Carine xv ‘A. DEMOCRACTA, conctito do ‘emocraco ‘A idéia que fazemos de democracia vem-nos da Grécia, através de Aristételes e sua classifica glo das formas de governo. Hla 6, segundo eoneeito cléssico, ‘0 governo do povo pelo povo, o regime politico em que o poder reside na massa dos individuos © por eles exercido, direta: mente ou por meio de representantes cleitos, _ Podemos aceitar, em tese, a definicéo de Aristételes, po- rém niio devemos esquecer que a democracia groga mio era (© que hoje denominariamos democracia. Quando Aristételes fala em povo, refere-se somente aos homens livres das ci- dades gregis, © no 203 eseravos, que eram a maioria, mas no possufam qualquer direito, eram simples coisas. No entanto, do ponto de vista politico, a definigéo tam- ‘bém 86 se aplica com restrigées As democrzeias modernas; pois, até bem pouco tempo, a maioria das legislagies no con= cedia direito de voto as mulheres, o que exclufa pelo menos ipagdo efetiva no governo Entende-se por cidadio o individu que tem capacidade legal para votar e ser votado; democracia é 0 regime em que © governo 6 exercido pelos cidadios, quer diretamente, quer por meio de representantes eleitos por esses mesmos cidadios. Mais compreensivamente, pode-se dizer que demoeracia € a forma de governo em que o povo toma parte efetiva no estabelecimento das leis e na designacio dos funcionérios que tém de executi-la e administrar a coisa piblica, (Assis Brasil — Democracia Representative, pag. 15.) : INTRODUGAG A CIENCIA POLITICA 213 © conceito de democracia é complexo e, como o de todas as idéias, 0 sen contetido tem variado através do tempo. Na Grécia, a democracia era totalitiria, absorvia o homem inte- gralmente, Impunhs-Ihe a religido e a moral, era senhora do corpo e do espirito dos individuos. ‘A chamada demoeracia clissica, a que se organizou mais ‘ou menos conforme a Filosofia politica da Revolucio Francesa, tinha, na liello de Barthélemy et Duez, os seguintes carac- teriaticos: 1a) era essencialmente de ordem politiea, nfo tinha preo- ceupagdes de ordem econémica ou de previdéncia social; ) visava essencialmente a liberdade politica, no sentido de dar aos individuos participacao efetiva no governo;, ¢) era essencialmente individualista, considerando os in- dividuos como titulares isolados de direitos politicos, miio re- conhecendo nenhum grupo intermediirio entre o Estado ¢ os individues; ) era essencialmente espiritualista, implicando a accita- io de certas idéias morais, amor 4 justica, £6 no ideal pol tico, até mesmo um certo mistieismo; 'e) era essencialmente igualitaria, postulando que todos vs individuos tém os mesmos direitos politicos, por sorem homens. (Barthélemy et Duez — Droit Const, pag. 60 e segs.) (© conceito atual de democracia esté ainda em elaboracio, 6 tum dos aapectos da revisto geral de valores que se process nas doutrinas contemporineas, Na profunda e extensa crise moral e intelectual que a humanidade atravessa, seria prema- ‘turo afirmar que ela se fixou neste ou naquele conceito, e pro- vavelmente no campo politico, ponto de convergéncia de todos os fatores da crise, a estabilidade & ainda mais remota. No entanto, ser talver possivel assinalar algumas tendéncias, §5 sublinhadas por escritores ¢ filésofos, Bm primeiro lugar, a democracla néo é concebida como devendo ser essenciaimente politica, ¢ reclamada a interven- * go do Bstado em matéria econdmica, pois nio poderia haver liverdade polities sem seguranca econémica. Ao lado dos di-2i4 DARCY AZAMBUIA reitos individuais, a demoeracia deve também assegurar on direitos sociais; nao somente deve defender o direlto do ho» mem a vida e & liberdade, mas também & satide, & educacio, 10 trabalho, e