39 reimpressão
HENRIQUE SCHÜTZER DEL NERO
O SÍTIO DA MENTE
PENSAMENTO, EMOÇÃO E VONTADE
NO
CÉREBRO HUMANO
Projeto gráfico:
LUCINO ALVES FILHO
coliegium cognitio
www.cogiiiTFosite.comT
cognitio@uol.com.br
Copyright © 1997 by Henrique Schützer Dei Nero
Bibliografia.
ISBN 85-86396-0l-X
CDD-612.825
97-0599 NLM-WL 300
índices para catálogo sistemático:
1.Cérebro e mente: Neurofisiologia humana
612.825
2.Mente e cérebro: Neuroflsiologia humana
612.825
1997
Todos os direitos reservados à
• Collegium Cognitio Ltda.
Av. Brig. Faria Lima, 1811 conj. 912
01476-900 - São Paulo - SP
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Para Lucia, Rafaela, Maria Luiza e Marcelo
Para informações complementares, errata, discussões e outros tópicos
pertinentes à atividade da Collegium Cognitio, entidade dedicada a
promover e divulgar o estudo interdisciplinar de cérebro, mente e
comportamento, utilize
E. MAIL: cognitio@uol.com.br
E.mail do autor:_hdelnero@usp.br
SUMÁRIO)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO p. 17
1. CÉREBROS p.2'7
2. NEURONIOS p. 35
Integração e decisão.
3. SiNAPSE p. 45
Receptores. Mensageiros. Sinapses alteradas e tratamento das disfunções mentais. Alterações
específicas de passagem de informação na sinapse.
10.CONSCIÊNCIA p. 125
Inconsciente. Freud e o inconsciente. Consciência e evolução. Consciência e linguagem.
Consciência: vontade, liberdade e moral. Consciência e terceirização. A consciência e a
universalidade dos processos abstratos e virtuais. Consciência e crença. Consciência:
supraconsciência e infraconsciência. Consciência e máquinas.
17.ATENÇÃO p.295
O sentido extra que corrobora discursos hipotéticos. Patologias da atenção. Atenção e reflexão.
CONCLUSAO p.453
NOTAS p. 455
BIBLIOGRAFIAp. 497
Agradecimentos
a
de
Creio que Pribram tem razão se, com seus quase 90 anos, tendo
orientado líderes de pesquisa e produzido no melhor ambiente científico
do mundo, ainda carrega debaixo do braço um texto tão sintomático.
) ;Ô
INTRODUÇÃO
em que o iucro e o
sao
- Esses dois paradoxos podem sitiar a mente. Em não se reconhecendo
gerada no sítio cerebral, a mente nega a ciência; nega o desvio e seu
tratamento; nega a ética nas relações entre seres biológicos e finalmente
nega a razão.
Vamos trilhar um caminho que nos ensine como a célula cerebral
produz a mente, como a mente produz a cultura e como essa cultura
retroage sobre nós, tornando-nos afoitos e ansiosos numa época de
novidades e grandes incertezas.
INTRODUÇÃO
outras-tantas
Quando aparecem os fantasmas que nos assolam nas noites mal
dormidas - a insônia, o medo, o pânico, o desânimo, o desapontamen-
to, a apreensão, a idéia fixa, a tristeza que estreita a visão, a vontade
firme que de repente enfraquece - a mente, então, dialoga em silêncio
com sua base cerebral, reclamando que se dê a ela o remédio para a
célula e não apenas o conselho para o ouvido.
O SITIO DA MENTE
1. Cerebelo
2. Hemisfério cerebral
3. Lobo frontal
4. Hipófise
5. Mesencé falo
6. Lobo occipital
7. Ponte
8. Tálamo
9. Medula
10. Coluna vertebral
11. Língua
12. Cavidade nasal
CÉREBROS
Capítulo 1
CÉREBROS
e
objetivo e cival o plano de acão. A comunica-
ção entre esse grupo de pessoas, que— vai agora avaliar um sem-número
de atitudes em relação aos tigres, depende de linguagem, de acordo,
de sincronização, de comando, de obediência, de regra para repartir o
lucro, contabilizar o prejuízo e, se algo sair errado, enterrar os mortos,
prestar-lhes homenagem, lembrar seus erros, exaltar sua coragem e
bravura. Tudo isso exige um aparato burocrático saudável que, diante
de um tigre, não gere apenas fuga ou luta como alternativas.
Esse intermediário entre o ambiente detectado pelos sentidos e a
ação motora de fuga ou luta passa a ser uma extensa área d inte a ão,
~ondera
m ~ ~
ção, a ta~
ejrn v ~ ~
as, d is~es com ação eestjpiiiah ,
~emeio sa e e m t~eu~
gnam
Pode-se retratar o que foi dito acima da seguinte maneira: se a
uma dada situação A no ambiente tenho de dar uma resposta clara B,
então o sistema nervoso deve apenas integrar, ligar A a B. Se A, então
B. Se tigre (A), então fuga (B). Parece simples, mas já não é tanto. Por-
que a visão detecta listas, luminosidades, profundidades. A audição
detecta variações sonoras. Caracterizar A como tigre é resultado de
uma complexa operação de decodificação. Pense: "Estou vendo algo
que tem pêlos, bigodes, dentes afiados, listas pelo corpo, patas salien-
tes, que mia de um jeito especial, vem rápido em minha direção, pela
esquerda, há uma árvore logo à direita... é um tigre!".
Associar variações luminosas e transformá-las em pêlos, associar
pêlos, dentes e garras a um tigre são processos de análise que compe-
tem às áreas sensoriais. Não é o olho que analisa tudo isso. O olho
apenas transmite a informação ambiental para áreas cerebrais de recep-
ção sensorial. Ali é que deverão se dar as análises e sínteses necessárias
para que se constate ser um tigre o que se aproxima. Cuidado, portanto,
com a idéia de que é simples ter um aparato sensorial e um motor e de
que animais que não têm áreas de integração são totalmente estúpidos
ou desinteressantes. Não, o conceito de área de integração é o de
burocracia saudável. Mesmo para que haja a transformação de
luminosidade em pêlos e garras e destes em um tigre, é preciso haver
alguma integração. A informação deve necessariamente passar por ai-
O SITIO DA MENTE
SÍNTESE
Capítulo 2
NEURÔNIOS
dendritos
corpo celula
axe
neurônio 1 1 neurônio 4
a
axônio 4
do neurônio 1 dendrito
DEM-
neurônio 2
050~I 0
neurônio 31 sinapse entre os neurônios 3 e 4
um quarto neurônio.
o neurônio é estimulado.
l
estímulo elétrico (choque)
—+++++++++++++++++
ílÍ
neurónio
0r
impulso elétrico
Fig.6 - Três correntes vindas de três dendritos diferentes num mesmo neurônio.
com o restante do dendrito, que continua com o exterior positivo e o
interior negativo. Esse fenômeno é suficiente para gerar três correntes
elétricas em locais diferentes, com intensidades diferentes. No dendrito
1 ocorre, num certo instante, num certo local, um estímulo elétrico de
uma certa força. Esse estímulo abre os canais da membrana, gera uma
inversão de cargas e cria uma corrente que se propaga pelo dendrito 1.
No dendrito 2 verifica-se algo semelhante. Um estímulo o excita num
instante determinado (que pode ter uma pequena diferença de tempo em
relação ao anterior), num local determinado e com uma determinada in-
tensidade (não necessariamente a mesma intensidade do estímulo anterior).
No dendrito 3 acontece o mesmo processo.
Podemos perceber que, embora haja três correntes que vão viajar
pelos três dendritos até o corpo celular, elas têm três diferenças:
1) acontecem em três locais diferentes;
2) acontecem em três instantes diferentes (por exemplo, com uma
diferença de 1 milésimo de segundo cada uma);
3) acontecem com três intensidades diferentes.
O leitor pode concluir: "Está bem, não são pêlos, patas e listas
que vão trafegar pelos três dendritos. Isso está claro, porque sei que
não é minha voz aue é transmitida por uma linha telefônica, mas uma
Neé meu
O SiTIO DA MENTE
papel que trafega pelo fax, mas uma tradução de cada claro e escuro
sob a forma de correntes elétricas. Nem é a foto da minha filha que
transita pelo computador. Vejo a foto na tela, aperto os comandos para
mudá-la de posição. A foto também é traduzida em várias correntes,
bem como as operações de rotação que quero fazer. Quando pronta a
operação, outras correntes são enviadas para a tela, que traduz a cor-
rente de volta como a foto da minha filha. Portanto, nada impede que
três características relevantes para identificar tigres, por exemplo, pêlos,
patas e listas, sejam codificadas sob a forma de três correntes diferen-
tes, em locais diferentes, em instantes diferentes".
O leitor está certo. Não é o ator que transita pelo ar até a televi-
são. E uma câmera que capta sua imagem e a traduz em correntes, que
são transformadas em ondas e enviadas pelo ar. A televisão capta a
onda e a traduz em correntes, que são retraduzidas pela tela numa
seqüência de pontos de claro e escuro que faz aparecer o ator. O neurônio
não é muito diferente. Porém, o que ocorre quando as três correntes se
encontram?
INTEGRAÇÃO/DECISÃO
aL c
JI L
+80
limiar
+40
-40
b -80
Ou liii OU liii OU
Aqui, são dadas várias informações com mais barras .6 Todas têm
a mesma altura (amplitude), como se cada uma fosse um potencial de
ação. Se a opção fosse quatro barras ou nenhuma, o exemplo não seria
diferente do anterior. Mas o intervalo entre as quatro pode variar. As-
sim, com as quatro barras podem-se indicar os preços de quatro produ-
tos diferentes. Um pode custar 100, outro 38, outro 47 e outro 98. Apesar
de cada barra ser igual a outra, o intervalo entre elas variou (isto é, a
freqüência em que ocorreram as barras, umas depois das outras, variou).
No caso de barra presente ou ausente, tem-se a digitalização.
Com a variação do intervalo entre as barras, cria-se um código de preço
que não é tudo ou nada, mas que admite diversos valores diferentes
(analógico).
Entendido o exemplo, está entendido o processo que se passa no
axônio. Trafegando até o final do axônio, a informação cumpre todo o
seu trajeto no neurônio. A corrente que carrega a informação no sistema
nervoso caminha, assim, dos vários dendritos até o corpo celular, onde
ocorre a "decisão" (integração). Depois, a corrente transforma-se no
potencial de ação. Embora este seja "tudo ou nada" (digital), o caráter
múltiplo (analógico) da informação é mantido graças às diferentes fre-
qüências (intervalos) entre os potenciais de ação (barras).
O SÍTIO DA MENTE
SÍNTESE
ÔNIOS ESQUEMÁTICOS
TANDO-SE ATRAVÉS DE
UMA SINAPSE:
do primeiro neurônio e
dendrito do segundo
- SINAPSE
Capítulo 3
SINA PSE
neurônio T___
informação> -
- > 0 iníoroj.
SINAPSE
neurotransmissor receptor
\r.
