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Cartrovo xvi © REGIME REPRESENTATIVO Formos © regime representative, euje idéia esbo- histérico do amos no capitulo anterior, formou-se lentamen- reaine ano, ‘2 na Inglaterra, como conseqiéncia de circuns- tancias historias peculiares. ‘A evolucio politica do feudalismo inglés terminou com resultados intelramente opostos A do feudalismo francis ¢ continental. Enquanto no Continente o regime feudal produ- zia 2 monarquia absoluta, na Inglaterra engendrava a monar- quia limitada, o regime representative. ‘A causa foi a diversidade das condigées sociais © histé- reas. (V. Esmein— Droit Const., vol. I, pig. 86.) Os primeiros reis de Franca dispunham de escasso poder e prestigio, eram apenas um dos senhores feudais e nio o mais forte, Os Du- ‘ques da Normandia, de Borgonha e outros bares, no raro guerreavam 0 rei com forcas mais poderosas. Unidos, eram ‘no comego incomparavelmente mais fortes que 0 monarca, este subsistia gragas a expedientes, transagées ¢ humilha- 608. Mas, a estirpe dos primeiros reis notabilizouse pela continuidade e inteligéncia no esforgo de cousolidar @ auto- ridade do trono ¢ unificar a Franga fragmentada pelo feuda- Jismo, com linguas diferentes, moedas diversas, costumes dis- ares. Sobretudo, dividida, oprimida, escorchada e ensan- gilentada pela brutalidade e avidez dos bares feudais, cons tantomente em guerra uns com os outros. Nesse ambiente, a burguesia e o povo uniramse natu: ralmente em tormo do rei, que representava para eles uma INSTRODUGAO A CIENCIA POLITICA 241 possibilidade de paz ¢ de ordem, ¢ epoiarem-no ns lute con- ‘ra os senhores feudais. Dominados estes, submetidos & auto- ridade real o tornados cortesios, estabelecew-se a monarquis, absolute. Os Estados Gerais, assembléias convocadas de lon- ge om longe pelo rei, nfo tinham force alguma, no chege- ‘vam a limitar « autoridade do trono. ‘Na Inglaterra, a conguista normanda organizara 0 pais em quadros hierirguicos, tendo como suprema autoridade os els invasores, Sates eram realmente fortes e dominevam ‘em contraste os nobres, o cero, a burguesia © 0 povo. Mas, 08 primeiros suoessores de Guilherme Conguista- dor davam mais importincia aos seus dominios no Continente do que a0 pals conguistado, Reis da Inglaterrs e Duques da ‘Normandie, eram como dugues que guerreavam seu soberano o Rei da Franga e, para casas guerras, requsitavam na ha ho- mens, dinheiro e viveres, Para essas lutas, que Ihes eram tstrauhas e odiosas, os nobres, a burguesia e a plebe da. In- flaterra contribuiram durante mais de um século com seu Sangue e haveres. Mas uniram-se contra o rei, exigindo um limite is exagées constantes e ruinoses. No Patlamento inglés tomavam assento além da nobreza ¢0 alto cero, os representantes eleitos dos burgos e condados «e, assim, desde o comego o Parlamento representava realmen- te toda & nagio. Ora, de um lado, para os reis era mals répido e fécil pe- dic as contribuigdes de que necessitavam aos representantes das diversas classes reunidas no Parlamento do que requi- ditar diretamente no pais. Por seu lado, o Parlamento, para ‘votar aa contribulgées, pedia compensagées que eram sempre limitagio da autoridade real. Quando os reis, aruinados com as guerres continentais, tomaram-so fracos, o Parlamento ‘lo pedia, exigia, como aconteceu com Joio Sem Terra, E assim obteve todas as prerrogativas quo caracterizam 0 re- ime represontativo © os Parlamentos modernos, isto 6, além oa direitos individuais, a competéncia exclusiva para cla borar e voter as leis, 2a2 DARCY AZAMBUIA Através dessa evolugdo, que foi longa e acidentada, em quo ora o rei, ora o Parlamento era vencedor, a monarquia