições de
1938 e contava com o apoio e a popularidade de Pedro Ernesto para aumentar sua chance de vitória.
550
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 612.
551
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 613.
552
Pedreira et all, op. cit., p.199.
primeiro discurso dele quando solto, na Esplanada do Castelo. Para Sarmento, Pedro Ernesto não poderia continuar a
figurar como um projeto alternativo para o Brasil.553 Lustosa concorda com Sarmento e diz que o prestígio de Pedro
Ernesto o tornava um adversário potencialmente perigoso;554a historiadora ainda comentou que o erro de Pedro
Ernesto foi começar a construir seu poder em bases democráticas num momento mundial em que as democracias
estavam em crise.555
Em 28 de setembro de 1941, menos de um ano antes de sua morte, Pedro Ernesto recebeu uma carta muito
interessante, de um autor não identificado que expressou uma assustadora percepção sobre o que se passou nos anos
anteriores no Brasil. Ele percebeu a situação política como reflexo da situação política mundial e fez observações
que valem a pena serem mencionadas:

(...) as atitudes desconcertantes de que foi palco, nos últimos


anos, a nossa terra, vê-se agora que foram apenas um reflexo
do terremoto político e moral que sacode o mundo. Nós, os
que, ainda ontem, não podíamos compreender as
reviravoltas por que passou a nossa vida política,
compreendemos agora que ela havia sido um fenômeno tão
natural e irresistível como o das marés (...). Estamos neste
momento diante de uma realidade universal, de que a vida
política do Brasil não é mais do que uma resultante.556

Segundo o jornal A Batalha, o Distrito Federal, em 1937, tinha uma importância eleitoral bem maior do que
dez anos antes. Depois do alistamento feito pelo PADF e a conscientização de como obter o direito de votar, o
eleitorado havia praticamente quadruplicado em relação a dez anos antes, chegando a cerca de 300 mil eleitores.557
Os planos de Pedro Ernesto, de aumentar seu eleitorado e sua importância política haviam dado certo, mas seriam a
partir desse ano aproveitados pelo presidente Getúlio Vargas.
Ao se afastar gradativamente dos referenciais da matriz tenentista, o prefeito municipal propôs um modelo
democrático e participativo que se opôs ao projeto nacional que estava sendo lançado pelo governo federal. Sua
prisão e o desmantelamento de sua administração, o que foi feito principalmente com a entrada de Francisco Campos
e do cônego Olímpio de Melo na administração do Distrito Federal, foi a certificação de que não haveria mais esse
possível núcleo oposicionista que poderia se tornar um projeto alternativo ao Estado Novo.558
No Estado Novo, Vargas se aproximou do proletariado e, “aquilo que Pedro Ernesto fez de maneira
pioneira, passou a orientar os passos de Vargas no campo das relações com os segmentos do proletariado”.559
Portanto, o “pai dos pobres” só veio a surgir após 1937. Na capital da República isso foi facilitado porque a

