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1/8/2016 Guerra contra a educação - 04/12/2015 - Vladimir Safatle - Colunistas - Folha de S.

Paulo

Guerra  contra  a  educação


04/12/2015  02h00

O  governador  Geraldo  Alckmin  governa  São  Paulo  como  se  aqui  fosse  um  imenso
cafezal  adquirido  por  herança.  Sua  lógica  não  é  muito  diferente  daquela  própria  aos
antigos  barões  do  café  que  tomavam  decisões  sobre  a  província  de  São  Paulo  em
salões  fechados,  viam  manifestações  e  greves  como  crime  produzido  por
"arruaceiros"  a  quem  a  única  resposta  era  o  porrete  da  polícia  e  estavam  mais
preocupados  sobre  o  que  saia  nos  jornais  do  que  como  a  população,  de  fato,  recebia
suas  "medidas  administrativas".

O  governador  pode  vestir  trajes  de  barão  do  café  porque  é  beneficiário  da
"manemolência  midiática"  vinda  de  certos  setores  da  imprensa.  Isso  significa  que
seu  governo  poderá  ser  julgado  em  processos  no  exterior  por  casos  de  corrupção  no
metrô,  sua  incompetência  poderá  produzir  crises  hídricas  e  racionamentos  de  água,
seu  governo  poderá  criar  uma  situação  educacional  classificada  por  seu  próprio
secretário  da  Educação  como  vergonhosa,  mas  nada  disso  se  transformará  em
investigação  implacável,  como  vimos  várias  vezes  quando  se  trata  dos  desmandos
do  governo  federal.  Como  um  grande  barão,  ele  irá  pairar  acima  de  suas  próprias
catástrofes.

Neste  exato  momento,  seu  governo  aprova  decretos  que  lhe  permitirão  fechar
escolas,  deslocando  alunos  para  salas  superlotadas  e  eliminando  "salas  ociosas",
resultantes  da  fuga  de  professores  e  alunos  do  sistema  estadual  com  sua  qualidade
falimentar.  Há  anos  os  profissionais  de  ensino  público  procuram  denunciar  os
resultados  de  uma  política  que  afugenta  bons  professores  devido  aos  baixos
salários,  que  não  garante  condições  mínimas  de  ensino  em  escolas  sucateadas,
sem  bibliotecas  e  infraestrutura.  Ao  invés  de  melhorar  o  sistema,  ouvindo  seus
professores  e  alunos,  ele  resolveu  diminui-­lo  para  que  ele  caiba  em  um  orçamento
em  queda.  Em  outros  lugares  do  mundo,  os  governos  lutam  para  abrir  escolas.  Aqui,
o  governo  briga  para  fechá-­las.

Como  nosso  barão  do  café  assustou-­se  com  o  fato  de  os  alunos  não  agirem
passivamente  como  gado,  sua  Secretaria  da  Educação  declarou  preparar-­se,  vejam
só  vocês,  para  uma  "guerra".  Esta  guerra  envolveria,  entre  outras  coisas,  o  esforço
estatal  em  reverter  o  quadro  negativo  de  notícias.  Assim,  enquanto  decide  o  futuro
de  centenas  de  milhares  de  alunos  soberanamente  por  decreto  saído  da  cabeça  de
seus  tecnocratas,  sem  sequer  enviar  seu  projeto  à  Assembleia  Estadual,  o  governo
diz  que  são  os  alunos  que  "não  querem  dialogar".  Enquanto  manda  sua  polícia
prender  alunos,  espancar  professores  e  receber  adolescentes  com  spray  de
pimenta,  ele  afirma  que  os  manifestantes  são  violentos.  Neste  exato  momento  em
que  você  lê  este  jornal,  há  alunos  sendo  tratados  pela  polícia  como  criminosos  por
se  recusarem  a  aceitar  a  "reformulação"  de  suas  escolas.  Mas  temo  que  nada  disso
irá  realmente  sensibilizar  muita  gente.  Para  um  certo  setor  da  população  paulistana,
como  bem  disse  Jean  Wyllys,  fechar  a  Paulista  é  mais  preocupante  do  que  fechar
escolas.

Como  não  poderia  deixar  de  faltar,  sobrou  também  para  as  universidades  paulistas:
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1/8/2016 Guerra contra a educação - 04/12/2015 - Vladimir Safatle - Colunistas - Folha de S.Paulo

"Não  há  nada  mais  corporativo  do  que  a  USP,  Unicamp  e  Unesp",  disse  nosso
governador  nesta  semana,  talvez  com  medo  dos  professores  universitários
começarem  campanhas  para  se  solidarizar  com  os  estudantes.  Ou  seja,  se  a
situação  das  universidades  de  São  Paulo  é  deplorável,  não  é  porque  elas  triplicaram
de  tamanho  com  a  mesma  dotação  orçamentária,  nem  porque  seu  partido  impôs  um
reitor  à  USP  que  foi  capaz  de  produzir  déficits  bilionários.  A  culpa,  é  claro,  só  poderia
ser  do  "corporativismo"  que  não  enxerga  o  maravilhoso  trabalho  de  melhoria  da
educação  pública  feito  por  seus  tecnocratas  no  Tucanistão.  O  filósofo  dinamarquês
Søren  Kierkegaard  costumava  dizer  que  o  pior  defeito  do  ser  humano  é  a
transferência  de  responsabilidade.  Meditemos.

Se  me  permitirem,  gostaria  apenas  de  lembrar  ao  governador  que  há  sim  algo  mais
corporativo  do  que  nossas  universidades.  Basta  que  ele  olhe  para  dentro  de  seu
palácio  de  governo.  Afinal,  não  seria  seu  partido  algo  mais  parecido  a  uma
corporação  que  acredita  ter  o  direito  censitário  e  eterno  de  nos  governar  sem  nunca
ter  que  ouvir,  abrir  a  circulação  efetiva  de  informações,  responder  por  suas  decisões
equivocadas  e  rever  processos  a  partir  da  pressão  da  população?  Bem,  mas  para
quem  vê  o  Estado  de  São  Paulo  como  um  cafezal,  as  práticas  de  governo  são
outras.

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