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A criança pré-verbal Bebês também parecem ser sensíveis a certos aspectos da estrutura musical.

Jusczyk e
Krumhansl (1993) mostraram que os bebês preferem melodias tonais nas quais pausas
A compreensão a respeito do desenvolvimento musical tem passado por uma revolução
são introduzidas ao final das frases, do que as mesmas melodias com pausas que
desde o desenvolvimento de métodos experimentais para a análise da cognição de bebês
ocorrem em outros momentos. Trainor e Trehub (1993) treinaram bebês de 9 meses a
muito novos, que ainda são incapazes de falar ou de seguir instruções. Por exemplo,
responderem a mudanças de intensidade em uma série de fragmentos melódicos
pesquisadores podem mensurar mudanças sutis no movimento do corpo (como
repetidos. Os bebês eram recompensados caso virassem sua cabeça em pelo menos 45
movimentos da cabeça ou dos olhos, e a velocidade de sucção) ou em processos internos
graus à esquerda ao ouvir uma elevação da intensidade. A recompensa era uma breve
(como o batimento cardíaco) que demonstram a consciência do bebê em relação a certa
iluminação de quatro luzes e um conjunto de brinquedos mecânicos. Isso porque
mudança. Temos hoje muitas demonstrações de que a percepção musical da criança é
pesquisas anteriores mostraram que a oportunidade de visualizar objetos interessantes
muito mais sofisticada do que o comportamento exterior tende a sugerir. Somente
em movimento é recompensador para bebês nessa faixa etária. A Figura 1 mostra um
experimentos cuidadosamente elaborados podem revelar a extensão completa de tais
exemplo de um ambiente experimental típico para testar a percepção infantil.
habilidades perceptivas, as quais normalmente passariam desapercebidas mesmo pelos
pais mais observadores. O teste foi realizado com o uso de um padrão de 5 notas em repetição. O padrão
subjacente poderia ser tanto (1) uma tríade maior (p.ex., dó-mi-sol-mi-dó) ou (2) uma
Técnicas inovadoras têm sido capazes de demonstrar que a sensibilidade e o
tríade aumentada (p.ex., dó-mi-sol#-mi-dó). Cada repetição desse padrão começou
aprendizado musicais existem antes do nascimento. Por exemplo, crianças recém-
sobre uma altura distinta, o que significa que somente a informação de alturas relativas
nascidas respondem com mais atenção à peças musicais que foram repetidamente
foi disponibilizada ao bebê. Um “teste de alteração” ocorreu quando a terceira nota do
tocadas por suas mães antes do nascimento, do que a melodias novas (Hepper, 1991).
Isto significa que, antes de nascerem, os bebês já haviam absorvido e armazenado padrão foi abaixada em um semitom; assim, (1) se tornaria dó-mi-fá#-mi-dó, e (2) se
informações bastante específicas sobre a música no seu entorno. Isto é possível devido tornaria dó-mi-sol-mi-dó. O experimento foi realizado tanto com bebês como com
ao fato que o sistema auditivo parece já estar totalmente desenvolvido ao final do quarto adultos (os adultos, por sua vez, sinalizavam a mudança elevando suas mãos).
mês de gestação (Lecanuet, 1996). Registrou-se então a proporção de testes nos quais os participantes detectavam
corretamente uma mudança. A Figura 2 mostra as pontuações percentuais dos adultos
Com relação aos meses logo após o nascimento, pesquisadores mostraram que bebês de e dos bebês, informadas separadamente para as tríades maiores e para as tríades
5 meses já se encontram mais sensíveis a padrões ou contornos melódicos, e não tanto aumentadas. O experimento mostrou que adultos e bebês tiveram um desempenho
às alturas em si mesmas (veja Trehub & Trainor, 1993, para uma resenha). Observou- muito similar. Ambos os grupos se deram bem com as tríades maiores, mas tiveram
se que, ao transpor um padrão melódico conhecido da criança em três semitons (acima desempenho inferior com as tríades aumentadas.
ou abaixo), houve relativamente pouca resposta da criança. Mas, quando o padrão em
si foi modificado, isto provocou uma resposta intensa da criança. Ou seja, já aos 5 meses Os autores concluíram que há certa característica nas tríades maiores que permite aos
os bebês dão relativamente pouca importância às alturas absolutas quando ouvem uma bebês (e aos adultos) processá-las e armazená-las de forma mais eficiente. Um intervalo
melodia. O que é mais importante para elas é o conjunto invariável de contornos e de quinta maior é mais consonante (apresenta uma razão de frequências mais simples)
intervalos que distingue uma melodia de outra. Neste sentido, os bebês demonstram que um intervalo de quinta aumentada. Isso também ocorre com frequência na música.
uma “inteligência” musical que é demonstrada por crianças mais velhas e até mesmo Bebês de nove meses demonstram uma capacidade surpreendentemente similar à dos
por adultos. adultos de fazer uso dessas características. Estes, e outros estudos similares, mostram
que em muitos aspectos os bebês humanos estão “pré-afinados” para a música, sendo

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capazes de extrair informações que são fundamentais para a percepção e a memorização
das sequências melódicas e rítmicas que constituem uma música.

Figura 2. Percentual de performances corretas para bebês e adultos no


experimento de Trainor e Trehub (1993). As barras mostram o
desempenho para o acorde maior e para o acorde aumentado. (Fonte: L.
J. Trainor & S. E. Trehub: “What Mediates Infants’ and Adults’
Superior Processing of the Major over the Augmented Triad?” em:
Music Perception, nº 11, 1993, p. 190, Figure 1).

Bebês não são simples receptores passivos de informação musical. O uso precoce de
suas vozes também demonstra suas capacidades musicais. Muito antes de serem
capazes de produzir palavras e melodias reconhecíveis, os bebês experimentam com
suas vozes, jogando com elementos que serão posteriormente incorporados na fala e no
canto. Esta atividade é denominada balbuciação, e inclui atos como murmúrios, gritos,
e a repetição de padrões específicos de alturas e combinações de consoantes-vogais
(p.ex., “da-da-da”). Grande parte dessa experimentação toma lugar no contexto das
interações entre o bebê e o seu cuidador (geralmente a mãe). A interação de adultos
com os bebês gera alterações em suas vocalizações de formas bem específicas. Esta
Figura 1. Diagrama esquemático de um ambiente experimental típico para
testar as capacidades perceptivas das crianças. A criança (C) senta no colo “fala direcionada a bebês” é mais rítmica e cantada que a fala normal, faz uso de
de sua mãe (M) e escuta um estímulo de um alto-falante (S). O pesquisador arquétipos afetivos, e imita características específicas da vocalização das crianças a fim
(E) observa a criança. Uma vez que a criança perca o interesse no novo
estímulo e se habitue (painel superior), o estímulo muda (painel de atrair a atenção delas (Papousek, 1996). A imitação é de duas vias: bebês também
intermediário). Um interesse renovado no estímulo alterado é recompensado imitam as alturas e contornos melódicos que elas ouvem na fala dos adultos (Kessen et
com luzes ou um brinquedo (painel inferior), e uma nova série é iniciada.
al, 1979). Algumas dessas habilidades já são aparentes muito antes dos 6 meses de
idade. Os bebês prestam muito mais atenção nas suas mães quando elas cantam do que
quando elas falam um determinado texto (Trehub, 2003). Quando as mães cantam para

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