553
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., p. 206.
554
Lustosa, op. cit, p. 25.
555
Lustosa, op. cit, p. 31.
556
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 650.
557
Biblioteca Nacional, periódico A Batalha, 07/11/1937.
558
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 235.
559
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 239.
eliminação política de Pedro Ernesto deixou um vácuo, que foi preenchido pelo presidente, o que representou “mais
uma explicitação das formas de apropriação por parte de Vargas do legado político de Pedro Ernesto”.560
O brasilianista Michael Conniff aprofundou as comparações entre Vargas e Pedro Ernesto. Para ele,
exatamente como Pedro Ernesto tinha feito, Vargas desenvolveu uma imagem forte como “pai dos pobres”, fazendo
com que as massas confiassem nele.561 Para esse autor, o emprego de programas trabalhistas e de publicidade nos
anos 1940, por Vargas, era sinal de que “ele estava se preparando inquestionavelmente para um movimento populista
semelhante ao de Pedro Ernesto uma década antes. A prova de fogo seriam as eleições de dezembro de 1945”.562
O esforço consciente de Vargas para criar uma autoridade entre os eleitores da classe trabalhadora, no início
dos anos 1940, era inequivocamente baseada na experiência de Pedro Ernesto como prefeito do Rio de 1931 a 1936.
Vargas “escolheu mais o trabalho do que a saúde ou a educação como programa social, mas seu uso para fins
políticos era quase idêntico ao do ex-prefeito”.563 Assim, foi o Ministério do Trabalho que providenciou a tarefa de
recrutamento antes realizada pelo Partido Autonomista de Pedro Ernesto. Os setores da população escolhidos e os
meios de recrutamento eram virtualmente os mesmos. Da mesma forma, os dois homens faziam muito uso dos
veículos de comunicação de massa recém-disponíveis. Vargas tornou-se o protetor dos pobres, o defensor contra a
exploração estrangeira, o líder confiável e beneficente, o homem do povo – “imagens essas que haviam sido
utilizadas por Pedro Ernesto nos anos 1930”.564
Logo, uma combinação de qualidades de liderança pessoal e momento propício fizeram surgir Pedro
Ernesto, prefeito do Rio, colocando-o no centro de um movimento experimental que atravessou fronteiras sociais e
estendeu a política participatória às massas. Num certo sentido, “Pedro Ernesto foi o alter ego de Vargas,
desenvolvendo um estilo populista que não poderia perdurar nos anos 1930, mas que o próprio Vargas perpetuaria
nos anos 1940 e 1950”.565
Dessa forma, podemos afirmar que Pedro Ernesto foi o pioneiro do populismo brasileiro.

560
Sarmento, O Rio de Janeiro na Era..., op. cit., p. 251.
561
Conniff, op. cit., p. 215.
562
Id., Ibid., p. 221.
563
Id., Ibid., p. 226.
564
Id., Ibid.
565
Id., Ibid., p. 237.
4 CONCLUSÃO

Ao entrar na prefeitura (...), senti em torno de mim um


ambiente de dúvidas e de receios que era preciso desfazer,
não somente para não impopularizar a Revolução, que não
fora feita para desrespeitar direitos e para espalhar o terror,
mas ainda para que fosse possível ao administrador
trabalhar, contando com a colaboração de um funcionalismo
capaz e digno (...). Aos poucos, as preocupações subalternas
[foram se dissipando] por causa do espírito de justiça com
que procurei dar-lhes solução. Fui pondo em evidência a
serenidade do meu ânimo e a tranqüilidade voltou a todos
que eu desejava ter como auxiliares e colaboradores,
sinceramente decididos a me facilitarem o cumprimento do
dever.566

Esse trecho de discurso, proferido por Pedro Ernesto após sua libertação da prisão, em setembro de 1937,
traz um perfeito resumo da estratégia do prefeito durante sua administração no Distrito Federal. Desde que havia
assumido a prefeitura, o prefeito já estava ciente de que as suas atenções deviam se voltar para os trabalhadores,
como forma de obter sustentação para seu governo.
A importância da burocracia567 municipal é a grande mensagem do fragmento de texto citado, o que
confirma a necessidade fundamental do apoio desse grupo para que um projeto político possa ser levado adiante.
Portanto, os primeiros passos de Pedro Ernesto tiveram o objetivo de iniciar sua obra trabalhista fornecendo as
primeiras leis do trabalho para o funcionalismo público que, em contrapartida, apoiaria irrestritamente o chefe do
executivo municipal. O sucesso dessa estratégia foi a primeira grande vitória do prefeito populista.

