Você está na página 1de 4

Universidade Federal do ABC 

Bacharelado em Ciências e Humanidades 
Conhecimento e Ética 
  
Aluna: Kelly Costa Garcia 
Prof.Dr. Luis Alberto Peluso 
  
A Ética Utilitarista 
  
O  debate  ético  em  pauta nas  discussões  filosóficas  se depara com  uma  certa  dificuldade em 
estabelecer  padrões  universais  de  certo  e  errado,  bem  ou  mal,  para  definir  o  termo  “ética”  em   si. 
Buscando  solucionar  tal  problema,  encontramos  diversos  autores,  entre  eles:  Kant,  Hume, 
Wittgenstein, Bentham,  Mill  ­ esses dois últimos, “pais” do utilitarismo. E sobre a visão utilitarista que 
analisaremos a questão ética. 
O  utilitarismo  é  uma  corrente  filosófica  da  ética  normativa  consequencialista.  Surgiu  nos 
séculos XVIII e XIX, na Inglaterra, tendo como seus fundadores filósofos e economistas ingleses Jeremy 
Bentham  e  Stuart  Mill  ­  este  empregou  o  termo  ​ utilitarismo  ​
pela  primeira  vez.  Entretanto,  o 
pensamento   utilitarista  é  anterior  a  esse  período,  sendo  constatado  na  filosofia  antiga,  nos 
pensamentos  de Epicuro e  seus  seguidores  na  antiga  Grécia. Bentham chegou afirmar ter descoberto 
o  "princípio  de  utilidade”  em  escritos  de  vários  pensadores  do  século  XVIII,  como Joseph Priestley, 
Claude­Adrien Helvétius, de Cesare Beccaria e David Hume. 
Ética,  em sentido  amplo,  segundo Bentham, define­se como a arte de governar as ações 
dos  homens  para  a  produção  da   maior  quantidade  de  felicidade,  em  benefício  daqueles cujo 
interesse  está em  jogo; o  que  nos  remete ao ​ princípio da  utilidade​
,  conceituado por ele como: 
“o  princípio  que  aprova  ou  desaprova  qualquer  ação,  segundo  a  tendência  que  tem  de 
aumentar ou  a diminuir a felicidade da pessoa  cujo interesse está em jogo, ou, o que é a mesma 
coisa  em  outros  termos,  segundo  a  tendência  a  promover  ou  a  comprometer  referida 
felicidade”.  ​
As  regras  e  leis  vigentes  do  campo  moral  de  uma  sociedade  que  não  estão  de 
acordo com este princípio são consideradas imorais. 
Utilizando também a  definição  de Stuart  Mill: “utilidade ou princípio da maior felicidade 
como  a  fundação  da  moral  sustenta  que  as  ações  são  corretas   na  medida  em  que  tendem  a 
promover  a  felicidade  e  erradas  conforme  tendam  a  produzir  o  contrário  da  felicidade.  Por 
felicidade se entende prazer e ausência de dor; por infelicidade, dor e a privação do prazer”. 
Isto não quer dizer que prazer  seja definido como “bem”. Um termo moral como “bem” 
não  pode ser  definido  por um termo real como  prazer. Cada  um  pertence a um nível diferente 
de análise e, portanto, não podemos misturá­los. 
Prazer  é  uma  sensação, um termo real. Com isso,  ele pode ser interpretado (desde que 
não   seja  separado  da  noção  de  sensação),  mas  não  definido  como  preferência,  vontade, 
escolha ou bem (termos ficcionais). 
Em  Mill  encontramos  um  trecho  que  relata  a  respeito  da  felicidade:  “​
a  felicidade  de  que 
falavam [os  filósofos]  não  significava  uma vida de arroubo, mas momentos de êxtase numa existência 
constituída  de  poucas  dores  transitórias,  muitos  e  variados  prazeres,  com  um  claro  predomínio  do 
ativo sobre  o passivo; existência  fundada, em seu  conjunto,  sobre a idéia de não esperar da vida mais 
do que ela é capaz de conceder”. 
O  princípio  da  utilidade, também  conhecido  como princípio da maior felicidade, não se refere 
a  maior  felicidade  do  próprio  agente, mas a de todos afetados por sua ação. Cada agente deve buscar 
a  maior  soma  de  felicidade  conjunta.  Assim,  o  utilitarismo  rejeita  um  posicionamento  egoísta, 
opondo­se  a  idéia  que  o  indivíduo deva  perseguir  seus  próprios interesses,  mesmo  prejudicando  aos 
outros. 
“A  felicidade que  os utilitaristas  adotaram  como padrão  do que é certo na conduta não é a do 
próprio   agente,  mas  a  de  todos os  envolvidos.  No  preceito  de  ouro  de  Jesus  de  Nazaré encontramos 
todo  o  espírito  da  ética  da  utilidade.  Fazer  aos  outros  o  que  gostaria  que  lhe   fizessem  e   amar  ao 
próximo como a si mesmo constituem a perfeição ideal da moralidade utilitarista.” ​ (Mill) 
O  utilitarismo  também  se  opõe  a  qualquer  teoria  ética que considere  ações  como  certas  ou 
erradas  independentemente  das  suas  consequências.  Ele,  como   forma  da  ética  consquencialista, 
afirma  que  para  cada  ação   moral  devem­se avaliar  os  efeitos da mesma,  não  a  intenção  em si, mas 
sim  o  resultado, a  consequência,  para que se reflita se determinada conduta é eticamente reprovável 
ou não a partir do princípio da utilidade. 
Sob  a  visão  utilitarista,  então,  podemos  analisar  algumas   questões  polêmicas,  como o 
suicídio  e  o  aborto.  Baseando­nos  no  princípio  da  maior  felicidade,  ambas  essas  ações 
produziriam maior prazer para o maior número de pessoas? De certo que não. Tanto o suicídio, 
este produz grandes impactos  negativos à  sociedade, quanto o aborto, que, pensando nas suas 
consequências,  estaria   priorizando  apenas  o  maior  prazer  individual.  É  claro  que  há 
divergências  na  questão  do   aborto  em  relação  ao  que  pode  ser  considerado  vida,  mas 
considerando  que  o  óvulo  fecundado  já  é  vida,  por  que  matá­la?  Não  traria  maior  prazer 
coletivo se ela fosse gerada, e, continuando indesejada por parte da mãe, levada à adoção? Tal 
ação  traria  maior  felicidade  a  uma  família,  que,  por  exemplo,  sonha  em  ter  filhos,  mas  não 
consegue. 
  
