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Aula 1 e 2 Semi tarde

Humanismo:
o teatro de Gil Vicente
Marcos cronológicos

Séculos XV a XVI
Humanismo
Portugal
1418: Nomeação de Fernão Lopes como Guarda-Mor da Torre do Tombo
1527: Sá de Miranda introduz em Portugal o doce estilo novo

© Prof. Eloy Gustavo


Caracterização
Esta época se caracteriza fundamentalmente pela
humanização da cultura. Na verdade, o século XV português
corresponde, em consonância com o resto da Europa, ao
nascimento do mundo moderno, na medida em que inaugura
um padrão de cultura voltado para o ser humano, seja
encarado como indivíduo, seja entrevisto como integrante da
coletividade. É certo que a concepção teocêntrica da
existência, isto é, tendo Deus como escala de valores, continua
vigente, mas já começam a despontar atitudes contraditórias
centradas diretamente no homem.
A literatura portuguesa; Massaud Moisés
Momento histórico

• Segunda metade do XV a primeira do XVI:


Século de ouro de Portugal

• Expansão marítima e estabelecimento do império.

• Transição da Idade Média para o Renascimento português.


Principal Produção do Humanismo Português

Poesia:
Cancioneiro Geral de Garcia Resende 1516.
Coletânea de poesia lírica de diversos autores;
Poesia sem acompanhamento musical (diferente do trovadorismo);
880 composições em português e castelhano;
Medida velha: redondilha menor (pentassílabos) e maior (heptassílabos).

Historiografia:
Fernão Lopes, Gomes Eanes de Azurara, Rui de Pina...
Heródoto português (pai da historiografia portuguesa);
Grande escritor: narrativas históricas de grande valor literário;
Grande inovação: visão das massas como agente histórico.

Teatro:
Pai do teatro português;
Gil Vicente. Dramaturgo de valor universal.
Gil Vicente
Teatro vicentino
46 peças - português, castelhano e bilíngues

Teatro de origem medieval, não segue as três unidades aristotélicas:


tempo, espaço, ação

Função pedagógica e moralizadora:

- dramatiza preceitos morais da ordem medieval;

- critica vícios e costumes da sociedade portuguesa;

- caracterizado principalmente pela sátira.


Castigat ridendo mores
(rindo corrigem-se os costumes)
Representação medieval do inferno:
condenação dos pecados

Inferno. Anônimo. Óleo sobre madeira de carvalho.


Primeiro terço do século XVI. Museu Nacional de Arte Antiga Lisboa
Três das principais peças

Velho da horta

Farsa de Inês Pereira


“Mais quero asno que me leve
do que cavalo que me derrube.”

Auto da barca do inferno


Auto da barca do inferno
Estrutura da peça
• Cenário:
– ancoradouro
duas embarcações na praia do Purgatório:
uma para o Paraíso, outra para o Inferno.

• Estrutura:
– ato único;
– subdivisão em cenas
(uma para cada morto ou grupo de mortos chegado ao ancoradouro);
– unidade: Anjo e Diabo.

• Argumento:
antítese salvação-condenação.
Cenário: ancoradouro com duas barcas

Barca com o anjo Barca com diabo e seu ajudante


- Entrada por mérito - Entrada por castigo
- Alegoria da Salvação - Alegoria da Condenação
(desfrute do paraíso) (sofrimento no inferno)
Ações repetitivas
Os recém mortos chegam sem diferenciar as barcas, com exceção dos cavaleiros.
Eles querem embarcar para o paraíso, com exceção do judeu.
O diabo quer levar todos ao inferno, com exceção do judeu.
Todos falam com o anjo, com exceção do judeu, que é xingado pelo parvo.
O condutor da barca do céu: o anjo

• linguagem elevada e incisiva, por vezes com alguma ironia;

• impede o embarque dos pecadores, que insistem em


embarcar.
O condutor da barca do inferno: o diabo
• irônico; Figura cômica
muitas vezes
• debochado;

• quer levar a todos para o inferno, com exceção do judeu;

• condena o que há de errado na sociedade.


Caracterizações das personagens que se
apresentam às barcas – os condenados
• Acabaram de morrer

• Trazem Símbolos Terrenos:


marcas do pecado ou da virtude;

• Fazem Argumentação de Defesa:


conteúdo ou comportamento denunciadores do pecado;

• Tipos sociais, quase nenhum deles tem nome:


alegoria de elementos corrompidos de vários grupos sociais;

• Ausência de caracterização psicológica.