+±+,
axônio do neurônio 1
-;
- 'dendrikdÓ h&,r
corrente
nntpneial d (potencial local)
neurotransmissor / chave (fechadura)
químico
Fig.9 — Ação do neurotransmissor (chave) no receptor (fechadura), abrindo os
canais de membrana e gerando a passagem de cargas elétricas que criam o
potencial local.
A seqüência é a seguinte: a informação - "tigre", no nosso
exemplo — chega ao final do neurônio 1 como impulso elétrico. Contrata
um mensageiro químico (neurotransmissor) que sai do neurônio 1, passa
pelo intervalo entre os dois (sinapse) e liga-se a um receptor (fechadura)
O SÍTIO DA MENTE
rrvad
RECEPTORES
N
FAZq
neurônio 1 neurônio 2
o O0<EJ _
J# 2>
re
MENSAGEIROS
+_ +++++
canal
M meu,
neuronio 1
ensag
neurotransmissor.4
neurônio 2
Tratamenta neurolépticos.
O neuroléptico é uma droga que atua como um falso neurotrans-
missor: ocupa um receptor, impedindo que este seja ocupado pelo
neurotransmissor legítimo; porém, não ativa nenhum mensageiro no
neurônio 2. Portanto, não induz a qualquer alteração na corrente ou nos
genes.
SÍNTESE
ação (no primeiro) e potencial local (no segundo) deve sofrer uma tradu-
-
4-,
2-1-9
Capítulo 4
DEPARTAMENTOS CONCRETOS
E VIRTUAIS
sim ou não
FINA
-
-# ;PRESIDENTE\
talvez
/
—
•uAP 2J 1
talvez:;;
virtua
o
talvez
iIJ não :
DIVISÓRIAS E COMPARTIMENTOS
nnrcilip tem data e local certos para se reunir. Dizer, porém, que o
sítio da mente é o cérebro não significa confundi-Ia com qualquer um
dos departamentos cerebrais concretos, proclamando sandices do tipo: a
DEPARTAMENTOS CONCRETOS E VIRTUAIS
lobo
diencéfa lq,
(tálamo)
cerebelo
medula
havia uma duna, agora não há. Onde se atolava, agora se encontra o
único local de passagem. Se fosse totalmente ao acaso, a falta de ruas
faria com que qualquer um conseguisse vencer. Mas não é. O bom
piloto conhece truques para avaliar a situação a cada instante e criar
uma saída. Aprende o truque, não o trajeto.
O córtex cerebral funciona mais ou menos assim: é um pouco
mapa de cidade com ruas e avenidas, um pouco rali no deserto. Os
departamentos concretos são mapas com ruas e avenidas - circuitos
preferenciais. Os departamentos virtuais são resultado de uma dinâmi-
ca que vai mudando as coisas a todo momento e que deve ser desco-
berta pelo piloto experiente - estradas múltiplas no deserto, simples-
mente moldadas para que o indivíduo escape de atolar.
A mente é preferencialmente uma rota aue surge no deserto. Um
e criação. O bom
atola
que seus truuues e habilidades inteligentes. É nisto que parece.ccmsislir
grande parte das dnençíu4istúrbios mentais.
SÍNTESE
glios da base
lamo
é falo
Capítulo 5
CIRCUITOS E SISTEMAS
funciojjjl ds narts.
São várias as maneiras de se montar um circuito/ sistema para
desempenhar alguma função. Imagine que se vai montar um alarme.
Colocam-se sensores para detectar fogo na garagem de um prédio. Esses
sensores disparam um sinal que trafega por um fio ou por ondas de
rádio e estimula uma central, que toca um alarme indicando o local que
está pegando fogo. Aqui, temos um arranjo espacial da informação com
dois elementos distintos— espa cia]porque temos um local que detecta e
outro que toca; elementos distintos porque temos sensores e campainha.
Imagine, agora, um termostato que deve ser acionado para regular
a temperatura de uma sala em 23 graus. Se a temperatura estiver acima de
23, ele executa a função de esfriar o ambiente, ligando o ar frio.
O SÍTIO DA MENTE
facilmente ardados:
o sob a forma de corrente elétrica.
O SITIO DA MENTE
SÍNTESE
Capítulo 6
CÓDIGOS E OSCILAÇÕES
NEURÔNIOS E CODIFICAÇÃO
Pedro quer ir ao cinema Pedro quer tomar café Pedro quer ir ao cinema e quer tomar café
sim(1) sim(1) sim(1)
sim (1) não (0) não (0)
não (0) sim(l) não(0)
não (0) não(0) não (0)
CÓDIGOS E OSCILAÇÕES
potencial de ação
sim ou não
O ou 1
neurônio 3
eurônio 1 neurônio 2
impulso valor 1
limiar de valor 2
potencial de ação
potencial.
sinapse (2 contra 2)
local de vaio
valor 2
impulso valor + 1
reunião •1.
6 =+4
- 2 + potencial de ação:
- (4 contra 1)
sinapse valor +3 .
impulso
valor +2
v Fig.18 - Dois impulsos de valores diferentes, ocorrendo em
dois dendritos e sendoposteriormente integrados no corpo
celular, onde se decide se supera ou nao o limiar para
disparo do potencial de ação.
CÓDIGOS E OSCILAÇÕES
Ibela do conectivo
limiar +2
A B 1 AeB
11 1
10 0
01 O
00 O
sinapse + +1
PROCESSAMENTO TEMPORAL
"ou convencional"
A B A ou (convencional) B
V V V
V F V
F V V
F F 17
0 Sf110 DA MENTE
"ouexdusivd'
A B A ou (exclusivo) B
V V F
V F V
F V V
F F F
/ 1-
+1,
c:::
'4
90*
Fig.20 - Como quatro neurônios implementam o conectivo lógico "ou exclusivo".
CÓDIGOS E OSCILAÇÕES
não é mais apenas uma porta por onde passa ou não uma informação.
Não é um aparato que apenas responde sim ou não. Ele passa a
transmitir várias nuanças através do código temporal. Essas sutilezas
correspondem a dizer que entre o potencial de ação passar ou não passar,
entre a porta estar aberta ou fechada, há um sem-número de estados de
porta entreaberta. O código analógico faz agora do neurônio uma máquina
mais polivalente, capaz de desempenhar várias funções nos departa-
mentos virtuais, onde o código é "talvez".
Quando se fala em realizar esse processo, deve-se saber que há
uma espécie de oscilação que responde pela geração dos códigos de
barras (Fig. 21):
- ->
Iimi
)
- - >
pot. ação
fl passo
mensagem 1
(sim)
SÍNTESE
1. ligação intacta
Thl
Th2
ThS
(:tálamo
2. ligação rompida
2WVVI
Thl
Th2-
Th3 ±i
Capítulo 7
co
Fig.23 - Reunião de dois funcionários numa sala sendo codificada sob a forma
de oscilações (códigos de barra).
O SÍTIO DA MENTE
I
rrenina na mente
-
>1
ca ' 001 -
menina no m,,nrIn
11111 1 1 II II 11111 1
menina no cerobro
r
desenvolvemos desde crianças, vamos aprendendo a correlacionar
ou menina (linguagem)
1
III II II III
mundo
menina fala a
4 menina escrita
-9 1 II 1 1
isualL_
IIIl!!)eriI1 v
ot mundo cérebro
convenção
MENINA
1(0
4,
mente receptora 1 mente emissora
Fig.28 - A linguagem como órgão interno cerebral (como se fosse um "modem ") e
convenção externa usados para a comunicação humana.
SATÉLITE
, .r o
,
aparelho de W
SÍNTESE
Capítulo 8
entre a antiga empresa (aquela que toma decisões rápidas, do tipo "sim
ou não") e a nova empresa (aquela que decide nos departamentos
virtuais através do "talvez", de escalas entre o sim e o não). Os processos
não se excluem. Para certos fins, o cérebro pode seguir o processamento
digital e, para outros, recrutar os departamentos virtuais.
Vejamos como isso ocorre (Fig. 30). Imagine apenas quatro uni-
dades de processamento. Pela ligação tradicional, A poderia conectar-
se com B e C conectar-se com D (haveria divisórias nessas ligações).
Entra sim em A, sai sim; entra sim em B, sai sim. Note, contudo, que
houve variação de valor no processo. E como se o sim da entrada, de
valor 1, tivesse se enfraquecido na passagem pelo departamento A e
saído apenas 0,85 de sim. Como o departamento concreto é do tipo
"sim ou não", o 0,85 seria sim, por isso seguiria sim para o B. Porém,
no departamento concreto abaixo - C conectado com D -, a seqüência
entrada sim (1) saída sim 0,85 entrada sim 0,85 saída sim 0,56
móduIo Á1 miduI B
sincronização na freqüência
módulo C
L Módulo
)
entrada não 0,23 saída sim 0,56 entrada sim 0,56 saída sim 0,85
Fig.30 - Para situações triviais, temos a ligação digital do módulo A com o módulo
B e do módulo C com o módulo D. Porém, há uma sutileza: para todos os efeitos,
números próximos de 1 são interpretados como 1 e números próximos de O são
interpretados como O. Se quisermos descobrir novas relações entre os módulos,
poderemos, através do exame da freqüência de cada um deles, reagrupá-los. Neste
caso, A sincroniza D e C sincroniza B. Trata-se de um mecanismo hipotético de
coexistência entre o processamento digital e o analógico.
digital é: entra não em C, sai sim; entra sim em D, sai sim. Examinando
os valores (como não são legítimos O ou 1), temos valores cruzados.
Isso permite que A estabeleça uma relação virtual com D (ambos têm
0,85) e B estabeleça uma relação virtual com C (ambos têm 0,56). Essa
relação virtual ocorre graças a um meio de captar as nuanças entre o O e
o e agrupar unidades de acordo com sincronismo (ou sintonia) e não
SINCRONISMO E FUNÇÃO VIRTUAL
A e O função mental
1
1 função
cerebral
L cerebral
função
C e B função mental
SÍNTESE
_í
ôt, ~t
~
.. 1
'rnr
iJ )
iy D 11 BETSJ1EÁ Li).
Exemplo de uma mapa de funções mentais e
respectivas localizações cerebrais, típico do
século XIX. A frenologia, ou como se usa hoje
em dia, o localizacionismo, procurava situar
cada função mental em um "departamento
concreto" cerebral. Funções mentais como a
amabilidade, o espírito combativo, a auto-
estima, o amor pela aprovação, a benevolência,
a causalidade, o amor, entre outras, eram todas
localizadas em algum ponto do cérebro,
construindo mapas freno lógicos. A doutrina se
inicia com Franz ioseph Gail que viveu entre
1758e 1828.
PARTE II
FORMA E CONTEÚDO MENTAL
0 SÍTIO DA MENTE
FUNÇÕES MENTAIS
Capítulo 9
FUNÇÕES MENTAIS
MENTE -
LINGUAGEM ( pensamento
emoção
vontade
MUNDO
CULTURAL
f operações mentais
prendi sincronização
MUNDO uma
NATURAL
percepção —9
CÉREBRO
SUBDIVISÃO DE FUNÇÕES
e o sonho.
