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Estética e Horror
Estética e Horror
1. Introdução
É possível dizer que atualmente o termo horror adquiriu um valor
comum, cotidianamente manipulado pela estética da filosofia da arte e da
crítica. A criação artística tem encontrado no horror uma das formas mais
expressivas das tendências do espírito contemporâneo, dos problemas que o
investem e das significações que suas linguagens pretendem transmitir, já que
às formas de horror parecem haver convergido as angústias e as perturbações
de uma época que se vivencia e se concebe como “apocalíptica”. Essa
confluência converteu o horror em uma categoria estética representativa da
modernidade.
2. O abjeto
Já na Poética, Aristóteles, ao comentar as causas da poesia trágica e
cômica, define não apenas que a imitação é um processo congênito ao homem
que se compraz no imitado, mas, também, que há um prazer em contemplar
elementos repugnantes. Conforme o filósofo, “sinal disto é o que acontece na
experiência: contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas
mesmas coisas que olhamos com repugnância, por exemplo, as reproduções
dos bichos mais desprezíveis e de cadáveres” (Aristóteles, 1984, p. 243). Ou
seja, ao comentar sobre a história da poesia trágica, Aristóteles afirma existir
“prazer” na contemplação de formas abjetas e, em oposição a Platão, dentro da
perspectiva poética clássica, acredita que o abalo provocado pela
representação de cenas chocantes (capazes de gerar pena e medo) poderia ter
uma conseqüência útil, porque se aprende com a imitação, e prazerosa, porque
há um deleite em contemplar.
Na segunda parte do seu ensaio, Freud nota que o ego arcaico, ainda
não delimitado pelo mundo exterior, projeta para fora dele o que sente em si
mesmo como perigoso ou desagradável em si, para dele fazer um 'duplo'
estranho, inquietante, sobrenatural, demoníaco. Porém, diz Freud (2007, p.
2494) que:
La creación de semejante desdoblamiento, destinado a conjurar la aniquilación, tiene
su parangón en un modismo expresivo del lenguaje onírico, consistente en representar
la castración por la duplicación o multiplicación del símbolo genital. En la cultura de los
viejos egipcios esa tendencia compele a los artistas a modelar la imagen del muerto
con una sustancia duradera. Pero estas representaciones surgieron en el terreno de la
egofilia ilimitada, del narcisismo primitivo que domina el alma del niño tanto la del
hombre primitivo y sólo al superarse esta fase se modifica el signo algebraico del
doble: de un asegurador de la supervivencia se convierte en un siniestro mensajero de
la muerte.
O aparelho psíquico recalca processos e conteúdos representativos que
não são mais necessários ao prazer, à autopreservação e ao crescimento
adaptativo do sujeito pensante e do organismo vivo. Entretanto, em certas
condições esse material recalcado, “que deveria ter permanecido escondido”,
reaparece e provoca a sensação do sobrenatural. Diz Kristeva (1994, p. 194)
que “o texto de Freud, na realidade, por uma sutil e secreta tentativa, continua
a revelar as circunstâncias que tornam propícia essa travessia do
recalcamento, engendrando o sobrenatural”. Inicialmente se impõe o confronto
com a morte e as suas representações, pois o nosso inconsciente recusa a
fatalidade da morte. O temor da morte dita uma atitude ambivalente:
imaginamo-nos sobreviventes, mas a morte, mesmo assim, permanece inimiga
do sobrevivente e ela o acompanha em sua nova existência. Espectros e
fantasmas representam essa ambigüidade e povoam com sensações
sobrenaturais os nossos confrontos com a imagem da morte. Sobre esta
questão, Freud (2007, p. 2501) explicita: “muchas personas consideran
siniestro en grado sumo cuánto está relacionado con la muerte, com
cadáveres, con la aparición de los muertos, los espíritus y los espectros.
No mesmo ensaio, Freud afirma que pode ser verdade que “lo
unheimlich, lo 'siniestro', sea lo heimlich, lo íntimo/hogareño que ha sido
reprimido y há retornado de la represión y que cuanto es siniestro cumple esta
condición. Pero el enigma del siniestro no queda resuelto con esta fórmula”
(Freud, 2007, p. 2500). Ele ainda afirma que os leitores de seu texto estão
dispostos a admitir que para provocar o sentimento do sinistro é preciso que
intervenham outras condições, além dos fatores temáticos anteriormente
postulados. Para concluir, a formulação final seria: “lo siniestro en las vivencias
se da cuando complejos infantiles reprimidos son reanimados por uma
impresión exterior, o cuando convicciones primitivas superadas parecen hallar
uma nueva confirmación”. O estranho na ficção merece, segundo Freud, um
exame separado, já que muito do que seria sinistro na vida real não é na
poesia; além disso, a ficção dispõe de vários meios para provocar efeitos
sinistros que não existem na vida real.
Em nenhum momento do texto Freud não fala dos estrangeiros; ele nos
ensina a detectar a estranheza que há em nós.