Devido  à  existência  de  algumas  versões  do  utilitarismo  (diferentes  autores),  podemos 
citar cinco princípios fundamentais que são comuns a todas elas: 
1)  Princípio  do  bem­estar  (​ maior  felicidade​ )  –  O  “bem”  é  definido  como  sendo  o  bem­estar. 
Objetivo de cada ação moral é o bem­estar. 
2)  Consequencialismo  –  as  consequências  de  uma  ação  são  base  para  julgar  a moralidade  da 
mesma.  Para o utilitarismo, dentro de  circunstâncias diferentes  um mesmo ato pode ser moral 
ou imoral, analisando se suas consequências são boas ou más. 
3)  Princípio  da  agregação  –  o  que  conta   é  a  quantidade  global  de  bem­estar  produzida,  não 
importando  a  distribuição  desta  quantidade.  Sendo válido, assim,  sacrificar uma minoria, cujo 
bem­estar  será  diminuído,  a  fim  de  aumentar  o  bem­estar  geral.  Surgindo  a  ideia  de 
compensação:  a  desgraça  de  alguns  é  compensada  pelo  bem­estar  de  outros.  O  saldo  dessa 
compensação sendo positivo caracteriza uma ação moralmente boa. 
4) Princípio de otimização – o utilitarismo exige a maximização do bem­estar geral. 
5) Imparcialidade  e ​ universalismo – tanto os prazeres como os sofrimentos são considerados da 
mesma  importância,  para  qualquer  indivíduo  afetado.  O  bem­estar  de  cada  pessoa  tem  o 
mesmo  peso  dentro  do  cálculo do  bem­estar  geral. Já o aspecto universalista vem da vontade 
de  definir uma moral que valha  universalmente, que  a atribuição de valores do bem­estar seja 
independente das culturas ou regionalidades. 
  