FUNÇÕES MENTAIS
M.
icidadeíaen mnfnra\ de modos de encenacão e
transmissão de conteúdos. Ç2JUI'zQa 42exãonalidade.e .o sonho.entram
epguanda.seagrea um sistema de
situação em que o sistema deve assurnjr uma roupagem e
1inTè uma reconbfriato guaealeatór u~ (sonjiq~.j.rve de
ensaio par. ennações ftUuras o de ..pesade10 pe1ojracassos
idnsA Ql_eurã onãapÁssa de consciência iluminada, facho de
IuzÁue uijpa ai.iental.
SÍNTESE
Capítulo 10
CONSCIÊNCIA
consciência
INCONSCIENTE
ela não sabe explicar prontamente como executa aquela ação (o produ-
to está provisoriamente fora da consciência). Mas, se parar um pouco
tentando explicar, vai conseguir trazer à consciência grande parte das
etapas do processo. Isso costuma acontecer no caso da solução de pro-
blemas. O indivíduo fica olhando para o problema, tenta uma coisa,
tenta outra e, de repente, resolve-o. Pergunte-lhe como o resolveu. Ele
não sabe responder ou não tem consciência de como o fez. Peça-lhe que
descreva o processo. O indivíduo, falando baixinho e descrevendo o
que está pensando, acaba por ter consciência da maioria das etapas.
Um caso interessante de controle consciente e ao mesmo tempo
totalmente não-consciente diz respeito a certas funções básicas do
organismo. Há centros cerebrais que controlam o nível de glicose no
sangue (cuidado, porque pode parecer função eminentemente cerebral,
mas há porção dela ligada à fome e a seus desvios que é fortemente
mental). Você não tem a menor consciência disso nem consegue, se
tentar, ter. Porém, uma das ligações desse processo com a consciência é
o disparo da sensação de fome, a salivação ou o desejo por um prato
de macarrão. Estas são formas de fazer aparecer na tela ou no palco da
consciência objetos ou elementos mentais que traduzem determinados
processamentos cerebrais com vistas a regular o funcionamento do
organismo (Fig. 34).
, _ALCO CONSCIENTE
'w
processamento cerebral processamento cerebral passível de se tornar
totalmente não-consciente consciente (no caso, sensação de fome)
FREUD E O INCONSCIENTE
coincidências, mas elas não fazem com que a teoria aqui apresentada,
inteiramente baseada num sítio cerebral para a mente humana, tenha
relação com Freud e seus seguidores, defensores (ou, pelo menos, assim
considerados) da noção de uma mente desgarrada do corpo. 6
CONSCIÊNCIA E EVOLUÇÃO
CONSCIÊNCIA E LINGUAGEM
alguém o que era uma zebra, obteve como resposta: "Parece um cavalo
listado". Não se disse quantas listas tem deter, mas apenas que é listado.
Fechando os olhos, você é capaz de imaginar uma zebra. Tentando
contar-lhe as listas, não consegue. Por quê? Simplesmente porque você
guardou um conceito que reúne possivelmente um cavalo e listas, não
importa quantas.
VIDA ME
OBJETIVA
5
palco consciente público
palco consciente
privado
comunicação indivíduo
edificações
arte linguagem VIDA MENTAL
ciência ___________ SUBJETIVA—
política _______
moral e costumes
filosofia mental
teologia
idéias
história _rebraI
valores
expectativa
julgamento CÉREBRO
outros cérebros
animais
átomos
galáxias neurônios "virtuais"
objetos naturais
processo, pode adoecer onde quer que sua natureza funcional esteja
sitiada.
Reinstaura-se, assim, a noção científica de processo, e não só de
objeto, no âmbito de uma ciência do mental. Não se prçppe com o
desce
concr eto e colocar ênfase no processo geral. A mente pode ser então
colocada fora do cérebro, desde que se entenda a noção de processo
mental e de código que prescinde do objeto físico, servindo-se dele
apenas como meio para realizar-se. Isso liberta e aprisiona. Aprisiona
porque devolve a mente para o cérebro, único meio até hoje conhecido
de processar códigos de forma mental. Liberta porque nossa interação
pode, através da cultura e da linguagem, criar diferentes níveis mentais,
superiores, públicos e objetivos, etéreos pela natureza do método
científico, não mais parentes do espírito, mas apogeu da razão, que
antes entendeu o mundo e agora pretende entender-se.
CONSCIÊNCIA E CRENÇA
ligada à cena (ou às vezes, desatenta, viajar até outro extremo do mundo
e se preocupar com o filho que está em férias e não telefonou às 18h,
antes de você sair para a peça). E capaz ainda de acessar a informação
anterior e descrevê-la com o uso da linguagem. E capaz de se antecipar
e imaginar a seqüência dos acontecimentos. E capaz de formular
hipóteses. A consciência é aqui o processo 4, quando imediata, e ainda
a capacidade de recrutamento de processos 2 e 3 (como a memória
imediata e a transcrição do contexto).
Voltando para casa, seu outro filho lhe pergunta qual a moral da
peça. Você tenta fazer uma interpretação do que está além da peça,
sugerido metaforicamente. Para isso, reúne uma massa enorme de co-
nhecimentos. Sua consciência mobiliza o nível 5 de processamento
através da leitura de um artigo de jornal que critica a peça, da discussão
com um especialista em teatro ou de tudo o que está estocado em sua
memória porque já lido, vivenciado ou discutido.
Diante da pergunta de seu filho, você passa a responder "consci-
entemente": "Na verdade, a peça recria o mito do enfrentamento do
perigo e da sedução, nitidamente edipiano, encarnado na figura ambí-
gua do agente familiar." Seu filho, atônito, não entende. Você tem en-
tão de lhe ensinar uma gama enorme de conceitos, tem de mandá-lo ler
e assim por diante. A consciência de seu filho, capaz por ora de estabe-
lecer os níveis 2, 3 e 4, precisará daqui para frente acessar o nível 5 e
sofisticar uma série de mecanismos para que um dia possa entender as
informações contidas em sua explicação. -
, iIiciestá em n1 trte mutação. Para aléjn
de sua vivênciq recrutamemórias
réviosçpj- p íjjpj jj serpm adgwijjçinOs processos de
aquisição de conhecimento, quer pelo exame das circunstâncias
infraconscientes (o que pode até passar pelo lado oculto das motiva-
ções e dos desejos), quer pelo, exame das circunstâncias supracons-
cientes, fazem dela um palco que recebe a cada vez uma peça diferente,
um contexto diferente, uma montagem diferente, uma performance di-
ferente, um conjunto de atores diferente, uma leitura diferente do tema.
Enquanto palco, é apenas a sincronização de módulos virtuais infra e
supraconscientes. Enquanto peça em plena atividade, é uma seqüência
de fatos que recrutam memórias imediatas e conjecturas futuras, tendo
no presente apenas um elo da cadeia.
Considerar a consciência suporte da vida mental é importante
desde que distingamos os fatos agora presentes, os conceitos por ela
manipulados e o concurso da memória, da imaginação e das hipóteses
O SITIO DA MENTE
CONSCIÊNCIA E MÁQUINAS
SÍNTESE
Capítulo 11
A CRISE NA CONCEPÇÃO
DISCRETO - DIGITAL DA MENTE
de criação e inventividade;
h) a inteligência, traço forte e exclusivamente humano, seria a
capacidade de pensar e de fazer as corretas manipulações lógicas dos
símbolos-representações;
i) os formalismos que embasariam as regras de manipulação de
símbolos já estavam prontos na lógica (particularmente no chamado
cálculo de predicados);
j) a tese de Quine (cf. notas 11 e 12 do cap.10) garantia que tudo o
que pudesse ser dito poderia ser transformado numa sentença lógica
(essa tese é posterior, mas exemplifica um processo de quantificação
de entes e sua conversão numa sentença lógica quantificada);
k) a tese de Church garantia que qualquer procedimento que pode
ser explicitamente descrito pode ser computado através de funções
recursivas;
1) a tese de Turing garantia que haveria uma máquina capaz de
computar os problemas computáveis através de funções recursivas
(máquina de Turing);
m) as máquinas reais que imitavam as máquinas de Turing - os
computadores - ganhavam com a microeletrônica poderoso aliado para
se tornarem mais rápidas e mais compactas (os poucos computadores
construídos antes dessa era, além de mastodônticos, tinham capacida-
de de processamento por demais limitada);
n) a arquitetura von Neumann (por volta de 1945) torna-se o
paradigma de arquitetura computacional real: programa armazenado
(instruções e dados são conjuntamente armazenados) e contador de
programa (registro que é usado para indicar a próxima instrução a
ser seguida) 5;
o) a programação dos computadores, baseada na lógica, criava a
possibilidade de controlar a operação da máquina e também começava
a desenvolver linguagens aptas a reproduzir pensamentos inteligentes
(como provar teoremas);
p) surgia assim a mais poderosa alegoria da história das alegorias
mecânicas para a mente, segundo a qual o cérebro é uma máquina real
(um hardware) que implementa um programa (software), que é a mente,
dividida em dois planos distintos: o nível da computação, isto é, da
delimitação do problema a ser resolvido; e o nível do algoritmo, isto é,
das regras de manipulação simbólica necessárias para construir a cadeia
de inferências que resolva o problema (Fig. 36) .6 Essa visão tinha e tem
muita importância e continua sendo usada.
Em primeiro lugar, sabemos que a mente não é apenas pensa-
O SITIO DA MÍNTF
mento, mas também uma série de outras coisas, como, por exemplo,
consciência. Nem todo pensamento é consciente, nem toda consciência
é pensamento. Uma sensação não é pensamento e nem por isso deixa de
ser consciente ou mental. Um ato falho contém semanticamente um
pensamento ou proposição e, nem por isso, é consciente (caso comum da
pessoa que, muito cansada, inicia uma conferência dizendo: "Estamos
aqui para encerrar a reunião"). Há ainda uma corrente na ciência atual que
advoga a presença de pensamento sem linguagem, mas não cabe aqui
entrar nessa discussão. Neste trabalho, todo fato consciente, ou passível
de ser trazido à consciência, é proposicional e, portanto, está submerso na
linguagem.
Em segundo lugar, a idéia de que o pensamento inteligente é o
que caracteriza a mente é extremamente pretensiosa. Uma das grandes
peculiaridades do ser humano, na sua produção mental, é justamente a
de ser capaz de, às vezes, pensar inteligentemente, às vezes, não. Pen-
sar, por vezes, é tomar decisões em ambientes complexos.