dat nos Estados modernos, a abundante legis: lac&o social Em resumo, a democracia nfo deve ser apenas polities, © sim politica e social © coneeito verdadeiro, porém, de democracia social néo & © que as doutrinas econdmicas extremistas tim pretendido im- por, fazendo uma confusio deliberada entre democracia € or- senizacio econémica da sociedade e dai deduzindo as conse- aiiéneias que Thes convém. Igualdade polities e igualdade econdmica, seriam os ter ‘mos finais da democracia, segundo os reivindicadores da. ex- troma esquerda. Do mesmo modo ¢ pelas mesmas razbes, dic om eles, que a soberania e o poder se distribuem igual © ine istintamente por toda a nacio, assim os bens, os meios de producio e os respectivos proventos, a propriedade, enfim, de- ve ser distribufda igualmente por toda a nacio; assim como nenhum cidadio tem direitos politicos superiores aos demais, também nenhum individu deve ter poder econdmico superior a outro, Perante a soberania e a propriedade, todos sio iguais, ‘todos podem usé-las igualmento; elas nfo pertencem a nenhum, porque pertencem a todos. ‘No entanto, apesar da légica aparente, o vicio de racio= cinio © observacio € evidente, A democraeia politiea, quer na doutrina, quer na prética, nfo poderia pretender dar a todos 0 ws0, 0 exereicio do poder. Ela dé a todos a aptidio legal, © direito subjetivo de cexercer 0 poder, mas o seu exercicio é subordinado & devisio da vontade geral, i designacdo feita por todos, ou pela malo- ria, por meio da eleigdo, ‘Nonhuma doutrina poderia pretender criar uma sociedade onde todos fossem governantes, pois 6 da esséncia mesma de toda a organizacio que uns exercom o poder ¢ outros se su bbordinem ao poder. INTRODUGAO A CIENCIA POLITICA 215 ‘avi do table aire dus face & mma to naturel, quo preside n vidn © 0 progesso das sociedades Eeaautt “Assim como a democracia politics nfo pode sor a pati cigagdo do todos no exereeo do poder, a democracy Sota! ‘lo podria ser 0 to da propriotade por tos. ‘Todos tém, Sim; o direito subjivo, a aptidio legal de pos, de Saar 2 propeiedade, o Estado deve faciitar on melon de adgur 1 Nas yl mars or eet o moms somente governam sitele sue @ stvledste fuga merece fovernar pola tntlgncia, o eariter © expeigncl, também Goments deve possir cx que demonstran aptidao para 0d- ae ee ee © ave & jasto © ponrvel & que, assim como a vontade goral, através da Contain © dso li, limita 0 poder poke fio de mero que ninguim deo ns pare opr w scltade, também sein Tmilada a propriedsde, para que nguém oe dela econo inetrumento. de explora e predomi. ‘ies prinepis térens foram consagrados, straves dos EH € necessirio recordar que todas as reivindicacies que vi- sam amparar os trabalhadores, a inffincia, 2 velhice, que pro- ‘curam evitar abuso do poder econdmico e limitar a: proprie- dade, sio conquistes democriticas. Todo o regime que pretende dar uma classe, seja ela ‘a dos ricos ou a dos pobres, a dos capitalistas ou a dos ope- rérios, o exerefelo exclusivo do poder, é um regime de opres- slo e de injustica, © nfo teria permitido que florescessem os fdeais que a democracia acalentou, defendeu e realizou. Em segundo lugar, a democracia néo 6 mais individua- lista, reconhece w existéncia de grupos sociais a que 0 indi- viduo pertence, estimula e protege essas associacées, dando- Thes mesmo participacdo na formacio do poder politico. Mas, aqui também, 6 necessirio guardarse das tendéncias extre- ‘mas, que pretondem fazer desaparecer o individua nos gru-216 DARCY AZAMBUIA ‘pos ou na sociedade inteira, na classe, na raga ou no Katado, como qierem 0 comunismo, 0 nazismo e o fascismo. © individuo, ser livre e inteligente, tom um destino a ccumprir; esse destino somente