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ESTUDOS EM CIÊNCIA DA
RELIGIÃO
GRADUAÇÃO
TEOLOGIA
MARINGÁ-PR
2011
Reitor: Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor: Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração: Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão: Flávio Bortolozzi
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Diante disso, o Cesumar almeja ser reconhecido como uma instituição universitária de
referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição
de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação
da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-
estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa;
compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do
trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos,
incentivando a educação continuada.
Todas as atividades de estudo presentes neste material foram desenvolvidas para atender o
seu processo de formação e contemplam as diretrizes curriculares dos cursos de graduação,
determinadas pelo Ministério da Educação (MEC). Desta forma, buscando atender essas
necessidades, dispomos de uma equipe de profissionais multidisciplinares para que,
independente da distância geográfica que você esteja, possamos interagir e, assim, fazer-se
presentes no seu processo de ensino-aprendizagem-conhecimento.
Neste sentido, por meio de um modelo pedagógico interativo, possibilitamos que, efetivamente,
você construa e amplie a sua rede de conhecimentos. Essa interatividade será vivenciada
especialmente no ambiente virtual de aprendizagem – AVA – no qual disponibilizamos, além do
material produzido em linguagem dialógica, aulas sobre os conteúdos abordados, atividades de
estudo, enfim, um mundo de linguagens diferenciadas e ricas de possibilidades efetivas para
a sua aprendizagem. Assim sendo, todas as atividades de ensino, disponibilizadas para o seu
processo de formação, têm por intuito possibilitar o desenvolvimento de novas competências
necessárias para que você se aproprie do conhecimento de forma colaborativa.
Portanto, recomendo que durante a realização de seu curso, você procure interagir com os
textos, fazer anotações, responder às atividades de autoestudo, participar ativamente dos
fóruns, ver as indicações de leitura e realizar novas pesquisas sobre os assuntos tratados,
pois tais atividades lhe possibilitarão organizar o seu processo educativo e, assim, superar os
desafios na construção de conhecimentos. Para finalizar essa mensagem de boas-vindas, lhe
estendo o convite para que caminhe conosco na Comunidade do Conhecimento e vivencie
a oportunidade de constituir-se sujeito do seu processo de aprendizagem e membro de uma
comunidade mais universal e igualitária.
UNIDADE I
O MITO...................................................................................................................................................13
A ATITUDE MÍTICA.............................................................................................................................16
UNIDADE II
METÁFORA E ALEGORIA
METÁFORA..........................................................................................................................................25
ALEGORIA...........................................................................................................................................26
UNIDADE III
A RELIGIÃO E O SAGRADO
OS PRIMEIROS CRISTÃOS..............................................................................................................39
RITO.......................................................................................................................................................41
DOUTRINA...........................................................................................................................................41
MORAL..................................................................................................................................................42
RUDOLF OTTO....................................................................................................................................43
PUREZA E PERIGO...........................................................................................................................45
O SAGRADO E A DESSACRALIZAÇÃO........................................................................................46
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UNIDADE I
Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar a concepção de mito e do seu lugar na cultura, especialmente na cultura
ocidental.
• Descrever as características principais do mito como fenômeno culturalmente vi-
venciado e forma de concepção e expressão da realidade.
• Mostrar a presença das categorias opostas, as polaridades do sagrado e o profano,
de que dependem os demais opostos, ordem e do caos, orientação e desvio, que
se impõem fundamentalmente ao mito.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
• O mito
• A atitude mítica
INTRODUÇÃO
Nesse sentido, esse módulo tem por objetivo o estudo do fenômeno religioso, considerando
alguns de seus principais aspectos, como a linguagem religiosa, a dialética sagrado-profano,
bem como o processo de dessacralização que aconteceu nos últimos séculos no Ocidente.