Como vimos anteriormente, o que define o ambiente complexo é
a ausência de uma só solução ou de uma solução certa. Várias são
certas, porém, há algumas mais certas que outras. Sabe-se que a teoria
da decisão segue dois grandes eixos: o normativo (que prescreve como
deveriam ser as decisões) e o descritivo (que descreve como são real-
mente as decisões tomadas por nós, humanos, em certos contextos). A
teoria da decisão normativa deve muito de seu desenvolvimento a von
Neumann e Morgenstern. Baseada em árvores decisórias, reúne proba-
bilidades, teoria dos jogos, etc. A teoria da decisão descritiva deve-se,
entre outros, aos trabalhos de Kahnemann, Tversky e Slovic. 7
Chama a atenção o quanto violamos certos conceitos de probabi-
lidades. Mostre a uma pessoa uma fotografia de uma moça com uma
fita amarrada na testa e roupas indianas (típica de hippie dos anos 60) e
CIÊNCIA COGNITIVA E A NOVA MENTE
sensação EMOCIONAL
vontade CONATIVO
ção. Portanto, embora pela didática deste livro tente-se mostrar que a
concepção digital é estanque porque processa apenas sim e não, en-
quanto a mente é uma operação sobre talvez, as coisas não são tão
simples.
Os defensores da concepção discreto-digital dizem que tudo -
pensamento, emoção, vontade e consciência - pode ser reduzido a um
conjunto de sentenças, cuja manipulação se daria de forma lógica através
de certas regras. Essa idéia, expressa em muitos lugares como concep-
ção sentencial da mente, teria, porém, um desdobramento difícil de ser
aceito.
Quando se distinguem um nível de programa (software) e um nível
de implemento (hardware), mostra-se, através de provas matemáticas,
que um mesmo programa pode ser rodado em diferentes máquinas
(isto é, hardwaresde arquiteturas diferentes). Isso (chamado de problema
da múltipla instanciabilidade) tem um impacto brutal: se, por um lado,
garante novamente a condição virtual da mente digital, que pode estar
no cérebro, nas máquinas ou em outras formas de comunicação, por
outro, faz do cérebro humano apenas um dos tipos de máquina que a
implementa (ou dá suporte físico ao programa mente).
Embora esteja de acordo com a concepção abstrata e virtual da
mente, e também com a idéia de que esta pode ser implantada numa
máquina, tal formulação gera um passageiro incômodo: o estudo do
cérebro torna-se desnecessário, visto ser ele apenas um dos possíveis
meios físicos de expressão do mental. Aceita-se o cérebro como arqui-
tetura digital, guiado pela concepção do neurônio, que responde sim
ou não, mas à custa de colocá-lo na prateleira junto de um sem-número
de outras arquiteturas digitais.
O chauvinismo não é biológico. No limite, a mente será código
puro e o cérebro, apenas meio que a realiza. Mas a concepção discreto-
digital e a manipulação de símbolos produzindo cadeias de pensamen-
to paga o preço de criar uma mente cuja natureza de código puro se
situa no plano da programação (software). Ora, o computador, dividido
em processador central, memórias e, sobretudo, distinguindo o nível
do programa e o do implemento, não encontra qualquer similaridade
com o processamento humano cérebro-mental. Não há local cerebral
que lembre um processador central, nem as memórias são alocadas em
endereços fixos como acontece nos computadores.
Se a mente digital paga o preço de ser apenas programa, também
o paga por ter na arquitetura do tipo von Neumann seu paradigma
artificial. Uma arquitetura que, ao distinguir bastante bem processador
- CIÊNCIA COGNITIVA E A NOVA MENTE
212 (+3 x -1)+ (+2x +2)= +1 x +5=5 que é maior que +1:logo, saída +1
+5
sem limiar
diária
ne
Imagine que uma rede neural deva ser treinada para reconhecer
a fotografia de minha mãe. Coloco a fotografia na entrada (o que é feito
criando-se uma codificação de luminosidade para os pontos da foto) e
vejo o que sai. Toda vez que sai um conjunto de valores, verifico se se
aproxima da fotografia. Se não, mando a rede corrigi-los (para isso
cada rede tem uma técnica de calcular entre o desejado e o obtido e
enviar um número de correção para seus pesos sinápticos, que são
então modificados). Após o treinamento, a rede está pronta para reco-
nhecer perfeitamente a fotografia de minha mãe, o que significa que o
erro (resultado da comparação entre o obtido e o desejado) tenderá a
zero. Se colocar fotografias de minha mãe mais velha, mais moça, em
pedaços, a rede será capaz de "reconstruí-Ias", reconhecendo o padrão
\"minha mãe" em todas as formas possíveis de apresentá-la.
A rede neural é capaz de a renderaCamés-de exemplos tal qual
nós, humã Ros. 1 Dispõe de vários meios para isso, dependendo do
tipo de "professor" que a orienta na fase de treinamento (pode ser
externo ou interno) e do tipo de estratégia que se usa para corrigir seus
pesos sinápticos em função da comparação entre o desejado e o obtido
(podem ser várias as estratégias). 12 Tendo aprendido, adquire tal capa-
cidade de generalização que reconhece não apenas a situação típica (a
fotografia em que foi treinada) como também situações afins (fotos
parecidas, pedaços de foto, etc.). E exatamente isso o que fazemos
quando reconhecemos padrões. Não fosse isso não entenderíamos ca-
ricaturas.
Qual a regra lógica que está por trás desse processamento? Nenhu-
ma. A rede neural vai aos poucos analisando o sinal de entrada e
encontrando nele um padrão. A partir do momento em que o encontra, é
capaz de classificar tanto a situação protótipo como todas as outras.
Encontrar o padrão siznifica percorrer um estaco homogêneo aue não diz
naaa,cnancioneieneteçgiaies aptas a separar o
isso graças ao ajuste de pescsconectividade, capazes de, p
vas interações e correções, aproximar-se da solução para o
nonii1ente jtível através de funçõcompostas.
A rede neural é um sistema complexo de cálculos repetidos e ajustes,
capaz de, pela sucessiva exposição a um espaço amostral, criar nele
separações desconhecidas. Num submarino em que se precisa diferenciar
minas de rochas, envia-se um sonar e vai-se, aos poucos, treinando a rede
para fazer a diferenciação. Num primeiro instante, pode haver (nem sem-
pre há - caso das redes sem professor) alguém corrigindo os palpites da
rede, até que ela aprenda a fazer a distinção (Fig. 40).
O SITIO DA MENTE
À
\
cenário de energia antes do treinamento cenário de energia após o treinamento
nes vagas para símbolos, normalmente 7). 15 0 bom jogador, mais expe-
riente, é capaz, porém, de condensar em cenários o que o mau jogador
observa apenas pontualmente.
Imagine que, olhando para um tabuleiro, o mau jogador pense:
"Se eu mover a torre para cá, o outro poderá mover o peão para W.
Essa informação tomou um espaço na memória (preencheu uma cabi-
ne). O bom jogador, ao contrário, fará um raciocínio do tipo: "Se eu
ameaçar o flanco do rei, forçarei a troca de damas em alguns lances".
Essa informação tomaria um espaço semelhante na memória de traba-
lho, mas embutindo muito mais desdobramentos.
Não manipulamos símbolos fixos tais como existem no mundo,
nem suas transformações em alfabetos binários estanques. Ao contrá-
rio, construímos todo o tempo blocos de representação de conhecimento
(símbolos) sobre os quais as regras ou as regularidades devem operar.
Dinamicamente recortamos chapas - símbolos -, de maneira cada vez
mais própria (inteligência e aprendizado) para a obtenção de um todo
mais elegante, rápido e funcional (conhecimento e habilidade).
Se vimos até aqui símbolos arbitrários, meros representantes de
outros objetos, e símbolos mutáveis, recortes inúmeros que ocupam
cabines da memória de trabalho, vejamos agora uma terceira categoria
de símbolos.
Símbolos e proposições
Símbolos e intencionalidade
3 D.11 ERRA
símbolos mentais
c lássicos quânticos
símbolos mentais
objetos relação
sincronização
') fretiüência CLÁSSICA
símbolos símbolos
relação:
regularidade
i relação através
1 dererasIAS
1 (máquina
de Turing)
Fig.43 - Módulos mentais com processamento interno de tipo rede neural (MC).
Entre os módulos o processamento se daria no estilo da inteligência artificial
simbólica (IAS).
Em princípio, essa concepção compatibilizaria o cérebro e a men-
te, juntando os pontos bons dos dois modelos. Porém, se o leitor olhar
para o nosso quadro, perceberá que essa idéia não escapa da visão
simbolista, isto é, os símbolos estão ali e não há explicação para sua
geração pelo cérebro.
Uma arquitetura híbrida muito mais plausível seria constituída
de três partes, como aparece na Figura 44.
MÓDULO MENTAL
MÓDULO MENTAL
DCC
OUTROS HIBRIDISMOS
1. Lógicas
2. Algoritmo genético
5. Sistemas especialistas
6. Teoria da informação
7. Cibernética
8. Termodinâmica de não-equilíbrio
9. Autômatos celulares
11. Cinergética
SÍNTESE
Capítulo 12
DISFUNÇÃO MENTAL
patológicos. Absurdo tão grande quanto presumir que, por ser a glicose
uma substância externa, um diabético não seja doente.
O diabetes resulta da conjunção de um evento externo (ingestão
de glicose) e da falta de um hormônio interno (insulina) que deveria
processá-lo. Embora externa, a glicose é condição para o sustento do
organismo, assim como os eventos que marcam nossa vida mental, dor
inclusive, são parte de nossa relação com o mundo.
A idéia de que eventos externos sejam, em parte, determinantes
de disfunções mentais não exclui, portanto, o mecanismo interno. Ain-
da que resultante do par agente externo e estado interno uma desre la-
ode ser trata~ maneiunilateral, como e osse exciui-
vamente viven Ru exclusivamente cerebj
víluos com c1uadrosiIosos claroporexemplo, que
dizem que, se tivessem mais dinheiro estariam se sentindo bem. Não
ièm sentido, portanto, segundo eles, medicar seu cérebro se o proble-
ma está no bolso. Esse raciocínio é semelhante ao do diabético que,
após ingerir quantidade excessiva de glicose (evento externo), não acha
por isso ser necessária dose suplementar de insulina (evento de correção
interno). Só que é exatamente nessa situação que o indivíduo mais pre-
cisa de insulina. Quase sempre é um evento existencial externo que
deflagra uma disfunção cérebro-mental.
Outra suposição freqüente diante do mau funcionamento mental
é a de que seu tratamento deve variar de acordo com a causa externa
desencadeante. Contra-senso tão evidente auanto imaginar aue. para
reduzir uma fratura no oerônio um aue caiu do fe-
lhado e outro que levm ou u chute do funhao d em ve de e n--
essar
lhes as pernas, o ortopediEta recomendasse ao primeiro mais cuidado
com telhados e ao segundo mais cuidado çgaselações fili,~
o mesmo ocorre com a patologia mental. Não importa,in-.pi
mero momento, qual a sua causa, mas sim
dve ser "engessado". Num segundo momento, recobrada a função, pode-
se pensar em providências diferentes. Conversar precocemente - através
de alguma forma de psicoterapia - com uma pessoa que apresenta
distúrbio mental, tentando fazê-la enxergar as possíveis razões do seu
desconforto, equivaleria a entregar-se a longas digressões acerca dos
perigos de telhados ou do incômodo de cunhados enquanto os pacien-
tes se contorcessem de dor. E preciso, na maioria das vezes, medicar
sóp.ós-arecapeuco parfliiiciar alguma forma de psicoterapj.
