ISSN 1415-6814.
Tânia Pellegrini
Departamento de Letras, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.
ABSTRACT. Brazilian contemporary fiction: still censorship? This article deals with
two distinct forms of censorship to the production and circulation of Brazilian Literature, in
the period of military dictatorship and beyond it. Those two moments are diverse but
complementary and correspond to a political censorship in the seventies and an economic
censorship, visible since the eighties. The latter was clearly marked by the consolidation of a
publishing market since the seventies, as a result of the authoritarian project of conservative
modernization.
Key words: culture, literature, ficction, censorship, editorial market.
não. Por conseguinte, pensar que a crescente penetração, em nossa economia, de capitais
institucionalização da censura ceifou a maior parte externos associados às empresas nacionais.
da produção artística do período, escondendo-a nas Passávamos a fazer parte de uma nova fase do
gavetas oficiais ou no âmago de seus criadores, é capitalismo internacional, o capitalismo
apontar unicamente para um lado da questão. monopolista, que exigia a transferência das unidades
Assumir integralmente as “gavetas vazias” é industriais do centro para a periferia. Nesse
contentar-se com uma simplificação, pois as relações contexto, a cultura vai gradativamente se adequando
entre cultura e ditadura foram muito mais a essa “modernização”, desenvolvendo-se como uma
complexas; sabe-se hoje que havia muita coisa sob o poderosa e sofisticada indústria, capaz de gerar
pretenso “vazio cultural”, não resumida apenas à lucros e benefícios... para poucos.
chamada “cultura de resistência” - efetivamente um No percurso, em 1975, cria-se a Política
filão que alimentou grande parte da produção do Nacional de Cultura, uma tentativa de controlar e
período, muitas vezes como um “espaço da dor“, administrar formalmente esse “campo minado”, de
“lugar onde a memória é resguardada para exemplo e contornos tão fluidos e inapreensíveis. Tratava-se de
vergonha das gerações futuras”.3 uma lei bastante contraditória, pois ao mesmo tempo
que proibia com a censura, incentivava com
A indústria da cultura subvenções, reforçando a necessidade de organização
empresarial, em que a profissionalização e o
Na verdade, um dos aspectos mais importantes
mercado eram pontos cruciais.
para uma visão ampliada do problema aqui posto
Assim, o produto cultural foi acentuando cada
refere-se à consolidação dos esquemas mercantis de
vez mais seu caráter de mercadoria, a ponto de se
produção cultural e literária, ou seja, à consolidação
tornar lugar-comum dizer que o Estado tornou-se,
de uma indústria cultural brasileira. Assim, parece
então, o grande mecenas da cultura, aquele que paga,
claro que reduzir essa produção, durante os anos 70,
mas exige fidelidade em troca4. Em suma: os
à influência exclusiva da censura é deixar de lado o
interesses gerais do Estado e dos novos empresários
formidável processo de gradativa transformação nos
da cultura passam a ser os mesmos; a questão da
modos de produção cultural como determinante, em
censura é conjuntural, enquanto a formação e o
última instância, das novas tendências que se
fortalecimento de um mercado integrado - que
gestavam à sua sombra, e que, a partir da década de
inclui os bens culturais - entra como peça da nova
80, revelaram-se extremamente fortes e atuantes.
estrutura econômica que se desenvolve no país.