As aulas apresentadas fundamentam-se totalmente nas referências indicadas na “Leitura
Complementar” e serão apresentadas na seguinte ordem:
a) Mito e atitude mítica: o mito como fenômeno cultural, como palavra reveladora, que comunica
uma mensagem ao relatar uma cadeia ou série de atos que tiveram lugar no marco de origem,
cujos protagonistas foram seres sobrenaturais, os autores diretos de ações extraordinárias que
deram nascimento ao cosmos ou algum aspecto novo dele.
c) A religião, que em sua essência própria é tanto uma experiência humana de respeito para
com a esfera do sobrenatural, divino e sagrado, como o conjunto de atos exteriores relacionados
Os mitos são relatos, narrativas, as formas mais antigas por meio das quais o ser humano
procura esclarecer o mistério de sua existência no mundo mediante o conteúdo de narrativas,
histórias, relatos e legendas transmitidas de geração em geração. O mito é a atitude humana
de reconhecimento da irrupção do sagrado na existência e a expressão do desejo de retorno
ou nostalgia do sagrado como princípio ou arché. O ser humano mítico vive plenamente
quando alcança viver no princípio.
O mito apresenta-se como fenômeno ou ato cultural, como uma palavra que é reveladora ou
epifânica, pois comunica uma mensagem ao relatar uma cadeia ou série de atos que tiveram
lugar no marco de origem. Os protagonistas desses atos foram seres sobrenaturais, os autores
diretos de ações extraordinárias que deram nascimento ao cosmos ou algum aspecto novo
dele. Segundo Francisco García Bazán, mito envolve:
a) Símbolo
- imagem reflexa, mas inseparável e necessária em relação ao que se manifesta, logo sua
origem não é nem convencional, nem efeito da arbitrariedade, mas superior ao domínio
humano individual e coletivo;
b) Palavra
O mito é palavra, mas palavra que relata, reúne ou liga. Relaciona-se com logos (“palavra”)
não em seu sentido especial (“a palavra que reúne e enlaça mediante o exercício racional”),
mas com o sentido amplo de reunir progressivamente. O mito é palavra autorizada que se
impõe pelo prestígio da união com a origem e seu caráter legendário. O logos, em seu sentido
restrito, é a palavra do discurso em seu deslocamento racional, lógico e retórico ou persuasivo.
A passagem do mito ao logos ocorreu já na cultura grega na época dos filósofos pré-socráticos.
c) História
O mito é uma narrativa de acontecimentos, um relato dos atos que aconteceram em um tempo
primordial. Nesse sentido, é epifania ou revelação. O relato mítico é também palavra tradicional,
ou seja, símbolo-relato que se transmite, se recebe, conserva e interpreta ou reatualiza e de
novo se entrega. A origem do mito é não humana ou pessoal. O mito é a memória ancestral
da humanidade a partir de um momento pleno, no qual o desenvolvimento do tempo sucessivo
atual não existia.
d) Tempo atemporal
O tempo primordial ou original próprio dos atos a que o mito se refere é um tempo que
está fora do tempo; uma atemporalidade de natureza intensa, de expectativa global e que
Os mitos narram atos extraordinários nos quais intervêm personagens sobrenaturais que
não vivenciam as experiências humanas de fragilidade, falha, desilusão e destruição. Essas
personagens pertencem à esfera dos deuses, semideuses e são mais que humanos; possuem
poderes e atributos que, salvo exceções, não são vivenciados no cotidiano; participam das
potencialidades que se fizeram efetivas no momento do nascimento do cosmos e de seu
equilíbrio. Por conviverem no marco de um clima sagrado, realizaram atos prototípicos
individuais inesquecíveis como criadores ou fundadores.
f) Atos excepcionais
As proezas são apreendidas pela memória coletiva ou corporativa, como ações singulares,
devido sua força exemplar, paradigmática ou prototípica. Diante delas, a fuga do tempo, as
limitações locais, a diversidade e mutabilidade dos suportes físicos representam riscos de
desaparecimento. As características únicas e universais dos acontecimentos protofigurativos
transmitidos por meio da força ilustrativa das histórias míticas aconteceram no espaço e tempo
primordiais, dentro de uma cronologia e geografia figurada carregadas de sentido sagrado,
tornando-os orientadores da existência comum, razão porque se quer voltar a eles, pois
representam a origem. O homem arcaico não suporta estar desorientado, extraditado e alheio
à sua origem.