Essa situação, embora caricaturizada, é rotineira, constituindo um
dos principais fatores de ameaça à vida mental. Ela resulta da crença na
DISFUNÇÃO MENTAL
e
41 ssas naempresa rArk-hr—a disf unção. O ri11mentau4 medida
em que se vai mais lõnge e-riais rápid.Qdnaxlamento conc ret o_é
cau e oso e pré-gravado. Suas funções estn ali determinadas há milha=
Se
intuitivas e ami gáveis- Por isso, achamos que todos os fatos do mundo
têm a cara de nossas mentes e não a cara do código que usamos para
descrevê-los. Enquanto p alc o, personage pecas. a rnenfeSerfila
iens de ui1TIundooue não pareceto de potençjajjl an d
srapsese de mensageiros, mas sim de pessoas, de mesas,dJjfçis?íes,
de pensa
Pensamento e vontade parecem fatos triviais de nossa vida men-
tal. Mais: temos a impressão de que tudo podem. Podem muito quan-
do manipulam apenas objetos de representação mental. Mas, quando
esses objetos tornam-se ações concretas sobre o mundo e sobre si, as
leis naturais impõem limites a ambos. Vontade e pensamento -aãa
é
Não se está negando que, mesmo em casos de doença, a vonta-
de desempenhe certo papel. Mas não é tão importante quanto se imagi-
na que seja, particularmente quando há alguma disfunção mental conco-
mitante. Um indivíduo com câncer pode se beneficiar de sua imensa
vontade de superar a doença. Um indivíduo com depressão também?
Não, simplesmente porque no câncer a mente continua a operar de
maneira mais ou menos íntegra. Na depressão, como a mente éaafet-
Para aqueles que querem crer na divindade, sem com isso perder
a racionalidade, deus pode ser uma alegoria que em nada se parece
com nossa mente, nem tem vontade e pensamento como nós os
concebemos. Suas razões, ainda que estranhas à nossa compreensão,
devem ser motivo de silêncio e fé, jamais de contraposição ao conheci-
mento. A idéia de termos sido criados à sua imagem e semelhança -
provavelmente, fruto do temor de que a limitação cerebral empobreça
a vida porque perece como coisa física e não vai além do que as leis
físicas determinám - gera problemas na medida em que faz supor que
somos formas parciais de uma vontade e de um pensamento ilimitados.
Construímos um sistema moral, ético e jurídico baseado na idéia
de uma consciência que sabe, julga, decide e quer. Haverá como man-
ter a mente sujeita ao cérebro sem precisar, ao mesmo tempo, revisar
uma série de cânones comportamentais?
Imagine que um homicida pudesse alegar, diante de um júri, que
não poderia ter agido de outra maneira, pois razões cerebrais o haviam
obrigado a cometer o crime. E um raciocínio neurológico complicado,
mas, nas condições conhecidas de direito e moral, o ato do indivíduo
seria inimputável. Ao se provar que razões cerebrais podem determi-
nar uma ação, quebra-se um dos pilares do direito: a idéia de liberdade
e de conhecimento para agir de maneira diversa.
Suponha que amarrem um indivíduo e injetem-lhe à força uma
substância alucinógena. Soltam-no em seguida, e ele mata, rouba, men-
te e tudo o mais. Será condenado? Não. Simplesmente porque não era
ele que estava de posse de suas faculdades mentais de conhecimento e
de escolha. Era a droga que o tinha envenenado. Ora, uma mente coagi-
da por um cérebro tem igualmente "drogas" internas (neurotransmis-
sores) que a impulsionam. Sem as cordas e a seringa do exemplo aci-
ma, a média das pessoas entende que a vontade e a escolha são sempre
livres e possíveis. Condena-se aquele que pode ter sido coagido por
drogas cerebrais internas e inocenta-se o que foi envenado por via ex-
terna. Interessante contradição: na concepção corrente, se a droga é
externa, somos inocentes; se interna, somos culpados, porque nossa
mente deve ter controle sobre o cérebro que a sustenta. Ou seja, o
cérebro que cria a mente deve estar sujeito a ela.
Essa mente contraditória, parente dos deuses, da moral e do di-
reito, está tão distante da biologia e da física que é praticamente impos-
sível convencer a média das pessoas de seu sítio cerebral e, portanto,
de suas limitações físicas. Quando se lança mão de uma explicação do
tipo: "Esfreguei um pano na tela do computador com defeito e funcio-
DISFUNÇÃO MENTAL
\ linguagem \ menti
deus moral mente subjetr
divindade
espirito
1 direito
/ sociedade
J objetiva em
/ virtual proces.
A NOVA MENTE
OPINIÃO E CONHECIMENTO
troque urnap.
SÍNTESE
decisões tendem a ser racionais e criativas. Não basta listar sinais e sin-
tomas num panfleto que se distribui de porta em porta. Não perceben-
do a natureza diversa dos discursos, o leigo pensará que o boletim da
Organização Mundial da Saúde tem o mesmo peso do folder colorido
distribuído pela vidente da esquina.
A especificidade das funções mentais, e portanto das anomalias
mais ou menos específicas, levou-me a optar por mostrar uma série
delas acompanhadas de disfunções potenciais. Além de ressaltar a
praticidade de idéias que pareceriam filosóficas ou científicas, exem-
plifica-se, com o cenário cotidiano, a plêiade de quadros com que pode-
mos nos deparar. Por sorte, dada a natureza da forja do mental, é rela-
tivamente fácil corrigir essas disfunções; por azar, situado no plano da
ignorância e do preconceito, muita vez elas não são diagnosticadas pre-
cocemente ou jamais se aceita tratá-las.
Entender a articulação entre o cérebro e a mente permite que se
enxerguem as possibilidades de se agir por opinião ou de se recrutar
parecer técnico. *Sabe-se que a opinião pode ser dada quando não vai de
encontro a uma mente alterada, nem entra em choque com teorias cien-
tíficas que prescrevem o oposto. Grande parte das ilusões que se
vendem hoje em dia sob o rótulo de tratamentos para a mente encontra
ouvidos porque não se educam e instruem as pessoas com uma teoria
séria da vida mental, condizente com o estágio atual do conhecimento
científico acerca do cérebro.
Não há nenhuma intenção de exercer uma tirania do conhecimento,
desdenhando da ordem das coisas que são temática de opinião ou de
fé. Porém, preservar o direito irrestrito de opinião não significa aceitar
a tirania da ignorância, nem tampouco aceitar que se vendam por aí
idéias falsas, ou simplesmente truísmos, sob a aura de ciência. Opinião
é uma coisa, conhecimento é outra. Deve estar claro que uma ciência da
mente, de sua função e desvio, requer bem mais que o saber ingênuo
que se apregoa em muitos púlpitos, escolas, empresas e locais de
trabalho.
)
A MENTE ADOECE
Capítulo 13
A MENTE ADOECE
SONO
MOTIVAÇÃO
CONCENTRAÇÃO
MEMÓRIA
APETITE
FADIGA
LIBIDO
mana esfera mental (mais uma vez, excluídas outras causas orgânicas).
SINTOMAS FÍSICOS
PENSAMENTOS
PERCEPÇÃO
IRRITABILIDADE E IMPULSIVIDADE
SÍNTESE
Capítulo 14
M
I
e testar a maior guanti â e n tre os módulos,
des cart an do as desinter es. Esse processo costuma ocorrer abaixo
do limiar,—,de consciência. Por isso, quando alimenta ~ JQlewa, —
aquilo que o indivíduo sabe fazer bem, mas, sobretudo, de criar meios
de aparelhá-lo naquelas áreas em que tende a não se sair tão bem. Sem
pressão ou comparação com outros mais bem-dotados nesta ou naque-
la área e também sem esperar que o indivíduo de alta inteligência ma-
temática se torne um exímio poeta, é preciso não direcioná-lo apenas
para o cálculo ou para a geometria. Em vez disso, devem-se criar con-
dições para que ele possa exercer outras atividades (poesia, literatura,
redação, artes plásticas), adquirindo confiança também naquelas em
que não está tão bem instrumentado pela inteligência específica.
Essa posição talvez contrarie muitas das concepções em voga.
Claro que o indivíduo tenderá a apresentar melhor desempenho nos
domínios em que tenha maior aptidão específica. Contudo, não aparelhá-
lo nas outras formas de raciocínio poderá, na nova época que se aproxi-
ma, torná-lo menos adaptado e principalmente mais deslocado (o que
redundará em menor equilíbrio emocional).
O pensamento segue uma direção sistemática e seqüencial. Nor-
malmente, o raciocínio transita do particular para o geral, do concreto
para o abstrato, da parte para o todo, do novato para o especialista. Se,
por um lado, devem-se estimular e manter os sistemas de pensamento
seqüencial (de acordo com a concepção digital da mente, mente
manipuladora de regras), por outro, contudo, deve-se incentivar o pen-
samento por analogias, por similaridades, por experiência, por tentati-
va e erro, por descoberta, por devaneio, etc. Isso tenderá a ativar o
processamento da empresa através de seus dois tipos de departamen-
to, o concreto-digital e o virtual-analógico.
Há um paradigma mais ou menos cristalizado de que as porções
ligadas ao pensamento seriam algorítmicas, seqüenciais e, portanto,
melhor captáveis por sistemas de regras (IAS), enquanto que o
processamento de informação de baixo nível, sensorial, seria feito em
módulos de processamento paralelo de tipo rede neura! (IAC). A
concepção de Norman e Shallice propõe até um modelo de módulos
em que há uma entrada de informação pelas estruturas sensório-
perceptuais. Daí, há a ativação de bases de dados prévios que, sob a
ação de filtros do sistema de atenção e supervisão, deixam a informação
passar para o nível das estruturas de processamento psicológico
propriamente dito. Esse modelo é uma variante, em certo sentido, da
tese de uma saída de processamento complexo cerebral que se candidata
à manipulação pelas estruturas ditas mentais?
A crítica é uma propriedade do pensamento, medindo a razoabi-
lidade de certas concatenações de blocos. Julgar e criticar seriam, as-
O SITIO DA MENTE
PSICOSES
No delírio de ruína, o
em
i'io aeuno de ciume. aparece uma ciescontiança patoiogicaem
relacão a outra pessoa. normalmente o cônjuge vendo-se conexões
corroborantes em toda parte.. Após a medicação, o indivíduo começa
lentamente a readquirir a crítica, e, por vezes, ao ser indagado se a
infidelidade continua, responde: "E, parece que ela (ou ele) resolveu
dar um tempo com o namorado."
No delírio de culpa, o indivíduo sente-se responsável por fatos
absolutamente bizarros. Uma mãe me perguntou se um tapa na cabeça
poderia causar um tumor cerebral. Respondi que não, questionando
2iê. Seu filho morrera há 20 anos de tumor cerebral, 30 anos após
ela tê-lo repreendido com um tapa na cabeça.
ptro indivíduo me confessou uma culpa incurável por não ter
feito nada vara evitar a guerra do Vietnã. Ouando lhe veruntei o aue
da que não possa mais resolver nada, continua a ser invadido pelo pen-
samento, o que dá bem conta do caráter involuntário de muitas idéias.