566
CPDOC - FGV, Arquivo Pedro Ernesto, rolo 1, fot. 912. Em seguida Pedro Ernesto citou toda a legislação
trabalhista criada por ele, à qual foi mencionada detalhadamente no Capítulo 3, mais especificamente no tópico
“Pedro Ernesto e a Questão Trabalhista”
567
Max Weber, “Burocracia”. In H. H. Gerth e C. Writgh Mills (org.), Marx Weber – ensaios de Sociologia, Parte II:
Poder, cap. VIII, Rio de Janeiro, Guanabara, 1982
Em seguida, assistimos a uma crescente ampliação das ações municipais a fim de atingir os professores de
escolas particulares e, depois, o operariado urbano em geral. Mais uma vez o êxito foi alcançado, já que o partido de
Pedro Ernesto obteve arrebatadoras vitórias eleitorais tanto na eleição de deputados para a Assembléia Nacional
Constituinte, em 1933, como no pleito municipal que escolheu o prefeito e os vereadores do Distrito Federal.568
A criação da União Trabalhista significou a consolidação das ações populistas de Pedro Ernesto em direção
aos trabalhadores. Após ter iniciado suas ações de modo restrito, em direção somente ao grupo de funcionários
municipais, em 1935 o prefeito já havia atingido os trabalhadores de forma muito mais ampla, se tornando líder da
UTDF, associação que, em poucos meses, ganhou a adesão de cerca de setenta sindicatos e de mais de trinta mil
trabalhadores.569
Mas o sucesso obtido pelo prefeito entre os trabalhadores não se repetiu em relação a outros grupos políticos
e sociais. As atitudes de Pedro Ernesto afetaram interesses diversos, o que multiplicou o número de inimigos que ele
teve que enfrentar. As direitas temiam sua ascensão política e a força que o apoio popular daria a ele. As esquerdas
desconfiavam da negativa de Pedro Ernesto em aderir à ANL e consideravam que a adesão dos trabalhadores ao
prefeito esvaziaria o PCB e a ANL. Logo, todos esses opositores não mediram esforços no intuito de minar as bases
de sustentação do prefeito, atacando-o incisivamente.
A acusação de envolvimento com os comunistas foi a grande inimiga de Pedro Ernesto ao longo de seu
governo. Prova disso é que esse foi o motivo de sua prisão. A postura anti-autoritária e liberal-democrata do prefeito
carioca e, principalmente, suas práticas políticas voltadas aos trabalhadores, serviram de combustível para que as
acusações não tivessem fim.
Pedro Ernesto acreditou que o apoio dos trabalhadores, grupo que ganhava força ao passo que se davam o
crescimento da urbanização e a proliferação da industrialização, bastaria para que o prefeito emergisse não só na
política do Distrito Federal, mas também no cenário político nacional. Porém, Pedro Ernesto estava vivendo num
momento de polarização ideológica em que crescia tanto a extrema esquerda como a extrema direita, não havendo
margem para o meio-termo.
As ações voltadas para a melhoria de vida dos populares e o complemento desse projeto com a inserção
política dos trabalhadores, através da criação da União Trabalhista do Distrito Federal, fizeram com que seus
inimigos temessem sua progressão política e, principalmente, o enxergassem como um rival em potencial na disputa
política nacional.
A Universidade do Distrito Federal foi a coroação intelectual de todo um projeto político estabelecido pelo
prefeito desde 1931. Esse projeto se apresentou como uma alternativa ao centralismo e autoritarismo levados à diante
pelo governo federal.570
No Palácio do Catete, Vargas percebia que o homem que havia sido seu médico estava se apresentando
como uma força política de peso. Os homens que cercavam o presidente – Góis Monteiro, Eurico Dutra, Felinto