g) Ponto de partida do cosmos ou de parte dele
A ATITUDE MÍTICA
Há, no mito, um tipo de consciência de si mesmo no todo que vive na tensão entre a lembrança
do arquetípico e o temor de seu desgaste ou desaparecimento. As categorias opostas, as
polaridades do sagrado e o profano, de que dependem os demais opostos, ordem e do
caos, orientação e desvio, se impõem, fundamentalmente, ao mito. O temor da deterioração
do ancestral ocorre lado a lado com a erosão que o tempo produz nos seres e nas coisas
ao aliená-los do momento da criação ou primeira manifestação da ordem. A expansão de
uma ordem implícita, manifestada em episódios simultâneos e sucessivamente relatados, é
a expressão das proezas dos deuses, a intrusão irrefreável e manifesta do sagrado. O mito,
como memorial oral autorizado, como relação com o sucedido, revela os momentos, o poder
e a majestade da origem, a época primordial ou parêntesis paradigmático entre a ordem que
se inicia e o caos que afasta.
- a criação do mundo é um ato que se realiza fora do tempo, razão porque, ao se cumprir o
ciclo anual, se reatualiza ou regenera;
- há também um sentido do porvir, pois as sortes estão ligadas aos meses e os dias previstos
no tempo original, que seguem, sem começo e fim, ao caos cósmico anterior;
Nas Escrituras Cristãs, o Apocalipse de João também preservou uma narrativa mítica sobre o
dragão como o monstro do caos. Este relato, Apocalipse 12, apresenta grande afinidade com
o modelo do mito do combate, bastante difundido no Oriente Próximo e no mundo clássico: na
forma de um grande dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, Satanás aparece no
céu, pronto para reduzir o mundo ordenado ao caos.
c) o ataque - o oponente quer (1a) impedir que o deus principal (ou os deuses mais jovens)
chegue ao poder, e/ou (1b) destituí-lo depois de alcançar o poder;
d) o herói;
e) a morte do herói;
O dragão está associado ao caos e a desordem, porque representa uma ameaça à ordem
cósmica. Ele quer devorar a criança, pois seu objetivo é impedir que a criança “governe
todas as nações”. A criança é resgatada do poder do dragão (v.5) pela ação de Miguel, um
aliado angélico (v.7). Os vv.7-9 descrevem uma batalha no céu, de onde o dragão é expulso.
A restauração e a confirmação da ordem são anunciadas e celebradas no hino, associadas
com o “reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo” (v.10). A ordem é restaurada no céu,
como indica o grito do v.12. Os vv.13-18 retratam o reino terrestre do dragão e o seu ataque à
mãe do menino recém-nascido.
A descrição da besta como drakon indica sua relação com a serpente-monstro marinho do
Antigo Testamento, livyathan (Isaías 27,1 - “drakon” LXX). Leviatã e as bestas relacionadas
(Rahab - Jó 9,13; 26,12; Isaías 51,9; Salmos 89,10; Tannin - Salmo 74,13) refletem claramente
o oponente de Baal, Yamm (mar), e o monstro do mar, Lotan, da mitologia cananeia. Em
Apocalipse 12 o dragão está associado com o fogo e a água (v.3.5). É a mesma combinação
de Jó 41 usada para descrever o Leviatã, cujos movimentos agitam as águas subterrâneas -
tehôm (vv.10-13; 23-24).
A derrota do dragão por Miguel (12,7-9) está associada com o motivo dos (1) exércitos celestiais:
Miguel e seus anjos; (2) e com a expulsão daquele que foi derrotado pelo vitorioso: satanás é
arremessado a terra. O combate entre dois deuses é descrito como o encontro central de uma
batalha entre dois grupos ou gerações de divindades. No Enuma Elish, Tiamat e sua consorte
realizam uma batalha contra os deuses do céu, mas Marduk, como o representante dos deuses
do céu, os derrota. A batalha de Zeus e seus aliados com os Titãs (Hesíodo, Teogonia 617-
735) e com os gigantes (Apolodoro 1.6.1-2) é análoga à batalha de Marduk com Tiamat, Kingu
Na forma arcaica dos mitos que envolviam lutas de deuses, o mito do combate indicava as
tensões entre a fertilidade e a esterilidade, a ordem e o caos, e a vitória de uma divindade era
entendida em sentido cosmogônico. No Enuma Elish, esse aspecto cosmogônico é visto na
descrição da criação do cosmos a partir do corpo de Tiamat que foi conquistado. A vitória da
ordem sobre o caos, da fertilidade sobre a esterilidade, deve ser entendida como um evento
que se repete ao longo das estações e dinastias, como o uso cúltico do Enuma Elish o indica.