Podem aparecer sugestões de acidentes trágicos, sem que para isso
concorram eventos mais concretos do que uma viagem de automóvel
ou uma sirene de ambulância. Nos quadros depressivos, surgem idéias
recorrentes de morte e, algumas vezes, de suicídio.
O caso dos pensamentos hipocondríacos é exemplar. Acredi ta-s e
que 10% das pessoas que procuram serviços médicos nos EUA sofram
de formas mais ou menos intensas de hipocondria. Nesses quadros, a
idéia fixa relaciona-se a doenças já existentes ou por se desenvolver no
organismo. A sugestionabilidade é intensa. Em muitos indivíduos, no-
se prazer em falar de assuntos médicos e mesmo em invesfig-los.
Um paciente jovem, bem apessoado, aguardava-me na sala de
espera do consultório. Passei por uma porta de onde pude vê-lo. Esta-
va refestelado no sofá, olhar fixo, cara de interesse e prazer. Prestei
atenção e vi que tinha descoberto um livro médico que contém todas as
bulas de remédios no mercado. A avidez com que devorava o livro era
maior do que se fosse literatura erótica.
De maneira geral, o hipocondríaco perde a crença nas instituições
e nos profissionais, jamais se dá por satisfeito com um dianóstico,..e
Uma paciente que tinha seu holerite entregue todos os meses por
um funcionário homossexual desinfetava o papel com álcool antes de
pegá-lo, tamanho seu medo da transmissão de doenças. Invariavelmente
não sobrava holerite. Certa vez, desinfetou o carro, danificando toda a
pintura da lataria. Foi assim a vida toda? Não, antes de uma relação
sexual extremamente inusitada e fora de seus padrões, jamais havia
sido senão pessoa tímida e ligeiramente metódica.
Além dos quadros acima, temos ainda as chamadas perversões
sexuais. Elas constam de uma série infindável de fantasias e comporta-
mentos acerca de objetos eróticos. Basicamente aferíveis quanto ao grau,
podem ser brandas, representando apenas uma maior inventividade,
ou intensas, correspondendo a patologias do pensamento. Muitas de-
odem vir a reboque de quadros ansiosos e dpressivos. Nestes
casos. embora floridas no aue diz resreito ao objeto sexual, cheias de
e situacões. desfazem-se auando se trata
iãusa de base. --
Um paciente ansioso, depois de ter sua ansiedade medicada, re-
latou que suas excessivas fantasias sexuais com a mulher cessaram.
Antes precisava chamá-la de vagabunda e manter relações com ela como
se estivesse com uma prostituta. Outro paciente, quando deprimido,
tinha intensos desejos homossexuais. A medida que se foi medicando a
depressão, seus impulsos sumiram e ele retomou o padrão heterosse-
xual habitual.
Um paciente com distúrbios no lobo frontal - tumores, degenera-
ção, etc. - pode manifestar uma sexualidade exagerada. E o caso de um
indivíduo de 80 anos que costumava abordar garotas e rapazes ofere-
cendo-lhes recompensa em troca de favores sexuais. Por obra de condi-
ções orgânicas propícias, ele ainda era capaz de ter ereções pronuncia-
das. Veio a meu consultório depois que a filha o viu mantendo relações
com uma cachorra. O exame cerebral mostrou deterioração demencial
extrema, particularmente no lobo frontal. Meses mais tarde, o paciente
já não reconhecia ninguém e não dizia coisa com coisa.
Ética e decoro entrecruzam a racionalidade, a emoção e a vontade.
Embora a primeira concexão de mode1aem da mente tiilie atido ao
e desta à
a
cfiticã que esbcem sol u ões. Quando estas não surgem, passa-se, atra-
s e transição de fase, para a consciência individual. O mesmo
veuma
se dá da individual para a coletiva, elegendo a cultura como local de
convergência de soluções ambíguas.
A respeito das premonições, da telepatia e de outros poderes
paranormais, cabe salientar alguns aspectos. Em primeiro lugar, qual
seria o interesse biológico em engendrar um ser que conhecesse o
futuro? Ele poderia prever uma série de coisas, mas, pressentindo
também sua morte e a de entes queridos, ou estatelaria deprimido
ou tentaria mudar o futuro. Ora, um futuro que pode ser mudado já
não é, mais futuro e sim mera hipótese. Em segundo lugar, ainda
que existam "mistérios" que não saibamos explicar, não há, até o
momento, qualquer evidência científica que confirme os fenômenos
paranormais, nem que os explique. E óbvio que não devemos fechar
os olhos diante de realidades desconhecidas, mas precisamos tomar
cuidado com o potencial danoso que nasce, por exemplo, da
convivência de uma teoria de última geração sobre a Aids com um
terreiro de macumba. Embora haja valor cultural nos cultos, o modo
incipiente e mágico com que tratam a mente aproxima-os de uma
idade arcaica.
A nova mente, apesar de eclética, não deve pensar qualquer coisa,
O PENSAMENTO E SEUS DISTÚRBIOS
SÍNTESE
Mo _e ciepririaosentam essa
teadê ncia.
Também o fato de se inculcar culpa em alguém que pensa coisas
más é estranho ao funcionamento cerebral. Ninguém é culpado de pen-
sar, porque o cérebro examina todas as hipóteses interligadas a um
conceito. Por vezes, parte desse processo, sob a forma de idéia, ou todo
ele, sob a forma de pensamento completo, emergem na consciência, o
que não significa, necessariamente, motivação oculta ou desejo reprimido.
Para uma operação de cálculo matemático não parece haver de-
pendência extrema entre fatores emocionais e volitivos. Nessa situação,
o departamento virtual pensamento (cognitivo) recruta quase que so-
mente funcionários de departamentos concretos mais especializados
em pensar. Porém, na decisão complexa e na elaboração de cenários,
sejam otimistas ou pessimistas, ocorre forte entrecruzamento de
pensamento, emoção e vontade. Embora se possa exagerar no papel da
emoção na modulação do pensamento, e é o que fazem certas idéias
vendidas hoje em dia, vários casos psiquiátricos demonstram que, o
concurso da emoção, do humor, do afeto e de outros subprodutos aqui
chamados genericamente de emoção, influenciam e direcionam o
pensamento, sobretudo naquilo que tem de discurso e não de módulos
de verdade justapostos.
coerente e válido do aue uma soma simtles de sentencas verdadeiras
ou
0 SITIO DA MENTE
E SEUS DISTÚRBIOS
Capítulo 15
o pensamento, a
Confundir a mente com o pensamento é roubar dela o exame da
consciência e também as condições circundantes emocionais e volitivas.
A emoção cobre ou adultera as idéias, obnubila ou exalta a von-
tade, fixa ou dispersa a atenção, faz sonhar - às vezes, ter pesadelos - e
interpenetra a personalidade e o temperamento. Ambivalentemente,
está próxima dos outros animais, porque ligada a departamentos mais
primitivos do cérebro humano, e distante deles, porque modela a ra-
zão. A ética, motivo central da última parte deste livro, certamente é a
racionalidade informada pela emoção.
fraterno não são apenas operações de raciocínio; são traços
castas e
Suponha que as idéias e os pensamentos sejam um ator e uma
atriz que representam uma peça no palco da consciência. Ambos têm
um papel no contexto e certas falas. Pode-se vesti-los de preto ou de
branco, optar-se por deixá-los nus ou pintá-los de dourado. Entenda-
se: se as idéias e os pensamentos são personagens e falas (scripz), a
emoção seria as vestes de cada um dos personagens.
Um indivíduo no palco da consciência diz: "Tenho fome". Vestido
de preto, confere à frase um colorido sombrio. Vestido de branco, em-
O SITIO DA MENTE
prazer 1 1 desprazer
depto. \ depto.
virtual virtual
(
ansiedade) \ angústia
ansiedade angústia
ansiedade angústia
região de
mínima energia,
garantida pelo
lingüístico
LESÃO E DISFUNÇÃO
voso, acabam por forjar a mente. Porém, essa mente não é idêntica em
cada um de nós. Tanto menos burilada, sem cair no extremos, menos
capaz de distinguir nuanças. O cérebro oferece uma capacidade imensa
e ociosa de distinguir sutilezas, refinando &acão e a percepção. Cum-
pre-nos buscá-las ativamente.
Para certos fins, um elemento de um departamento concreto po-
de desempenhar outra função num departamento virtual, que, por sua
vez, pode funcionar como "concreto" para um terceiro nível de virtua-
lização. No limite, a idéia de identidade (eu sou um sujeito), embora
O SITIO DA MENTE
Joãoda Silva ter a história que tem nos vários departamentos acabará
por pesar no estilo de deliberação que sairá dali.
Se ave depressão e
êxtase estético não são idênticos. Há uma norma de convocação destes
macroconceitos cognitivos, conativos e afetivos que não se pode redu-
A EMOÇÃO E SEUS DISTÚRBIOS
DEPRESSÕES
áF'ida dor. Não há médico que, diante ddor, não tenha aberto mão
íos para cumprir seu dever jurídico, moral e biológico de
atendimento. Também os primatas o fazem, claro que não em hospitais
aparelhados e decentes como os que servem à população.
Certa vez uma paciente me dizia, após melhorar de um quadro
depressivo ansioso, que pretendia estudar psicologia. "Gosto muito de
O SÍTIO DA MENTE
ajudar os outros", justificou. "Para isso não é preciso fazer curso supe-
rior. Entre para o Exército da Salvação. Ajudar os outros é obri~ ação de
qual uer um. Entender o cé~e a me te so ou os uinhentos",
respon 1. a insistiu: "Mas tão bonito ser médico de almas
euacho
como você." Já sentindo de novo a batina abanar, retruquei: "Isso é
coisa. de religiosos. Eu não cuido da alma, cuido do cérebro." "Como
você é duro e insensível em certas horas", concluiu ela.
Engraçado que, quando falamos de alma e espírito, estamos sen-
do sensíveis. Quando falamos do que está por trás da grandeza da
mente humana e de suas anomalias, somos duros, embrutecidos e
materialistas. Definitivamente, um dos sítios da mente é não se perceber
aue não lhe reduz a randezao fato de sererada vor um cérebro e não
por uma entiaaqg~n~ aoternos a meioa iaae como
DEPRESSÕES PSICÓTICAS
MANIA
SÍNTESE
Capítulo 16
PATOLOGIAS DA VONTADE
veis ou irrecuperáveis e que, por isso, mereciam ser tratados como tal.
A corte decidiu, por 4 votos a 3, negar o pedido, alegando que, embora
houvesse fortes motivações orgânicas para o alcoolismo, ainda restaria
a cada um a possibilidade de, pelo exercício da vontade, ter abandona-
do o vício.