  Recapitulando,  o princípio da utilidade  que pode  ser interpretado como  uma regra que 
indica  que  as  ações  são  avaliadas  ou  julgadas  não  pela  intenção  dos  agentes,  mas  pelas 
consequências  de seus atos.  O julgamento das  consequências é feito pelo  teste  empírico dado 
pela  produção  de  prazer  ou  dor.  As   ações  morais  devem  considerar  todos  os  interesses  de 
maneira  que   nenhum  contra  interesse  seja  desconsiderado,  ou  tenha  superioridade  sobre  
outro.  A   quantidade  de  pessoas  atingidas  por  essas  ações  são  objetos  de  análise,  buscando 
sempre promover a maior quantidade de prazer possível ao maior número de indivíduos. 
Para  um  indivíduo  considerado  em  si  mesmo, segundo Bentham,  o valor  de um prazer 
ou de  uma dor  será maior ou menor conforme  sete circunstâncias: 1) intensidade, 2) duração, 
3)  certeza  ou  incerteza,  4)proximidade  ou  longinquidade,  5)  fecundidade,  6)  pureza,  e  7) 
extensão. 
Mill aperfeiçoou as ideias  de Bentham, abordando­as não somente como quantificação, 
mas  inserindo   a  ideia  de  qualidade:  ​
“é  perfeitamente  compatível com  o princípio da  utilidade 
reconhecer o fato de que algumas espécies de prazer são mais desejáveis e mais valiosas do que 
outras.  Enquanto  na  avaliação  de  todas  as  outras  coisas   a  qualidade  é  tão  levada  em  conta 
quanto  a  utilidade,  seria  absurdo  supor  que  a  avaliação dos  prazeres dependesse  unicamente 
da quantidade”. 
Este  autor  também  foi  ​ o  responsável  pela  distinção  entre  utilitarismo  de  ato  e 
utilitarismo de regra.  O utilitarismo de ato sustenta que devemos decidir quanto ao que é certo 
por  apelo  direto  ao  princípio  de  utilidade,  procurando  estabelecer  qual  das  possíveis  ações 
venha a  produzir  a maior porção  de bem possível em  relação  ao  mal. Devemos avaliar o efeito 
do  ato  numa  determinada  situação  relacionando­o  ao  equilíbrio  geral  do  bem  em  relação ao 
mal (maior saldo de felicidade sobre a infelicidade). 
Já  o  utilitarismo  de  regra  acentua  a  importância  das  regras  na  moral,  insistindo  que 
devemos  tomar  uma  atitude  específica  em  função  de  uma  regra,  e  não  perguntando  que 
atitude  terá  melhores  consequências  numa  dada  situação.  Essas  regras  devem  promover  o 
maior  bem  possível  para  o  maior  número  possível   de  pessoas.  Assim,  não  existe  uma  ação 
certa,  mas  uma  regra  certa   a  ser  seguida.  As  regras,  entretanto,  devem  ser  revistas 
frequentemente e substituídas, conforme sua utilidade. 
Assim,  analisando  a  prática,  temos  dois  atos  A  e  B,  e  eles  trazem  o  mesmo  resultado 
numérico  igual  a  5  unidades.  Porém,  A  traz  uma  injustiça  e  B  justiça.  Se  levarmos  em 
consideração A  e  B chegam ao  mesmo  resultado,  os dois, de acordo  com  os utilitaristas, serão 
bons  moralmente.  Assim,  as  dificuldades  de aplicação do utilitarismo de ato acabam colocando 
o  utilitarismo  de  norma  a  patamares  elevados. Portanto,  quando determinamos  os efeitos de 
um  ato  e  estabelecemos  o  que  deve ser feito, não  podemos  abandonar a  norma  que se  julga 
mais adequada. 
  
A  visão   utilitarista  foi  expandida  além  da   questão  ética;  encontra­se  no  âmbito 
econômico, jurídico,  político, etc. E embora alvo de críticas – como toda teoria é – aprecio sua 
maior destreza em estabelecer parâmetros éticos, em comparação com outras teorias. 
Por  fim,  cito  um  curioso  pensamento  de Mill,  sobre o  qual  ele  afirma  que  o prazer é a 
única  coisa  que  o  homem  deseja;  logo,  o  prazer  é  a  única  coisa  desejável.  Sustenta  que   as 
únicas  coisas  visíveis  são as  que  podemos ver; as únicas audíveis, as que podemos ouvir; assim, 
as coisas desejáveis são as desejadas. 
  
 

Você também pode gostar