O mito do combate tem um caráter cosmogônico quando ele aparece no Antigo Testamento (Jó
26,5-14) e foi a linguagem usada pelos profetas para descrever os eventos históricos (Isaías
51,9-11 - a batalha de Javé com Yamm); esta estrutura apresenta o tema da independência
política e estabilidade que são constituídas pelo ato criador, já que a interferência do poder
estrangeiro é expressada como ameaça e caos (Naum 1,4; Jeremias 51,34; Daniel 7-8).
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
Direção: Ron Fricke / Roteiro: Ron Fricke, Mark Magidson, Bob Green.
Edição: Ron Fricke, Mark Magidson, David E. Aubrey / Música: Michael Stearns.
- Escreva um texto sobre a forma como o filme transmite a relação do ser humano com a terra,
o sagrado e o profano.
METÁFORA E ALEGORIA
Professor Dr. José Adriano Filho
Objetivos de Aprendizagem
• Introduzir a discussão sobre as características básicas da linguagem mítica e reli-
giosa.
• Mostrar o uso da linguagem alegórica no cristianismo, especialmente no período da
patrística.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
• Metáfora
• Alegoria
METÁFORA
ALEGORIA
No período helenístico, a linguagem mítica não podia mais ser concebida ao pé da letra ou
em seu sentido literário, exigindo uma interpretação “alegórica”. Nesse contexto, os estóicos
elaborarão uma interpretação sistemática, racionalizante e, portanto, alegórica dos mitos, a
qual estava a serviço da adaptação de um antigo patrimônio espiritual à mentalidade de épocas
posteriores. Os estóicos utilizavam a palavra hyponoia, forma de comunicação indireta, que diz
algo para dar a entender algo diverso. O verbo allegorein conduzirá ao conceito que significa
literalmente “afirmar algo diverso”, e isso publicamente. Surge, assim, o termo alegoria; por trás
do sentido da ágora há outro, mais profundo, que à primeira vista parece estranho à ágora, à
interpretação pública.
A interpretação alegórica dos mitos consistia em encontrar atrás do chocante sentido literal um
significado mais profundo. Mas, o que é esse significado de natureza diversa? Não se precipita
na arbitrariedade quando o sentido literal é abandonado? Ao responder a essa questão, os
intérpretes alegóricos acentuavam que sempre se devia partir do sentido literal, para ordená-
-lo corretamente, recorrendo, para tal, à etimologia. Os estóicos achavam que os humanos
mais antigos ainda carregavam em si o logos não falsificado, podendo, para isso, penetrar
na essência das coisas. A etimologia fornecia esclarecimentos sobre a direção do significado
oculto que ultrapassa o sentido literal.
A palavra allegoria foi cunhada pelo Pseudo-Heráclito (1º séc. a.C.), que definiu a alegoria
como um tropos retórico que possibilita dizer algo e, ao mesmo tempo, aludir a algo diverso; a
linguagem convida a reconhecer o logos literário em suas limitações e a ultrapassá-las. Esta
norma foi aplicada, especialmente, na interpretação dos mitos homéricos, visto que o cerne da
Quem primeiro falou expressis verbis de alegoria foi o apóstolo Paulo. Em Gálatas 4,21-31, ele
elabora uma interpretação “tipológica” da história dos dois filhos de Abraão, um da escrava
(Agar) e o outro da livre (Sara). Isto, explica Paulo, foi dito alegoricamente. Porque o filho
gerado pela escrava significa a Jerusalém atual, que se encontra na escravidão, isto é, sob a
lei. O que foi gerado pela mulher livre, no entanto, não é escravo da lei (ou da carne), porém
livre, por ser herdeiro do espírito.