Caracterizações das personagens que se
apresentam às barcas – os salvos

Parvo Quatro cavaleiros


Parvo
Virtude: inocência, humildade.

Símbolos Terrenos: não leva nada – desapego.

Argumentação: não argumenta – pede para embarcar.


Chega o Parvo ao batel do Anjo e diz:
Parvo: Hou da barca!
Anjo: Que me queres?
Parvo: Queres-me passar além?
Anjo: Quem és tu?
Parvo: Samica alguém.
Anjo: Tu passarás, se quiseres;
porque em todos teus fazeres
per malícia nom erraste.
Tua simpreza t'abaste
pera gozar dos prazeres.
Quatro Cavaleiros (Cruzados)

Virtude: martírio pela fé (morreram combatendo os mouros).

Símbolos Terrenos: espadas, escudos, Cruz de Cristo.

Argumentação: desnecessária, o Anjo os recebe prontamente.

Anjo: Ó cavaleiros de Deus,


a vós estou esperando,
que morrestes pelejando
por Cristo, Senhor dos Céus!
Sois livres de todo mal,
mártires da Santa Igreja,
que quem morre em tal peleja
merece paz eternal.
Síntese: os condenados e os pecados
Onzeneiro
Fidalgo
Usura
Opressão do povo
Soberba
Sapateiro
Roubo nos preços

Enforcado
Falta de fé

Frade
Comportamento
mundano
Juiz e Corregedor
Corrupção

Judeu Brísida Vaz


Prática de judaísmo Alcoviteira
Fidalgo

Pecado: opressão do “povo”, arrogância.

Símbolos Terrenos: cadeira, manto, pajem.

Argumentação: existência de quem reze e chore


por ele.
Rubrica da peça
“O primeiro intrelocutor é um Fidalgo que chega com um
Paje, que lhe leva um rabo mui comprido e üa cadeira de
espaldas. E começa o Arrais do Inferno ante que o Fidalgo
venha.”
Fidalgo chega à barca do inferno
Fidalgo: Esta barca onde vai ora,
que assim está percebida?
Diabo: Vai para a ilha perdida
e há-de partir logo ess’ora..
Fidalgo: Para lá vai a senhora?
Diabo: Senhor, a vosso serviço.
Fidalgo: Parece-me isto cortiço...
Diabo: Porque a vedes lá de fora.
Estrutura do texto
Fidalgo: Esta barca onde vai ora,
que assim está percebida?
Diabo: Vai para a ilha perdida
e há-de partir logo ess’ora..
Estrofe de 8 versos
Fidalgo: Para lá vai a senhora? Oitava
Diabo: Senhor, a vosso serviço.
Fidalgo: Parece-me isto cortiço...
Diabo: Porque a vedes lá de fora.
Esquema de rima: ABBAACCA
Métrica: heptassílabos (redondilha maior)
Es / ta / bar /ca on / de / vai / o / ra,
1 2 3 4 5 6 7

que as / sim / es / tá / per / ce / bi / da?


1 2 3 4 5 6 7
O diabo quer embarcá-lo
Fidalgo: Porém, a que terra passais?
Diabo: Para o inferno, senhor.
Fidalgo: Terra é bem sem-sabor.
Diabo: Quê? E também cá zombais?
Fidalgo: E passageiros achais
para tal habitação?
Diabo: Vejo-vos eu em feição
para ir ao nosso cais...
Argumento de salvação do fidalgo: choram por ele
Fidalgo: Parece-te a ti assim.
Diabo: Em que esperas ter guarida?
Fidalgo: Que deixo noutra vida
quem reze sempre por mim.
Diabo: Quem reze sempre por ti?
Hi-hi-hi-hi-hi-hi-hi!...
E tu viveste a teu prazer,
cuidando cá guarecer
Por que lá rezam por ti?!
Quebra no padrão dos versos
Parece-te a ti assim. Esta barca onde vai ora,
Em que esperas ter guarida? que assim está percebida?
Que deixo noutra vida Vai para a ilha perdida
quem reze sempre por mim. e há-de partir logo ess’ora..
Quem reze sempre por ti? Para lá vai a senhora?
Hi-hi-hi-hi-hi-hi-hi!... Senhor, a vosso serviço.
E tu viveste a teu prazer, Parece-me isto cortiço...
cuidando cá guarecer Porque a vedes lá de fora.
Por que lá rezam por ti?!
Esquema de rima: ABBAAACCA Esquema de rima: ABBAACCA

