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IDÉIA ETERNA
Gustavo Arantes Camargo
PUC/RJ - Departamento de Filosofia
Curso de Mestrado
2 4
Ibidem, p. 179 Ibidem, p. 180
3 5
Ibidem, p. 179 Ibidem, p. 180
outra para poder ser chamada de estão dados na obra. A obra tem au-
obra de arte, ou seja, ela mantém sua tonomia na medida em que ela se
singularidade. A mesma coisa acon- autojulga através dos seus critérios
tece com os fatos históricos. Eles imanentes. Trata-se de "incendiar" a
guardam em suas minúcias a chave materialidade da obra para que se
que permite ao historiador ou ao filó- possa extrair o conteúdo de verdade.
sofo estuda-lo e salva-lo. É ao des-
A arte é um meio privilegiado de ex-
vendar seus pormenores que se tor-
pressão, pois é possível encontrar o
na possível a intelecção da totalida-
absoluto através da arte. Para Hegel,
de. Pois é a partir da decomposição
o absoluto pode ser pensado, pode
dos pormenores que o fato ou a obra
ser encontrado através da racionali-
de arte tornam-se factíveis de serem
dade. Neste contexto, a arte seria
salvos. É na descrição dos pequenos
superada pela filosofia. Para Benja-
acontecimentos que a verdade sobre
min, a verdade se encontra justa-
um todo pode aparecer. A estrutura
mente naquilo que não conseguimos
de mônada permite tanto à arte
explicar, no sentimento que muitas
quanto à história manterem sua sin-
obras de arte são capazes de nos
gularidade sem que caiam em estru-
fazer experimentar por um momento.
turas que lhes são exteriores. Ca-
Eis aí a verdade. E já se foi... a ver-
bendo à linguagem, como sempre,
dade pode se apresentar, mas foge
ser o médium entre a arte e a histó-
ao conhecimento que a explique. As
ria, de um lado, e as idéias e a ver-
obras de arte são um médium de
dade, de outro.
apresentação do absoluto. A obra é
uma reflexão. Então a crítica é um
A Arte, Crítica de Arte e a Capaci-
conhecimento da obra por ela mesma
dade de Salvação
no sentido de que continua a reflexão
Já vimos que verdade não está na da obra. A crítica é uma reflexão li-
lógica e na ciência. Vimos também mitada da obra. Essa limitação tem
que ela necessita de uma dimensão que ser dissolvida pelo absoluto da
sensível que é a linguagem. Neste arte. Sendo a obra um médium de
sentido, a arte aparece como a lin- transmissão do absoluto, a crítica
guagem de que a verdade necessita. deve encontrar o absoluto, sendo
A arte é uma linguagem expressiva também uma arte.
capaz de mostrar a verdade. Nesta Benjamin entende a criticabilidade da
teoria, o crítico deve intervir e traduzir obra de arte como peça fundamental
a linguagem das obras. A verdade se da própria arte. A crítica é uma po-
apresenta na materialidade da obra. tencialização da reflexão da obra. E
O crítico deve ser capaz de encontrar para os românticos, essa reflexão é
na obra o seu conteúdo de verdade. inerente a tudo. Tudo fala, tudo se
A crítica deve ser imanente à obra, e expressa. Reflexão no sentido de que
não um julgamento baseado em crité- cada coisa reflete de si mesma. Nes-
rios exteriores. Os critérios da crítica se sentido, a crítica é uma intensifi-
cação da obra. A obra reflete a si, e o obra. No entanto, Benjamin acha que
crítico reflete em cima desta reflexão. os românticos valorizaram de manei-
Goethe se opõe aos românticos no ra excessiva a forma. Sendo sim-
que diz respeito a criticabilidade das plesmente essa forma o essencial
obras de arte. Ele não considera a para se atingir a verdade. Neste
obra de arte algo criticável. Para ele, ponto, Benjamin se aproxima de Go-
uma crítica metódica, necessária é ethe quando concorda que existe
impossível. Com os românticos, a uma verdade por trás da obra. No
crítica não só é necessária como se entanto, para Goethe a idéia está na
encontra no paradoxo de poder ser natureza (arquétipos), para Benjamin
mais importante do que a própria a idéia está na história, ainda que
obra. Pois é dela que extraímos o seja eterna.