O início de Gálatas 4:24: “O que se entende por alegoria”, indica que esta palavra teve uma
história de desenvolvimento. A palavra é de origem grega tardia e foi usada para substituir
a palavra hyponoia. Em Filón e outros alegoristas alexandrinos a palavra veio a descrever a
“interpretação figurativa de um texto autoritativo”. No exemplo de Paulo, fica claro pelo contexto
que ele não está falando somente de um processo alegórico, mas ele está interessado em
entidades alegóricas, ou seja, em seu pensamento, Sara e Agar representam realmente algo
Paulo espera este momento preciso na carta para apresentar este argumento e a vantagem de
utilizar a alegoria inclui pelo menos o seguinte:
a) Permite a Paulo continuar usando a figura de Abraão.
c) Permite a Paulo sumarizar seus argumentos principais por meio de uma ilustração acei-
tável da história sagrada de Israel.
e) Dá a Paulo uma fundamentação para dizer algo que não poderia ser omitido, ou seja, que
os judaizantes deveriam ser repelidos.
A alegoria focaliza “duas alianças”. Agar e Ismael representam os que vivem sobre a escravidão
da Lei. Agar gerou a Ismael “segundo a carne”, representando as coisas que acontecem
fora das promessas de Deus. Assim, “Agar e Ismael simbolizam as pessoas que esperam
realizar a justiça com base em suas próprias obras”. Sara e Isaque representam a aliança da
liberdade. Este é a segunda das alianças representadas. É não só uma aliança histórica que
está representada, já que as duas alianças representam duas esferas diferentes da existência
humana. A condição de mãe é apresentada como algo que representa o destino do filho. O
propósito desta alegoria é, então, dar seguimento ao argumento básico de Paulo de que “a
vida vivida sob a lei é escravidão, a vida vivida em resposta à bênção prometida por Deus em
Cristo é liberdade”.
Há três aspectos que caracterizam o método alegórico paulino: sua epistemologia, perspectiva
histórica e sua escatologia.
Primeiro, sua epistemologia é “fé”, e não “conhecimento”. Galátas prioriza a palavra “fé”. Paulo
Terceiro, sua escatologia, que é marcada pela esperança e culmina na pessoa de Cristo.
Este aspecto, além da ênfase na história da salvação, faz com que Paulo não se afaste do
contexto original da narrativa de Gênesis. Paulo identifica Jerusalém e Agar como o Monte
Sinai na Arábia e relembra aos destinatários de Gálatas que a promessa escatológica está na
Jerusalém celestial. Assim, entrelaça aspectos midráxicos e legais do Antigo Testamento, o
que resulta em uma hermenêutica homilética e pastoral relacionada com a missão aos gentios
no contexto da iminência da parousia.
Além de Paulo, Orígenes (185-254 e.C.), no seu livro De principiis, desenvolveu a doutrina
das três faixas de sentido da Sagrada Escritura. Ela deve indicar que também o intérprete deve
inscrever o sentido da Escritura em sua alma, primeiro o sentido corporal, depois o psíquico,
e por fim, o sentido espiritual. Esta tripartição corresponde à tripartição neotestamentária e
filônica do ser humano em corpo, alma e espírito. O sentido corporal, isto é, literal, destina-se
A alegoria era, pois, o nome que a antiga Igreja dava ao seu método tipológico de interpretação.
O Antigo Testamento se tornou uma alegoria do Novo Testamento, o qual revelava o espírito
a partir do qual deveria ser entendida a letra do Antigo. O ensino da tipologia histórica, uma
das correntes de interpretação religiosa da linguagem figurada dos inícios do cristianismo, está
aqui em síntese e, como isso, foi lançada a sentença condenatória da futura vigência religiosa
da mitologia grega que estava a serviço da mentalidade mítica e não da mentalidade histórica.
Os tipos ou figuras do Antigo Testamento adquirem seu pleno sentido nos antítipos do Novo
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
Um dos livros mais conhecidos que utiliza a técnica alegórica é O Peregrino, de John Bunyan
(São Paulo: Mundo Cristão, 2006). Leia o livro e descreva as suas principais partes, como
ocorre o desenvolvimento da alegoria (suas imagens alegóricas principais).