Embora nos versos vicentinos ocorram por vezes


algumas pequenas irregularidades, não se considera que
isso diminua em qualquer medida a sua arte.
O pai do fidalgo foi para o inferno: ironia quanto à linhagem

Diabo: Embarca! ou embarcai,


que haveis de ir à derradeira.
Mandai meter a cadeira,
que assim passou vosso pai.
Fidalgo: Quê, quê, quê! E assi lhe vai?!
Diabo: Vai ou vem, embarcai prestes!
Segundo lá escolhestes,
assi cá vos contentai.
Não há possibilidade de escolha: a vida determina o destino
Diabo: Pois que já a morte passastes,
haveis de passar o rio.
Fidalgo: Não há aqui outro navio?
Diabo: Não, senhor, que este fretastes,
e já quando expirastes,
me tínheis dado sinal.
Fidalgo: Que sinal foi esse tal?
Diabo: Do que vós vos contentastes.
O fidalgo dirige-se ao anjo
Fidalgo: A est’ outra barca me vou.
Ó da barca! Pera onde is?
Ah, barqueiros, não m’ ouvis?
Respondei-me! Houlá, hou!
Pardeus, aviado estou:
quant’ a isto é já pior.
Que gericocins, salvanor!
Cuidam cá que sou eu grou!
Nova argumento: seus privilégios por ser nobre
Anjo: Que mandais?
Fidalgo: Que me digais?
pois parti tão sem aviso,
se a barca do paraíso
é esta em que navegais.
Anjo: Esta é; que lhe buscais?
Fidalgo: Que me deixeis embarcar;
sou fidalgo de solar,
é bem que me recolhais
O contra-argumento do anjo: o fidalgo foi tirano
Anjo: Não se embarca tirania
neste batel divinal
Fidalgo: Não sei por que haveis por mal.
que entre minha senhoria.
Anjo: Pra vossa fantasia
Mui pequena é esta barca.
Fidalgo: Para senhor de tal
não há aqui mais cortesia?
Recusa do embarque / Discurso irônico
Fidalgo: Venha prancha e atavio!
Levai-me desta ribeira!
Anjo: Não vindes vós de maneira
para entrar neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará,
e o rabo caberá
e todo o vosso senhorio.
O castigo do fidalgo: humilhação
Anjo: Ireis lá mais espaçoso,
vós e... Vossa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso;
e porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
Quanto mais fostes fumoso.
Exercício 1 Semi tarde
Levando em conta a peça como um todo e, em particular, o fragmento
transcrito, assinale a alternativa correta.

a) O Diabo desperta mais riso do que medo, mas, no fundo, alegoriza o triste fim de
quem, como o Fidalgo, levou a vida em desacordo com a moral cristã.

b) O Anjo é alegoria do Bem, que, na peça, é alcançado por um parvo e por quatro
guerreiros cruzados. A moral contida nessa alegoria é herética, pois não tem nenhum
fundamento na tradição cristã medieval.

c) No Auto da Barca do Inferno, o Bem e o Mal, representados pelo Diabo e pelo


Anjo, respectivamente, não se distinguem um do outro, uma vez que o segundo pratica
o mal, remetendo pecadores ao inferno. Essa alegoria se opõe à doutrina católica do
século XVI.

d) A condenação do Fidalgo ao inferno demonstra o sentimento antiaristocrático de Gil


Vicente, que, desse modo, se afasta do espírito crítico humanista, para aceitar um
dogma da Escolástica.

e) Não há perspectiva alegórica na peça, pois Gil Vicente estava interessado em


registrar aspectos típicos da sociedade portuguesa de seu tempo.
Exercício 1 Semi tarde
Levando em conta a peça como um todo e, em particular, o fragmento
transcrito, assinale a alternativa correta.

a)
X O Diabo desperta mais riso do que medo, mas, no fundo, alegoriza o triste fim de
quem, como o Fidalgo, levou a vida em desacordo com a moral cristã.

b) O Anjo é alegoria do Bem, que, na peça, é alcançado por um parvo e por quatro
guerreiros cruzados. A moral contida nessa alegoria é herética, pois não tem nenhum
fundamento na tradição cristã medieval.

c) No Auto da Barca do Inferno, o Bem e o Mal, representados pelo Diabo e pelo


Anjo, respectivamente, não se distinguem um do outro, uma vez que o segundo pratica
o mal, remetendo pecadores ao inferno. Essa alegoria se opõe à doutrina católica do
século XVI.