Esse processo iniciou-se nos anos 60,
Desse modo, pode-se afirmar que a “estrutura
coincidindo com a elevação do padrão de vida das
profunda” da censura é mais essencial e atuante que
camadas médias, que aos poucos foi se constituindo
a aparente: enquanto esta se preocupa com cortes e
num público novo e ampliado para os novos bens
vetos a obras específicas, aquela busca uma espécie
culturais. Acentuou-se durante o “milagre
de regulamentação do controle estatal sobre todo o
econômico”, do início dos anos 70, e, nesse
processo cultural, de maneira a eliminar aos poucos
contexto, a censura funcionou como uma espécie de
os resquícios de formas de produção artesanais ou
expressão ideológica de um tipo de orientação que o
alternativas, lembranças de um Brasil considerado
Estado pretendia imprimir à cultura. Nessa linha, ele
“pré-moderno” e que se quer superar. Nas palavras
utilizou a censura de modo bipolar, mas
de Renato Franco:
essencialmente político: impedia um tipo de
orientação, a de conteúdo político de esquerda, ou (A censura) acabou por verdadeiramente fustigar, com
aquilo que assim lhe parecesse, mas incentivava suas ondas de mudanças, as ramagens mais viçosas da
outro, aquele que pregava a Pátria, Deus, a moral, as produção cultural - além de devastar a paisagem
tradições e os bons costumes. tradicional da literatura, que foi então obrigada a
enfrentar, como ponto avançado desse tipo de
Assim, textos específicos foram censurados, mas
modernização, o vendaval provocado pela expansão e
não a sua produção geral, que cresceu e se firmou, consolidação da Indústria Cultural.5
amparada pelo “projeto modernizador” do governo
militar. Esse projeto, extremamente conservador,
pois não visava beneficiar o conjunto da população,
incluía a consolidação de um setor industrial
“moderno” no país, de fato iniciado nos anos
anteriores, do governo Juscelino, que incluía a 4
Holanda, Heloísa B. e Gonçalves, Marcos A. Política e
literatura:a ficção da realidade brasileira - anos 70. Rio de
Janeiro: Europa, 1980.
3 5
Dalcastagnè, R. Op. cit., p.25. Op. cit., p.25.
Ficção brasileira contemporânea: ainda a censura? 81
“literatura de resistência” foi conjuntural, apesar de sul do país. Esboça-se aí, então, um dos primeiros
seu valor moral e ético e a qualidade estética de aspectos constitutivos da censura econômica: por trás de
alguns de seus exemplos; ela perde seu impulso e todos os números aparentemente otimistas, o que se
sentido à medida que finda o regime militar. Assim, coloca é a lógica perversa do descompasso entre
a censura política, tida como co-autora todo-poderosa progresso e atraso, expressa em uma efetiva separação
de tantos textos, vem a ser apenas uma personagem a entre livro e leitor, entre a indústria do livro e o público
mais na narrativa maior da história do capital no potencial que ela poderia atingir, o que tem
Brasil. explicações bastante lógicas, como veremos.
A partir dos anos 80, a situação já é outra, O desapego crescente pela leitura é um
representando a definitiva consolidação de todo o fenômeno mundialmente reconhecido, pois ela
processo até aqui analisado. Com o fim da censura exige, além de tempo, concentração e esforço,
política, em 1979, e o fim do regime militar, em 1985, aptidões que, na vida contemporânea, estão cada vez
ganha força o que chamamos censura econômica, e mais voltadas apenas para a “produtividade”. O
outras serão as respostas dadas pela cultura e pela Brasil, marcado por tão profundas desigualdades
literatura, agora produzidas nos moldes de uma sociais, tem observado conseqüências no mínimo
sofisticada indústria. inquietantes desse fenômeno para o espectro
É importante lembrar, neste ponto, que os cultural.