A RELIGIÃO E O SAGRADO
Professor Dr. José Adriano Filho
Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar o desenvolvimento histórico do conceito de religião.
• Demonstrar como se dá a vivência do sagrado e da religião: rito, doutrina e moral.
• Apresentar o conceito de sagrado dos seus principais estudiosos, especialmente
Rudolf Otto e Mircea Eliade.
• Demonstrar os conceitos de puro e impuro e sua relação com a estabilização ou
desestabilização social.
• Introduzir a discussão sobre o fenômeno da secularização na cultura ocidental.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
O vocábulo “religião”, relacionado “nós de palha”, uma atividade específica realizada pelo
sacerdote de hierarquia superior, assinala que a palavra adquire significado na relação com
os especialistas do sagrado, os quais, dentro da comunidade, estão preparados para executar
as cerimônias de proteção dos poderes divinos ou demoníacos, mais que naturais aos demais
membros da comunidade.
A religião, na sua forma espontânea, arcaica e universal, não aparece como uma instituição
separada do homem, da sociedade e do seu meio ambiente natural entre os povos que viviam
imersos na experiência cósmica do sagrado, mas abarca todos os domínios e impregna toda
a realidade dos acontecimentos e funções que se fazem, sejam momentos da vida cósmica,
coletiva ou individual. Dessa maneira, ao investir o mundo circundante do sentido determinante
do sagrado, os que conheciam e possuíam as técnicas de aproximação e de conservação
estavam presentes em todas as atividades essenciais da existência, para que a eficácia que
emerge da palavra autorizada (“mito”) e o poder dos seus gestos (“rito”) preservasse o valioso
do cosmos e fosse impedida a obra erosiva do caos. A convicção no retorno ou atualização
do princípio que expulsa a desordem é o fundamento sobre o qual repousa a fé do homem
religioso arcaico.
O cristianismo é filho da cultura judaica em sua relação primeira com o sagrado, mas também
dono de uma interpretação própria dessa experiência. Ele trouxe uma nova concepção de
religião e, junto com ela, uma tentativa de justificação etimológica diferente. Tertuliano
menciona a religião dos romanos, dos judeus e dos cristãos. As cartas do Bispo Inácio, de
Antioquia, registram, junto com essas distinções, os contrastes e as oposições: “judaísmo” e
“cristianismo”, “vossa religião” e “nossa religião”. Subjaz a estas formulações, sem dúvida, a
polêmica do livro da Sabedoria e de Filón de Alexandria, lição que foi aprendida pela Epístola
a Diogneto.
A nota dominante da noção cristã de religião baseia-se no fato de que a instância básica
da repetição rítmica do “começo” que permite sua reatualização e que segundo a vivência
arcaica do religioso constituiu o núcleo da atitude de reverência, esvazia-se de sentido e se
subordina à fé na existência e vontade de um Deus único e criador que vem ao homem.
Desse modo, se “no princípio era o Verbo”, “o Verbo se fez carne” e “ressuscitou dos mortos”,
esta realidade reatualiza periodicamente no rito sacramental da eucharistia (“ação de graças”),
mas como etapas intermediárias de uma etapa final, meta e plenitude que o Verbo inaugurou
historicamente ao realizar a vontade do Pai, a qual permite a entrada das criaturas na ordem
definitiva e eterna de Deus.
A adoção de uma postura imparcial diante da religião e dos fenômenos nela envolvidos com
respeito ao sagrado exige, portanto, que se ultrapassemos a perspectiva cristã ou de qualquer
outra religião particular para poder abarcar o ato religioso em sua essência e extensão que
lhes são próprias, segundo o experimentam os diferentes povos. A religião, em sua essência
própria, é tanto uma experiência humana de respeito para com a esfera do sobrenatural, divino
e sagrado, como o conjunto de atos exteriores relacionados que objetivam tal veneração como
vivência compartilhada que trata de reatualizar a ligação com essa esfera, mediante o cultivo de
recursos que remontam a esses estados de caráter primordial e permanente. Os componentes
externos básicos da religião que fundamentam a atitude subjetiva de adesão ao divino incluem
ações, objetos, palavra e normas prescritivas: constituem o rito, a doutrina e a moral.