absoluto. Goethe diverge também
Benjamin encontra na arte uma opo-
quanto à teoria da arte, pois para ele,
sição à teoria da representação. A
a arte não é capaz de nos apresentar
verdade está na obra mas a obra não
algum conteúdo puro. "Os puros
representa a verdade. A verdade
conteúdos como tais não podem ser
aparece por trás da obra. É preciso ir
encontrados em obra alguma. Goethe
além da simples materialidade para
denomina-os de arquétipos. As obras
chegarmos à verdade. É preciso "in-
não podem atingir aqueles arquétipos
cendiar" a obra. O conteúdo de ver-
invisíveis- mas intuíveis- cujos guar-
dade é o enigma da obra, são as
diões os gregos conheciam sobre o
chamas vivas. O papel do crítico é
nome de musas"16. Esses conteúdos
revelar essa verdade. Por isso, o crí-
puros seriam o Ideal da arte. Pode-
tico desempenha um papel tão im-
mos apenas intuir esse Ideal. A arte
portante na teoria da arte de Benja-
se aproxima dos arquétipos. "Em
min. A questão da filosofia é a busca
relação ao Ideal, a obra singular per-
a verdade. A obra de arte também
manece como um torso".17 Para os
está às voltas com essa questão da
românticos, a obra não poderia ser
filosofia. A arte apresenta essa ver-
um torso. "Na medida em que ela se
dade através de seu segredo inex-
limita em sua forma, se faz transitória
presso. Neste sentido, a questão da
numa configuração casual, numa
arte é a mesma da filosofia: a verda-
configuração passageira torna-se, no
de. Uma obra só está completa
entanto, eterna, via crítica".18 Benja-
quando se encontra a verdade nela
min concorda com os românticos
oculta. Apenas o que há de inexpres-
quanto à importância da crítica de
so é capaz de acabar a obra. Nesta
arte. Esta é fundamental para encon-
lógica, o crítico, em última instância,
trarmos o que há de teológico na
é quem finaliza a obra ao liberar seu
conteúdo de verdade.
16
Benjamin. "A teoria da arte primeiro ro-
mântica e Goethe", p. 116
17
Ibidem, p. 118
18
Ibidem, p. 119
gar de novo sua tempestade a qual- história. E esta redenção só pode vir
quer momento. Uma história da qual com o rompimento da temporalidade
ao invés de se orgulhar o homem burguesa e a instauração de uma
moderno se envergonha, uma história temporalidade intensiva, que permita
triste e que ainda não foi, mas preci- ao homem debruçar-se sobre seu
sa ser, redimida. Somente quando o passado e descobrir a verdade sobre
homem for capaz de citar sua histó- si mesmo. À burguesia não interessa
ria, em cada um de seus momentos, a verdade do homem, interessa a
ele estará redimido e salvo. A tempo- verdade da burguesia, isto é, o pro-
ralidade burguesa não permite esta gresso. Por isto o progresso nos im-
redenção pois impele o homem, com pede de olhar o passado com mais
uma força violenta, para o futuro em cautela. E é aí que estará sempre o
nome do progresso. O preço que a historiador materialista, para apre-
humanidade paga por este progresso sentar quantas vezes for possível e
tecnológico é o preço de não poder necessário a história que a burguesia
falar de sua história. Ao não falar se recusa a contar: a história dos
dela, esconde-se também todas as vencidos, a história do proletário.
calamidades e holocaustos já reali-
Nas “Teses sobre o conceito de histó-
zados em nome deste mesmo pro-
ria” Benjamin apresenta o materialis-
gresso. Desta forma segue-se a cro-
mo histórico de Marx como um fanto-
nologia do tempo linear que nos força
che, controlado por um anão corcun-
a andar para frente, em nome do
da, que se esconde mas é capaz de
progresso, sem que possamos parar
vencer qualquer desafio desde que
e examinar um pouco melhor esta
leve a teologia em consideração.