Esse veredicto mostra bem como a mente é vista e como o pro-
blema da vontade e da liberdade são encarados ainda hoje. Descobre-se
vida em Marte, pisa-se na Lua, desvenda-se a física da matéria e a
mente continua sitiada pela ignorância de seu sítio cerebral. Isto é, se
há determinação cerebral para algo, o que pode a vontade fazer? Ou a
vontade também é cerebralmente determinada, o que redunda em
configurar seus limites de atuação, ou está acima do cérebro, hipótese
em que mesmo a determinação subjacente nada conta. Espero que a
decisão da corte tenha partido da primeira hipótese, ou seja de que a
vontade opera cerebralmente dentro de certos limites -, embora haja
predisposição genética, entendeu a corte americana que há margem de
manobra para a ação voluntária.
A vontade pode ser considerada através de três enfoques: a) é
ilimitada e não sofre a coação cerebral; b) é uma ilusão, visto estar
determinada por um órgão físico; c) é uma propriedade que emerge da
complexidade cerebral quando esta gera a mente, sendo uma vivência
que se agrega a alguma instância de controle sobre a ação e a percepção.
A tese deste livro adota a terceira hipótese. Desconfio que a decisão
da corte americana, embora compatível com a terceira hipótese, talvez
seja fortemente influenciada por uma espécie de sincretismo entre a
primeira e a segunda - caso em que a vontade seria algo que paira
sobre o cérebro, tendo suas razões próprias não determinadas por ele.
Embora os desdobramentos aparentemente sejam os mesmos, as im-
plicações de uma e de outra são radicalmente diversas. Uma vontade
emergente do processamento cerebral ainda é física; uma vontade que
paira sobre o mundo físico é de uma natureza que não sabemos explicar,
permitindo qualquer argumento a endossar-lhe o poder.
Poderia se argumentar que a emergência de uma propriedade -
no caso a vontade - é tão inexplicável quanto sua caracterização como
fenômeno espiritual. O dualismo de propriedades, embora com monismo
de essências, adota uma posição de aceitação da irredutibilidade das
propriedades emergentes às propriedades das partes inferiores que se
reúnem formando um sistema. 4 Esse dualismo de propriedades dá
margem a um equívoco ao permitir que a vontade-emergência seja quase
similar à vontade-espírito. Creio que a vontade é uma sensação que
O SITIO DA MENTE
SÍNTESE
Capítulo 17
ATENÇÃO
ente; b) não é o meio que formata o cérebro, mas o cérebro que tem
idéias e teorias e as confirma ou refuta com testes de campo; c) quanto
mais treinada for a área central (o córtex), melhor monitoramento das
informações será feito e melhor compreensão da natureza dessas
informações haverá; d) a atenção dependerá de interesse e motivação
(quer dizer, quando a presidência detecta uma oportunidade real vinda
de um departamento inferior, quase paralisa uma série de operações
rotineiras, recrutando funcionários de praticamente todos os departa-
mentos concretos para se sentar em uma comissão virtual e analisar o
fato); e) como há expectativas prévias sendo constantemente geradas
pelas áreas centrais (córtex), o papel da periferia é confirmar ou refutar
a hipótese; f) a consciência está para a atenção numa relação de hierarquia
- mais sofisticada, elege prioridades que a atenção executa.
As teorias geradas no córtex são tão fortes que o sistema tem
baixíssima tolerância à falta de coerência. Por vezes, se não forem dadas
respostas claras de sim ou não pela periferia (pelas pesquisas de campo),
o córtex iniciará uma fantasia ou fabulação.
Esse tópico corresponde a um dos mecanismos mais interessan-
tes do sistema nervoso, merecendo explicação. Quando se amputa um
braço, o indivíduo continua por muito tempo sentindo o braço. E a
chamada dor do membro fantasma. Isso se deve ao fato de que o córtex
está todo o tempo mandando mensagens confirmando a presença do
membro. Como supõe que o membro está lá, dificilmente se desconfirma
sua presença. Ao mínimo sinal de presença dele (as terminações nervosas
do coto continuam a mandar informação), fecha-se uma história de que
o membro continua presente. Com a visão acontece algo parecido:
embora haja um ponto cego na nossa retina (onde não há células capazes
de detectar luz), não aparece um ponto cego na nossa visão consciente.
O sistema se encarrega de preencher aquele ponto cego com uma
hipótese de unidade.'
Portanto, ao lado da geração de hipóteses constantes, o córtex
tem, juntamente com o resto do sistema, uma necessidade de coerência
e de unidade. A coerência e a unidade são responsáveis pela geração
de teorias sobre o mundo e sobre o estado atual do organismo. Os
sentidos têm, assim, o papel de confirmar ou desconfirmar essas hipó-
teses. Quando estão desacoplados, ou funcionam mal, podem gerar
um funcionamento autônomo das teorias corticais, situação em que o
indivíduo fabula sobre algo e não tem condições de verificar-lhe a
verdade ou falsidade. (Veremos adiante que na verdade o córtex é como
que um candidato sem votos; pode ter plataforma, mas não tem assento
no real. Desespera-se com a falta de compreensão e começa a fabular
conspirações, até que desorganiza o discurso. O sonho é uma consciência
não corrigida e prestigiada pela sensorialidade. Embora se mantenha
intacta em alguns momentos, tende a desestruturar-se.)
Um quadro interessante exemplifica a idéia de um córtex que
confirma hipóteses. Um indivíduo que tem sua retina destruída e uma
perda de visão instantânea pode entrar num quadro psicótico em que
insiste continuar enxergando. Perguntado sobre o que está vendo,
começa a fabular uma cena. Nega peremptoriamente a cegueira, embo-
ra esteja absolutamente cego. O córtex, tendo necessidade de fechar
uma teoria coerente, simplesmente elimina a informação de que perdeu
um sentido (neste caso a visão) e continua a processar suas teorias
como se aquele sentido não estivesse ausente. Isso explica, de uma
certa maneira, certos tipos de estado psicótico e algumas peculiarida-
des que serão descritas mais à frente sobre o sonho.
A necessidade de coerência também explica, de uma certa forma,
o porquê de um estado de desconforto que se instala diante da incerteza.
Suponha que a empresa esteja pressionada por resultados e que, diante
de uma oportunidade surgida, não se consegue chegar a um
determinado consenso. As comissões virtuais começam a gerar intrigas
e a tentar fazer jogos de pressão para fazer valer suas opiniões. Isso
leva a um lento processo de deterioração do espírito e do clima da
empresa.
Também no cérebro o que acontece diante de histórias que dizem
respeito a fatos que não fecham, que não têm coerência, que não são
confirmados ou desconfirmados pelos sentidos, é a instalação de um
estado ansioso generalizado. Essa ansiedade pode gerar, na continua-
ção, um comportamento irracional de busca de soluções apaziguado-
ras. A fabulação na ausência de confirmação de hipóteses sensoriais é
parente da ansiedade e da mitomania que não encontra corroboração
para hipóteses mais complexas. A hipótese sobre a visão é uma sentença
isolada que precisa ser verificada ou refutada. A hipótese mais ampla é
um discurso, tendo de ser confirmado não mais pelo exame da verdade,
mas da consistência ou do poder. Geramos hipóteses amplas no mundo
córtico-mental e saímos à cata de confirmação: a aceitação coletiva, o
aplauso, costuma substituir, no nível da hipótese-discurso, o papel dos
sentidos no nível da hipótese-sensonalidade.
O presidente da empresa, diante de um dilema amplo, do tipo
que acabei de chamar de hipótese-discurso, também chamado de
cenário, onde não há uma solução certa e outra errada, mas ambas
O SÍTIO DA MENTE
cria
uma pcela verificável ou, melhor ainda. refutável, e realiza o teste.
Quando essa razão que deveria nortear a mente falha, então é
preciso que o sentido extra s a substituído pela provaeanda e pelo
PATOLOGIAS DA ATENÇÃO
ATENÇÃO E REFLEXÃO
SÍNTESE
Capítulo 18
LINGUAGEM
DE NOVO AS PROPOSIÇÕES
AFASIAS
DISLEXIA
SÍNTESE
Capítulo 19
PERCEPÇÃO EAÇÃO
sem obras motoras, concepção inversa à que diz haver pecado por atos
e pensamentos. A mente não é senão graçda açãoçl
percepção, não cabendo imputar-lhe culpa por pensar ou d,-tal
tivesse controle absoluto sobre si.
Está aí circunscrita a separação entre pensamento e ato motor.
Porém, como já vimos, o sistema precisa verificar todas as hipóteses
para escolher uma para agir. O ato, enquanto esfera objetiva e pública,
é o único elemento confiável da cadeia, embora não se desgarre da
mente que o sustenta e esta não possa ser totalmente explicada por ele.
Se pudéssemos explicar o todo da mente peios atos e comportamentos
o behaviorismo teria 'iigado como teoria psicológica definitiva. Nem
todo ata--C, consciente, porém a maioria deles é mental. Podemos
comunicar, através dos atos, conjuntos de fatos interpretáveis à luz da
linguagem sem que tenhamos consciência desses fatos.
Grande parte do poder de algumas pessoas de se sair bem numa
série de reIioiiamentos repousa na capacidade de verceber os atos
+ motores do outro atestanÇdle uma maneira bastante
onde se deve Ó-Jiscurso; essa percepcão rode ser conscient
ou não, certa ou errada Imagine duas pessoas conversando. Há uma
"ie de fatos motores entre elas. Cada uma produz palavras, gestos e
entonações no discurso, etc. Temos acesso apenas a uma parcela da
comunicação, aquela que se dá no plano da inteligibilidade. Por outro
lado, cada uma delas tem acesso apenas à parcela consciente da comu-
nicação, que não é exatamente expressa. Dois sujeitos são capazes de:
a) produzir fatos mentais conscientes e não-conscientes; b) agir através
de sua motricidade veiculando parte dos fatos conscientes (modulando
o que se transmite ou não) e também veiculando parte dos fatos não-
conscientes; c) perceber e julgar conscientemente porções da ação alheia;
d) perceber e julgar não-conscientemente porções da ação alheia. Um
observador é capaz de: a) perceber conscientemente os atos inteligíveis
que ocorrem entre os dois sujeitos conversando; b) perceber, embora
sem consciência, outros atos entre ambos. Pense em todas as
combinações possíveis dessa interação e em todos os potenciais acertos
e equívocos que podem gerar.
Grande parte da vida mental se dá nos seguintes planos: a) fatos
mentais internos, conscientes ou não; b) ações conscientes; c) ações
não-conscientes; d) percepções conscientes; e) percepções não-
conscientes. De maneira geral, as ações são parte da consciência, porque
são uma expressão do que pensamos, sentimos ou desejamos; são tam-
PERCEPÇÃO E AÇÃO
selecionar e
entre
temos ainda uma
Por ora, pouco se conhece a esse respeito, embora haja grande massa
de informações dispersas sobre o tema. O que falta é o esboço d "ma
QQras não-conscientes.