esquemas da indústria cultural funcionam Analisando numericamente a questão do livro e
unicamente no sentido de padronizar e racionalizar da leitura no Brasil, portanto, encontram-se dados
as técnicas de produção e distribuição de “bens”, muito interessantes, porque contraditórios. Por
visando um rendimento ótimo, que aproxime de exemplo, apesar do crescente número de edições de
imediato consumidor e produto. Essa aproximação títulos novos, os exemplares para cada tiragem
tem como ponte o prazer do entretenimento, apelo continuam estacionados, há décadas, na casa dos 2
maior de um produto que se transforma em objeto ou 3 mil, isso sem levar em conta as exceções, como,
de desejo e é sentido como o provedor de uma por exemplo, Jorge Amado e o recordista Paulo
necessidade concreta ou abstrata, que exige satisfação Coelho. No entanto, já em 1972, um artigo da
urgente. Em outras palavras, a cultura, antes revista Veja10 afirmava que, em importância
entendida sobretudo como criação, agora é vista econômica, “a indústria do livro situava-se ao lado da
exclusivamente como produção. Eis aí, portanto, automobilística, naval e petroquímica”, liderando o
estabelecido, o primeiro patamar para o movimento editorial latino-americano. Segundo o
fortalecimento da censura econômica, aquela que veta mesmo artigo, o Brasil publicava “uma vez e meia
qualquer produto que não se enquadre nessas mais que o México e o dobro da Argentina em
expectativas preferenciais9. títulos e tiragens”. A opinião do articulista
enveredava por um prognóstico bastante alentador,
O mercado e a mídia bem sintonizado com o ufanismo dos tempos do
regime militar:
Uma das formas de compreender a extensão e os
efeitos desse processo, no Brasil, é analisar com mais Bastam dados estatísticos para revelar o tesouro de Ali
acuidade o funcionamento do nosso mercado Babá que aguarda os editores organizados
editorial, desde que, a partir de então, é ele quem modernamente: a população tem acesso crescente à
definitivamente vai determinar as coordenadas da educação; o Mobral já alfabetizou 2 milhões de
pessoas; as estradas rompem seculares isolamentos de
produção e consumo da literatura.
regiões imunes à cultura contemporânea e a classe
Esse funcionamento é cheio de paradoxos: sendo média cresce de poder aquisitivo de ano para ano.
um setor que sempre se diz “em crise”, os números Unanimemente os experts reconhecem em todo o
que ostenta, todavia, denotam um crescimento mundo a ação multiplicadora da educação e o
seguro ao longo das três últimas décadas, o qual, instrumento desse progresso ainda é o livro.
entretanto, não corresponde à duplicação da
Todavia, apenas três anos antes, em 1969, outro
população do país no mesmo período; além de o
artigo da mesma revista afirmava que “um milhão de
analfabetismo ter se mantido em níveis muito altos,
leitores novos passam pelas livrarias com água na
o desenvolvimento desigual concentra as riquezas no
boca, mas sem dinheiro no bolso para saciar sua
9
Esse processo não é novo, remonta aos primórdios da
Revolução Industrial, com o surgimento do folhetim, por
exemplo, mas sua colossal intensificação deu-se com o
surgimento da televisão, primeiro, e dos computadores, depois,
10
aparatos que ampliaram o raio de ação e a eficiência do S/a. A desordem do crescimento. Veja, São Paulo, 21
mercado. jun.1972.(Sobre a II Bienal Internacional do Livro).
Ficção brasileira contemporânea: ainda a censura? 83
fome de leitura”11. Corroborando esse dado, vinte de Desenvolvimento Social (BNDS) descobriu um
anos depois, em 1989, a revista Istoé 12 declarava que “mercado praticamente por criar”, pois o índice de
“a indústria editorial brasileira apresentou números leitura per capita no país é de apenas 0.9 de livro ao
animadores na Bienal do Livro, no Rio, mas ainda ano15; vale dizer, o brasileiro, em média, lê menos de
tem dificuldade em ampliar o público leitor”. um livro por ano, a despeito do número de
Na verdade, uma das causas apontadas para que exemplares vendidos, por volta de 300 milhões,
esse “público leitor” se mantenha tão arredio diz segundo a Câmara Brasileira do Livro16. De modo
respeito ao preço do livro no Brasil, ou seja, o livro geral, portanto, o Brasil não tem uma população
brasileiro vende pouco porque é muito caro. Já em leitora compatível com o número de habitantes.