história que continua a ser construída
Uma possível explicação para esta
a cada momento. As calamidades
apresentação do materialismo históri-
cometidas perdem-se assim no es-
co é que ele é capaz de mostrar a
quecimento e o conformismo pode
verdadeira história perdida na tempo-
reinar. A tarefa do historiador materi-
ralidade cronológica, pois ganha
alista é justamente mergulhar nos
sempre. Ao mostrar esta verdade,
pormenores da matéria, encontrando
permite a salvação, que é sua dimen-
aí sua verdade, sua totalidade. Ao
são teológica. Esta teologia entre-
escrever a história a partir de sua
tanto, não pode mostrar-se, pois hoje
materialidade o historiador salva o
se encontra pequena e feia. Por isto
acontecimento do esquecimento,
se esconde em um jogo de espelhos
conferindo-lhe uma nova interpreta-
que não a revela e veste uma másca-
ção e rompendo desta forma, com a
ra, ou um fantoche, para que possa
temporalidade teleológica, sendo
exercer sua força. Para Benjamin
então capaz de propor um novo sen-
história e teologia são inseparáveis
tido ao presente. Somente esta histó-
assim como o fantoche e o anão cor-
ria materialista, que salva o aconte-
cunda.
cimento e apresenta a idéia, pode
trazer a redenção do homem em sua
o fato se perde. A perda da história Esta história deve deixar claro o es-
engrandece a classe dominante que tado deplorável em que a humanida-
continua sua marcha em direção ao de se encontra. A tristeza que nos
progresso. arrebata a cada olhar no passado
precisa ficar evidente. Desta forma,
“Articular historicamente o passado
novos episódios assombrosos tor-
não significa conhece-lo “como ele de
nam-se mais difíceis de ocorrer. O
fato foi”. Significa apropriar-se de
fato de ainda hoje ocorrerem tais as-
uma reminiscência, tal como ela re-
sombros mostra que para nossa cul-
lampeja no momento de um perigo”.24
tura a história não serve para nada.
Esta reconstituição do passado fiel
Não aprendemos com ela, não for-
aos fatos é tanto mais impossível
mulamos acertos a partir dos nossos
quanto constrói uma explicação cau-
erros. A importância da experiência
sal coerente para a história, justifi-
na constituição do homem foi desta-
cando assim a vitória da classe rica.
cada por Benjamin. Mas ele atentou
O perigo que a tradição corre é per-
exatamente para a pobreza do tipo
der-se nesta temporalidade teleológi-
de experiência pela qual a moderni-
ca e “entregar-se às classes domi-
dade passa. O presente que não
nantes, como seu instrumento”.25 O
aprende com a história mostra uma
conformismo da impossibilidade de
história que tem como objetivo es-
outros futuros precisa ser quebrado
conder os assombros provocados em
pelas centelhas de esperança que o
nome do progresso. É uma história a
passado lança e que caba ao histori-
serviço das classes dominantes. Por
ador materialista apresentar como
isto “a concepção de história da qual
história.
emana semelhante assombro é in-
A história contada até hoje é a histó- sustentável”.26 Ao invés de uma ca-
ria dos vencedores. Os vencedores deia de acontecimento, a história
de hoje são herdeiros dos vencedo- apresenta-se como uma catástrofe
res de ontem. São eles que se apro- única, da qual não podemos parar e
priam dos bens culturais e que lhe socorrer os feridos, pois o progresso
conferem um sentido que lhes bene- nos impede. Assim, o progresso, ao
ficia. O historiador materialista preci- nos impedir de pensarmos nossa
sa fugir desta história dos vencedores história, faz com que a esqueçamos
e fazer uma outra história, uma anti- ao invés de nos redimirmos.
história, uma história a contrapelo.
Uma história que se oponha ao que Por ser o progresso a principal arma
até hoje já foi visto. e o principal valor burguês, o revolu-
cionário não pode jamais toma-lo
como um valor para si. Seria um gra-
ve erro, pois assim, sua ação estaria
24 a serviço da classe dominante e não
Benjamin, “Sobre o conceito de história”,
tese 6
25 26
Ibidem, tese 6 Ibidem, tese 8
Referências Bibliografias