O cerebelo, antes tido apenas como controlador motor, é hoje
considerado atuante nas funções mentais. 4 Poderíamos citar algumas
PERCEPÇÃO E AÇÃO
mente não-consciente
(processamento complexo)
CÉREBRO MUNDO
cérebro
[ ,n,2_'
ição / modulação J complexidade
sem
código — atos e percepções reflexas
menTal
li!!
SÍNTESE
Capítulo 20
MEMÓRIA
MEMÓRIA E TRAÇO
mecanismo por excelência de que lança mão o cérebro para fixar lem-
branças. Ao contrário de uma canaleta ser um tigre e uma bolinha, um
leão, é como se cada caixa com canaletas e bolinhas representasse um
objeto. Modificações no comportamento global da caixa seriam
modificações no objeto que ela representa.
Exceção feita a certos objetos da percepção que têm departamen-
tos concretos (as caixas, no exemplo anterior) mais ou menos bem
delimitados (e até eles têm algo de departamento virtual, como se fossem
departamentos concretos que ora estão num local da empresa e ora
estão em outro) 3 , a maioria deles é representada através de comissões
dentro do sistema. Vamos ver como poderia ser feita a representação
de "leão" num cérebro. "Leão" seria um circuito, ou um conjunto de
circuitos reunidos em comitês, que retrataria todos os fatos relacionados a
leão (com o fim de formar o conceito de leão).
Num primeiro momento, um conjunto de neurônios (módulos)
associaria a visão de um leão (do primeiro leão de minha vida) com a
palavra leão (que estaria noutro conjunto de neurônios). Com o tempo,
a associaria a outros conjuntos de neurônios, como aquele que repre-
senta mamífero, leão da Metro, leão de chácara. Toda vez que se
estabelecesse uma nova conexão, algumas ligações seriam reforçadas.
Memória e representação são, de certa forma, análogas porque o
mecanismo que aumenta a conexão entre propriedades tanto pode estar
por trás de memorizar quanto de representar um conceito. No caso de
leão e das sucessivas instâncias e qualificações de leão (de pelúcia, da
Metro, etc.), cada grupo de neurônios vai aos poucos codificando o que
ele representa (o que vai depender de uma série de fatores dentro do
módulo, também eles dependentes de memórias) e as conexões com
outros módulos.
Uma vez que essa conexão dentro do módulo para formar
microconceitos (o leão visto é o resultado de uma operação de conjun-
ção de vários elementos visuais, como textura, profundidade,
luminosidade, contorno, cor, etc.) já é um mecanismo que depende de
experiência, memória e capacidade de delimitação, teremos: a) opera-
ções dentro dos módulos e entre os módulos (intra e intermodulares);
b) cada módulo contém inúmeros outros possíveis no seu interior.
O processo de representação e de classificação depende dessas
relações intra e intermodulares (módulos são conectados através de
feixes nervosos), de tal sorte que se possa refinar o conceito e suas
relações com outros. Refinar um conceito é operar dentro do módulo,
mas também, em outros níveis, estabelecer relações com outros
O SÍTIO DA MENTE
HHHCHH
POL APA
1 LOSUA
AL TACF IALTA,.. A
om respectivas freqüências
P A
/ SUA
ALTA A
Fig.51 - Conjuntos de neurônios disparando em diferentes freqüências o que no
esquema correspond a letras diferentes. Uso dois gabaritos, ou máscaras, para
recortar ou salienta?( apenas alguns aspectos da informação.
interpretação interpretação
0.8 tanto as freqüências quanto
0.7 0.7
as posições podem
0.8 0.7 0.7 representar aspectos 0.8 0.7 0.7
0.8 0.8 do bloco
0.8 0.8
Fig.52 - A alteração rápida de freqüências e a sincronização entre regiões faria com
que se prescindisse de 'gabaritos "para interpretar informações no interior de cada
bloco.
As intimidades maiores destes processos são ainda hoje total-
mente desconhecidas. Sabemos que muito provavelmente não têm
nada que ver com a forma como computadores alocam memórias, as
representam e manipulam centralmente sua procura. Isso é importante
porque, se o cérebro é computador, não é do tipo que conhecemos nos
dias de hoje.
O problema fundamental, e isso será tratado no esboço de uma
teoria da consciência, é que a memória sem a consciência é fenômeno
que se estende por toda a parte. No ser humano, sua característica de
ser interpretável e cognoscível torna-a indissociável da consciência.
O SÍTIO DAMENTE
SÍNTESE
Capítulo2l
PERSONALIDADE
PERSONALIDADE E HERANÇA
de bem-estar L2
Essas quatro características podem ser medidas através de alguns
comportamentos e, além do mais, podem ser amplificadas pela purifi-
cação gênica de tal sorte que, ao fim do processo, praticamente apenas
uma das quatro persista na população. Na verdade, na população não
submetida à purificação, a personalidade seria uma mistura das quatro
facetas acima descritas.
A despeito de podermos definir a personalidade como algo que
tem forte componente hereditário, e isso explicaria a hipótese dos tra-
ços fundamentais acima relatados e sua possibilidade de purificação, a
semelhança de personalidade entre gêmeos univitelinos é de 50% e em
bivitelinos é de 25%. Isso quer dizer que, embora tenhamos grande
correlação gênica, essa não atinge os 100% (caso dos gêmeos univitelinos),
a despeito de seu meio de criação ser o mesm.
O argumento de que univitelinos têm 50% porque são criados
juntos esbarra em duas evidências que mostram o quão fundamental é
a genética: a) os bivitelinos têm 25%, embora crescendo no mesmo meio
(isto é, genéticas bem parecidas, mas não idênticas, fazem o papel do
meio ser de no máximo 25%); b) os univitelinos tendem a ter correlação
de personalidade próxima dos 50%, mesmo quando separados e criados
em ambientes totalmente diversos. 3
O traço de liderançã é básico, encontrado em toda escala animal,
fundamental para um determinado tipo de hierarquia dos grupamentos.
Lagostins já exibem relação de dominador e dominado. Devido a uma
distribuição de sinapses e receptores de serotonina, vemos lagostins
isoladas respondendo, com uma determinada intensidade, à estimulação
das pinças: quando tocada, a pinça é retirada. Isso se processa através
PERSONALIDADE
CLASSIFICANDO PERSONALIDADES
PSICOPATIA
justificação nem para os atos certos que faz. É superficial e com uma
sensibilidade para atos e relações que parece falsa, premeditada,
interesseira e vazia.
O amoral é um diagnóstico limite em psiquiatria; mormente quan-
do não podemos exatamente afirmar se aquilo é ou não uma doença, na
medida em que é um modelo. Teríamos que ter uma teoria da conduta
e uma teoria da moral para que pudéssemos afirmar que suas ações
são desviadas. Mas, de uma certa forma, não há cabimento em falar de
essências plenas e atemporais em qualquer fenômeno biológico. Não
tem sentido falar que uma determinada variação é boa ou má. Tudo
que há no organismo é um algo para um determinado ambiente.
Metabolizar oxigênio não éo único meio de respirar. Dentro em breve
uma mutação que produzisse uma respiração via monóxido de carbono
tomaria os habitantes das grandes cidades mais adaptados.
Lembre-se: o acaso cria a variação e a necessidade cria a seleção.
Essa é a máxima que descreve o binômio acaso/necessidade na teoria
da evolução. Não há propriamente um valor agregado a qualquer função
ou conteúdo biológico. Portanto, a amoralidade não necessariamente é
má ou patológica. A sua resistência ao tratamento - diria até que não
existe tratamento - faz com que tenhamos algumas dúvidas quanto ao
seu caráter realmente patológico.
Suponha que uma empresa produza um modelo de carro que
esteja totalmente em desacordo com regras firmadas por algum órgão
de controle. Não haverá mercado oficial para esse modelo, não porque
bom ou mau. Simplesmente porque a trinca modelo-mercado-
fiscalização não funciona. Claro que nos casos do psicopata amoral
tenderíamos a pensar em algo mais nobre que o mercado e a fiscaliza-
ção. Por razões advindas da própria variabilidade e adaptação, somos
obrigados a dizer que certos modos, ou modelos mentais, têm menor
funcionalidade adaptativa. Mas essa funcionalidade adaptativa será
relativa a um meio, a uma sociedade. Mude-se a sociedade e o modelo
pode se tornar adaptado. Isso me causa perplexidade, e é o fator de
sítio da mente que examinarei na última parte deste livro.
Qualquer fato mental é um fato primeiramente biológico e, por-
tanto, foi a variabilidade que dotou o ser humano de linguagem e de
interatividade capazes de estabelecer sociedade. Essa sociedade pas-
sou pela construção de determinados pactos de convívio e de valor.
Esse valor lentamente foi sendo introjetado pela educação religiosa,
política, civil, etc. Aquele indivíduo que não tem capacidade de agregar
valor ou sentimento aos seus atos está em desacordo com o meio que
O SÍTIO DA MENTE
São rivais e deve-se exercer sobre elas opção voluntária ou não; crédu-
la ou crítica; ciente da mente-cérebro ou ignorante. Talvez o exame do
sítio cerebral da mente, de sua condição de predicado adaptativo, possa
auxiliar na escolha de melhores sistemas axiomáticos que sustentem as
deliberações advindas dessas personalidades sociais. Vejamos algumas
delas:
a) todo ser humano deveria ter acesso garantido ao alimento, à
saúde e à educação básica X apenas os que se esforçam e são capazes
devem ter acesso a isso;
b) a preocupação com o semelhante é fundamental X a preocu-
pação consigo e com os parentes próximos - linha direta - é funda-
mental;
c) a preocupação com as futuras gerações é fundamental X a
preocupação com a atual geração é fundamental;
d) nem todo ato errado é proposital X todo ato deve ser entendi-
do como proposital;
e) o perdão é absolutamente essencial na relação humana X a
punição é absolutamente essencial na relação humana;
f) o dever deve ser modulado pelo prazer X o prazer deve ser
modulado pelo dever;
g) a oferta de moeda inflaciona X a estrutura complexa da econo-
mia inflaciona (sendo a moeda apenas um dos elementos);
h) a liberdade individual é o bem maior X a igualdade de oportu-
nidades é o bem maior;
i) a liberdade tem limites X a liberdade só é liberdade quando
ilimitada;
m) o prazer é um dos elementos da realização X o dever é um
dos elementos da realização;
n) ser é fundamental X ter é fundamental;
o) a verdade é fundamental X a eficácia é fundamental;
p) os fins justificam os meios X os meios definem os fins.
Esse conjunto de afirmações, não necessariamente espelhando
duas colunas rivais, mas rivais em si (é tarefa de cada um escolher em
cada item sua posição axiomática), creio, tem servido de axioma donde
derivam várias ações, percepções e valorações da parcela pública e social
de nossas mentes.
• Suponha que, se devo agir em situação humana complexa, devo
estabelecer um conjunto de axiomas que dirigirão minha geração de
raciocínios, respostas, inferências, valores e sensações. De maneira geral,
muitos são os paradoxos e as situações antagônicas na vida e na ação.
PERSONALIDADE
SÍNTESE
Capítulo 22