Você está na página 1de 3

O LIBERALISMO TEOLÓGICO

Introdução aos problemas teológico-filosófico fundamentais da


racionalidade moderna. Filósofos precursores da Teologia Liberal.

Zakeu A. Zengo

I- KANT: A Religião dentro dos limites da razão moderna

Kant (1724- 1804) teve uma formação cristã. Sua família era muito fervorosa em
matéria de fé, de orientação pietista luterana. O pietismo ressaltava o rigorismo moral, a
necessidade de regenerar a natureza humana corrompida. Este elemento da convicção
religiosa será para ele não só importante na sua formação, mas também para a sua
filosofia. E embora seu sistema filosófico crítico consistisse na demolição dos
fundamentos do racionalismo metafísico precedente (séc. XVII: racionalistas -
Descartes, Espinoza, Leibniz, Wolf), ele não pude abstrair-se das questões teológicas
mais importantes desse período: a existência de Deus, a imortalidade da alma e a
constituição intrínseca da criação (natureza, universo, homem, etc.). Como todos
filósofos antes dele (empiristas, deístas...), Kant também queria salvar o fundamento da
fé cristã [1] .

Antecedentes

1) Os empiristas ingleses:

    “Nada sabemos sobre o mundo em que somos colocados antes de o percebermos com
os nossos sentidos”. Tudo o que o pensamos sem relação com fatos vivenciados é falso.
Por exemplo, quando empregamos palavras como “Deus”, “eternidade”, “substância”,
nossa razão está funcionando em ponto morto.

     *J. Locke (1632-1704), “Ensaio sobre o Entendimento Humano”, 1690:

         - Além da experiência, existe também o conhecimento “intuitivo” ou


“demonstrativo”, que torna possível a universalidade de certas diretrizes éticas, e o fato
de que é inerente à razão humana saber que existe um Deus (=racionalismo). Mas isto
não justifica a necessidade da fé num Deus transcendente. Na verdade, a idéia que o
homem faz de Deus nasce da própria razão humana (=uma representação).

           *D. Hume (1711-1776), “Tratado sobre a natureza Humana”, concebido aos 15
anos e publicado aos 28 anos. Principal mentor de Kant.

          - Nosso conhecimento é constituído a partir de impressões e idéias simples ou


complexas. Por exemplo, a nossa idéia de Deus é complexa porque vem sempre
acompanhada por impressões decorrentes de nossa experiência: sábio, bondoso, justo ou
severo, etc. O Deus que acreditamos é uma mera construção humana que não tem
existência real, não tem uma existência real. É puro capricho da metafísica da
representação. É impossível provar a fé religiosa com a razão humana. O homem não
tem como dizer se Deus existe ou não (=agnosticismo). É possível crer em Jesus Cristo
e nos milagres, mas trata-se de crença e não de razão (separação entre crença e
conhecimento).

          *George Berkeley, bispo irlandês, (1685-1753):

         - Todo o nosso conhecimento provém dos nossos sentidos, mas nem todos os
nossos sentidos são constituídos por impressões materiais. Todas as nossas idéias têm
uma causa fora de nossa consciência, mas esta causa é de natural espiritual. Tudo vem
do espírito “omnipresente, por meio do qual tudo existe” (=Deus).

2) Deístas ingleses (iluministas)

    Tese Central: Deus é um ser superior que só se revela ao homem através da natureza
e de suas leis, mas nunca de uma forma sobrenatural. É uma espécie de relojoeiro
aposentado!

As três grandes questões filosóficas antes de Kant eram: o homem possui uma alma
imortal? Será que Deus existe? É possível conhecer a natureza e o universo?

KANT sabia de todas essas discussões, sobre a crença na existência de Deus e a


validade da religião cristã. Por isso, no seu sistema crítico reservará espaço suficiente
para eles.

Para ele, depois de Descartes todos os filósofos se ocuparam apenas da tarefa de


investigar o que podemos saber do mundo. Enquanto os racionalistas atribuíam uma
importância exagerada à razão, os empíricos eram parciais demais ao defender a
experiência centrada (apenas) nos sentidos. Importa é investigar a constituição da
própria instância formadora do conhecimento.

Os atributos do mundo físico são apenas propriedades da própria consciência. Por isso,
no conhecimento humano não é apenas a consciência que se adapta as coisas, mas as
coisas também se adaptam a consciência (=revolução, virada copernicana).

Não podemos saber como o mundo e as coisas são “em si”, mas apenas como o mundo
e as coisas são “para mim”. Coisas como Deus, liberdade e imortalidade não podem ser
provadas pela razão. Para a razão é tanto provável quanto improvável que Deus exista.
Então, em que sentido se pode dizer que o Cristianismo é válido?

Para Kant, o lugar da religião na experiência humana consiste apenas naquilo que é
próprio da fé religiosa, ao qual nem a razão e nem a experiência podem chegar, que é a
determinação moral do homem. Ele achava que as premissas de que a alma é imortal, de
que existe um Deus e de que o homem possui livre-arbítrio eram pressupostos
imprescindíveis para a moral humana.  No entanto, observa que isto só pode ser
afirmado pela fé (=postulado prático) e nunca pela razão (postulado da razão pura)
como fez Descartes!

Por postulado prático (=Crítica da Razão Prática) Kant entende tudo aquilo que precisa
ser afirmado para a “prática” do homem; para o seu agir e, portanto, para a sua moral.
Assim dirá que  “é moralmente necessário supor a existência de Deus”.
Ele acreditava que todos os homens possuem uma razão prática, que nos diz a cada um
o que é certo e o que é errado no campo da moral (=lei moral universal, imperativo
categórico). É nisto que consiste o sentimento religioso, porque apenas a religião prega
a necessidade de superar a moral da compaixão para a moral do dever do bem viver. Só
quando fazemos alguma coisa por considerar nosso dever seguir a lei moral é que
estamos diante de uma verdadeira ação moral (=ética do dever).

Por ser a lei moral algo universal, pode-se dizer que a revelação religiosa é uma
caraterística própria do espírito humano universal em Kant! Dele em diante, distinguir
nas religiões instituídas qual delas é mais próxima dos mandamentos da ética veio a ser
o objeto de muitas teologias, mormente a ciência das Religiões Comparadas. O texto em
epígrafe pode ser considerado o marco inicial desta tarefa.

Escopo prático de KANT, A Religião dentro dos Limites da mera Razão.

Como comprovar racionalmente a validade da religião? Em que consiste a competência


racional da validade moral da religião? Como justificar a essência da religião como
manifestação do sentimento do dever moral? Na sua crítica Kant desenvolve o seguinte
esquema, em que consiste a obra supra: 1) O postulado do Mal Radical (pecado
original); 2) A origem da mal radical; 3) A religião como uma “representação”.

Você também pode gostar