568
As vitórias eleitorais do PADF foram mencionadas detalhadamente no Capítulo 2, mais especificamente no tópico
“O Partido Autonomista e a vitória nas urnas”.
569
Para mais detalhes sobre a União Trabalhista reler, no Capítulo 3, o tópico “Vida curta, mas repercussão enorme”.
570
Para mais detalhes sobre a UDF, ver no Capítulo 3 o tópico “A Universidade do Distrito Federal”.
Muller, entre outros – já desconfiavam da postura de Pedro Ernesto, sendo que o mais influente deles, Góis
Monteiro, tinha o prefeito carioca como desafeto já há alguns anos.
Diante desse contexto, não demorou para que os generais pedissem a Vargas a prisão de Pedro Ernesto, o
que foi imediatamente aceito pelo presidente, que não queria ter um concorrente ao título de “pai dos pobres” e que
precisava no apoio dos generais para se garantir no poder.
Portanto, a prisão de Pedro Ernesto ocorreu por razões estritamente políticas. Vargas se aproveitou da
Intentona Comunista para criar um ambiente de guerra dentro do país, superdimensionando o levante aliancista com
o fim de disseminar o medo na população e, desse modo, obter respaldo para prender qualquer cidadão: mais
especificamente seus inimigos políticos e possíveis entraves para a implantação ditadura que asseguraria sua
permanência no poder.
Com inimigos tanto na esquerda como na direita, Pedro Ernesto estava isolado em 1935, tendo suas práticas
populistas como seu único sustentáculo. É difícil traçar o perfil ideológico do prefeito. Podemos somente fazer uma
leitura de seu posicionamento ao longo dos anos em que esteve no poder e tentar tirar algumas conclusões, mas
sempre sem acreditar ingenuamente no que disseram alguns de seus amigos em entrevista ao CPDOC, de que ele era
unicamente um humanista.
Pedro Ernesto apoiou o movimento de 1930, que afastou o presidente Washington Luís, eleito legalmente
alguns anos antes e que estava finalizando seu governo. Logo depois, ele ainda esteve ao lado de Getúlio Vargas
durante o Governo Provisório, agindo para mantê-lo no governo sem uma constituição, inclusive cooperando no caso
do Empastelamento do Diário Carioca. Nesses casos, onde está o Pedro Ernesto legalista e democrata?
A resposta é que Pedro Ernesto era sim da família do “anthropos politikon”, ao contrário do que muitos
disseram.571 Ele era um homem que aproveitou as oportunidades de seu tempo para se posicionar da melhor maneira
a obter vantagens para sua carreira política. O Pedro Ernesto que apoiava a ditadura era o mesmo que, poucos anos
depois, passou a defender ferrenhamente a democracia. Quando foi necessário estar à frente do Clube 3 de Outubro
para consolidar sua posição política de amigo do presidente, lá estava ele. Já quando queria ascender politicamente e
ganhar autonomia política em relação a Vargas, através da obtenção de apoio popular, ele apoiou a democracia. O
grande erro do prefeito foi acreditar que já tinha possibilidades de se dissociar de Vargas e se projetar politicamente
somente com o apoio dos trabalhadores.
A relação de Pedro Ernesto com a esquerda teve o intuito de trabalhar contra o fechamento do regime que
encerraria sua estratégia política populista. Essa curta relação foi encerrada quando o prefeito soube da tentativa da
esquerda de chegar ao poder. Assim como o fechamento do regime pela direita encerraria com as votações populares,
a implantação do socialismo também batia de frente com seus planos, já que os líderes nacionais seriam os
integrantes do PCB, principalmente Luís Carlos Prestes. Por isso, avisou ao presidente do levante.
Logo, Pedro Ernesto não pode ser objetivamente definido como de esquerda ou de direita. É inegável que
tinha inclinação liberal-democrática, mas é certo também que era um homem que não assumiu posturas radicais ou

571
Austregésilo de Ataíde, diretor do jornal Diário da Noite, escreveu que Pedro Ernesto era um homem simples,
ingênuo, que não fazia parte da família do “anthropos politikon”. Essa foi uma idéia muito corrente nos periódicos
que fizeram a cobertura da morte do ex-prefeito, em 1942. Biblioteca Nacional, periódico Diário da Noite,
12/08/1942.
definitivas na vida. Era ponderado e agia de acordo com as situações. Durante seu governo, foi um autêntico
populista: queria a simpatia e o apoio dos trabalhadores, independentemente da Igreja Católica, do governo federal,
dos aliancistas, dos integralistas ou de qualquer outro grupo político ou social.
As possibilidades para a implantação de seu projeto político eram grandes, principalmente pelo cenário
político-social da década de 1930 que apontava o crescimento numérico dos trabalhadores e a necessidade da criação
de uma nova relação entre o poder público e os populares. Porém, com o passar dos meses, o aumento do
autoritarismo, a desagregação do Partido Autonomista do Distrito Federal e as pressões de diversos grupos tornaram
os limites impostos superiores às possibilidades encontradas por Pedro Ernesto para o aprofundamento de seu
programa político.
Sua ameaça ao governo federal foi o que faltava para que Vargas fizesse o que a Igreja Católica, a Ação
Integralista Brasileira, os políticos opositores e até mesmo boa parte da Aliança Nacional Libertadora e do Partido
Comunista do Brasil queriam: a eliminação política de Pedro Ernesto, que tentou ganhar sobrevida quando foi
libertado, mas que recebeu um golpe final em suas intenções com o decreto que deu início ao Estado Novo. Na
ditadura, Vargas desenvolveu a política populista voltada aos trabalhadores, ganhando o apelido de “pai dos pobres”,
enquanto a Pedro Ernesto restou uma posição coadjuvante na História do Brasil.
FONTES