Inglesa passou de absoluta e ilimitada a constitucional © li- mitada, e 0 regime representative se organizou ali alguns séeulos antes do Continent, Na Franca, porém, com a Revoluglo, é que, pela primeira vez, serlam tracados 0s seus princfpios teéricos, como dog- mas fundamentais da demoeracia moderna. concede Quando os revolucionirios franeeses de 89 Tom gg Mibstitairam o dirsto divino dos reis pela sobe- ania popular e quiseram, entre a impossibili- ade da democracia direta ¢ © horror ao absolutismo monér- quico, eriar um governo livre, natural e espontaneamente Jancaram as bases eonstitucionais do regime representativo, ‘A. Declarago dos Direitos do Homem ¢ do Cidadao, sole- nemente proclamou em seu Art, 3: “O principio de toda a soberania reside essencialmente na nacdo; nenhum individuo ou grupo de individuos poder’ exereer qualquer autoridade ‘que nio emane diretamente da nagio.” TB no Art. 2 do predim- Dbulo do titulo IIT da Constituigio de 1701, a Assembléia Na- ional estatuia: “A nacho, de onde exclusivamente emanam todos os poderes nilo os pode exereer senfio por delegagio, A Constituieio francesa 6 representativa: os representantes ‘io 0 corpo legislative e 0 rei.” essa fonte irradiaram para todo o mundo civilizado 08, eanones do novo regime, que devia fundar entre os homens © vino da democracia, Na acepeio politica, que é também a vulgar ¢ corrente, censina Carré de Malberg, a expressio regime representativo designa o sistema eonstitucional no qual o povo se governa por intermédio de seus eleitos, e isso em oposicio quer a0 despotismo, em que 0 povo no tom acio alguma sobre os seus governantes, quer ao governo direto, em que os cidadios governam por si mesmos. Xsse regime implica portanto uma certa participtedo dos cidadios na gestio da coisa pablica, IneTRODUGRO A CIENCIA POLITICA 243 feipago gue se exerce na forms © na media do dreito Toitora Além ais, ele implen uma carta solderiedae © harmonia entre oo kitos © e8 lotr, aquls 0 sf0 por tm tompo limita, tam de comparener, com Intrvalos re don su ge seu clove, eestor no oitrdo a eteico Sint ‘ne mentiveram de acordo com aa ruas opie e to compromises assumidon.Bafim,o rege representative pee de parte dav asombléiag eletivas, ama Inénca po- devon nu clveeo do pts, porque fazom as les © poraue et tho uociedae aoe wow tals inportantes de Govern, 08 quale geramente dependem de sus aprovast. Derponto do vst vigoosemente, jlo, 0 rogine re: preentatve repoose na presngdo legal de que as manifest Weeda vontae de eertos indidvos ox grupos de Indiduoe {Eu a nuoma forge © profuem ov inemon felts como Seanonasom drtamonte da nao, em quem reside a sobre Man do mesmo passe que a vide plies dos povos tom nahentmentedesmentido as use Gos que Vim noe SS"eprewntatie forma toderma e sperfegoada do demo- Mache doutring nfo conseguu caractersi-o jurcamen- {eras mode peti, nm conellilo com 08 prnepis fame uments dh teora da aoberein nacional al ta reagiea etransformtgles que 80 operam trator pitcn do mairia dos pate, 0 mabestar © «ingle: Gauko gonerlzada qu trabelbs. ania de. uase todos oF ‘ih, eae se Se Tenbmenos pico © ox, Teme Tor em uma expresso que se vai tomando banal — Grae da domooraia. Teoree (© governo de representantes eleitos pelo cor- iurdiess po dot cldadoe, supée sempre, na nagio, uma seoreoine personalidade moral superior ¢ diverse da dos veoreetsiv®. inaividues. Soberania nacional, vontade geral, 0 ‘eu comum de Rousseau, so of substrates doutrinérios da re- prosentagio. A nagio delega o exercicio do poder aos seus representantes, contmuande, porém, como a fonte de toda a 244 DARCY AZAMBUIA ‘antoridade. © governo, ou mais precisemente, os Poderes Fixe- centivo e