Etimologicamente, a palavra rito vem do latim ritus que significa “ordem prescrita” ou “ordem
estabelecida”. No grego, esse termo está ligado a artýs ou artus, que também significa
“prescrição”. A raiz ar, mais antiga e original, “modo de ser, disposição organizada e harmônica
das partes no todo”, encontra-se na palavra rta, do sânscrito védico, cujo significado remete
a uma força de ordem cósmica, mental e de relação das pessoas entre si, e em arta (arte),
do iraniano, que dá ideia de “harmonia restauradora”. A etimologia do termo rito indica que
há uma ideia de ordem, organização, estabilidade e restauração, presente no significado da
palavra rito. O rito coloca ordem, classifica, estabelece as prioridades, dá sentido do que
é importante e do que é secundário; permite viver num mundo organizado e não caótico,
sentir em casa, num mundo que, do contrário, apresentar-se-ia a nós como hostil, violento,
impossível. Se for verdade que o cosmo tem a força de opor-se ao caos, isso se deve ao rito
e à sua força organizadora. O rito é, portanto, “uma ação que pode ser individual ou coletiva,
mas que sempre permanece fiel a certas regras. Mas isso não significa que o rito seja inflexível
e não comporte uma margem de improvisação”. Certamente, os ritos evoluem, modificam, “em
geral é de forma lenta e imperceptível”. As mudanças que ocorrem no rito são introduzidas com
extrema prudência; “a repetição é dada na própria essência do rito”.
DOUTRINA
Os ritos não incluem somente ações, mas também palavras. O silêncio e a palavra compõem a
trama do rito. O mito é o fundamento da palavra religiosa, relato epifânico e tradicional. Como
narração que se apoia não no discurso racional, mas no relato que conta uma experiência
primordial, carregada do prestígio que conserva a sucessão dos relatos qualificados, ilustra
a origem, o sentido último e a realidade dos atos do mundo e a existência. O mito vivência
do primordial que se desdobra por meio de um relato e, desse modo, é indissociável do rito
e convive em seu seio. As escrituras sagradas das grandes religiões têm suas raízes na
MORAL
RUDOLF OTTO
Na sua obra O Sagrado, Otto esforça-se por clarificar o caráter específico dessa experiência
terrífica e irracional. Descobre o sentimento de pavor diante do sagrado, diante desse mysterium
O paradoxo de toda hierofania está em que, quando o sagrado se manifesta, um objeto qualquer
se torna outra coisa e, contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do
PUREZA E PERIGO
No seu livro Pureza e Perigo, Mary Douglas faz uma reflexão sobre os sentidos e conexões
entre pureza, poluição e perigo em “sociedades primitivas”. Para ela, pensar sobre pureza
implica assimilar a poluição como experiência correlata e em seguida observar nessa
correlação, entre pureza e poluição, o perigo à continuidade das estruturas de um sistema
social, ou seja, defende que quando em uma sociedade comportamentos, ações, ideias,
categorias sociais e instituições são ordenados, são classificados como puros ou impuros, de
modo a evitar o perigo da desestabilização social. O grau de organização e de estabilidade
de uma sociedade reflete o nível de consenso e legitimidade alcançado pela ordenação e
hierarquização de experiências, puras ou impuras, em si mesmas não unitárias, inerentemente
desordenadas. Nesse sentido, o puro, o poluído e o perigoso são classificações simbólicas
Não há pureza ou impureza absoluta, as quais existem aos olhos de quem as vê, pode arbitrar
e constituir verdade. A sujeira ofende a ordem de quem vê, arbitra e persegue a sujeira quando
tinge um ambiente; persegue a doença, criando normas para se escapar do contato com a
mesma; persegue os grupos marginais, excluindo-os, reprimindo-os ou mesmo exterminando-
-os. Não há nada de amedrontador ou irracional no evitar a sujeira: é um movimento criativo, um
esforço para relacionar forma e função das coisas, ideias e sentimentos, fazer da experiência
uma unidade, uma vez que sexo, necessidades fisiológicas, impressões de objetos, sensações
ou emoções, diferenciações entre sagrado ou profano, são realidades movediças que precisam
ser orientadas coletivamente. É um perigo para o sistema social repartir o poder de simbolizar a
vida com aqueles cujos caracteres e ideias projetadas são ambíguos e anômalos, ou seja, não
se enquadram na ordem social vigente. O corpo humano possui formas variadas, assimétricas,
interior e exterior, orifícios de entrada e saída de fluidos, excrementos e objetos; as margens
físicas são margens de ideias, de experiências físicas e emocionais, sociais e culturais.