Arquivo Nacional
Fundo Tribunal de Segurança Nacional
Fundo Ministério do Trabalho

Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) / Fundação Getúlio


Vargas (FGV)
Arquivo Pedro Ernesto
Arquivo Getúlio Vargas
Arquivo Anísio Teixeira
Programa de História Oral

Biblioteca Nacional – Setor de Periódicos.


Microfilmes dos seguintes periódicos:
O Globo
Jornal do Brasil
Diário da Noite
A Noite
O Imparcial
Diário de Notícias
Correio da Manhã
A Manhã
O Jornal
A Batalha
Gazeta de Notícias

Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro


Fundos e códices relativos à administração municipal entre 1930 e 1936.

Senado Federal
Legislação via Internet: www.senado.gov.br

Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro


Documentação relativa às eleições para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933 e ao pleito municipal de 1934.
Documentação administrativa entre 1930 e 1936.
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WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
ANEXOS

Todas as fotografias abaixo fazem parte do acervo do CPDOC – FGV.

Figura 1:

Momento após a vitória do movimento de 1930. A partir da esquerda: Jones Rocha (1º) e Pedro Ernesto (6º).

Figura 2:
Regulamentação do horário de serviço do comércio: Pedro Ernesto de terno cinza, ao centro.
Figura 3:

Herbert Moses (de bigode; braço esquerdo à mesa) e à sua direita Pedro Ernesto – boas relações com a ABI.

Figura 4:
Cúpula do Partido Autonomista: Pedro Ernesto (no centro da mesa). À direita do prefeito está Cesário de Mello e à
esquerda o cônego Olímpio de Mello.
Figura 5:
Grande manifestação dos trabalhadores ao prefeito, dentro da Câmara Municipal, em 26/07/1934.

Figura 6:

Prestígio junto ao exército: Pedro Ernesto, no centro, recebendo a titulação de coronel da reserva, em 1934.
Figura 7:
Busto de Pedro Ernesto erguido pelos funcionários municipais: homenagem ao decreto 3790, de 02/11/1932, que
estendeu uma série de direitos trabalhistas aos trabalhadores do município.

Figura 8:

Uma das mais contundentes derrotas políticas do prefeito. Da esquerda para a direita, Francisco Campos (6º sentado)
em sua posse na Secretaria de Educação do Distrito Federal no lugar de Anísio Teixeira, o que significou a mudança
radical na política educacional de Pedro Ernesto (7º sentado, da esquerda para a direita).
Figura 9:
Pedro Ernesto e Vargas em visita a um hospital: de amigos a rivais na disputa pela simpatia popular.

Figura 10:

Pedro Ernesto, abatido (segundo da esquerda para a direita), recebe na prisão a visita de seus advogados.
Figura 11:
Em 22/07/1937, logo após a suspensão do “Estado de Guerra”, uma multidão foi às ruas pedir a libertação de Pedro
Ernesto. A passeata partiu da Praça da República e foi até o Ministério da Justiça pedir ao Ministro Macedo Soares a
liberdade para o prefeito detido.

Figura 12:

Em Setembro de 1937, após sua absolvição no novo julgamento ocorrido no Superior Tribunal Militar (no primeiro,
que ocorrera em abril, ele havia sido condenado), Pedro Ernesto abraçou seu filho Odilon Batista.
Figuras 13 e 14:
A primeira fotografia mostra milhares de pessoas esperando a sentença final de Pedro Ernesto. Após a libertação do
prefeito, a multidão aumentou ainda mais, ocupando todos os acessos à Esplanada do Castelo, aguardando para
saldar e ouvir as palavras de Pedro Ernesto, na grande festa que se sucedeu.
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