1975, um artigo da revista Visão13 anunciava: Além do preço, a escassez de bibliotecas, a
concentração das editoras no centro-sul, a
Difícil de ser encontrado, mal amparado quanto à
divulgação, quase desconhecido pelos profissionais que precariedade da distribuição e a elitização cada vez
o vendem, o livro tem um desestímulo a mais para o maior da qualidade do ensino, sobretudo nas séries
leitor que pretenda, por meio dele, um acesso à iniciais, fazem do livro um objeto que atinge um
cultura: o preço. Custando em média 10% do salário público restrito, basicamente urbano, formado pelos
mínimo, uma grande parcela da população encontra- estratos mais escolarizados e/ou de maior poder
se automaticamente alijada de seu consumo. aquisitivo: estudantes, professores, jornalistas,
Invertendo os termos, pode-se dizer que, com artistas, profissionais liberais, etc.
efeito, até hoje, o livro brasileiro vende pouco Um outro elemento que ajuda a constituir a
porque é caro, mas é caro porque vende pouco. Isso censura econômica, pois interfere na formação de
se deve ao fato de que “editar livros no Brasil é um leitores e que, paradoxalmente, nas pesquisas a
grande negócio”, conforme aponta o Jornal da respeito de livros e hábitos de leitura em geral, não é
Tarde:14 Para o articulista do jornal, “é mentira a integralmente assumido pelos entrevistados, é o
velha história de que brasileiro não lê. Não lê (ou papel exercido por outras formas de entretenimento,
não compra) porque o livro é caro e a renda é baixa. principalmente as visuais, como televisão, vídeo e
Fosse o contrário, haveria leitores.” E continua, computadores. A predominância contemporânea de
apresentando argumentos que identificam a raiz do uma cultura visual, transmitida “democraticamente”
problema: sobretudo pela televisão, impõe, antes da alfabetização
pela letra, uma alfabetização pela imagem, o que acarreta
Nenhum editor tem prejuízo por menos que um livro conseqüências de fundo, observáveis e
venda, porque, outro segredo que ninguém conta, o
quantificáveis, entre outras coisas, na formação ou
livro custa às vezes um décimo, no mínimo um quinto
do que se cobra do leitor. Fazer livros custa barato. O
consolidação dos hábitos de leitura17. Nas palavras da
que sai caro é vendê-lo. E uma tiragem-padrão de 3 ensaísta argentina Beatriz Sarlo:
mil exemplares, tudo o que se vende a partir do 601o. (...) inclusive há uma relação tecnológica com as
exemplar é lucro. Eis aí um exemplo cabal do máquinas que é anterior à própria escola. Continuo
capitalismo sem risco. acreditando que a forma mais difícil de alfabetização
Como se vê, a consolidação da indústria cultural tem a ver não com os meios massivos, mas com a
leitura. Não conheço outra operação de tal
estabeleceu outros critérios para o mercado editorial,
complexidade semiótica (ainda que se diga que um
critérios agora estritamente econômicos, muito pouco comercial de televisão mistura diferentes tipos de
ligados à velha idéia de “produzir conhecimento e discursos e portanto obriga a operações com várias
cultura”, que continuam mantendo afastado o redes formais). Qualquer um pode ser bom espectador
suposto maior beneficiário de todo o processo: o de televisão; precisa-se de muito mais para ser um
leitor, ou melhor dizendo, o comprador ou consumidor, leitor de jornais.18
para usar o jargão adequado. Em recente pesquisa
No entanto, a preferência pela TV foi admitida
sobre a posição do livro no Brasil, o Banco Nacional
por apenas 1% do universo de entrevistados pelo
11
Datafolha, em janeiro de 1994. Segundo essa
S/a. Quem conhece um milhão de leitores novos?. Veja, São
Paulo, 16 maio 1969.
15
12
Marques, Carlos José. Muitos livros, poucos leitores. Istoé, São Acessocom. Internet, 04 fev. 2000.