pode ser cumprido na socle- dade, ea sociedade tem por fim exatemente facilitar que ele se cumpra, © homem, pois, nio € um meio de que a sociedade, & classe, 0 Estado, a raca se possam servir; a sociedade, o Es- tado, a classe, a raga & que sio meios para o homem atingir © pleno desenvolvimento de sues aptiddes fisicas, morais ¢ intelectuais ‘A. democracia, como disse Guy-Grand (Archives de Phi osophic du Droit, 1934), & um equilibrio entre os direitos a pessoa ¢ os direitos da sociedade, entre liberdade ¢ a soberania. ase equilfbrio, porém, 96 se pode realizar nos periodos de paz interna e externa. Nos perfodos de guerra fou revolusie, ou de ameaga de uma ou de outra, 0 equill- brio se rompe, a liberdade é suplantada pela soberania, pela suprema tex da salvacio piblica. 0 que se verificou em todo 0 mundo apés a guerra européia de 1914-1918, ¢ na ameaca e a vigénela da ‘ltima conflagracio. Se os imperialismos, individuais ou coletives, politicos ou econdmicos, diz ainda Guy-Grand, continuarem a se digla- iar, sem quorerem reconhecer a atoridade do Direito, te- remos de renunciar as esperances de uma democracia. pa~ cifica ¢ livre. A sorte da libendade e das instituicdes demo- criticas esté ligada & da paz, Demeeaclo ‘As chamadas democracias gregas, cuja ver- Ge iq Gadeira nogio jé vimos que as assemelha a aris- isosratne, toeraeiag, cram diretas, quer dizer: os cidaatios demecrcio reuniam-se freqlientemente em assembléia par resolver os assuntos mais importantes do. g0- verno da cidade, tais como declarar a guerra e fazer a paz, ‘escolher magistrados e funcionérios, julgar certos crimes, ete INTRODUCAO A CIENCIA POLITICA 217 Varias razies permitiam a forma direta de governo do ovo pelo povo nos Estados gregos. Em primeiro lugar, a pequena extensio desses Estados, que eram realmente cidar des, © que facilitava a reunio freqilente de tofios os cldadios. Hm segundo lugar, 0 mémero desses cidadios era pequeno, pois a maior parte da populacéo era escrava ou niio tinha Gireito de voto. Por fim, og assuntos a resolver ersm poueos ‘ede caréter geral, como a paz, a guerra, julgamento de certos trimes, sendo assim aceasivels a todos. Além de quo, 0 ci dado grego, vivendo do trabalho do escravo, tinha todo 0 tempo disponivel para participar das assembléias; sua pro- fissio era a de cidadio. ‘Nenhuma dessas’condigées existe no mundo moderne, Os Estados tém geralmente um grande territério, grande popt- Ineio ¢ os negécios pliblieos sfio numerosos, complexos, de na~ tureza técnica, 86 acessivels a individuos mais ou menos cul- tos e especializados. O nimero de eleitores nos grandes Hs- tados modernos, como nos Estados Unidos, por exemplo, de cerea de cingiienta milhées de cidadios, espathados em perto de nove milhdes de quilometros quadrados. Tvidente- mente nfo seria possivel reunir eingllenta milhdes de homens pare diseutir € votar. © governo direto é, pois, praticamente impossivel. Além disso, 0 homem moderno vive entregue @ seus afazeres, tem profiseko absorvente, nfo poderia dispor do tempo necessério para discutir e votar milhares de assun- tos em dezenas de reunides anuais. ‘Necessariamente, pols, as democracias modernas teriam de ser representativas, isto & 0 povo néo trata diretamente das coises piblieas, do governo, mas sim por meio de repre- ‘sentantes eleitos por ele, Ou melhor, o Poder Executive ¢ 0 Legislative nfo slo exercidos diretamente pelos eidadios, e sim por pessoas especialmente eleitas para isso. ‘Apenas em alguns canties suicos, os dois Appenzell, Un- terwald Alto e Unterwald Baixo, Glaris e Uri ainda 6 prati- cada a democracia direta, So cantGes de pequena populagio os resultados nio primam pela eficiéncia ¢ liberalismo. No