4. O monstro
Recuperando os conceitos freudianos e a reflexão de Kristeva em
relação ao sinistro e à formação da identidade, cabe dizer que essa última
funciona como condição para dar sentido a uma experiência, além de que
supõe uma delimitação de características específicas que a restringe; e,
principalmente, toda identidade supõe uma alteridade - um confronto com algo
que não se é.
A noção de monstro, elaborada por Noël Carroll (1999), passa por uma
alteridade rejeitada, aquilo que é ameaçador à nossa integridade; trata-se de
um outro que pode abalar o conhecimento que eu tenho de mim mesmo
através de uma configuração corporal asquerosa e ameaçadora. A função
estética ligada à presença da monstruosidade é nos dizer quem somos (pela
relação de oposição), que recebe uma complexidade no que tange ao contato
com a figura repugnante: é o despertar do horror, o despertar da figura horrífica
que deve ser mantida distante, já que o ataque ameaçador e perturbador
destrói a nossa auto-imagem inicial, ameaça e condena o modo de entender a
nossa subjetividade. Já vimos que foi com Freud e sua teoria a respeito do
sinistro que esse debate se tornou complicado, devido aos acréscimos de
categorias psicanalíticas. A idéia de que o ser humano possa ter dento de si
um interior que lhe é estranho – ou mesmo monstruoso – abre novas
perspectivas sobre a questão identitária, pois acrescenta, como vimos,
elementos contraditórios.
Noël Carroll, em seu livro, tem uma proposta muito ambiciosa: estudar o
horror sob a perspectiva de dois paradoxos: como alguém pode ficar
apavorado com o que sabe não existir?; e por que alguém se interessaria pelo
horror, uma vez que ficar horrorizado é tão desagradável?. Restringindo-se às
formas horríficas (artísticas) do cinema e da literatura dos séculos XIX e XX, a
análise de Carroll começa por encontrar afinidades muito fortes entre o horror e
a ficção científica. Para ele, o horror aparece, comprovando nossas
explicações filosóficas do inicio, como a perda da metafísica; a história de
horror na literatura é, em larga medida, a história da psicanálise e um campo
de pesquisa da temporalidade.
Para Carroll, a figura do monstro deve ser encaixada em uma das duas
últimas categorias. Independente das incertezas, há alguma coisa, um desejo
humano, que é satisfeito com a imagem de horror: entender o que há em nós
que é monstruoso, ameaçador e asqueroso. Por mais que algo seja horrível,
não é possível desviar a visão – o cinema e a literatura de horror trabalham
com essa dinâmica e, conclui Carroll, “o horror tem em si um papel de
educação moral”. Já vimos com Freud a figura feminina como monstruosa e
sinistra, porém o sexo e a mistura racial por vezes são classificados como
temas horroríficos ligados à monstruosidade; a literatura conservadora figura
como grande exemplo dessa prática, fazendo um trabalho de reforço ao tratar o
que considera subversivo em afinidade com a figura do monstro.
Uma breve análise da recente produção de terror mostra que o seu tema
central permanece o mesmo: no universo do horror, a vida é dominada por
forças mortas ou mortíferas. Porém, antigamente, o mundo, os homens, sua
sociedade, o cotidiano, o american-way-of-life, o bem-estar individual e coletivo
eram ameaçados por elementos que não pertenciam a este planeta, por
criaturas surgidas de regiões isoladas, abissais, extraterrestres ou
ressuscitadas do além-túmulo, de um universo paralelo, de uma outra
dimensão. Agora o medo provém de outras fontes. A industrialização total e a
tecnologia avançada criaram os seus próprios nichos de pavor. Não se recorre
mais a castelos mal-assombrados, criptas profanadas e portas que rangem ao
se abrirem sozinhas, entre ratos, morcegos e teias-de-aranha; tampouco à
simbologia cristã e a superstições primitivas. O novo terror surge de dentro do
lar moderno, envolve os eletrodomésticos, possui os mais sofisticados
aparelhos desta civilização racional: o elevador, a TV, a geladeira, o telefone, o
video-game, a serra-elétrica, o computador, o avião, etc (Nazário, 1986, p. 65).
Ao propor uma definição sobre o medo, Luiz Nazário formula que se trata
de um componente fundamental da psique humana, um sentimento instintivo
que todos, ao longo da vida, experimentaram em algum grau. Especialmente o
medo de ser agarrado, significativo do grande temor da morte que constitui a
base psicológica que sustenta a ficção horrorífica, base de onde partem e se
entrecruzam os outros medos, derivados ou semelhantes, que subdividem o
gênero em:
Todos esses medos têm sua origem no medo de ser agarrado e tendem
sempre ao medo primordial da morte, já que a mutilação é uma morte para um
órgão, a feiúra é uma morte para o desejo, a maldade é uma morte para a alma
e o sofrimento uma morte para a carne.
Referências bibliográficas
Fonte: http://w3.ufsm.br/grpesqla/revista/dossie/art_11.php