16
Paulo, 13 set.1989. Dados de 1993.
13 17
S/a. O que acontece de errado com os livros ?. Visão, São Um dado inquietante, embora específico: apesar das políticas
Paulo,15 set.1975. educacionais, no ano de 1995, o Brasil tinha cerca de 700 mil
14
Emediato Luiz F. O preço do livro no Brasil. Jornal da Tarde, São jovens mulheres analfabetas, segundo dados do IBGE, agora
Paulo, 11 ago.1996. O artigo especifica os custos de uma publicados. S/a. IBGE revela perfil das analfabetas. O Estado de
edição: 20% de custos editoriais, gráficos e insumos; 10% para o S. Paulo, São Paulo, 11 jun. 2000.
18
autor; 15% para a editora; 15% para a distribuidora e 40% para a Entrevista com Beatriz Sarlo. Cult, no. 35. São Paulo, junho
livraria. 2000. p.4-9.
84 Pellegrini
pesquisa, metade dos habitantes da cidade de São conformando o gosto à crescente especialização do
Paulo, “a mais rica metrópole do país”, disse não ter mercado, que divide a classe média em rentáveis
lido nenhum livro nos últimos doze meses daquele fatias, etárias, profissionais, econômicas, de gênero,
ano, pelos mais diversos motivos: “falta de tempo” etc. Assim, cada leitor aprende aos poucos a se
(58%); “não gostar de ler” (24%); "não ter paciência inserir num universo de leitura, em que as
para ler” (13%)”; preços altos (9%); apenas 1% coordenadas de escolha e fruição não são
assumiu que preferia a TV como forma de lazer19. estabelecidas “por si”, mas por todo um jogo
Essas respostas, segundo os entrevistadores, deixam mercantil cujas regras ele não conhece e que está
entrever alguma distorção, pois percebe-se um certo bem distante das letras.
“constrangimento” em admitir o descaso ou a falta
de gosto por uma prática que, apesar de tudo, ainda Literatura e entretenimento
goza de grande prestígio social.
Por conseguinte, a definitiva mercantilização da
Nesse escasso universo de leitores, são poucos os
literatura, aqui representada pelo funcionamento do
que procuram “literatura”, ou seja, aqueles livros
mercado editorial, com sua estratégia de “vender
conhecidos como “romances” ou “contos”, não
livros como se vende sabonete”23, associada à prévia
importa se nacionais ou estrangeiros: apenas 10%. A
alfabetização pela imagem dos futuros leitores, foi
grande maioria deles consome livros didáticos, de
criando esse tipo de censura mais implícita, mais
leitura obrigatória, responsáveis por quase 60% da
sutil, mais ambígua que a política, mas não menos
produção editorial brasileira; outra fatia grande desse
corrosiva que ela, a censura econômica. Na verdade,
mercado, mais ou menos 20%, destina-se ao público
ambas estão profundamente imbricadas, pois a
infanto-juvenil, que também é estimulado a ler pelas
primeira já continha o embrião da segunda, que
escolas e/ou pela família. E os 10% restantes são
aflorou com toda força no contexto ideológico que
preenchidos por aqueles livros que se agrupam sob o
vem norteando a implantação do capitalismo tardio
rótulo de “outros”, entre os quais os esotéricos ou de
no Brasil e que se chama globalização.
“auto-ajuda” são os preferidos.20
Sob os efeitos da censura econômica, o próprio
A influência da TV ou de outras formas de
sentido e as formas de valoração da literatura estão
entretenimento visual no estilo dos textos literários,
em processo de mudança, desde que ela se insere
não só como um intercâmbio natural entre as
num contexto cercado por fronteiras que nada têm a
linguagens, que, afinal, ocorre desde o surgimento
ver com estética; misturados às pressões e limites
da fotografia, mas como tentativa de atrair para as
econômicos, existem também aqueles ligados a
letras leitores cada vez mais fascinados pela imagem
aspectos específicos da condição “espetacular’’ do
eletrônica, é muito clara, sobretudo na literatura
mundo contemporâneo, em que tudo pode se
infanto-juvenil, como constata a revista Veja21:
transformar num evento de mídia24.