O SAGRADO E A DESSACRALIZAÇÃO
No interior da filosofia alemã, a religião, vista como mistério da interioridade, será objeto
especial de reflexões de alguns pensadores. Para Manuel Kant, ultrapassada a esfera do
conhecimento fenomênico, se a existência moral responde à pergunta: “Que devemos fazer?”,
a vida religiosa, por sua vez, responde a uma inquietude diferente: “Que podemos esperar?” O
conteúdo fundado nessa pergunta é facilitado por uma “religião pura”. Este é o correlato da fé
racional filosófica a que se chega reflexivamente pelo exame do uso da razão em sua função
prática, já que a vida moral exige uma fé inteiramente racional. Se o sujeito moral, ao obedecer
aos imperativos práticos da razão, negar a existência de Deus, cairá em contradição consigo
mesmo, pois somente Deus pode garantir que a ação moral nesse mundo não esteja destinada
ao fracasso. Trata-se, pois, de uma fé dinâmica que coincide com a ação racional do homem
moral. Deus é, assim, mais que uma visão do homem, sua aspiração, um incondicionado
possível que não pode ser considerado objeto e que abona o caráter de universalidade que lhe
confere o caráter de a priori da fé racional, sua condição de possibilidade dentro dos limites
razão pura, experimentado humanamente como satisfação incompleta. Nesse sentido, a vida
religiosa é um aspecto essencial da existência humana, e as condições de sua possibilidade
surgem da análise mesma da razão segundo funciona praticamente a fé do homem livre
em Deus. A religião está ligada à conduta ética. É uma disposição de perfeição confiada
da pessoa que admite que a lei moral regulada pelo imperativo categórico é expressão da
vontade de Deus.
Para Karl Marx, a religião não é a expressão da essência humana, pois nela o ser humano
não se conhece, já que ela se transforma num véu místico que a separa da realidade. Marx
identifica o ser humano com o mundo do ser humano, com o estado e a sociedade. Não se
fala sobre o ser humano e sim sobre o mundo do ser humano. Com isso, se altera de forma
radical o quadro epistemológico dentro do qual o fenômeno religioso deve ser compreendido.
A religião, sendo uma consciência invertida do mundo, é falsa, pois nela só há ilusão. Ela não
merece ser submetida a nenhum processo de interpretação, pois tem uma função teórica,
legitimatória e uma função emocional e, portanto, é produzida por uma realidade repressora.
A religião ou a alienação ideológica (religiosa) é um sintoma da enfermidade social, porque
não se pode penetrar no mundo das relações sociais por meio da religião; é destituída de uma
possível importância política. A alienação religiosa é de segunda ordem, uma atividade crítica
que se entende como um fim em si mesmo, que pressupõe que, uma vez abolida a ilusão, o
mundo se transformará. Mas, ilusões só existem em situações que exigem ilusões. A alienação
religiosa é a expressão ideal de uma alienação material. Marx percebeu e entendeu que uma
Uma civilização urbana, com megalópoles e seus problemas, como fragmentação, anonimato,
Leia com atenção o parágrafo que segue e, em seguida, escreva um texto sobre verdadeira e
falsa religião, inclusão e exclusão religiosa.
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO II
Faça uma pesquisa sobre a vida do teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer e descreva o que ele
entende por secularização.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. A essência das religiões. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
OTTO, Rudolf. O Sagrado: os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o
racional. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2007.
THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos. Uma teoria do cristianismo. São Paulo:
Paulinas, 2009.