d) A condenação do Fidalgo ao inferno demonstra o sentimento antiaristocrático de Gil


Vicente, que, desse modo, se afasta do espírito crítico humanista, para aceitar um
dogma da Escolástica.

e) Não há perspectiva alegórica na peça, pois Gil Vicente estava interessado em


registrar aspectos típicos da sociedade portuguesa de seu tempo.
Exercício 2 Semi tarde
Levando em conta o fragmento transcrito, assinale a alternativa correta.

a) Os versos são muito mal metrificados, pois o padrão de sete sílabas não é
rigorosamente obedecido.

b) As estrofes têm oito versos redondilhos maiores, com esquema de rima abbaacca, isto
é, o primeiro verso (a) rima com o quarto, quinto e oitavo; o segundo (b), com o
terceiro; o sexto (c), com o sétimo. Em alguns versos, há diferenças mínimas quanto ao
número de sílabas, irregularidade facilmente neutralizada na recitação.

c) Pelo fragmento em questão, dá para notar que a peça, como um todo, se aproxima da
estrutura do teatro clássico, por apresentar unidade de tempo, espaço e ação.

d) O espírito crítico que perpassa toda a peça anula os lances humorísticos das cenas.

e) Nota-se que Gil Vicente, no Auto da Barca do Inferno, não assimilou conquistas do
Humanismo, verificadas em outras obras de sua autoria.
Exercício 2 Semi tarde
Levando em conta o fragmento transcrito, assinale a alternativa correta.

a) Os versos são muito mal metrificados, pois o padrão de sete sílabas não é
rigorosamente obedecido.

b) As estrofes têm oito versos redondilhos maiores, com esquema de rima abbaacca, isto
X
é, o primeiro verso (a) rima com o quarto, quinto e oitavo; o segundo (b), com o
terceiro; o sexto (c), com o sétimo. Em alguns versos, há diferenças mínimas quanto ao
número de sílabas, irregularidade facilmente neutralizada na recitação.

c) Pelo fragmento em questão, dá para notar que a peça, como um todo, se aproxima da
estrutura do teatro clássico, por apresentar unidade de tempo, espaço e ação.

d) O espírito crítico que perpassa toda a peça anula os lances humorísticos das cenas.

e) Nota-se que Gil Vicente, no Auto da Barca do Inferno, não assimilou conquistas do
Humanismo, verificadas em outras obras de sua autoria.
Exercício 3 Semi tarde
(FUVEST) Indique a afirmação correta sobre o Auto da Barca
do Inferno, de Gil Vicente:

a) É intrincada a estruturação de suas cenas, que surpreendem o público


com o inesperado de cada situação.

b) O moralismo vicentino localiza os vícios não nas instituições, mas


nos indivíduos que as fazem viciosas.

c) É complexa a crítica aos costumes da época, já que o autor é o


primeiro a relativizar a distinção entre o Bem e o Mal.

d) A ênfase desta sátira recai sobre as personagens populares, as mais


ridicularizadas e as mais severamente punidas.

e) A sátira é aqui demolidora e indiscriminada, não fazendo referência a


qualquer exemplo de valor positivo.
Exercício 3 Semi tarde
(FUVEST) Indique a afirmação correta sobre o Auto da Barca
do Inferno, de Gil Vicente:

a) É intrincada a estruturação de suas cenas, que surpreendem o público


com o inesperado de cada situação.

b)
X O moralismo vicentino localiza os vícios não nas instituições, mas
nos indivíduos que as fazem viciosas.

c) É complexa a crítica aos costumes da época, já que o autor é o


primeiro a relativizar a distinção entre o Bem e o Mal.

d) A ênfase desta sátira recai sobre as personagens populares, as mais


ridicularizadas e as mais severamente punidas.

e) A sátira é aqui demolidora e indiscriminada, não fazendo referência a


qualquer exemplo de valor positivo.
Tarefas
Para quem não vai prestar Fuvest e Unicamp
Mínima:
Leitura: capítulo 2
Humanismo
Exercícios: série 2 – de 1 a 10

Complementar:
Leitura: capítulo 1
Trovadorismo
Exercícios: série 1 – de 1 a 10

Para quem vai prestar apenas Fuvest e Unicamp


Livros:
Memórias de um sargento de milícias
Ler os 2 primeiros poemas de Sentimento do mundo, fazendo
anotações.

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