Na verdade, a influência da TV é patente nos livros Todavia, comparada a outras formas culturais,
mais modernos. Textos curtos e ilustrações maiores e como a música ou as artes plásticas, por exemplo,
mais bem cuidadas criam uma nova dinâmica de que podem promover grandes shows ou exposições,
leitura22. Alguns livros permitem, inclusive, uma ou o cinema, que em si é uma “exposição”, a
leitura quadro a quadro de suas páginas, como se literatura presta-se pouco a esse tipo de “espetáculo”,
fossem cenas de um programa de TV ou telas de jogos
pois os escritores só podem aparecer em fotos, em
eletrônicos.
ilustrações de suas obras, em uma ou outra
Como se vê, a lógica do mercado e a competição entrevista por algum canal de televisão, suplemento
com os meios eletrônicos, além de estabelecer uma de jornal ou revista semanal. Mesmo assim, passam a
nova dinâmica da própria leitura, já mais afeita a fazer mais sucesso os mais fotogênicos ou de vida
imagens que a letras, foi criando setores específicos mais interessante, como atestam as palavras de
de público e adequando a eles novos produtos. Sérgio Machado, outro editor da Record: “Agora a
Então, também o público de literatura, como o de gente se preocupa também com o perfil
outros setores, educado cada vez mais na estética da mercadológico do escritor. Damos preferência a
imagem e do espetáculo, vai aos poucos gente que se sai bem em entrevistas, que diz coisas
19
S/a. Paulistanos dizem não ter o hábito de ler por falta de tempo.
Folha de S.Paulo, São Paulo, 02 jan. 1994.
20
A venda desses livros “cresce na medida do crescimento da
crise econômica”. S/a. Venda de livros de auto-ajuda dobra entre 23
Declaração atribuída a Renato Machado, editor da Record. In:
97-98. O Estado de S. Paulo. São Paulo,14 set. 1999. Muitos livros, poucos leitores, cit.
21
S/a. Sem fadas ou bruxas. Veja, São Paulo, 25 ago. 1982. 24
Debord, Guy. A sociedade do espetáculo. São Paulo:
22
O grifo é meu. Contraponto, 1997.
Ficção brasileira contemporânea: ainda a censura? 85
pensar a História e a si mesma; são contrárias, PELLEGRINI, T. A imagem e a letra: aspectos da ficção
inclusive, até à sua potencialidade de ser um canal brasileira contemporânea. Campinas: Mercado de
privilegiado de contato, de difusão de idéias e de Letras/Fapesp, 1999.
informação sobre a conjuntura, o que ela ainda PERRONE-MOISÉS, L. Altas literaturas. São Paulo:
conseguiu ser, durante a vigência da censura política. Companhia das Letras, 1998.
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um problema político, ético e moral, que inclusive Carlos: Edufscar,1995.
ultrapassa questões especificamente estéticas: trata-se
de optar ou não por uma linguagem cujo “valor de Artigos em periódicos
conhecimento” possa levar à crítica negativa da
sociedade contemporânea, deixando de lado uma Jornais
outra, cujo “valor de ação”29 tem sido interpretado CARVALHO, B. Editoras provocam alucinação no
exclusivamente como experiência mimética mercado. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 dez.1993.
reduplicadora dessa sociedade. Felizmente, como EMEDIATO, L.F. O preço do livro no Brasil. Jornal da
nos ensinou nossa própria história, toda censura Tarde, São Paulo, 11 ago.1996.
pode ser burlada e, às vezes, funcionar à própria IBGE revela perfil das analfabetas. O Estado de S. Paulo,
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