Leriststivo. sio os renresentaates tempordrios, os exe. ccutores eleitos da vontade eral Deixando de parte a questiéo da soberania nacional e da, delernctio do seu exercicio, examinemas, dentro dos préprios PPostulados da democracta elissiea, 0 problema da represen tech. AtE niio hi muito, a maloria dos eseritores via na clefedo. os dois érgfos do governo a constituigo de ‘um verdadei ‘mandeto inrfdico, A nario seria o mandante ¢ os individuos eleitos seriam os mandstirios. Passava-se, assim, para o Dit reito Péblico um institut de Direlto Privado, procurando ‘feigoar is suas resras gersis os fendmenos de orem politi: ‘ca aue integram a organizacio e o funcionamento do regime represontativo, ‘Tio generalimnda se tornou essa concenedo, que os pré= prios textos constitucionais a eonsagram. No Brasil, onde @ Tocugio se tornou corrente, a Constituicio de 1801 empreeava © termo mandato, em nada menos de quatro artigos, referindO- se a funeio de senador e deputado, Nio 6 de estranhar que, a exemplo das européias, aquela, Constituicdo abrigasse a doutrina tradicional do mandato re- presentativo, pois o seu principal autor e revisor, Rul Bar boss, decididamente esposou e defendeu a aplicagio, em Di reito Constitucional, dos prinefpios gerais do mandato de Di- reito Civil, Com a proficiéneia e elegincia que notabilizam todos os ‘trabalhos do genial jurista, disse ele “‘Bsse mandato é nacional. Quem o confere & a nacho, que elege os membros do Congresso. Ora, do mandato resulta, para 0 mandante, 0 direito de tomar contas aos seus mandatirios, e, para os, mandatérios, © dever de as prestarom, Dever 6 portanto, do mandstirio responder ao mandape te pela mancira como cumprit o mandato. Dever 6, logo, do INTRODUCAO A CIENCIA POLITICA 245 membro do Congress Nacional, responder & nagio pelo mo- do como exerce as funcées legislativas. Para isso exerce ela fiscalizacio continua sobre os atos dos seus representantes, acompanha as deliberacées parla- mentares, sobre as quais deve atuar constantemente a opinio ppbliea, no seu papel de guia, juiz, freio e propulsor. Ora, 6 mediante a publicidade, néo a publicidade oficial, que faltam os meios de larga difusio, mas a publicidade geral da imprensa, a sua smplissima publicidade, que essas relacées de mandante e mandatérios se exercem entre a na- ‘edo © os membros do Congresso Nacional. Coaretivla & roubar A nagio o seu direito soberano de seguir dla a dia, momento por momento, as deliberacies dos seus representantes. Mas, é também, ao mesmo tempo, e por isso mesmo, subtrair aos representantes da nagio o tinico meio existente de se corresponderem, cada dia e a cada mo- mento, com a sua constituinte, a nagéo, informando-a, com a Gevidé continuldade e inteireza, do procedimento de seus pro- curadores.” (Rui Barbosa — Petigio de Habeas-corpus, in Re. do Supremo Tribunal, vol. 1, n.° 2, pig. 258.) RSG cesar Constituigio procurava earacterizar a figura do mandato em Direito Constitucional, emprestando aos membros do Congres- ‘50 a situagio exata de procuradores da nagio, Essa concep¢io & comum e corrente, se nfo entre os tratadistas, pelo menos ‘nos textos legais, nos debates parlamentares e na linguagem ‘usual. Mntretanto, juridicamente, nas relagées que se estabele- com entre a nagio e os membros do Congresso ou Parla- mento, nada hi que as identifique com as relagées entre ‘mandante e mandatério, outorgante ¢ procurador. Faltam- todas as caracteristicas esseneiais a figura do Eim primelro Iugar, 0 mandato supée uma pessoa que © ‘outorga e outra que o reeebe para executar. Ora, 0 deputado 6 eleito por um colégio ou circulo cleitoral, e no entanto re-

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